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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA/UFSM CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS E HUMANAS/CCSH

    GRADUAO EM FILOSOFIA ESTGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO II

    PROFA. DR. ELISETE M. TOMAZETTI

    ELABORAO DE ATIVIDADES DE FILOSOFIA

    ATIVIDADES DE INTRODUO FILOSOFIA

    E FILOSOFIA POLTICA

    ACADMICOS: Ariana, Camila, Lisiane, Mateus, Rafael A. e Tnia.

    Santa Maria, RS, Brasil 2009

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    1. INTRODUO FILOSOFIA 1.1 O QUE FILOSOFIA?

    Etimologia - origem da palavra: Philia = amizade Sophia = sabedoria, conhecimento.

    Ns, [homem comum] que vivemos aqui, somos os bichinhos microscpicos que vivem na base dos plos do coelho. Mas os filsofos tentam subir da base para a ponta dos finos plos, a fim de poder olhar bem dentro dos olhos do grande mgico.

    A partir da citao acima, escreva o que voc compreendeu sobre a diferena entre o homem comum e o filsofo.

    No livro O Mundo de Sofia, Jostein Gaarder expe uma situao figurativa para

    explicar o que ser filsofo e o que o diferencia do homem comum. Para tanto, ele nos trs o exemplo de um mgico que retira de sua cartola um coelho que simboliza o mundo.

    Nos plos desse coelho existem bichinhos microscpicos, alguns residem na base dos plos, so os homens comuns, ou seja, pessoas que esto costumadas com o mundo em que vivem, esto na escurido da base dos plos, no se perguntam sobre o mundo e esto acomodadas no conforto da pelagem do coelho, aceitando, assim, as coisas como so. Elas no se questionam, portanto, por que as coisas no so diferentes do que se apresentam a elas, tendo como verdades, principalmente, o que vem e o que ouvem.

    O filsofo, por sua vez, sobe da base para as pontas dos plos do coelho em busca da iluminao do conhecimento que lhe permite questionar o mundo em que vive, ou seja, a filosofia existe para fazer questionamento que os homens comuns no fazem.

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    Perguntas do Homem comum Perguntas do Filsofo Que horas so? O que o tempo? Ele est sonhando. O que sonho? Maria ficou maluca. O que a loucura? Onde h fumaa, h fogo. O que causa? O que efeito? As flores so bonitas. O que o belo? Voc um mentiroso! O que a verdade? O que o erro? O que

    a mentira? Fazer perguntas como as citadas a cima diz respeito atitude da filosofia. Com estas

    perguntas ela quer investigar conceitos, abordando-os de forma crtica e reflexiva.

    OBSERVAO: fazer perguntas filosficas NO funo exclusiva de quem tem graduao em filosofia, qualquer pessoa pode filosofar, porm, nem tudo filosofia. Um dos passos para nos tornarmos filsofos comear ver o mundo de outra forma, ou seja, no apenas fazer afirmaes, mas ir alm, fazendo destas afirmaes verdadeiros questionamentos filosficos.

    EXERCCIO: Partindo do que voc compreendeu e da reportagem abaixo, encontre

    possveis perguntas filosficas:

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    1.2 DEFINIES ACERCA DO CONCEITO DE FILOSOFIA

    Muitos filsofos definiram o que filosofia. Vejamos alguns: A verdadeira filosofia reaprender a ver o mundo. Merleau - Ponty. A filosofia uma batalha contra o enfeitiamento de nossa inteligncia por meio da linguagem Ludwig Wittgenstein. No devemos fingir fazer filosofia, e sim realmente faze-la; pois precisamos no da aparncia de sade, mas de sade verdadeira. Epicuro. No se aprende filosofia, mas a filosofar Kant. A tarefa da filosofia entender o que , pois o que a razo. Hegel. Os filsofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa transform-lo. Karl Marx.

    REFLITA: Baseado no que j foi dito em aula e nas definies citadas acima: O que filosofia? O que no filosofia? Para que serve a filosofia?

    cartaz. (o que filosofia, o que no filosofia, conceitos que podem ser explicados pela filosofia).

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    TRABALHO EM GRUPO: Distribuir a cada grupo um quebra-cabea de figuras. Deixar com que os grupos se divirtam e tentem montar o quebra-cabea. Posteriormente, o professor em conjunto com a turma, monta a figura do quebra-cabea de forma desordenada e expe para a turma , na tentativa que identifiquem a figura. Notando a desordem, os grupos devero organizar o quebra-cabea e apresentar novamente turma, que dever identificar a figura formada. Aps isso, discutir em conjunto, quais foram as dificuldades inicialmente em identificar a figura montada. Questionar os alunos porque os homens tm dificuldade em compreender as coisas, quando estas no esto dentro de certa ordem? No que a filosofia viria ajudar neste casos? Qual o papel da filosofia para o pensamento humano? Posteriormente a discusso, solicitar que os grupos criem um texto explicando e argumentando qual a importncia da ordem do nosso pensamento. 1.3 O QUE NO FILOSOFIA? A) Filosofia X Mito. Para explicar a diferena entre filosofia e mito preciso ter clareza do que seja o mito. Mito uma narrativa fantstica sobre a origem de alguma coisa, ele ausente de cincia, ou seja, um mito no depende de comprovaes de hipteses, mas depende da confiana entre quem conta-o e quem o ouve. O mito , portanto, incontestvel e inquestionvel. O MITO GREGO SOBRE A ORIGEM DO MAL: A CAIXA DE PANDORA

    Hefesto fez uma mulher belssima chamada Pandora e a apresentou a Zeus antes de ela descer superfcie da Terra. Zeus, admirado com a obra de Hefesto, despachou Pandora para a Terra, mas antes lhe deu uma grande e belssima caixa de marfim ornamentada fechada e tambm lhe deu a chave, dizendo-lhe: Quando voc se casar, oferea esta caixa como dote ao seu marido, mas a caixa s pode ser aberta aps seu casamento. Em pouco tempo, Pandora conheceu Epimeteu, irmo mais novo de Prometeu e logo se casaram. Epimeteu viajava constantemente e, certa vez, ficou muito tempo longe de casa. Pandora sentia-se s e triste. Lembrou-se da caixa e foi at o canto onde estava guardada

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    examin-la curiosamente. Enquanto observava os lindos detalhes e adornos externos, Pandora pareceu ouvir pequenas vozes gritando l de dentro e dizendo: Deixe-nos sair! ... Deixe-nos sair.... Pandora no podia esperar mais. Foi correndo buscar a chave e imediatamente abriu a tampa da caixa. Para sua grande surpresa centenas de pequeninas e monstruosas criaturas, parecendo terrveis insetos, saram voando l de dentro, com um zumbido assustador.Logo a nuvem desses insetos cobriu o sol, e o dia ficou escuro e cinzento. Apavorada, Pandora fechou a caixa e sentou-se sobre a tampa. Ela estava tendo toda a espcie de sentimentos e pensamentos sombrios e odiosos que nunca tivera antes. Sentiu raiva de si mesma por ter aberto a caixa. Sentiu uma grande onda de cime de Epimeteu. Sentiu-se raivosa e irritada. Percebeu que estava doente de corpo e de alma. Sbito pareceu-lhe ouvir outra voz gritando de dentro da caixa: Liberte-me! Deixe-me sair daqui!. Pandora respondeu rispidamente: Nunca! Voc no sair ! J fiz tolice demais em abrir essa caixa! Mas a voz prosseguiu de dentro da caixa: Deixe-me sair, Pandora! S eu posso ajud-la!

    Pandora hesitou, mas a voz era to doce, e ela se sentia to s e desesperada,que resolveu abrir a caixa. De l de dentro saiu uma pequena fada, com asinhas verdes e luminosas que clarearam um pouco aquele quarto escuro, aliviando a atmosfera que se tornara pesada e opressiva. Eu sou a Esperana, disse a fada. E prosseguiu: Voc fez uma coisa terrvel, Pandora! Libertou todos os males do mundo: egosmo, crueldade, inveja, cime, dio, intriga, ambio, desespero, tristeza, violncia e todas as outras coisas que causam misria e infelicidade. Zeus prendeu todos esses males nessa caixa e deu a voc e a seu marido. Ele sabia que voc iria, um dia, abrir essa caixa. Essa a vingana de Zeus contra Prometeu e todos os homens, por terem roubado o fogo dos deuses!

    Chorando copiosamente, Pandora disse: Que coisa terrvel eu fiz! Como poderemos pegar todos esses males e prend-los novamente na caixa? Voc nunca poder fazer isso Pandora! Respondeu tristemente a fada da Esperana. Eles j esto todos espalhados pelo mundo e no podem mais ser presos! Mas h algo que pode ser feito: Zeus enviou-me tambm, junto com esses males, para dar esperana aos sofredores, e eu estarei sempre com eles, para lembrar-lhes que seu sofrimento passageiro e que sempre haver um novo amanh ! Concluso: Portanto, enquanto o mito relata a existncia das coisas pela explicao fantstica, a filosofia se questiona sobre o que so e como tem origem s coisas que existem. REFLITA: E hoje, aps tanto tempo do nascimento da filosofia, nos livramos das explicaes mitolgicas? Ou, voc lembra-se de algum caso em que, por no saber explicar, relatou ou acreditou em alguma histria suspeita de ser mitolgica? EXERCCIOS:

    Diferenciando mito de filosofia: entregar turma vrios tipos de mitos, para que os alunos faam a leitura dos mesmos. Aps este primeiro passo, discutir com os alunos que tipo de texto este, para que serve, quando utilizado, etc. Deixar os estudantes falarem e contarem outros mitos que eles conheam.

    Os alunos podem tambm colocar a em prtica a sua criatividade e criarem mitos, ou seja, inventarem explicaes para a criao de coisas e acontecimentos da atualidade.

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    TRABALHO EM GRUPO: Pesquisar os mitos subjacentes nas produes culturais, por exemplo, em telenovelas, filmes, propagandas, histrias em quadrinhos, etc. Cada grupo faz um relatrio e em seguida abre-se para a exposio dos temas e debates em sala de aula. Aps a apresentao de todos os mitos pesquisados, buscar identificar em cada um deles, as caractersticas constitutivas dos mesmos: contam uma histria sagrada, relatam um acontecimento ocorrido no tempo, narram as faanhas dos entes sobrenaturais, narram uma realidade que passou a existir, um comportamento humano, uma instituio. uma narrativa de criaes, relatam de que modo algo foi produzido e comeou a ser, se tornando modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas. B) Filosofia X Religio. As religies, assim como o mito, tentem responder por que o Universo e as coisas presentes nele existem. Porm, diferente dos mitos que so transmitidos levando em conta apenas confiana existente na relao narrador-ouvinte, a religio utiliza a institucionalizao do sentimento do sagrado, o que implica em rotinas e dogmas, comemorados em rituais, visando rememorar e fixar o acontecimento mtico primordial.

