fonseca, claudia. uma virada imprevista

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    T rficos de rfos e de rgos e adoo internacional compunhamum pacote pronto para consumo na mdia brasileira de 10 anosatrs. Hoje, com novas polticas priorizando a convivncia familiar,osexcessosdessetrficointernacional,nasuamaioria,foramafasta-dos,eaprpriaadoofoicolocadaemumsegundoplano.Mas,justa-

    mente devido a essa distncia confortvel diante dos escndalos dosanos1990,cabeagorareveralgunsmomentosdessapocaaascensoeaquedadaadoointernacionalnoBrasilparatirardelaalgumasli-eserefletirsobreaspressesnacionaiseinternacionaisquevmain-fluenciar polticas sociais no pas. Assim, depois de um rpido olharsobre o mercado internacional de crianas adotveis, voltarei a aten-o para uma preocupao clssica da antropologia do direito, procu-rando entender a interao entre leis nacionais, a opinio pblica tal

    como refletida na mdia e prticas concretas de indivduos envolvidosno campo da adoo. Tentarei demonstrar, no decorrer deste artigo,que, por estarem relacionadas a uma situao global particularmentenova com um sem-nmero de variveis em jogo, nem sempre as ten-dncias de adoo internacional so fceis de prever.

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    *AgradeoaDomingosAbreuosvaliososcomentriosqueforamincorporadosnestear-tigo.

    DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 49, no 1, 2006, pp. 41 a66.

    Uma Virada Imprevis ta: O Fim da AdooInternacional no Brasil*

    Claudia Fonseca

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    No faz muito tempo, escndalos sobre adoo internacional estavamem evidncia, aparecendo com regularidade na mdia brasileira. No fi-nal de 1995, jornais de circulao nacional ainda publicavam reporta-gens alegando equivocadamente como veremos depois ser o Brasilo maior exportador mundial de crianas adotadas (Folha de S. Paulo,15/11/1995). Mesmo cinco anos mais tarde, era possvel encontrar empraticamente qualquer dos maiores canais televisivos programas so-bre os excessos da adoo internacional no Brasil. E, ainda naquelapoca, os profissionais brasileiros consultados para essa pesquisa1 assistentes sociais, juzes e psiclogos especialistas no processo deadoo eram unnimes na sua convico de que at ali, na virada domilnio, a adoo internacional continuava perigosamente popular

    em um bom nmero dos 27 estados do pas.

    Levanteiahipteseque,defato,aspreocupaesdurarammaistempodo que o perigo real. Certamente, at meados dos anos 1990, haviamotivos de sobra para considerar o Brasil como um dos maiores for-necedores de crianas no mundo. Kane, escrevendo sobre os anos1980, classificara o Brasil como o quarto maior exportador de crianas(atrsdeCoria,ndiaeColmbia)prevendoque,mantendo-seospa-dresatuais[,]aAmricadoSulsetornarembreveamaiorregioex-

    pedidora (1993:323). Na poca, crianas brasileiras pareciam encabe-ar a lista de adotados estrangeiros em pases como Frana e Itlia. Asestatsticas de 1993 da Polcia Federal brasileira mostravam que, depo-is de uma pausa no incio da dcada, o nmero de crianas saindo dopas com pais adotivos estrangeiros crescia outra vez. Conforme essafonte,nosprimeirosquatroanosdadcadade1990,onmerodecrian-as adotadas no exterior j ultrapassava a soma das adoes de toda adcada anterior.

    Noentanto,japartirde2000,estvamoscomdvidasquantoatuali-dadedessasprticas.Naqueleano,Selman(2000),umpesquisadorbri -tnico, especializado em adoo internacional, apresentou dados pre-liminares de sua pesquisa, afirmando que, em 1998, entre os 14 pasesde onde saam mais crianas adotadas, o Brasil era quase o ltimo dalista2. Seria possvel explicar essa subestimao em termos do recor-te do universo pesquisado? O material de Selman, limitado a crianasde 0 a 4 anos, no inclua entre seus dados acerca das principais na-

    es receptoras a Itlia, destino principal de pequenos brasileiros.Mas, um exame mais demorado dos dados mostrava que o Brasil noeraonicopasdestronadodesualideranaentreasnaesdoadoras

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    de crianas. A ndia tambm cara para um patamar que, levando emconsiderao a sua populao, a colocava em ltimo lugar na lista depases doadores. Para sanar minhas dvidas, recorri no final de 2000

    diretamente Polcia Federal em Braslia, seo de passaportes, pelaqual todas as crianas legalmente adotadas por estrangeiros deveriampassar. Assim, recebi, via internet, em arquivos separados por ano, de1990 a 2000, o nmero de adoes internacionais realizadas por cadacomarca no pas. Comparado com dados sobre os anos de 1986 a 1994apresentados na tabela da Polcia Federal3 que localizei junto ao Juiza-do da Infncia e Juventude em Porto Alegre, esse material deu a visogrfica da evoluo da adoo internacional no pas, a qual pode servista no Grfico 1.

    CabemencionarqueosdadosrecebidosdaPolciaFederalem2000nofechavam inteiramente com as estatsticas fornecidas seis anos antespor aquele mesmo departamento, nem tampouco coincidiam com osnmeros que tnhamos coletado diretamente em certos juizados. Noentanto, essas discrepncias eram pequenas na sua maioriae no afeta-vam significativamente a queda dramtica na adoo internacional decrianas brasileiras registradas na dcada de 1990 de 2.000 por ano,

    no incio, para 400, no final da dcada.

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    Ano

    Nmerodecriana

    s

    Grfico 1

    Adoo Internacional de Crianas Brasileiras

    Fonte: N.I.C.I , DPMAF, Sistema Nacional de Passaporte, Estatstica de Menores Adotados.

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    Diante desse quadro, cabia uma agenda de pesquisa direcionada aduas questes interconectadas: como explicar essa queda sbita deadoo internacional? Por que, apesar de to impressionante mudan-a, a grande maioria dos brasileiros ainda considerava a adoo inter-nacional uma forte ameaa? Examinarei, nos pargrafos que seguem,algumas hipteses a respeito de diferentes processos sociais e polticosque podem ser relevantes para esta discusso.

