filosofia da imagem

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A Utilização da Imagem para discutir questões complexas de Filosofia: Representação, Crise da Representação e Desconstrução A Utilização da Imagem para discutir questões complexas de Filosofia: Representação, Crise da Representação e Desconstrução Dirce Eleonora Nigro Solis 1 Resumo: Este texto, originalmente apresentado na II Jornada sobre Filosofia e Ensino- LLPEFIL-UERJ, trata de algumas possibilidades de utilização de imagens para a abordagem de temáticas filosóficas. Partindo da discussão sobre a representação em filosofia e a possibilidade de uma analogia com imagens, passa a analisar pelo viés da desconstrução, a crise da representação e os deslocamentos com relação aos pares binários metafísicos e logocêntricos do pensamento ocidental, tomando como exemplo a desconstrução em arquitetura e o projeto da Love/ House de Lars Lerup. Palavras-Chave: Imagem Representação. Crise da representação. Desconstrução. Arquitetura. Abstract: This text, originally presented at the II Journey of Philosophy and Teaching LLPEFIL UERJ -, deals with some possibilities for using images for the approach of philosophical thematic. From the discussion of the representation in philosophy and the possibility of an analogy with images, now analyze the bias in the deconstruction of the representation crisis, and displacements in relation to metaphysical and logocentric binary pairs of Westem thought, taking the example of the deconstruction in architecture and design of the Love/House by Lars Lerup. Keywords: Image. Representation. Crisis of Representation. Deconstruction .Architecture. A questão do ensino de filosofia em nível médio ou na graduação sempre foi colocada como desafio instigante para aqueles que se dedicam à tarefa de professor. Na relação ensino de filosofia e arte, a preocupação de muitos profissionais consiste muitas vezes em como é possível associar a discussão tão complexa da filosofia com as imagens, seja a imagem em movimento, seja a imagem cristalizada em fotografia, desenho etc. 1 Doutora em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002). Atualmente é professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atuando principalmente nos seguintes temas: Desconstrução, Filosofia Francesa Contemporânea e no Pensamento de Jacques Derrida. É coordenadora do Laboratório de Licenciatura e Pesquisa sobre o Ensino de Filosofia- LLPEFIL na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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Filosofia da Imagem

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  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de

    Filosofia: Representao, Crise da Representao e

    Desconstruo

    Dirce Eleonora Nigro Solis1

    Resumo: Este texto, originalmente apresentado na II Jornada sobre Filosofia

    e Ensino- LLPEFIL-UERJ, trata de algumas possibilidades de utilizao de

    imagens para a abordagem de temticas filosficas. Partindo da discusso

    sobre a representao em filosofia e a possibilidade de uma analogia com

    imagens, passa a analisar pelo vis da desconstruo, a crise da

    representao e os deslocamentos com relao aos pares binrios metafsicos

    e logocntricos do pensamento ocidental, tomando como exemplo a

    desconstruo em arquitetura e o projeto da Love/ House de Lars Lerup.

    Palavras-Chave: Imagem Representao. Crise da representao.

    Desconstruo. Arquitetura.

    Abstract: This text, originally presented at the II Journey of Philosophy and

    Teaching LLPEFIL UERJ -, deals with some possibilities for using images for the approach of philosophical thematic. From the discussion of the

    representation in philosophy and the possibility of an analogy with images,

    now analyze the bias in the deconstruction of the representation crisis, and

    displacements in relation to metaphysical and logocentric binary pairs of

    Westem thought, taking the example of the deconstruction in architecture and

    design of the Love/House by Lars Lerup.

    Keywords: Image. Representation. Crisis of Representation. Deconstruction .Architecture.

    A questo do ensino de filosofia em nvel mdio ou na graduao sempre foi colocada

    como desafio instigante para aqueles que se dedicam tarefa de professor. Na relao

    ensino de filosofia e arte, a preocupao de muitos profissionais consiste muitas vezes

    em como possvel associar a discusso to complexa da filosofia com as imagens, seja

    a imagem em movimento, seja a imagem cristalizada em fotografia, desenho etc.

    1 Doutora em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002). Atualmente professora

    adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atuando principalmente nos seguintes temas:

    Desconstruo, Filosofia Francesa Contempornea e no Pensamento de Jacques Derrida. coordenadora

    do Laboratrio de Licenciatura e Pesquisa sobre o Ensino de Filosofia- LLPEFIL na Universidade do

    Estado do Rio de Janeiro.

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    Muitos pensadores reconhecidos, no entanto, j se serviram de imagens provenientes

    das mais diversas fontes, tais como fotografia, escultura, pintura, cinema, para discutir

    questes filosficas importantes. Iremos citar um ou dois exemplos, j bastante

    familiares para quem trabalha com filosofia, utilizados por pensadores tais como

    Foucault ou Deleuze. Nosso intuito aqui, entretanto, apresentar algumas imagens

    tomadas da desconstruo em arquitetura (derridiana ou no) e o muito especial desenho

    da Love/House de Lars Lerup, que nos permitem a referncia ao trabalho de

    pensadores, tais como, Derrida, Roland Barthes e Gaston Bachelard.

    Antes de abordar a temtica principal da desconstruo, vale lembrar que Michel

    Foucault em As Palavras e as Coisas (1999) vai nos trazer o quadro de Velasquez, Las

    Meninas (cujo ttulo remete descendncia portuguesa do pintor espanhol), para falar

    de todo o ciclo da representao. No preciso, entretanto, repetir em detalhes toda a

    riqueza da abordagem deste autor. (Focault,1999, 3-21).

    Fig 1

    A questo da representao fundamental para a compreenso do conhecimento no

    campo filosfico. Na filosofia, mas tambm nas chamadas cincias da cognio, a

    discusso do contexto da representao veio sendo objeto de amplo debate ao longo da

    histria do pensamento e mais especificamente da teoria do conhecimento.

