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Fsica MatemÆtica I November 21, 2012 1 Motivaªo 1.1 Nœmeros Uma vez desenvolvida a escrita Ø inquestionÆvel a importncia prÆtica de se inventar smbolos para designar as quantidades. Neste sentido surgem naturalmenteos nœmeros naturais N. A necessidade de se expressar a posseou a falta (ou ainda se vocŒ vai ganhar ou perder uma certa quantidade) faz surgir o smbolo n, com n 2 N, e, conseqüentemente, a idØia de nœmeros inteiros Z. AlØm disso, o conceito de se dividir um objeto em n partes inteiras (onde n 2 N) Ø tambØm bastante intuitiva. Assim, Ø de importncia prÆtica se inventar um smbolo para resumir a expressªo dados 2 objetos e dividindo cada um deles em sete 7 eu quero pegar (ou dar) uma destas partes de cada objeto. A invenªo deste smbolo me permite dizer que eu quero 2=7 (ou 2=7) do total de objetos. Surgem entªo os nœmeros racionais Q. Mesmo na estrutura matemÆtica mais rigorosa os racionais sªo construdos a partir dos inteiros (racionais sªo classes de equivalŒncia de inteiros). Mas de onde vem os chamados nœmeros reais R? Quando se coloca todas as idØias acima numa estrutura matemÆtica rigorosa, observa-se que existem quantidades que nªo podem ser expressas como nœmeros racionais. Estas quantidades sªo chamadas de nœmeros irracionais. Mas que quantidades sªo estas? Apesar de geometricamente estas quantidades poderem ser construdas (e.g., pelo teorema de PitÆgoras), na verdade elas nªo possuem respaldo no nosso mundo cotidiano. Neste sentido poderamos dizer que os nœmeros irracionais nªo possuem uma utilidade prÆtica (alØm da matemÆtica pura). Entretanto, a descriªo do mundo atravØs da Fsica adquiriu uma sosticaªo matemÆtica tªo grande que os conceitos envolvidos na construªo dos nœmeros reais possuem hoje conseqüŒncias diretas nas teorias e modelos que descrevem o universo. Por exemplo, aplicando as mesmas idØias que levam aos reais, mas seguindo um caminho diferente, Ø possvel construir um outro conjunto, diferente de R (i.e., cujos elementos tŒm propriedades diferentes). AlØm disso, Ø possvel se fazer Fsica utilizando este conjunto no lugar dos reais. Uma destas possibilidades sªo os chamados nœmeros p-Ædicos. O ponto aqui Ø que nœmeros sªo construdos pela nossa necessidade de que nªo exista nada que nªo possamos expressar. Dentro desta idØias, de onde surgem os nœmeros complexos? 1

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Física Matemática I

November 21, 2012

1 Motivação

1.1 Números

Uma vez desenvolvida a escrita é inquestionável a importância prática de se inventar símbolos para designar

as quantidades. Neste sentido surgem �naturalmente�os números naturais N. A necessidade de se expressara �posse�ou a �falta�(ou ainda se você vai ganhar ou perder uma certa quantidade) faz surgir o símbolo �n,com n 2 N, e, conseqüentemente, a idéia de números inteiros Z. Além disso, o conceito de se dividir um objetoem n partes inteiras (onde n 2 N) é também bastante intuitiva. Assim, é de importância prática se inventar

um símbolo para resumir a expressão �dados 2 objetos e dividindo cada um deles em sete 7 eu quero pegar

(ou dar) uma destas partes de cada objeto�. A invenção deste símbolo me permite dizer que eu quero 2=7

(ou �2=7) do total de objetos. Surgem então os números racionais Q. Mesmo na estrutura matemática maisrigorosa os racionais são construídos a partir dos inteiros (racionais são classes de equivalência de inteiros).

Mas de onde vem os chamados números reais R?Quando se coloca todas as idéias acima numa estrutura matemática rigorosa, observa-se que existem

�quantidades� que não podem ser expressas como números racionais. Estas quantidades são chamadas de

números irracionais. Mas que �quantidades� são estas? Apesar de geometricamente estas quantidades

poderem ser construídas (e.g., pelo teorema de Pitágoras), na verdade elas não possuem respaldo no nosso

mundo cotidiano. Neste sentido poderíamos dizer que os números irracionais não possuem uma utilidade

prática (além da matemática pura). Entretanto, a descrição do mundo através da Física adquiriu uma

so�sticação matemática tão grande que os conceitos envolvidos na construção dos números reais possuem hoje

conseqüências diretas nas teorias e modelos que descrevem o universo. Por exemplo, aplicando as mesmas

idéias que levam aos reais, mas seguindo um caminho diferente, é possível construir um outro conjunto,

diferente de R (i.e., cujos elementos têm propriedades diferentes). Além disso, é possível se fazer Física

utilizando este conjunto no lugar dos reais. Uma destas possibilidades são os chamados números p-ádicos.

O ponto aqui é que números são construídos pela nossa necessidade de que não exista nada que não

possamos expressar. Dentro desta idéias, de onde surgem os números complexos?

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1.2 Teorema fundamental da álgebra

Vivamos num mundo sem os complexos. Um dia, resolvendo um problema real do nosso mundo, nos de-

paramos com a equação

3x2 + 1 = 0 : (1)

Fácil ver que, neste nosso mundo onde só existem os reais, esta equação não possui soluções. Obviamente,

a incapacidade de tratar uma expressão matemática qualquer, além de frustrante, implica numa série de

limitações práticas no tratamento de problemas do mundo real.

A inexistência de soluções reais da equação (1) é uma manifestação do fato do conjunto dos números

reais não formar um corpo algebricamente fechado. Um corpo (abaixo veremos o que é um corpo) F diz-se

algebricamente fechado se qualquer polinômio de uma variável de grau maior ou igual a 1, com coe�cientes

em F , tiver pelo menos uma raiz em F .

Para não corrermos mais o risco de obter equações polinomiais �intratáveis�, de�nimos então um novo

conjunto maior, dos quais os R fazem parte, mas que qualquer polinômio neste novo conjunto possua soluçõesque também sejam elementos deste conjunto. Este processo é chamado de fechar algebricamente o conjunto.

Fazendo isso com os reais, o que se obtém é precisamente o conjunto dos números complexos C. Disse entãoque C é o fecho algébrico de R. Esta característica dos números complexos é uma conseqüência do Teoremafundamental da álgebra.

Theorem 1 Qualquer polinômio p(z), z 2 C, com coe�cientes complexos e de grau n � 1 tem alguma raiz

complexa.

Em outras palavras, o corpo dos números complexos é algebricamente fechado e, portanto, tal como

qualquer outro corpo algebricamente fechado, a equação p(z) = 0 possui n soluções não necessariamente

distintas.

1.3 Teorema da identidade

O teorema da identidade (identity theorem) para funções holomór�cas (funções de variáveis complexas difer-

enciáveis) estabelece que:

Theorem 2 Dada duas funções holomór�cas f e g de�nidas num aberto (conexo) D � C, se f = g em

alguma vizinhança de z contida em D, então f = g em D.

Assim, uma função holomór�ca está completamente determinada uma vez conhecido seu valor numa

vizinhança arbitrariamente pequeno. Esta propriedade não é válida para funções reais diferenciáveis.É graças à propriedade acima que podemos tão facilmente estender uma função real para o plano complexo,

por exemplo, ex �! ez.

Além disso, a noção de diferenciabilidade é muito mais forte para funções complexas, pois a existência dadiferencial de primeira ordem implica na existência das diferenciais de qualquer ordem. Assim, mostrando-se

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que uma função complexa possui uma primeira derivada, automaticamente se mostra que ela é in�nitamente

diferenciável e, conseqüentemente, que ela é uma função analítica (pode ser expandida em série de Taylor).

O fato de uma função possuir uma expansão em série de�nida em todo seu domínio é de fundamental

importância tanto em matemática quanto em física.

Assim, dada uma certa função real f (x), se conseguirmos entender esta função para o plano complexo,

i.e., encontrar uma função diferenciável f (z) de�nida em C que para Im z = 0 seja igual a f (x), esta funçãoserá única (pelo teorema da identidade) e analítica.Assim, o estudo das propriedades de funções com variáveis complexas é de fundamental importância não

apenas teóricos, mas também práticos.

2 Números complexos

Assim como os reais, os números complexos foram inventados originalmente apenas por razões matemáticas.

Entretanto, seu estudo posterior apresentou uma série de aplicações práticas. Comecemos então com uma

olhada na estrutura matemática por trás dos números complexos.

Um número complexo é um mapa z : R2 �! R2 onde de�nimos duas operações binárias1 (+; �) com as

seguintes propriedades algébricas

zi � z (xi; yi) ; xi; yi 2 R ;

z (x1; y1) + z (x2; y2) � z (x1 + x2; y1 + y2) = z2 + z1 ;

z (x1; y1) � z (x2; y2) � z1z2 � z (x1x2 � y1y2; y1x2 + x1y2) = z2z1 :

Chamemos o conjunto de todos os z de C. Vejamos porque esta escolha de operações, aparentemente arbi-trária, é tão importante. Das de�nições acima é fácil ver que

z (x; y) + z (0; 0) = z (x; y) ; _x; y ; (identidade) (2)

z1 + (z2 + z3) = (z1 + z2) + z3 ; (associativo) (3)

_ z (x1; y2) 9 z (�x1;�y2) j z1 + z2 = z (0; 0) ; (inverso) (4)

z1 + z2 = z2 + z1 (comutativo). (5)

A existência do elemento z0 = z(0; 0) (2) e as propriedades (3) e (4) acima fazem deste conjunto um grupo

pela primeira operação binária (a soma, +).O fato da soma ser comutativa (5), faz deste um grupo abeliano.

1Operações que envolvem dois elementos do conjunto.

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Além disso, podemos ver também que

z (x; y) � z (1; 0) = z (x; y) ; _x; y ; (identidade) (6)

z1 (z2z3) = (z1z2) z3 ; (associativo) (7)

(a inexistência do elemento inverso para z (0; 0) faz com que C, assim como R, não seja um grupo pelo

produto).

A existência do elemento z(1; 0) (6) (identidade do produto) acima e da associatividade do produto (7),

fazem deste conjunto um monóide pelo produto (um grupo é um monóide onde todos os elementos têm

inversa).

Um conjunto que é simultaneamente um grupo abeliano (por +), um monóide (�) e além disso, respeita

a propriedade distributiva pela composição das duas operações

z1 (z2 + z3) = z1z2 + z1z3 (distributivo): (8)

é chamado de um anel. A comutatividade da multiplicação (z1z2 = z2z1) faz deste um anel abeliano.

Finalmente, todas estas propriedades, mais o fato do conjunto C � z (0; 0) formar um grupo pela multi-

plicação (z (0; 0) é o único elemento sem inversa pelo produto), devido às propriedades seguintes

z1 (z2z3) = (z1z2) z3 ; (associativo)

_ z (x1; y1) ; x21 + y21 6= 0 9 z�1�

x1x21 + y

21

;� y1x21 + y

21

�j zz�1 = z (1; 0) ;

fazem deste anel abeliano um corpo.

É pelo fato de C ser um corpo que podemos fazer com z 2 C tudo que fazemos com os números reais.

Assim, polinômios estão bem de�nidos, bem como as séries in�nitas. Destarte podemos de�nir funções

trigonométricas, exponenciais etc. E, o mais importante, podemos procurar pelo inverso de todas estas

funções.

2.1 Realização ou representação de C

Vamos começar de�nindo o seguinte símbolo para nos referirmos aos elementos de C:

z (x; y) � x+ iy ; x; y 2 R ;

onde x é chamado parte real de z (x = Re z) e y parte imaginária (y = Im z). É importante ter em mente

que a quantidade acima é apenas um símbolo, não representando nenhuma soma, ou qualquer coisaparecida.

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Para efetivamente trabalharmos (manipularmos) este símbolo, precisamos encontrar uma de�nição baseada

em entidades que já saibamos trabalhar. Ou seja, precisamos realizar esta quantidade em algum es-paço conhecido. Vejamos três possibilidades para esta realização.

2.1.1 Representação matricial

Podemos de�nir o símbolo introduzido acima como uma matriz

z (x; y) � x+ iy � x �yy x

!;

e especi�carmos que a soma e o produto deste símbolo respeita a álgebra usual de matrizes.

Exercise 3 Veri�que que o símbolo assim de�nido obedece às propriedades de soma e multiplicação de�nidasna seção anterior.

Agora que temos uma representação concreta para o nosso símbolo, podemos efetuar cálculos completos.

Por exemplo, para z = i�=2, podemos calcular ez = ei�=2

ei�=2 = exp

" 0 ��=2�=2 0

!#=

1Xn=0

1

n!

0 ��=2�=2 0

!n

=1Xn=0

(�=2)n

n!

0 �11 0

!n

=

1 0

0 1

!+ �=2

0 �11 0

!+(�=2)

2

2!

0 �11 0

!2+(�=2)

3

3!

0 �11 0

!3+ :::

observando que 0 �11 0

!2= �

1 0

0 1

!;

0 �11 0

!3= �

0 �11 0

!; :::

temos

ei�=2 =

1 0

0 1

!+ �=2

0 �11 0

!� (�=2)

2

2!

1 0

0 1

!� (�=2)

3

3!

0 �11 0

!+ :::

=

1 0

0 1

! 1Xn=0

(�1)n (�=2)2n

(2n)!+

0 �11 0

! 1Xn=0

(�1)n (�=2)2n+1

(2n+ 1)!

=

1 0

0 1

!cos��2

�+

0 �11 0

!sin��2

�=

0 �11 0

!= 0 + i1 � i = z (0; 1) :

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Da mesma forma

ei2� =

1 0

0 1

!= 1 + 0i = z (1; 0) � 1 :

Observe que o símbolo 1 2 C da igualdade acima não tem o mesmo signi�cado (apesar de compartilhar as

mesmas propriedades) do símbolo 1 2 R como elemento dos reais. Mais especi�camente, o nosso 1 aqui éuma matriz.De forma geral, usando a notação introduzida acima,

ei� =

1 0

0 1

!cos (�) +

0 �11 0

!sin (�) = 1 cos (�) + i sin (�) (9)

conhecida como fórmula de Euler.

Exercise 4 Podemos escrever ez1+z2 = ez1ez2?

De forma geral,

ex+iy = ex

" 1 0

0 1

!cos y +

0 �11 0

!sin y

#

= ex

cos y � sin ysin y cos y

!= ex (cos y + i sin y) : (10)

Exercise 5 Obtenha a relação acima.

Remark 6 Os resultados obtidos numa certa representação são válidos em qualquer representação.

2.1.2 Representação algébrica

Outra forma de se representar um elemento de C (talvez a mais conhecida) é a�rmar que a quantidade

x+ iy

respeita a álgebra usual dos reais (i.e., passamos a considerar este símbolo como uma soma usual)acrescida da seguinte de�nição

i:i � �1 :

Exercise 7 Veri�que que esta de�nição reproduz as operações de soma e produto de�nidas na seção anterior.

A veri�cação da compatibilidade desta de�nição com a anterior é imediata

i:i =

0 �11 0

! 0 �11 0

!= �

1 0

0 1

!= �1 + 0:i = �1 :

6

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2.1.3 Representação geométrica

Uma terceira forma de se representar os elementos de C é a�rmar que estes são pontos no plano x � y eidenti�car a operação de soma com a álgebra (usual) dos vetores que partem da origem até o ponto

x; y. Neste caso é conveniente utilizar a representação polar deste ponto

z � xr cos � + yr sin � ; r2 = x2 + y2 ;y

x= tan � :

Neste caso costuma-se ainda introduzir a notação

y � i ; x � 1 =) z = r (cos � + i sin �) :

Usando o resultado (9), que deve ser válido em qualquer representação, temos

z = r (cos � + i sin �) = rei� ; r; � 2 R :

Nesta notação r é a magnitude (ou módulo, ou valor absoluto) de z (r = jzj) e � a fase ou argumento(� = arg z).

Partindo das de�nições é fácil ver que

jzj2 = r2 = (Re z)2+ (Im z)

2:

A operação de múltimplicação de dois números z1 = r1ei�1 e z2 = r2e

i�2 é identi�cada como o aumento

da magnitude de z1 por um fator r2 seguido de uma rotação deste vetor de um ângulo �2. O que, na

representação polar, possui uma forma bastante simples

z1z2 = r1ei�1r2e

i�2 = r1r2ei(�1+�2) :

Exercise 8 Veri�que que a introdução dos símbolos acima é compatível com a representação algébrica, i.e.,

veri�que que na representação geométrica i:i = �1.

Exercise 9 Use a representação geométrica para mostrar a desigualdade triangular

jz1 + z2j � jz1j+ jz2j :

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As vezes é importante usar a representação polar fora da origem

z � z0 = � exp (i�) =) z = � exp (i�) + z0

ou seja, z são pontos com coordenadas polares � e � com relação a z0.

Exercise 10 Desenhe no plano x� y os pontos

jz + ij = 1 :

Remark 11 Todas as representações apresentadas são, obviamente, equivalentes. A utilização de uma certarepresentação depende apenas das conveniências do problema.

2.1.4 Extração de raízes

Vejamos agora como funciona uma determinada operação em C. O ponto é que, apesar de podemos fazer emC tudo que fazemos em R, os resultados que obtemos são bem diferentes. Por exemplo, vamos extrair a raiz

n-ésima de um número complexo z ( npz ou z1=n). Isso equivale a encontrar z0 tal que:

(z0)n= z :

Este problema é mais facilmente tratado na representação polar

z = r (cos � + i sin �)

z0 = r0 (cos �0 + i sin �0)

Ou seja, dados r e � (reais) precisamos encontrar números reais r0 e �0 tais que

r (cos � + i sin �) = rn0 (cos �0 + i sin �0)n

Usando a fórmula de Euler (9) temos

(cos �0 + i sin �0)n=�ei�0

�n=�ein�0

�= cos (n�0) + i sin (n�0)

conhecido como teorema de De Moivre. Com isso nossa igualdade toma a forma

r (cos � + i sin �) = rn0 (cos (n�0) + i sin (n�0))

8

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que pode ser resolvida fazendo (pois � e r são parâmetros independentes)

r = rn0 =) r0 =npr

n�0 = � � 2�k ; k 2 N =) �0 =�

n� 2� k

n

Agora, para n = k (ou n = mk com m 2 N) temos �0 = �=n+ 2� o que representa o mesmo ponto. Então,

existem n valores de k

k = 0; 1; :::; n� 1

que representam pontos distintos e satisfazem a nossa igualdade.

Assim, para z 6= 0, a expressão npz = z1=n possui n raízes

z1=n = z0 =npr

�cos

� + 2�k

n+ i sin

� + 2�k

n

�; k = 0; 1; ::; n� 1 :

Exercise 12 Calcule 3p1, com 1 2 C. Resp.

1 = cos 0 + i sin 0 =) r = 1 ; � = 0

11=3 =

�cos

2�k

3+ i sin

2�k

3

�; k = 0; 1; 2

z0 =

�cos

2�0

3+ i sin

2�0

3

�= 1

z1 =

�cos

2�

3+ i sin

2�

3

�z2 =

�cos

4�

3+ i sin

4�

3

�Observe que para 1 2 R; 3

p1 = 1.

Remark 13 Antes de efetuarmos qualquer operação com uma quantidade (um número), precisamos especi-

�car a qual conjunto esta quantidade pertence.

2.2 Funções

Uma função W (z) : C ! C de uma variável complexa é também um número complexo, cuja parte real

U = ReW e imaginária V = ImW dependem, na nossa representação geométrica, da posição de z no plano

x� y. Usando as notações introduzidas anteriormente escrevemos

W (z) = U (x; y) + iV (x; y) :

9

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Podemos escolher duas diferentes representações grá�cas paraW . A primeira é representar U (x; y) e V (x; y)

como superfícies sobre o plano complexo x � y. Esta representação, que é útil em certas ocasiões, possui o

inconveniente de não explicitar a relação das duas funções U e V como elementos de C.Outra possibilidade é representar o próprio número complexo W como um ponto no plano U � V . Neste

último caso, a função W (z) fornece um mapa (R2 �! R2) do plano z = x� y no plano W = U � V e, para

cada ponto no plano z, corresponde um (ou, como veremos, mais de um) valor ponto no plano W .

Exemplo: Conjugação complexa:

W (z) � �z (x; y) = z (x;�y)

x+ iy �! x� iy

A representação grá�ca do mapa R2 �! R2 é a re�exão dos pontos em relação ao eixo x.

Como pode ser veri�cado pela de�nição, esta operação respeita as propriedades

z1 + z2 = �z1 + �z2

z1z2 = �z1�z2

z + �z = 2Re z

z � �z = 2 Im z

Além disso, pelas de�nições na seção da representação geométrica, temos

z:�z = x2 + y2 = jzj2 =) jzj = z:�z

A noção de norma nos permite escrever desigualdades do tipo

jz1j > jz2j ;

i.e., z1 são todos os pontos mais distântes da origem que z2. Mas a�rmações como z1 > z2 não fazem

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sentido algum (a menos, é claro, que Im z1 = Im z2 = 0).

Exercise 14 Mostre quejz1z2j2 � jz1j2 jz2j2 = 0 :

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2.2.1 Funções multivalentes

Vejamos agora uma função um pouco mais complicada,

W (z) = z2 = (x+ iy)2= x2 � y2 + 2ixy = r2e2i� ;

U = x2 � y2 ; V = 2xy :

O semi-circulo no plano z é mapeado num círculo no plano W e a linha x = 1 é mapeada na parábola

4U = 4� V 2.

Exercise 15 O que acontece com um circulo de raio R centrado em (a; b)? Rint: use a equação do circulo

em coordenadas polares

r2 � 2ar cos � � 2br sin � = R2 � a2 � b2 :

Esta �gura foi retirada do livro Mathematical Methods of Physics, J. Mathews,

R.L. Walker (2nd. Edition Addison Wesley, 1971)

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Exercise 16 Estude a função 1=z.

Para motivar a discussão a seguir, considere a seguinte questão:

Exercise 17 Onde está o problema na seguinte �demonstração�

1 =p1 =pei2� = ei

2�2 = ei� = �1 ???

Antes de responder esta pergunta, voltemos ao estudo das características de z2. No exemplo W (z) = z2

os pontos z e �z são mapeados no mesmo ponto W . O principal problema desta característica é que isto

implica em problemas na de�nição do mapa inverso

W�1 (z) = z1=2 =prei�=2 :

Uma vez que na função acima

�z = arg z = (argW ) =2 = �W =2;

os pontos �z e �z + 2�, que representam os mesmos pontos no plano z, são dois pontos distintos�W e �W + �. Ou seja, o para inverso W�1 = z1=2 não é monovalente.A rigor o conceito de função se refere apenas a mapas monovalentes. Entretanto, isso ocorre com tanta

freqüência para mapas complexo que usamos um certo abuso de linguagem e dizemos que W = z1=2 (a partir

daqui chamaremos W�1 simplesmente de W ) é uma função multivalente. Obviamente, como tal coisa não

existe nos reais, precisamos desenvolver certas ferramentas para tratar este tipo de função.

Uma curva fechada no plano z que circule a origem (�z = 0 � 2�) não retornará para o mesmo pontono plano W . De outra forma, qualquer curva fechada que circule a origem no plano z não gera uma curva

fechada no plano W . Um ponto com esta característica é chamado ponto de rami�cação2 .

Por exemplo, a função W =pz � a tem um ponto de rami�cação em a.

2Neste exemplo, na verdade, estamos falando mais especi�camente de um ponto de rami�cação algébrica.

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Figure 1: Esta �gura foi retirada do livro Mathematical Methods of Physics, J. Mathews, R.L. Walker (2nd.Edition Addison Wesley, 1971)

Assim as funções multivalentes estarão bem de�nidas apenas se não circularmos um pontode rami�cação. Para garantir isso, traçamos no plano z uma linha deste ponto até o in�nito, chamadalinha de rami�cação (ou corte de rami�cação) e, ao trabalharmos com a função, concordamos em nuncacruzar esta linha. No caso da rami�cação na origem é conveniente tomar como linha de rami�cação o

semi-eixo real positivo ou negativo. O plano z cortado desta forma é chamado uma folha de Riemann da

função em consideração. Esta folha é mapeada de forma unívoca numa parte do plano W chamada de

ramo da função. No nosso caso de W = z1=2 a metade deste plano . A outra metade do plano W (o outro

ramo da função) também é mapeada em todo o plano z.

Podemos evitar o problema da multivalência do mapa (ou da �função�) dizendo que existem várias cópias

(ou folhas) do plano z assim cortado e, ao cruzar a linha de rami�cação, passamos de uma folhapara outra. As curvas se comportam como se estas folhas fossem ligadas na linha de rami�cação (Figura).

As folhas assim ligadas formam uma superfície de Riemann S. Esta superfície mapeia sem ambiguidadetodo o plano W , i.e., W : S ! C é uma função legítima (monovalente). Agora uma curva fechada noplano W é também uma curva fechada na superfície de Riemann S.Então, quando escrevemos W (z) = z2, precisamos ser bem claros se estamos falando de W : C �! C ou

W : C �! S. Estas são duas funções diferentes. A segunda possui uma inversa (raiz quadrada), enquanto a

primeira não.

14

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Voltando agora ao problema da nossa �prova�1 = �1. O problema está em que, quando escrevemos

p1 = 1

estamos falando de um ramo (e, consequentemente, de uma especí�ca folha de Riemann) da função z1=2.Mais especi�camente, o valor desta função no ponto z (1; 0). Se dermos agora uma volta completa até o ponto

z (1; 2�) estaremos cruzando uma linha de rami�cação (independente de onde ela esteja) e, conseqüentemente,

passaremos para uma outra folha de Riemann. Ou seja, quando nos movemos na superfície de Riemann S

(onde z1=2 está bem de�nida como função) saímos do ponto z1 = ei0� e chegamos num outro ponto z2 = ei2�,

com z1 = z2 em z 2 C, mas com z1 6= z2 em z 2 S e, consequentemente, W (z1) 6= W (z2). O erro da nossa

demonstração foi considerar W (z1) =W (z2) e com isso a�rmar que

pei0

?=pei2� =) 1

?= �1 :

Resumindo: a função W = z1=2 está de�nida com z 2 S que são duas cópias do plano z e possui doisramos. No primeiro ramo (de�nido no primeiro plano z) temos W (ei0�) =

p1 = 1, já no segundo ramo

(segundo plano z) W (ei2�) =p1 = �1. Sempre que falamos no valor de uma função multivalente, não basta

dar a forma da função, mas precisamos também dizer de qual ramo estamos falando.

Com o desenvolvimento do curso vamos ver algumas aplicações (e implicações) práticas das de�nições

acima.

O número de folhas ligadas de�ne a ordem do ponto de rami�cação.

Outras raizes (r1=nei�=n) podem ser descritas da mesma forma. A função W (z) = z1=3 necessita de 3

folhas e tem a origem como ponto de rami�cação de ordem 3.

No caso de funções com mais de um ponto de rami�cação, por exemplo,

W (z) =p(z � a) (z � b) ;

temos diferentes formas de traçar a linha de rami�cação. Na função acima podemos construir duas linhas

partindo uma de a e outras de b até o in�nito, ou podemos traçar apenas uma linha de a até b. A forma das

superfícies de Riemann dependem desta escolha.

Exemplo: Para resolver o problema de Kepler (da forma das órbitas) usando variáveis de ângulo açãotemos de resolver a integral Z r

2mE +2mk

r� L2

r2dr

Este problema, resolvido por Sommerfeld, envolve uma integral complexa com dois pontos de rami�cação.

Esta descrição mostra que, apesar de todos os benefícios vindos da extensão das funções para o plano

complexo, este procedimento não é uma tarefa trivial nem mesmo para um caso simples como x1=2.

15

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2.3 Diferenciação

Para uma função f : R �! R ser diferenciável num ponto x 2 R, os seguintes limites

f0(x) = lim

dx!�0

f (x+ dx)� f (x)dx

;

devem existir e serem iguais.Por exemplo, a função

f (x) =x

jxj ;

não tem o limite limx!�0 f (x) de�nido no ponto x = 0. Outro exemplo, a função (contínua)

f (x) = jxj

não é diferenciável em x = 0, porque

limdx!+0

f (0 + dx)� f (0)dx

= 1 ; limdx!�0

f (0 + dx)� f (0)dx

= �1 :

Omesmo critério pode ser usado para se analisar a diferenciabilidade de uma função complexa. Precisamos

assim analisar o limite

limz!w

f (z) = u ; w; z; u 2 C :

A única diferença entre este limite e o conceito usual na reta real e que, sendo w um ponto no plano

(f : R2 �! R2), existem várias formas diferentes de se aproximar do ponto w. Um problema semelhante ao

que ocorre em uma dimensão, onde os limites pela direita e pela esquerda podem ser diferentes. Quando isso

ocorre dizemos que este limite não existe. Da mesma forma, se o limite para w depender do caminhoescolhido no plano, dizemos que o limite não existe.Uma função f é diferenciável num ponto z se existir o limite

f0(z) = lim

dz!0

f (z + dz)� f (z)dz

� df

dz(11)

e este for independente do caminho pelo qual z + dz se aproxima de z.Uma função é analítica3 (regular ou holomór�ca) numa região E se for diferenciável nesta região.

Remark 18 Praticamente toda a teoria de funções de uma variável complexa se aplica apenas a funçõesanalíticas.

3Para funções reais o termo analítica numa região signi�ca que a função é igual a sua série de Taylor nesta região.

16

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Exemplo: a função f (z) = jzj2. Precisamos analisar

jz + dzj � jzjdz

=(z + dz) (�z + d�z)� z�z

dz=z�z + zd�z + �zdz + d�zdz � z�z

dz

=zd�z + �zdz + d�zdz

dz= z

d�z

dz+ �z

dz

dz+ d�z

dz

dz

= zd�z

dz+ �z + d�z :

Fazendo dz ! 0 pelo eixo real dz = dx = d�z

df

dz= z

dx

dx+ �z + dx = z + �z :

Fazendo dz ! 0 pelo eixo imaginário dz = idy = �d�z

df

dz= z

(�idy)idy

+ �z + d�z = �z + �z :

Para ser diferenciável devemos ter

z + �z = �z + �z =) z = �z :

Esta função só pode ser difereciável em z = 0. O que é verdade, porque neste ponto

df

dz

����z=0

= 0d�z

dz+ 0 + d�z = d�z = 0 ;

independente do caminho. Assim, f (z) = jzj2 é diferenciável apenas no ponto z = 0 e não é analítica emnenhuma região.�

Remark 19 Funções são analíticas em regiões.

Remark 20 Da seção anterior temos que a região de regularidade de uma função multivalente deve serde�nida numa superfície de Riemann.

Pode-se provar4 que se uma função f (z) possui uma derivada numa região, esta derivada é necessariamente

contínua. Assim, uma função f (z) sempre pode ser expandida numa série de Taylor em torno de um ponto

z0 numa região onde esta função é analítica

f (z) = a0 + a1 (z � z0) + :::+ an (z � z0)n ;

a0 = f (z0) ; an =1

n!f (n) (z0) : (12)

O raio de convergência desta expansão é um circulo cujo raio se estende até o ponto onde a função é singular,

4Veja, e.g., Konrad Knopp, Theory of Functions, Parts I.

17

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i.e., um ponto onde a função deixa de ser analítica. O contrário também é verdade, qualquer série de potência

convergente numa região representa uma função analítica nesta região.

2.3.1 Equações diferenciais de Cauchy-Riemann

Se uma função W (z) = U (x; y)+ iV (x; y) é analítica e fazemos dz = dx+ idy em (11) podemos fazer dz ! 0

pela horizontal (dy = 0) ou pela vertical (dx = 0). Se a função é analítica devemos obter o mesmo limite

(11) para estas duas variações de dz,

dW

dz=@W

@x

dx

dz+@W

@y

dy

dz;dx

dz= 1 ;

dy

dz= �i�

dWdz

�dx=0

= �@W@y i�dWdz

�dy=0

= @W@x

)=) �@W

@yi =

@W

@x; (13)

se usarmos agora a nossa representação matricial de W

W (z) = U + iV =

U �VV U

!;@W

@x=

@U@x �@V@x@V@x

@U@x

!

�@W@y

i =

@U@y �@V@y@V@y

@U@y

! 0 1

�1 0

!=

@V@y

@U@y

�@U@y@V@y

!

temos

�@W@y

i =@W

@x=)

@U@x �@V@x@V@x

@U@x

!=

@V@y

@U@y

�@U@y@V@y

!o que fornece

�@U@y

=@V

@x;@V

@y=@U

@x: (14)

Estas são as equações diferenciais de Cauchy-Riemann (CR) e fornecem condições necessárias e su�cientes

para uma funçãoW = U+iV ser analítica numa região, desde que as quatro derivadas parciais existame sejam contínuas.De outra forma, as condições de CR são necessárias, mas não su�cientes, para estabelecer a diferenciabil-

idade da função. Como mapas de R2 �! R estas funções são diferenciáveis se as derivadas parciais existireme forem contínuas, mas como mapas de C �! C, estes mapas, além de serem contínuos, precisam satisfazer

as condições de CR.