    Em se tratando da filosofia, podemos dizer que ela diverge da religio quanto ao caminho para se chegar verdade. Enquanto a filosofia utiliza-se da razo, do pensamento lgico (veremos o que isto mais adiante) para chegar verdade, a religio acredita chegar a ela pelas escrituras e pela revelao baseada na f.

    A religio trata de muitas questes que a filosofia tambm se debrua, mas a primeira atribui mais valor f do que aplicao das faculdades da razo aceita pela filosofia. C) Filosofia X Cincia.

    Enquanto a cincia explica as coisas atravs dos cinco sentidos, comeando pela observao dos fatos e perpassando por outras fases no intuito de confirmar ou refutar hipteses, a filosofia vai alm das indagaes cientficas. Ela ultrapassa o ponto em que a cincia poderia nos fornecer respostas.

    Assim, por exemplo, enquanto a pergunta por que as coisas existem? explicada pelos cientistas atravs do Big Bang, a filosofia, neste caso, poderia se perguntar por que h alguma coisa e no nada?, e a esta pergunta a cincia no teria resposta. 1.4 OS PRINCIPAIS PERIODOS DA FILOSOFIA: Filosofia antiga (VI a.C. VI d.C.)

    1. Perodo pr-socrtico ou cosmolgico: A filosofia se ocupa com a origem do mundo e as causas das transformaes na Natureza. 2. Perodo socrtico ou antropolgico: a filosofia investiga as questes humanas, isto , a tica, a poltica, as tcnicas. 3. Perodo sistemtico: a filosofia busca reunir e sistematizar tudo que foi pensado sobre cosmologia e antropologia, interessando-se

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    em mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento filosfico. 4. este perodo alcana Roma e os primeiros padres da igreja, a filosofia ocupa-se com as questes da tica, do conhecimento humano, e das relaes entre o homem e a natureza e de ambos com Deus.

    Filosofia patrstica (I d.C. VII d.C.)

    A patrstica resultou do esforo feito por dois apstolos: Paulo e Joo e pelos primeiros padres da igreja para conciliar a nova religio o cristianismo com o pensamento filosfico dos gregos e romanos. A filosofia patrstica liga-se a tarefa religiosa da evangelizao e defesa da religio crist contra os ataques tericos e morais que recebia dos antigos.

    Filosofia medieval (VII d.C. XIV d.C.)

    o perodo em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava cruzadas Terra Santa e criava, volta das catedrais, as primeiras universidades ou escolas. Sendo chamada, a partir do sculo XII, com o nome de Escolstica. Teve como influencias principais: Plato e Aristteles. Durante este perodo surge propriamente a filosofia crist, a teologia. Um de seus temas mais constantes so as provas da existncia de Deus e da alma.

    Filosofia da renascena (XIV d.C. XVI d.C)

    marcada pela descoberta de obras de Plato desconhecidas na Idade Mdia, de novas obras de Aristteles, bem como pela recuperao das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos.

    Filosofia moderna (XVII d.C. VIIId.C.)

    Esse perodo, conhecido como o grande racionalismo clssico, marcado por trs grandes mudanas intelectuais. 1. A filosofia em lugar de comear seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, comea pelo sujeito do conhecimento como conscincia de si reflexiva, ou seja, o homem questiona-se sobre sua capacidade de conhecer. 2. Tudo que pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa idia clara e distinta, demonstrvel e necessria, formulada pelo intelecto. 3. A realidade pode ser conhecida e modificada pelo homem. Nasce a idia de experimentao e de tecnologia e o ideal de que o homem poder dominar tecnicamente a Natureza e a sociedade. Obs.: Diferente da Idade Mdia que concebia o homem como subordinado a uma fora superior: Deus, a Idade Moderna, v o homem como transformador da realidade em que vive.

    Filosofia do Iluminismo (XVIII d.C. XIX d.C.)

    Este perodo tambm cr nos poderes da razo, chamado de As Luzes. Aqui h grande interesse pelas cincias que se relacionam com a idia de evoluo e, por isso, a biologia ter um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da filosofia da vida.

    Filosofia contempornea (XIX d.C - ... (hoje)

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    1.5 NASCIMENTO DA FILOSOFIA: A filosofia nasceu na Grcia no final do sculo VII e incio do sculo VI antes de Cristo.

    OS PR-SOCRTICOS: Os primeiros filsofos que existiram na Grcia queriam descobrir qual era a substncia

    bsica que estava por trs de todas as transformaes, ou seja, queriam entender os fenmenos naturais. Por isso, ficaram sendo denominados de filsofos da natureza. Vejamos alguns:

    1. TALES DE MILETO: Tales acreditava ser a gua o que dava origem a todas as coisas. 2. ANAXIMENES: Acreditava ser o ar ou o sopro de ar a substncia bsica das coisas. 3. PARMNIDES: acreditava que tudo que existe sempre existiu e que, portanto, nada pode surgir do nada ou se transformar em algo diferente do que . Assim, dizia que as transformaes do mundo que percebemos atravs dos sentidos uma iluso destes. Ele acreditava apenas no que sua razo lhe dizia. 4. HERCLITO: Ao contrrio de Parmnides, ele acreditava nos sentidos e dizia que tudo est em movimento e nada dura pra sempre. Assim, ele dizia que no podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois tanto o rio, quanto ns mudamos constantemente. Para Herclito o mundo uma interao de opostos, ou seja, para saber o que a paz preciso a guerra, para saber o que a verdade preciso a mentira, etc. REFLITA: Voc confia mais na sua razo ou nos seus sentidos? 5. EMPDOCLES: Dizia que tanto Parmnides quanto Herclito haviam errado, pois assumiram apenas um elemento como substncia principal. Porm, concordava com Parmnides, pois um elemento sozinho no se transforma (lembre-se de suas aulas de qumica) e concordava com Herclito quando este dizia que devemos confiar em nossos sentidos, pois a natureza est em transformao. Empdocles dizia que haviam quatro elementos bsicos: a terra, o ar, o fogo e a gua. Estes elementos se combinavam e depois voltavam a se separar para ento se combinarem novamente. 6. DEMCRITO: Dizia ser o tomo a menor unidade da matria (hoje se sabe que isto no verdade), sendo ele eterno, imutvel e indivisvel (influncia de Parmnides). Estes tomos

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    que so unidades firmes e slidas ao se unirem do origem a formas diferentes que vem e vo (influncia de Herclito). OBSERVAO: Saber o que cada filsofo da natureza defende no o mais importante. Porm, preciso ter claro que eles passaram a explicar o mundo de outra maneira, no mais pautados pelas explicaes mticas, mas baseados na observao emprica da natureza, dando origem a forma cientfica de pensar. PERODO ANTROPOLGICO: Ao contrrio dos Pr-socrticos que questionavam sobre a origem do mundo, os filsofos deste perodo investigam as questes humanas, isto , a tica, a poltica e as tcnicas, alm de conceitos como justia, bem, virtude, conhecimento, verdade e outros. 1. SOFISTAS: Eram professores viajantes que vendiam ensinamentos prticos de filosofia. Ensinavam conhecimentos teis para o sucesso nos negcios pblicos e privados. Assim, tinham como objetivo o desenvolvimento do poder de argumentao, da habilidade retrica, do conhecimento de doutrinas divergentes, no intuito de ensinar como convencer as pessoas. Para os sofistas, as opinies humanas so infindveis, diversas e no podem ser reduzidas a uma nica verdade. No existem valores ou verdades absolutas. Assim, os sofistas foram acusados, principalmente, por Plato de manipuladores de raciocnio, ou seja, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade. 2. SCRATES:

    Scrates era filho de uma parteira e de um escultor e, inspirado em seus pais, tinha a

    inteno de esculpir um homem que fosse capaz de dar a luz a suas prprias idias. Pela sua abordagem antropolgica, ou seja, por interessar-se por questes humanas, atribui-se a ele a frase conhece-te a ti mesmo, inscrita no Orculo de Delfos.

    Scrates desenvolvia sua filosofia em praa pblica, dialogando com todos: jovens e velhos, ricos e pobres, escravos e cidados. Ele procurava a essncia de questes feitas pelo homem como: O que bem? O que justia? O que a virtude?, ou seja, ele queria descobrir

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    o que esses conceitos eram em sua validade universal. Para tanto, sua filosofia era desenvolvida mediante dilogos crticos com seus interlocutores. Esses dilogos podem ser divididos em dois momentos: a ironia e a maiutica.

    Ironia: No grego, ironia quer dizer interrogao. Scrates interrogava seus interlocutores sobre aquilo que pensavam. Ele procurava evidenciar as contradies afirmadas e os problemas das afirmaes proferidas. Seu objetivo era demolir o orgulho, a arrogncia e a presuno do saber. Para Scrates, a primeira virtude do sbio adquirir conscincia da prpria ignorncia, assim, ele dizia: s sei que nada sei. Vejamos como Scrates utilizava a Ironia, atravs de um trecho da Repblica de Plato, onde Scrates interroga seus interlocutores a respeito do que seja a justia.

    Scrates Falaste admiravelmente, Cfalo. Mas que se deve entender por essa mesma qualidade, a justia, a que te referes? Devemos defini-la como nem mais nem menos que veracidade e restituio do que um homem recebeu de outro? Ou possvel, por atos desta mesma natureza, ser as vezes justo, as vezes injusto? Exemplificando: todos admitem sem dvida que, se um homem, na posse de suas faculdades, pusesse armas perigosas nas mos de um amigo, e, mais tarde, em um acesso de loucura as reclamasse, aquele no deveria restituir o depsito e praticaria uma injustia se o fizesse ou dissesse ao tal toda a verdade a respeito do seu estado mental. Cfalo Dizes bem. Scrates Logo, falsa definio de justia a que a faz consistir em dizer a verdade e restituir o que se recebeu. Maiutica: Termo grego que significa arte de trazer luz. Depois de libertar os

    discpulos da pretenso de que tudo sabiam Scrates, nesta segunda fase do dilogo, tinha como objetivo ajud-los a conceber suas prprias idias. Assim, a exemplo de sua me, que, sendo parteira, ajudava a trazer crianas ao mundo, Scrates transportava para o campo da filosofia a inteno de ajudar seus discpulos a parir suas prprias idias. Como vimos, Scrates dialogava com todos (jovens e velhos ricos e pobres, escravos e cidados). Tal atitude era vista pela democracia ateniense, da qual no participava a maioria da populao (escravos, estrangeiros e mulheres), como uma conduta subversiva que representava uma ameaa social, na medida em que desrespeitava a ordem vigente j que Scrates no fazia distines de classe ou posio social dos que com ele dialogavam. Por esse motivo, recebeu a acusao de ser injusto com os deuses da cidade e de corromper a juventude, sendo condenado a beber cicuta (veneno extrado de uma planta de mesmo nome). Scrates morreu sem ter renunciado a seus mais caros valores morais. A morte de Scrates contada por seu discpulo Plato no dilogo Fdon:

    Echecrates Estava tu mesmo, Fdon, ao lado de Scrates, no dia em que ele bebeu o veneno na priso, ou, ento, ouviste de outrem aquilo que sabes? Fdon Eu ali estava em pessoa, Echecrates. Echecrates Pois bem; e de que falou, antes de morrer, o nosso amigo? E como morreu? Eis o que eu desejaria saber. Dos meus concidados de Filionte, com efeito, nenhum se encontra presentemente em Atenas; e tambm dali no chega h muito tempo nenhum forasteiro capaz de contar-nos com exatido como se

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    passaram as coisas, a no ser que ele morreu depois de ter bebido o veneno. E de tudo o mais, nada conseguimos saber.