    Preocupao dos filsofos desde o incio da filosofia sistematizada, o problema da

    representao foi trabalhado por inmeros filsofos da tradio e no poderamos deixar

    de mencionar Aristteles, Francis Bacon, Descartes, David Hume, Bergson, Merleau

    Ponty, Rorty, mas tambm Deleuze e Derrida. A questo da representao foi abordada

    de modo interessante por Michel Foucault em sua obra acima citada onde ele discute,

  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    e aqui s posso falar disso de modo muito sucinto, a questo da semelhana, passando

    pela representao clssica propriamente dita at chegar a apontar os limites da

    representao.

    Embora isto no caracterize nenhuma novidade para os lingistas, todas as

    representaes, classicamente, ligam-se entre si como signos, formando uma imensa

    rede. Toda anlise de signos imediatamente decifrao do que eles significam. Assim,

    em As Palavras e as Coisas, Foucault aponta, por exemplo, que semiologia e

    hermenutica se sobrepem na epistm clssica, no sculo XVII, mas de forma distinta

    do que ocorria no sculo XVI. No h mais semelhana. Ligam-se no poder prprio da

    representao, aquele de representar a si mesma.(Foucault,1999, 90-91).

    Na idade clssica, diz Foucault, a cincia pura dos signos vale como discurso imediato

    do significado(1999,p.92).Da podermos dizer com Descartes: Ser=Pensar=Representar.

    Re-presentar classicamente significa apresentar de novo. Trazer presena novamente,

    s que no pensamento clssico moderno como Idia, dobra do pensamento sobre si

    mesmo.

    O peso da concepo clssica para o pensamento moderno e apontado por Foucault

    como chegando at ns que a teoria binria dos signos, a que funda, desde o sculo

    XVII, toda a cincia geral do signo, est ligada, segundo uma relao fundamental, a

    uma teoria geral da representao.(Foucault,1999,92). Somente pela representao

    podemos estabelecer que o signo pura e simples ligao de um significado a um

    significante. Classicamente significante e significado s so ligados na medida em que

    um e outro so (ou foram ou podem ser) representados e que um representa atualmente

    o outro. (Foucault,1999, 92).

    No entanto, podemos utilizar as diversas citaes ( uma srie de 58 quadros) que Pablo

    Picasso faz de Las Meninas de Velasquez para discutir a questo da representao da

    representao, como j havia pensado Foucault com relao ao Las Meninas, onde h a

    representao de um quadro dentro do quadro de Velasquez. Ou seja, o pintor (o prprio

    Velasquez) representado dentro da cena pintando um quadro onde ele supostamente

    representa o rei e a rainha da corte espanhola (Felipe IV e D. Mariana), refletidos num

    espelho; estratgia, alis, utilizada por muitos artistas, pintores, escritores do ps

    renascimento ou do perodo designado como barroco. J os quadros As Meninas de

    Picasso podem ser motivaes para a discusso, no s da representao da

    representao ou da questo da eliso do sujeito (esta ltima j presente tambm,

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    seguindo a anlise de Foucault, no quadro original de Velasquez), mas ainda para

    discutir a desconstruo deste mesmo ciclo da representao e o ultrapassamento de

    seus limites.

    Nos dois quadros As Meninas, abaixo exemplificados, temos os mesmos elementos

    presentes nos quadros de Velasquez, mas com a assinatura muito particular de Pablo

    Picasso: as formas, a perspectiva , a hierarquia figura e fundo desconstrudas ; o quadro

    original, de Velasquez como viso singular de Picasso, e que nos introduzem no

    universo da representao como interpretao.

    Fig 2

    Fig 3

    Assim, seguindo a idia de Foucault, podemos utilizar o quadro Las Meninas de

    Velasquez para discutir todo o ciclo da representao que culmina na modernidade,

    mas podemos ao mesmo tempo tomar as vrias interpretaes de Las Meninas por

    Pablo Picasso para mostrar a desconstruo da idia de representao, o significado da

    interpretao, a desconstruo da idia de signo e do binmio significante/ significado, a

    questo do referente.

    Podemos tambm, trazer um outro exemplo, um quadro de El Greco - O Enterro do

    Conde DOrgaz- para discutir o significado do conceito de dobra a partir de dois

    planos desdobrados na figura, o alto e o baixo na estrutura e na interpretao barroca.

  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    Fig 4

    Lembramos ainda, o exemplo utilizado por Deleuze em A Dobra. Leibniz e o Barroco

    (1991) para discutir o conceito de dobra, o alto e o baixo na Igreja Barroca, ou ento a

    alegoria da casa para a discusso do fora/dentro, avesso/direito etc. O exemplo abaixo,

    a Igreja Barroca de 1653 projetada por Borromini, a Igreja de Santa Inez (Fig 5) na

    Praa Navona em Roma, pode ser associado ao que Deleuze, na obra citada acima,

    chamou de A Casa Barroca (Deleuze, 1991, 15) e relao que este autor faz do andar

    de baixo com a matria, as foras elsticas, molas e o andar superior com a alma

    racional, inspirado na obra de Leibniz. Com um simples desenho ( Fig 6) , Deleuze

    (1991,15) discute, entre outros, o significado do compartimento sem janelas - a mnada

    leibniziana-, a analogia de algumas questes da Monadologia com o barroco. Discute

    tambm questes da esttica barroca, dentre elas a luz barroca, a dobra que vai ao

    infinito, o alto e o baixo, o dentro e o fora, a textura no barroco.

    Fig 5 Fig 6

    J a discusso contempornea da desconstruo pertence a um momento do pensamento

    que implica na elucidao do que ficou conhecido como a morte da representao. Os

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    exemplos que tomaremos aqui so aqueles da arquitetura, entendida no em sua

    caracterstica exclusivamente tcnica, mas em sua dimenso artstica. Iremos destacar,

    portanto, alguns objetos que nos preenchem os olhos, a sensao e a percepo, os

    objetos arquitetnicos.