    ADOO INTERNACIONAL SITUADA NA HISTRIA RECENTE

    Para melhor entender as flutuaes de adoo no cenrio internacio-nal, cabe uma breve retomada da histria recente desse fenmeno. De

    fato, a adoo plena tal como a conhecemos hoje a transferncia totale irrevogvel de uma criana de uma famlia (biolgica ou de ori-gem)paraoutra(adotiva)umfenmenobastanterecentenahis-tria legislativa do Ocidente. Historiadores constatam que, apesar deter existido algo semelhante desde tempos imemoriais (veja-se Boswell,1988),apenasdepoisdaSegundaGuerraMundialquesegeneralizoua idia da filiao substitutiva4. Essa forma particular de colocaode uma criana traz a possibilidade de direitos plenos do adotado nasua nova famlia, mas custa de uma ruptura completa na sua identi-dade familiar. Dessa forma, passando por cima de sculos de debate se o anonimato dos pais biolgicos (simbolizado em muitos relatospela histrica roda dos expostos) servia mais aos interesses destesou aos dos novos pais , autoridades estatais passaram a decretar sigi-lo total nos procedimentos adotivos, tornando-se guardies exclu-sivos do segredo das origens das crianas adotadas (Modell, 1994;Ouellette, 1995).

    O historiador Carp (1998), escrevendo sobre o caso norte-americano,associa a institucionalizao do segredo de origens a circunstnciasparticulares da poca. At meados do sculo XX, como na maioria deoutros contextos, eram principalmente mulheres miserveis que sim-plesmentenotinhamcondiesdecriarseusfilhosqueforneciamcri-anas a serem adotadas. Elas no tinham interesse especial em escon-der sua identidade, tampouco os legisladores se preocupavam emproteger os interesses delas. Durante os anos 1960, a revoluo sexualalcanou jovens da classe mdia norte-americana antes da revoluo

    tecnolgica que trouxe a plula contraceptiva. Teria sido neste perodode transio que a geraoseniore mais conservadora dessa classemdia teria pressionado para mudanas na lei sobre adoo, permitin-

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    do que seus netos ilegtimos fossem adotados por outras famlias semperigo de retorno. Procurava, desta forma, retirar elementos exce-dentes do recinto familiar, preservando suas filhas para um futuro ca-samento em moldes tradicionais.

    Emumcurtoespaodetempo,noentanto,houveumanovavirada.Foijustamente no auge da prosperidade ps-guerra, junto com as polticasde bem-estar social, que as tecnologias contraceptivas trouxeram, noPrimeiro Mundo, um declnio das taxas de nascimento. No somen-te diminuram as gestaes no-planejadas, como tambm ocasiona-ram um menor estigma em torno da ilegitimidade e menos pobrezaobrigando mulheres a abandonar seus filhos. Tudo isso teria ocorri-

    do justamente em uma poca bem documentada por Parsons e Bales(1955) quando o ideal da famlia nuclear estava em alta, atiando odesejo por filhos. Aquelas pessoas com dificuldades conceptivas pas-saram a se queixar da falta de crianas disponveis para a adoo.

    Em um primeiro momento, abrindo mo de suas exigncias tradicio-nais (por uma criana com fentipo semelhante ao deles), procuraramfilhos adotivos dentro das prprias fronteiras, entre as populaes po-bres e minoritrias que no tinham lucrado com os recentes avanos

    sociais. Assim, a adoo inter-racial, considerada at ento desaconse-lhvel tanto para pais quanto para filhos, passou a ser reconsiderada.Entretanto, movimentos sociais no tardaram a protestar contra essaapropriao de crianas negras, havaianas, esquims e indgenaspor casais brancos da classe mdia (ver Simon, 1984; Modell, 1998;Slaughter,2000).Apreocupaonorte-americanacomaviolaodedi-reitos de populaes minoritrias traduziu-se na sociedade europia(etnicamente mais uniforme) por um maior cuidado com os direitos

    das classes populares. Tornou-se cada vez mais difcil, conforme as leiseuropias e norte-americanas, destituir qualquer pessoa de seustatuspaternaloumaternalcontrasuavontade.Diantedetalquadro,oscasa-is, querendo adotar uma criana, passaram a dirigir-se para alm dasfronteirasnacionais,pararegiesmaispobreseondeaindanotinhamchegado inquietaes sociais e polticas sobre a adoo. Foi no bojodesse cenrio, no final dos anos 1970 e, especialmente, na dcada de1980, que ocorreu o boom de adoo internacional em pases do Ter-ceiro Mundo.

    Umaprimeiraolhadaparaaascensoequedadaadoointernacionalno Brasil poderia sugerir algo semelhante ao que aconteceu no hemis-

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    frio norte. Tradicionalmente, as crianas brasileiras tornavam-seadotveis no por estigmas morais, tais como os que se impingem ames solteiras, mas sim por condies de pura pobreza5. Logo, osotimistaspoderiamsugerirqueaadoointernacionaldecrianasbra-sileiras caiu porque melhorou o padro de vida dos pobres, diminuin-do o nmero de crianas abandonadas. Infelizmente, essa explica-o no suficientemente convincente. A despeito de certas mudanaspositivas uma pequena reduo da mortalidade infantil, por exem-plo, e uma elevao do nvel mdio de educao em 2000, os mais de30% da populao brasileira vivendo abaixo da linha de pobreza nodiferemmuitodoquesevia30anosatrs(BarroseMendona,2000),eo nmero de crianas e adolescentes abrigados no cessa de crescer.

    Outra explicao possvel que a quantidade de pais adotivos brasilei-ros pode ter aumentado a ponto de no haver mais crianas disponveispara adoo por estrangeiros. Por um bom nmero de razes, essa ex-plicaorazoavelmenteplausvel.Alegislaomudou,dandopriori-dade sistemtica a candidatos brasileiros. Lanaram-se tambm cam-panhasparapromoverumaculturadeadoo.Todavia,essahipte-se extremamente difcil de investigar, pois no existem dados centra-lizados sobre adoo dentro do pas. As poucas referncias encontra-

    das no sugerem qualquer aumento de adoes nacionais em anos re-centes. De forma significativa, um levantamento sobre o perodo1994-2004, realizado pelaFolha de S. Paulo, revela umareduode ado-es na maioria dos estados do pas (Corra, 2004).

    Portanto, proponho neste artigo olhar mais de perto trsoutrasposs-veisexplicaesparaaquedaabruptadeadoesinternacionais,quaissejam:1)asflutuaesnomercadointernacionaldecrianasadotveis;2) a presso exercida pela legislao brasileira e as agncias federais

    destinadas a regulamentar a adoo internacional; 3) as oscilaes daopiniopblicaqueoraprestigiaoraestigmatizaintermedirioslocaisenvolvidos nesta atividade.

    Esses fatores no so mutuamente excludentes. Os dois ltimos, espe-cialmente, esto muito interligados. Por razes analticas, no entanto,irei consider-los um a um.

    FLUTUAES NO MERCADO INTERNACIONAL DE CRIANAS ADOTVEIS

    A primeira hiptese que gostaria de abordar diz respeito lei da ofertae da procura. Ser possvel que o rpido declnio das adoes interna-

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    cionais no Brasil decorra de uma saturao do mercado internacionalde crianas adotveis? A demanda por crianas brasileiras no tercessado devido a uma inundao no mercado de bebs asiticos oudo leste europeu? Esta hiptese pode parecer ingnua, mas foi a primei-raqueostcnicosbrasileiros,especialistasemadoocomosquaisen-trei em contato, trouxeram tona quando confrontados com estatsti-cas recentes. Ademais, existe uma vertente entre estudiosos da adooque v o elemento mercantil como inerente ao campo.