É muito importante compreender o signi�cado das igualdades acima. Como vimos anteriormente, toda

função complexa pode ser vista como um mapa de R2 �! R. Existe uma in�nidade de mapas que sãodiferenciáveis como funções reais (todas as derivadas parciais acima existem), mas que não satisfazem as

18

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relações acima. Estes mapas não são funções complexas diferenciáveis. Para que exista a derivada deuma função complexa (e ser chamada de diferenciável) esta função tem de obedecer as equações de Cauchy-

Riemann. Está é uma restrição bastante forte e implica que funções reais diferenciáveis não serãonecessariamente funções complexas diferenciáveis.

19

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Exemplo:

f (z) = jzj2 = x2 + y2 =) U = x2 + y2 ; V = 0

@U

@x= 2x ;

@U

@y= 2y ;

@V

@x=@V

@y= 0

as funções U e V acima são diferenciáveis (como funções reais) em qualquer ponto. Mas as condições de

CR fornecem

�@U@y

=@V

@x=) �2y = 0 ;

@V

@y=

@U

@x=) 2x = 0 ;

Que só são satisfeitas na origem x = y = 0. Vemos (novamente) que a função f (z) = jzj2 só é diferenciávelno sentido complexo (f : C �! C) na origem, mesmo que, como uma função de R2 �! R, U e V sejam

diferenciáveis em todos os pontos.�Assim, se a derivada de uma função W = U + iV existe num ponto z0 (as derivadas parciais de U e V

existem neste ponto) e obedecem a condição de CR, então a derivada W0pode ser calculada como (13)

W0(z0) =

dW

dz

����z=z0

=@W

@x=@ (U + iV )

@x=@U

@x+ i

@V

@x: (15)

Ou, usando CR,

W0=@U

@x� i@U

@y: (16)

Remark 21 Dada uma função complexa diferenciável, valem também as regras usuais de diferenciação de

somas e produtos de funções. Todos os argumentos usados para demonstrar estas regras para funções reais

continuam válidos.

Exercise 22 Veri�que se e onde é diferenciável a função: W = z2. Resp:

z2 = (x+ iy) (x+ iy) = x2 � y2 + 2ixy

U = x2 � y2 ; V = 2xy@U

@x= 2x ;

@U

@y= �2y ; @V

@x= 2y ;

@V

@y= 2x

Esta função é diferenciável em todos os pontos e, consequentemente, analítica em qualquer região.

Exercise 23 A conjugação complexa �z (ou z�) de um número z de�nida por

z = x+ iy =) z� = �z � x� iy = re�i�

20

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Veri�que se e onde é diferenciável a função: W = z�.

Exercise 24 Veri�que se e onde é diferenciável a função: W = jzj2 = zz�. Resp:

U = x2 + y2 ; V = 0

@U

@x= 2x ;

@U

@y= 2x

esta função só pode ser diferenciável na origem. Para veri�car se esta função é realmente diferenciável na

origem, precisamos veri�car se as derivadas parciais são contínuas. O que de fato é verdade. Então, a função

acima é diferenciável na origem. Mas esta função não é analítica em nenhuma região.

Como vimos, a última função é uma função real perfeitamente diferenciável. Como um mapa R2 �! Rem W = U + iV = x2 + y2, U = x2 + y2; V = 0 ambas as funções são perfeitamente diferenciáveis. Assim,

a condição de diferenciação complexa é algo mais forte que a diferenciação real.Se uma função f : C �! C satisfaz as equações de CR e as derivadas parciais existem e são contínuas, a

derivada complexa desta função existe e é dada por

f (z) = U (x; y) + iV (x; y) =) f0(z) =

@U

@x+ i

@V

@y:

Exercise 25 Mostre que, em coordenadas polares, as condições de CR se tornam

r@U

@r=@V

@�;@U

@�= �r @V

@r

e que a derivada de uma função pode ser calculada como:

f0(z) =

@U

@x+ i

@V

@y= (cos � � i sin �)

�@U

@r+ i

@V

@r

�:

Resp: Veja o livro do Churchil pg 65.

De�nition 26 Se f : C �! C possui diferencial complexa em todos os pontos num aberto centrado em z0,

dizemos que f é analítica, ou holomór�ca, em z0.

De�nition 27 Uma função f : C �! C é dita inteira (entire function) se for analítica em qualquer ponto

de C .

De�nition 28 Uma função f : C �! C possui uma singularidade no ponto z1 se ela não for analítica nesteponto. Isto inclui o caso em que f não está de�nida em z1.

Proposition 29 Se f e g são funções analíticas num domínio E então:

1. f + g é analítica em E

21

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2. f � g é analítica em E

3. wf é analítica em E para todo w complexo ou real

4. fg é analítica em E

5. f=g é analítica em E exceto nos zeros de g.

Proposition 30 Se f; g : C �! C são funções analíticas, então a composta f � g : C �! C é analítica.

Exercise 31 Veri�que que se f (z) e f� (z) são ambas analíticas numa região D, então f é constante em D.

Resp: pg 73 Churchill.

22

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3 Funções harmônicas

Como vimos, a característica de uma função ser diferenciável complexa é uma restrição bastante forte nesta

função (bem mais forte que diferenciabilidade real). Estas condições estão relacionadas com a equação de

Laplace.

Por exemplo, a distribuição de calor num corpo u obedece a equação

@u

@t� �r2u = 0

no regime estacionário (@u=@t = 0) em duas dimensões temos a equação (17).

A equação de difusão do calor e a equação de onda, no caso estacionário se reduz a equaçãode Laplace. Como veremos nos exemplos a seguir, esta equação possui uma in�nidade de aplicações, em

especial, no eletromagnetismo e na dinâmica dos �uidos.

Uma função H : Rn �! R é chamada harmônica num certo domínio D se suas derivadas parciais de

primeira e segunda ordem forem contínuas em D e H satisfaz a equação diferencial

nXi=1

@2H

@x2n= 0

conhecida como equação de Laplace. No que segue, estamos interessados no caso em duas dimensões H :

R2 �! R,Hxx (x; y) +Hyy (x; y) = 0 ; (17)

Falar sobre unicidade da solução.Funções harmônicas possuem a notável propriedade de que se você traçar um círculo ao redor de um

ponto, e encontrar o valor médio da função dentro deste círculo, este valor é sempre igual ao valor da função

no centro deste círculo, que é igual a média do valor da função na fronteira. Desde que a função esteja

de�nida dentro de todo o círculo e em sua fronteira. Esta propriedade pode ser usada para resolver, de forma

iterativa, o problema de Dirichlet, i.e., �xada a condição na fronteira, qual o valor da função numa região.

Este efeito pode ser observado numa chapa quente.

Vejamos como estas funções se relacionam com as funções analíticas.

Theorem 32 Se uma função f (z) = u (x; y) + iv (x; y) é analítica, então as funções u e v são harmônicas.

Assumindo que f é analítica em D, então nesta região ela deve obedecer às condições de CR

@u

@x=@v

@y;@u

@y= �@v

@x(18)

23

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diferenciando ambos os lados destas igualdades em relação a x temos

@2u

@x2=

@2v

@x@y;@2u

@x@y= �@

2v

@x2

Da mesma forma, diferenciando com relação a y temos

@2u

@y@x=@2v

@y2;@2u

@y2= � @2v

@y@x

Lembrando que a continuidade da derivada parcial garante que

@2u

@y@x=

@2u

@x@y;@2v

@y@x=

@2v

@x@y

temos

@2u

@x@y= �@

2v

@x2=

@2u

@y@x=@2v

@y2=) @2v

@y2+@2v

@x2= 0 ;

�@2u

@y2=

@2v

@y@x=

@2v

@x@y=@2u

@x2=) @2u

@x2+@2u

@y2= 0 :

Ou seja u e v são harmônicos em D. Por outro lado, se duas funções u e v são harmônicas em D e suasderivadas parciais satisfazem às condições de CR, ou seja, é possível construir uma função complexaanalítica u+ iv com estas funções, então v é chamada de harmônica conjugada de u.

Theorem 33 Uma função f (z) = u (x; y)+ iv (x; y) é analítica em D apenas se v é a harmônica conjugada

de u.

É importante notar que se v é a harmônica conjugada de u, isso não garante que u é a harmônica conjugada

de v (observe que as condições de CR (18) não são simétricas em u e v).

Por exemplo, as funçõesu (x; y) = x2 � y2 ; v (x; y) = 2xy :

Enquanto a função

f = u+ iv = z2

é analítica. A função

f = v + iu ;

não é analítica em nenhum ponto.

Exercise 34 Veri�que a a�rmação acima.

É possível mostrar (ver Churchill) que se uma função u é harmônica em D, então ela é a parte real de

24

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alguma função analítica em D. Além disso, se a harmônica conjugada existe, ela é única a menos de uma

constante aditiva.

Assim, dada uma função harmônica, podemos sempre construir uma função analítica. Por exemplo,

u (x; y) = y3 � 3x2y

é harmônica. Pela primeira relação de CR (18) sua harmônica conjugada deve obedecer

@u

@x=@v

@y=) @v

@y= �6xy =) v (x; y) = �3xy2 + � (x)

usando agora a segunda relação

�@v@x

= ���3y2 + �

0(x)�=@u

@y= 3y2 � 3x2 =)

3y2 � �0(x) = 3y2 � 3x2 =) �

0(x) = 3x2 =) � (x) = x3 + C

Assim v (x; y) = �3xy2 + x3 + C é a harmônica conjugada de u e a seguinte função é analítica

f (z) = y3 � 3x2y + i��3xy2 + x3 + C

�:

Utilizando as propriedades das funções analíticas é possível concluir uma série de propriedades para as funções

harmônicas quando estas são conjugadas. Por exemplo, se f é analítica então

f = u+ iv =) f2 =�u2 � v2

�+ i (2uv)

também será. Assim o produto e a diferença do quadrado de duas funções harmônicas conjugadas também

são funções harmônicas.

Remark 35 O produto de duas funções harmônicas não é em geral uma função harmônica.

Remark 36 Toda solução da eq. de Laplace pode ser expandida em série de potências numa região sem

singularidades.

(Soluções são tabeladas)Encontrar soluções da equação de Laplace (e de equações diferenciais em geral) não é uma tarefa trivial.

Por isso as soluções conhecidas são compiladas em tabelas que possam ser consultadas por quem deseje

resolver um determinado problema prático.

Características e o método de construção da conjugada descrito acima permite, a partir do conhecimento

de uma solução, construir um par de soluções conjugadas e, consequentemente, encontrar vários outros

elementos para compor estas tabelas.

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Remark 37 Se f : C �! R é harmônica e g : C �! C é analítica então f � g é harmônica. Dizemos quemapas analíticos preservam soluções da equação de Laplace, ou que a equação de Laplace é invariante por

transformações analíticas.

3.1 Campos irrotacionais de divergência nula

Uma grande quantidade de problemas em física envolve a presença de campos conservativos, i.e., campos

cujo trabalho necessário para se movimentar sob sua ação independe do caminho seguido. Por exemplo,

o movimento de uma massa num campo gravitacional, ou de uma carga num campo elétrico constante

(r � E = �@B=@t). Estes campos são irrotacionais. Se estes campos não possuírem fontes ousorvedouros (e.g., num campo elétrico estamos tratando uma região sem cargas r:E = �="0) eles tambémpossuem a sua divergência nula.Por exemplo, um �uido newtoniano incompressível de viscosidade constante é descrito pela seguinte

particularização da equação de Navier�Stokes

�@v

@t+ v:rv

�= �rp+ �r2v ;

no caso estacionário onde não há nenhum tipo de aceleração (@v=@t + v:rv = 0) e não há gradiente depressão (rp = 0) temos a equação de Laplace para as componentes de v. A incompressibilidade implica

ainda r:v = 0, e se não houver rodamoinhos no �uído r� v = 0.

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Consideremos então campo vetorial num plano, que pode ser tanto um problema de mecânica dos �uidos,

como de eletromagnetismo, onde o �uido poderia ser o campo elétrico.

Podemos descrever este campo vetorial como

V (x; y) = u (x; y) x+ w (x; y) y :

Se este �uído é irrotacional (um campo conservativo ou um �uído sem rodamoinhos)

r�V = 0 =)����� @@x

@@y

Vx Vy

����� = @Vy@x� @Vx

@y=@w

@x� @u

@y= 0 =) @w

@x=@u

@y(19)

Se não houver nenhuma fonte ou sorvedouro do nosso �uído (sem cargas, ou um �uido incompressível), então

sua divergência também será nula

r �V (x; y) = @Vx@x

+@Vy@y

= 0 =) @u

@x= �@w

@y(20)

Assim, a função

f = �V � u� iw

obedece as condições de CR (19) e (20).

Assim, se V descreve um campo irrotacional sem fontes nem sorvedouros, então a função f = �V : C �! Cé diferenciável. Além disso, se as derivadas parciais de V forem contínuas, f será uma função analítica.

Ademais temos que as componentes de f são funções harmônicas.

Lembrando que um campo irrotacional sempre pode ser escrito como o gradiente de uma função escalar,

pois

V (x; y) = r� (x; y) = @�

@xx+

@�

@yy =) r�V =

@

@x

@�

@y� @

@y

@�

@x= 0 :

(onde para trocarmos as derivadas precisamos que � : R2 �! R tenha derivadas parciais contínuas) podemosescrever

V (x; y) = r� (x; y) =) u =@�

@x; w =

@�

@y

f = u� iw = @�

@x� i@�

@y

Lembrando a expressão (16)

W0=@U

@x� i@U

@y:

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que obtivemos anteriormente temos

F = u+ iv =) F0=@u

@x� i@u

@y

F0= f =

@�

@x� i@�

@y=) � = ReF (21)

Vemos que, nas condições acima, a função � é a parte real da antiderivada de f . Este resultado também é

bastante útil.

Example 38 Por exemplo, vamos encontrar o potencial que gera o campo (o encontro de 2 rios)

V (x; y) = 2xx� 2yy =) V = 2x� i2y

f = �V = 2x+ i2y = 2 (x+ iy)

f (z) = 2z

Fácil que f é analítica (veri�que!). Assim V descreve um campo irrotacional sem fontes nem sorvedouros

que, consequentemente, pode ser descrito por um escalar. Observando que

F = z2 =) F0= 2z = f

Do fato de F 0 ser também analítica e usando a relação (21) temos

� = ReF = x2 � y2 :

E determinamos assim o potencial que gera o nosso campo conservativo.�

O estudo da equação de Laplace, ou o estudo das funções harmônicas, é chamado de teoria dos potenciais.

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Remark 39 Toda função analítica corresponde a um campo irrotacional de divergência nula. Um �uido

incompressível sem rodamoinhos, um campo elétrico sem cargas etc.

4 Integral

Como f : C �! C pode ser vista como composta por um par de funções R2 �! R (mais algumas pro-

priedades) é natural supor que, assim como ocorre na diferenciação, o conceito de integral de uma função

complexa também se relacione com a integral de funções no plano.

Observe que, a princípio, poderíamos tentar de�nir a integral de uma função complexa como a integral

da parte imaginária e real, i.e., como a integral de duas funções no planoZf (z) dz

?=

Z Z(U (x; y) + iV (x; y)) dx dy =

Z ZU (x; y) dx dy + i

Z ZV (x; y) dx dy ; (22)

ou seja, a integral de uma função complexa seria uma integral de área. Mas, neste caso, a integral da função

f (z) = 2z seria

f (z) = 2z = 2 (x+ iy)Z Z2x dx dy + i

Z Z2y dx dy =

Z2x dx

Zdy + i

Z2y dy

Zdx

= yx2 + ixy2 :

Mas observe que desta forma a derivada desta "primitiva" F = yx2 + ixy2 não corresponde a cuja derivada

complexa de novamente f (z), pois

yx2 + ixy2 6= z2 ;d

dzz2 = 2z

Ou seja, a de�nição (22) não corresponde a uma operação inversa a nossa de�nição de diferenciação.Este é um argumento de porque não de�nimos a integral desta forma.

Nós queremos ter, também para funções complexas, um análogo do teorema fundamentaldo cálculo.Além disso, lembrando da nossa representação grá�ca dos números complexos, temos que dz = dx+ idy

pode ser visto como um vetor in�nitesimal no plano x; y, ou seja, se comporta como dr = {dx+ |dy. Todos

estes argumentos indicam que a de�nição de integral que queremos não se relaciona com integrais de áreas,

mas sim com integrais de curvas.

Como vimos acima, o conceito de limite no plano complexo deve levar em conta que temos vários caminhos

possíveis para nos aproximarmos do ponto em questão. Da mesma forma, o conceito de integrar entre dois

pontos, possui a mesma questão de qual caminho percorremos para chegar de um ponto a outro. Este

problema também existe na integral de linha de funções no plano. Assim, vamos primeiro rever o que

acontece neste último caso.

29

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4.1 Teorema de Green

Um campo vetorial num plano é uma função que a cada ponto deste plano associa um vetor. Tal campo pode

ser usado, por exemplo, para descrever o comportamento de um �uido, um campo eletromagnético etc.

Um dos grandes interesses no estudo de problemas práticos é saber qual o trabalho realizado para se

mover neste campo vetorial. Por exemplo, queremos mover uma carga elétrica por um campo elétrico, ou

uma massa num campo gravitacional, ou ainda um barco por um rio.

Em todos estes casos, o trabalho realizado será:

W =

ZC

F:dr (23)

onde, num plano, F (x; y) = U (x; y) {+V (x; y) | é o campo vetorial (neste caso a força) e dr = {dx+ |dy um

elemento de deslocamento na trajetória C. Em geral este trabalho depende, não apenas do caminho,mas também do sentido que este caminho é seguido.Exemplo: Vamos calcular a integral de linha do campo

F = (3x� y) i+ (x+ 5y) j

sobre a circunferência unitária. Este caminho pode ser parametrizado como

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x = cos!t ; y = sin!t ; t 2�0;2�

!

�onde ! está relacionado com a velocidade que percorremos a curva. Assim

W =

ZC

F:dr =

ZC

(U (x; y) dx+ V (x; y) dy)

x = x (t) ; y = y (t) =) dx =dx

dtdt ; dy =

dy

dtdt ;

W =

Z 2�!

0

�(3x� y) dx

dt+ (x+ 5y)

dy

dt

�dt

dx

dt= �! sin!t ; dy

dt= ! cos!t

W =

Z 2�!

0

((3 cos!t� sin!t) (�! sin!t) + (cos!t+ 5 sin!t) (! cos!t)) dt

=

Z! (� (3 cos!t� sin!t) sin!t+ (cos!t+ 5 sin!t) cos!t) dt

= !

Z ��3 cos!t sin!t+

�sin2 !t+ cos2 !t

�+ 5 sin!t cos!t

�dt

= !

Z((�3 + 5) sin!t cos!t+ 1) dt = !

Z 2�!

0

(2 sin!t cos!t+ 1) dt

= !

Z 2�!

0

2 sin!t cos!tdt+

Z 2�!

0

1dt

!= !

2

Z 2�!

0

sin!t cos!tdt+2�

!

!

= !

2

Z 2�!

0

1

2sin 2!t dt+

2�

!

!

= !

Z 2�!

0

sin 2!t dt+2�

!

!= !

� 1

2!cos 2!t

����2�=!0

+2�

!

!

= !

�2�

!

�= 2�:

Observe como o valor calculado não depende de !, a velocidade com que percorremos a curva.�Vamos calcular a integral (23) para um campo F arbitrário, mas para um caminho especí�co, por exemplo,

um retângulo:

(0; 0)! (a; 0)! (a; b)! (0; b)! (0; 0)

31

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W =

ZC

F:dr =

ZC

(U (x; y) {+ V (x; y) |) : ({dx+ |dy)

=

ZC

(U (x; y) dx+ V (x; y) dy) :

Na primeira parte do caminho (0; 0)! (a; 0) ; dr = {dx =) dy = 0:

W j(a;0)(0;0) =

Z (a;0)

(0;0)

(U (x; y) dx+ V (x; y) dy) =

Z a

0

U (x; 0) dx

Enquanto na segunda parte (a; 0)! (a; b) ; dr = |dy =) dx = 0

W j(a;b)(a;0) =

Z (a;b)

(a;0)

(U (x; y) dx+ V (x; y) dy) =

Z b

0

V (a; y) dy

Da mesma forma

W j(0;b)(a;b) =

Z 0

a

U (x; y) dx = �Z a

0

U (x; b) dx

W j(0;0)(0;b) =

Z 0

b

V (x; y) dy = �Z b

0

V (0; y) dy

(o sinal de menos vem do fato do percurso ser na direção em que x e y diminuem). O trabalho total é a soma

32

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do trabalho de cada parte:

W = W j(a;0)(0;0) + W j(a;b)(a;0) + W j(0;b)(a;b) + W j(0;0)(0;b)

=

Z a

0

[U (x; 0)� U (x; b)] dx+Z b

0

[V (a; y)� V (0; y)] dy (24)

Um ponto importante é que cada uma das integrais acima é uma integral ordinária em apenas uma

variável. Assim, no cálculo de qualquer das integrais acima a função integrada pode ser tratada como uma

função de uma única variável. Assim, podemos fazer, por exemplo:

U (x; y) = fx (y) =) f0

x (y) =dfx (y)

dy=)

Z b

0

f0

x (y) dy = fx (b)� fx (0)

f0

x (y) =dfxdy

= limdy*0

fx (y + dy)� f (y)dy

= limdy*0

U (x; y + dy)� U (x; y)dy

=@U

@yZ b

0

f0

x (y) dy = fx (b)� fx (0) =)Z b

0

@U

@ydy = U (x; b)� U (x; 0)

Da mesma forma Z a

0

@V

@xdx = V (a; y)� V (0; y)

Substituindo em (24) temos

W = �Z a

0

Z b

0

@U

@ydy dx+

Z b

0

Z a

0

@V

@xdx dy

=

Z a

0

Z b

0

�@V

@x� @U

@y

�dx dy

Assim, para o nosso caminho quadrado

W =

ZC

F:dr =

ZC

(U (x; y) dx+ V (x; y) dy) =

Z ZR

�@V

@x� @U

@y

�dA

Suponha agora que o nosso quadrado tenha sido dividido, por exemplo, por uma linha vertical no ponto

x = h < a e calculamos o trabalho para percorrer cada um dos dois quadrados:

W1 = W(h;0)(0;0) +W

(h;b)(h;0) +W

(0;b)(h;b) +W

(0;0)(0;b)

W2 = W(a;0)(h;0) +W

(a;b)(a;0) +W

(h;b)(a;b) +W

(h;0)(h;b)

33

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onde

W(h;b)(h;0) =

Z b

0

V (h; y) dy

W(h;0)(h;b) =

Z 0

b

V (h; y) dy = �Z b

0

V (h; y) dy = �W (h;b)(h;0)

Então

W1 +W2 =W(h;0)(0;0) +W

(0;b)(h;b) +W

(0;0)(0;b) +W

(a;0)(h;0) +W

(a;b)(a;0) +W

(h;b)(a;b)

Agora observamos que

W(h;0)(0;0) +W

(a;0)(h;0) =

Z h

0

U (x; 0) dx+

Z a

h

U (x; 0) dx =

Z a

0

U (x; 0) dx =W(a;0)(0;0)

W(h;b)(a;b) +W

(0;b)(h;b) = W

(0;b)(a;b)

Assim

W1 +W2 = W j(a;0)(0;0) + W j(a;b)(a;0) + W j(0;b)(a;b) + W j(0;0)(0;b) =W

Ou seja, não importa que divisão façamos no nosso quadrado todas as contribuições das partes internas irão

se cancelar (porque são percorridas na ordem inversa) e sobrará apenas as bordas.

Assim, para uma superfície fechada qualquer, podemos subdividi-la em quadrados, somar todas as con-

tribuições dos quadrados e o que teremos será a integral de linha nas bordas da região interna do caminho.

É importante notar que qualquer buraco na nossa área, i.e., regiões que não pertencem aodomínio das funções geraram bordas e contribuirão para a integral.Assim, de forma geral, para um caminho fechado que encerre uma superfície simplesmente conexa (sem

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buracos) temos: IC

F:dr =

IC

(U (x; y) dx+ V (x; y) dy) =

Z ZR

�@V

@x� @U

@y

�dA (25)

Este é o teorema de Green e permite, através do cálculo de integrais de áreas, que não envolve produtos

vetoriais, calcular uma integral de linha.

Exemplo: Vamos voltar ao nosso exemplo anterior

F = (3x� y) i+ (x+ 5y) j

U = (3x� y) ; V = (x+ 5y)@V

@x= 1;

@U

@y= �1

IC

F:dr =

Z ZR

�@V

@x� @U

@y

�dA =

Z ZR

[1 + 1] dA = 2

Z ZR

dA = 2� :

�Este teorema também permite ver que, se

@V

@x=@U

@y=)

IC

F:dr =0 ;

para qualquer curva fechada. Ou seja, F é um campo conservativo. Veja que esta expressão concorda com

(19) que obtivemos porque F é um campo gradiente.

Se F é um campo conservativo temos

F = rf = @f

@xx+

@f

@yy =)

ZC

F:dr =

ZC

�@f

@xx+

@f

@yy

�: ({dx+ |dy) ;Z

C

F:dr=

ZC

�@f

@xdx+

@f

@ydy

�=

Z B

A

df = f (B)� f (A) ;

para A e B os limites de C. Assim ZC

rf:dr =f (B)� f (A) ;

é uma generalização do Teorema Fundamental do Cálculo para funções de várias variáveis.Como veremos a seguir, todo o material desenvolvido acima está intimamente ligado com o cálculo de

integrais de funções complexas.

4.2 Integrais complexas

Dos resultados anteriores, sabemos que integrais complexas estão intimamente ligadas às integrais de campos

vetoriais. Assim, se quisermos obter uma generalização do teorema fundamental do cálculo, assim como () é

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esta generalização para funções no plano, devemos interpretar nossas integrais complexas como integrais de

linha. No caso de funções complexas, estas integrais de linha são chamadas de integrais de caminhos.

Agora, se tratarmos a integral ZC

f (z) dz

como uma integral de linha sobre uma curva C no plano complexo, podemos, assim como na integral de linha

de funções reais, parametrizar esta curva por um parâmetro t qualquer e escrever

C (t) = x (t) + iy (t) =) dx =dx

dtdt = _xdt ; dy =

dy

dtdt = _ydt

ZC

f (z) dz =

ZC

f (x (t) + iy (t)) ( _x+ i _y) dt =

ZC

f (z (t)) _z dt

Usando as de�nições e os resultados acima podemos calcular a integral de funções complexas no plano

complexo

Exemplo: vamos integrar f (z) = z� de 1 até i por duas linhas retas de 1! 0 e 0! i linha retaZC

z� dz =

ZC1

z� dz +

ZC2

z� dz ; C1 : 1! 0 ; C2 : 0! i

Parametrizando por

z = x+ iy

temos ZC

z� dz =

ZC1

(x� iy) (dx+ idy) +ZC2

(x� iy) (dx+ idy)

=

Z 0

1

x dx+

Z 1

0

y dy

= �12+1

2= 0 :

E ao longo do arco ZC

z� dz =

Z �=2

0

z� (�) _z d�

=

Z �=2

0

e�i��iei��d� = i

Z �=2

0

d� = i�

2

Do resultado acima vemos que a integral, em geral depende do caminho de integração.�Exemplo 2: Vamos integrar a nossa função f (z) = 2z como uma integral de linha, por exemplo, do

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ponto 0 ao ponto 1 + i por uma linha reta

x = y =) x = t ; y = t =) _x = 1 = _y

ZC

f (z) dz =

Z 1

0

2 (t+ it) (1 + i) dt = (1 + i)2Z 1

0

2tdt = 2 (1 + i)2

�t2

2

�10

= (1 + i)2= 2i

E por duas linhas retas 0! 1 e 1! (1 + i)ZC

f (z) dz = 2

�Z 1

0

(x+ iy) (dx+ idy) +

Z 1+i

1

(x+ iy) (dx+ idy)

�= 2

�Z 1

0

x dx+

Z 1

0

(1 + iy) (idy)

�= 2

�Z 1

0

x dx+

�Z 1

0

1 (idy) + i

Z 1

0

y (idy)

� �= 2

�Z 1

0

x dx+

Z 1

0

idy �Z 1

0

y dy

�= 2

Z 1

0

idy = 2i :

Repetindo este processo in�nitas vezes podemos ver que, neste caso, a integral não depende do caminho.

Observe também que neste caso, se assumirmos que a integral é uma antiderivada, temosZC

2z dz =�z2�1+i0

= (1 + i)2= 2i :

Então neste caso, e isso pode ser veri�cado para qualquer pontos iniciais e �nais, nossa de�nição concorda

com a idéia de antiderivação.

4.3 Integrais de funções analíticas

Vamos agora usar a nossa de�nição de integral complexa como uma integral de linha, temos

f = u+ iv =)ZC

f (z) dz = (26)ZC

(u+ iv) (dx+ idy) =

ZC

(u dx� v dy) + iZC

(u dy + v dx)

A existência da integral acima depende da existência da integral de u e v e, assim como no caso dos

campos, a curva C deve ser lisa por partes.Lembrando que C é um caminho sobre o plano complexo, i.e., o plano x; y, cada uma das duas integrais

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acima é da forma ZC

(u (x; y) dx+ v (x; y) dy)

ou seja, temos duas integrais de caminho (reais) para os campos vetoriais

F1 = ux� vy ; F2 = vx+ uy

Se a curva C for uma curva fechada, podemos então agora usar o teorema de Green (25) para calcular

IC

F1:dr =

Z ZR

�@ (�v)@x

� @u

@y

�dA

IC

F2:dr =

Z ZR

�@u

@x� @v

@y

�dA

Usando agora as relações de CR temos

�@u@y

=@v

@x=)

IC

F1:dr =

Z ZR

��@v@x� @u

@y

�dA =

Z ZR

����@u@y

�� @u

@y

�dA = 0

@v

@y=

@u

@x=)

IC

F2:dr =

Z ZR

�@u

@x� @v

@y

�dA =

Z ZR

�@v

@y� @v

@y

�dA = 0

Assim, o teorema de Green para funções no R2, as condições de CR e a nossa de�nição das integrais complexas

como integrais de linha no plano complexo, garantem que cada um dos termos em (26) é zero. De outra

forma, se f é uma função analítica num domínio E � C a integral sobre qualquer curva fechada em E, lisa

por pedaços (uma exigência para que a integral dos campos esteja bem de�nida), entãoIf (z) dz = 0 : (27)

Este é o teorema de Cauchy-Goursat.

Remark 40 Obviamente o resultado acima já era esperado, uma vez que funções analíticas são camposconservativos e, para tais campos, a integral por um circuito fechado é zero. O ponto aqui é que, para se

obter o resultado (27), passamos de uma integral de linha para uma integral de área. Ou seja, este resultado

só é válido se a nossa função for analítica em toda a área no interior da curva fechada. De outra forma,

mesmo que a função seja analítica em todas as regiões em torno do caminho de integração, se ela for singular

num único ponto dentro da região, não podemos mais usar os resultados acima.

Como conseqüência, a integral de f de um ponto z1 até um ponto z2 depende apenas dos pontos e

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independe do caminho ZC

f (z) dz =

Z z2

z1

f (z) dz :

Na verdade, já sabíamos deste fato, uma vez que funções analíticas são campos irrotacionais (conservativos).

Obviamente toda a discussão acima depende do fato da função ser analítica e, consequentemente, não

possuir singularidades na região em consideração. Em geral a integral de uma curva fechada que envolva

uma singularidade não será igual a zero.

Remark 41 Para funções não analíticas, temos de calcular uma integral de linha e o resultado irá, no geral,depender da curva e não só dos extremos.

39

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4.4 Antiderivada

Voltemos ao cálculo da integral ZC

f (z) dz

através da parametrização

C (t) = x (t) + iy (t) =) dx =dx

dtdt = _xdt ; dy =

dy

dtdt = _ydt

com o que temos ZC

f (z) dz =

ZC

f (x (t) + iy (t)) ( _x+ i _y) dt =

ZC

f (z (t)) _z dt

Vamos primeiro supor que os pontos iniciais e �nais estão sobre o eixo dos reais. Para o caso de caminhos

C também sobre o eixo dos reais (dy = 0) a integral acima é da formaZCR

f (z (t)) _z dt =

Z b

a

w (t) dt ; a; b 2 R :

Onde w é uma função complexa, mas com argumentos reais, w : R �! C. Ou seja, w é uma restrição dodomínio de f sobre o eixo real.

Vamos ver o que acontece com a integral da função w (z (t)) � w (t) = u + iv. Onde, como estamos

caminhando apenas no eixo real, u = u (x) e v = v (x) são funções reais de uma única variável real,u; v : R �! R. Assim, usando o teorema fundamental do cálculo para funções reais temosZ b

a

w (t) dt =

Z b

a

(u+ iv) dt =

Z b

a

u dt+ i

Z b

a

v dt

= U (t)jba + i V (t)jba = W (t)jba ;

onde

U 0 =dU

dt= u ; V 0 =

dV

dt= v ; W = U + iV

Da expressão acima vemos que Z b

a

w (t) dt = W (t)jba ; W0= w ; (28)

onde, obviamente, a mesma parametrização z (t) deve ser usada para w e W . O resultado acima diz que:

Remark 42 Para funções complexas com argumentos reais, temos uma generalização do teorema fun-damental do cálculo.