    So imagens de edificaes que em sua maioria, implicam numa elucidao da questo

    do signo e o tratamento a ele dado pela desconstruo. Para darmos conta desta questo,

    entretanto, lembremos rapidamente Saussure. A compreenso do signo para a

    concepo clssica moderna ir possibilitar o projeto de uma semiologia geral em

    Saussure cujo propsito desenvolver uma Teoria Geral dos Signos e que pode ser

    compreendida tambm, como um ramo da psicologia social. A lngua a base de

    compreenso dos problemas semiolgicos e a inteno de Saussure retirar da

    mesma, as leis gerais de significao e aquelas da comunicao que tenham a

    possibilidade de aplicao nos diversos campos da cultura. A palavra signo tem

    como objetivo exprimir idias atribudas a qualquer coisa, mas de forma arbitrria.

    Um signo, ento, sinaliza ( sinais de trnsito, palavras, equaes, diagramas,

    pinturas, edificaes so signos). O signo social por natureza e uma das

    caractersticas internas da lngua tambm ser social. Da a semiologia: preciso,

    pois, conceber uma cincia que estuda a vida dos signos no seio da vida social (...); ns

    a denominaremos semiologia (Saussure, 1967,60). E a lngua, como fenmeno

    semiolgico, no existir fora do fato social para Saussure. s classes de sons e sentidos

    que constituem a lngua, Saussure as nomeia respectivamente de significante e

    significado.

    O signo definido, ento, como a associao de um significante a um significado, como

    o nexo entre o conceito (significado) e a imagem acstica (significante), tendo por

    funo representar a coisa durante a sua ausncia. Entretanto, para que o signo

    funcione, o que pode estar ausente no o significado, mas sim o referente. Significante

    e significado, indissociveis no signo, representam o referente em sua ausncia, mas

    dele no se separam inteiramente.

    A concepo de Saussure estar na mira crtica da desconstruo. Derrida reconhece

    que Saussure tentou libertar a lingstica das concepes metafsicas ou teolgicas

    presentes na idia clssica de representao. No entanto, principalmente pelo fato de

    ter utilizado o conceito de signo, concebido como associao de um significado

  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    (conceito) a um significante ( imagem acstica) que Saussure ainda no se desliga da

    tradio metafsica que trata da representao.

    Derrida ir criticar em Saussure caractersticas metafsicas implcitas na Teoria dos

    Signos, tais como o primado do psquico, do som, da voz, da presena. A arbitrariedade

    do signo e a linearidade do significante, o contexto de diferena em Saussure, tudo isso

    ser alvo das crticas da desconstruo derridiana. No caso da diferena, que

    fundamental para o contexto no representacional da desconstruo, o que Derrida

    critica em Saussure o fato dele no se desligar do campo ontolgico ao afirmar que

    na lngua no h mais que diferenas (Saussure,1968, 200). O que Derrida busca o

    contexto da diferena que possibilite ultrapassar a dimenso da diferena como

    diferena ontolgica. Um outro aspecto da diferena buscado por Derrida: a

    diffrance, ou melhor, aquilo que na diferena difere uma outra diferena.

    A desconstruo ir postular a crtica mmesis e de certo modo denuncia o momento

    atual como o momento crtico da idia de representao. E neste sentido que

    desconstruo e representao classicamente considerada no se afinam mais.

    A desconstruo postula- se como diferente de um simples estilo ou tendncia.

    Tampouco movimento. A filosofia, a partir de Derrida, utiliza o termo desconstruo,

    ampliando possibilidades de compreenso e abrindo um campo novo para o

    desenvolvimento do pensamento. No se caracterizando nunca como um estilo esttico

    entre outros, nem tampouco como tendncia nas artes em geral, a desconstruo se

    imps como sendo da ordem do acontecimento, ou melhor, aquilo que acontece no

    pensamento e nas artes em qualquer momento histrico. Ela teve origem na crtica

    literria e acabou por qualificar certo pensamento filosfico, tico-poltico, artstico

    contemporneo, mas como j falamos, ela no para Derrida nem anlise, nem crtica,

    nem mtodo de interpretao literria. No bula de leitura, mas mesmo assim, no h

    como descartar a possibilidade desconstrutora como procedimental.

    Inspirados na fenomenologia, Derrida e outros filsofos franceses atuaram no sentido

    de, considerando as questes propostas por ela, inverter, ampliar o problema do

    sentido, do corpo e dos fenmenos trabalhados pelas filosofias tradicionais ainda como

    questes ontolgico-estticas. Foi colocada em xeque por eles, a filosofia da

    conscincia, ou como entende Derrida foi desconstruda a por ele denominada

    metafsica da presena . Segundo Derrida a histria da cultura ocidental englobaria as

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    formas de manifestao da presena sendo que a hegemonia de uma dessas formas iria

    caracterizar os diferentes perodos histricos. Da Derrida falar em metafsica da

    presena: presena da coisa ao olhar como eidos, presena como

    substncia/essncia/existncia (ousia), presena temporal como ponta (stigm) do agora

    ou do instante (nyn), presena a si do cogito, conscincia, subjetividade, co-presena do

    outro e de si, intersubjetividade como fenmeno intencional do ego etc (Derrida, 1973,

    23).

    Apenas compreendendo a fora do pensamento fenomenolgico na filosofia francesa

    das dcadas de 40 a 60 que podemos entender Derrida e seu pensamento.

    fenomenologia e suas questes, Derrida dedica muitos de seus ensaios que poderamos

    chamar desconstrutores de tudo o que representou para o pensamento ocidental a

    metafsica da presena. Entre eles A Voz e o Fenmeno ( 1967),O Poo e a Pirmide, A

    Mitologia Branca (Marges de la Philosophie, 1972), A Palavra Soprada (LEcriture et

    la Diffrence, 1967) , La Dissmination (1972) e tantos outros que evidenciam uma

    filosofia que busca inspirao no ser sensvel.