    Zelizer (1985), no seu ensaio histrico sobre o preo da criana sempreo (Pricing the Priceless Child), fornece pistas importantes sobreessa questo. Conforme sua anlise, reformadores da poca vitoriana

    defrontavam-se com um paradoxo. Noes modernas da infncia pro-vocavam uma sacralizao crescente de crianas, ditando que estasfossem afastadas do trabalho remunerado e outras influncias profa-nas da economia mercantil. No entanto, quanto mais a criana era pre-servada, mais crescia seu valor simblico, criando assim um novo e al-tamentevalorizadomercadodecrianasdisponveisparaadoo.Sur-giram ento, no imaginrio da poca, a figura do intermedirio ganan-cioso e a me venal pronta para vender seus filhos a quem pagassemais. De forma significativa, nessas imagens que, em grande medida,

    explicam por que se tornou tabu o contato direto entre quem d e quemrecebe a criana, s o consumidor, movido presumivelmente porsentimentosnobres,parecesairileso.Retomareiadianteessadimen-sofinanceiradotrfico.Porenquanto,proponhoabordaroutrongu-lo desse mercado: a hiptese de que o prprio consumo de crian-as adotveis se modifica em funo da oferta.

    inegvel que novos pases surgiram no campo da adoo internacio-

    nal no decorrer dos anos 1990. Por exemplo, 1991 foi marcado pelogrande nmero de crianas romenas saturando o mercado mundialde adotveis. Nos Estados Unidos, o nmero de crianas adotadas daRomnia cresceu de 121 em 1990 para 2.594 em 19916. Naquele mesmoano, o nmero de crianas brasileiras adotadas nos EUA caiu de 228para 175. Inspirando-se nesta coincidncia, entre a avalanche de crian-as romenas e o leve declnio de adotados brasileiros, o observadorpode cair na tentao de deduzir uma relao de causa e efeito. Avan-ando ainda mais nesta linha de raciocnio, possvel sugerir que os

    brasileiros, no final dos anos 1990, foram afastados definitivamente dacena pela gigantesca onda de crianas chinesas e russas. Porm, taisconjeturas ficam menos convincentes quando consideramos que nos

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    EUAonmerodeadotadosdeoutrospasesdoadoresCoria,ndiaeColmbia j estava caindo antes da chegada dos romenos. Por outrolado, certos pases, como o Vietnam, tiveram um aumento constante

    do nmero de crianas adotadas nos EUA durante os anos 1990. O n-mero de crianas da Guatemala, por trgicas razes que no discutireiaqui, cresceu de maneira descomunal (de 202 em 1989 para 1.518 em2000). E os adotados peruanos aumentaram mais de 50% exatamentena poca em que as crianas romenas eram mais numerosas.

    No deveramos esquecer, no entanto, que 15 anos atrs boa parte dascrianas brasileiras no ia para a Amrica do Norte, mas para a Itlia e a

    Frana. No final da dcada de 1980, a Itlia foi, provavelmente, a maisfiel cliente do Brasil, recebendo cerca de 1.000 crianas brasileiraspor ano (quase a metade do total de adotados estrangeiros na Itlia). OaumentoquintuplicadodecrianasromenasadotadasnaItliade1993a 1994 poderia ser responsvel pela queda de crianas brasileiras ado-tadas no mesmo perodo. Da mesma forma, o ressurgimento de adota-dos brasileiros em 1995 poderia ser relacionado com a ligeira queda napopularidade dos romenos. Finalmente, poderamos associar a deco-lagem da adoo internacional de crianas russas por volta de 1996

    com o declnio definitivo da adoo de brasileiros. A flutuao no n-mero global de crianas disponveis seria assim responsvel pela que-da em importncia dos brasileiros na Itlia, de mais da metade do totalde adotados em 1990 para apenas 5% desta populao em 1999 (verGrfico 2).

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    Ano

    Nmerodecrianas

    Brasil

    Romnia

    Rssia

    Grfico 2

    Crianas Adotadas na Itlia Conforme sua Nacionalidade Original

    Fonte: Commissione per le adozioni internazionali Autorit Centrale Italiana per ladozioni inter-nazionali(PresidenzadelaConsigliodeiMinistri).LeStatistiche.Datistatisticidal1994al1999,Tavo-la7Provvedimentiefficacicomeaffidamentopreadottivoperpaesediprovenienzadelminorestra-niero Anni 1994 1999.

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    Maisumavez,estalinhadeanlise,emborasejainteressante,simplesdemais. Ela supe, entre outras coisas, que em um dado pas o influxoanual de crianas estrangeiras adotadas permanece constante supo-sioqueosdadosconsistentementecontradizem.Houtrasinmerasquestes que eu poderia levantar sobre a aplicao mecnica da teoriade mercado. Como mapear as correspondncias sem uma idia maisprecisa dos intervalos de tempo no processo de adoo, por exemplo?Se a adoo de uma criana brasileira leva em mdia dois anos, segu-ro associar a queda de adotados brasileiros nos EUA em 1991 com aofertasbitadebebsromenos?Ospaisadotivosnoteriamfeitoope-dido muito antes daquela data? Tambm difcil separar causa e con-seqncia na flutuao de adotados: o nmero de crianas brasileiras

    adotadas no exterior ter diminudo porque houve uma saturao nomercado? Ou tero as crianas de outras nacionalidades, ao contrrio,vindo a ocupar o espao criado pela retrao de tradicionais fornece-dores tais como o Brasil, a ndia, a Colmbia e (em menores propor-es) a Coria?

    Em suma, um breve exame como este das estatsticas de adoo nosEUA e na Itlia j sugere que a flutuao no nmero de crianas forne-cidasporumpasparaadoointernacionaldeterminadoporfatores

    muitomaiscomplexosdoqueameralgicadeofertaededemandadeum mercado de consumo.

    REGULAMENTAES GOVERNAMENTAIS

    Uma segunda hiptese poria em destaque deputados brasileiros to-mandomedidasparaprotegerosinteressesdacriana.Segundoestalinha de raciocnio, a queda na adoo internacional no seria devido

    tanto a tendncias em pases recebedores, quanto conscincia dos le-gisladores brasileiros da necessidade de regulamentao, inspiradaem parte por acordos internacionais como a Conveno da Organiza-o das Naes Unidas ONU de 1989 sobre os Direitos da Criana.Esta perspectiva acompanha uma tendncia global de considerar asaes legislativas e polticas como, se no a maior, uma das maiores ar-mas na guerra contra a pobreza e a injustia (Santos, 2000).