    OBSERVAO: Esse apenas o incio do dilogo. Se voc, assim como Echecrates, quer saber como Scrates morreu e de que falou antes de morrer, leia-o at o fim. 3. PLATO: Nascido em Atenas (427-347 a.C) pertencia a uma das mais nobres famlias atenienses. Ele foi discpulo de Scrates e aps a morte de seu mestre empreendeu inmeras viagens. Em 387 a. C. retornou a Atenas, onde fundou sua escola a Academia. Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Plato sua teoria das idias, com a qual procura explicar como se desenvolve o conhecimento humano: passagem do mundo dos sentidos para o mundo das idias. Segundo Plato a primeira etapa de nosso conhecimento se d pelas impresses ou sensaes advindas do mundo dos sentidos. Essas impresses so responsveis pelas opinies (doxa) que temos da realidade. No entanto, o conhecimento que vem dos sentidos no so confiveis, pois esto em constante transformao (influncia de Herclito) e deles nada podemos verdadeiramente conhecer ou afirmar. O conhecimento, entretanto, para ser autntico e atingir o domnio do eterno e imutvel (influencia de Parmnides), deve ultrapassar a esfera das impresses sensoriais, o plano da opinio, e penetrar na esfera racional da sabedoria, o mundo das idias. Para atingir esse mundo, o homem no pode ter apenas amor s opinies (filodoxia), mas precisa possuir um amor ao saber (filosofia). no mundo das idias, que segundo Plato, moram os seres totais e perfeitos: a justia, a bondade, a coragem, a sabedoria, etc.

    O mito da caverna: Plato criou uma alegoria, conhecida como mito ou alegoria da caverna, que serve para explicar a evoluo do processo de conhecimento.

    Imaginemos um muro bem alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde so projetadas sombras de outros homens que, alm do muro, mantm acesa uma fogueira. Os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.Um dos prisioneiros decide abandonar essa condio e fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhes. Aos poucos vai se movendo e avana na direo do muro e o escala, com dificuldade enfrenta os obstculos que encontra e sai da caverna, descobrindo no apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e mais alm todo o mundo e a natureza.

    Vejamos o mito da caverna de uma maneira mais divertida:

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    EXERCCIO: O que voc compreendeu da charge? De que maneira podemos dizer que a idia presente no mito da caverna de Plato pode ser estendida ao nosso dia-a-dia? (fazer em grupo e entregar no final da aula).

    Os filsofos no poder: Desiludido com a democracia grega que matara seu mestre Scrates, Plato em seu livro A Repblica, imaginou uma sociedade ideal, governada por reis-filsofos. Ele comparou a sociedade com o corpo humano. No baixo-ventre, onde esto os desejos ou prazer deveriam ficar os trabalhadores que precisam ser controlados. No peito, onde reside vontade, deveriam encontrar-se os sentinelas, para mostrar coragem e na cabea, onde encontra-se a razo devem estar os filsofos para que aspirem a sabedoria. Para Plato, portanto, somente os filsofos, amantes da verdade, teriam condies de libertar-se da caverna das iluses e atingir o mundo luminoso da realidade e sabedoria.

    4. ARISTTELES: Aristteles nasceu em Estagira, na Macednia (384-322 a.C.). Ele era filho de Nicmacos, mdico do rei da Macednia, de quem herdou o interesse pelas cincias naturais. Aos dezoito anos foi para Atenas e ingressou na academia de Plato, de quem se tornou discpulo. Com a morte do mestre, partiu para a sia menor. Pouco tempo depois, foi convidado por Felipe II, rei da Macednia, para dar aula a seu filho Alexandre. A amizade de Aristteles e Alexandre foi interrompido quando este assumiu a direo do Imprio Macednico, em 340 a.C.). pouco tempo depois, Aristteles voltou a Atenas onde fundou sua escola: o Liceu. Aps a morte de Alexandre, os sentimentos antimacednicos ganharam intensidade em Atenas e devido a sua ligao com a corte macednica, Aristteles passou a ser perseguido. Foi ento que ele decidiu abandonar Atenas, dizendo querer evitar que os atenienses pecassem duas vezes contra a filosofia (a primeira vez teria sido com Scrates).

    O discpulo discorda do mestre: Aristteles rejeitava a teoria das idias de Plato, segundo a qual a realidade do mundo dos sentidos no passa de sombras ou iluses da verdadeira realidade do mundo das idias. Para Aristteles, a observao da realidade leva-nos a constatao da existncia de inmeros seres individuais, concretos, mutveis, que so captados por nossos sentidos. Partindo dessa realidade emprica a cincia deve buscar as estruturas essenciais de cada ser, ou seja, partindo de um nmero x de indivduos observados a cincia deve constatar o que este grupo de coisas tem em comum. Exemplo: ao observarmos um grupo de cavalos, constatamos atravs de nossos sentidos que eles so diferentes entre si, mas existem elementos que todos possuem, o que nos faz concluir que eles sejam cavalos e no galinhas. A estes elementos comuns Aristteles chama FORMA, o que difere da SUBSTNCIA que o material de que cada cavalo individual se compe. Assim, Aristteles, diferente de Plato, dizia que primeiro vem os sentidos e depois as idias.

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    A nova interpretao para as mudanas do ser: Assim como Plato, retoma a discusso sobre o carter esttico (Herclito) e permanente (Parmnides) do ser. Para resolver esta questo, Aristteles prope um nova interpretao segundo a qual em todo ser devemos distinguir: o ATO como manifestao atual do ser, aquilo que j existe; e a POTNCIA como as possibilidades do ser, aquilo que ainda no mas pode vir a ser. Exemplo: a rvore que est sem flores pode tornar-se com o tempo uma rvore florida. Ao adquirir flores, essa rvore manifesta em ato aquilo que j continha, intrinsecamente, em potncia. Por outro lado, pode acontecer que pelas condies climticas, uma rvore que deve dar flores no venha a florescer. Esse caso Aristteles classifica como um acidente, ou seja, algo que no ocorre sempre, circunstancial e por isso no-essencial ao ser, no necessrios para definir a natureza prpria de cada ser. A passagem da potncia ao ato no se d ao acaso, mas causada. Para ele, existem quatro tipos de causas fundamentais: causa material (refere-se a matria de que feita uma coisa), causa formal (refere-se a forma, a configurao de uma coisa), causa eficiente (refere-se ao agente que produziu a coisa) e causa final (refere-se ao objetivo de ser de uma coisa).

    Felicidade do Homem: Aristteles define o homem como ser racional e considera a atividade racional, o ato de pensar, como a essncia humana. Para ele: (...) para o homem a vida conforme a razo a melhor e a mais aprazvel, j que a razo, mais que qualquer outra coisa, o homem. Donde se conclui que essa vida tambm a mais feliz.

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    2. INTRODUO FILOSOFIA POLTICA 2.1 TEXTOS INTRODUTRIOS:

    A filosofia poltica visa fazer uma reflexo sobre os fenmenos polticos1. Esta anlise possui fundamentalmente os seguintes objetivos: 1) determinar as caractersticas prprias do fenmeno poltico e os elementos que o distinguem de outros fenmenos existentes no vasto campo dos fenmenos sociais; 2) avaliar criticamente o mtodo seguido pelos estudiosos que se ocupam/ocuparam de tais fenmenos; 3) avaliar as razes por eles propostas para explicar as relaes entre os fenmenos polticos e os demais fenmenos; e, por fim, 4) examinar os vrios modelos ideais de uma sociedade perfeita que influenciaram de alguma forma na construo do pensamento poltico de inmeros pensadores. Segundo Norberto Bobbio (2000), pode-se distinguir a filosofia poltica pelo menos em quatro diferentes formas: I Filosofia Poltica como construo de um modelo ideal de Estado: esta primeira forma visa a teorizao de um Estado ideal indiferentemente da possibilidade de sua aplicao efetiva.

    Geralmente este Estado ideal construdo sob a base de um critrio de valor absoluto, os pensadores que teorizam tal Estado buscam encontrar a soluo definitiva do problema do poltico baseando-se em um valor supremo e absoluto de justia, isto , uma ordem justa condio indispensvel para a realizao de um ordenamento social e poltico perfeito. Fundamentalmente o problema poltico o da injustia. O exemplo mais notrio deste tipo de filosofia A Repblica de Plato. II Filosofia Poltica como busca do fundamento que legitima o poder: esta forma busca fazer a anlise do fundamento das relaes polticas, das razes do vnculo de dependncia que elas comportam, ou seja, determinar o porqu do Estado, os motivos que explicam a obedincia que os homens prestam ou negam ao poder.

    Vrios pensadores modernos e contemporneos se ocuparam largamente de tal concepo de filosofia poltica. Max Weber, por exemplo, expe trs formas de legitimao do poder: 1) Tradicional (obedincia ao poder aceita por tradio, por exemplo, o ptrio poder ou uma monarquia absolutista hereditria); 2) Carismtica (sujeio da maior parte das pessoas aes de um lder que pelo seu carisma conquista o consenso); e 3) Racional (obedincia ou sujeio aceita por meio de determinao consciente como um clculo utilitrio por exemplo). Outros exemplos so Hobbes, Locke e Rousseau, este ltimo inclusive fazendo uma distino entre a existncia do poder e sua legitimidade que se d atravs da aceitao do poder de um indivduo ou grupo de indivduos por parte da maioria.