    Mostrando a utilizao metafrica na composio metafsica da filosofia desde Plato,

    as diversas utilizaes heliotrpicas da filosofia, as metforas para a luz, a sombra, uma

    espcie de fotologos platnico, em A Mitologia Branca (Derrida,1972 (b)), a presena

    do ser traduzida pela linguagem filosfica em geral e para o campo mais especfico de

    nosso interesse, pela linguagem esttica. A metfora como exercendo um papel

    fundamental nas filosofias situa a questo do ser e da linguagem como fenmeno

    esttico. A metfora segundo Derrida possibilita o deslocamento desconstrutor do ser

    sobre os entes e o encetamento da histria pela filosofia. Considerando a metfora em

    Force et Signification (Derrida, LEcriture et la Diffrence, (1967(b)) , a desconstruo

    quer afastar toda e qualquer preocupao com a origem, presente nas filosofias do

    fundamento e da transcendncia.

    Inverter e deslocar o sentido, desestabilizar a esttica ainda presa ao contexto

    ontolgico, tal a tarefa desconstrutora. Em Margens da Filosofia (Derrida, (s.d), 11 )

    Derrida utiliza a expresso timpanizar a filosofia, isto , servir-se da condio de

    metaforicidade do texto filosfico, considerando o contexto do jogo de diferenas

    (diffrance), como maneira de deslocar o sentido j sempre determinado em funo da

  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    presena. Esse exerccio desconstrutor estar presente em toda a considerao da

    criao artstica e mais especificamente na criao do objeto arquitetnico.

    Arquitetura da desconstruo e desconstruo em arquitetura

    A partir dessas consideraes, irei apresentar o que podemos designar como uma

    espcie de arquitetura da desconstruo e como esta questo da desconstruo foi

    desenvolvida, chamando a ateno para o seu campo esttico. O exemplo que escolhi

    foi o dos objetos arquitetnicos. Uma arquitetura da desconstruo significa explorar de

    forma analgica como erigido o edifcio da desconstruo a partir de Jacques Derrida,

    e de um ponto de vista crtico desconstruo como este mesmo edifcio pode ser

    deslocado ou desmontado.

    Devemos sempre insistir que desconstruo diferente de destruio ou demolio. A

    arquitetura da desconstruo revela que ela possui um vis de fragilidade produzido pela

    ambivalncia e pela aporia que, entretanto, constituir-se- em sua fora. A

    desconstruo afirmativa e um acontecimento que desloca certezas, desloca o

    logocentrismo, desloca o fundamento, sempre presentes na tradio do pensamento

    ocidental, desloca em direo a algo que ainda no decisrio e no se coloca como

    dado, pronto e acabado. A desconstruo possibilita o desestabilizar de noes como

    verdade, identidade, sentido, valores tradicionais vinculados questo da existncia e

    tambm noes como fundao, suporte, estrutura, com relao ao objeto arquitetnico.

    A proposta de uma arquitetura da desconstruo pode parecer um paradoxo, se

    arquitetnica estiver sempre ligada ao ordenamento, hierarquizao, sistematizao

    de pares binrios do pensamento. Entretanto, o que busco enfatizar que h toda uma

    arquitetura da desconstruo presente a partir da crtica ao logocentrismo, teoria dos

    signos saussureana, com a colocao por Derrida dos operadores da desconstruo para

    falar de seu procedimento de inverso ou deslocamento: escritura, diffrance com a ,

    rastro, hmen etc. So quase- conceitos na viso de Derrida , na medida em que

    conceitos representam a metafsica da presena e a hierarquizao tradicional.

    Ressaltamos que sob este prisma, h ento, Modelos e Figuras Arquiteturais que

    anteriormente desconstruo j estariam presentes no texto filosfico desde as

    primeiras pocas. Podemos lembrar as inmeras referncias na filosofia a formas

    arquiteturais e a metforas arquiteturais. Por exemplo, logos, ark e ratio so todos

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    maneiras de localizar o solo (Grund) , o solo estvel e seguro. Em Plato, no Timeu h a

    referncia ao edifcio csmico. A arquitetura do cosmos e o demiurgo exercendo o papel

    de primeiro arquiteto do universo. Em Descartes, o edifcio da razo ou da filosofia; Em

    Kant, a edificao da razo e do conhecimento na Crtica da Razo Pura. Em Heidegger,

    a referncia construo do edifcio da metafsica ocidental e a sua desconstruo

    (Destruktion). A metafsica , dir Wigley , torna-se a partir de Heidegger uma espcie

    de construo inadequada, um pensamento inadequado sobre a edificao (Wigley,

    1997, 39).

    Heidegger o percebeu, mas apenas a desconstruo de Derrida ir mostrar, que a

    subverso das hierarquias estruturais originais, evidencia que no h solo estvel. O

    Grund dando lugar ao Abgrund. E a fenda, aquilo que quebra e pode levar runa um

    edifcio, se revela , ento, no como fraqueza, mas como fora estrutural.

    Para delimitar o campo da discusso em que os textos da desconstruo os de Derrida,

    podem estar articulados com a Arquitetura enquanto arte, consideramos, ento, a noo

    de solo inseguro, instvel, o solo da desconstruo. Pensamos em como possvel a

    desconstruo no trabalho da Arquitetura.