Obviamente, assim como no caso de integrais reais, a função deve estar bem de�nida em todo o eixo real.

40

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Exemplo: calcular Z �=4

0

eit dt =��ieit

��=40

=1p2+ i

�1� 1p

2

��O resultado acima pode ser usado para se de�nir a integral inde�nida de uma função complexa, sua

primitiva ou a antiderivada. Obviamente, se estamos procurando uma primitiva de uma função, esta só

dependerá dos pontos iniciais e �nal de integração. E, como vimos, isto só está garantido para funções

analíticas. Assim, vamos procurar primitivas apenas de funções analíticas.

Se f é analítica, sabemos que para qualquer caminho temosZ z2

z1

f (z) dz =

Z 1

0

f (z (t)) ( _x+ i _y) dt

com z (0) = z1 e z (1) = z2 terá o mesmo valor. Usando (28) temosZ b

a

w (t) dt = W (t)jba ; W0= w

então existe uma função F tal queZ 1

0

f ( _x+ i _y) dt = F j10 ; F0= f ( _x+ i _y) = f _z

(onde 0 é a derivada pelo parâmetro real) mas para qualquer função F (z (t))

F0(z) =

dF

dz_z = f _z =) dF

dz= f :

Assim, se para uma função analítica f de�nirmos um caminho qualquer z0 (t) ; t 2 [0; 1]

F (z) =

Z z

0

f (z0 (t)) dz0 =

Z 1

0

f (z0 (t)) ( _x0 + i _y0) dt

com z0 (t = 0) = 0 e z0 (t = 1) = z teremos

F0= f

e podemos dizer que F é a antiderivada de f . A de�nição acima é independente da parametrização (desde

que z0(1) = z).

Observe que isso só é possível porque f é analítica e, consequentemente, a integral só depende dos extremos

do caminho. O resultado acima é o nosso teorema fundamental do cálculo complexo para funçõesanalíticas.Do nosso estudo de derivadas é fácil ver que, assim como no caso de funções reais F está de�nida a

41

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menos de uma constante.Exemplo: A utilização da antiderivada é, no cálculo de integrais, idêntico ao cálculo nos reais

Z 1+i

0

z2 dz =

�z3

3

�1+i0

=(1 + i)

3

3=2

3(i� 1) :

4.5 Integrais de contorno

Vamos agora integrar a função

f (z) =1

z

num caminho C que seja um circulo de raio unitário começando e terminando em 1. Podemos parametrizar

o circulo fazendo

z = eit =) dz

dt= ieitZ

C

z� dz =

Z 2�

0

e�itdz

dtdt =

Z 2�

0

e�it ieitdt = i

Z 2�

0

dt = 2�i :

ZC

1

zdz =

ZC

z�

zz�dz

como no circulo zz� = 1 ZC

1

zdz =

ZC

z�

zz�dz =

Z 2�

0

e�itdz

dtdt

=

Z 2�

0

e�it ieitdt = i

Z 2�

0

dt = 2�i :

Diferente de zero. Porque f não é analítica em todos os pontos dentro do contorno.

Exercise 43 Veri�que os pontos onde 1=z é analítica.

Suponha agora um outro círculo de raio R, neste caso teríamos:ZC

1

zdz =

ZC

z�

zz�dz =

ZC

z�

R2dz =

1

R2

ZC

z� dz

fazendo

z = R exp (it) =) dz

dt= iR exp (it)

42

Page 43: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Figure 2: Figura 3

temos

z = eit =) dz

dt= ieitZ

C

1

zdz =

1

R2

ZC

z� dz =1

R2

Z 2�

0

R exp (�it) dz

dtdt

=

Z 2�

0

e�it ieitdt = i

Z 2�

0

dt = 2�i :

A parametrização acima mostra ainda que qualquer circulo em torno da origem daria o mesmoresultado.Observe agora que se �zermos a integral pelo caminho da �gura abaixo

Ou seja, de A até D pelo circulo, depois de D até C então de C até B pela �gura externa e, �nalmente

de B de volta para A teremos percorrido um caminho fechado que não contem nenhuma singularidade, i.e.,

nesta região a função é analítica. Assim, neste contorno C0temosI

C0

1

zdz = 0

Mas a integral sobre o caminho D ! C é igual ao negativo da integral B �! A e, consequentemente, a

integral na curva externa é igual a integral da curva interna. Este resultado mostra que:

Remark 44 se f é uma função analítica com uma singularidade num ponto, qualquer integral ao redor desta

43

Page 44: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

singularidade (percorrida na mesma direção), tem o mesmo valor independente da curva.

Assim, IC

1

zdz = 2�i

para qualquer curva C que circule a origem.

De�nition 45 Dizemos que a função f tem um pólo no ponto w se

limz�!w

jf (z)j =1

Vamos calcular a integral IC

1

(z � z0)ndz :

num contorno C que circule z0. Esta função tem um pólo em z = z0. Mas sabemos que qualquer caminho

dará o mesmo resultado. Assim, escolhemos o caminho C que é um circulo unitário centrado em z0, i.e., C

é o circulo z0= z0 + e

i�. Com isso

z = z0 + ei� ; _z = i�ei�I

C

1

(z � z0)ndz =

Z 2�

0

1

(ei�)n iei� d� =

Z 2�

0

e�i�niei� d�

= i

Z 2�

0

ei�(1�n) d� =

(2�i para n = 1

0 para n 6= 1(29)

Exemplo: Calcule a integral IC

z

z2 � 1 dz

com C um círculo centrado na origem de raio 2.

Primeiro se veri�ca-se quantas singularidades estão no interior do circuito. No caso, as duas. Depois se

faz a decomposição

z

(z2 � 1) =z

(z + 1) (z � 1) =1

2

(z + 1) + (z � 1)(z + 1) (z � 1) =

1

2

�(z + 1)

(z + 1) (z � 1) +(z � 1)

(z + 1) (z � 1)

�=

1

2

�1

(z � 1) +1

(z + 1)

44

Page 45: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

com isso, usando (29), IC

z

z2 � 1 dz =

IC

1

2

�1

(z � 1) +1

(z + 1)

�dz

=1

2

�IC

1

(z � 1) dz +IC

1

(z + 1)dz

�=

1

2[2�i+ 2�i] = 2�i :

Exemplo: Calcular f (z) = z� em torno do círculo de raio unitário e em torno do quadrado �1� i.Em torno do círculo temos Z 2�

0

e�i��iei��d� = i

Z 2�

0

d� = 2�i

Ao redor do quadrado

z = 1 + ti =)Z 1

�1(1� ti) i dt = 2i

z = �1� ti =)Z 1

�1((�1 + ti)� i) dt = 2i

z = t� i =)Z 1

�1(t+ i) dt = 2i

z = �t+ i =)Z 1

�1(�t� i) i dt = 2i

Num caso 2�i no outro 8i.�Resumindo:

� Integrais de funções não analíticas devem ser calculadas em todos os pontos da curva.

� Integrais de funções inteiras (analíticas em todo o plano complexo) sobre domínios fechados são zero.

� Integrais de funções inteiras não depende do caminho (podemos escolher de acordo com a conveniência).

� Integrais de funções analíticas com singularidades podem ser calculadas por qualquer caminho que não

contorne a singularidade

� Integrais fechadas de funções analíticas que envolvem singularidades só precisam ser calculadas ao redordos pontos de singularidade.

Cuidados especiais com funções multivalentes:Exemplo: uso da antiderivada no cálculo da integral de funções multivalentes.Vamos calcular a integral da função f (z) =

pz do ponto 1 até �1 através de um semi-circulo acima do

eixo real, C = ei� ; 0 � � � �.

45

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Como vimos anteriormente, esta função possui vários ramos. Apesar de todos estes ramos possuírem a

mesma forma funcional, seus domínios de de�nição são diferentes para cada corte escolhido. Por exemplo,

suponha que se escolheu o seguinte corte:

f1 (z) = [z (r; �)]1=2 �

pr exp (i�=2) ; r > 0 ; 0 < � < 2�

Neste corte não podemos efetuar a integral pelo método da anti-derivada, porque a função não é analíticano caminho (não podemos de�nir a derivada, porque não podemos nos aproximar do ponto por qualquer

caminho sem cruzar a linha de corte) este ramo não é analítico, não está de�nido, em z = 1). Podemos

resolver este problema fazendo o corte em outro lugar. Por exemplo, fazendo o corte � = ��=2

f2 (z) = [z (r; �)]1=2 �

pr exp (i�=2) ; r > 0 ; ��=2 < � < 3�=2

Neste caso, como nosso caminho não cruza a linha de corte e, conseqüentemente, o ramo escolhido é analítico

em todo o percurso, podemos calcular

F =2

3z3=2 =) F

0= z1=2Z

C

z1=2 dz =

�2

3z3=2

�r=1;�=�r=1;�=0

=2

3

�pr exp

�3

2i�

��r=1;�=�r=1;�=0

=2

3

�exp

�3

2i�

���=��=0

=2

3

�exp

�3

2i�

�� exp (0)

�=

2

3[�i� 1] = �2

3(1 + i)

Qualquer caminho acima do eixo real pode ser calculado da mesma maneira.

Agora, se quisermos efetuar o mesmo cálculo por um caminho C2 que liga o mesmo ponto, mas passa pela

parte abaixo do eixo real, devemos escolher um novo ramo da função. Por exemplo, podemos fazer o corte

em � = �=2

f3 (z) = [z (r; �)]1=2 �

pr exp (i�) ; r > 0 ; �=2 < � < 5�=2

observe que � = 0 não está no domínio desta função.

46

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F =2

3z3=2 =) F

0= z1=2Z

C

z1=2 dz =

�2

3z3=2

�r=1;�=�r=1;�=2�

=2

3

�pr exp

�3

2i�

��r=1;�=�r=1;�=2�

=2

3

�exp

�3

2i�

���=��=2�

=3

2

�exp

�3

2i�

�� exp

�3

2i2�

��=

2

3

�exp

�3

2i�

�� exp (3i�)

�=

2

3[�i� (�1)] = 3

2[1� i]

Observe que, mesmo tendo a mesma forma funcional, o resultado é diferente.

4.6 A formula integral de Cauchy

Se f é uma função analítica num domínio E � C pelos resultados acima temos queIC0

f (z)

z � w dz = 0

para qualquer caminho C0que não contorne o ponto z = w (pois f é analítica, mas o integrando tem

uma singularidade).

Vamos imaginar uma curva como a da �gura 2 com w no centro do círculo interno (observe que há um

circulo interno que circunda a singularidade, mas há o caminho externo que não circunda). O ponto crucial

é que o cálculo da integral na �gura, por qualquer caminho, independe do tamanho (raio) do círculo interno.

Isso signi�ca que, se C é o circulo interno, que circunda a singularidade em w, esta integral terá o mesmo

valor para qualquer círculo, em especial (a seguir eu usei o símbolo ?C �! 0 para indicar que o diâmetro

do círculo tende a zero) IC

f (z)

z � w dz = lim?C�!0

IC

f (z)

z � w dz : (30)

Mas como f é analítica, quando o círculo tente ao ponto z = w temos

limz�!w

f (z) = f (w)

para qualquer caminho do limite (lembrando que para funções analíticas o limite acima não depende do

caminho). Assim temos

lim?C�!0

IC

f (z)

z � w dz = f (w)

IC

1

z � w dz :

Usamos agora a integral de contorno (29) e calculamos

47

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IC

1

z � w dz = 2�i

Retornando este resultado em (30) temosIC

f (z)

z � w dz = lim?C�!0

IC

f (z)

z � w dz = f (w)

IC

1

z � w dz

= f (w) 2�i

ou ainda

f (w) =1

2�i

IC

f (z)

z � w dz (31)

onde lembramos que C é qualquer curva que circunde a singularidade (i.e., que circunde w). Estaé a fórmula integral de Cauchy.

A fórmula acima mostra a característica bastante peculiar das funções analíticas de que seu valor numa

certa região é totalmente determinado pelo valor nas bordas desta região. Assim, uma vez de�nido as

condições da função na fronteira, não há mais nenhuma liberdade na de�nição dos seus valores internos. Ou

ainda, qualquer alteração em qualquer ponto da fronteira, altera todos os demais valores da função. Este

comportamento pode ser visto, por exemplo, no estado de equilíbrio de uma chapa aquecida, onde o valor

da temperatura nos pontos da borda da chapa determina seu valor em toda a chapa (lembrando que a parte

real e imaginária de uma função analítica obedece, cada uma, a equação de Laplace).

Exemplo de aplicação: Calcule a integralIC

z

(9� z2) (z + i)dz

onde o caminho C é um circulo de raio 2 (jzj = 2) centrado no ponto z0 = �i. Solução: Apesar do integrandoter uma singularidade no interior do caminho, observe que a função

f (z) =z

(9� z2)

é analítica em toda a região de interesse. Assim, podemos usar a fórmula integral de Cauchy para escrever

f (�i) = 1

2�i

IC

�z

(9� z2)

�1

(z + i)dz =

(�i)�9� (�i)2

� =)IC

�z

(9� z2)

�1

(z + i)dz = 2�i

(�i)�9� (�i)2

� = �

5:

48

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4.7 Derivadas de funções analíticas

Vamos voltar à integral IC

f (z)

z � w dz

para uma curva C que circunda a singularidade w. Vamos agora parametrizar esta curva por z (t), t 2 [0; 1],com isso I

C

f (z)

z � w dz =

Z 1

0

f (z (t))

z (t)� w _z dt :

Usando agora a fórmula integral de Cauchy (31) temos

f (w) =1

2�i

Z 1

0

f (z (t))

z (t)� w _z (t) dt :

Vamos calcular agora a derivada da função f (w)

d

dwf (w) = f�

0(w) =

1

2�i

d

dw

�Z 1

0

f (z (t))

z (t)� w _z dt

�:

Observe que a quantidade dentro do sinal de integral pode ser considerada como uma função de w e t.

Usando agora a regra de Leibniz (que garante que, para integrais reais, nós podemos diferenciar atravésdo sinal de integral) temos

f�0(w) =

1

2�i

�Z 1

0

@

@w

f (z (t))

z (t)� w _z dt

�:

(observe que a integral é uma função apenas de w mas o integrando é uma função de w e t por isso, quando

entra na integral a derivada total vira uma derivada parcial). Efetuando agora a diferenciação

f�0(w) =

1

2�i

Z 1

0

f (z)

(z � w)2_z dt =

1

2�i

IC

f (z)

(z � w)2dz :

Repetindo este procedimento n vezes temos que

f�(n)

(w) =n!

2�i

IC

f (z)

(z � w)n+1dz ;

esta é a fórmula de Cauchy para as derivadas. Do resultado acima temos o importante:

Theorem 46 Se f é uma função analítica numa região E � C; e C é uma curva simples (cujo percurso não

se cruza) fechada em E, então para um ponto z0 dentro da curva C, a n-ésima derivada de f existe e é dada

por

f�(n)

(z0) =n!

2�i

IC

f (z)

(z � z0)n+1dz : (32)

49

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Este resultado garante que, se a função é analítica, além de ser diferenciável (como já sabíamos), elapode ser in�nitamente diferenciável. Lembrando que uma função f é analítica em z0 se, e somente

se, existe uma vizinhança deste ponto onde a derivada de f existe em cada ponto desta vizinhança, temos

que todas as derivadas também serão funções analíticas em E. Pois a derivada estará de�nida para todos os

pontos z0 dentro do contorno e f (n+1) existe em todos os pontos de E, então f (n) é analítica em E.

A existência de todas estas derivadas garante que podemos expandir uma função analítica em série de

Taylor (que é a de�nição de funções analíticas para funções de variáveis reais).

O resultado acima é mais uma diferença gritante entre funções reais diferenciáveis e funções complexas

diferenciáveis. (Obviamente, se uma função real possui uma derivada de ordem n isso não garante a existência

da derivada de ordem n+ 1 e, conseqüentemente, a função pode não ser expansível em série de Taylor.)

Como corolário do teorema acima temos:

Corollary 47 Se u : R2 �! R é uma função harmônica, então ela possui derivadas de todas as ordens,

e cada uma destas derivadas também são funções harmônicas, pois se f = u + iv é analítica, e portanto

contínua, segue que

f 0 =@u

@x+ i

@v

@x=@u

@y+ i

@v

@y

e, portanto as derivadas de u e v também são contínuas e assim sucessivamente para as demais derivadas.

Existe também uma versão inversa do teorema de Cauchy-Goursat.

Theorem 48 Se f = u+ iv é dada por funções u e v contínuas numa região e satisfaz a condiçãoIC

f (z) dz = 0 ;

para qualquer contorno fechado, então f é analítica nesta região. Este é o teorema de Morera.

Os resultados acima são essenciais para o estudo de série de potências de funções analíticas. Assim,

exemplos de aplicação destes resultados serão dados diretamente no desenvolvimento das seções seguintes.

5 Séries de Taylor

A decomposição em série de funções possui uma in�nidade de aplicações práticas, por exemplo, para se

estimar o valor de certas funções (quando se pressiona o botão seno da calculadora o que ela faz é calcular a

série do seno até uma certa ordem e assim em todos os cálculos numéricos).

Para funções complexas, além desta aplicação prática, uma série de outras propriedades das funções (além

do seu valor) podem ser obtidas pela sua expansão em série de potências. Para funções complexas, se f (z)

é uma função in�nitamente diferenciável num ponto z0, então (como no caso de funções reais) de�nimos sua

50

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série de Taylor em torno de um ponto z0 como

1Xk=0

f (k) (z0)

k!(z � z0)k

onde f0 = f e 0! = 1! = 1.

Observe que, para funções reais, em geral esta série não é igual a f . Por exemplo a função

f (x) =

(0, para x � 0e101 exp

�� 1x2

�, para x > 0

:

Esta função é in�nitamente diferenciável em qualquer ponto x e todas as derivadas são zero na origem. Assim,

a série de Taylor desta função em torno da origem calculada no ponto 1 vale 0, o que, obviamente é bem

diferente de f (1) = e101e�1 = e100.

Além disso, uma série de Taylor pode não convergir. E do exemplo acima vemos que, mesmo que elaconvirja, pode convergir para algo que não se relaciona com a nossa função. De forma geral, aquestão da convergência desta série é um ponto bastante intrincado. Entretanto, como veremos, esta questão

se torna muito mais simples quando nos restringimos apenas a funções analíticas.

Se f (z) é uma função analítica numa região E interior a um círculo C0 centrado em z0, para qualquer

ponto em z 2 E podemos usar a formula integral de Cauchy (31) para escrever

f (z) =1

2�i

IC1

f (z0)

z0 � z dz0

onde C1 é um caminho fechado interior a E que tomaremos como um círculo de raio r1. Vamos tomar C1dentro de E de sorte que possamos traçar um novo circulo C0 maior que C1.

51

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Observe agora que1

z0 � z =1

(z0 � z0)� (z � z0)=

1

(z0 � z0)1

1� z�z0z0�z0

(33)

mas para qualquer � complexo com � 6= 1 temos

1

1� � = 1 + �+ �2 + :::+ �n�1 +

�n

1� �

Para ver isso, multiplique ambos os lados por (1� �)

1 = (1� �)�1 + �+ �2 + :::+ �n�1

�+ �n

=�1 + �+ �2 + :::+ �n�1

����+ �2 + :::+ �n�1 + �n

�+ �n

= 1� �n + �n

Assim, podemos escrever (33) como

1

z0 � z =1

z0 � z0

"1 +

z � z0z0 � z0

+ :::+

�z � z0z0 � z0

�n�1+

1

1� z�z0z0�z0

�z � z0z0 � z0

�n#

multiplicando por f (z0) temos

f (z0)

z0 � z =f (z0)

z � z0+

f (z0)

(z0 � z0)2(z � z0) + :::+

f (z0)

(z0 � z0)n(z � z0)n�1

+f (z0)

(z0 � z0) (z0 � z0)n1

1� z�z0z0�z0

(z � z0)n

=f (z0)

z � z0+

f (z0)

(z0 � z0)2(z � z0) + :::+

f (z0)

(z0 � z0)n(z � z0)n�1

+f (z0)

(z0 � z0)n1

(z0 � z) (z � z0)n

Dividindo cada termo por 2�i e integrando ao longo de C1 temos

1

2�i

IC1

f (z0)

z0 � z dz0 =

1

2�i

IC1

f (z0)

z � z0dz0 +

1

2�i

IC1

f (z0)

(z0 � z0)2(z � z0) dz0 +

+:::+1

2�i

IC1

f (z0)

(z0 � z) (z0 � z0)n(z � z0)n dz0 (34)

Usando agora a fórmula de Cauchy para a derivada (32) temos que

1

2�i

IC1

f (z0)

(z � z0)k+1dz0 =

1

k!f (k) (z0)

52

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Podemos então escrever (34) como

f (z) = f (z0) + f0 (z0) (z � z0) + :::+

f (n�1) (z0)

(n� 1)! (z � z0)n�1 +Rn (35)

onde

Rn =(z � z0)n

2�i

IC1

f (z0)

(z0 � z) (z0 � z0)ndz0 :

Vamos chamar de r1 o raio da nossa curva C1. Pegando agora um ponto z dentro da curva C1 e um ponto

z0 na curva C1, i.e., jz0 � z0j = r1 e jz � z0j = r < r1. Com isso temos jz0 � zj = j~r1 � ~rj � r1 � r (lembreque z0 é o caminho sobre o circulo C1 de raio r1).

jRnj =jz � z0jn

2�

����IC1

f (z0)

(z0 � z) (z0 � z0)ndz0����

=rn

2�

����IC1

f (z0)

(z0 � z) (z0 � z0)ndz0����

� rn

2�

IC1

jf (z0)jjz0 � zj jz0 � z0jn

jdz0j

=rn

2�

Z 2�

0

jf (z0)jj~r1 � ~rj (r1)n

r1d�

=rn

2�

r1(r1)

n

Z 2�

0

jf (z0)jj~r1 � ~rj

d�

(lembre-se que a integral de é uma soma de vetores que é sempre menor que a soma dos módulos).

Lembrando que

jz0 � zj = j~r1 � ~rj � r1 � r

temos Z 2�

0

jf (z0)jj~r1 � ~rj

d� �Z 2�

0

jf (z0)jr1 � r

d� =1

r1 � r

Z 2�

0

jf (z0 (�))j d�

Voltando na expressão de jRnj temos

jRnj �rn

2�

r1(r1)

n1

r1 � r

Z 2�

0

jf (z0 (�))j d�

Agora, se

M = max (jf (z0)j) ; z0 2 E

ou seja, M é o valor máximo do módulo de f (jf (z0)j � M ; z0 2 E), este valor existe porque f éanalítica em E.

53

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Podemos escrever Z 2�

0

jf (z0 (�))j d� �Z 2�

0

M d� =M

Z 2�

0

d� = 2�M

Com isso temos

jRnj �rn

2�

r1rn1

2�M

(r1 � r)=

r1M

r1 � r

�r

r1

�n;

Mas comor

r1< 1

temos

limn!1

Rn = 0 :

(lembre-se que se uma seqüência converge em módulo ela converge). Assim, quando n tende a in�nito o limite

da soma dos n termos do segundo membro da igualdade (35) converge e podemos escrever

f (z) = f (z0) +1Xn=1

an (z � z0)n ; an =f (n) (z)

n!

����z=z0

Lembrando agora que o circulo C1 que traçamos é um circulo qualquer dentro do circulo maior C0, temos

como resultado que: quando f é analítica no interior do circulo C0 a convergência da sua série de Taylor

está garantida. De outra forma, a convergência da série de Taylor em torno de um ponto z0 de uma função

analítica está garantida até o primeiro ponto de singularidade da função (i.e., onde a função deixa de ser

analítica). Este é o raio de convergência da série de Taylor de uma função analítica.

Para o caso especial em que z0 = 0 esta série é chamada de série de Maclaurin

f (z) = f (0) +1Xn=1

f (n) (0)

n!zn :

Exemplo 1: Vamos desenvolver a série de Maclaurin da função

f (z) = ez

Veri�que que f é inteira (exercício). Para esta função temos

f (n) (0) = 1

Assim, temos

ez = 1 +1Xn=1

zn

n!para jzj <1 :

Diferente do que ocorre para funções complexas, para o caso de funções reais devemos provar a convergên-

54

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cia da série de Taylor para toda a região de interesse e, mais ainda, veri�car que a série converge para a

função de interesse. Entretanto, os resultados obtidos aqui permitem obter estes resultados diretamente dos

resultados obtidos para funções complexa.

Por exemplo, no exemplo acima nossa função é inteira e, conseqüentemente, a série está de�nida econverge para a função em todo o espaço. Em especial nos pontos sobre o eixo real. Com isso temos

que

ex = 1 +1Xn=1

xn

n!; _x 2 R :

O mesmo sendo verdade para qualquer função inteira.

Exemplo 2:

f (z) =1

1 + z; f 0 (0) =

"� 1

(1 + z)2

#z=0

= �1

f 00 (0) =

"2

1

(1 + z)3

#z=0

= 2 ; f (n) (0) =

"(�1)n n! 1

(1 + z)n+1

#z=0

= (�1)n n! :

a série de Maclaurin vale1

1 + z=

1Xn=0

(�1)n zn

Observe que o raio de convergência desta série é jzj < 1.Exemplo 3: Vamos agora calcular a série de Maclaurin da função

f1 =1

1� z

calculando as derivadas temos

f (n) (z) =n!

(1� z)n+1=) f (n) (0) = n!

e a série toma a forma

f1 (z) =X f (n) (0)

n!zn =) 1

1� z =1Xn=0

zn

cujo raio de convergência vale jzj < 1 (até o ponto de singularidade z = 1).Manipulação de séries:Exemplo: Calcule a série de Maclaurin da função

f2 =1

1 + zpara jzj < 1 :

55

Page 56: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Vamos usar aqui a importante característica de que a série, se existir, é única. Diferente do exemploanterior, o ponto de singularidade desta função é z = �1. Entretanto, como jzj = j�zj os pontos deinteresse também estão no raio de convergência do exemplo anterior. De outra forma, podemosusar a expansão anterior para os pontos para calcular f1 (�z) = f2 (z) ;

f1 (z) =1Xn=0

zn =) f1 (�z) =1Xn=0

(�z)n = 1

1 + z= f2 ;

1

1 + z=

1Xn=0

(�1)n zn ; jzj < 1 :

Continuando com o exemplo, podemos fazer a substituição z0= z+1

�z0 � 1 = z

�tanto na série quanto

no raio de convergência da série acima

1

1 + z=

1Xn=0

(�1)n zn ; jzj < 1 =)

1

1 + z0 � 1 =1

z0=

1Xn=0

(�1)n�z0� 1�n

;���z0 � 1��� < 1

Temos assim a série de Taylor em torno do ponto z = 1 da função f3 (z) = z�1. Observe que a função se

torna singular em z = 0 que é até onde vai o raio de convergência.

5.1 Serie de Laurent

Vamos calcular a série para a função

f (z) =1 + 2z2

z3 + z5:

Para isso, vamos escrever esta função na forma

f (z) =1

z3

�1 + 2z2

1 + z2

�=1

z3

�1 + 2z2 + 2� 2

1 + z2

�=

1

z3

2�z2 + 1

�� 1

1 + z2

!=1

z3

�2� 1

1 + z2

Esta função não pode ser expandida em torno de z = 0. Mas o segundo membro dentro dos parêntesespode,

1

1 + z=

1Xn=0

(�1)n zn ; jzj < 1 =) 1

1 + (z2)=

1Xn=0

(�1)n z2n ; jzj < 1

56

Page 57: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Então, nos pontos jzj < 1, onde a série acima está de�nida, e para o ponto z 6= 0 onde 1=z3 também está

de�nido tempos

1

z3

�2� 1

1 + z2

�=

1

z3

2�

1Xn=0

(�1)n z2n!

=1

z3�2� 1 + z2 � z4 + z6 + :::

�=

1

z3+1

z� z1 + z3 + :::

0 < jzj < 1

Assim, apesar de ter uma singularidade na origem nós conseguimos expandir a função em série na região

entre dois círculos concêntricos jzj > 0 e jzj < 1. Esta é uma série (num anel) em torno de um ponto singular

z = 0.

Diferente das séries de Taylor, a série acima contém potências negativas de z. Ou seja,

Remark 49 é possível tomar em conta a singularidade da função se adicionarmos a série potências negativasdo termo de expansão.

Uma série de potências com potências negativas é chamada de série de Laurent.

Se a função f é analítica na região entre os círculos r2 < jz � z0j < r1 da �gura, temos pela fórmulaintegral de Cauchy (31)

f (z) =1

2�i

IC1

f (z0)

z0 � z dz0 � 1

2�i

IC2

f (z0)

z0 � z dz0 :

57

Page 58: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Tratemos agora cada uma das integrais acima.

5.1.1 A primeira integral

Esta integral pode ser tratada exatamente como no caso da série de Taylor. Fazendo

1

z0 � z =1

(z0 � z0)� (z � z0)=

1

z0 � z01

1� z�z0z0�z0

e usando

� =z � z0z0 � z0

=) 1

1� z�z0z0�z0

=N�1Xn=0

(z � z0)n

(z0 � z0)n+

(z � z0)N

(z0 � z0)N�11

(z0 � z)

temos

1

2�i

ZC1

f (z0)

z0 � z dz0 =

1

2�i

ZC1

f (z0)1

z0 � z dz0 =

1

2�i

ZC1

f (z0)1

z0 � z01

1� z�z0z0�z0

dz0

=1

2�i

ZC1

f (z0)1

z0 � z0

"n�1Xk=0

(z � z0)k

(z0 � z0)k+

(z � z0)n

(z0 � z0)n�11

(z0 � z)

#dz0

=n�1Xm=0

am (z � z0)m +Rn

onde

an =1

2�i

ZC1

f (z0)

(z0 � z0)n+1dz0 ; n = 0; 1; ::::

Rn =(z � z0)n

2�i

ZC1

f (z0)

(z0 � z) (z0 � z0)ndz0 :

Tanto os coe�cientes an quantoRN são os mesmos obtidos para a série de Taylor. E sabemos que limn!1 jRnj =0.

5.1.2 Segunda integral fazemos

Lembrando que para obter

limn!1

jRnj = limn!1

�r1M

r1 � r

�r

r1

�n�= 0 :

usamos que

r

r1< 1

58

Page 59: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

este procedimento não funciona para o circulo C2, pois, neste caso r > r2. Assim, para a segunda integral,

devemos seguir um outro caminho. Fazendo

� 1

z0 � z =1

(z � z0)� (z0 � z0)=

1

(z � z0)1

1� z0�z0z�z0

(onde colocamos em evidência (z � z0)�1 e não (z0 � z0)�1, como antes) usando, novamente,

1

1� � =n�1Xk=0

�k +�n

1� �

temos

� =z0 � z0z � z0

=) 1

1��z0�z0z�z0

� = n�1Xk=0

(z0 � z0)k

(z � z0)k+

(z0�z0)n

(z�z0)n�1

(z � z0)

assim

� 1

z0 � z = n�1Xk=0

(z0 � z0)k

(z � z0)k+1+

1

(z � z0)(z0 � z0)n

(z � z0)n

!mudando para k = m� 1

� 1

z0 � z =

nXm=1

(z0 � z0)m�1

(z � z0)m+

1

(z � z0)(z0 � z0)n

(z � z0)n

!

com o que, a segunda integral �ca,

� 1

2�i

IC2

f (z0)

z0 � z dz0 =

1

2�i

IC2

�� 1

z0 � z

�f (z0) dz0

=1

2�i

IC2

"nX

m=1

(z0 � z0)m�1

(z � z0)m+

1

(z � z0)(z0 � z0)n

(z � z0)n

#f (z0) dz0

=nX

m=1

1

2�i

IC2

(z0 � z0)m�1 f (z0) dz01

(z � z0)m

+1

2�i

IC2

1

(z � z0)(z0 � z0)n

(z � z0)nf (z0) dz0

=nXk=1

bk1

(z � z0)k+Qn

59

Page 60: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

onde

bn =1

2�i

ZC2

(z0 � z0)n�1 f (z0) dz0 =1

2�i

ZC2

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0

Qn =1

2�i (z � z0)nIC2

(z0 � z0)n

(z � z0) f (z0) dz0

Fazendo jz � z0j = r ; jz0 � z0j = r2 , jz0 � zj = j~r � ~r2j � r � r2

jQnj =1

2� jz � z0jn����ZC2

(z0 � z0)n

(z � z0) f (z0) dz0

���� � 1

2�rn

ZC2

jz0 � z0jn

jz � z0j jf (z0)j jdz0j

� 1

2�rn

Z 2�

0

(r2)n

r � r2jf (z0)j r2 d� =

1

2�rn(r2)

n r2r � r2

Z 2�

0

jf (z0)j d�

De�nindo

N = max (jf (z)j)

temos Z 2�

0

jf (z0)j d� � 2�N

e, consequentemente,

jQnj ��r2r

�n Nr2r � r2

Como agora

r2 < r < r1 )r2r< 1 ;

temos

limn!1

jQnj = 0 :

Com isso temos

f (z) =1Xn=0

an (z � z0)n +1Xn=1

bn(z � z0)n

an =1

2�i

IC1

f (z0)

(z0 � z0)n+1dz0

bn =1

2�i

IC2

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0

Além disso, sendo a função analítica em todo o domínio r2 < jz � z0j < r1 então, com a devida orientação,

podemos usar o teorema de Cauchy (27) e mostrar queIC1

=

IC2

=

IC

60

Page 61: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

onde C é qualquer caminho na região anular onde a função é analítica. Temos então o teorema:

Theorem 50 Se f é analítica na região entre os círculos C1 de raio r1 e C2 de raio r2, ambos centrados emz0 então em cada ponto z da região r2 < jz � z0j < r1, f (z) é representada por uma série convergente de

potências positivas e negativas de (z � z0),

f (z) =1Xn=0

an (z � z0)n +1Xn=1

bn(z � z0)n

an =1

2�i

IC

f (z0)

(z0 � z0)n+1dz0

bn =1

2�i

IC

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0 (36)

onde C é qualquer caminho simples fechado na região r2 < jz � z0j < r1.