    Em geral, teorias da legitimao limitam-se a indicar em que condies o poder deve se submeter para ser aceito como vlido, deixando indeterminados os modos pelos quais essas condies podem ser de fato realizadas. Um exemplo disso a existncia de uma multiplicidade de sistemas polticos justificados por um nico princpio, o princpio democrtico.

    1 Fenmeno: designa um objeto especfico do conhecimento humano que percebido pelo aparato cognoscvel humano sob condies particulares. Um dos objetivos da filosofia poltica determinar que condies particulares so estas que permitem que um fenmeno possa ser denominado como sendo poltico.

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    III Filosofia Poltica como determinao do conceito ou categoria do poltico: esta terceira forma busca determinar o conceito geral de poltica, do que a caracteriza como um fenmeno distinto de outros fenmenos sociais.

    Benedetto Croce, em sua anlise sobre a filosofia poltica, expe que esta foi iniciada com a descoberta da autonomia da poltica, na identificao de caractersticas e leis prprias da atividade poltica, distintas especialmente da moral. Neste sentido, Maquiavel seria o descobridor da categoria da poltica por ser o primeiro pensador a distinguir entre poltica e moral, identificando nas primeiras leis prprias muitas vezes antagnicas moral.

    O principal problema desta definio de filosofia poltica que ela exclusiva. Seguindo fielmente tal forma, deixaramos de tratar como filosofia poltica obras de pensadores como Rousseau, Hegel, Marx, Aristteles, Stuart Mill entre muitos outros. inegvel admitir que tais pensadores filosofaram sobre a poltica, mesmo que no seja da mesma forma que Maquiavel.

    Alguns autores importantes que seguiram a frmula de Maquiavel: Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto disseram que a essncia do fenmeno poltico consiste na imposio do poder por parte de uma minoria sobre uma maioria (por exemplo, governantes sobre uma sociedade).

    Carl Schmitt encontrou o que prprio da poltica na relao amigo-inimigo, na solidariedade do grupo perante o desafio ou a ameaa de um adversrio (como quando a maior parte dos norte-americanos era a favor da invaso do Afeganisto).

    Em ambos os casos, a filosofia poltica atribuda a funo de determinar as caractersticas diferenciais do fenmeno poltico, sendo este reduzido, em ltima instncia, a uma relao de foras.

    IV Filosofia Poltica como anlise da linguagem poltica: aqui a filosofia poltica entendida como metodologia e como uma reflexo crtica sobre o discurso poltico, quer dos modernos cientistas, quer dos tericos polticos do passado. Ela visa analisar, esclarecer e classificar a linguagem, os argumentos e as finalidades dos que utilizam da linguagem poltica. Entre seus objetivos est tambm o de identificar os componentes do pensamento poltico tradicional para explicit-los.

    Sob este aspecto a filosofia poltica como uma metacincia por se utilizar de uma verificao rigorosa dos procedimentos com os quais conduzida a pesquisa da cincia poltica emprica. uma cincia da cincia poltica.

    A aceitao de tal forma de filosofia poltica torna as duas primeiras (filosofia poltica como modelo ideal e como busca pelo fundamento) meras ideologias, demonstrveis apenas de modo que seus valores, por no possurem uma linguagem clara e livre de ambiguidades, no so suscetveis de um discurso que possa ter alguma significao.

    Tomada a terceira forma na anlise da linguagem e na funo atribuda filosofia poltica, cabe a ela, como metacincia, apurar em primeiro lugar o conceito de poltica e delimitar o campo em que se realiza ou se poderia realizar a pesquisa emprica. EXERCCIOS: 1) Buscar saber o que os alunos pensam ser um discurso poltico. 2) Leitura e contextualizao de trechos de discursos feitos por polticos. 3) Caracterizao, junto com os alunos, dos discursos elencando os elementos principais.

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    4) Apresentao do que pode ser compreendido por filosofia poltica (baseado no texto acima). 5) Anlise dos discursos lidos em sala de aula baseada nas acepes de filosofia poltica propostas por Bobbio apresentadas durante a aula. 2.2 POLTICA E DEMOCRACIA:

    Uma reflexo sobre poltica e democracia

    Podemos falar de poltica como a arte de governar, de gerir os destinos da cidade; alis, etimologicamente poltica vem de polis (cidade). A palavra democracia vem do grego demos (povo) e kratia, de krtos ( governo, poder, autoridade). Historicamente, consideramos os atenienses o primeiro povo a elaborar o ideal democrtico, dando ao cidado a capacidade de decidir os destinos da polis ( cidade estado grega). Povo habituado ao discurso encontra na gora (praa pblica) o espao social para o debate e o exerccio da persuaso. (*Vrios eram excludos do direito cidadania e poucos detinham efetivamente o poder.)

    O ideal democrtico reaparece na histria, com roupas diferentes, ora no liberalismo, ora exaltado na utopia de Rousseau, ora nos ideais socialistas e anarquistas.

    Nunca foi possvel evitar que , em nome da democracia, conceito abstrato, valores que na verdade pertenciam a uma classe apenas fossem considerados universais. A Revoluo Francesa se fez sob o lema Igualdade, Liberdade, Fraternidade, e sabemos que foi uma revoluo que visava interesses burgueses e no populares.

    A institucionalizao do poder

    A Idade Moderna promove uma profunda mudana na maneira de pensar medieval, que era predominantemente religiosa. Ocorre a secularizao da conscincia, ou seja, o abandono das explicaes religiosas, para se usar o recurso da razo. Essa transformao se verifica nas artes, nas cincias, na poltica.

    tese de que todo poder emana de Deus , se contrape a origem social do pacto feito pelo consentimento dos homens. A legitimao do poder se encontra no prprio homem que o institui.

    Para ilustrar o carter divino do poder no pensamento medieval, veja-se Jean Bodin (1530 1596): jurista e filsofo francs, que defendeu em sua obra A Repblica, o conceito do soberano perptuo e absoluto, cuja autoridade representava a vontade de Deus. Assim, todo aquele que no se submetesse autoridade do rei deveria ser considerado um inimigo da ordem pblica e do progresso social. Segundo Bodin, o rei deveria possuir um poder supremo sobre o Estado, respeitando, apenas, o direito de propriedade dos sditos.

    Com a emergncia da burguesia no panorama poltico, d-se a criao do Estado como organismo distinto da sociedade civil. Em outras palavras, na Idade Mdia, o poder poltico pertencia ao senhor feudal dono de terras, e era transmitido como herana juntamente com seus bens; com as revolues burguesas, essas duas esferas dissociam-se: o poder no herdado, mas conquistado pelo voto. Assim, separa-se o pblico do privado. O esprito da democracia est em descobrir o valor da coisa pblica, separada dos interesses particulares.

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    Desse modo, ocorre a institucionalizao do poder, que no mais se identifica com aquele que o detm, pois este mero depositrio da soberania popular. O poder se torna um poder de direito, e sua legitimidade repousa, no no privilgio, no no uso da violncia, mas do mandato popular.

    O sdito, na verdade, torna-se cidado, j que participa da comunidade cvica. No havendo privilgios, todos so iguais e tm os mesmos direitos e deveres.

    COMO SERIA A VERDADEIRA DEMOCRACIA?

    Segundo Marilena Chau, as trs caractersticas da democracia so as idias de conflito, abertura e rotatividade.

    O conflito: se a democracia supe o pensamento divergente, isto , os mltiplos

    discursos, ela tem de admitir uma heterogeneidade essencial. Ento, o conflito inevitvel. A palavra conflito sempre teve sentido pejorativo, de algo que devesse ser evitado a qualquer custo. Ao contrrio, divergir inerente a uma sociedade pluralista. O que a sociedade democrtica deve fazer com o conflito trabalh-lo, de modo que, a partir da discusso, do confronto, os prprios homens encontrem a possibilidade de super-lo.

    A abertura: significa que na democracia a informao circula livremente, e a cultura

    no privilgio de poucos. A rotatividade: significa tornar o poder na democracia realmente o lugar vazio por

    excelncia, sem o privilgio de um grupo ou classe. permitir que todos os setores da sociedade possam ser legitimamente representados.

    A fragilidade da democracia:

    A construo da democracia uma tarefa difcil, devido incompletude essencial da democracia. No havendo modelos a seguir, a democracia se autoproduz no seu percurso, e a rdua tarefa em que todos se empenham est sujeita aos riscos dos enganos e dos desvios. Por isso, a democracia frgil e no h como evitar o que faz parte da sua prpria natureza.

    O principal risco a emergncia do totalitarismo, representado nos grupos que sucumbem seduo do absoluto e desejam restabelecer a ordem e a hierarquia.

    A condio do fortalecimento da democracia encontra-se na politizao das pessoas, que devem deixar o hbito (ou vcio?) da cidadania passiva, do individualismo, para se tornarem mais participantes e conscientes da coisa pblica.

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    EXERCCIO:

    O analfabeto poltico

    O pior a analfabeto o analfabeto poltico. Ele no ouve, no fala, no participa dos acontecimentos polticos.

    Ele no sabe que o custo de vida, o preo do feijo, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remdio dependem das decises polticas.

    O analfabeto poltico to burro que se orgulha e estufa o peito, dizendo que odeia poltica. No sabe o imbecil que da sua ignorncia poltica nascem a prostituta, o menor abandonado, o

    assaltante e o pior de todos os bandidos, que o poltico vigarista, pilantra, corrupto. E lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

    Bertolt Brecht

    Questo para reflexo: Qual a mensagem do poema O analfabeto poltico? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Vamos Praticar: Analise a seguinte charge:

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    O ato de refletir e questionar devem ser um exerccio dirio para todos ns. Por que ento mencionar a respeito da desigualdade social pode se tornar um ato perigoso? Responda de acordo com o que voc entendeu da charge: _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Democracia e cidadania

    Se at hoje temos nos contentado com a democracia representativa, no h como deixar

    de sonhar com mecanismos tpicos da democracia direta que possibilitem a presena mais constante do povo nas decises de interesse coletivo.

    Na Constituio brasileira de 1988 foi introduzida a iniciativa popular de projetos de leis, atravs de manifestao do eleitorado, mediante porcentagem mnima estipulada conforme o caso. Essa forma de atuao ainda ser regulamentada e devem ser enfrentadas dificuldades as mais diversas para o exerccio efetivo. Mas alguns poderiam argumentar: para participar enquanto cidado pleno preciso que haja politizao, caso contrrio haver apatia ou manipulao. Da o desafio: quem educa o cidado?

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    Cidadania se aprende no exerccio mesmo da cidadania. Embora a escola seja aliada importante, no nela fundamentalmente que se d a aprendizagem, pois h o risco da ideologia e do discurso vazio, quando o ensino no acompanhado de fato pela ampliao dos espaos de atuao poltica do cidado na sociedade.