    No entanto, para sustentar essa hiptese de que uma modificao de

    lei possa provocar uma modificao de comportamentos h de se de-monstrar no apenas que novas leis foram editadas para o controle daadoo internacional no Brasil, mas tambm que essas leis foram efeti-

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    vamente aplicadas. Um breve passar de olhos sobre a histria da legis-lao brasileira confirma pelo menos o primeiro elemento desse argu-mento.

    A EVOLUO DAS LEIS DE ADOO INTERNACIONAL NO BRASIL

    Assim como em muitos outros pases ver por exemplo Yngvesson(2000) sobre o caso da ndia , no Brasil, a adoo de crianas no pare-ce ter sido uma grande preocupao dos legisladores antes da dcadade 1980. At o final dos anos 1970, a maior parte das transferncias decrianaseraregulamentadapeloCdigoCivilde1916 7.Paisbrasileirosou estrangeiros podiam negociar privadamente uma adoo; bastava

    registr-laemumcartriolocal.OCdigodeMenoresde1979foiapri-meira lei a fazer meno especfica aos potenciais pais adotivosestran-geiros, estipulando algumas restries. Tais candidatos podiam adotarapenas crianas oficialmente abandonadas e, mesmo assim, nunca emuma base de adoo plena (em outras palavras, podiam adotar somen-teporadoosimples,atravsdaqualacrianamantinhasuaidenti-dade familiar original acrescida dostatusadotivo). Porm, como o C-digode1979norevogoualegislaoanterior,muitosjuristascontinu-avam a considerar a adoo privada uma brecha legal vlida para osestrangeiros. Em alguns casos, este debate foi resolvido no mbito ju-risdicional ou com um decreto estadual, tal como o de 1982 do Rio deJaneiro que proibiu a adoo privada a adotantes estrangeiros, exigin-do que passassem obrigatoriamente pelo juizado de menores.

    Diversos pesquisadores, debruando-se sobre dinmicas familiares noBrasil, tm documentado a prtica, at pouco tempo corriqueira, daadoo brasileira. Por este procedimento inteiramente ilegal, pes-

    soas que desejavam adotar uma criana conseguiam evitar a burocra-cia governamental, simplesmente tirando a certido de nascimento dacriana como se esta fosse filho ou filha de seu prprio sangue (Costa,1988; Fonseca, 1995; Abreu, 2002; Weber, 1999). Destacando especial-mente os casos nos quais os pais adotivos foram movidos por um apa-rente esprito de nobreza, muitos juzes pareciam tacitamente acei-taressaformailegaldeadoo.Poroutrolado,desdeosanos1980,paisadotivos estrangeiros vinham sendo cada vez mais obrigados, tantopelo Brasil como por seus prprios pases, a se submeterem aos proce-

    dimentos oficiais (Abreu, 2002). Levando em considerao o contrasteentre adoes oficiais (sistematicamente exigidas de pais adotivos es-trangeiros) e adoes ilegais (muitas vezes toleradas no caso de pais

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    adotivos nacionais), no deve surpreender que at meados da dcadade 1990 certos estados brasileiros ainda registrassem mais adoes in-ternacionais do que locais.

    ComaaprovaodonovoEstatutodaCrianaedoAdolescenteECAem 1990 (revogando toda a legislao anterior sobre o assunto), a ado-o internacional tornou-se uma questo maior. Alm das exignciasde que, doravante, todas as adoes fossem plenas, sancionadas porum Juizado de Infncia, vrios elementos da nova lei pareciam implci-ta ou explicitamente destinados a regular a adoo por pais estrangei-ros. De acordo com o Estatuto de 1990:

    A adoo por procurao expressamente proibida (artigo 39). Emoutras palavras, no mais possvel para um advogado assumir aguarda de uma criana e envi-la de avio aos braos de pais adotivosestrangeiros;

    A determinao de que os adotantes passem um perodo probatriocomacriana,recomendadaparatodasasadoes,podeserdispensa-da se os pais adotivos forem brasileiros. Os pais estrangeiros devem sesubmeter ao perodo probatrio, o que os obriga a permanecer no pas

    no mnimo 15 dias quando as crianas tm menos de 2 anos de idade e30 dias se elas tm mais de 2 anos (artigo 46, 2). O adotado no podesair do pas antes de os procedimentos da adoo estarem devidamen-te concludos (artigo 51);

    A candidatura de pais estrangeiros deve ser examinada por uma co-misso estadual judiciria de adoo que exigir documentao com-pleta (devidamente traduzida), alm da aprovao (mediante, entreoutras,avaliaespsicossociais)doscandidatosporumaagnciaespe-

    cializada e credenciada no seu prprio pas (artigos 51 e 52);

    Aadooporestrangeirosserconsideradaumamedidaexcepcional(artigo 31).

    Esteltimoartigotransmiteamensagemimplcitadequeaprioridadeda adoo deve ser dada aos adotantes brasileiros. Essa orientao, es-pelhando uma preocupao global j evidente na Conveno das Na-es Unidas sobre os Direitos da Criana de 1989, ganhou fora com a

    Conveno de Haia de 1993 sobre a Proteo das Crianas e Coopera-o com Respeito Adoo Internacional (aprovada em Braslia peloCongresso Nacional em 1995 e ratificada em 1999).

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    Certamente, os juristas brasileiros formularam leis em sintonia com osseus ilustres pares estrangeiros. Todavia, seria ingnuo imaginar queda nova legislao decorre automaticamente uma mudana de com-portamento. H inmeros cientistas sociais que se dedicaram a proble-matizaressarelaoprocurandoentenderosmecanismosquefiltramainfluncia da lei (Moore, 1978; Bourdieu, 1989). Proponho acercar essetemavoltandoparaoexamedemeusdados,tentandodiscernirespeci-ficidades regionais.

    VARIAO REGIONAL NA APLICAO DA LEI

    Como mostra o Grfico 1, o xodo de crianas brasileiras para adoo

    internacionalculminaem1989comcercade2.000adotados.Emsegui-da,caimoderadamente,antesdesubiroutravezparamaisde1.650cri-anas adotadas em 1993. Da em diante, porm, a reduo anual con-sistente e deixa o nmero de adotados no ano 2000 abaixo de 400. Semdvida, a leve queda durante os primeiros anos da dcada de 1990 de-ve-se em parte ao ECA oficialmente sancionado em 1990. Em muitosestados da federao, os servios pblicos de adoo foram suspensosou diminuram seu ritmo durante um ano ou mais, a fim de reestrutu-rar suas atividades de acordo com a nova legislao. Dentro dessa l-gica, v-se um leve aumento de adoes em 1993, no exato momentoem que a reestruturao estaria sendo mais ou menos terminada.Portanto,umaavaliaodopascomoumtodoleva-nosaconcluirqueaparentemente o ECAteve um efeito extraordinrio sobre a adoo in-ternacional. Contudo, ao nos aproximarmos do quadro, considerandoos nmeros por regio, fica claro que os brasileiros absolutamente noresponderam de maneira uniforme s expectativas dos legisladores.Pelo contrrio, a queda na adoo internacional, embora tenha sido

    quasesempregrande,aconteceuemdiferentesmomentosnasdiversaslocalidades.