Esta fórmula pode ser escrita na forma mais compacta

f (z) =

1Xn=�1

An (z � z0)n ; An =1

2�i

IC

f (z0)

(z0 � z0)n+1dz0 : (37)

É importante observar que, mesmo no caso dos coe�cientes dos termos positivos an, não podemos maisidenti�car as integrais com as derivadas da função (usando a fórmula (32)) porque a função não é maisanalítica no interior da curva fechada C. Assim, no caso geral, os coe�cientes devem ser calculados com as

técnicas de integração já desenvolvidas. Entretanto, como veremos, estes coe�cientes raramente precisam ser

calculados explicitamente.

Se a função é analítica em todos os pontos (incluindo z0)

bn =1

2�i

IC

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0 = 0 ; n > 0

porque não há singularidade no integrando. Além disso, como neste caso f é analítica em todos os pontosno interior de C, podemos novamente usar a fórmula integral de Cauchy para as derivadas nos coe�cientes

an. Assim, neste caso, voltamos a ter a série de Taylor.

Exemplo: Encontrar a série de Laurent em torno de z = 0 da função

f (z) =ez

z2; jzj > 0

Neste caso, como a função é analítica para todo z 6= 0 o circulo C1 é in�nito. Para encontrar a série

procurada precisamos apenas lembrar que a série de Laurent também é única. Assim, se encontrarmosuma expansão em série (qualquer uma) que seja igual a nossa função na região de interesse, então esta é a

nossa série.

61

Page 62: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Usando a série de Maclaurin da exponencial temos

ez =1Xn=0

zn

n!

(que é válida em todo o espaço) basta observar agora que, para qualquer ponto z 6= 0 a seguinte sérieconverge

1

z2

1Xn=0

zn

n!=

1Xn=0

zn�2

n!=1

z2+1

z+1

2!+z

3!+z2

4!+ :::

como esta série é convergente na região de interesse e, nesta região, ela é igual a nossa função,então esta é a série procurada.

Remark 51 A nossa série começa com o coe�ciente b2 = 1 (e não de �1).

Você poderia obter o resultado acima usando a de�nição (36) através de um caminho qualquer em torno

de z0 = 0 e da parametrização deste caminho. Neste caso você encontraria

bn =1

2�i

ZC

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0 =

(0 ; n 6= 21 ; n = 2

Isso sempre funciona. Entretanto, o método descrito acima é o que usamos na prática.

Exemplo: Encontre a série de Laurent em torno de z = 1 da função

f =1

(z � 1)2; jzj < 1 :

Esta expressão já está na forma da série (37) com A�2 = 1 e todos os outro An = 0.

62

Page 63: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Exemplo: Obter a série de Laurent que represente a função

f =1

z2 (1� z)

na região 0 < jzj < 1:Esta função possui 2 singularidades, então podemos achar sua representação em série em cada uma

destas regiões, 0 < jzj < 1; jzj > 1. Estamos interessados na primeira região.Observando que 1= (1� z) não é singular em z = 0, portanto podemos escrever a série de MacLaurin

1

1� z =X

zn ; jzj < 1 (38)

e sabendo, é claro, que a série é convergente para jzj < 1.Observando agora que, para jzj > 0, 1=z2 também não é singular (e já tem a forma de uma série de

Laurent). Temos que o produto das séries

1

z2��X

zn�

=X

zn�2 =1

z2+1

z+ 1 + z + z2 + :::

0 < jzj < 1

converge na região de interesse e é a série procurada

Exemplo: O mesmo do item anterior na região jzj > 1. Nesta região a série (38) obtida anterior-mente não converge. Entretanto podemos escrever

1

1� 1z

=X�

1

z

�n=) 1

z

1

1� 1z

=1

z

X�1

z

�n1

z � 1 =1

z

X 1

zn=) � 1

1� z =X 1

zn+1=) 1

1� z = �Xn

1

zn+1

que converge na região de interesse jzj > 1. Assim

1

z2

�Xn

1

zn+1

!= �

Xn

1

zn+1+2= �

1Xn=0

1

zn+3= �

1Xn=3

1

zn

é a série procurada na região jzj > 1.

Remark 52 Se uma série converge num certo domínio interior ao círculo jz � z0j < R esta série é uma

função analítica neste domínio.

63

Page 64: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Exemplo: Veri�que se a seguinte função é inteira

f (z) =

((sin z) =z ; z 6= 01 ; z = 0

A série de Maclaurin do seno vale

sin z =1Xn=0

(�1)n z2n+1

(2n+ 1)!

Podemos então calcular

1

zsin z =

1

z

1Xn=0

(�1)n z2n+1

(2n+ 1)!=

1Xn=0

(�1)n z2n

(2n+ 1)!= 1� z2

3!+z4

5!+ :::

Esta série converge em todo espaço, então ela representa uma função analítica em todo o espaço(uma função inteira). Além disso, ela é igual a nossa função em todos os pontos e, como a expansão emsérie é única, esta é a expansão em série da nossa função. Então a nossa função é inteira. Uma vezque isso garante que nossa função é contínua, podemos calcular

limz!0

sin z

z= 1 :

O que é válido, em especial, para o eixo real.

6 Resíduos

Vimos anteriormente que (pelo teorema de Cauchy-Goursat) a integral num circuito fechado que encerra uma

região onde a função é analítica vale zero IC

f (z) dz = 0 :

Por outro lado, se a função deixa de ser analítica num ponto, a integral ao longo deste ponto não vale mais

(necessariamente) zero. Mas, como vimos este valor é o mesmo para qualquer circuito que envolva o ponto

(desde que este circuito não englobe outras singularidades da função). Este valor é proporcional ao chamado

resíduo da função no ponto. Obviamente, conhecendo todos os resíduos de uma função, podemos calcular

sua integral ao redor de qualquer circuito fechado.

Um ponto singular (i.e., um ponto onde uma função deixa de ser analítica) de uma função f (z) é chamado

de isolado, se f for analítica em toda uma vizinhança (por menos que seja) deste ponto. De outra forma,

um ponto singular z0 é uma singularidade isolada se for possível encontrar um raio r onde, no círculo

0 < jz � z0j < r, a função f (z) é analítica.

64

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Remark 53 Resíduos são de�nidos apenas para singularidades isoladas.

Exemplo: A função

f (z) =z + 1

z3 (z2 + 1)

possui 3 singularidades isoladas nos pontos z = �i e z = 0.Exemplo: A função

f (z) =1

sin��z

�é singular em z = 0 e em �

z = n� =) z = 1=n. A singularidade z0 = 0 não é isolada. Pois, não importa otamanho do raio r, sempre podemos achar um n su�cientemente grande tal que 1

n < r. Então, não existeuma vizinhança do ponto z = 0 que não contenha outra singularidade. Vemos então, que quandode�nimos a série de Laurent em torno de uma singularidade, estávamos falando de uma singularidade isolada.

Pois para uma singularidade não isolada a séria não teria raio de convergência.

Assim, para uma singularidade isolada z0, sempre podemos expandir f numa série de Laurent

f (z) =1Xn=0

an (z � z0)n +1Xn=1

bn(z � z0)n

; 0 < jz � z0j < r :

onde

an =1

2�i

IC

f (z0)

(z0 � z0)n+1dz0 ; bn =

1

2�i

IC

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0

Como vimos, as singularidades da função estão relacionadas com as potências negativas desta série, ou

seja, com os coe�cientes

bn =1

2�i

IC

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0 ;

onde C é caminho fechado que circunda a singularidade z0. Em especial, temos

n = 1) b1 =1

2�i

IC

f (z0) dz0 )IC

f (z0) dz0 = 2�ib1 ;

ou seja, 2�b1 é exatamente a integral da nossa função em torno da singularidade. O coe�ciente b1 é chamadode resíduo da função f na singularidade isolada z0,

b1 = Resz=z0

f (z) � B :

Assim, o resíduo de uma função (i.e., o primeiro termo de uma série de Laurent) fornece uma ferramenta

poderosa para o cálculo de integrais em contornos fechados.

Exemplo: Vamos calcular a integral ZC

1

z (z � 2)4dz

65

Page 66: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

onde C é o circulo jz � 2j = 1.O integrando possui duas singularidades isoladas (obviamente todo número �nito de singularidades é

isolado) z = 0 e z = 2. Entretanto, apenas a singularidade z = 2 está dentro da região de integração. Vamos

determinar a série do integrando em torno do ponto de interesse z = 2 (ou seja, vamos deixar todos os termos

na forma (z � z0) com z0 = 2)

1

z (z � 2)4=

1

(z � 2)4� 1

2 + (z � 2)

=1

(z � 2)4� 12

1

1 + (z�2)2

Usando1

1� z =1Xn=0

zn ; jzj < 1

temos

z ! (z � 2)2

=) 1

1� z =1Xn=0

zn ! 1

1�h� (z�2)2

i = 1

1 + (z�2)2

=1Xn=0

�� (z � 2)

2

�n;

����z � 22���� < 1 =) jz � 2j < 2

como nosso problema está dentro do limite desta série

1

1 + (z�2)2

=1Xn=0

(�1)n

2n(z � 2)n =) 1

z (z � 2)4=

1

(z � 2)4� 12

1Xn=0

(�1)n

2n(z � 2)n

1

z (z � 2)4=

1Xn=0

(z � 2)n�4

2n+1=

1

2 (z � 2)4� 1

22 (z � 2)3+

1

23 (z � 2)2� 1

24 (z � 2)1+ :::

o coe�ciente da série que multiplica o termo (z � 2)�1, i.e., o coe�ciente b1, vale

b1 = �1

24= � 1

16=

1

2�i

ZC

f (z0) dz0ZC

f (z0) dz0 = ��i8:

Exemplo: ZC

exp

�1

z2

�dz

66

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onde C é o círculo jzj = 1. A singularidade (isolada) está em z = 0. Sabendo que

exp (z) =X zn

n!; jzj <1 =) exp

�1

z2

�=X �

1z2

�nn!

=1Xn=0

1

z2nn!

esta série converge para

jzj <1!����1z���� <1 =) 1

1 < jzj =) 0 < jzj

Então a expansão em série do nosso integrando �ca

exp

�1

z2

�= 1 +

1

z2+

1

z42!+ :::

Quanto vale b1?

b1 = 0 =1

2�i

ZC

f (z0) dz0 :

Remark 54 Do exemplo acima observe que

Analiticidade =)IC

f dz = 0 :

mas IC

f dz = 0; Analiticidade :

Exceto para o caso em que f não explode dentro da região de interesse (T. de Moreira).

(Contorno com várias singularidades)Suponha agora que o contorno C envolva uma quantidade �nita (portanto isoladas) de singularidades

zn.

Fazendo então uma integral na região que não engloba nenhum ponto singular, i.e., onde a função é

analítica, temos IC

f dz �Xn

ICn

f dz = 0)IC

f dz =Xn

ICn

f dz

lembrando agora que, em torno de cada singularidade zn temos

1

2�i

ZC

f (z0) dz0 = Resz=zn

f (z)

temos IC

f dz =Xn

ICn

f dz = 2�iXn

Resz=zn

f (z) :

Este é o teorema dos resíduos de Cauchy.

67

Page 68: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Figure 3: Figura tirada do livro do Churchill.

Exemplo: Calcule a integral IC

5z � 2z (z � 1) dz

onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2.O integrando possui duas singularidades, z = 0 e z = 1, ambas dentro da região de integração. Vamos

primeiro calcular o resíduo em z = 0,

5z � 2z (z � 1)

1

z (z � 1) =1

z� 1

(z � 1)

� 1

1� z = �1Xn=0

zn ; jzj < 1

lembre que para cálculo do resíduo o círculo em torno da singularidade pode ser quão pequeno quanto se

queira. Com isso,

(5z � 2)z (z � 1) = � (5z � 2)

z

1Xn=0

zn = � (5z � 2)1Xn=0

zn�1

= �51Xn=0

zn + 21Xn=0

zn�1

n� 1 = m =) (5z � 2)z (z � 1) = 2

1Xm=�1

zm � 51Xn=0

zn

= 21

z+ 2

1Xm=0

zm � 51Xn=0

zn = 21

z+ (2� 5)

1Xn=0

zn =2

z� 3

1Xn=0

zn

68

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Resz=0

f (z) = 2 � B1

Agora, para o resíduo z = 1 temos

1

z (z � 1) =1

(z � 1) �1

z=

1

(z � 1) �1

1 + (z � 1)1

1 + z=

1Xn=0

(�1)n zn ; jzj < 1 =) 1

1 + (z � 1) =1Xn=0

(�1)n ((z � 1))n ; jz � 1j < 1

com isso

5z � 2z (z � 1) = (5z � 2) 1

(z � 1) �1

z= (5z � 2) 1

(z � 1) �1Xn=0

(�1)n (z � 1)n

5z � 2 = 5

�(z � 1) + 1� 2

5

�5z � 2z (z � 1) = 5

�(z � 1) + 1� 2

5

� 1Xn=0

(�1)n (z � 1)n�1

= 5

"(z � 1)

1Xn=0

(�1)n (z � 1)n�1 +�1� 2

5

� 1Xn=0

(�1)n (z � 1)n�1#

= 5

" 1Xn=0

(�1)n (z � 1)n +�1� 2

5

� 1Xn=0

(�1)n (z � 1)n�1#

= 51Xn=0

(�1)n (z � 1)n + 3 1

(z � 1) + :::

Resz=1

f (z) = 3 � B2

Pelo teorema dos resíduos IC

f dz = 2�iXn

Resz=zn

f (z) = 2�i (B1 +B2)

= 2�i (2 + 3) = 10�i

�Exemplo (continuação): No exemplo acima, podemos também desenvolver uma única série de Laurent

69

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em torno da origem, mas que seja válida para r > 1,

5z � 2z (z � 1) =

1

z� 5z � 2

z � 11

1� z =1Xn=0

zn ; jzj < 1 =) 1

z

1�1� 1

z

� = 1

z

1Xn=0

�1

z

�n;

����1z���� < 1 =) jzj > 1

5z � 2z (z � 1) = (5z � 2)

1Xn=0

1

zn+2=

�(5z � 2) 1

z2+ (5z � 2) 1

z3+ :::

Logo o resíduo vale

B = 5 =)ZC

5z � 2z (z � 1) dz = 2�i5 = 10�i :

6.0.3 Integrais de funções da forma g (z) = (z � z0)m

Para integrais da forma (com g analítica em z0)IC

g (z)

(z � z0)dz (39)

onde C circunda a singularidade z0 temos

b1 =1

2�i

IC

g (z)

(z � z0)dz :

Mas se g é analítica em z0 e o raio de C for pequeno o su�ciente, podemos usar a fórmula integral de

Cauchy para escrever

g (z0) =1

2�i

IC

g (z)

z � z0dz

de onde temos

b1 =1

2�i

IC

g (z)

(z � z0)dz = g (z0) : (40)

Ou seja, o resíduo é o próprio valor de g calculada em z0.

Exemplo: Vamos voltar para a integral IC

5z � 2z (z � 1) dz

70

Page 71: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2. Usando uma decomposição em frações parciais:

5z � 2z (z � 1) =

A

z+

B

(z � 1) =A (z � 1) +Bz

z (z � 1)(A+B) z �Az (z � 1) =) A = 2 ; B = 3

temos5z � 2z (z � 1) =

2

z+

3

(z � 1) =)IC

5z � 2z (z � 1) dz =

IC

2

zdz +

IC

3

(z � 1) dz

Cada uma das integrais acima é da forma (39) em torno das singularidades z = 0 e z = 1IC

2

zdz =

IC

g (z)

zdz ; g (z) = 2I

C

3

(z � 1) dz =

IC

g (z)

zdz ; g (z) = 3

Usando a fórmula (40) e o teorema dos resíduosZC

5z � 2z (z � 1) dz = 2�i (2 + 3) = 10�i :

Observe que poderíamos, anteriormente, ter usado o resultado acima. Pois as duas funções no integrando

já estão na forma de sua série de Laurent onde vigora apenas o coe�ciente b1.

Exemplo: IC

exp�z �2�

z2 + 1dz

onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2.As singularidades estão em z = �i, ambas dentro do caminho. Observando que z = �i são as raízes do

denominador do integrando, podemos escrever

1

z2 + 1=

1

(z + i) (z � i)

Se quisermos então calcular o resíduo em torno do ponto z = i fazemosZC1

exp�z �2�

z2 + 1dz =

ZC1

exp�z �2�

(z + i)

1

(z � i) dz

onde C1 é um caminho (pequeno o su�ciente para não englobar z = �i) esta integral é da forma (39)ZC1

exp��2 z�

(z + i)

1

(z � i) dz =ZC1

g (z)

(z � i) dz ; g (z) =exp

��2 z�

(z + i)

71

Page 72: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

observe que g (z) é analítica dentro do caminho de integração. Assim o resíduo vale

B1 = g (z = i) =exp

�i�2�

2i=

i

2i=1

2:

Da mesma forma, para o resíduo em z = �i,ZC2

exp��2 z�

(z � i)1

(z + i)dz =

ZC2

g (z)

(z + i)dz ; g (z) =

exp��2 z�

(z � i)

B2 = g (z = �i) =exp

���2 i

��2i =

�i�2i =

1

2

onde C2 é um caminho (pequeno o su�ciente para não englobar z = i). Pelo teorema dos resíduosZC

exp (z)

z2 + 1dz = 2�i

�1

2+1

2

�= 2�i

Remark 55 O procedimento acima pode ser usado para o cálculo de resíduos da forma f (z) = (zn � z0), comf (z) analítica nas raízes do denominador.

Vamos tentar generalizar este resultado para a integral de funções na forma

f (z) =g (z)

(z � z0)m

com g (z) analítica em z0 e g (z0) 6= 0. Como g é analítica na região de interesse ela pode ser decompostaem série de Taylor em torno do ponto z0 (onde f é singular)

g (z) =1Xn=0

g(n) (z0)

n!(z � z0)n :

Numa região arbitrariamente próxima de z0 a seguinte série converge

1

(z � z0)m1Xn=0

g(n) (z0)

n!(z � z0)n =

1Xn=0

g(n) (z0)

n!(z � z0)n�m ; 0 < jz � z0j < "

Então, nesta região, este é o desenvolvimento em série de Laurent da função f o coe�ciente b1 desta série

72

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(i.e., o termo que multiplica 1= (z � z0)) vale

k � 1 = n�m) k � 1 +m = n1Xn=0

g(n) (z0)

n!(z � z0)n�m !

1Xk=1�m

g(k�1+m) (z0)

(k � 1 +m)! (z � z0)k�1

k = 0) g(m�1) (z0)

(m� 1)!

com isso

b1 =g(m�1) (z0)

(m� 1)!

Este resultado, juntamente com (40) mostra que

Resz=z0

g (z)

(z � z0)m=

(g (z0) ; m = 1g(m�1)(z0)(m�1)! ; m � 2

(41)

para g (z) analítica em z0 e g (z0) 6= 0.Exemplo: Encontre o resíduo da função

f (z) =z3 + 2z

(z � i)3=

g (z)

(z � i)3; g (z) = z3 + 2z

Esta função tem uma singularidade em z = i. Neste ponto g é analítica e g (i) 6= 0 então

b1 =g(3�1) (z = i)

(3� 1)! =[g00 (z)]z=i

2

g0 (z) = 3z + 2 ; g00 (z) = 3

b1 =3

2:

6.1 Razões de funções analíticas

Para o cálculo do resíduo de funções na forma

f (z) =p (z)

q (z);

com p e q funções analíticas num ponto z0 e q (z0) = 0 (i.e., z0 é um ponto singular de f) podemos proceder

como no caso anterior. Assim, usando o fato das funções serem analíticas em z0 podemos expandi-las em

série de Taylor e tomar a razão (aqui estamos usando o fato de que se q (z) é analítica e q (z0) = 0, então

73

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existe uma vizinhança em torno de z0 tal que q (z) 6= 0 para jz � z0j < ", ou q (z) é uma constante, veja, e.g.,

Churchill Sec. 65)

p (z)

q (z)=

p (z0) + p0 (z0) (z � z0) + :::

(q (z0) = 0) + q0 (z0) (z � z0) + q00 (z0) (z � z0)2 =2! + :::

=1

(z � z0)

�p (z0) + p

0 (z0) (z � z0) + :::q0 (z0) + q00 (z0) (z � z0) =2! + :::

�; 0 < jz � z0j < "

Agora, se q0 (z0) 6= 0 a expressão entre colchetes está de�nida também em z0, assim se de�nirmos

g (z) = (z � z0)p (z)

q (z)=

p (z0) + p0 (z0) (z � z0) + :::

q0 (z0) + q00 (z0) (z � z0) =2! + :::(42)

a função g será analítica em z0, alem disso

g (z) = (z � z0)p (z)

q (z)= (z � z0) f (z) ;

ou ainda

f (z) =g (z)

(z � z0);

com g (z) analítica em z0. Usando agora o resultado (41) temos

f (z) =g (z)

(z � z0)=) Res

z=z0f (z) = Res

z=z0

g (z)

(z � z0)= g (z0)

e, voltando a série (42) temos

g (z0) =p (z0) + p

0 (z0) (z0 � z0) + :::q0 (z0) + q00 (z0) (z0 � z0) =2!

=p (z0)

q0 (z0):

Concluindo, se p (z) e q (z) são analíticas em z0 com q (z0) = 0 e q0 (z0) 6= 0, então

Resz=z0

p (z)

q (z)=

p (z0)

q0 (z0):

Exemplo: Calcule os resíduos da função

f (z) =cos z

sin z

As funções seno e cossenos são inteiras. As singularidades de f estão nos pontos sin z = 0 =) zn =

74

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n� (exercício: mostre isso). Além disso, para cada um destes pontos

d

dzsin z = cos z =)

�d

dzsin z

�z=zn

= (�1)n 6= 0

Então nossos resíduos são

Resz=zn

cos z

sin z=cos zncos zn

= 1 :

75

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Figure 4: Figura tirada do livro do Churchill

6.2 Caminhos que englobam todas as singularidades

Os resultados acima podem ser simpli�cados quando o caminho C engloba todas as singularidades da função.Lembre-se que a integral pode ser calculada através do primeiro termo da série de Laurent. O que

queremos aqui é desenvolver um método para que possamos usar os resultados acima (as técnicas para

calcular os resíduos), para o caso de caminhos que envolvam todas as singularidades.

Se a função f (z) é analítica em toda uma região fora da curva fechada C da �gura, podemos então traçarum círculo C1, de raio R1 e centrado em z = 0, sendo a função analítica na região entre C1 e C, a integralpor ambos os caminhos é a mesma.Z

C

f (z) dz =

ZC1

f (z) dz :

Agora, na região exterior a C1 a função é analítica e, portanto, pode ser expandida numa série de Laurent

f (z) =

1Xn=�1

Anzn ; R1 < jzj <1

An =1

2�i

IC0

f (z)

zn+1dz (43)

Onde C0 é qualquer círculo de raio R0 > R1. Pois, como a função é analítica nesta região, a integral por

ambos os caminhos tem o mesmo valor.

76

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Como no caso anterior, o coe�ciente A�1 fornece

A�1 =1

2�i

IC0

f (z) dz (44)

Entretanto, como a função engloba várias singularidades, este coe�ciente não é mais o resíduo dafunção. Em especial, não podemos diminuir o círculo C0 em torno de nenhuma das singularidades sem

alterarmos o valor da integral. Lembre-se que o resíduo era a característica de um ponto e, sendo a função

analítica em torno deste ponto, podíamos usar um caminho de raio arbitrariamente pequeno. Além disso,

resíduos só estão de�nidos para singularidades isoladas. Ou seja, para que o coe�ciente A�1 sejá o resíduo

de uma função, é necessário que o domínio de validade da expansão seja algo como 0 < jz � z0j < r, pois

assim podemos garantir que a singularidade em z = z0 é uma singularidade isolada. Assim, obviamente o

desenvolvimento em série acima (uma vez efetuado) permite calcular o valor da integral, mas para usarmos

os resultados anteriores, precisamos transformar este coe�ciente num resíduo, i.e., uma integral em torno de

uma singularidade isolada.

Agora, se na expansão (43) trocarmos z por 1=z temos

z �! 1

z0;

f

�1

z0

�=

1Xn=�1

An1

z0n; R0 <

���� 1z0���� <1 =) 1

R1> jz0j > 0

e agora o domínio de validade dos nossos coe�cientes tem a forma necessária para especi�car um resíduo.

Porém, o coe�ciente que multiplica z0�1 nesta nova série é A1 e não mais A�1.

Entretanto, se multiplicarmos a série por z�2 temos

1

z2f

�1

z

�=

1Xn=�1

An1

zn+2;

1

R1> jzj > 0 ;

lembrando que jzj > 0 está nova série também esta bem de�nida. O domínio de validade desta nova série1R1

> jzj > 0 mostra que z = 0 é uma singularidade isolada da função a esquerda da igualdade, portanto

A�1 = Resz=0

�1

z2f

�1

z

��:

Usando agora (44) e lembrando que podemos integrar tanto ao longo de C1 como C, temosZC

f (z) dz = 2�iResz=0

�1

z2f

�1

z

��:

Assim a integral da função f numa região envolvendo várias singularidades, pode ser calculada através de

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um único resíduo de uma determinada função.

Exemplo: Vamos agora voltar ao cálculo da integralZC

5z � 2z (z � 1) dz

onde C é o círculo de raio 2 centrado na origem, jzj = 2. Como vimos anteriormente este caminho englobaas duas singularidades da função. Usando a gora o resultado desenvolvido acima, podemos calcular

f (z) =5z � 2z (z � 1) =) f

�1

z

�= z

5�1z

�� 2�

1z � 1

� = z5� z2(1� z)

1

z2f

�1

z

�=

5� 2zz (1� z) =

A

z+

B

(1� z) =)A+ (B �A) zz (1� z) ; A = 5

ZC

5z � 2z (z � 1) dz = 2�iResz=0

�1

z2f

�1

z

��= 2�i5 = 10�i :

Lembre-se que este mesmo exemplo

6.3 Pólos e tipos de singularidade

Como vimos, na série de Laurent a parte com potências negativas

bn =1

2�i

ZC

f (z0)

(z0 � z0)�n+1dz0 = 0 ; n > 0

é responsável por reproduzir a singularidade da função. Estes termos são chamados parte principal da série.

Assim, o estudo dos diferentes tipos de singularidade está relacionado com o estudo da parte principal da

série da função.

Estamos interessados apenas no estudo de singularidades isoladas.Podemos identi�car 3 diferentes de singularidade, i.e., diferentes tipos de comportamento da função em

torno da singularidade.

1. Se a parte principal é �nita

bm 6= 0 ; bm+1 = bm+2 = ::: = 0

a singularidade isolada é chama de um pólo de ordem m. Um pólo de ordem m = 1 é chamado um pólo

simples.

Exemplo: como vimos antes

f (z) =ez

z2=

1Xn=0

zn�2

n!=1

z2+1

z+1

2!+z

3!+z2

4!+ ::: ;

jzj > 0

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esta função tem um pólo de ordem 2 em z = 0.

Se z0 é um pólo temos

limz!z0

f (z) =1 :

2. O segundo tipo de singularidade ocorre quanto todos os termos da parte principal da série são zero.

Este tipo de singularidade é chamado de removível.

Exemplo: a função

f (z) =sin z

z;

possui uma singularidade isolada em z = 0. O desenvolvimento em série desta função fornece

sin z =1Xn=0

(�1)n z2n+1

(2n+ 1)!=) 1

zsin z =

1Xn=0

(�1)n z2n

(2n+ 1)!

= 1� z2

3!+z4

5!+ :::

Esta série descreve a nossa função para z 6= 0. Observe agora que se de�nirmos

f (0) = 1

a série passa a descrever a nossa função em todos os pontos do espaço. Como esta série converge em

todo espaço, ela descreve uma função analítica em todo espaço. Assim, a função

f (z) =

(sin zz ; jzj > 01 ; z = 0

é inteira. Por ser inteira, sabemos que esta função é contínua e os limites não dependem do caminho,

assim podemos a�rmar que

limz�!0

sin z

z= lim

z!0f (z) = f (0) = 1 :

Observe que de�nindo f (0) � 1 nós removemos a singularidade da função. Este processo semprepode ser realizado para este tipo de singularidade, por isso este tipo de singularidade é chamado de

removível.

3. Quando existem in�nitos termos na parte principal da série, a singularidade é chamada de essencial.

Exemplo: Como vimos

exp

�1

z

�=

1Xn=0

1

n!

1

zn; 0 < jzj <1

A identi�cação do tipo de singularidade da função permite simpli�car a determinação de seus resíduos e,

conseqüentemente, o cálculo de suas integrais em contornos fechados, além de informar sobre o comportamento

79

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da função próximo a singularidade:

1. Se a singularidade da função é removível, o resíduo desta singularidade é, obviamente, nulo. Se z0 é

um pólo removível temos

limz!z0

f (z) = c ; c 2 C

2. Se a função f (z) possui um pólo de ordem m, a seguinte função possui um pólo removível em z0

g (z) = (z � z0)m f (z) (45)

A remoção deste pólo torna � uma função analítica em toda a região em torno de z0 e inclusive em z0.

Assim, esta função g possui uma série de Taylor cujo coe�ciente que multiplica o termo (z � z0)�1 vale

b1 =g(m�1) (z0)

(m� 1)!

usando o procedimento da seção anterior temos o resultado (41)

Resz=z0

f (z) = Resz=z0

g (z)

(z � z0)m=

(g (z0) ; m = 1g(m�1)(z0)(m�1)! ; m � 2

:

Com g (z) dado em (45).

Se z0 é um pólo temos

limz!z0

f (z) =1 :

3. Se a singularidade é essencial, praticamente todas as técnicas desenvolvidas não se aplicam e o cálculo

dos resíduos deve ser feito diretamente pelo desenvolvimento da série de Laurent da função. Se z0 é

uma singularidade essencial, então, em cada vizinhança de z0 a função assume todos os valores �nitos,

com a possível exceção de um valor, este é o teorema de Picard.

80

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7 Cálculo de integrais reais

No cálculo uma integral é chamada de imprópria se um dos limites de integração for in�nito, ou se afunção não estiver de�nida em algum ponto dentro do intervalo de integração. Neste último caso,o valor calculado pode depender da de�nição da integral (e.g., integral de Riemann, integral de Lebesgue) e

é um problema da teoria da medida. Em especial o valor da integral pode estar de�nido apenas para certas

de�nições. Aqui estamos interessados apenas no caso em que um dos limites de integração é in�nito.

Nosso objetivo é calcular uma integral da formaZ 1

0

f (x) dx :

No cálculo diferencial para funções reais a integral imprópria de uma função f (x), contínua para x � 0pode ser de�nida como Z 1

0

f (x) dx = limR!1

Z R

0

f (x) dx ; (46)

esta integral está de�nida quando o limite acima existe. De forma análoga, se f (x) é contínua em todo o

plano Z 1

�1f (x) dx = lim

R1!1

Z 0

�R1

f (x) dx+ limR2!1

Z R2

0

f (x) dx : (47)

Entretanto, mesmo para funções contínuas, o limite acima pode não existir.

Exemplo: Z 1

�1x dx = lim

R1!1

Z 0

�R1

x dx+ limR2!1

Z R2

0

x dx

= limR1!1

�x2

2

�0�R1

+ limR2!1

�x2

2

�R2

0

= � limR1!1

R212+ limR2!1

R222

;

mas nenhum dos dois limites acima está de�nido.�Outra de�nição possível é dada pelo chamado valor principal (P.V.) de Cauchy

P.V.Z 1

�1f (x) dx = lim

R!1

Z R

�Rf (x) dx : (48)

Por esta de�nição, um conjunto maior de funções passa a ser integrável.