    A participao popular se intensifica com as j referidas organizaes sadas da sociedade civil. Essas organizaes, ao colocarem seus representantes em confronto com o poder constitudo, tornam-se verdadeiras escolas de cidadania. O importante do processo que, ao lado dos outros poderes, como o poder oficial do municpio, do estado e federal, e o poder das elites econmicas, desenvolve-se o poder alternativo. Ou seja, o esforo coletivo na defesa de interesses comuns transforma a populao amorfa, inexpressiva e despolitizada em comunidade verdadeira.

    Na luta contra a tirania e o poder arbitrrio, nem as regras da moral, nem apenas as leis impediro o abuso do poder. Na verdade, como j dizia Montesquieu, s o poder controla o poder.

    Aprendendo de forma divertida

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    Questes para reflexo: 1. O que voc entendeu da charge acima? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 2. Com base na situao visualizada na charge, pode-se dizer que o povo teve uma atitude cidad? Por qu? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3. Para voc, o que significa a frase: Em terra de cego, quem tem um olho mentiroso! Responda de acordo com as suas palavras. _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4. Qual a etimologia das palavras poltica e democracia? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 5. O que significa a personalizao do poder? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 6. O que significa s separao entre a sociedade poltica e a sociedade civil? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 7. Por que a burguesia no representa ainda o ideal democrtico? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 8. Quais so as trs caractersticas da democracia? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 9. Em que consiste a fragilidade da democracia e que significa cidadania passiva? _________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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    2.3 O PENSAMENTO DE MAQUIAVEL:

    Italiano. Filsofo, historiador, poltico e filsofo poltico. Nicolau Maquiavel nasceu em 3/5/1469, Florena. Faleceu em 22/6/1527, Florena. o fundador do pensamento poltico moderno, cujos escritos sobre habilidade poltica, amorais, porm influentes, tornaram seu nome um sinnimo de astcia.

    "Todos vem o que pareces, poucos sentem o que s."

    (Maquiavel)

    Antes de "O Prncipe" - Embora diferentes e, muitas vezes, contrrias, as obras

    polticas medievais e renascentistas operam num mundo cristo. Isso significa que, para todas elas, a relao entre poltica e religio um dado de que no podem escapar. verdade que as teorias medievais so teocrticas, enquanto as renascentistas procuram evitar a idia de que o poder seria uma graa ou um favor divino; no entanto, embora recusem a teocracia, no podem recusar outra idia qual seja a de que o poder poltico s legtimo se for justo e s ser justo se estiver de acordo com a vontade de Deus e a Providncia divina. Assim, elementos de teologia continuam presentes nas formulaes tericas da poltica.

    Maquiavlico, maquiavelismo - Estamos acostumados a ouvir as expresses: maquiavlico e maquiavelismo.. So usadas quando algum deseja referir-se tanto poltica como aos polticos, e a certas atitudes das pessoas, mesmo quando no ligadas diretamente a uma ao poltica (fala-se, por exemplo, num comerciante maquiavlico, numa professora maquiavlica, no maquiavelismo de certos jornais, etc...).

    Quando ouvimos ou empregamos essas expresses? Sempre que pretendemos julgar a ao ou a conduta de algum desleal, hipcrita, fingidor, poderosamente malvolo, que brinca com sentimentos e desejos dos outros, mente-lhes, faz a eles promessas que sabe que no cumprir, usa a boa-f alheia em seu prprio proveito.

    Falamos num "poder maquiavlico" para nos referirmos a um poder que age secretamente nos bastidores, mantendo suas intenes e finalidades desconhecidas para os cidados; que afirma que os fins justificam os meios e usa meios imorais, violentos e perversos para conseguir o que quer; que d as regras do jogo, mas fica s escondidas, esperando que os jogadores causem a si mesmos sua prpria runa e destruio.

    Maquiavlico e maquiavelismo fazem pensar em algum extremamente poderoso e perverso, sedutor e enganador, que sabe levar as pessoas a fazer exatamente o que ele deseja, mesmo que sejam aniquiladas por isso. Como se nota, maquiavlico e maquiavelismo correspondem quilo que, em nossa cultura, considerado diablico.

    TEXTOS DE MAQUIAVEL

    O Amor Liberdade Percebe-se facilmente de onde nasce o amor liberdade dos povos; a experincia nos mostra que as cidades crescem em poder e em riqueza enquanto so livres. maravilhoso, por exemplo, como cresceu a grandeza de Atenas durante os cem anos que se sucederam

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    ditadura de Pisstrato. Contudo mais admirvel ainda a grandeza alcanada pela repblica romana depois que foi libertada dos seus reis. Compreende-se a razo disso: no o interesse particular que faz a grandeza dos Estados; mas o interesse coletivo. E evidente que o interesse comum s respeitado nas repblicas: tudo o que pode trazer vantagem geral nelas conseguido sem obstculos. Se uma certa medida prejudica um ou outro indivduo, so tantos os que ela favorece, que se chega sempre a faz-la prevalecer, a despeito das resistncias, devido ao pequeno nmero de pessoas prejudicadas. (Do Livro: "Comentrios sobre a primeira dcada de Tito Lvio", II, 2) Observncia da Lei No observar uma lei dar mau exemplo, sobretudo quando quem a desrespeita o seu autor; muito perigoso para os governantes repetir a cada dia novas ofensas ordem pblica. .... perigoso para uma repblica ou para um prncipe manter os cidados em regime de terror contnuo, atingindo-os sem cessar com ultrajes e suplcios. Nada h de mais perigoso do que esse tipo de procedimento, porque os homens que temem pela prpria segurana comeam a tomar todas as precaues contra os perigos que os ameaam. Depois, sua audcia cresce, e em breve nada mais pode conter sua ousadia. Por isso, necessrio ou no atacar ningum ou ento cometer ao mesmo tempo todas as ofensas, dando garantias, em seguida, aos cidados, para restaurar sua confiana e a tranqilidade geral. (Comentrios sobre o primeira dcada de Tito Lvio, 1, 45) O que o povo deseja? So verdadeiramente infelizes os prncipes que, tendo a multido como inimiga, so, obrigados a usar meios extraordinrios para afirmar seu poder. De fato, aquele que s tem um pequeno o nmero de inimigos pode viver seguro sem muita preocupao; mas quem objeto do dio geral nunca pode ter certeza de qualquer coisa. Quanto maior crueldade demonstra, mas se enfraquece seu poder. O caminho mais seguro , portanto, procurar ganhar a afeio do povo. (Comentrios, I, 16) A apoio do povo Chegamos agora ao caso do cidado que se toma soberano no por meio do crime, ou da violncia intolervel, mas pelo favor dos seus concidados: o que se poderia chamar de governo civil. Chegar a essa posio depender no inteiramente do valor ou da sorte, mas da astcia assistida pela sorte . Chega-se a ela com o apoio da opinio popular ou da aristocracia. Em todas as cidades se podem encontrar esses dois partidos antagnicos, que nascem do desejo do povo de evitar a opresso dos poderosos, e da tendncia destes ltimos para comandar e oprimir o povo. Desses dois interesses que se opem surge uma de trs conseqncias: o governo absoluto, a liberdade ou a desordem. [... ] quem se tornar um prncipe pelo favor do povo deve manter sua amizade - o que no lhe ser difcil, pois a nica coisa que o povo pede no ser oprimido. Mas aquele que chega ao poder apoiado pelos nobres, contra os desejos do povo, deve acima de tudo procurar conquistar a amizade deste - o que conseguir facilmente, se o proteger. Os homens que recebem o bem quando esperavam o mal se sentem ainda mais obrigados com relao ao benfeitor; por isso a massa logo se tornar ainda mais bem disposta em relao ao prncipe do que se ela prpria lhe tivesse dado o poder. O prncipe poder ganhar a simpatia do povo de muitas formas, de acordo com as circunstncias, pois nesse ponto no h regra que possa ser estabelecida, razo pela qual no

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    insistirei no assunto. Direi apenas, concluindo, que necessrio que o prncipe tenha o favor do povo; seno, lhe faltaro recursos na adversidade. ("O prncipe", IX) O direito de acusao pblica No se pode dar aos guardies da liberdade num Estado direito mais til e necessrio do que o de poder acusar, perante o povo, ou diante de uni magistrado ou tribunal, os cidados que tenham atentado contra essa liberdade. Essa medida tem, numa repblica, dois efeitos extremamente importantes: o primeiro que os cidados, temendo ser acusados, no ousam investir contra a segurana do Estado; se tentam faz-lo, recebem imediatamente o castigo merecido. O outro o de se constituir numa vlvula de escape paixo que, de um modo ou de outro, sempre fermenta contra algum cidado. Quando essa paixo no encontra um meio legal de vir a superfcie, assume uma importncia extraordinria, que abala os fundamentos da repblica. Nada a enfraquecer tanto, todavia, quanto organizar-se o Estado de modo tal que a fermentao de paixes possa escapar por um canal autorizado. o que se prova com muitos exemplos, e sobretudo pelo que Tito Lvio relata a propsito de Coriolano. (Do Livro: "Comentrios sobre a primeira dcada de Tito Lvio", I, 7) Os conflitos na Repblica No quero silenciar sobre as desordens ocorridas em Roma, entre a morte dos Tarqunio e o estabelecimento dos tribunos. Mas no aceitarei as afirmativas dos que acham que aquela foi uma repblica tumultuada e desordenada, inferior a todos os outros governos da mesma espcie a no ser pela boa sorte que teve, e pelas virtudes militares que lhe compensaram os defeitos. No vou negar que a sorte e a disciplina tenham contribudo para o poder de Roma; mas no se pode esquecer que uma excelente disciplina a conseqncia necessria de leis apropriadas, e que em toda parte onde estas reinam, a sorte, por sua vez, no tarda a brilhar.Examinemos, porm, as outras particularidades de Roma. Os que criticam as contnuas dissenses, entre os aristocratas e o povo parecem desaprovar justamente as causas que asseguraram fosse conservada a liberdade de Roma, prestando mais ateno aos gritos e rumores provocados por tais dissenses do que aos seus efeitos salutares. No querem perceber que h em todos os governos duas fontes de oposio: os interesses do povo e os da classe aristocrtica. Todas as leis para proteger a liberdade nascem da sua desunio, como prova o que aconteceu em Roma, onde, durante os trezentos anos e mais que transcorreram entre os Tarqunio e os Graco, as, desordens havidas produziram poucos exilados, e mais raramente ainda fizeram correr o sangue. No se pode, portanto, considerar essas dissenses como funestas, nem o Estado como inteiramente dividido, pois durante tantos anos tais diferenas s causaram o exlio de oito ou dez pessoas, e a morte de bem poucos cidados, sendo alguns outros multados. No se pode de forma alguma acusar de desordem uma repblica que deu tantos exemplos de virtude, pois os bons exemplos nascem da boa educao; a boa educao das boas leis; e estas, das desordens que quase todos condenam irrefletidamente. De fato, se se examinar com ateno o modo como tais desordens terminaram, ver-se- que nunca provocaram o exlio, ou violncias prejudiciais ao bem pblico, mas que, ao contrrio, fizeram nascer leis e regulamentos favorveis liberdade de todos. (Do Livro: "Comentrios sobre a primeira dcada de Tito Lvio", I, 4) Agir de acordo com as necessidades do momento ....se acontece que o tempo e as circunstncias so favorveis a quem age com cuidado e prudncia, o resultado ser bom; mas se mudam as circunstncias e o tempo, a mesma pessoa