    A exposio realizada no MOMA de Nova York em 1988, denominada

    impropriamente desconstrutivista , num primeiro momento foi caracterizada como

    oposio ao construtivismo russo na arte e na arquitetura. Foi organizada por Phillip

    Johnson e Mark Wigley recebendo primeiro o nome de Violated Perfection (Perfeio

    Violada). Esta exposio deu visibilidade s obras de arquitetos que discutiam a questo

    da forma e as possibilidades de sua transformao em arquitetura e indiretamente

    apenas tinham aspectos da desconstruo proposta por Jacques Derrida, mas no

    havia uma transposio direta. Ali foram expostos projetos de sete autores: A casa de

    Santa Monica de Frank Gehry; Borda Urbana de Daniel Libeskind, de Eisenman o

    projeto do Biocentro da Universidade de Frankfurt; Rem Koolhaas, dois projetos; Zaha

    Hadid- The Peak- Hong Kong, o escritrio Coop Himmelblau com 03 projetos; e

    Bernard Tschumi com o La Villette.

    A casa de Gehry construda por ele em Santa Mnica (Fig. 7), arquiteto que segundo

    sua prpria fala gosta de brincar beira do desastre, desconstri o binmio

    significante/significado, as noes de frente e fundos, figura e fundo,desconstri a

    forma e as partes com relao funo.Exemplo de desconstruo no derridiana, no

  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    entanto, ela no consegue deslocar a noo de habitabilidade e de conforto. No

    desconstri a idia de lugar. Mas ao olhar do passante parece um eterno canteiro de

    obras. Isto a ponto dos vizinhos do condomnio de alto luxo em que ela est situada,

    quererem se mudar para que seus imveis no desvalorizassem.

    Fig 7

    Idealizado pelo arquiteto Vlado Milunic em cooperao com Frank Gehry, o edifcio

    Nationale-Nederlanden em Praga foi construdo entre 1994 e 96, num espao vazio no

    qual havia um antigo prdio destrudo em 1945 durante o bombardeio da cidade. Foi

    pensado para ser um centro cultural. No entanto, o que ele passa a abrigar um conjunto

    de escritrios de firmas multinacionais. Conhecido como Casa Danante e apelidado de

    Ginger and Fred (Fig 8), homenagem a Ginger Rogers e Fred Astaire, nele podemos

    observar uma desconstruo da forma , mas sem destruir, entretanto, a idia de

    fundao. A solidez do edifcio bem cuidada e impede que ele desabe. H elementos

    desconstrudos nele, mas isto tambm no caracteriza a desconstruo tal como

    concebida em Derrida.

    Fig 8

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    As figuras 9 e 10 so respectivamente o conjunto habitacional projetado para Hong

    Kong pela arquiteta de origem iraquiana Zaha Hadid e as sandlias Melissa que

    acompanham o movimento de suas obras arquitetnicas . E embora no tivessem sido

    inspirados diretamente em Derrida, h elementos desconstrudos em ambos os projetos.

    Fig 9 Fig 10

    Um escritrio de arquitetura em Viena, uma cooperativa de arquitetos, o Coop

    Himmelblau apresentou trs projetos por ocasio da exposio Arquitetura

    Descostrutivista em 1988. Ele j trazia a experincia da reforma de um telhado para

    um escritrio na Falkstrasse 6, em Viena, datado de 1985 (Fig 11) , onde podemos

    perceber uma srie formas e elementos arquiteturais desconstrudos.

    Fig 11

    Os projetos que compreendem as figuras 7 a 11 so exemplos de desconstruo em

    arquitetura, mas que so distintas da desconstruo derridiana. O que foi denominado

    impropriamente de arquitetura desconstrutivista, inclusive com justificativas de

  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    tentativas de uma nova resposta ao construtivismo russo, no so obras diretamente

    inspiradas em Derrida. Mas todas elas desestabilizam os pares conceituais binrios que

    caracterizam ainda um arquitetura ligada metafsica da presena: figura/fundo;

    forma/contedo; forma /funo; interior/exterior;dentro/fora. H um deslocamento

    constante em todas as obras apresentadas na exposio do MOMA de 1988, da idia de

    representao e da relao significante/significado. Ento podemos falar, mesmo no

    sendo desconstruo derridiana, em esttica da desconstruo no que diz respeito a

    essas obras.

    O que elas tm em comum com a desconstruo, alm da des-hierarquizao dos pares

    binrios caros ao pensamento clssico ocidental em geral, a quebra das relaes

    familiares como a noo de abrigo associada imediatamente acolhimento, proteo ,

    cuidado. H toda uma fragmentao da forma presente nestes objetos arquitetnicos e

    este um vis da desconstruo. Derrida aponta que estes pares sempre presentes no

    pensamento ocidental aparecem em determinados momentos des- hierarquizados tal

    como os pares da metafsica ocidental ser/aparncia; essncia/aparncia; significante/

    significado com relao aos signos.

    A proposta que mais se aproxima da desconstruo derridiana, entretanto, a de

    Bernard Tschumi, de origem suia, seguida de uma experincia do arquiteto de origem

    canadense Peter Eisenman (Projeto da Guardiola House (1988), em Santa Maria del

    Mar, perto de Cadix na costa espanhola) e com quem Derrida, a convite de Tschumi,

    estabeleceu uma parceria para pensar um projeto de jardim para o Parque de La

    Villette em Paris (1982). Inspirado no Timeu de Plato e em seu conceito de khora ,

    Derrida escreve Khra (Derrida,1993) , o que possibilitou o escrito Chora L Works

    para o parque na parceria com Eisenman e a discusso de alguns elementos

    arquitetnicos que se encaixavam nas questes propostas pela desconstruo.

    Khra

    Khra um texto de Jacques Derrida que ir apontar uma significativa aporia no Timeu

    de Plato . Derrida analisa principalmente o texto platnico enquanto apresenta a

    questo do espao de configurao do cosmos, do espaamento, dos lugares polticos e

    de uma poltica dos lugares.