    Durante a dcada de 1980 e o incio dos anos 1990, os estados relativa-mentepobresdoNordesteestavamentreosmaioresfornecedores,res-pondendo por quase a metade do total das crianas do pas adotadasinternacionalmente. Nessa regio, o nmero de adoes caiu dramati-camentenosquatroanosqueseseguiramaonovoEstatuto,ficandoem2000 em cerca de 3% do nvel de 1990. A reviravolta na capital baiana,

    Salvador, precedeu o Estatuto da Criana, enquanto em outras capitaisestaduais ela ocorreu mais tarde (Joo Pessoa e Belo Horizonte no pe-rodo1990-92;RecifeeFortalezaem1993-94).Finalmente,SoPaulo,a

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    maior cidade brasileira, supriu regularmente a demanda por adotan-dos internacionais at 1998. Naquele ano, a capital paulista forneceumais da metade das crianas brasileiras adotadas internacionalmente.Ali, o declnio definitivo das adoes internacionais comeou apenasem 1999, caindo rapidamente dentro de dois anos para um tero do seunvel anterior (Quadro 1).

    Quadro 1

    Evoluo da Adoo Internacional em Cinco Capitais*

    Cidade 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

    Joo Pessoa 314 103 3 1 0 2 0 1 0 0 0

    Belo Horizonte 116 87 54 14 26 33 17 14 6 10 13

    Recife 216 254 356 308 85 55 49 44 16 43 9

    Fortaleza 239 202 203 223 54 49 37 29 6 1 2

    So Paulo 475 368 314 395 478 264 357 310 332 241 134

    Fonte: N.I.C.I , DPMAF, Sistema Nacional de Passaporte, Estatstica de Menores Adotados.* Colocamos em destaque, por estado, o ano que precede o declnio definitivo da adoo internacio-nal.

    Esse rpido apanhar dos dados mostra que o impacto da legislao fe-deral sobre a prtica de adoo no Brasil segue uma cronologia diver-sa, conforme as circunstncias locais. Tal constatao no , ao todo,

    surpreendente levando em considerao a vastido do territrio brasi-leiro e sua diviso em estados relativamente autnomos. Alm disso,como h juizados de infncia na maioria das principais cidades, cadaqual comandado por um juiz com considervel poder discricionrio, apolticadeadoopodevariartantodeestadoaestadocomodecidadea cidade.

    HouveummecanismoprevistonoECAparagarantirarpidaeunifor-

    me implementao da lei: a criao de Comisses Estaduais Judici-rias de Adoo Internacional (CEJAou CEJAI). Essas comisses, a se-remcompostasporcidadosproeminentesnacomunidadeemembrosdo Poder Judicirio, foram aparecendo aos poucos ao longo da dcadade1990.NoEstadodeMinasGerais,porexemplo,bemcomonoEstadodePernambuco,ascomissesforamcriadascomrelativarapidez(1992e 1993, respectivamente), produzindo quedas igualmente rpidas nonmero de crianas locais entregues em adoo internacional. Um jor-nal de Pernambuco reconheceu explicitamente o impacto das comis-

    ses na reorganizao de prioridades no processo de adoo: Os re-sultados da CEJA foram notados dois anos aps a sua implantao. Onmero de adoes para estrangeiros em 1995 foi significativamente

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    reduzido e chegou a empatar com as de casais brasileiros: 31 para cadagrupo (Jornal do Commercio, 5/11/1997).

    Em outros estados, no entanto, como na Paraba, a diminuio da ado-ointernacionalaconteceumuitoantesdeanovacomissoserforma-da e ainda em outros a queda se deu apesar de nenhuma comisso ja-mais ter sido criada8. Isto quer dizer que, apesar da influncia signifi-cativa da legislao federal sobre os padres de adoo internacional,ela no teve um impacto imediato nem uniforme em todo o territrionacional. Acredito que justamente explorando essas diferenas regio-nais que se pode discernir melhor no somente os mecanismos aciona-dos para realizar a lei, mas tambm os elementos que motivaram as au-

    toridades a agir. Na coincidncia entre certos escndalos na imprensa,incluindo aes policiais e o fim da adoo, veremos delinear-se o lu-gar da opinio pblica no meio dessa trama.

    INQURITOS PARLAMENTARES E INVESTIGAES POLICIAIS

    No h dvida de que nos anos 1980 um nmero crescente de adotan-tes potenciais na Europa e na Amrica do Norte dirigiu-se ao Brasilpara encontrar uma criana. Essa demanda provocou uma reao

    em cadeia incluindo o crescimento de nova categoria de advogadosbrasileiros especializados em adoo internacional, seguida de indig-nao na opinio pblica e de regulamentao governamental mais se-vera.Dofinaldosanos1980emdiante,oenvolvimentocomercial(e,naverdade,qualquerenvolvimento) de advogados na adoo internacio-nal passou a ser visto como suspeito, fazendo com que esses profissio-nais refletissem mais antes de arriscarem suas reputaes interme-diandoumaadoointernacionalverAbreu(2002)sobreocasobrasi-

    leiro e Triseliotis (2000), sobre questes semelhantes noutros pases.A preocupao que crescia em todas as regies do pas ganhoustatusfederal quando, em 1988, se instalou uma Comisso Parlamentar deInqurito CPI para verificar denncias de trfico de crianas. Naocasio,calculava-seque,paracadaumadas2.000crianaslegalmenteadotadas por estrangeiros, havia de uma a duas levadas ilegalmentepara fora do Brasil. Ironicamente, embora os jornais noticiassem casosespordicos de contrabando de crianas de estados fronteirios, por

    exemplo, para o Paraguai, a ateno tanto da mdia quanto da fiscaliza-o oficial atingia, antes de tudo, irregularidades na adoo legal. OEstado da Bahia, que at o final dos anos 1980 tinha sido o fornecedor

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    mais regular de crianas legalmente adotadas por estrangeiros, foitambm o primeiro a ser afetado pela nova onda de vigilncia. Nesseestado, o nmero dessas adoes chegou ao apogeu em 1988, o mesmoano em que teve incio o inqurito parlamentar, entrando subseqen-temente em rpido declnio.