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    se arruinar, se no alterar seu procedimento. No h homem to prudente que possa adaptar-se a esse fato - ou porque no se consegue desviar do rumo a que o inclinou a natureza, ou porque, tendo sempre prosperado no nico caminho utilizado, no se convence de que ser oportuno abandon-lo. No se pode, contudo, chamar de valor o assassnio dos seus compatriotas, traio dos amigos, a conduta sem f, piedade e religio; so mtodos que conduziu ao poder, mas no glria. Se considerarmos o valor demonstrado por Agtocles em enfrentar e superar perigos, e sua grandeza de nimo ao suportar e vencer obstculos, no h razo para julg-lo inferior a qualquer um dos capites mais afamados. Contudo sua desumanidade, sua crueldade brbara, juntamente com as atrocidades incontveis que praticou, no permitem nome-lo entre os homens mais famosos. No se pode de qualquer forma atribuir ao valor ou sorte o que ele conseguiu prescindindo de ambos. ("O prncipe, XXV) A conquista do poder pelo crime A alguns pode espantar o fato de que aps tantas traies e to grande crueldade, Agtocles - e outros como ele - pudesse viver em segurana no seu pas durante muitos anos, defendendo-se contra inimigos estrangeiros sem ser vitimado por qualquer conspirao. Isso, no obstante muitos outros prncipes no terem podido manter sua posio em tempos de paz, para no falar dos tempos incertos de guerra, devido sua crueldade. Creio que a diferena reside no uso adequado ou no da crueldade. No primeiro caso, esto aqueles que a usaram bem (se que se pode qualificar um mal com a palavra bem), uma s vez, com o objetivo de se garantir, e que depois no persistiram nela, mas, ao contrrio, a substituram por medidas to benficas a seus sditos quanto possvel. As crueldades mal-empregadas so as que, sendo a princpio poucas, crescem com o tempo, em vez de diminuir. Os que aplicam o primeiro mtodo podem remediar de alguma forma sua condio, diante de Deus e dos homens, como Agtocles. Quanto aos outros, no lhes possvel manter-se. De onde se deve observar que, ao tomar um Estado, o conquistador deve praticar todas as suas crueldades ao mesmo tempo, evitando ter que repeti-las a cada dia; assim tranqilizar o povo, sem fazer inovaes, seduzindo-o depois com benefcios. Quem agir de outra forma, por timidez . ou maus conselhos, estar obrigado a permanecer de arma em punho, e nunca poder depender dos seus sditos que, devido s contnuas injurias, no tero confiana no governante. As injrias devem ser cometidas todas ao mesmo tempo, de modo que, sendo sentidas por menos tempo, ofendam menos. As vantagens, por sua vez, devem ser concedidas gradualmente, de forma que sejam melhor apreciadas. Acima de tudo, o soberano deve ter tais relaes com seus sditos que nenhum acidente, bom ou mau, o afaste do seu rumo; porque, como a necessidade surge em circunstncias adversas, no deixar tempo para a prtica do mal; e se fizer o bem, nada lucrar com isso, pois se pensar que foi forado a faz-lo. (O prncipe, VIII) melhor ser amado ou temido? Chegamos assim questo do saber se melhor ser amado do que temido. A resposta que preciso ser ao mesmo tempo amado e temido mas que, como isso difcil, muito mais seguro ser temido, se for preciso escolher. De fato, pode-se dizer dos homens, de modo geral, que so ingratos, volveis, dissimulados; procuram escapar dos perigos e so vidos de vantagens; se o prncipe os beneficia, esto inteiramente do seu lado; como j observei, oferecem seu prprio sangue, o patrimnio, sua vida e os filhos quando a necessidade remota; quando ela iminente, revoltam-se. Estar perdido o prncipe que confiar somente nas suas palavras, sem fazer outros preparativos, porque a amizade conquistada pela compra, e no pela grandeza e nobreza de esprito, no segura - no se pode contar com ela. Os

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    homens tm menos escrpulos em ofender quem, se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor mantido por uma corrente de obrigaes que se rompe quando deixa de ser necessria j que os homens so egostas; mas o temor mantido pelo medo da punio, que nunca falha. ("O prncipe", XVII) O papel da religio Nossa religio... s santifica os humildes, os homens inclinados contemplao, e no vida ativa. Para ela, o bem supremo a humildade,o desprezo pelas coisas do mundo. J os pagos davam a mxima importncia grandeza dalma, ao vigor do corpo, a tudo, enfim, que contribusse para tornar os homens robustos e corajosos. Se a nossa religio nos recomenda hoje que sejamos fortes, para resistir aos males, e no para incitar-nos a grandes empreendimentos. Parece que essa moral tornou os homens mais fracos, entregando o mundo audcia dos celerados. Estes sabem que podem exercer sem medo a tirania, vendo os homens prontos a sofrer sem vingana todos os ultrajes, na esperana de conquistar o paraso. A conduta dos prncipes e governantes Todos sabem que louvvel que o prncipe mantenha a palavra empenhada, e viva com integridade e no com astcia. Contudo a experincia dos nossos tempos mostra que os prncipes que tiveram pouco respeito pela boa-f puderam com astcia confundir os espritos e chegaram a superar os que basearam sua conduta na lealdade. Como sabemos, pode-se lutar de duas maneiras: pela lei e pela fora. O primeiro mtodo o dos homens; o segundo, o dos animais. Porm, como o primeiro pode ser insuficiente, tem-se que recorrer ao segundo. necessrio, portanto, que o prncipe saiba usar bem tanto o processo dos homens como o dos animais. .... Sendo obrigado a agir como um animal, deve o prncipe imitar a RAPOSA e o LEO, pois o leo no se pode defender das armadilhas, e a raposa no consegue defender-se dos lobos. preciso, portanto, ser raposa para reconhecer as armadilhas, e leo para assustar os lobos. ...No necessrio que um prncipe tenha todas as qualidades... Mas muito necessrio que as aparente todas. ... Assim bom ser misericordioso, leal, humanitrio, sincero e religioso como bom parec-lo; mas preciso ter a capacidade de se converter aos atributos opostos, em caso de necessidade. (O prncipe, XVIII).

    TPICOS DO PENSAMENTO DE MAQUIAVEL

    1) Maquiavel escreve sobre o campo poltico - relao entre governo e governados - e portanto a aplicao do que escreveu ao campo privado indevido. 2) Separa a MORAL DA VIDA PRIVADA da poltica. Esta tem OUTRA MORAL fundamentada no coletivo, nas instituies, nas leis, na natureza m dos homens, na sociedade dividida em classes, na indeterminao da poltica, na exigncia de eficincia da poltica. Por exemplo: s vezes o governo tem que ser mau, avarento, no cumpridor das promessas. Mas isto depende das circunstncias. Quando for necessria uma conduta poltica que est em desacordo com a moral privada o prncipe deve empregar a ASTCIA e dissimul-la sob a mscara da virtude. Isto porque sendo o povo incapaz de compreender o bem (poltico) que se oculta por detrs da necessidade de praticar o mal (moral) resta a alternativa da astcia para APARENTAR possuir as qualidades que o povo julga boas.

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    3) No existe comunidade poltica. A sociedade dividida entre os GRANDES, que querem oprimir, e os PEQUENOS, o POVO, que no quer ser oprimido. Ou seja, apesar de Maquiavel no usar o termo classe podemos afirmar que bem antes de Marx percebeu que a sociedade dividida em classes sociais. 4) VIRT = tem virt o governo que sabe agir de acordo com as circunstncias sem se deixar perturbar pela diferena entre virtude e vcio. Por isso a virt sempre oscilante, flexvel e s com ela pode ser enfrentada a FORTUNA. Para isso o prncipe tem que ser pudente, autoconfiante, firme, decidido, no ser odiado, tomar partido e no se manter neutro, SER SBIO. 5) FORTUNA = fora imprevisvel. Governa, segundo Maquiavel, metade das aes humanas. O nosso LIVRE ARBTRIO pode ser exercer sobre a outra metade. 6) CIRCUNSTNCIAS = tornam possvel o aparecimento do homem de virt 7) O governo tem que ter apoio do povo para se manter no poder porque so em maior nmero. O povo consente em obedecer para se livrar da opresso dos grandes e se for tratado bem pelo governo. A fortaleza do prncipe (governo) est no povo. 8) Principais fundamentos do Estado: boas leis e boas armas. 9) Poltica: tem a ver com a verdade efetiva das coisas e no com a imaginao sobre elas. No deve se trocar o que se faz pelo que se deveria fazer. A poltica exige EFICINCIA, RESULTADOS. 10) Governante: misto de homem (leis) e animal (fora). Animal: LEO (amedronta os lobos mas cai nos laos) e RAPOSA (escapa dos laos mas no dos lobos). 11) Parlamento: importante para controlar os grandes e favorecer os pequenos evitando exposio inconveniente do prncipe (ou governo). 12) O conflito no mal por princpio, pode levar a leis melhores e maior justia.. 13) Melhor regime para Maquiavel: REPBLICA. Se for o BEM COMUM que engrandece as cidades este observado somente nas Repblicas (= participao popular e liberdade). A Monarquia aceita em perodos onde domina a corrupo e a desigualdade (= domnio dos grandes). Mas aps o saneamento deve vir a Repblica. Na Repblica a manuteno da liberdade deve ser confiada coletividade dos cidados e aos excelentes, que tem boa reputao. A reputao legtima. O perigo est em estar acima do bem coletivo. Por isso boa a reputao adquirida quando se age pelo bem comum. A reputao originada por via privada, atravs do "favor popular", perigosa e nociva Repblica, pois pode introduzir o poder tirnico. 14) IDEAL REPUBLICANO = harmonizar o benefcio privado e o bem de todos. Satisfazer apetites individuais ou de grupos (natureza maligna do homem) sem torn-los incompatveis com o bem comum. Visa o equilbrio de foras entre os grandes e o povo, nela os diferentes grupos sociais se equilibram mutuamente. Deve ter mecanismos de participao popular como a possibilidade de acusao pblica, mas as calnias no devem ser toleradas pois so perniciosas para a Repblica.