Exemplo:

P.V.Z 1

�1x dx = lim

R!1

�x2

2

�R�R

= 0 :

81

Page 82: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

É importante lembrar que se a integral (47) converge, então o valor principal existe. Entretanto, se o

valor principal de uma integral existe, isso não garante que a integral (47) esteja de�nida.O valor principal também pode ser usado para calcular integrais que não estejam de�nidas em certos

pontos do intervalo. Por exemplo, se o integrando f (x) não está de�nido num ponto b 2 [a; c], podemoscalcular o P.V. neste intervalo fazendo:

P.V.Z c

a

f (x) dx = lim"!0

"Z b�"

a

f (x) dx+

Z c

b+"

f (x) dx

#:

Quando a função f (x) é par, i.e., f (�x) = f (x) entãoZ 1

0

f (x) dx =1

2

Z 1

�1f (x) dx ;

além disso, Z R

0

f (x) dx =

Z 0

�Rf (x) dx :

Assim, neste caso, a existência do valor principal implica na existência da integral imprópria (47).O método que vamos desenvolver está intimamente relacionado com o cálculo do valor principal de Cauchy.

Assim, para garantirmos que estes resultados se aplicam a integrais impróprias, vamos nos restringir afunções pares.Estamos interessados no cálculo de integrais impróprias de funções da forma

f (x) =p (x)

q (x); f (�x) = f (x) ;

com p e q polinômios sem fatores em comum e com q (x) 6= 0 em todo o eixo.

Exemplo: Calcule a integral Z 1

0

1

x2 + 1dx =

1

2

Z 1

�1

1

x2 + 1dx :

A função complexa

f (z) =1

z2 + 1

é igual a f (x) para Im z = 0. Vamos então calcular a integralZC

f (z) dz

82

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Figure 5: Figura tirada do livro do Churchill

onde C é o caminho da �gura.Com isso, é fácil ver queZC

f (z) dz =

ZCR

f (z) dz +

Z R

�R

1

x2 + 1dx :

Para estimar a contribuição da integral em CR precisamos do seguinte resultado: Se C é uma curva em C ef : C! C contínua, então ����Z

C

f (z) dz

���� �ML

onde L é o comprimento da curva e M o valor máximo do jf j. Para ver isso, basta observar que����ZC

f (z) dz

���� = ����Z 1

0

f (z) _z dt

���� � Z 1

0

jf (z)j : j _zj dt

e que, do cálculo de funções reais Z 1

0

jf (z)j : j _zj dt �MZ 1

0

j _zj dt =ML ;

M = max jf j :

Da �gura vemos que, para z em CR (i.e., jzj = R), com R > 1 temos

��z2 + 1�� � ��z2��� 1 = R2 � 1 :

83

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Com isso ����ZCR

1

z2 + 1dz

���� � (�R) 1

R2 � 1

Usando agora

limR!1

�R

R2 � 1 = 0 ;

temos

limR!1

����ZCR

1

z2 + 1dz

���� = 0e, conseqüentemente, Z 1

�1

1

x2 + 1dx =

ZC

f (z) dz

Assim, basta calcular a integral de f (z) no caminho C que se resume ao cálculo dos resíduos em z = i.

Observe que o resíduo z = �i não está no interior do caminho de integração. Observe também que o que

estamos calculando é o valor principal da integral.�Pelo procedimento acima, observe que����Z

CR

zn

zm + z0dz

���� � �RRn

Rm � z0= �

Rn+1

Rm � z0

limR!1

�Rn+1

Rm � z0= lim

R!1Rn+1�m

84

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Assim, a integral sobre o caminho CR desaparece sempre que n+1 < m, i.e., o grau de q deve exceder o grau

de p em pelo menos duas unidades.

Exemplo: Calcule a integral Z 1

0

x2

(x2 + 9) (x2 + 4)2 dx

1. Veri�que que o integrando é simétrico: então podemos usar o valor principal.

2. Depois veri�que se o (maior) grau do denominador é, pelo menos, uma vezes maior que a do numerador

n = 2 ; m = 4 =) n+ 1 = 3 < 4 = m

Isso garante que a integral sobre o circuito CR não contribua.

Estando satisfeitas estas duas condições partimos para a função complexa

f (z) =z2

(z2 + 9) (z2 + 4)2

Esta função possui quatro pólos: z = �3i e z = �2i. Usando o caminho que vai pela parte superior do planoz, apenas os pólos z = 3i e z = 2i estão dentro do nosso caminho de integração.

A integral pela parte inferior do plano seria diferente?

Para calcular o resíduo em z = 3i fazemos

f (z) =z2

(z + 3i) (z2 � 3i) (z2 + 4)2=

1

(z � 3i)z2

(z + 3i) (z2 + 4)2

Usando o resultado (41)

Resz=3i = g (3i) ; g (z) =z2

(z + 3i) (z2 + 4)2

g (3i) = i3

50

Para o cálculo do resíduo em z = 2i,

f (z) =z2

(z2 + 9) [(z + 2i) (z � 2i)]2=

1

(z � 2i)2z2

(z2 + 9) (z + 2i)2

85

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e usamos novamente o resultado (41) (com m = 2)

Resz=z0

g (z)

(z � z0)2= g0 (z0) :

g (z) =z2

(z2 + 9) (z + 2i)2 =)

g0 (z) =2z

(z2 + 9) (z + 2i)2

�1� z

�z

(z2 + 9)+

1

(z + 2i)

��g0 (2i) = � i

20

�1 + 2

�2

5� 14

��= � i

20

�1 +

3

10

�= �i 13

200

Assim, o resultado da nossa integral valeZ 1

0

x2

(x2 + 9) (x2 + 4)2 dx = 2�i

�i3

50� i 13200

�=

100:

7.0.1 Numeradores com funções trigonométricas

Tanto no desenvolvimento de problemas envolvendo séries de Fourie, quanto em problemas envolvendo ondas

(eletromagnetismo, MQ etc.) encontramos integrais da forma:Z 1

�1f (x) sin (ax) dx ;

Z 1

�1f (x) cos (ax) dx :

Vamos, por exemplo, calcular a integral Z 1

�1

cos 3x

(x2 + 1)2 dx (49)

No lugar das integrais acima, vamos calcular a integralZ 1

�1f (x) cos (ax) dx+ i

Z 1

�1f (x) sin (ax) dx =

Z 1

�1f (x) exp (iax) dx :

Seguindo os passos anteriores, e lembrando que este integrando é par, vamos então calcularZC

exp (i3z)

(z2 + 1)2 dz =

Z R

�R

exp (i3x)

(x2 + 1)2 dx+

ZCR

exp (i3z)

(z2 + 1)2 dz

o ponto aqui é observar que

jexp (iaz)j = jexp (iax) exp (�ay)j = jexp (�ay)j

86

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Além disso, para a > 0,

R!1 =) y !1 =) limR�!1

jexp (�ay)j = 0 ; a > 0 :

Ou seja ZCR

exp (i3z)

(z2 + 1)2 dz

vai a zero mais rápido que ZCR

1

(z2 + 1)2 dz

enquanto esta última vai a zero pelas razões mostradas anteriormente. AssimZ R

�R

exp (i3x)

(x2 + 1)2 dx =

ZC

exp (i3z)

(z2 + 1)2 dz ; a > 0 :

A integral da direita pode ser facilmente calculada pelos métodos anteriores. Possui os pólos z = �i e apenaso pólo z = i está dentro do caminho de integração

Resz=iexp (i3z)

(z2 + 1)2 = Resz=i

1

(z � i)2exp (i3z)

(z + i)2 =

d

dz

exp (i3z)

(z + i)2

!z=i

= �i exp (�3)ZC

exp (i3z)

(z2 + 1)2 dz = 2�i (�i exp (�3)) = 2�

e3:

Para obter a integral desejada basta tomar a parte real deste valor (que é ele mesmo, mas, no caso geral,

teremos uma parte imaginária relacionada ao seno e outra real relacionada ao cosseno)Z 1

�1

cos 3x

(x2 + 1)2 dx =

2�

e3:

Para usar este método, assim como no caso anterior, devemos ter:

� A função f na forma p=q com p e q polinômios sem fatores comuns e o grau de q pelo menos duas vezes

maior do que o grau de p e a > 0.

� Para que o valor principal concorde com a de�nição de integral imprópria devemos trabalhar, novamente,apenas com funções pares.

87

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7.0.2 Funções trigonométricas

Integrais inde�nidas de funções trigonométricas também podem ser facilmente calculadas pelo método dos

resíduos. Considere uma integral do tipo Z 2�

0

F (sin �; cos �) d� (50)

onde F é um quociente de polinômios de senos e cossenos. Utilizando a representação polar dos números

complexo, podemos considerar � como o argumento de z e usar a parametrização z = exp (i�), com isso,

podemos escrever

sin � =z � z�12i

; cos � =z + z�1

2F (sin �; cos �) �! F (z)

e escrever (50) como

dz = _z d� = iei� d� =) d� =1

iei�dz =

1

izdzZ 2�

0

F (sin �; cos �) d� =

ZC

F (z)1

izdz ; C = jzj = 1

Exemplo: Vamos calcular a integral Z 2�

0

154 + sin �

d�

fazendo5

4+ sin � =

5

4+z � z�12i

=1

4iz

�5iz + 2z2 � 2

�Nossa integral se tornaZ 2�

0

154 + sin �

d� =

ZC

4iz

(5iz + 2z2 � 2)1

izdz =

ZC

4

(5iz + 2z2 � 2) dz

=

ZC

2

(z + 2i)�z + i

2

� dzobservando que apenas a singularidade z = �i=2 está dentro do caminho de integração temos

Resz=�i=21�

z + i2

� 2

(z + 2i)=4

3i;Z 2�

0

154 + sin �

d� = 2�i4

3i=8

3� :

88

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8 Funções ortogonais

Um exemplo bem conhecido de funções ortogonais é a série de Fourie, que aparece na solução de vários

problemas de eletromagnetismo, mecânica etc. A grade utilidade desta série é que qualquer função (bem

comportada) pode ser escrita como uma somatória de termos na forma

f (x) =1Xn=0

(an sin (n�x) + bn cos (n�x)) ; x 2 [�1; 1] :

Ou seja, não importa a forma da função (dentro do intervalo de interesse), esta função pode ser escrita

como uma somatória das funções seno e cosseno. Esta característica permite resolver uma in�nidade de

equações diferenciais. E a solução destas equações possui, obviamente, aplicações não apenas teóricas, como

também práticas (e.g., em engenharia). Além disso, este processo de decomposição de uma função arbitrária

em funções trigonométricas está presente na maioria dos equipamento de telecomunicação e computadores.

Imagine, por exemplo, que você possui uma curva bem complicada e precisa guardar (ou transmitir) esta

curva. A forma direta de você fazer isso é arquivando o valor de f(x) para cada ponto x dentro do intervalo de

interesse. Claro que para qualquer intervalo o espaço físico para este armazenamento seria in�nito, mas, dada

uma certa precisão necessária, você pode fazer isso apenas para pontos que distem de uma certa quantidade

�x. Quanto menor �x, melhor você consegue reproduzir a curva f(x) no futuro. Mas imagine agora que

você tem um dispositivo (um processador) capaz de calcular (não armazenar) funções trigonométricas. Neste

caso, você poderia calcular os coe�cientes an e bn da série de Fourie acima e armazenar estes coe�cientes.

Quando necessário reconstruir a curva o dispositivo pegaria estes coe�ciente, calcularia o valor dos senos e

cossenos e, com isso, poderia redesenhar a curva com a precisão que se desejasse. Obviamente a aplicação

deste método com precisão in�nita necessitaria do registro de in�nitos coe�cientes. Mas esta precisão não é

necessária. Quanto mais coe�cientes guardarmos, com mais precisão podemos reconstruir a curva. O ponto

aqui é que, para a maioria das curvas de interesse, o registro de uma centena destes coe�cientes já dá uma

precisão que, se fosse feita com o registro de pontos com �x, necessitaria do registro de centenas de milhares

de pontos. Este é o processo usado, entre milhares de outras coisas, pela placa de som do seu computador

para gravar um sinal sonoro.

O que as funções seno e cosseno têm de especial para terem esta característica? Existem outras funções,

além de senos e cossenos, que podem reconstruir qualquer curva?

Estas são algumas das perguntas que vamos tentar responder nesta parte do curso.

8.1 Vetores e equações lineares

Um conjunto ordenado de n números reais x1; x2; ::xn pode ser chamado de um vetor de dimensão n, ou

um vetor num espaço n dimensional, denotamos este espaço por Rn (i.e., a coleção de n números reais).Usualmente esta quantidade é simbolizada como jxi. Cada um dos elementos xi (i = 1; 2; ::; n) é chamado de

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componente i do vetor. Se todas as componentes são nulas, o vetor é chamado de vetor nulo e usualmente

simbolizado por 0 (mas lembre-se que este símbolo é, na verdade, a coleção de n zeros). Para n = 2, ou n = 3

o vetor pode ser interpretado geometricamente como as coordenadas cartesianas de uma seta que inicia na

origem e termina neste ponto.

Para n > 3 a visualização geométrica não é possível, mas as expressões algébricas e a terminologia

continuam as mesmas.

Para números reais arbitrário a; b 2 R a quantidade a jxi+ b jyi = jzi fornece um novo vetor (também de

dimensão n) cujas componentes são dadas por

zi � axi + byi :

A quantidade

hxj yi = x1y1 + x2y2 + :::+ xnyn =nXi=0

xiyi ; (51)

é chamada de produto interno dos vetores jxi e jyi. Esta quantidade também é chamada de projeção de jxiem jyi, ou a componente de jxi na direção jyi (ou vice-versa).Fácil ver que o produto interno de�nido acima é

1. Simétrico: hxj yi = hyj xi

2. Linear: jzi = a jyi+ b jwi : hxj zi = a hxj yi+ b hxj wi

Observe que podemos obter a expressão da linearidade acima se simbolicamente escrevermos

hxj zi = (hxj) (a jyi+ b jwi) = hxj a jyi+ hxj b jwi = a hxj jyi+ b hxj jwi � a hxj yi+ b hxj wi

Ou seja, a linearidade permite interpretar a quantidade hxj a esquerda do símbolo de produto como sendotambém um vetor, chamado de vetor dual do vetor jxi. Esta notação simbólica é chamada notação de Dirac.Dizemos que dois vetores jxi e jyi são ortogonais quando

hxj yi = 0 :

Para n = 2 e 3 esta terminologia possui um signi�cado imediato. Pois, neste caso, quaisquer dois vetores que

respeitam a igualdade acima fazem entre si um ângulo de 90o. Por exemplo, para n = 2, os vetores

jxi = (1; 1) ; jyi = (1;�1)

temos

hxj yi = 1� 1 = 0 :

91

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E é fácil ver que estes vetores no plano tem entre si um ângulo de 90o. Mais uma vez, para n > 3, a

interpretação geométrica não pode ser mais usada, mas a nomenclatura continua a mesma.

O produto interno de um vetor com ele mesmo

hxj xi � jxj2

é chamado de norma do vetor. A raiz positiva da normaphxj xi � jxj � 0

é chamado de comprimento do vetor (alguns autores chamam esta raiz de norma). Mais uma vez, para n = 2

ou 3, esta quantidade representa o comprimento (ou a distância) da origem até as coordenadas do ponto.

Observe que

hxj xi = 0 =) jxi = 0 ; xi = 0 ; i = 1; 2; :::n :

Um vetor para o qual

hxj xi = 1 ;

é chamado de vetor unitário, ou vetor normalizado.

As de�nições acima também podem ser escritas identi�cando os vetores jxi com matrizes de n linhas

jxi =

0BBBB@x1

x2...

xn

1CCCCANeste caso, o produto vetorial pode ser realizado identi�cando o dual do vetor como a matriz de n colunas

(ou a transposta) correspondente

hxj =�x1 x2 � � � xn

�e identi�cando a operação de produto interno com a multiplicação usual de matrizes

hyj xi = hxj jyi =�y1 y2 � � � yn

�0BBBB@

x1

x2...

xn

1CCCCA =nXi=0

xiyi :

92

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Um conjunto de m vetores jx1i ; jx2i ; ::: jxmi são ditos linearmente dependentes, se

9ai (i = 1; ::;m) 2 R ;mXi=1

a2i 6= 0 :mXi=1

ai jxii = 0

caso contrário, eles são linearmente independentes.

Num espaço de dimensão n qualquer conjunto de n vetores jwii (distintos e não nulos) e linearmenteindependentes formam uma base do espaço. Ou seja, qualquer vetor jxi pode ser escrito como:

9ai (i = 1; ::; n) 2 R ;mXi=1

a2i 6= 0 : jxi =mXi=1

ai jwii :

Ou, de outra forma, num espaço de dimensão n dado o conjunto de n vetor fjwiig (não nulos) LI, qualqueroutro vetor é LD a este conjunto. Ou ainda, num espaço de dimensão n qualquer conjunto de n+ 1 vetores

é LD. As quantidades ai da expressão acima são chados de componente do vetor jxi na base fjwiig.Se o conjunto de n vetores LI jwii são também ortogonais entre si

hwij wji = 0 para i 6= j

dizemos que esta base é ortogonal.

Um conjunto de m vetores jeii que respeitam

heij eji = �ij ; (52)

i.e., são ortogonais entre si e normalizados, são chamados de ortonormais. Se m = n (onde n é a dimensão

do espaço) estes vetores formam uma base, chamada de base ortonormal.

Observe que, se fjwiig é uma base ortogonal do nosso espaço, podemos facilmente construir com eles umabase ortonormal fjeiig fazendo

jeii =1

jwijjwii =

1phwij wji

jwii

Este procedimento se chama a normalização dos vetores jwii.Dada uma base ortonormal fjeiig podemos facilmente usar o produto interno para encontrar as com-

ponentes de um vetor qualquer nesta base. Basta para isso tomar o produto interno do vetor expandido com

os elementos da base

jxi = a1 je1i+ a2 je2i+ ::: =) he1j jxi = a1 he1j e1i+ a2 he1j e2i+ ::

Usando agora (52) temos

he1j xi = a1 he1j e1i = a1

93

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ou, de forma geral

ai = he1j xi ;

Assim, numa base ortonormal as componentes do vetor nesta base é o produto interno do vetor com cada

elemento da base.

Além disso, para uma base ortonormal, temos

hxj yi =

"nXi=1

ai heij#24 nX

j=1

bj jeji

35 = nXi=1

nXj=1

aiaj heij eji

=nXi=1

nXj=1

aibj�ij =nXi=1

aibi :

Que é uma expressão idêntica a de�nição anterior do produto interno (51). Assim, o produto interno entre

dois vetores pode ser calculado pelas componentes originais deste vetor ou pela suas componentes em qualquer

base ortonormal.

Em especial, para o produto interno de um vetor com ele mesmo, i.e., a norma deste vetor, temos

jxj2 = hxj xi ="

nXi=1

ai heij#24 nX

j=1

aj jeji

35 = nXi=1

nXj=1

aiaj heij eji

=

nXi=1

nXj=1

aiaj�ij =

nXi=1

a2i :

94

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Exemplo: Voltando para o nosso exemplo em 2 dimensões tomemos o vetor com componentes x1 =

1; x2 = 2. Que na representação matricial assume a forma

jxi = 1

2

!

a norma deste vetor vale

jxj2 = (x1)2 + (x2)2 = 12 + 22 = 5

Uma base para este espaço é qualquer conjunto de dois vetores LI. Por exemplo, temos a base

jf1i = 1

1

!; jf2i =

2

3

!

Fácil ver que

a jf1i+ b jf2i = 0 = a

1

1

!+ b

2

3

!) a+ 2b = 0) a = �2b

2 + 3b = 0) a = �3b

que só pode ser satisfeita para a = b = 0. Logo jf1i e jf2i são LI e, consequentemente, formam uma base do

espaço. As componentes de jxi na base fjfiig valem

jxi = c1 jf1i+ c2 jf2i = c1

1

1

!+ c2

2

3

!=

c1 + 2c2

c1 + 3c2

!=

1

2

!c1 + 2c2 = 1) c1 = 1� 2c2 ;

c1 + 3c2 = 2) 1� 2c2 = 2� 3c2 ) c2 = 1) c1 = �1 :

Assim, as componentes de jxi na base fjfiig valem: c1 = 1, c2 = �1. Fácil ver que

(c1)2+ (c2)

2= 1 + 1 = 2 6= 5 = (x1)2 + (x2)2

Tomemos agora outros dois vetores

jw1i = jf1i ; jw2i =

1

�1

!:

Facil ver que estes vetores também são LI. Mas, além disso

hw1j w2i =�1 1

� 1

�1

!= 1� 1 = 0 :

95

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Assim, fjwiig é uma base ortogonal. As componentes c0i de jxi nesta base valem

c01

1

1

!+ c02

1

�1

!=

1

2

!c01 + c

02 = 1) c01 = 1� c02

c01 � c02 = 2) c02 = �1

2

c01 = 1 +1

2=3

2

Mais uma ver

(c01)2+ (c02)

2=9

5+1

4=41

206= 5

Mas, como a nossa nova base fjwiig é ortogonal, podemos aplicar o processo de normalização e de�nir umanova base fjeiig com

je1i =jw1ijw1j

=1p2

1

1

!

je2i =jw2ijw2j

=1p2

1

�1

!

As componentes c00i de jxi na base fjeiig valem

c001 je1i+ c002 je2i =1p2

c001 + c

002

c001 � c002

!=

1

2

!c001 + c

002 =

p2) c001 =

p2� c002

c001 � c002 = 2p2) c002 = �

p2

2

c001 =p2 +

p2

2=3

2

p2

onde, nas componentes de jxi na base ortonormal fjeiig temos

(c001)2+ (c002)

2=1

2+9

2= 5 = (x1)

2+ (x2)

2= jxj2

�Um conjunto de m vetores fjeiig ortonormais, com m = n, é também chamado de um conjunto ortogonal

completo. Para m < n os vetores fjeiig são chamados de um conjunto ortogonal incompleto.

Assim, encontrar uma base para um espaço vetorial é equivalente a encontrar um conjunto completo de

vetores ortogonais (e normalizá-los).

96

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8.2 Operadores, autovetores e autofunções no Rn

Em Rn dado um conjunto de n2 números reais Mij (i; j = 1; 2; :::n) podemos de�nir o seguinte mapa entre

as componentes de dois vetores jxi e jyi deste espaço

yi =nXk=1

Mikxk

ou, simbolicamente

jyi = M jxi

onde o chapéu indica que M não é um número, mas sim o que chamamos de operador. Ou seja, dado

um espaço vetorial, um operador é um mapa entre vetores deste espaço. Na notação matricial introduzida

anteriormente, os operadores podem ser identi�cados como matrizes n� n.Como exemplo, vamos estudar as operações de rotações num plano. Ou seja, vamos trabalhar num espaço

com n = 2. Suponha que um vetor neste espaço tenha coordenadas ((x1; x2)). Se aplicarmos uma rotação

de um ângulo � no sentido anti-horário, neste vetor quais as componentes (x01; x02) do novo vetor obtido?

Fazendo desenhos no plano é fácil ver que x01

x02

!=

cos � � sin �sin � cos �

! x1

x2

!

Ou seja, o conjunto de quatro números Rij , ou a matriz

R (�) =

cos � � sin �sin � cos �

!

é um operador de rotação no nosso espaço bidimensional. Um caso particular é o operador de rotação de um

ângulo de 1800

R (�) =

�1 0

0 �1

!:

Um outro exemplo é o operador que troca a troca a coordenada x1 por �x1 (i.e., coloca um espelho no plano

normal a x2), chamado de operador de paridade em x1

P1 =

�1 0

0 1

!

Observe que isso não é nenhuma rotação.Matematicamente um operador pode ser pensado visto como um tensor de segunda ordem. Este tensor

pode ser obtido pelo que chamamos de produto tensorial, ou produto externo entre os vetores do nosso espaço.

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O produto externo entre dois vetores jxi e jyi pode ser de�nido como

M = jxi � jyi

onde

Mij = xiyj

Ou seja, neste caso, M é a matriz

M =

0BBBB@x1y1 x1y2 � � � x1yn

x2y1 x2y2 � � � x2yn...

.... . .

...

xny1 xny2 � � � xnyn

1CCCCAComo vimos anteriormente, a aplicação deste operador num vetor jzi é a multiplicação matricial

M jzi = (jxi � jyi) jzi =

0BBBB@x1y1 x1y2 � � � x1yn

x2y1 x2y2 � � � x2yn...

.... . .

...

xny1 xny2 � � � xnyn

1CCCCA0BBBB@

z1

z2...

zn

1CCCCA =

0BBBB@Pn

i=1 zix1yiPni=1 zix2yi...Pn

i=1 zixnyi

1CCCCA

=

0BBBB@x1Pn

i=1 ziyi

x2Pn

i=1 ziyi...Pn

i=1 zixiyi

1CCCCA =

0BBBB@x1 hyj zix2 hyj zi

...

xn hyj zi

1CCCCA =

0BBBB@x1

x2...Pni=1

1CCCCA hzj yi= jxi hzj yi (53)

A notação de Dirac possui uma forma muito conveniente de expressar o produto externo

jxi � jyi � jxi hyj

pois, com isso, a aplicação deste produto externo num vetor jzi pode ser simbolicamente calculado como

(jxi � jyi) jzi � (jxi hyj) jzi = jxi hyj jzi � jxi hyj zi

Que é exatamente a expressão (??).Uma relação entre operadores e vetores que é de especial interesse é quando a aplicação de um operador

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sobre um vetor resulta num vetor na mesma direção (i.e., proporcional) ao vetor original. Isso é, quando:

M jxi = a jxi ; a 2 R ; jxi 6= 0:

Neste caso, dizemos que jxi é um autovetor do operador M e que a é o autovalor do autovetor jxi.Por exemplo, se aplicarmos o operador P no vetor

jp1i = 0

1

!

teremos

P jp1i = �1 0

0 1

! 0

1

!=

0

1

!= jp1i ;

Ou seja, o vetor jp1i é um autovetor de P com autovalor 1. Já o vetor

jp2i = 1

0

!) �1 0

0 1

! 1

0

!=

�10

!= �

1

0

!= � jp2i :

Assim, jp2i é outro autovetor de P , mas com auto valor �1: Já o vetor

jp3i = 1

1

!) �1 0

0 1

! 1

1

!=

�11

!6= a jp3i

então, jp3i não é auto vetor de P . Da mesma forma, qualquer vetor é autovetor de R (�) com autovalor �1,pois

R (�) jxi = �1 0

0 �1

! x1

x2

!= �

x1

x2

!= � jxi

Além disso, o operador R (�=2) não possui nenhum autovetor.

Observe que, se jxi é autovetor de M com autovalor m,

M jxi = m jxi ;

o vetor

jx0i = a jxi ; a 2 C

também será autovetor com o mesmo autovalor

M jx0i = Ma jxi = aM jxi = am jxi = m (a jxi) = m jx0i :

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Com isso, dizemos que jxi e jx0i são os mesmos autovetores. A constante que multiplica o autovetor usual-mente é �xada no processo de normalização, porém, ainda assim, podemos multiplicar nosso vetor por uma

fase

exp (i�) ; � 2 R

e, sem destruir a normalização, continuar tendo o mesmo vetor. Ou seja, vetores que di�ram por umafaze são considerados iguais.

8.3 Mudança de base

Como vimos anteriormente, a forma explicita das componentes do vetor dependem de qual base escolhemos.

Se numa certa base fjeiig um vetor jvi tem componentes

jvi =Xi

vi jeii

numa outra base fjeiig este mesmo vetor terá outras componentes

jvi =Xi

v0i je0ii

Se você escolher uma certa base ortonormal fjeiig, como comparar suas quantidades com os de algém queecolheu outra base fje0iig? Ou seja, como vi se relaciona com v0i?

Para saber isso basta lembrar que todos estes vetores fomam uma base do espaço. Assim, podemos

escrever

jeii =Xj

aij��e0j�

onde, sendo nossa base ortonormal, os coe�cientes desta expanção tem a forma

aij = heij e0j�=) jeii =

Xj

heij e0j�je0ii (54)

Assim, para um vetor qualquer jvi podemos escrever

jvi =Xi

vi jeii =Xi

Xj

vi heij e0j�je0ii =

Xj

Xi

vi je0ii heij e0j�

Ou seja, se vi são as componentes de jvi na base fjeiig as componentes v0i deste mesmo vetor na base fje0iigsão

v0j =2Xi=1

vi heij e0j�

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As quantidades heij e0j�também podem ser organizadas numa matriz com linha i e coluna j. Esta matriz

é chamada de matriz de mudança da base fjeiig para a base fje0iig.Vemos assim como é conveniente identi�carmos nossos vetores com matrizes. De forma geral, todas as

quantidades com um único índice podem ser vistos como uma matriz coluna de 2 elementos e qualquer

quantidade com dois índices como uma matriz 2� 2.

8.4 Espaço de Hilbert

Nosso objetivo aqui é obter uma generalização dos resultados da seção anterior. O primeiro ponto é lembrar

que nossos vetores, e os números que multiplicam estes vetores, são todos reais. Assim, a primeira general-

ização que podemos é que um vetor num espaço de dimensão n é qualquer seqüência de números complexos

�1; �2; :::; �n (�i 2 C) e que nossos vetores podem se multiplicados também por números complexo

� j�i+ � j i = j�i ; �; � 2 C

com

�i = ��i + � i :

Até aqui nada mudou. O ponto agora é que devemos lembrar que se � é um número complexo, podemos

ter

�2 < 0

(e.g., para � = i). Isso implica que a somatória do quadrado de números complexo não é uma quantidade

positiva de�nida e, consequentemente, a norma de�nida anteriormente pode nos dar valores negativos. Não

queremos ter vetores de norma negativa (isso é, na verdade, contra a de�nição do que é uma norma).

Podemos resolver este problema lembrando que

�:�� � 0; 8� 2 C

onde, além disso

�:�� = 0) � = 0 :

Assim, podemos recuperar a característica de positividade da nossa norma se, no lugar de (51) de�nirmos o

produto interno como

h�j i = ��1 1 + ��2 2 + :::+ ��n n =nX

i=0i

��i i ; (55)

com isso temos, novamente,

j�j2 = h�j �i =nXi=0

��i �i � 0

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com

j�j2 = 0 =) j�i = 0 :

A única diferença neste produto interno é que, no lugar da simetria, temos agora uma simetria conjugada

h�j i =nX

i=0i

��i i =nXi=0

(�i� i) =

nXi=0

�i �i

!= h j �i :

Já para o produto externo entre os vetores j�i e j i, temos agora duas opções. Podemos de�nir o operador

M = j�i h j

com componentes

Mij = ��i j

Ou podemos formar também o transposto conjugado do operador

M+ = j i h�j =�MT

�com

M+ij = � i�j =

���j i

�= (Mji)

ou seja

M+ =�MT

�:

Da mesma forma, no que se refere a representação matricial, continuamos representando nossos vetores

por matrizes coluna

j�i =

0BBBB@�1

�2...

�n

1CCCCAmas, para ser compatível com o produto interno (55), devemos de�nir o dual de j�i, não apenas como otransposto, mas como o transposto conjugado

h�j =���1 ��2 � � � ��n

�A segunda generalização que vamos fazer é permitir que a dimensão do espaço assuma qualquer valor,

incluindo o in�nito. Ou seja, vamos admitir espaços com n = 1. Esta é, na verdade, a motivação destedesenvolvimento.

Neste caso, obviamente não podemos mais representar nossos vetores por matrizes. Mas podemos con-

102

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tinuar usando todas as expressões anteriores (fazendo n =1). A grande diferença é que antes, bastava quecada elemento do nosso vetor estivesse bem de�nido (não fosse in�nito) e, certamente, todas as expressões

de�nidas também estariam bem de�nidas.

Agora, para n =1, pode acontecer de cada elemento do nosso vetor estar bem de�nido, e mesmo assim

não conseguirmos calcular quantidades como, por exemplo, o produto interno. Ou seja, agora precisamos

exigir que as somatórias de�nidas anteriormente convirjam.

Por exemplo, podemos de�nir as componentes do nosso �vetor�como

xk =1

k1=2; k 2 N�

Cada componente está bem de�nida. Em especial, para n!1

x1 =1

(1)1=2= 0

Entretanto, se desejarmos calcular a norma deste �vetor�teremos5

jxj2 =1Xk=1

1

k1=21

k1=2=

1Xk=1

1

k�!1 :

E não podemos utilizar para estas componentes a noção de norma que é indispensável em todas as nossas

análises. Destarte, se quisermos de�nir um espaço vetorial tratável, devemos exigir que os vetores do nosso

espaço respeitem a restrição1Xk=1

j�kj <1 :

Ou seja, para nós agora, vetores são toras as seqüência, �nitas e in�nitas, sobre o corpo dos complexos, tal

que a soma do módulo quadrado convirja.

Um espaço vetorial de dimensão arbitrária (incluindo in�nito) sobre o corpo dos complexos onde (para

todo elemento) está de�nido um produto interno, juntamente com uma condição técnica de completeza6

forma um espaço de Hilbert.

Todo o nosso trabalho futuro sobre funções ortogonais, bem como todo o desenvolvimento da MQ, é o

estudo do espaço de Hilbert.