    Timeu, em Plato, possivelmente um pitagrico proveniente de Locres (Itlia) e que

    desenvolver o tema da physis em toda a sua extenso. O Timeu, dilogo, nomeia Khra

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    () a uma espcie de receptculo sensvel, falando muito impropriamente, mas que

    preexiste ao cosmos. Khra, trton genos, nem masculino, nem feminino, seria

    aproximativamente a espacialidade em Plato.

    Para responder questo: Como possvel que as idias inteligveis ajam sobre Khra,

    para que do Caos surja o Cosmos?, Plato introduz a existncia de um deus artfice, uma

    espcie de arquiteto do universo, o Demiurgo, que ao mesmo tempo em que pensa e

    quer (projeta), capaz de instituir um jogo (ele brinca, travesso) com o intuito de

    plasmar o Cosmos. Inspirando-se nos modelos perfeitos do Mundo das Idias, o

    Demiurgo ir fazer gerar, tomando como referencial Khra, o cosmo fsico. A imagem

    mtica seria que o Demiurgo torceria vrias vezes os braos de Khi (), constituindo-se,

    ento, os crculos concntricos do universo. Khra a espacialidade possvel para que

    o Demiurgo possa modelar e ordenar a matria semelhana das formas e dos nmeros,

    tendo, portanto, como funo principal separar, dispersar, distinguir, e com isto

    multiplicar tudo o que existe no mundo sensvel.

    Os arquitetos da desconstruo iro analisar o texto Khra de Derrida e inspirados nele,

    iro pensar a des-hierarquizao dos principais binmios arquiteturais: forma / funo;

    contedo / forma; estrutura / ornamento; figura / abstrao; virtual / real; interior /

    exterior; aberto / fechado; pblico / ; etc. e tambm, a relao significante/significado e

    a desconstruo da funo tradicional de habitao, moradia, abrigo, na edificao. O

    texto Khra inspira os arquitetos a pensarem a desconstruo, mas principalmente a

    repensar dois elementos-base da construo arquitetnica e do projeto urbanstico;

    fundao (ou fundamento) e o espao.

    O que est em questo em arquitetura a modificao de um modo fundamental ou

    padro de ver e compreender a arquitetura. Noes como simetria, proporo, harmonia,

    sntese sero tambm desestabilizadas. O sentido ser deslocado ao serem des-

    hieraquizados os pares binrios ligados composio arquitetural. Para os arquitetos da

    desconstruo trata-se da possibilidade de trabalhar com extensa gama de significantes

    (arquiteturais) que remetem a outros significantes. Neste sentido h uma apropriao da

    discusso derridiana sobre o significante e a textualidade.

    A famosa mxima de Vitrvio, estabelecendo que em arquitetura devem ser

    considerados dois aspectos: aquilo que significado e aquilo que significa, frmula da

    representao arquitetnica, ser desconstruda: a arquitetura possui uma dimenso

    simblica e que at as concepes arquitetnicas recentes, jamais havia sido

    questionada em seus propsitos logocntricos. Com a desconstruo, esta mesma

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    Representao e Desconstruo

    dimenso v-se pela primeira vez abalada. A desconstruo em arquitetura no

    consegue suprimir a significao ou a funo. Ela apenas mostra que a relao

    significante / significado, forma / funo aparece num primeiro momento invertida e

    num segundo momento (quase concomitantemente), deslocada.

    A partir da leitura de Khra, o livro de Derrida, os arquitetos, principalmente Bernard

    Tschumi e Peter Eisenman, iniciam uma histria de colaborao entre filosofia e

    arquitetura, os Chora L Works, que tratam da relao entre textos filosficos e projetos

    arquitetnicos.

    Derrida e Peter Eisenman desenvolvem, ento, Khra como uma espacializao, noo

    to ou mais ambgua que pharmakon (droga, remdio, veneno, cosmtico) segundo

    Eisenman. Outros significantes tambm esto presentes: Khra, Chora lembra

    choral (coral ou msica) e mesmo coreografia. Com o L, choral torna-se mais

    lquido ou mais areo, no dizer de Derrida (1991 (a), 9). O trabalho se torna musical,

    vocal, coreogrfico, uma arquitetura para muitas vozes, um presente to precioso

    quanto aquele petrificado, o coral do mar (corail) (1991 (a), 9).

    A partir da, as aporias do abrigo e da hospitalidade, envolvendo o familiar (heimlich)

    e ao mesmo tempo estranho (umheimlich) , o acolhimento do hspede e a hostilidade

    (hospes e hostis/hostilis, com o mesmo radical), o decidvel e o indecidvel, a

    desconstrutibilidade e a indesconstrutibilidade e outros temas caros desconstruo e

    presentes na arquitetura, puderam ser considerados no trabalho da dupla Derrida e

    Eisenman .

    Outro aspecto relevante apontado por Derrida que a desconstruo no sendo um

    estilo nas artes em geral e muito menos na arquitetura, aquilo que acontece, um

    acontecimento como processo de desestabilizao dos cones slidos do pensamento

    ocidental tradicional e como processo de inverso dos pares binrios hierarquizados

    quanto ao seu valor ( o que vale mais para a tradio o belo em oposio ao feio, o

    bom em oposio ao mal, o verdadeiro em relao ao falso e ao simulacro). Derrida ir

    apontar que o acontecimento desconstruo evidencia a inverso, mesmo que

    momentnea, desses valores seja na literatura, na filosofia ou nas artes em geral e no

    caso especfico de nosso exemplo, na arquitetura. O outro momento da desconstruo,

    mas que pode ser simultaneidade o deslocamento, deslocamento para algo novo,

    inusitado, inesperado, um por vir que no indica um futuro, mas algo que se impe

    como possibilidade do possvel. Derrida em seu trabalho ir gradativamente abandonar

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    este procedimento como dois momentos, sem neg-los, entretanto, mas isso

    irrelevante para o contexto da esttica arquitetnica onde ele cabe muito bem ainda.

    importante ressaltar tambm que o que a desconstruo discute o texto ou a

    textualidade de cada expresso de pensamento seja ela artstica, filosfica ou cultural.