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    15) Maquiavel se coloca contra a TIRANIA que visa interesses particulares e egostas. 16) Por isso cidado aquele que tem afeio no pessoa do governante mas s leis e instituies. A criao de laos pessoais promove a particularizao do que pblico. 17) O que honra o governante so AS LEIS E INSTITUIES que so os principais fundamentos do Estado. 18) Como outros renascentistas Maquiavel valoriza a vida ativa em detrimento da contemplativa. O homem pode intervir no mundo. Por isso o cio negativo podendo produzir corrupo poltica, a runa poltica. 19) Maquiavel prope a imitao dos homens de virt porque tem como princpio a imutabilidade do homem e da natureza. . "Isto porque, como todas as coisas so executadas por homens que tm e tero sempre as mesmas paixes, no podem deixar de apresentar os mesmos resultados" (Discorsi, III, 43). 20) Estudo da Histria - s tem sentido se for til para o presente. Procura-se extrair lies do passado para aplic-las no presente e ao futuro. A histria se converte em instrumento da educao. 21) Religio - interessa na medida em que contribui para a ordem, paz, submisso s leis e obedincia dos sditos aos dirigentes. O mau uso da religio produz a descrena nas divindades e isto perigoso para o Estado facilitando o caminho para a corrupo. O temor divindade constitui uma alternativa ao emprego da violncia. O Catolicismo da sua poca criticado pois prega o desprezo pelas coisas deste mundo e exalta a humildade e o apego a valores extraterrestres. No forma para a luta, para o enfrentamento como a religio romana. 22) O melhor regime poltico a Repblica (Maquiavel escreve mais sobre ela no seu livro, pouco conhecido, intitulado: Comentrios primeira dcada de Tito Lvio). Mas quando o governante se depara com um Estado corrompido a soluo a MONARQUIA. S a monarquia, com um poder forte, pode conter os grandes e acabar com a corrupo. ESTE O CONTEXTO DE O PRNCIPE. Mas mesmo assim Maquiavel prefere o PRNCIPE (monarca) NOVO ao PRNCIPE HEREDITRIO. O prncipe novo para se manter precisa do apoio do povo: aquele que, contra o povo e pelo favor dos grandes, se torna prncipe, deve, antes de qualquer coisa procurar conquistar o povo (O Prncipe, 9:272). Isto expressa a sua ruptura com a estrutura poltica feudal. 23) POVO para Maquiavel: pequena e mdia burguesia ligada s corporaes de ofcio. Esta participava politicamente nas cidades-estado republicanas. O mesmo no se pode dizer em relao ao popolo magro (desvinculado de qualquer corporao, sem especializao, miserveis). 24) A repblica perfeita caracteriza-se pelo EQUILBRIO DE FORAS que se torna real quando os diferentes grupos sociais detm uma parcela de poder, de modo que possam controlar-se mutuamente (Discorsi I, 2:81). O poder dos tribunos da plebe foi grande em Roma e, como dissemos mais de uma vez, necessrio, pois de outro modo no teria sido possvel frear a ambio da nobreza... (Discorsi, III, 11:216). A sobrevivncia do regime republicano depende da capacidade do governante em estabelecer medidas que garantam a LIBERDADE. Esta tarefa deve ser confiada maioria, isto , ao POVO: nunca se deve

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    permitir, numa cidade, que a minoria (i pochi) possa tomar alguma deliberao entre aquelas que ordinariamente so necessrias manuteno da repblica (Discorsi, I, 50:132). 2.4 AS TEORIAS CONTRATUALISTAS:

    Nos sculos XVII e XVIII a principal preocupao da filosofia poltica o fundamento racional do poder soberano. Ou seja, o que se procura no resolver a questo da justia, nem justificar o poder pela interveno divina, mas colocar o problema da legitimidade do poder. por isso que filsofos to diferentes como Hobbes, Locke e Rousseau tm idntico propsito: investigar a origem do Estado. No propriamente a origem no tempo, mas o princpio, a razo de ser do Estado. Todos partem da hiptese do homem em estado de natureza, isto , antes de qualquer sociabilidade, e, portanto, dono exclusivo de si e dos seus poderes. Procuram ento compreender o que justifica abandonar o estado de natureza para constituir o Estado, mediante o contrato. Tambm discutem o tipo de soberania resultante do pacto feito entre os homens.

    Thomas Hobbes (1588-1679) um daqueles filsofos contratualistas que, ao longo dos sculos XVII e XVIII, postularam que o Estado poltico fruto de uma conveno entre os homens; antes dessa espcie de acordo vive-se num estado de natureza; a passagem de uma instncia outra conhecida como contrato ou pacto social. No modelo hobbesiano o estado de natureza se configura como uma condio onde os indivduos se encontram em guerra uns contra os outros. Cada qual est livre para fazer o que bem entender. No h governo: vive-se numa anarquia completa. A vida humana nesse quadro natural

    desconfortvel. Misria, violncia, expectativa de existncia breve e medo recproco so algumas das perturbaes que atingem o homem pr-civil.

    Para resolver a problemtica da guerra os homens pactuam entre si uma sociedade civil, ou seja, uma instncia onde podem viver em paz uns com os outros. Para garantir o objeto do contrato, o Estado se apresenta como uma fora soberana e absoluta sobre a vontade dos indivduos (sditos), que enquanto tais esto livres apenas naquilo e to-somente naquilo que a lei estatal, ou lei civil, permitir como liberdade.

    Diante disso, pode se indagar, o Estado postulado por Hobbes no por excelncia o lugar do autoritarismo? A quem diga que sim. Entretanto, necessrio observarmos que o propsito do contrato social gerar uma condio onde se possa viver em paz.

    A concepo de Hobbes (no sculo XVII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou o homem lobo do homem. Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes so inteis, pois sempre haver algum mais forte que vencer o mais fraco e ocupar as terras cercadas. A vida no tem garantias; a posse no tem reconhecimento e, portanto, no existe; a nica lei a fora do mais forte, que pode tudo quanto tenha fora para conquistar e conservar.

    Hobbes, advertindo que o homem natural vive em guerra com seus semelhantes, conclui que a nica maneira de garantir a paz consiste na delegao de um poder absoluto ao soberano.- Thomas Hobbes filsofo ingls, escreveu o livro Leviat ( o ttulo refere-se ao monstro bblico, citado no livro de J, que governava o caos primitivo), no qual compara o

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    Estado a um monstro todo-poderoso, especialmente criado para acabar com a anarquia da sociedade primitiva. Segundo Hobbes, nas sociedades primitivas o homem era o lobo do prprio homem, vivendo em constantes guerras e matanas, cada qual procurando garantir sua prpria sobrevivncia. S havia uma soluo para dar fim brutalidade: entregar o poder a um s homem, que seria o rei, para que ele governasse todos os demais, eliminando a desordem e dando segurana a todos.

    John Locke (1632 1704): filsofo ingls, considerado por muitos como o Pai do Iluminismo. Sua principal obra o Ensaio sobre o entendimento humano, em que afirma que nossa mente uma tabula rasa, sem nenhuma idia. Tudo o que adquirimos devido e experincia. Para ele, nossas primeiras idias vm mente atravs dos sentidos. Depois, combinando e associando as primeiras idias simples, a mente forma idias cada vez mais complexas. Em resumo, todo o conhecimento humano chega nossa mente atravs dos sentidos e, depois, desenvolve-se pelo esforo da razo. Em termos polticos, Locke condenou o absolutismo monrquico, revelando sua grande preocupao em proteger a liberdade individual do cidado.

    Para ele, o consentimento dos homens ao aceitarem o poder do corpo poltico institudo no retira seu direito de insurreio, caso haja necessidade de limitar o poder do governante. Alm disso, o Parlamento se fortalece enquanto legtimo canal de representao da sociedade, e deve ter fora suficiente para controlar os excessos do Executivo.

    Rousseau vai mais longe ainda, atribuindo a soberania ao povo incorporado, isto ao povo enquanto corpo coletivo, capaz de decidir o que melhor para o todo social. Com isso desenvolve a concepo radical da democracia direta, em que o cidado ativo, participante, fazendo ele prprio as leis nas assemblias pblicas.

    Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra na Sua, transferindo-se para a Frana em 1742, onde escreveu suas grandes obras. Entre elas podemos destacar O contrato social, na qual exps a tese de que o soberano deveria conduzir o Estado segundo a vontade geral de seu povo, sempre tendo em vista o atendimento do bem comum. Somente esse Estado, de bases democrticas, teria condies de oferecer a todos os cidados um regime de igualdade jurdica. Em outra de suas importantes obras, o Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, Rousseau glorificou os valores da vida natural e atacou a corrupo, a avareza e os vcios da sociedade civilizada. Fez inmeros elogios liberdade que desfrutava o selvagem, na pureza do seu estado natural, contrapondo-se falsidade e ao artificialismo do homem civilizado. Rousseau tornou-se clebre como defensor da pequena burguesia e

    inspirador dos ideais que estiveram presentes na Revoluo Francesa. Rousseau, na verdade, antecipa algumas das crticas que no sculo seguinte os

    socialistas faro ao liberalismo. Denuncia a propriedade como uma das causas da origem da

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    desigualdade e, ao desenvolver os conceitos de vontade geral e cidadania ativa, rejeita o elitismo da tradio burguesa do seu tempo.

    Alm disso, as teorias contratualistas se baseiam em uma concepo individualista da sociedade, o que tpico do pensamento liberal. A sociedade compreendida como a somatria dos indivduos, e o Estado tm por fim garantir que os interesses particulares possam coexistir em harmonia. Esta concepo ser criticada pelas teorias socialistas.

    Apesar das diferenas, o que existe em comum nas teorias contratualistas a nfase no carter racional e laico ( no-religiosos) da origem do poder. o prprio homem que d o consentimento para a instaurao do poder, reafirmando assim o valor absoluto do indivduo e do cidado.

    A concepo de Rousseau (no sculo XVIII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a Natureza lhes d, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto, pelo grito e pelo canto, numa lngua generosa e benevolente. Esse estado de felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente, termina quando algum cerca um terreno e diz: meu. A diviso entre o meu e o teu, isto , a propriedade privada, d origem ao estado de sociedade, que corresponde, agora, ao estado de natureza hobbesiano da guerra de todos contra todos.