    Abreu, criticando em reportagens do jornal cearense,O Povo, fornecepormenores sobre o crescente sentimento contra a adoo internacio-nal nessa poca. Durante os anos 1980, Cear recebia cada vez mais es-trangeiros particularmente franceses em busca de crianas adoti-vas. As pessoas que intermediavam essas adoes eram, no incio,principalmente mulheres, freqentemente da elite local, envolvidas

    em atividades filantrpicas. Eram diretoras de creches, lderes de igre-ja etc. que gozavam de no pouco prestgio pela boa obra que realiza-vam uma obra considerada benfica no somente para os pais adoti-vos mas tambm para as prprias crianas. O primeiro artigo a apare-cer contra adoo internacional (em 1986) ainda retratava essas cego-nhas como pessoas preocupadas com o destino de bebs abandona-dos que, se no fossem adotados, podiam se tornar prostitutas oumarginais. No entanto, o lamento que a nao est desta forma sofren-do uma perda irrecupervel permeia todo o resto do artigo. Por exem-

    plo, o caso de uma criana hidroceflica adotada e rebatizada por umcasal francs resumido na manchete: Bebs que saem daqui perdema identidade e ganham nomes comuns no pas que os adota (Abreu,2002:146).

    Aidiadaadoointernacionalcomoummalnecessriolamentvel,mas justificada em nome do bem-estar das crianas vai adquirindonova conotao. Passa-se a falar da deportao ou, com o surgimen-

    to de uma nova classe de advogados especializados nessa matria, atde transao de crianas na indstria de adoo internacional. Nobojo dessa retrica, paira a pergunta: que pas esse que permite quevendam seus filhos? (idem). A ambivalncia dos primeiros artigos em que coexistiam a idia de salvao infantil lado a lado com a daameaa estrangeira foi cedendo ao significado monoltico de tr-fico. Em 1987, uma renomada jornalista cearense publica um artigoirado contra a imagem em voga na imprensa internacional da poca do Brasil como o pas de 30 milhes de crianas vagando esfomeadas

    pelas ruas. Afirma que a adoo internacional, com sua ladainha salva-cionista,ajudaosestrangeirosaseconsideraremospuros,ossalvado-res em relao aos brasileiros indigentes, marginais, assassinos, fa-

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    mintos, subdesenvolvidos. Antes de admitir tal afronta honra na-cional, a jornalista declara, em referncia s crianas adotadas por es-trangeiros: Digo mais: prefiro chor-las mortas a me envergonhar de-las vivas (idem:153).

    Nossas prprias pesquisas nos arquivos de jornais no Centro-Sul (Fo-lha de S. Paulo)eSuldopas(Zero Hora,PortoAlegre)indicamumacor-respondncia, repetida em cada estado da federao, entre a retricacontra a adoo internacional, o aumento da fiscalizao policial dosintermedirios e a queda no nmero de crianas adotadas por estran-geiros.Soube-seassimquenaParaba,porexemplo,apolciacomeouno ano de 1991 a investigar juzes, advogados e funcionrios envolvi-

    dos em casos de adoo internacional, chegando a denunciar cerca de50 indivduos. Em 1992, o total de adoes cara de 300 por ano paraexatamente trs. Nessa mesma poca, no Estado do Rio Grande doNorte, um advogado foi condenado a 11 anos de priso por irregulari-dades em adoes internacionais que intermediara. No Cear, o PoderLegislativocomeouem1993umainvestigaoampladaadoointer-nacional, chamando para depor advogados, juzes e mesmo diretoresde creches com supostas conexes adoo internacional. Na capitalpernambucana, entre setembro e dezembro de 1993 e, novamente, em

    agosto de 1994, o juiz titular do Juizado de Menores de Recife suspen-deu toda adoo internacional. Alarmado por boatos sobre crianasadotadassendousadasparatransplantedergos,ojuizdeclarouqueconsideraria a possibilidade de retomar a adoo internacional apenasdepois de certificar-se da boa sade de todas as crianas sob sua juris-dio adotadas por estrangeiros (Folha de S. Paulo , 30/8/1994).

    O resultado dessa represso episdica foi o de inspirar medo em mui-

    tos cidados respeitveis que agiam como intermedirios no proces-so de adoo. Abreu (2002) com amplos relatos etnogrficos mostracomo essas cegonhas, muitas delas membros da alta sociedade,abandonaram suas atividades no translado de crianas assimque as in-vestigaes policiais transformaram o que antes se considerara missode caridade em um negcio escuso.

    Em certos estados, o grosso da adoo internacional migrou da relati-vamente bem fiscalizada capital para cidades do interior sem maior

    controle9.SoPaulo,oestadobrasileiromaispopulosoepoliticamenteinfluente,seguiuumpadroligeiramentediversonoqualumbomn-merodecrianasdedifcilcolocao10 continuousendoenviadoparao

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    exterior at que, em 1998, um escndalo amplamente noticiado, envol-vendo um juiz da cidade de Jundia, desequilibrou o sistema. Vriasmes de baixa renda, comparadas por jornalistas sMadres de la Plazade Mayoargentinas, tinham se organizado para protestar contra a ab-duo de seus filhos pelo juiz local. As investigaes mostraram que,duranteosseisanosanteriores,maisde200crianastinhamsidoentre-gues para adoo internacional, a maioria delas sem o consentimentodas mes. O juiz, depois de processos sumrios, declarava as crianasabandonadas, permitindo adoes em tempo recorde. A essas acusa-es, o magistrado respondeu com o que considerava ser uma justifica-o adequada: trabalhando com uma respeitada agncia de adoo ita-liana, ele fornecia lares decentes para crianas abandonadas e maltra-

    tadas que estavam vivendo em condies higinicas e morais deplor-veis. No entanto, as reportagens jornalsticas do caso sublinharam anatureza tendenciosa dos seus julgamentos. Por exemplo, em um doscasos a maior evidncia contra a me de uma criana foi o fato de elaganharavidacomo stripper deboate;noutro,asdecisivasacusaesdenegligncia contra os pais biolgicos da criana incluam o fato de elescriarem seus filhos em uma casa com todos os vidros quebrados e oscachorros soltos (Isto , 25/11/1998).Restasaberseojuizeramovidopor gana financeira ou impulsos caridosos. Seja como for, o escndalonivelouaadoointernacionalpraticadaemtodooEstadodeSoPau-lo com a do resto do Brasil, ou seja, reduziu-a a um fio.