    Assim, interessa a Derrida o texto arquitetnico, por exemplo, como um objeto artstico,

    vivo, em pulsao. Interessa a ele o texto da psicanlise de Freud, o texto da filosofia

    hegeliana, o texto heideggeriano, o texto mallarmeano e assim por diante. No caso do

    objeto arquitetnico, ele pode ser estudado como um texto, mas no pode ser reduzido a

    um texto, pois h vrios campos do saber em jogo, a sustentabilidade da edificao, a

    tcnica empregada, a questo artstica, os elementos sociolgicos e polticos envolvidos,

    e simultaneamente texto, textualidade, acontecimento, discurso. Portanto, a conhecida

    acusao a Derrida, a partir de sua famosa afirmao na Gramatologia (Derrida, 1973,

    119) de que no h nada fora do texto, no deve ser entendida como s existem

    textos, ou ento como expulso do sentido, pois s restariam significantes que

    remetem a outros significantes... Derrida se defende desta acusao dizendo que cada

    texto nele mesmo um contexto e ento que ele poderia tambm admitir que s existem

    contextos e tudo voltaria estaca inicial: no h texto sem contexto ou vice- versa. Esta,

    no entanto, uma longa discusso que no h como desenvolver aqui.

    A idia de um trton genos (terceiro gnero), tal como Khra de Plato, possibilita

    desconstruo no s a inverso e o deslocamento dos pares binrios tradicionais caros

    arquitetura, mas tambm a exposio de dobras, fissuras, rachaduras que podem

    exploradas como forma e como texto. As funes so reversveis e podem ser

    substitudas. Vide as Folies de Tschumi (Fig 12 e 13) que no Parque de La Villete

    podem servir de mirantes, restaurantes, ambulatrios, sanitrios, escolinha de

    jardinagem etc. Derrida observa que Tschumi no diz a loucura, mas sim loucuras,

    folies, folias, lembrando muito mais delrios e diverso. Pontos de referncia atravs do

    La Villette, as Folies, pensadas dentro do contexto do acontecimento, so pontos de

    desconstruo no projeto do parque. Ilustram a disjuno e a dissociao entre usos,

    formas e valores sociais. Possuindo todas elas a mesma dimenso (10x10x10 m), pontos

    colocados na grelha (grid/grille) num sistema de 120 metros de intervalo e revestidas de

    esmalte cor vermelho vivo, so cubos que podem ser desconstrudos, rearranjados de

    modo diferente, pela adio de outros elementos (um ou dois volumes cilndricos ou

    triangulares, degraus, rampas etc) denotando uma possibilidade imensa de

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    Representao e Desconstruo

    diversificao. Uma possibilidade esttica de transarquitetura. So pontos de

    ancoramento.

    O Projeto do Parc de La Villette o exemplo de desconstruo mais prximo das idias

    de Derrida. As Folies de Tschumi no parque , as 26 folies, constituem experimentos

    desconstrutivos (tentativa de desconstruo do construtivismo russo) que desafiam as

    relaes binrias com seus prticos, jardins, escadas, varandas etc. H tambm um

    projeto parceria de Eisenman e Derrida, um projeto de jardim no La Villette (ao todo

    so 11 jardins temticos), uma espacializao que desdobra as idias contidas em Khra

    de Derrida, o seu texto sobre Timeu de Plato. um projeto de um jardim sem

    vegetao, apenas com pedras e gua. O projeto era to inusitado, sem falar no fato de

    ser extremamente caro, que levou algum do ministrio da cultura francs a afirmar que

    Derrida e Eisenman queriam sim, mas era escrever um livro. No texto de Derrida,

    inserido em Chora L Works, Por que Peter Eisenman escreve livros to bons

    (Derrida,1991(c)), parfrase ao ttulo de Nietzsche sobre Wagner, Derrida ir

    considerar Eisenman como arquiteto anti wagneriano, e ir discutir os significados

    das palavras para um arquiteto e suas possibilidades desconstrutoras .

    Fig 12 Fig 13

    Como desconstruo difere de demolio, podemos tomar como exemplo a integrao

    da Folie de Tschumi ( Fig 14) com o prdio tradicional j existente no local.

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    Fig 14

    A forma foi contaminada, dir Wigley (1997, 52). A desconstruo modifica as

    relaes entre a forma e o seu contexto e entre o dentro e o fora possibilitando

    mudanas conceituais em todos os elementos arquitetnicos. As formas aparecem,

    ento, partidas, dobradas, rasgadas. So deslocados e no destrudos todos os

    condicionantes projetuais com a flexibilizao do par forma/ funo. A declarao

    clssica de Tschumi, a forma segue a fantasia (Tschumi,1976) serve para os

    propsitos exploratrios estticos da desconstruo e um deslocamento do famoso

    princpio do modernismo em arquitetura a forma segue a funo, o que j havia sido

    contestado pelo ps modernismo na afirmativa de Peter Blake a forma segue o

    fiasco. Os ideais clssicos e modernos de beleza e funcionalidade se vem abalados

    com a desconstruo. A fundao deslocada, mas no destruda. A estrutura, o

    contexto, a forma so desestabilizados em sua noo tradicional, a funo segue a

    deflexo.