    O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau evidenciam uma percepo do social como luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da fora. Para fazer cessar esse estado de vida ameaador e ameaado, os humanos decidem passar sociedade civil, isto , ao Estado Civil, criando o poder poltico e as leis.

    A passagem do estado de natureza sociedade civil se d por meio de um contrato social, pelo qual os indivduos renunciam liberdade natural e posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro o soberano o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade poltica. O contrato social funda a soberania.

    Como possvel o contrato ou o pacto social? Qual sua legitimidade? Os tericos invocaro o Direito Romano Ningum pode dar o que no tem e ningum pode tirar o que no deu e a Lei Rgia romana O poder conferido ao soberano pelo povo para legitimar a teoria do contrato ou do pacto social.

    Parte-se do conceito de direito natural: por natureza, todo indivduo tem direito vida, ao que necessrio sobrevivncia de seu corpo, e liberdade. Por natureza, todos so livres, ainda que, por natureza, uns sejam mais forte e outros mais fracos. Um contrato ou um pacto, dizia a teoria jurdica romana, s tem validade se as partes contratantes foram livres e iguais e se voluntria e livremente derem seu consentimento ao que est sendo pactuado.

    A teoria do direito natural garante essas duas condies para validar o contato social ou o pacto poltico. Se as partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e so livres, possuem o direito e o poder para transferir a liberdade a um terceiro, e se consentem voluntria e livremente nisso, ento do ao soberano algo que possuem, legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os indivduos formam a vontade livre da sociedade, voluntariamente fazem um pacto ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los.

    Para Hobbes, os homens reunidos numa multido de indivduos, pelo pacto, passam a constituir um corpo poltico, uma pessoa artificial criada pela ao humana e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivduos naturais so pessoas morais, que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral coletivo ou Estado.

    A teoria do direito natural e do contrato evidencia uma inovao de grande importncia: o pensamento poltico j no fala em comunidade, mas em sociedade. A idia de comunidade pressupe um grupo humano uno, homogneo, indiviso, que compartilha os mesmos bens, as mesmas crenas e idias, os mesmos costumes e que possui um destino comum.

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    Quem o soberano? Hobbes e Rousseau diferem na resposta a essa pergunta Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma assemblia

    democrtica. O fundamental no o nmero dos governantes, mas a determinao de quem possui o poder ou a soberania. Esta pertence de modo absoluto ao Estado, que, por meio das instituies pblicas, tem o poder para promulgar e aplicar as leis, definir e garantir a propriedade privada e exigir obedincia incondicional dos governados, desde que respeite dois direitos naturais intransferveis: o direito vida e paz, pois foi por eles que o soberano foi criado. O soberano detm a espada e a lei; os governados, a vida e a propriedade dos bens.

    Para Rousseau, o soberano o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral, coletiva, livre e corpo poltico de cidados. Os indivduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e a este que transferem os direitos naturais para que sejam transformados em direitos civis. Assim sendo, o governante no o soberano, mas o representante da soberania popular. Os indivduos aceitam perder a liberdade civil: aceitam perder a posse natural para ganhar a individualidade civil, isto , a cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se fazem representar, so cidados. Enquanto se submetem s leis e autoridade do governante que os representa chamam-se sditos. So, pois, cidados do Estado e sditos das leis.

    A origem da desigualdade

    A concepo poltica de Rousseau estabelece uma trajetria de evoluo da organizao social que difere de outros pensadores. Assim como Hobbes, Rousseau constri uma hiptese de estado de natureza e estado civil, mas considera o "estado de guerra" hobbesiano presente na sociedade civil. O estado de natureza apresentado como um momento de ampla felicidade humana, onde os seres humanos no tinham a necessidade de se relacionarem e no havia desigualdade. Este modo de vida, hipoteticamente construdo para justificar sua proposta de Repblica, teria sido destrudo com a instituio da propriedade privada e das leis. na sociedade das instituies civis que reside a crtica de Rousseau e o fundamento de sua teoria poltica. Entretanto, se com a razo o ser humano construiu uma civilizao corrompida, com a capacidade racional que a humanidade dever encontrar suas solues.

    Diante da constatao de que "o verdadeiro fundador da sociedade foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acredit-lo", Rousseau encontra na desigualdade humana o principal problema da organizao poltica. 2.5 LIBERALISMO:

    Liberalismo e fim do antigo regime - As idias polticas liberais tm como pano de fundo a luta contra as monarquias absolutas por direito divino dos reis, derivadas da concepo teocrtica do poder. O liberalismo consolida-se com os acontecimentos de 1789, na Frana, sito , com a Revoluo Francesa, que derrubou o Antigo Regime.

    Antigo, em primeiro lugar, porque politicamente teocrtico e absolutista. Antigo, em segundo lugar, porque socialmente fundado na idia de hierarquia divina, natural e social e na organizao feudal, baseada no pacto de submisso dos vassalos ou sditos ao senhor.

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    Com as idias de direito natural dos indivduos e de sociedade civil (relaes entre indivduos livres e iguais por natureza), quebra-se a idia de hierarquia. Com a idia de contrato social (passagem da idia de pacto de submisso de pacto social entre indivduos livres e iguais), quebra-se a idia da origem divina do poder e da justia fundada nas virtudes do bom governante.

    O trmino do Antigo Regime se consuma quando a teoria poltica consagra a propriedade privada como direito natural dos indivduos, desfazendo a imagem do rei como marido da terra, senhor dos bens e riquezas do reino, decidindo segundo sua vontade e seu capricho quanto a impostos, tributos e taxas. A propriedade ou individual e privada, ou estatal e pblica, jamais patrimnio pessoal do monarca. O poder tem a forma de um Estado republicano impessoal porque a deciso sobre impostos, tributos e taxas tomada por um parlamento o poder legislativo -, constitudo pelos representantes dos proprietrios privados.

    As teorias polticas liberais afirmam, portanto, que o indivduo a origem e o destinatrio do poder poltico, nascido de um contrato social voluntrio, no qual os contratantes cedem poderes, mas no cedem sua individualidade (vida, liberdade e propriedade). O indivduo o cidado.

    Afirmam tambm a existncia de uma esfera de relaes sociais separadas da vida privada e da vida poltica, a sociedade civil organizada, onde proprietrios privados e trabalhadores criam suas organizaes de classes, realizam contratos, disputam interesses e posies sem que o Estado possa a intervir, a no ser que uma das partes lhe pea para arbitrar os conflitos ou que um das partes aja de modo que parea perigoso para a manuteno da prpria sociedade.

    Afirmam o carter republicano do poder, isto , o Estado o poder pblico e nele os interesses dos proprietrios devem estar representados por meio do parlamento e do poder judicirio, os representantes devem ser eleitos por seus pares. Quanto ao poder executivo, em caso de monarquia, pode ser hereditrio, mas o rei est submetido s leis como os demais sditos. Em caso de democracia, ser eleito por voto censitrio, isto , so eleitores ou cidados plenos apenas os que possurem uma certa renda ou riqueza.

    O Estado, atravs da lei e da fora, tem poder para dominar exigir obedincia e para reprimir punir o que a lei defina como crime. Seu papel a garantia da ordem pblica, tal como definida pelos proprietrios privados e seus representantes.

    A cidadania liberal O Estado liberal se apresenta como repblica representativa

    constituda de trs poderes: executivo (encarregado da administrao dos negcios e servios pblicos), o legislativo (parlamento encarregado de instituir as leis) e o judicirio (magistraturas de profissionais do direito, encarregados de aplicar as leis). Possui um corpo de militares profissionais que formam as foras armadas exrcito e polcia - , encarregadas da ordem interna e da defesa (ou ataque) externa. Possui tambm um corpo de servidores ou funcionrios pblicos, que formam a burocracia, encarregada de cumprir as decises dos trs poderes perante os cidados.

    O Estado liberal julgava inconcebvel que um no-proprietrio pudesse ocupar um cargo de representante num dos trs poderes. Ao afirmar que os cidados eram os homens livres e independentes, queriam dizer com isso que eram dependentes e no-livres os que no possussem propriedade privada. Estavam excludos do poder poltico, portanto, os trabalhadores e as mulheres, isto , a maioria da sociedade.

    Lutas populares intensas, desde o sculo XVIII at nossos dias, foraram o Estado liberal a tornar-se uma democracia representativa, ampliando a cidadania poltica. Com exceo dos Estados Unidos, onde os trabalhadores brancos foram considerados cidados desde o sculo XVIII, nos demais pases a cidadania plena e o sufrgio universal s vieram a

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    existir completamente no sculo XX, como concluso de um longo processo em que a cidadania foi sendo concedida por etapas.

    No menos espantoso o fato de que em duas das maiores potncias mundiais, Inglaterra e Frana, as mulheres s alcanaram plena cidadania em 1946, aps a Segunda Guerra Mundial. Pode-se avaliar como foi dura, penosa e lenta essa conquista popular, considerando-se que, por exemplo, os negros do sul dos Estados Unidos s se tornaram cidado nos anos 1960. Tambm importante lembrar que em pases da Amrica Latina, sob a democracia liberal, os ndios ficaram excludos da cidadania e que os negros da frica do Sul votaram pela primeira vez em 1994. As lutas indgenas, em nosso continente, e as africanas continuam at nossos dias.

    Podemos observar, portanto, que a idia de contrato social, pelo qual os indivduos isolados se transformam em multido e esta se transformam em corpo poltico de cidados, no previa o direito cidadania para todos, mas delimitava o contrato ou o pacto a uma classe social, a dos proprietrios privados ou burguesia.

    O MARXISMO

    Economista, filsofo e socialista alemo, Karl Marx nasceu em Trier em 5 de Maio de 1818 e morreu em Londres a 14 de Maro de 1883. Estudou na universidade de Berlim, principalmente a filosofia hegeliana, e formou-se em Iena, em 1841, com a tese Sobre as diferenas da filosofia da natureza de Demcrito e de Epicuro. Em 1842 assumiu a chefia da redao do Jornal Renano em Colnia, onde seus artigos radical-democratas irritaram as autoridades. Em 1843, mudou-se para Paris, editando em 1844 o primeiro volume dos Anais Germnico-Franceses, rgo principal dos hegelianos da esquerda. Entretanto, rompeu logo com os lderes deste movimento, Bruno Bauer e Ruge.

    Em 1844, conheceu em Paris Friedrich Engels, comeo de uma amizade ntima durante a vida toda. Foi, no ano seguinte, expulso da Frana, radicando-se em Bruxelas e participando de organizaes clandestinas de operrios e exilados. Ao mesmo tempo em que na Frana estourou a revoluo, em 24 de