Todos os conceitos desenvolvidos anteriormente, incluindo a noção de ortogonalidade e base, são válidos

no EH. A diferença é que agora a nossa base pode conter in�nitos termos.

5Lembre que1Xn=1

1

ns

diverge para s � 1.6Convergência de todas as seqüências de Cauchy j n � lj ! 0.

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Mas será que, como os casos anteriores, este espaço possui uma base?

Para um espaço de dimensão N (�nito) qualquer, podemos sempre construir uma base fjeiig na forma

je1i =

0BBBB@1

0

0...

1CCCCA ; je2i =

0BBBB@0

1

0...

1CCCCA ; � � � ; jeN i =

0BBBB@...

0

0

1

1CCCCA (56)

Sendo cada jeii uma matriz N � 1. Esta é a chamada base canônica. Obviamente, qualquer vetor jxi podeser escrito como:

jxi =

0BBBB@x1

x2...

xN

1CCCCA =NXk=1

xk jeki

Observe que, as componentes de um vetor qualquer na base canônica são as próprias componentes do

vetor.

Além disso, esta base é ortonormal

heij eji = �ij :

Podemos imaginar uma base do nosso espaço de Hilbert das seqüenciais in�nitas como uma coleção de

in�nitos termos na forma (56). Ou seja,

je1i =

0BBBB@1

0

0...

1CCCCA ; je2i =

0BBBB@0

1

0...

1CCCCA ; je3i =

0BBBB@0

1

0...

1CCCCA ; � � �

O ponto aqui é que, para qualquer um destes elementos, temos

heij eii = 1 <1 =) jeii 2 H ; i = 1; 2; 3; :::

Ou seja, todos os (in�nitos) elementos desta seqüência estão em H. Além disso, qualquer elemento de Hpode ser escrito como

j�i =1Xk=1

�k jeki ; �k 2 C :

Com isso, fjekig forma uma base do nosso espaçoH. Esta base possui in�nitos elementos e, conseqüentemente,nosso espaço tem dimensão in�nita.

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8.5 O espaço L2

A generalização da dimensão introduzida anteriormente parece a mais geral que podemos fazer. Isso seria

verdade se não existissem vários tipos de in�nito, também chamado de cardinalidade. Este é um assunto

bastante complicado da teoria dos conjuntos. Na verdade, a cardinalidade mede o �tamanho�de um conjunto.

Mas, como vimos, a dimensão de um espaço está diretamente relacionada com o tamanho (ou o número de

elementos) da base.

Para um conjunto qualquer podemos considerar duas noções: tamanho do conjunto e o número deelementos deste conjunto. Para qualquer conjunto com um número �nito de elementos estas noções

coincidem. Um conjunto com três elementos tem um tamanho, ou cardinalidade, três. Além disso, para

conjuntos �nitos, sempre que pegamos uma parte deste conjunto (um sub-conjunto) este tem um tamanho

menor que o original. A comparação entre os tamanhos dos conjuntos está ligada com a idéia de bijeção entre

os elementos destes conjuntos.

Remark 56 Se podemos criar uma bijeção entre dois conjuntos, então estes conjuntos tem o mesmo tamanho.

Assim, o conjunto de 3 frutas tem o mesmo tamanho do conjunto de 3 animais. Esta idéia também é

válida para conjuntos com in�nitos termos. Mas, neste caso, a noção de cardinalidade e número de elementos

não é mais a mesma.

Por exemplo, tomemos o conjunto dos naturais N e o conjunto dos números pares P . Certamente estesconjuntos não têm os mesmos elementos. Em especial o número 1 está no primeiro conjunto e não está no

segundo. Mais ainda, qualquer elemento do segundo conjunto está no primeiro,mas o contrárionão é verdade.Qual destes conjuntos é maior?

Poderíamos então imaginar que o conjunto dos naturais é maior que o conjunto dos números pares.

Entretanto, é possível estabelecer uma bijeção entre os naturais e os números pares. Obviamente, dado um

número natural n, podemos fácilmente associar a ele o número par

p = 2n

Mas, além disso, dado um número par p 2 P associamos a ele (de forma unívoca) o natural

n =p

2

Ou seja, a cada número inteiro temos um (único) número par associado e vice-versa. Isto mostraque os dois conjuntos têm o mesmo tamanho, ou a mesma cardinalidade.Assim, para conjuntos in�nitos, podemos pegar apenas uma parte deste conjunto e obter um conjunto

com o mesmo tamanho.

Vejamos um exemplo um pouco mais complicado. Recapitulando, um dos resultados da teoria dos conjun-

tos é que sempre que for possível estabelecer uma bijeção entre dois conjuntos estes conjuntos têm a mesma

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Figure 6: Figura da Wikipedia

cardinalidade. Peguemos, por exemplo, o conjunto dos naturais N, i.e., a seqüência0BBBB@1

2

3...

1CCCCAe a seqüência de um par ordenado de naturais, o produto N� N, i.e., as seqüências0BBB@

1; 1 1; 2 � � �

2; 1 2; 1...

... � � � . . .

1CCCAQual destes conjuntos é maior?

Aparentemente o segundo conjunto tem mais elementos que o primeiro. Entretanto, estes dois conjuntos

podem ser mapeados (um-pra-um) através do diagrama de Cantor

ou seja

0 ! (0; 0) ; 1 ! (1; 0) ; 2 ! (0; 1) ; 3 ! (2; 0) ; 4 ! (1; 1) ; 5 ! (0; 2) ; 6 ! (3; 0) :::

Desta forma, o par ordenado N � N tem a mesma cardinalidade de N, ou seja, tem o mesmo tipo de

in�nito. Como resultado disso, os números racionais Q, que podem ser escritos como a=b, com a; b 2 N e

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b > 0 tem a mesma cardinalidade dos naturais.

Mais ainda, com argumentos semelhantes é possível mostrar que qualquer seqüência �nita de númerosnaturais N�N� :::�N pode ser mapeado nos naturais N e conseqüentemente, tem a mesma cardinalidade.

Esta cardinalidade é chamada de in�nito (pois N é in�nito) contável. Também chamado de @0 (aleph-0).

Remark 57 Assim, se os elementos que formam a base de um conjunto tem uma cardinalidade contável

(possui uma bijeção com N) dizermos que a dimensão do espaço é contável.

Talvez você imagine com isso que todos os conjuntos in�nitos têm a mesma cardinalidade, mas isso não

é verdade.

Agora, se você considerar o conjunto dos reais, é impossível estabelecer uma relação um-pra-um entre

este conjunto e os naturais. Mais precisamente, é possível estabelecer a relação

N �! R ;

mas a inversa não

R 9 N :

Podemos dizer que, apesar de ambos serem in�nitos, o conjunto dos reais é maior que o dosnaturais. Mais ainda, qualquer intervalo �nito da reta real, e.g. [0; 1], tem mais elemento que qualquer

seqüência �nita de todos os naturais.

Assim, se você �zer um HD de computador capaz de armazenar todos os naturais, este HD pode encher

e não registrar os reais.

Com isso, os reais são de uma cardinalidade diferente (maior) que os naturais. Dizemos que o conjunto

dos reais é um in�nito incontável. Também chamado de @1 (aleph-1).

Remark 58 Assim, se não for possível estabelecer uma bijeção entre os elementos da base e N, mas forpossível estabelecer entre R, os elementos que formam a base de um conjunto tem uma cardinalidade incontáveldizermos que a dimensão do espaço é incontável.

Remark 59 Vemos então que todo o desenvolvimento apresentado na seção anterior sobre o espaço deHilbert diz respeito, na verdade, apena a in�nitos contáveis.

Do que foi dito acima, vemos que o nosso espaço H, de�nido anteriormente, tem dimensão in�nita, mas

contável. Pois possui uma base com um in�nito contável de elementos fjekig. A existência de diferentes

tipos de in�nito nos leva a crer (o que é verdade) que possam existir também espaços com uma dimensão (e

consequentemente uma base) in�nita incontável.

Considere agora uma função f (x) sobre os reais num intervalo x 2 [a; b]. Esta função pode ser considerada

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uma seqüência 0BBBBBBB@

f (x1)

f (x2)

f (x3)...

f (xn)

1CCCCCCCAentretanto, neste caso o índice da nossa seqüência não é um número natural N, mas um número real

R. Pois podemos fazer x2 � x1 < " para qual valor de ". Assim, entre quaisquer dois elementos existem

in�nitos elemento: 0BBBBBBBBBBBBB@

f (x1)...

f (x1;0001)...

f (x2)...

f (xn)

1CCCCCCCCCCCCCA(57)

Este tipo de seqüência é, certamente, diferente da de�nida anteriormente. Mais precisamente, a nossa seqüên-

cia, assim como a anterior, possui in�nitos termos, mas esta seqüência possui um in�nito incontávelde termos.Assim, aquele HD hipotético capaz de registrar uma seqüência in�nita (xk), não seria capaz de registrar

a função acima. Certamente o procedimento anterior para a construção de uma base canônicafalha neste caso.Com isso, não há nenhuma razão para crer que os resultados desenvolvidos na seção anterior sejam válidos

para funções sobre os reais.

Vamos então tentar construir um espaço vetorial para as nossas funções f . Como uma extensão natural

da notação anterior, se queremos um vetor que represente a nossa função f (x) ; x 2 [a; b], podemos chamá-lode jfi. Ou seja, jfi é a coleção ordenada de todos os valores da função num certo intervalo (a �seqüência�

simbólica (57)). Observe que jfi não é a função calculada num ponto, mas uma quantidade abstrata que

representa uma coleção in�nita de termos.

A soma destas quantidades pode ser de�nido de forma análoga a anterior. Ou seja, a �seqüência�simbólica

jwi = � jfi+ � jgi ; �; � 2 C

é de�nida como a coleção ordenada de todos os pontos w (x) = �f (x) + �g (x) ; x 2 [a; b].Na construção do nosso espaço, assim como �zemos anteriormente, o primeiro ponto é a construção de

um produto interno. Podemos fazer isso apenas generalizando a expressão anterior para o caso de duas

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�seqüências contínuas� jfi e jgi (todas de�nidas, sempre, no mesmo intervalo)

h�j i =nXi=0

��i i �! hf j gi =Z b

a

�f (x) g (x) dx :

Com isso, novamente, garantimos a positividade do produto

hf j fi � 0 ; hf j fi = 0 =) jfi = 0

onde a última igualdade signi�ca f (x) = 0 para x 2 [a; b].Novamente, para que o nosso produto faça sentido, devemos exigir que

hf j fi =Z b

a

jf (x)j2 dx <1 : (58)

Ou seja, o nosso espaço é o espaço das funções de quadrado integrável no intervalo [a; b], também chamado

L2 (a; b).

O fato de que a soma (de�nida acima) de duas funções de quadrado integrável é também ser de quadrado

integrável, garante que L2 (a; b) é um espaço vetorial (assim como as nossas seqüências em H).O ponto (e toda a di�culdade do trabalho) é estudar a dimensão deste espaço.

Para isso, podemos invocar aqui o resultado de Fourie. Para qualquer função (bem comportada) que

respeite (58), de�nida no intervalo [��; �] existe uma correspondência unívoca entre esta função e a seqüência(contável)

f (x) =1X

k=�1xk exp (ikx) (59)

onde

xj =1p2�

Z b

a

f (x) exp (�ikx) dx (60)

Ou seja, registrar a seqüência contável xj é equivalente a registrar a função (de�nida num intervalo incon-tável) f (x).Assim, apesar do HD hipotético não poder registrar o valor da função em todos os pontos, ele pode

registrar a seqüência fxkg e, com isso, reconstruir a função (exatamente) em todos os pontos. Ou ainda,

mesmo estando a função de�nida num contínuo de pontos, nem todos estes pontos são necessário para

especi�car a função. O fato de ela ser de quadrado integrável cria uma relação entre estes pontos, de sorte

que eles possam ser especi�cados pelo conjunto menor formado por uma seqüência contável de pontos.

Mais ainda, existe uma relação unívoca entre o espaço das funções em L2 (a; b) e o espaço das seqüências

contáveis in�nitas. O que mostra que estes dois espaços têm a mesma dimensão. Ou seja, se existir uma base

contável para a seqüência fxkg existirá também uma base contável para L2. Observe que ainda não falamos

nada sobre as sequencias acima.

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Ou ainda, existe uma base contável para o espaço L2 (a; b).

Além disso, existe um resultado, devido a Parseval, que a�rmaZ �

��jf (x)j2 dx =

1Xj=�1

x2j

Ou seja, se a seqüência xj pertence ao nosso espaço de Hilbert H. Podemos assim considerar L2 (a; b)

como um espaço de Hilbert H. E dizer que a função f (x) pertence ao espaço de Hilbert L2.Observe que as próprias funções

1

2�exp (�ikx)

pertencem a L2 (��; �). Assim, se chamarmos estas funções de jeki (ou seja, jeki é a coleção de todos osvalores da função exp (�ikx) =2� no intervalo (��; �)), podemos escrever (59) como

jfi =1X

k=�1xk jeki

Observe que

hekj eji =1

2�

Z �

��exp (�i (k � j)x) dx = �kj

Ou seja, fjekig é uma base (contável) para o nosso espaço L2 (��; �) e esta base é ortonormal. Alémdisso, xk são as componentes de jfi nesta base. Sendo nossa base ortonormal, as componentes de f nestabase são simplesmente a projeção:

hekj fi =1p2�

Z b

a

f (x) exp (�ikx) dx

que são as componentes xk da série de Fourie (60).

Estas funções fjekig são um exemplo de funções ortogonais. Nosso objetivo é construir outras bases para

L2, ou seja, encontrar outras funções ortogonais.

8.6 Operadores simétricos, ou hermitianos

Como vimos anteriormente qualquer operador pode ser visto como o produto externo de dois vetores j�i ej�i. Se um operador M é de�nido como

M = j�i h�j

então, seu hermitiano conjugado M+ será

M+ = j�i h�j

110

Page 111: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Para o caso do espaço de dimensão �nita, este operador é apenas o transposto conjugado da matriz M , mas

a nomenclatura continua para o caso de dimensão in�nita. Neste caso podemos imaginar nossos operadores

como matrizes quadradas in�nitas.

O produto interno do vetor jzi = M jxi com o vetor jyi vale

hyj zi = hyj�M jxi

�podemos eliminar o parênteses acordando que o operador sempre age no vetor a direita (o que é equivalente

a acordar que o conjugado do operador age no dual do vetor a esquerda, hyj zi = hwj xi com jwi = M+ jyi,mas basta convencionar que ele age a direita). Com isso, temos

hyj M jxi = hyj j�i h�j jxi = h�j jyi hxj j�i = hxj j�i h�j jyi = hxj M+ jyi (61)

onde usamos

hyj j�i = h�j jyi :

Um operador é dito simétrico, ou hermitiano se

M = M+ ) j�i h�j = j�i h�j

ou seja, para espaços de dimensão �nita são matrizes cuja transposto conjugado é igual a ela mesma. Por

exemplo, qualquer matriz na forma0BBBB@a11 a12 a13 � � ��a12 a22 a23 � � ��a13 �a23 a33 � � �...

......

. . .

1CCCCA ; aii 2 R ; i = 1; 2; 3::

Para operadores hermitianos a propriedade (61) fornece

hyj M jxi = hxj M jyi : (62)

Propriedades dos operadores hermitianos:Imagine agora que você encontrou um autovetor j�i de um operador hermitiano M com autovalor �, ou

seja,

M j�i = � j�i

observe que estamos usando a mesma letra apenas por conveniência, mas � 2 C enquanto j�i 2 H.

111

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Com isso a propriedade acima fornece

hyj M jxi = hxj M jyi =)

h�j M j�i = h�j� j�i = � h�j j�i = h�jM j�i = h�j� j�i = ��h�j j�i

Mas

h�j �i = h�j �i

com isso

� h�j �i = �� h�j �i

como

h�j �i 6= 0 ; h�j �i <1,

temos

� = ��) � 2 R :

Ou seja, todos os autovalores de um operador hermitiano são reais.Na mecânica clássica os estados de um sistema são identi�cados como pontos no chamado espaço de fase.

Ou seja, dado um ponto no espaço de fase eu sei tudo sobre o sistema. Já na mecânica quântica estes estados

são identi�cados com vetores no espaço de Hilbert. Ou seja, saber qual vetor representa o sistema é saber

tudo sobre ele. Além disso, observáveis (quantidade que podem ser medidas) são associadas a operadores

agindo neste espaço. Um dos postulados da MQ a�rma que os valores possíveis de se obter numa medida

deste observável são (apenas) o autovalor do operador correspondente. Outro postulado a�rma que este

operador é hermitiano. O resultado acima mostra que esta exigência é necessária para que valores medidos

sejam reais.

Exemplo: Num espaço de dimensão 2 o operador

�2 =

0 �ii 0

!:

(em MQ este é um dos operadores associados ao spin das partículas). É hermitiano.

Vamos encontrar seus autovalores. O processo geral é o seguinte: Encontrar um autovetor signi�ca resolver

a equação

M j�i = � j�i )�M � �I

�j�i = 0 :

A quantidade M � �I é um novo operador. Para um espaço de dimensão �nita, este operador é uma nova

matriz. Vamos chamar esta nova matriz de

T = M � �I

112

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Nossa equação �ca

T j�i = 0

Se T é uma matriz inversível, podemos calcular T�1 e multiplicar pelos dois lados da expressão acima

T�1T j�i = T�10) j�i = 0

Ou seja, se T é inversível, o vetor j�i é único e vale j�i = 0. Assim, M não terá autovetor. Portanto: Aúnica forma de M ter autovetor é que T = M � �I não tenha inversa. Para que uma matriz não tenhainversa, basta que

det T = det�M � �I

�= 0 :

Para o nosso caso

M = �2

Logo devemos exigir que

det (�2 � I�) =����� 0 �ii 0

!� �

1 0

0 1

!����� =����� �� �ii ��

!����� = 0 ;ou seja,

�2 � (�i:i) = �2 � 1 = 0 =) �2 = 1 =) � = �1 :

Vemos então que �2 tem dois autovaloes �1 = 1 e �2 = �1 e, como esperado, ambos são reais.Suponha agora que temos dois autovetores de um operador hermitiano

M j�i = � j�i ; M j i = j i

com

� 6= :

Para estes vetores podemos calcular

h j M j�i = h j� j�i = � h j j�i ;

h�j M j i = h�j j i = h�j j i

além disso, usando (61) temos

h j M j�i = h�j M j i =) � h j �i = �h j �i = � h�j i = h�j i

113

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onde usamos que �; 2 R. Com isso

[�� ] h�j i = 0

Se usarmos agora � 6= a igualdade acima implica

h�j i = 0

Ou seja, autovetores correspondentes a autovalores distintos são ortogonais.O resultado acima fornece uma forma prática e bastante útil de encontramos bases ortogonais para um

espaço qualquer. Bastando para isso encontrarmos operadores hermitianos neste espaço.

Exemplo: Voltemos a nossa matriz

�2 =

0 �ii 0

!Sendo esta matriz hermitiana, devemos esperar que seus auto vetores sejam ortogonais. Encontremos então

estes autovetores. Voltando a equação de auto-valores,

(�2 � �I) j�i = 0) �� �ii ��

! �1

�2

!= 0

sabemos que � = �1. Para � = 1 temos �1 �ii �1

! �1

�2

!= 0) ��1 � i�2 = 0

i�1 � �2 = 0

Primeiro note que, se multiplicarmos a primeira equação por �i temos

i�1 � �2 = 0

que é idêntica a segunda equação. Assim, na verdade, temos apenas uma equação e duas incógnitas.Isso nada mais é do que uma conseqüência do fato da matriz

�1 �ii �1

!

não possuir inversa (ou ter determinante nulo). Lembre-se que construímos os valores de � impondo esta

exigência. Assim, usando a única equação que temos

i�1 � �2 = 0) i�1 = �2

114

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Ou seja, o nosso autovetor tem a forma

j�+i =

�1

i�1

!= �1

1

i

!

para qualquer valor �1 2 C.Isso é uma característica geral destes problemas. Para um sistema qualquer de dimensão N , construímos

seus autovalores � de um operador M exigindo que a matriz M��I não tenha inversa. Isso faz com que, paraestes valores de �, tenhamos um sistema de N�1 equações para N incógnitas. Com isso sempre teremos uma

parâmetro livre nos nossos autovetores. É a existência deste parâmetro que nos permite normalizar nossos

vetores. Ou seja, escolhemos este parâmetro de forma que nossos vetores tenham norma 1.

Com isso, o autovetor associado ao autovalor 1 vale

�+ = +1 ; j�+i = �1

1

i

!:

Da mesma forma, encontramos o autovetor associado ao auto-valor � = �1 1 �ii 1

! �1

�2

!= 0) �1 � i�2 = 0

i�1 + �2 = 0:

Onde já sabemos que podemos usar apenas uma destas equações. Assim, usando a segunda equação,

i�1 + �2 = 0) �i�1 = �2

Ou seja, o autovetor associado ao auto-valor � = �1 vale

�� = �1 ; j��i = �1

1

�i

!:

Como vimos, uma vez que �+ 6= �� devemos esperar que os vetores j��i e j�+i sejam ortogonais. De fato

h�+j ��i = ��1�1 �i

�� �1

1

�i

!= j�1j2 (1� 1) = 0 :

Assim, fj�+i ; j��ig formam uma base ortogonal do nosso espaço. Podemos ainda normalizar esta base

115

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fazendo

je�i =j��iph��j ��i

=1

j�1jp1 + 1

�1

1

�i

!=

1p2

�1j�1j

1

�i

!

=1p2ei�

1

�i

!; � 2 R:

Ou seja, a nossa normalização também está de�nida a menos de uma constante. Como veremos, osprincípios da MQ nos permitem �xar arbitrariamente esta constante. Escolhendo o caso mais simples � = 0

temos

je�i =1p2

1

�i

!Da mesma forma, podemos de�nir o vetor normalizado

je+i =1p2

1

i

!

estes vetores respeitam

he+j e�i = 0 ; he+j e+i = he�j e�i = 1

e, consequentemente, formam uma base ortonormal do nosso espaço.

Este resultado é geral. Para um espaço de Hilbert H de dimensão N qualquer, inclusive in�nito, dado um

operador hermitiano M neste espaço, os auto-vetores deste operador formam uma base deste espaço. Assim,

qualquer vetor j i 2 H pode ser escrito como

j i =NXk=1

ck j�ki

onde

M j�ki = �k j�ki :

116

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8.7 Operadores diferenciais

Recapitulando os resultados do exemplo anterior: ao resolvermos o problema de autovetores para o operador

�2 2 R2 obtivemos dois vetores ortogonais num espaço de duas dimensões. Um resultado que vamos usar

sem provar, pois isso consumiria um tempo razoável, é:

Remark 60 Dado um operador hermitiano (não degenerado) num espaço de Hilbert de dimensão N , este

operador possui N autovetores (que, como sabemos, são ortogonais). Consequente, a coleção de todos os

autovetores de um operador hermitiano forma uma base para o espaço de dimensão arbitrária N .

Esta é uma forma bastante prática para construir bases para espaços e é exatamente o que vamos usar

para construir nossas funções ortogonais.

Para qualquer espaço de dimensão �nita o procedimento anterior para encontrar os autovetores pode ser

aplicado (obviamente com uma di�culdade algébrica crescente).

Mas e quando N =1? Como resolver um sistema de in�nitas equações?

Primeiramente, vamos analisar melhor o tipo de operadores que podem surgir em espaços de dimensão

in�nita. Como vimos a correspondência

jfi =Xk

ck jeki ; ck = hf j eki =1

2�

Zf (x) exp (�ikx) dx

para funções L2 permite tratar a função (de�nida num intervalo contínuo), como a seqüência discreta ck.

Lembre que, uma vez de�nida uma base, podemos pensar nos operadores como atuando, não diretamente

nos vetores, mas nos elementos da base. Ou seja, um operador D agindo em H pode ser visto como o produtoesterno

D = j�i h�j

e cada um destes vetores possui uma decomposição na base escolhida

j�i =Xi

�i jeii ; j�i =Xi

�i jeii

signi�ca que nosso operador, nesta mesma base, possui a decomposição

D =Xmn

Dmn jemi henj

onde

Dmn = �m��n :

117

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A ação deste operador num vetor j i pode ser escrito como

j i =Xi

i jeii ) D j i =Xmn

Dmn jemi henjXi

i jeii =Xmn

Dmn n jemi (63)

Ou seja, o novo vetor j�i = D j i tem componentes

j�i =Xi

�i jeii ; �i =Xn

Din n

Podemos assim pensar na atuação do operador D em H como a atuação da matriz Dnm nas componentes do

vetor numa determinada base ortonormal e calcular D j i comoXn

Din n

que nada mais é que o produto da matriz quadrada D pela matriz coluna .Lembre que, apesar de estarmos usando a mesma letra, j i e são quantidades diferentes. O vetor

j i =

0BB@x1

x2...

1CCArepresenta uma seqüência xk que independe da base, enquanto as componentes k dependem da base. Assim,

se vamos trabalhar com o produto matricial D devemos lembrar que todas estas quantidades dependem da

base.

O ponto da explicação acima é que operadores atuando em vetores pode ser vistos, uma vez�xada uma base, como matrizes atuando nas componentes do vetor nesta base. Isso implica

que: a cada operador D agindo no espaço das funções, existe uma matriz D agindo no espaço das seqüências

in�nitas que de�nem as componentes do vetor jfi 2 L2. Assim como podemos tratar tanto as seqüência

como as funções, podemos trabalhar tanto com D : L2 ! L2 quanto com D : R1 ! R1 dependendo da

conveniência. Mais ainda, a cada operador agindo em R1, ou seja, uma matriz quadrada in�nita, corresponde

um operador agindo em L2.

Voltemos para a nossa base fjekig com componentes

ek (x) =1p2�exp (ikx)

118

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e, para os coe�cientes ck da nosso função f de�nidos nesta base (i.e., os coe�cientes da série de Fourie),

vamos estudar a ação do seguinte operador

D =

0BBBBBBBBBBBBB@

. . ....

......

......

. . .

� � � �i:2 0 0 0 0 � � �� � � 0 �i:1 0 0 0 � � �� � � 0 0 0 0 0 � � �� � � 0 0 0 i:1 0 � � �� � � 0 0 0 0 i:2 � � �. . .

......

......

.... . .

1CCCCCCCCCCCCCA= �mn (in) :

Ou seja, a matriz diagonal onde a k-ésima componente é a multiplicação de i pór k.

Pelo que vimos acima, existe um operador D atuando em jfi cuja ação é o produto da matriz acima comas suas componentes, ou seja, a aplicação deste operador no vetor jfi fornece (63)

jfi =Xk

ck jeki =) D jfi =Xmn

Dmncn jemi

Lembrando agora que, no nosso caso,

Dmn = i�mnn

temos

jgi � D jfi =Xmn

i�mnncn jemi =Xn

incn jeni :

Ou seja, as componentes do vetor jgi = D jfi valem

g (x) =Xn

incn exp (inx)

Mas estas componentes também podem ser escritas como

g (x) =Xn

cnd

dxexp (inx) =

d

dx

Xn

cn exp (inx) =d

dxf (x)

Assim, as componentes do novo vetor jgi são as derivadas das componentes de jfi. Podemos entãoidenti�car o operador D associando a matriz D com o operador diferencial d=dx agindo nas componentes do

vetor jfi, ou ainda, como um operador diferencial

D =d

dx

119

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agindo no espaço das funções de quadrado integrável.

Da mesma forma, podemos construir operadores que correspondem à diferenciais de ordem mais alta.

Assim, um tipo bastante especial de operadores que agem em L2 são operadores diferenciais.

Cabe aqui uma observação sobre a MQ. O exposto acima nos diz que a igualdade

jfi =Xk

ck jeki ; jfi 2 L2 (a; b)

nos da a liberdade de trabalhar tanto no lado esquerdo, i.e., operadores diferenciais agindo no espaço das

funções, quanto no direito, i.e., matrizes agindo em seqüência contáveis. Nos primórdios da MQ havia duas

teorias quânticas aparentemente independentes. A teoria de Schroedinger, baseada numa equação diferencial,

e a teoria de Heisenberg, baseada na álgebra de matrizes. Grosso modo, podemos dizer que estas duas teorias

são as mesmas (ou equivalentes). Apenas que a teoria de Schroedinger trabalha no lado esquerdo da igualdade

acima (i.e., no espaço L2), enquanto a teoria de Heisenberg trabalha no lado esquerdo (i.e., no espaço R1).Dizemos que é a mesma teoria utilizando uma representação diferente do espaço de Hilbert.Da mesma forma que em R1, se M é um operador em L2 este se relaciona com seu conjugado pela relação

(61)

hf j M jgi = hf j j�i h�j jgi = h�j jfi hgj j�i = hgj j�i h�j jfi = hgj M+ jfi

ou, explicitando o produto interno,

hf j M jgi =

Z b

a

�f (x)hMg (x)

idx

hgj M+ jfi =

Z b

a

�g (x)hM+f (x)

idx

Usando a igualdade hf j M jgi = hgj M+ jfi

Z b

a

�f (x)hMg (x)

idx =

Z b

a

�g (x)hM+f (x)

idx =

Z b

a

g (x)hM+f (x)

idx =

Z b

a

hM+f (x)

ig (x) dx (64)

A relação acima de�ne o adjunto dos operadores agindo em L2.

Em especial, para operadores hermitianos, temos a relação (60)

hf j M jgi = hgj M jfi :

que fornece Z b

a

�f (x)hMg (x)

idx =

Z b

a

hMf (x)

ig (x) dx

120

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assim, dado um operador M no espaço das funções a igualdade acima permite veri�car se este operador é

(ou não) hermitiano.

Exemplo: vamos veri�car se o operador

D =d

dx

agindo em L2 (a; b) é hermitiano. Para isso calculamos

hf j D jgi =Z b

a

�f (x)hDg (x)

idx =

Z b

a

�f

�dg

dx

�dx

Usando agora uma integração por partes temosZ b

a

�f

�dg

dx

�dx =

��fg�ba�Z b

a

�d �f

dx

�g dx

Ou ainda, se observamos que �d �f

dx

�=

�df

dx

�temos Z b

a

�fhDgidx =

��fg�ba�Z b

a

hDfig dx 6=

Z b

a

hDfig dx

Ou seja, nosso operador não é simétrico em L2 (a; b).

O ponto aqui é que, graças ao termo de fronteira��fg�ba, devemos esperar que nenhum operador diferencial

seja hermitiano em L2 (a; b). Entretanto, podemos tentar contornar este problema.. Uma vez que nosso oper-

ador não é simétrico em todo o espaço L2(a; b), podemos tentar encontrar um sub-espaço de L2 onde (talvez)

ele seja simétrico. Vamos, por exemplo, de�nir o subespaço das funções que valem zero nas extremidades.

Ou seja, nosso espaço não é todo o espaço L2, mas:

L2 (a; b) � L02 (a; b) ��g; g0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:

Onde estamos exigindo

1. as funções pertençam a L2 (a; b), obviamente;

2. a derivada das funções também pertençam a L2 (a; b). Isso é necessário porque nosso operador é uma

diferencial e, para que este seja um operador no nosso espaço, ele deve levar funções do espaço em

outras funções do mesmo espaço. Ou seja, Df 2 L2 (a; b). Esta exigência deve ser ampliada quandotratamos de operadores diferenciais de ordem mais alta.

3. as funções sejam nulas nas extremidades, f (a) = f (b) = 0. Isso é necessário (na nossa esperança de

simetrizar o operador) para eliminar o termo de fronteira da integração por partes;

121

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4. Finalmente, as funções devem ser absolutamente contínuas (a:c:). Este é um detalhe técnico intrincado,

mas podemos simpli�cá-lo dizendo que, grosso-modo, funções absolutamente contínuas são aquelas que

podem ser integradas por partes. Isso certamente é válido para todas as funções bem comportadas

que vamos trabalhar. Ou seja, esta teoria vale também para funções que não sejam in�nitamente

diferenciáveis e que possuem certas descontinuidades em suas derivadas. Mas isso é muito mais do que

precisamos.

Neste espaço L02 (a; b) temosZ b

a

�fhD0g

idx = �

Z b

a

hD0f

ig dx 6=

Z b

a

hD0f

ig dx

Onde colocamos uma linha no operador para indicar que este age no espaço L0. Mas, ainda assim, nosso

operador não é hermitiano.

Mais ainda, podemos escrever a relação acima comoZ b

a

�fhD0g

idx =

Z b

a

h�D0f

ig dx

lembrando da relação (64) temosZ b

a

�f (x)hD0g (x)

idx =

Z b

a

hD0+f (x)

ig (x) dx

comparando as duas relações acima temos

D0+ = �D0 : (65)

Entretanto, tudo isso era de se esperar, pois se olharmos para a matriz relacionada com este operado

D =

0BBBBBBBB@

. . ....

......

. . .

� � � �i2 0 0 � � �� � � 0 0 0 � � �� � � 0 0 i2 � � �. . .

......

.... . .

1CCCCCCCCA

122

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vemos que os elementos diagonais desta matriz não são reais. Além disso, se tirarmos o transposto conjudado

desta matriz temos

DT =

0BBBBBBBB@

. . ....