    MDIA E RUMORES

    Ao longo dos anos 1980, jornais e televiso desempenharam papel dedestaquenaformaodeopiniopblicasobreaadoointernacional.Um tema especfico teve influncia decisiva: a alegao de uso de cri-

    anas adotadas para transplante de rgos. Desde o incio da dcada,observa-se no noticirio uma tendncia a relacionar casos reais e docu-mentadosdetrficoderfosatravsdasfronteirasnacionaiscomotrfico de rgos (humanos). Em 1988, um promotor de justia doDistrito Federal, reforando rumores sobre trfico de rgos, disse quedispunha de slida evidncia de que crianas brasileiras adotadas noexterior estavam sendo usadas como cobaias para experincias cient-f i c as e t r a ns p l an t es d e rg os (Z e r o H or a , 26/ 8/ 1988 : 14 ;2/12/1989:15). Naquele mesmo ano, criou-se uma comisso parla-

    mentar de inqurito para esclarecer tais denncias, e a polcia federalabriu um nmero sem precedentes de investigaes sobre adoo in-ternacional. Embora nenhum dos inquritos tenha encontrado qual-

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    querevidnciaclara,osrumoresatingiramoaugeemmeadosdosanos1990 com o incio de uma aparente onda de histeria mundial.

    Em outubro de 1993, Leon Schwartzemberg, um deputado francs doParlamento Europeu, fez uma veemente denncia contra o trfico decrianas para transplante de rgos, com referncia especial ao Brasil.De acordo com suas estimativas, das 4.000 crianas brasileiras adota-das na Itlia apenas 1.000 ainda estavam em vida. As restantes tinhammorrido,vtimasdeabuso,outinhamsidosacrificadasemumacolhei-ta de rgos para futuros transplantes (Zero Hora, 6/10/1993:45). Noms seguinte, a The British Broadcasting Corporation BBC jogou le-

    nha na fogueira, mostrando um funcionrio do servio diplomtico ar-gentino que dizia possuir evidncia de atrocidades envolvendo crian-as brasileiras (Zero Hora, 21/11/1993:51). A polcia e os servios deadoo de todo o Brasil passaram a investigar a denncia de que cri-anas com deficincias fsicas estariam sendo adotadas, por estrangei-ros, para que depois seus rgos fossem extirpados e vendidos (Folhade S. Paulo, 30/8/1994:3-1).

    Em setembro, quando o professor universitrio brasileiro Volnei Gar-rafa anunciou a iminente publicao de seu livro O Mercado Humano,em co-autoria com o italiano Giovanni Berlinguer, o pnico chegava aoapogeu.Falandodeadooparadesmontedecrianas,oautordiziaque, enquanto uma criana podia ser adquirida atravs de adoo in-ternacional por aproximadamente US$ 8 mil, um nico rim podia servendido por mais de US$ 40 mil (ver Garrafa e Berlinguer, 1996). A es-sas alturas, autoridades federais passaram a ter dvidas sobre o gran-de nmero nas cidades brasileiras de crianas declaradas como desa-

    parecidas, e o trfico de rgos foi includo na pauta da nova CPI con-tra prostituio infantil (Folha de S. Paulo, 3/8/1994; Abreu, 2002). Porrazes semelhantes, acirrou-se o controle de adoes por estrangeirosde crianas brasileiras, a adoo de crianas um pouco mais velhas ecom deficincias fsicas ou mentais sendo particularmente suspeita. Ojuiz pernambucano que suspendeu todas as adoes internacionais em1994 admitiu que no tinha nenhuma prova das alegadas atrocidadescontra adotandos brasileiros, mas ele notou um fato estranho que

    podia ser indicativo de abuso: das 14 crianas adotadas sob sua super-viso naquele ano, cinco tinham mais de 8 anos de idade e duas eramdeficientes (Folha de S. Paulo, 30/8/1994).

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    Esse pnico local parecia estar em sintonia com o clima mundial11. Apolcia e as autoridades brasileiras que lidavam com crianas e adoles-centes com freqncia justificavam suas preocupaes citando a pres-

    so que estariam sofrendo das organizaes internacionais de direitoshumanos. Delegados brasileiros participaram de vrios encontros in-ternacionais (p. ex. a Comisso Permanente das Naes Unidas para aPreveno do Crime e Justia Penal, ustria, maio de 1994) nos quais aluta contra a adoo internacional, invariavelmente ligada ao trficode rgos, ocupava o topo da lista de prioridades. Ao retornar do Tri-bunal Permanente dos Povos sobre A Violao dos Direitos Funda-mentais da Infncia e dos Menores (Itlia, maro de 1995), o delegadobrasileiro fez o seguinte relato:

    O quadro apresentado estarrecedor. [...] Nos pases pobres, a situa-oatingenveisdeindecnciaemonstruosidade.EmpasesdaAmri-ca Latina, crianas so raptadas e introduzidas nos circuitos da prosti-tuio e da produo e difuso de material pornogrfico; rgos de cri-anas pobres so extirpados e vendidos a clnicas de transplantes doPrimeiro Mundo; crianas e adolescentes so submetidos a trabalhosem regime de escravido; adoes internacionais de crianas se fazem

    de forma indiscriminada, constituindo-se num comrcio altamente lu-crativo (Folha de S. Paulo,27/4/1995).

    A adoo internacional aparecia, nessa boca do povo, em um parcom a prostituio infantil, escravido e trfico de rgos culpadapor associao. No meio de tanto barulho, pouco adiantou, para os es-foros dos funcionrios italianos para provar que todos os brasileirosadotados em seu pas estavam gozando de perfeita sade, a retrataopblicadodeputadofrancsSchwartzembergouofatodeque,noBra-sil, nem a polcia, nem os acadmicos conseguiram produzir qualquerprovaqueligavaaadoointernacionalaotrficodergos.Aindaas-sim, o pnico dos rgos parece ter sido o prego no caixo da adoo in-ternacional. Foi no perodo 1993-94 que o nmero de crianas adotadasno exterior passou a cair definitivamente. claro que, antes desse mo-mento, houve copiosa e legtima indignao sobre advogados trans-formando a adoo em lucrativo negcio. Porm, por estranho que pa-rea, paralelamente aos escndalos mais sensacionalistas (e muito me-

    nos crveis) a respeito de adoo para transplante de rgos, esse as-pecto comercial, embora bem documentado, foi praticamente esqueci-do pela mdia.

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    Por que, a gente se pergunta, esses rumores so to persistentes e topoderosos? Esta questo foi alvo de anlise aprofundada por diversospesquisadores (ver Scheper-Hughes e Biehl, 2000; Abreu, 2002: cap. 6).Limitar-me-ei aqui a evocar problemas ligados tremenda desigual-dade em jogo. Existe, em primeiro lugar, a desigualdade dos pasesdentro do sistema econmico mundial. Quando os cidados de umpas pensam suas riquezas naturais como alvo de explorao por inte-resses estrangeiros, no h nada surpreendente no fato de eles inclu-rem crianas adotadas na lista de produtos nacionais roubados.Tampouco surpreende o fato de que notcias que difamam certo pas,mesmo quando mal fundamentadas, circulem rapidamente em pasesrivais. Em 1987, uma denncia segundo a qual crianas hondurenhas

    estariamsendolevadasparaosEstadosUnidosparaavendadergosfoi logo desmentida pela suposta fonte. No entanto, a notcia logo saiu(sem o desmentido) em jornais da Amrica Latina e foi repetidamenteusada por jornais do antigo bloco sovitico para falar dos nor-te-americanos canibais e racistas (Campion-Vincent apud Abreu,2002:164-165).