    A partir do desenho de Derrida em carta enviada a Eisenman em maio de1986, dando a

    idia de uma grelha (grille/grid) ou um crivo (Fig. 15), surge a tentativa de aproximar os

    escritos derridianos e a desconstruo em arquitetura . Na parceria com Eisenman para o

    jardim do La Villette, Derrida prope a forma de um objeto metlico dourado, pois h a

    referncia ao ouro no Timeu de Plato quando este fala de khora. Alm disso , poderia

    ser pensado um objeto/lugar semelhante a um instrumento musical de cordas tal como

    um piano, harpa ou lira e possibilitando abrigar um coral, da o Choral Works, projeto

    para o jardim.O trabalho de Derrida com Eisenman consiste numa espacializao das

    idias do livro Khora de Derrida e chamado por eles de Chora L, o L indicando uma

    sonoridade mais lquida e mais rea, o L indicando na arquitetura o espao mais fludo e

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    Representao e Desconstruo

    menos estvel. Nisto se resume a parceria do filsofo e do arquiteto para o parque. O

    projeto de Tschumi para o La Villette, no entanto, no significa uma transposio tal e

    qual das idias de Derrida, apenas algumas aproximaes e analogias muitas vezes

    longnquas.

    Fig15

    Considere-se ainda que o projeto do Parque La Villette, uma vez que desconstruo no

    destruio, conserva vrios elementos e edificaes que j estavam anteriormente no

    local (prdios do antigo matadouro de Paris), alm de atividades culturais, cientficas e

    artsticas tradicionais de dois plos culturais ocidentais universais, a cidade das cincias

    e da indstria e a cidade da msica. O La Villette termina por incorporar uma srie

    manifestaes hierrquicas do logocentrismo, o que o avesso da desconstruo.

    O exemplo da Love/ House

    Fig 16

  • SOLIS, Dirce Eleonora Nigro. Ensaios Filosficos, Volume I1 - outubro/2010

    Love /House (Fig 16) um dos cinco projetos do arquiteto californiano Lars Lerup

    contido no conhecido Assaults on the single-family house, um trabalho inspirado no

    livro Fragmentos de um discurso amoroso (1977) de Roland Barthes. O arquiteto

    brasileiro Fernando Fuo possui belssimo trabalho a respeito da Love/ House (1988)

    que intercala a discusso tcnica da Arquitetura com a dimenso filosfica da

    desconstruo. Neste projeto podemos observar elementos desconstrudos e crticos da

    idia de representao. Mas pode-se fazer um paralelo, tambm, com as questes

    levantadas por Barthes sobre o discurso amoroso e com a casa da Potica do Espao

    em Bachelard. Lars Lerup, ele prprio, desconstri o texto dos Fragmentos de Barthes e

    utiliza as metforas amorosas deste autor para estabelecer relaes com o espao e as

    conexes arquitetnicas . Os textos fragmentados do discurso amoroso, a escritura, tal

    como a entende Derrida, convertida em fragmento figura ou fragmento-arquitetura.

    Mais ou menos como diz Barthes, o que se faz com a linguagem, no se faz com o

    corpo, ou ento o que se oculta atravs da linguagem, dito pelo corpo. Os signos

    verbais calam, mascaram, trocam gato por lebre (Barthes, 1977,54).

    A Love/House deveria estar situada- mas jamais foi construda- no fundo de um

    quarteiro em Paris, num ptio ao final de uma srie de ptios . Teria sido encomendada

    a Lars Lerup por uma senhora como uma ampliao de sua prpria casa ( her house)

    com o intuito de receber o seu amante quando este viesse visit-la. Lerup a concebeu,

    ento , como um outro corpo, o corpo do amante. A casa dele ( his house) seria a casa

    do prazer e da espera pelo amante, a casa do encontro noturno.

    O lugar da espera se converte no lugar da prtica dos encontros corporais. Lerup recria

    a casa dele, a partir da sombra do corpo da casa dela - inverso e deslocamento ali se

    manifestam num processo de des-hierarqiuizao to caro desconstruo. Ela

    tambm a casa do desejo, aquela que constitui a relao consciente e inconsciente,

    separados que esto pelo corte, por uma pequena distncia necessria projeo ( uma

    espcie de cenografia da espera).

    Com a figura da Love/ House podemos discutir tambm a anlise potica de Bachelard

    sobre a casa na Potica do Espao. Como cita Fuo ( 1992, La Love House): Se

    tivssemos de ser o arquiteto da casa onrica hesitaramos entre a casa de trs e a de

    quatro pisos. A casa de trs, a mais simples com referncia altura essencial, tem um

    poro, um pavimento trreo e o sto. A casa de quatro pisos tem um andar entre o

    pavimento trreo e o sto. Um andar a mais, um segundo andar, e os sonhos se

  • A Utilizao da Imagem para discutir questes complexas de Filosofia: Representao, Crise da

    Representao e Desconstruo

    confundem. Na casa onrica, a topoanlise s sabe contar at trs ou

    quatro(Bachelard,(s d),35).

    Ainda seguindo a inspirao bachelardiana, Fuo acrescenta em seu trabalho que a

    Love/ House, imaginada por Lerup como um corpo vertical disposto em torno de uma

    centralidade , tem a verticalidade assegurada pelas polaridades do sto e do poro

    (Bachelard (s d),30). Ope-se a racionalidade sempre clara do telhado, irracionalidade

    do poro, o ser obscuro da casa, que participa das potncias subterrneas. No sto

    lugar dos ratos, e camundongos que fogem quando o dono da casa chega, h a

    experincia do dia apagando os medos da noite, racionaliza-se mais facilmente os

    medos. No poro, lugar dos seres mais lentos, mais misteriosos, diz Bachelard,

    lembrando Jung, h escurido dia e noite ( Bachelard,(s d),31 ). O arquiteto Fernando

    Fuo, lembra , ento, que a Love /House recria os arqutipos junguianos do poro e do

    sto. Lerup os faz inabitveis do ponto de vista do cotidiano.

    O que acabamos de ilustrar denota, ento, que no apenas as reas de saber como a arte

    e a arquitetura se apropriam constantemente de noes e temticas filosficas para

    melhor esclarecer o seu trabalho , como tambm podemos explorar mltiplas

    possibilidades de utilizar imagens para discutir temticas e problemas filosficos.

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