......

. . .

� � � i2 0 0 � � �� � � 0 0 0 � � �� � � 0 0 �i2 � � �. . .

......

.... . .

1CCCCCCCCA= �D

que nada mais é que a relação (65).

O exemplo acima mostra que, se quisermos um operador hermitiano, devemos partir de uma matriz

hermitiana. Partamos então da matriz

D2 =

0BBBBBBBBBBBBB@

. . ................. . .

� � � 2 0 0 0 0 � � �� � � 0 1 0 0 0 � � �� � � 0 0 0 0 0 � � �� � � 0 0 0 1 0 � � �� � � 0 0 0 0 2 � � �. . .

................ . .

1CCCCCCCCCCCCCAque, obviamente, é hermitiano. Observe que

D2 = iD

o que, obviamente, fornece

D2 = iD = id

dx:

Vamos então calcular novamente

hf j D2 jgi =Z b

a

�f (x)hD2g (x)

idx =

Z b

a

�f

�idg

dx

�dx

Usando novamente uma integração por partes temosZ b

a

�f

�idg

dx

�dx = i

��fg�ba� iZ b

a

�d �f

dx

�g dx

Observe agora que

i

�d �f

dx

�= i

�df

dx

�= �

�idf

dx

�;

123

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pois �{ = �i. Com isso temos Z b

a

�f

�idg

dx

�dx = i

��fg�ba+

Z b

a

�id �f

dx

�g dx

Novamente, para eliminarmos o termo de fronteira, de�nimos o operador D02 que atua no espaço L

02 (a; b)

de�nido anteriormente, com isso Z b

a

�f

�id

dxg

�dx =

Z b

a

�id

dxf

�g dx

que pode ser escrito como Z b

a

�fhD02gidx =

Z b

a

hD02fig dx

Ou seja, o operador D02 é hermitiano.

124

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8.8 Domínio dos operadores

Um ponto extremamente importante no que foi exposto acima é que o operador D2, que age em L2, não éhermitiano, mas já o operador D0

2, que age em

L02 (a; b) ��g; g0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:

é hermitiano.Certamente um operador que é hermitiano é diferente de um operador que não é hermitiano, ou seja, D2

é diferente de D02. Assim, apesar destes dois operadores terem a mesma forma

id

dx

ou seja, atuam da mesma maneira, eles atuam em espaços diferentes e, conseqüentemente, são oper-adores diferentes.O espaço de atuação de um operador é também chamado de domínio deste operados. Indicamos o domínio

de D por D�D�, ou seja

D�D02

�=�g; g0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:

Assim:

Remark 61 Um operador não é apenas uma regra de atuação mas também a especi�cação do domínio onde

esta atuação é válida. A mesma regra, para domínios diferentes, especi�ca operadores diferentes.

Voltemos nossa atenção agora para o operador adjunto. Ou seja, qual o domínio do operador adjunto D+2

para que D2 seja hermitiano?

O adjunto de um operador M pode ser de�nido pela expressãoZ b

a

hM+f (x)

ig (x) dx �

Z b

a

�f (x)hMg (x)

idx ; 8g 2 D

�M�; f 2 D

�M+

�;

onde devemos notar que o operador M agem em g, i.e., g 2 D�M�, enquanto o operador M+ age em f , i.e.,

f 2 D�M+

�. A pergunta acima pode ser formulada da seguinte forma: Uma vez �xado um domínio D(M)

no qual M é simétrico, qual o domínio de M+ que não quebra esta simetria?

Para o nosso operador D02 sabemos que

D�D02

�=�g; g0 2 L2 (a; b) ; g (a) = g (b) = 0; a:c:

(66)

125

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e quais podem ser as funções f para que a relaçãoZ b

a

�fhD02gidx =

Z b

a

hD02fig dx =

Z b

a

hD0+2 fig dx

se mantenha (lembrando que D02 no lado direito da igualdade é, na verdade, o adjunto de D

02). Voltemos

para a forma completa da integral por partesZ b

a

�fhD02gidx = i

��fg�ba+

Z b

a

hD02fig dx

=

Z b

a

hD02fig dx+ i

��f (b) g (b)� f (a) g (a)

�Para que nosso operador seja simétrico, basta que o último termo se anula. Então, a nossa pergunta se torna:

� quais podem ser as funções f para que o último termo se anule?

Lembrando que, pela de�nição do domínio (66) de D02Z b

a

�fhD02gidx =

Z b

a

hD02fig dx+ i

��f (b) :0� �f (a) :0

�=

Z b

a

hD02fig dx

para qualquer valor �nito de �f (b) e �f (a) e, consequentemente, para qualquer valor de f (b) e f (a). Ou seja,

as funções f onde age D+2 não precisam se anular nas fronteiras. Ou ainda, alem de serem L2 não

precisamos colocar mais nenhuma restrição nestas funções. Assim, o domínio de D+02 , para que D2

seja hermitiano vale

D�D+02

�=�f; f 0 2 L2 (a; b) ; a:c:

Vemos explicitamente que

D�D+02

�6= D

�D02

�ou seja, apesar de terem a mesma forma

D02 = i

d

dx; D+0

2 = id

dx

(pois o operador é simétrico) os operadores D02 e D

+02 são operadores diferentes. Este ponto pode parecer

uma tecnicalidade, mas será importante no futuro.

No procedimento acima, partimos de um operador D2 que não é hermitiano e de�nimos um novooperador D0

2 (que tem a mesma forma de D2, mas atua num espaço diferente) que é, fazendo uma restrição

no domínio de D2. Feito isso, podemos obter o domínio do adjunto D+02 que não quebre esta simetria.

126

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8.9 Operadores lineares

Como vimos, um tipo de operador que age em nosso espaço L2 são operadores diferenciais. Da forma mais

geral possível, um operador diferencial linear, agindo no espaço das funções de quadrado integrável tem a

forma tem a forma

L = a0 (x) + a1 (x)d

dx+ a2 (x)

d2

dx2+ :::

=mXn=0

an (x)dn

dxn(67)

onde m é chamado a ordem do operador. Estes operadores são lineares

L (c1 1 + c2 2) = c1L 1 + c2L 2 ; c1; c2 2 C

se exigirmos que L i 2 L2.Obviamente nem todas as funções em L2 possuem sua derivada de ordem m em L2, além disso, como

vimos no exemplo anterior, condições de contorno (ou considerações físicas) podem impor certas restrições

nas funções nas fronteiras, i.e., �xar o valor de (a) e (b). Assim, um operador não atua em todo L2, mas

sim num subconjunto D (L) � L2.

Remark 62 Para especi�carmos um operador L devemos sempre informar sua expressão diferencial (67) e

seu domínio de atuação.

Uma equação diferencia linear tem a forma

L = f (x) :

O caso com f � 0 é chamado de equação homogênea.Pela condição de linearidade, vemos que, se 1 e 2 são soluções da equação homogênea para o operador

L então qualquer combinação c1 1 + c2 2 também será solução da equação homogênea de L. De forma

mais geral, uma combinação arbitrária de soluções da equação homogênea também é uma solução. Este é o

princípio da superposição.O hermitiano conjugado de um operador L, chamado de L+, é de�nido através do produto interno e

através da expressão (??)h 2j L+ j 1i = h 1j L j 2i ;

ou seja, dado um operador L de�nimos o seu conjugado pela expressãoZ b

a

[L+ 1 (x)] 2 (x) dx �Z b

a

�1 (x)hL 2 (x)

idx :

127

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Exemplo: Se

L =d

dx

e D (L) são as funções 2 L2 (a; b) com 0 2 L2 e (a) = (b) = 0 encontre L+. Este é o mesmo exemplo

que resolvemos acima.

Pela de�nição temos

h 1j L j 2i =Z b

a

�1 (x)hL 2 (x)

idx =

Z b

a

�1 (x)

�d

dx 2 (x)

�dx

se nossas funções são absolutamente contínuas, i.e., podem ser integradas por partes, temosZ b

a

�1 (x)

�d

dx 2 (x)

�dx = [ �1 (x) 2 (x)]

ba �

Z b

a

�d

dx �1 (x)

�[ 2 (x)] dx

=

Z b

a

�� d

dx 1 (x)

��[ 2 (x)] dx =

Z b

a

hL+ 1 (x)

i 2 (x) dx

assim

L+ = � d

dx

Esta é a forma diferencial de L+. Para de�nirmos completamente este operador precisamos ainda especi�car

D (L+), voltaremos a este problema em breve.

Exemplo: O operadorL = c ; c 2 C

Novamente

h 2j L+ j 1i =

Z b

a

hL+ 1 (x)

i 2 (x) dx � h 1j L j 2i

=

Z b

a

� 1 (x) [c 2 (x)] dx

=

Z b

a

[c� 1 (x)] 2 (x) dx

=

Z b

a

hL+ 1 (x)

i 2 (x) dx ;

assim

L+ = c� :

A princípio o domínio de L+ pode ser todos o espaço L2 (e, é claro, a restrição L+ 2 L2). Entretanto,como veremos mais pra frente, podemos impor certas característica no operador L que, para serem mantidas,

restringem também o domínio de L+.

128

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9 A série de Fourie

Temos agora a nossa disposição todos os elementos para o estudo das funções ortogonais. Como primeiro

caso, vamos obter o conjunto de funções já conhecidas presentes na série de Fourie.

O processo de construção das funções harmônicas está relacionado com a construção dos autovetores de

um operador hermitiano agindo no espaço das funções. Ou seja, a solução de uma equação diferencial do

tipo

L = l ; L =NXn=0

an (x)dn

dxn

Primeiramente alguns comentários sobre estas soluções.

No caso geral, esperamos que uma equação diferencial ordinária de ordem N tenha N soluções LI. Mas

nosso caso, encontraremos in�nitas soluções. O ponto aqui é que, para uma dada equação, o lado direitoé dado, enquanto, nosso caso, este lado depende de autovalores (l) que também temos de encontrar. Ou seja,

não estamos falando de resolver uma determinada equação diferencial, mas, além disso, encontrarcondições para que esta equação tenha soluções.No caso particular que vamos tratar aqui o operador em questão é o operador de Laplace

L = a1d2

dx2; a1 2 C :

Assim, este problema está relacionado com todos os problemas físicos onde este operador aparece. Em

especial, problemas de eletromagnetismo e mecânica dos �uídos.

Apenas como motivação (sem alterar o conteúdo formal) podemos dizer que estas funções surgem no

estudo do problema quântico de uma partícula numa caixa.

Como vimos, um dos postulados da MQ a�rma que qualquer sistema físico pode ser completamente

representado por um vetor no espaço de Hilbert. Na teoria de Schroedinger o espaço de Hilbert é o espaço

L2, assim, os vetores são funções (x; t). O signi�cado físico destas funções é dado pela chamada interpretação

de Copenhagen, segundo a qual a quantidade

j (x; t)j2

representa a probabilidade do sistema ser encontrado na posição x no instante t. Para não �car abstratodemais, podemos dizer que o nosso sistema físico é uma partícula de massa m. Assim, j (x; t)j2 é a proba-bilidade de encontrarmos esta partícula na posição x no instante t. Mais ainda, a quantidadeZ b

a

j (x; t)j dx

é a probabilidade desta partícula ser encontrada, num instante t, dentro do intervalo [�L;L]. Obviamente,

129

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se sabemos que a nossa partícula existes (i.e., está em algum lugar), devemos ter:Z 1

�1j (x; t)j dx = 1

Ou seja, deve ser uma função de quadrado integrável. Assim, o fato de 2 L2 na teoria de Schroedingeré uma conseqüência da interpretação probabilística da MQ.Além disso, observáveis são operadores hermitianos agindo neste espaço. Na teoria de Schroedinger o

operador relacionado com a energia do sistema é dado por7

H = � ~2

2mr2 + V (x) ;

onde V (x) é o potencial que age no sistema (ou seja, a energia potencial do sistema). Este operador é

chamado de hamiltoniano do sistema.

Outro postulado a�rma que os valores que o observável pode assumir (ou seja, feita uma medida é o que

vamos obter) são apenas os autovalores do operador correspondente. Assim, se efetuarmos uma medida de

um sistema quântico descrito por um hamiltoniano H , os únicos valores de energia que podemos obter são

H n = En n :

Estamos aqui interessados nos níveis de energia de uma partícula de massa m que pode se mover apenas

dentro de um certo intervalo [�L;L]. Ou seja, a partícula está presa neste intervalo. Este problema podeser facilmente generalizado para o caso com 3 dimensões. Dentro da caixa nenhuma força age sobre apartícula (ela está livre). Assim, neste caso temos V = 0 e o hamiltoniano do sistema se torna

H = � ~2

2m

d2

dx2:

Estando livre, a energia desta partícula é puramente cinética. Classicamente, uma ver que apartícula pode ter qualquer velocidade dentro da caixa e, consequentemente, ela pode assumir qualquervalor de energia. Além disso, a partícula pode estar em qualquer lugar dentro da caixa. Na descrição

quântica, entretanto, veremos que as coisas são um pouco diferentes.

Primeiramente vamos veri�car que o operador H acima é hermitiano. Ou seja, vamos veri�car que para

duas funções e � temos

h j H j�i = h�j H j i : (68)

Façamos isso para o caso geral em que V 6= 0.7O operador hamiltoniano é degenerado, por isso as coisas não são tão simples.

130

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Explicitando o produto interno acima temos

h j H j�i =Z L

�L� (x)

hH� (x)

idx =

Z L

�L� (x)

��� ~

2

2m

d2

dx2+ V (x)

�� (x)

�dx (69)

= � ~2

2m

Z L

�L� d2�

dx2+

Z L

�L� V � dx (70)

Já para o segundo membro de (68)

h�j H j i =Z L

�L�� (x)

��� ~

2

2m

d2

dx2+ V

� (x)

�dx

=

Z L

�L� (x)

��� ~

2

2m

d2

dx2+ V

�� (x)

�dx

= � ~2

2m

Z L

�L�d2�

dx2+

Z L

�L�V � dx : (71)

Ser ou não hermitiano depende de (71) ser, ou não, igual a (69).

Analisemos primeiro o último membro de cada igualdade. Para (71) temosZ L

�L� (x)V � (x) dx =

Z L

�L� (x)V (x)� (x) dx

que, obviamente, é igual ao último termo de (69).

Vejamos agora o primeiro termo de (69). Fazendo uma integral por partes temos

Z L

�L� d2

dx2� dx =

�d�

dx�

�L�L�Z L

�L

d�

dx

d�

dxdx

=

�d�

dx�

�L�L�"�d�

dx�

�L�L�Z L

�L

d2�

dx2� dx

#

=

�d�

dx�

�L�L��d�

dx�

�L�L+

Z L

�L�d2�

dx2dx

que (multiplicado por �~2=2m) seria exatamente igual ao primeiro termo de (71) se não fossem os dois

primeiros termos.

Lembremos agora que, no caso geral, não esperamos que nosso operador seja hermitiano para todas as

funções em L2. Fisicamente isso signi�ca que nem todos os estados são possíveis ao sistema. Vamos então

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limitar o nosso espaço impondo condições de fronteira nas nossas funções de onda

� (�L) = � (L) = 0

�0 (�L) = �0 (L) = 0

Ou seja, os vetores do nosso espaço (e, consequentemente, os estados físicos do nosso sistema) não são todos

os vetores em L2(�L;L), mas apenas os vetores

D�H�=��; �0 2 L2 (�L;L) ; � (�L) = � (L) = �0 (�L) = �0 (L) = 0; a:c:

Com esta imposição temos �

d�

dx�

�L�L

= �0 (�L) � � �0 (L) � = 0 ;�d�

dx�

�L�L

=d�

dx� (�L)� d�

dx� (L) = 0

e, com isso,

h j H j�i = h�j H j i

e o operador H é hermitiano.

Assim, as condições de contorno acima surgem como uma necessidade para que o operador H seja hermi-

tiano. Fisicamente estas condições podem ser interpretadas como o fato da partícula não poder ser encontrada

fora, nem nas paredes da caixa, assim

j� (x; t)j2 = 0 ; para jxj � L :

Agora que sabemos que nosso operador é hermitiano, procuremos por suas auto funções. Ou seja, vamos

resolver a equação

H� = E�) d2�

dx2= �k2� ; k2 = 2mE

~2:

Para qualquer valor k 2 C a equação acima possui duas soluções LI e sua solução geral pode ser escritacomo

� (x) = A exp (ikx) +B exp (�ikx)

Entretanto, é fácil ver que, assim como H, d2=dx2 é hermitiano e, como sabemos, seu autovalor deveser real, ou seja,

k 2 R :

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Pela de�nição de k vemos que isso implica

k2 � 0) E � 0 :

Ou seja, o fato de H ser hermitiano implica que o sistema só pode ter energias positivas. Este resultadoé completamente compatível com a física clássica.

Como determinamos as constantes A,B e k da solução geral acima?

Estas constantes estão relacionadas com as condições de contorno do problema.

Lembrando o domínio do operador H temos

(L) = 0 =) AeikL +Be�ikL = 0 =) AeikL = �Be�ikL

A (cos kL+ i sin kL) = �B (cos kL� i sin kL) : (72)

Podemos satisfazer esta igualdade de duas formas, a primeira fazendo

sin kL = 0 =) kL = n� ; n 2 N�

observe que n = 0 não é um autovetor. Além disso, o caso n < 0 corresponde as mesma funções com sinal

trocado e, consequentemente, são as mesmas funções (lembre que a normalização possui uma arbitrariedade

na fase). Com a escolha acima, temos,

A (cos kL) = �B (cos kL)) A = �B ;

Podemos também satisfazer a igualdade (72) fazendo

cos kL = 0 =) kL = �

�n+

1

2

�; n 2 N

(observe que agora n = 0 é um autovetor), com isso

A (i sin kL) = �B (�i sin kL)) A = B :

Ou seja, o nosso problema possui dois tipos de soluções estacionárias

�n (x) = N� sin�k�n x

�; k�n =

Ln) E�n =

~2

2m

�n�L

�2;

+n (x) = N+ cos�k+n x

�; k+n =

L

�n+

1

2

�) E+n =

~2

2m

��

L

�n+

1

2

��2; (73)

onde as constantes N� são constantes de normalização destas funções.

133

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Exercise 63 Obtenha as constantes de normalização N+ e N�.

O resultado acima nos mostra que, dentro da caixa, a partícula só pode assumir os níveis de energia E�ne E+n . Além disso, existe um nível mínimo de energia que o sistema pode assumir que é E+0 . A partícula

nunca pode ter energia cinética nula (observe que E�0 = 0 implica �0 (x) = 0 e a partícula não está mais na

caixa).

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Suponha que você prendeu um elétron numa caixa e baixou a temperatura do sistema de forma a garantir

que este elétron está no estado fundamental E+0 (é mais natural imaginarmos que temos vários elétrons não

interagentes nesta caixa). Primeiramente veja que existe uma energia do sistema que você não poderetirar, ou seja, esta energia não se dissipa em forma de calor. Em segundo lugar, se você tentar aquecer o

sistema, por exemplo o iluminando com um laser, se este laser tiver uma energia menor que E�1 o sistema não

irá interagir com seu laser (ou seja, ele será transparente). Se você for aumentando a freqüência destes laser,

quando a sua energia chegar a E�1 o sistema passa a absorver o laser (se torna opaco) e os elétrons passam

para um nível de energia mais alto. Este �salto� de um nível de energia para o outro, sem que o sistema

possa existir em níveis intermediários (o que classicamente é um contínuo) é chamado de salto quântico.

Este efeito de absorção de apenas alguns comprimentos de onda pode ser observado em pontos quânticos.

Este é também o mecanismo porque os elétrons em torno do núcleo só absorvem e emitem radiações com

determinada freqüência (e.g., a série de Balmer).

O fato de nosso operador ser hermitiano signi�ca que suas autofunções formam uma base (agora orto-normal) do espaço. Assim, qualquer função do nosso espaço pode ser escrita como:

f (x) =1pL

1Xn=0

c+n cos

��

L

�n+

1

2

�x

�+

1pL

1Xn=1

c�n sinh�Lnxi:

Em MQ o módulo quadrado dos coe�cientes (jc�n j2) corresponde a probabilidade de, numa medida da

energia (ou qualquer outro observável) do sistema no estado f , obtermos o valor E�n . Assim, o fato de

qualquer estado poder ser expandido na decomposição acima, tem o signi�cado físico de que todo sistema

possui (com uma certa probabilidade) sempre algum valor de energia.

Usando a notação de Dirac temos a base composta pelos dois pares de funções fje+n i ; je�n ig com compo-

nentes

e+n (x) =1pLcos

��

L

�n+

1

2

�x

�; e�n (x) =

1pLsinh�Lnxi

Exercise 64 Veri�que que esta base é ortonormal

e�n�� e+m� = 0 ; e+n �� e+m� = e�n �� e�m� = �nm :

Com isso

jfi =1Xn=0

c+n��e+n �+ 1X

n=1

c�n��e�n �

e as componentes c�n são a projeção de f na base fje+n i ; je�n ig

c+n =e+n�� fi = 1p

L

Z L

�Lcosh�Lnxif (x) dx

c�n =e�n�� fi = 1p

L

Z L

�Lsin

��

L

�n+

1

2

�x

�f (x) dx

135

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9.0.1 Completeza

A�rmamos acima que as funções fje+n i ; je�n ig, com componentes

e+n (x) =1p2Lcosh�Lnxi; e�n (x) =

1p2Lsin

��

L

�n+

1

2

�x

�;

formam uma base do nosso espaço.

Mas qual é o nosso espaço?Lembre que o domínio do nosso operador H não é todo o espaço L2,[�L;L] mas sim

D�H�=��; �0 2 L2 (�L;L) ; � (�L) = � (L) = �0 (�L) = �0 (L) = 0; a:c:

E é para este espaço que as funções encontradas formam uma base. Ou seja:

Remark 65 As autofunções de um operador hermitiano formam uma base para o espaço do domínio deste

operador.

Isso signi�ca, por exemplo, que as funções encontradas não podem descrever uma função L2 que seja

diferente de zero nas fronteiras.

Suponha agora que, no lugar da restrição acima, façamos a restrição:

� (�L) = ei�� (L) ; �0 (�L) = ei��0 (L) :

Ou seja,

D�H�=��; �0 2 L2 (�L;L) ; � (�L) = ei�� (L) ; �0 (�L) = ei��0 (L) ; a:c:

; � 2 R

usualmente chamadas de condições periódicas de contorno (na próxima seção veremos com mais detalhes a

razão desta escolha).

Com isso o termo de fronteira se torna�d�

dx�

�L�L

= �0 (�L) � (�L)� �0 (L) � (L) = �0 (L)�ei� � (�L)� � (L)

��d�

dx�

�L�L

= � 0(�L)� (�L)� � 0 (L)� (L) = � (L)

hei� �

0(�L)� � 0 (L)

iNeste caso vemos que nosso operador não será hermitiano a menos que coloquemos também a restrição

� (�L) = e�i� � (L) =) (�L) = ei� (L) ;

� 0(�L) = e�i� �

0(L) =) 0 (�L) = ei� 0 (L) ;

136

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ou seja, neste caso, não basta a restrição sobre o domínio de H, mas temos de também impor a seguinte

restrição sobre o domínio de H+

D�H+�=� ; 0 2 L2 (�L;L) ; (�L) = ei� (L) ; 0 (�L) = ei� 0 (L) ; a:c:

:

Assim, também para as condições de fronteira acima, nosso operador é simétrico. Para diferen-ciar este operador do anterior vamos chamá-lo de H 0 (lembre que domínios diferentes de�nem operadores

diferentes). Vamos então encontrar os autovetores de H 0. Para isso voltamos as condições de contorno:

(�L) = ei� (L)

com

(x) = A exp (ikx) +B exp (�ikx)

Novamente, se aplicarmos diretamente as condições de fronteira, teremos dois conjuntos de soluções. Uma

forma conveniente de se obter estas soluções (que também podia ter sido usada no exemplo anterior) é fazer

cada uma das constante A e B igual a zero. Ou seja, para B = 0 temos as soluções

+ (x) = A exp (ikx)

Aplicando a condição de contorno

(�L) = ei� (L)) exp (i (kL+ �)) = exp (�ikL) ;

que pode ser satisfeita fazendo

kL+ � = �kL+ 2�n) k+n =2�n� �2L

; n 2 N ;

com isso

+n (x) = A exp

�i

�2�n� �2L

�x

�= A exp

�i

��n

L� �

2L

�x

�Fazendo A = 0 temos

� (x) = B exp (�ikx)

Aplicando as c.c.

B exp (ikL) = B exp (�i (kL� �))

que fornece

k�n =2�n+ �

2L

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com isso,

�n (x) = B exp

��i�2�n+ �

2L

�x

�= B exp

��i��n

L+

2L

�x

�Estas soluções são válidas para qualquer valor de �.

Em especial, para � = 0 temos

+n (x) =1p2Lexp

hi�n

Lxi;

�n (x) =1p2Lexp

h�i�n

Lxi;

k+n = k�n =�n

L= kn :

Onde já normalizamos os nossos estados.

O resultado acima nos mostra que qualquer função f (x)

f (x) =

1Xn=0

a+n +n (x) +

1Xn=1

a�n �n (x) (74)

observe que, para n = 0,

+0 (x) =1p2L

= �0 (x)

por isso na somatória (74) contamos este estado apenas uma vez (n começa de 1 em uma das somatórias).

Obviamente a decomposição (74) pode ser escrita como

f (x) =1p2L

( 1Xn=0

a+n exphi�n

Lxi+

1Xn=1

a�n exph�i�n

Lxi)

=1p2L

( 1Xn=0

a+n exphi�n

Lxi+

�1Xn=�1

a��n exphi�n

Lxi)

;

ou ainda, fazendo

an =

(a+n ; n � 0a��n ; n < 0

temos

f (x) =1p2L

( 1Xn=0

an exphi�n

Lxi+

�1Xn=�1

an exphi�n

Lxi)

=1p2L

1Xn=�1

an exphi�n

Lxi:

138

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Vamos então introduzir as funções:

en (x) =1p2Lexp

�in�

Lx�; n 2 Z

Exercise 66 Veri�que que estas funções são auto-funções de H 0.

Exercise 67 Veri�que que estas funções são ortonormais.

Com isso, podemos a�rmar que qualquer função no nosso espaço pode ser escrita como

f (x) =1X

n=�1anen (x) =

1p2L

1Xn=�1

an exp�in�

Lx�:

Esta é a chamada série de Fourie da função f (x). E, uma vez que as nossas funções formam uma base

ortonormal

an = henj fi =1p2L

Z L

�Lexp

��in�

Lx�f (x) dx :

que são os coe�cientes de Fourie da função.

Lembrando que agora o nosso espaço é o espaço das funções L2[�L;L], periódica, i.e., f (�L) = f (L).

Este espaço inclui o anterior (i.e., o espaço das funções com f (�L) = f (L) = 0).

Porque a série de Fourie é tão importante?

A série de Fourie (autovetores de H 0) é muito mais usada que os autovetores de H. Obviamente, como

D(H) � D(H 0), isso era de se esperar. Ou seja, podemos expandir muito mais funções usando os autovetores

de H 0 do que com os autovetores de H. Isso é verdade, mas a verdade é ainda mais forte. Um fato é que,

tirando os pontos �L e L qualquer função no domínio [�L;L], pode ser expandida em serie de Fourie.

Ou seja, qualquer função contínua com derivada contínua de�nida no intervalo (�L;L) (e não apenas asperiódicas) pode ser expandida em série de Fourie. Assim, dada uma função g (x) de�nida no intervalo

x 2 [�L;L] e dada uma distância �nita " > 0 da fronteira, podemos obter uma série na forma

f (x) =1X

n=�1anen (x) ; en (x) =

1p2Lexp

�in�

Lx�;

an =1p2L

Z L

�Lexp

��in�

Lx�g (x) dx ;

que será igual a g (x) para qualquer ponto acima desta distância " > 0 não importa o quão pequenoseja ". Destarte, qualquer função em L2 (�L;L) pode ser aproximada, com uma precisão in�nita, poruma série na forma acima.

Dizemos assim que a base fjenig é completa em L2 (�L;L) (lembre que ela não é uma base de L2 (�L;L)mas sim de L02 (�L;L) � D

�H 0�). Por abuso de linguagem, dizemos que fjenig é uma base de L2 (�L;L).

139

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Assim, se queremos expandir qualquer função de L2 (�L;L) devemos encontrar operadores que nosforneçam uma base completa.Mas como saber se a base de um operador é completa?Antes vamos observar uma peculiaridade do operador H 0. Observe que D(H 0) = D(H 0+), ou seja, H 0

não é apenas hermitiano (i.e., possui a mesma forma que seu adjunto), mas também possui o mesmodomínio que seu adjunto. Uma vez que um operador é de�nido pela sua forma e pelo seu domínio, neste

caso podemos a�rmar que o operador H 0 é igual ao seu adjunto. Um operador que é igual ao seu adjunto

é chamado de um operador auto-adjunto. Um resultado que vamos aceitar sem provar é o seguinte:

Remark 68 Autovetores de um operador auto-adjunto formam uma base completa.

Exemplo: Vamos encontrar a série de Fourie da função f (x) = x, com x 2 [��; �]

f (x) =1X

n=�1anen (x)

an =

Z �

���en (x) f (x) dx =

1p2�

Z �

��x exp (�inx) dx

Precisamos calcular a integral Z �

��x exp (�inx) dx

fazendo uma integração por parteZfg0 = (fg)�

Zf 0g

f = x) f 0 = 1

g0 = exp (�inx)) g = iexp (�inx)

nZ �

0

x exp (�inx) dx =i

n[x exp (�inx)]��� �

i

n

Z �

��exp (�inx) dx

=i

n� [exp (�in�) + exp (in�)]� i

n

�exp (�inx)�in

����

= 2i

n� cosn� � 2i 1

n2sinn�

= 2i

n� (�1)n

140

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com isso

an =1p2�2i

n� (�1)n =

r2

i

n� (�1)n ; n 6= 0

a0 = he0j fi =1p2�

Z �

��x dx =

1p2�

��2

2� �2

2

�= 0

E a nossa série toma a forma

f (x) =1p2�

( 1Xn=1

r2

i

n� (�1)n exp

hi�n

�xi+

�1Xn=�1

r2

i

n� (�1)n exp

hi�n

�xi)

=1p2�

( 1Xn=1

r2

i

n� (�1)n exp [inx] +

1Xn=1

r2

i

(�n)� (�1)�nexp [i (�n)x]

)

=ip2�

r2

1Xn=1

1

n� (�1)n fexp [inx]� exp [�inx]g

=ip2�

r2

1Xn=1

1

n� (�1)n 2i sin [nx]

= �21Xn=1

1

n(�1)n sin [nx]

= 21Xn=1

(�1)n+1

nsin [nx]

Vamos calcular, por exemplo, este série em x = 0

f (0) = 21Xn=1

(�1)n+1

nsin [n0] = 0

que, obviamente, concorda com f (x) = x.

Vamos agora calcular a série na fronteira, x = �,

f (�) = 21Xn=1

(�1)n+1

nsin [n�] = 0

que, certamente, é diferente de f (x) = x calculado em x = �. Assim, como vimos, a série obtida converge

para a função em qualquer ponto dentro do intervalo x 2 (��; �), mas não necessariamente para ovalor da função na borda x = ��. O ponto é que, pelo domínio escolhido (� = 0 ) (L) = (�L)) asérie obtida sempre terá o mesmo valor nas bordas. Para minimizar o salto que a série terá de dar para se

aproximar da função fora da borda, este valor sempre estará no ponto intermediário ao valor da função nas

bordas, i.e., no ponto [f (L)� f (�L)] =2.

141

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Para pontos diferentes de x = 0; � precisamos, obviamente calcular a série (o que usualmente é feito

numericamente). Quanto mais termos incluímos na série, mais esta se aproxima da função. A �gura abaixo

mostra um exemplo com apenas um termo (n = 1) e com vinte termos (P20

n=1).

9.0.2 O operador de momento e o signi�cado físico das condições de fronteira

Na MQ o operador hamiltoniano está relacionado com a energia da partícula, i.e., os autovalores deste

operador são as energias que o sistema pode assumir.

O operador hamiltoniano usado na seção anterior também pode ser escrito como

H =p2

2m+ V (x)

onde

p = �i~ ddx

Comparando H com a expressão clássica, vemos que o operador p corresponde ao momento da partícula.Na seção anterior, quando �xamos condições periódicas de contorno ( (L) = (�L)), as soluções obtidas

foram da forma

e+n (x) =1p2Lexp (iknx) ; kn =

n�

L

e�n (x) =1p2Lexp (�iknx) ; n 2 N

Assim, o momento associado a partículas nestes estados vale

pe+n = �i~ ddx

1p2Lexp (i knx) = ~kn

1p2Lexp (i knx) = ~kne+n

pe�n = �~kne�n

142

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Ou seja partículas no estado e+n correspondem a partículas com momento positivo ~kn e no estado e�n commomento negativo �~kn. Se usarmos um análogo clássico deste sistema podemos dizer que as primeiras tem

velocidade positiva (vão para a direita) e as outras velocidade negativa (vão para a esquerda).

Observe agora que os auto-estados de H 0 acima também são auto-estados de p. O que era de se esperar,

pois nossas partículas estão livres e toda a sua energia é cinética. Assim, dado o valor (auto-valor) de p

sabemos o valor (auto-valor) de H.

Agora, quando �xamos a condição de fronteira (L) = (�L) = 0, as autofunções de H foram

�n (x) = N� sin�k�n x

�; k�n =

Ln ;

+n (x) = N+ cos�k+n x

�; k+n =

L

�n+

1

2

�;

que certamente não são autofunções de p.Mas por que, se neste caso também a partícula continua livre?O ponto é que a condição de fronteira (L) = (�L) = 0 signi�ca (�sicamente) que a partícula não

pode penetrar na parede e, como esta partícula não pode desaparecer, ela tem de ser re�etida. Assim,para esta condição de fronteira temos a visão clássica de uma partícula indo e voltando na caixa. Tal partícula

tem seu momento mudando constantemente e, certamente, não está num auto-estado do momento. Já para a

condição periódica de fronteira (L) = (�L) é como se, ao chegar no ponto x = L a partícula reaparecesse

no ponto x = �L (ou vice-versa). O melhor modelo clássico para isso não seria uma partícula numa caixa,

mas sim presa num anel. Neste caso, obviamente, a partícula pode �girar�sempre numa determinada direçãoe ter um momento bem de�nido.

Assim, a escolha das condições de fronteira para um problema depende do sistema físico em consideração.

Mas os resultados matemáticos nos dizem muita coisa. Por exemplo, as autofunções de p são da forma

e (x) = N exp (ikx) ;

e, para estas funções, não conseguimos �xar a condição de fronteira

(L) = (�L) = 0

O que nos diz que o momento não é uma quantidade bem de�nida da nossa partícula numa caixa. Neste

caso a interpretação é óbvia, mas, em casos mais complicados, a incapacidade de �xar certas condições de

fronteira, ou alguma outra peculiaridade matemática, pode nos dar uma in�nidade de informações físicas

novas sobre o sistema.

143

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9.1 Operadores auto-adjuntos

Como vimos, os operadores auto-adjuntos são os elementos cruciais na construção de funções ortogonais. Pois

seus autovetores formam uma base completa de L2. Além disso, estes operadores são os elementos principais

em MQ, pois (um resultado de Von Neumann) observáveis estão associados a operadores auto-adjuntos (e

não hermitianos).

De�nition 69 Um operador L é auto-adjunto se ele for hermitiano (L = L+) e se seu domínio for igual

a de seu adjunto (D (L) = D (L+)), ou seja, se L = L+.

Exemplo: Vamos voltar ao exemplo tratado anteriormente

L = id

dx; D

�L�=� ; 0 2 L2 (a; b) ; a:c: ; (a) = (b) = 0

como vimos anteriormente, este operador é hermitiano.

h 1j L j 2i =

Z b

a

�1 (x)hL 2 (x)

idx =

Z b

a

�1 (x)

�id

dx 2 (x)

�dx

= [ �1 (x) 2 (x)]ba + h 2j L j 1i

Qual o domínio do operador L+? Em outras palavras, em quais funções 1 L+ pode atuar sem que isso

quebre a simetria de L? Observe que, mesmo que 1 (a) 6= 0 e 1 (b) 6= 0 temos

h 1j L j 2i = �1 (b) 2 (b)� �1 (a) 2 (a) + h 2j L j 1i

= �1 (b)� 0� �1 (a)� 0 + h 2j L j 1i

= h 2j L j 1i

ou seja, L é hermitiano para

D�L+�=� ; 0 2 L2 (a; b) ; a:c:

� D

�L�

ou seja D�L+�6= D (L), portanto nosso operador L, apesar de hermitiano, não é auto-adjunto.

Exemplo: vamos agora de�nir o operador

Lc = id

dx; D

�Lc

�=� ; 0 2 L2 (a; b) ; a:c: ; (a) = c (b)

; c 2 C

144

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h 1j Lc j 2i = [ �1 (x) 2 (x)]ba + h 2j Lc j 1i

= �1 (b) 2 (b)� �1 (a) 2 (a) + h 2j Lc j 1i

= [ �1 (b)� c �1 (a)] 2 (b) + h 2j Lc j 1i

6= h 2j Lc j 1i

Para tentar simetrizar este operador, vamos tentar de�nir o domínio de D�L+c

�como

D�L+c

�=� ; 0 2 L2 (a; b) ; a:c: ; (a) = c (b)

= D

�L�

com isso,

h 1j Lc j 2i = [ �1 (b)� c �1 (a)] 2 (b) + h 2j Lc j 1i

= [ �1 (b)� cc� �1 (b)] 2 (b) + h 2j Lc j 1i

= [1� cc�] �1 (b) 2 (b) + h 2j Lc j 1i

=h1� jcj2

i �1 (b) 2 (b) + h 2j Lc j 1i

Vemos então que nosso operador será simétrico se (e somente se)

jcj2 = 1 =) c = ei� ; � 2 R :

ou seja, se de�nirmos o operador

L� = id

dx; D

�L�

�=� ; 0 2 L2 (a; b) ; a:c: ; (a) = ei� (b)

; � 2 R :

Assim, o novo operador L�, diferente de L, é um operador auto-adjunto.

(D�L+�� D

�L�)

Dos exemplos acima vemos que, no primeiro caso o D�L+�é maior que o D

�L�, D

�L+�� D

�L�,

enquanto no segundo caso D�L+�= D

�L�. É possível provar que, no caso geral, D

�L�� D

�L+�, i.e.,

o domínio de L nunca é maior que o domínio de L+. O que �zemos no segundo exemplo foi restringir o

domínio de L+, que chamamos de D�L+�

�. Obviamente D

�L+��� D (L+). Assim, se D (L+) 6= D (L), como

no primeiro exemplo, as vezes (mais nem sempre) é possível reduzir o domínio do adjunto de forma que o

novo operador seja auto-adjunto. Um procedimento para fazer foi desenvolvido por Von Neumann.

Vemos assim que todo operador auto-adjunto é, por de�nição, hermitiano, mas o contrário não é ver-

dade. Esta diferença, que a primeira vista parece uma tecnicalidade, possui importantes conseqüências tanto

matemáticas quanto físicas.

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9.2 O oscilador harmônico

Como um excelente (além de importante) exemplo da aplicação do formalismo desenvolvido acima, temos o

tratamento do oscilador harmônico quântico. Como se verá no desenvolvimento que segue, a noção abstrata

do espaço de Hilbert (sem sua realização) permite simpli�car bastante o problema. Deve-se tentar resolver o

problema partindo diretamente da equação de Schrödinger (ES) para se veri�car isto.

Vamos introduzir os seguintes operadores diferenciais lineares

L � H = � ~2

2m

d2

dx2+1

2m!2x2 ;

p = �i~ ddx

D (p) = D�H�=� ; 0 2 L2; a:c:

aqui H é o operador hamiltoniano de um oscilador harmônico. A solução do problema quântico se obtém

pela solução da ES estacionária, i.e., através da solução do problema de autovalores de H,

H = E =) � ~2

2m

d2

dx2+1

2m!2x2 = E

Esta equação não é nada simples de se resolver.

Vamos tentar então um método alternativo. Primeiro observe que, para qualquer função 2 D (p) temos

xp � p (x ) = x

��i~ d

dx

� �

��i~ d

dx

�(x )

= �i~x d

dx + i~

d

dx(x )

= �i~x d

dx + i~ ( ) + i~x

d

dx

= i~ (75)

Se usarmos a notação

xp � p (x ) = [xp� px] � [x; p] ;

onde

[x; p] � [xp� px]

é chamado o comutador de x com p, lembrando que o operador atua em tudo que estiver a sua direita e que

(75) é válida para toda função , podemos escrever simbolicamente

[x; p] = i~ (76)

146

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ou seja, sempre que aparecer o comutador entre x e p podemos substituir por i~. Lembre que aquantidade acima é um operador enquanto a quantidade à direita da igualdade é um número.

Remark 70 Assim, esta igualdade só faz sentido quando ambos os lados atuam numa função qualquer.

Vamos agora de�nir os seguintes operadores diferenciais

a =�p2

�x+

ip

m!

�; a+ =

�p2

�x� ip

m!

�x =

1

�p2

�a+ a+

�; p = i~

�p2

�a+ � a

�(77)

� =

rm!

~

Com estes novos operadores o Hamiltoniano pode ser escrito como (veri�que):

H = �~2 �2

2

(a+ � a)2

2m+1

2

1

�22m!2

�a+ a+

�2=

1

4!~h�a+ a+

�2 � �a+ � a�2i=

1

4!~ha2 + aa+ + a+a+

�a+�2 � �a2 � aa+ � a+a� �a+�2�i

=1

2!~�aa+ + a+a

�H =

p2

2m+1

2m!2x2 =

1

2!~�aa+ + a+a

�(78)

As regras de comutação (76) implicam que (veri�que):

�a; a+

�=

�2

2

��x+

ip

m!

�;

�x� ip

m!

��=

�2

2

��x+

ip

m!

�;

�x� ip

m!

��=

�2

2

��x+

ip

m!

��x� ip

m!

���x� ip

m!

��x+

ip

m!

��=

�2

2

"x2 � x ip

m!+

ip

m!x�

�ip

m!

�2� x2 � x ip

m!+

ip

m!x+

�ip

m!

�2#

= �i�2

2

2

m![x; p]

= 1

147

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ou seja,

[x; p] = i~ =)�a; a+

�= 1 : (79)

Com isso

H =1

2!~�aa+ + a+a

�= ~!

�a+a+

1

2

�Suponha agora que n (x) é uma auto função qualquer de H, ou seja,

H n = En n

Agora uma característica muito mais do que importante dos operadores (77): Usando a regra decomutação (79) vemos que

Ha n = ~!�a+a+

1

2

�a n = ~!

��a+a

�a+

1

2a

� n

= ~!��aa+ � 1

�a+

1

2a

� n

= a~!�a+a� 1 + 1

2

� n

= a~!��a+a+

1

2

�� 1� n

= ahH � ~!

i n

= a [En � ~!] n

= ~!�En~!� 1�a n :

fazendoEn~!

= �n =) H n = ~!�n n

temos

Ha n = ~! (�n � 1) a n :

Ou seja, se n é autovetor de H com autovalor ~!�n, então a n é outro autovetor de H, mas comautovalor ~! (�n � 1) diminuindo de uma unidade. Simbolicamente podemos chamar este vetor de n�1;

a n � n�1 ; H n�1 = ~!�n�1 n�1 ; �n�1 � �n � 1 :

148

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Da mesma forma

Ha+ n = ~!�a+a+

1

2

�a+ n

= ~!�a+aa+ + a+

1

2

� n

= ~!�a+�1 + a+a

�+ a+

1

2

� n

= a+~!��1 + a+a

�+1

2

� n

= a+~!�1 + H

� n

= a+~! (1 + �n) n= ~! (1 + �n) a+ n

Ou seja, se n é autovetor de H com autovalor ~!�n, então a+ n é outro autovetor de H, mas com autovalor~! (�n + 1) acrescido de uma unidade. Simbolicamente podemos chamar este vetor de n+1;

a+ n � n+1 ; H n+1 = ~!�n+1 n+1 ; �n+1 � �n + 1 : (80)

Por isso estes operadores são chamados de operadores de criação a+ e aniquilação a.

Vamos usar agora que a energia do sistema é uma quantidade positiva8

h j H j i � 0

num estado n qualquer

h nj H j ni = h nj ~!�n j ni = ~!�n h nj ni = ~!�n � 0 : (81)

(onde supusemos que n está normalizado).

(Estado fundamental)Se a energia é positiva deve haver um estado de energia fundamental, i.e., um estado cuja energia não

possa ser reduzida. Podemos chamar este estado simbolicamente de 0 com energia �0 � min (�n).8 Isso pode ser visto observando que para qualquer autovetor normalizado n temos

h nj a+a j ni =

Z b

a[ n (x)]

� �a+a n (x)� dx=

Z b

a[a n (x)]

� [a n (x)] dx

= ha nj ja ni � 0 :

149

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Mas a existência do operador a garante que sempre podemos baixar a energia do sistema. Ou seja, o

vetor = a 0 teria uma energia �0 � 1 < �0, a menos que (x) = 0, ou seja,

a 0 = 0 :

Isso é tudo que precisamos para caracterizar o OH.Voltando agora para os nossos operadores originais (x; p) temos:

a 0 = 0 =)�p2

�x+

ip

m!

� 0 = 0

x 0 +~m!

d 0dx

= 0

fazendo

k =~m!

temosd 0dx

= �1kx 0 =)

1

0

d 0dx

=d

dxln 0 = �

x

k;

Fácil ver que a equação acima é bem mais fácil de resolver que a nossa equação original (??). Sua soluçãovale

ln 0 = �x2

2k+ C =) 0 (x) = N exp

��x

2

2k

�:

com N uma constante (normalização).

A exigência a 0 = 0, nos permite ainda determinar a energia deste estado fundamental. Partido da eq.

(78)

H n = ~!�n n

~!�a+a+

1

2

� 0 = ~!�0 0

~!�a+ (a 0) +

1

2 0

�= ~!�0 0

~!1

2 0 = ~!�0 0

�0 =1

2

Então já temos o estado fundamentas e a sua energia (auto-valor).

(o oscilador nunca para de oscilar)Observe que a descrição quântica do OH implica na existência de uma energia mínima (o oscilador nunca

para de oscilar).

150

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Como construir os outros estados n?

Para isso, basta usar a propriedade (80)

a+ n = n+1 =) a+ 0 = 1 =)�p2

�x� ip

m!

� 0 = 1

E1 = ~! (�0 + 1) = ~!�1

2+ 1

�explicitamente

�p2

�x 0 �

~m!

d

dx 0

�= 1

1 (x) =�p2x

1 +

~~m!m!

! 0

1 (x) = 2�p2x 0 = N

2�p2x exp

��x

2

2k

�Da mesma forma, podemos obter todos os outros estados (não-normalizados) n

n =�a+�n 0

n (x) = N

��p2

�x� ~

m!

d

dx

��n 0 (x)

Com autovalor

En = ~!�n+

1

2

�9.2.1 Normalização

As funções n (x) não estão normalizadas, i.e., após a aplicação do operador a+ n vezes, precisamos calcular

N . Isso pode ser simpli�cado supondo que, se n é um vetor normalizado, queremos obter N e N+ para que

a n � N n�1

a+ n � N+ n+1

a n e a+ n também já estejam normalizados.

H j ni = En j ni

~!�a+a+

1

2

�j ni = ~!

�n+

1

2

�j ni

a+a j ni = n j ni

151

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multiplicando pelo dual de j ni temos

h nj a+a j ni = n h nj j ni = n (82)

Agora observe que, pela de�nição de adjunto

h j A j�i = h�j A+ j i

temos Z� �A��dx =

Z�� (A+ ) dx =

Z(A+ )� dx

ou seja, podemos calcular h j A j�i como o produto do dual de j i com A j�i, ou como o produto de j�i como dual de A+ j i. Com isso

h nj a+a j ni =Z� n�a+ (a n)

�dx =

Z �a� n

�(a n) dx

se �zemos

j�ni = a j ni

a expressão acima se torna Z(�n) (�n) dx = h�nj j�ni = j�nj2 = ja nj

2

usando (82)

ja nj2= n)

���� a npn����2 = 1

ou seja, se quisermos um vetor normalizado não devemos de�nir a n = n�1, mas sim

a npn� n�1 ) a n =

pn n�1

Da mesma forma

h nj aa+ j ni = h nj 1 + a+a j ni = 1 + h nj a+a j ni = 1 + n =��N+

��2a+ n =

pn+ 1 n+1

Ou, fazendo m = n+ 1,

a+ m�1 =pm m

152

Page 153: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

com isso

m =a+ m�1p

m=

a+pm

a+pm� 1

a+pm� 2

m�3

=a+pm

a+pm� 1

a+pm� 2

:::a+pm�m

m�m

=(a+)

m

pm!

0 :

Assim, a formula para a n-ésima autofunção do hamiltoniano do OH se torna

n (x) =N0pn!

��p2

�x� ~

m!

d

dx

��n 0 (x)

onde N0 é a normalização do estado 0 .

As funções n assim construídas são chamadas de funções de Hermite.

Exercise 71 Use a integral gaussiana Z 1

�1e�x

2

dx =p�

e ache a normalização N0.

Exercise 72 Construa a função de Hermite 4 (x).

Qual o domínio do operador H em consideração?

Assim, como antes, fazendo uma integração por partes temos:

h j H+ j�i =�d�

dx�

�L�L��d�

dx�

�L�L+ h�j H+ j i

Se �xarmos L =1 temos

h j H+ j�i =�d�

dx�

�1�1��d�

dx�

�1�1

+ h�j H+ j i

Nosso operador será hermitiano se (�1) = � (�1) = 0, ou seja, nossas funções vão à zero no in�nito.

Assim, o domínio do nosso operador vale

D�H�=� ; 0 2 L2 (�1;1) ; (�1) = 0 (�1) = 0; a:c:

Felizmente praticamente todas as funções usadas em física (e em todas as aplicações práticas) são deste

tipo9 .

9Um ponto bizarro é que podemos construir funções que não vão a zero no in�nito e, ainda assim, são de quadrado integrável

153

Page 154: Física MatemÆtica I - uel.br · É graças à propriedade acima que podemos tªo facilmente estender uma funçªo real para o plano complexo, por exemplo, e x ! e z . AlØm disso,

Resumindo: a construção de funções ortogonais consiste na determinação dos autovetores (autofunções)de operadores auto-adjuntos, ou, ao menos, hermitianos. Vimos os seguintes casos:

1. O operador de momento

p = �i~ ddx

com condições periódicas de contorno, fornece as funções ortogonais

e (x) =1p2Lexp (iknx) ; kn =

n�

L

presentes na decomposição da série de Fourie. Este operador está relacionado com vários problemas

em física, em especial com o problema quântico de uma partícula numa caixa.

2. O operador

H = � ~2

2m

d2

dx2+1

2m!2x2

no espaço das funções L2 (�1;1) cujas autofunções são

n (x) =N0pn!

��p2

�x� ~

m!

d

dx

��n 0 (x)

conhecidas como funções de Hermite. Este problema está relacionado, em especial, com a equação do

oscilador harmônico.

Outros casos muito encontrados são:

1. Equação diferencial de Legendre

L =�1� x2

� d2

dx2� 2x d

dx+ n (n+ 1)

Cujas soluções são os polinômios de Legendre

Pn (x) = N1

2nn!

dn

dxn�x2 � 1

�n:

Esta equação esta relacionada, por exemplo, com o problema quântico do átomo de hidrogênio.

2. Equação diferencial generalizada de Legendre

L =�1� x2

� d2

dx2� 2x d

dx+

�l (l + 1)� m2

1� x2

�(veja o livro Akhiezer N.I., Glazman I.M. Theory of linear operators in Hilbert space). Entretanto, a exigência de que a derivadada função vá a zero no in�nito é condição necessária para que ela seja de quadrado integrável.

154

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Cujas soluções são os polinômios generalizados de Legendre

Pml (x) = N (�1)m�1� x2

�m=2 dm

dxm(Pj) :

3. A equação de Laplace em coordenadas esféricas

L =2

r

@

@r+

@2

@r2+

1

r2 sin �

�cos �

@

@�+ sin �

@2

@�2

�+

1

r2 sin2 �

@2

@'2

cujas autofunções são os harmônicos esféricos

Y ml (�; ') = Neim'Pml (cos �)

Esta equação esta relacionada, por exemplo, também com o problema quântico do átomo de hidrogênio.

10 Operadores integrais e transformadas

10.0.2 Transformada de Fourie

Como vimos anteriormente certas funções ortogonais estão de�nidas em todo o espaço L2. Decomposições

desta forma têm a vantagem de grande parte dos problemas da física respeitarem estas condições. Menos,

é claro, funções periódicas, para a qual temos a série de Fourie. Nosso objetivo aqui é estender a série de

Fourie, de�nida em �L,L para o caso L-i, o que, entre outras coisas, elimina o problema da série não convergir

para a função nos extremos.

Como vimos, a decomposição em série de Fourie de uma função f (x), x 2 [�L;L] é dada por

f (x) =1p2L

Xn

an exp�in�

Lx�; an =

1p2L

Z L

�Lf (x) exp

��in�

Lx�dx

gostaríamos de tomar o limite L ! 1. Obviamente, neste limite, nem a série, nem os coe�cientes, estão

de�nidos. Entretanto, podemos resolver esta indeterminação exigindo que as quantidades

p2Lan

tenham um valor �nito. Vamos então fazer a mudança de variável

n�

L= k

e exigir que p2Lan = h (k) ;

155

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Além disso, como n aumenta sempre de uma unidade na somatória, temos

�n = n+ 1� n = 1)Xn

Fn =Xn

Fn�n

n�

L= k ) dk

dn=�

L

Fn = F (k))Xn

Fn�n !L

Z 1

�1F (k) dk

f (x) =1p2L

Xn

an exp�in�

Lx�

Fn =1p2Lan exp

�in�

Lx�) F (k) =

1p2L

h (k)p2Lexp (ikx)

f (x) =1

2�

Z 1

�1h (k) exp (ikx) dk

com

h (k) =p2Lan =

Z 1

�1f (x) exp (�ikx) dy

ou ainda, fazendo

g (k) =h (k)p2�

temos

f (x) =1p2�

Z 1

�1g (k) exp (ikx) dk

g (k) =1p2�

Z 1

�1f (x) exp (�ikx) dx

A expressão para a função f(x) acima é chamada de fórmula integral de Fourie. A função g acima é

chamada de transformada de Fourie de f . Pela simetria destas expressões, podemos chamar f também da

transformada de g. Muitos livros adotam a notação

F [f (x)] � g (k) =1p2�

Z 1

�1f (x) exp (�ikx) dx ;

F [g (k)] � f (x) =1p2�

Z 1

�1g (k) exp (ikx) dk :

Obviamente no procedimento acima não há nenhuma razão para crer que a integral de Fourie convirja

para a função. Entretanto, substituindo os coe�cientes da transformada (a função g) na formula integral

156

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temos:

f (x) =1p2�

Z 1

�1g (k) exp (ikx) dk

=1p2�

Z 1

�1

�1p2�

Z 1

�1f (x0) exp (�ikx0) dx0

�exp (ikx) dy

=1

2�

Z 1

�1

Z 1

�1f (x0) exp [i (x� x0) k] dx0 dk

=

Z 1

�1f (x0)

�1

2�

Z 1

�1exp [i (x� x0) k]

�dk dx0

=

Z 1

�1f (x0) � (x� x0) dx0

onde

� (x� x0) = 1

2�

Z 1

�1exp [i (x� x0) k] dk

A quantidade acima é conhecida como delta de Dirac. Um resultado da teoria das distribuições, a�rma que:

para qualquer função f (x) 2 L2 (�1;1). A seguinte igualdade é válidaZ 1

�1f (x0) � (x� x0) dx0 = f (x)

Este resultado mostra que realmente a fórmula integral de Fourie (assim como a série de Fourie) tente (em

módulo quadrado) para a função.

Observe também queZ 1

�1jg (k)j2 dk =

Z 1

�1�g (k) g (k) dk

=1

2�

Z 1

�1

�Z 1

�1�f (x0) exp (ikx0) dx0

� �Z 1

�1f (x) exp (�ikx) dx

�dk

=

Z 1

�1

Z 1

�1

Z 1

�1

exp (ik (x0 � x))2�

dk �f (x0) f (x) dx0 dx

=

Z 1

�1

Z 1

�1� (x0 � x) �f (x0) dx0 f (x) dx

=

Z 1

�1�f (x) f (x) dx

=

Z 1

�1jf (x)j2 dx :

Este resultado é conhecido como teorema de Parseval. Ou seja, se f (x) 2 L2 (�1;1) é uma função variávelx, então g (k) 2 L2 (�1;1) como uma função da variável k.

157

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A convergência acima pode ser explicitamente provada (usando a fórmula integral de Dirichlet) para

funções de módulo integrável Z 1

�1jf (x)j dx <1

(veja o livro do Courant-Hilbert). Mas, para o caso de funções L2, que são o nosso interesse, precisamos de

resultados da teoria das distribuições.

Obviamente o mesmo procedimento acima pode ser desenvolvido usando outros sistemas de funções or-

togonais (e não apenas as exponenciais). Desta forma, existem vários outros tipos de transformadas. Por

exemplo, a transformada de Henkel que utiliza as funções de Bessel.

Exercise 73 Mostre que, se f (x) é uma função par, então:

g (k) = 2

Z 1

0

f (x) cos (kx) dx ;

conhecido como Transformada de Fourie dos cossenos.

Exercise 74 Mostre que a transformada de Fourie de uma gaussiana

f (x) = N exp

��x

2

a2

�é também uma gaussiana.

Exercise 75 Mostre que

F [f 0 (x)] = ikF [f (x)] ; f 0 = df

dx

10.0.3 A delta de Dirac

A delta de Dirac é uma quantidade bastante útil nas manipulações do espaço L2. A forma explicita acima

é apenas uma das in�nitas formas de se construir explicitamente a delta de Dirac. No caso geral, esta

quantidade é construída apenas pela de�nição:

� (x� x0) = 0 para x 6= x0Z 1

�1f (x) � (x� x0) dx = f (x0)

Em especial, para f (x) = 1 temos Z 1

�1� (x� x0) dx = 1 :

Pela de�nição acima, vemos que esta quantidade não pode ter um valor �nito em x = x0, pois, neste caso, a

integral seria zero (a área embaixo de um ponto é zero). Assim, esta quantidade não é uma função. Mas

158

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sim uma quantidade chamada distribuição, i.e., uma quantidade que só faz sentido quanto integrada.

Através da notação de Dirac podemos expressar também a formula integral de Fourie fazendo:

jfi =Z 1

�1g (k) jeki dk

onde agora o "vetor" jki tem suas componentes indexadas por um índice contínuo10

ek (x) =1p2�exp (ikx)

Com a de�nição acima temos

hek0 j eki =1

2�

Z 1

�1exp [i (k � k0)x] dx = � (k � k0) ;

e para obtermos os coe�cientes g (k) (os coe�cientes da expansão) basta �projetar� jfi em jeki

hek0 j fi =

Z 1

�1g (k) hek0 j eki dk

=

Z 1

�1g (k) � (k � k0) dk

= g (k0)

o que, obviamente, fornece a expressão para g (k) obtida anteriormente

g (k) = hekj fi =1p2�

Z 1

�1f (x) exp (�ikx) dx : (83)

Claro que, pela simetria entre g e f , podemos da mesma forma de�nir

jgi =Z 1

�1f (x) jexi dx

onde jexi possui componentesex (k) =

1p2�exp (�ikx) = (ek (x))

Remark 76 Observe que agora x é o índice (contínuo) que identi�ca o vetor e k é o parâmetro da função.

Com isso,

hex0 j exi =1

2�

Z 1

�1exp [i (x0 � x) k] dk = � (x0 � x)

10Observe que k é o índice que identi�ca o �vetor� e x o parâmetro da função.

159

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e

f (x) = hexj gi =1p2�

Z 1

�1g (k) exp (ikx) dk

Podemos então obter todas as expressões anteriores se trocarmos todas as somatórias por integrais e

generalizamos a nossa de�nição de ortogonalidade para

henj emi = �nm ! hex0 j exi = � (x� x0) :

Estas igualdades nos permitem trata jxi como uma "base" contínua do espaço e a transformada de Fouriecomo uma mudança da base jxi para a base jki. Mas isso é só uma forma de lidar com as coisas, ou seja, é

útil, mas não é rigorosamente verdade. Lembre da discussão de cardinalidade. Nosso espaço tem uma

base contável e um conjunto contínuo de vetores jxi possui mais elementos (uma maior cardinalidade) que umconjunto contável de vetores jni. Por isso no conjunto fjxig temos mais vetores que a base fjnig. E qualquerconjunto com mais elementos que uma base não é uma base ortonormal. Em especial, seus elementosnão podem ser ortogonais. Ou seja, a generalização acima não é (rigorosamente) uma expressão deortogonalidade. Além disso, fácil ver que as funções

ex (k) =1p2�exp (�ikx) ; ek (x) =

1p2�exp (ikx)

não são de quadrado integrável (com a medida usual), de sorte que jxi ; jki =2 L2 (�1;1).Toda esta questão é extremamente complicada e exige uma discussão profunda sobre análise de operadores

no espaço de Hilbert e teoria das distribuições. Em especial, para incorporar as funções ex (k) e ek (x) numa

teoria consistente existe uma generalização do conceito de espaço de Hilbert, chamado rigged Hilbert space

(ou equipped Hilbert space).

Mas o ponto é que você será muito feliz se, ao tratar a grande maioria dos problemas, esquecer tudo isso

e tratar jexi e jeki como uma base do espaço de Hilbert. Estes vetores (vamos então esquecer as aspas) sãotão usados que simpli�camos sua notação

jxi � jexi ; jki � jeki :

com isso

hx0j xi = � (x� x0) ; hk0j ki = � (k � k0)

Assim, dado um vetor jfi 2 L2 (�1;1) podemos decompor este vetor na base fjxig

jfi =Z 1

�1jxi hxj fi dx

160

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com componentes

hxj fi = f (x)

ou na base fjkig

jfi =Z 1

�1g (k) jki dk =

Z 1

�1jki hkj fi dk

com componentes

hkj fi = f (k) :

Obviamente f (k) = F [f (x)] é a transformada de f (x) (nessa notação usamos a mesma letra para a trans-formada e só mudamos a variável).

Neste sentido, a transformada pode ser vista como uma mudança de base. Pois, dado um vetor na base

fjxig

jfi =Z 1

�1jxi hxj fi dx =

Z 1

�1jxi f (x) dx

suas componentes na base fjkig são

f (k) = hkj fi =Z 1

�1hkj xi f (x) dx

Comparando com a expressão da transformada de Fourie (83)

hkj fi = 1p2�

Z 1

�1f (x) exp (�ikx) dx

temos

hkj xi = 1p2�exp (�ikx) :

E as funções da Transformada são os coe�cientes de mudança das duas bases.

Exercise 77 Considere um vetorhi 2 L2

Decomponha o vetorhi na base fjxig.Faça

h (x) = xf (x)

e mostre que

hkj hi = id

dkhkj fi

Ou seja,

F [xf (x)] = id

dkF [xf (x)] :

161

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AplicaçãoVamos considerar um exemplo usando a equação de difusão. Ou seja, vamos determinar a distribuição de

temperatura T (x; t) num sólido (considerado in�nito) sabendo que T (x; 0) = f(x). Precisamos então resolver

a equação@2T

@x2=1

@T

@t

Fazendo a transformada de Fourie de T na variável x temos

F [T ] = F (k; t) =

Z 1

�1

exp (ikx)p2�

T (x; t) dx

Usando as propriedades

F�@2T

@x2

�= �k2F [T ]

temos que F (k; x) obedece a equação

�k2F = 1

@F

@t

com isso

F (k; t) = exp��k2�t

�� (k)

Pela de�nição de F sabemos que

F (k; 0) =

Z 1

�1

exp (ikx)p2�

T (k; 0) dx = � (k)

Usando agora a condição inicial

� (k) =

Z 1

�1

exp (ikx)p2�

f(x) dx

Com isso

F (k; t) = exp��k2�t

� Z 1

�1

exp (ikx)p2�

f(x) dx

Para obtermos a distribuição de temperatura, basta agora aplicar a transformada inversa

F [F ] = T (x; t) =

Z 1

�1

exp (�ikx)p2�

F (k; t) dk

162

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com isso

T (x; t) =

Z 1

�1

exp (�ikx)p2�

�exp

��k2�t

� Z 1

�1

exp (ikx0)p2�

f(x0) dx0�dk

=

Z 1

�1

�1

2�

Z 1

�1exp

��k2�t

�exp (ik (x0 � x)) dk

�f(x0) dx0

Este resultado já pode ser usado para calcularmos a distribuição numericamente. Entretanto, a integral em

k pode ser facilmente calculada completando o quadrado

��k2�t+ ikA

�� (ak � b)2 = �a2k2 + 2akb� b2 = �k2�t+ ikA

a =p�t ; b =

iA

2p�t

A = (x� x0)

com isso

1

2�

Z 1

�1exp

��k2�t+ ikA

�dk =

1

2�

Z 1

�1exp

��p

�tk � iA

2p�t

�2� A2

4�t

!dk

= exp

�� A

2

4�t

�1

2�

Z 1

�1exp

��p

�tk � iA

2p�t

�2!dk

usando a integral gaussiana

1

2�

Z 1

�1exp

��k2�t

�exp (ik (x0 � x)) dk = 1

4��texp

h� (x� x0)2 =4�t

itemos

T (x; t) =

Z 1

�1G (x; t;x0) f(x0) dx0

G (x; t;x0) =1

4��texp

h� (x� x0)2 =4�t

iA função G (x; t;x0), que permite calcular a solução do nosso problema num instante qualquer, dada a

condição inicial, é chamada de função de Green do problema.

163