    Existe, no entanto, uma outra desigualdade em jogo dentro do prpriopas aquela entre ricos e pobres. Do ponto de vista das famlias pau-

    prrimas de onde saem crianas adotadas, os rumores de trfico de r-gos so crveis porque, h muito tempo, os pobres brasileiros conside-ram suas vidas e seus corpos forragem para os ricos (Scheper-Hughes e Biehl, 2000:62). Muitas pessoas fazem questo de explicitar,na carteira de identidade, sua recusa a ser doador automtico de r-gos justamente porque consideram que para o governo, os rgosdos pobres valem mais mortos do que vivos (idem:74). Nesse clima,podemos imaginar que o segredo absoluto que envolve o processo deadoo legal no Brasil, ao negar aos pais biolgicos qualquer informa-

    osobreafamliaadotivadeseusfilhos,sdasassfantasias12.Masporque,poderamosperguntar,pessoasbeminformadasdaclassem-dia imaginam, com tanta facilidade, cenas vampirescas nas quais aadoo internacional serve de fachada para uma vigorosa indstria detransplante de rgos? Cremos que a resposta para esta questo se en-contra nas vrias tradues politicamente corretas do profundomal-estar causado pela desigualdade radical em escala nacional e in-ternacional.

    Pouco mais de 10 anos atrs, em resposta primeira onda de adoesentre pases, a importncia de manter as origens culturais da crianapassou a ser enfatizada em vrios documentos, nacionais e internacio-

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    nais, justificando a poltica de priorizar sistematicamente as adoesdentro do pas. Para os pases doadores, essa orientao com nfasenos direitos da criana soava mais convincente do que argumentosxenofbicos contra a adoo internacional em nome do orgulho nacio-nal e da perda de recursos humanos. Sem dvida, tal poltica tambmaplacava a ira de adotantes potenciais do Brasil que, quando no erameliminados pelos rigorosos processos de seleo, muitas vezes tinhamde esperar dois anos ou mais pelo surgimento de uma criana que lhesconviesse. Mas, pesquisas mostram que brasileiros, aspirantes aosta-tusde pai adotivo, no mudam facilmente suas exigncias quanto aotipo de criana que querem (Weber, 1999). Vencida a batalha contra aadoo internacional, permanecia o problema de o que fazer com o

    resto das crianas adotveis os rejeitos, por assim dizer, que, por-que eram mais velhos, de pele mais escura ou de alguma forma defici-entes, nenhum brasileiro queria?

    H evidncias de que, a partir do incio dos anos 1990, os servios deadoo, nas diferentes regies do pas, passaram a garantir que a gran-de maioria das crianas indo para o exterior fazia parte dessas catego-rias que dificilmente seriam adotadas no Brasil. Os agentes de adoofreqentemente mencionam a incrvel generosidade de alguns pais

    adotivos estrangeiros aqueles relativamente poucos que se dispema levar uma criana com severas deficincias fsicas ou mentais. Dopontodevistadosinteressesdacriana,difcilimaginarcomoumatal colocao pode ser criticada. Entretanto, para a psique nacional, aadoo de tais crianas pode ser quase to ameaadora quanto as ten-dncias anteriores, pois pe em questo a generosidade das famliasadotivasbrasileiras.Emtaiscircunstncias,opnicodotransplantedergos serve como um mecanismo de defesa inconsciente. Se ns noqueremos essas crianas, assim vai a lgica, ento ningum poderia

    quer-las.Elassoindesejveiscomofilhosefilhas.Sealgumasquer,spodeserporalgumaoutrarazoparaganhospessoais,exploraodo trabalho delas ou transplante de rgos. E, assim, o escndalo mas-cara o fato de que ainda h um sem-nmero de crianas no pas paraquem as polticas pblicas bem como o sustento para suas famlias sotristemente inadequados.

    CONCLUSO

    Emsuma,sugere-seque,porcausadeforasdiferenteseconvergentes,a adoo internacional no Brasil no foi regulamentada, mas pratica-mente eliminada. Agora, pode-se muito bem perguntar: e isso no foi

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    uma boa coisa? Afinal de contas, durante a ltima dcada, muitos dosmeus esforos, bem como os de respeitados colegas, foram dirigidoscontra os excessos da adoo internacional (ver Gailey, 1999; Triselio-tis, 2000; Fonseca, 2002b). Sem dvida, no Brasil, a advertncia de Sel-man (2000) de que a adoo est sendo vendida como uma cura parademasiadosmalesaindaumpontoaltamenterelevantequandofun-cionrios do governo copiam seus homlogos norte-americanos e eu-ropeus, lanando campanhas para encorajar cidados brasileiros aadotarem crianas abandonadas. Contudo, essa advertncia diz res-peito no apenas adoo internacional, mas tambm nacional. Ascrticas adoo internacional no foram feitas para colocar um torni-quete na adoo, mas sim para descobrir formas de tornar a acolhida

    de crianas, quando por algum motivo tm de ser retiradas de suas fa-mlias originais, mais humana e justa para todos os interessados. Aopinio pblica inflamada e os escndalos miditicos descritos nesteartigo no so os ingredientes adequados para uma poltica de adoosensata, seja ela nacional ou internacional.

    A regulamentao da adoo internacional fez grandes avanos com aexperincia das ltimas duas dcadas. Hoje, pode-se esperar que tantolegisladores quanto profissionais do campo da adoo, cnscios dos

    perigos das posies radicais, possam forjar polticas que promovam ajustia no sentido amplo, e para todas as partes envolvidas: no somen-teparaacrianaesuafamliaadotiva,mastambmparaasfamliasdeorigem.

    (Recebido para publicao em maio de 2005)(Verso definitiva em outubro de 2005)

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    NOTAS

    1. Trata-se da pesquisa Narrativas hegemnicas no campo da infncia, desenvolvidano mbito do Programa de Ps-Graduaoem Antropologia Social PPGAS, da Uni-

    versidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS, com financiamento do ConselhoNacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq; ver tambm Fonse-ca (2001; 2002a; 2002b).

    2. Ver Selman (2004) para uma verso mais avanada deste artigo.

    3. Ministrio da Justia, Departamento da Polcia Federal,Diviso de Polcia Martima,Aeroporturia e de Fronteiras.

    4. Aidia da filiao substituta no Ocidenteapareceu pela primeira vezno Cdigo deNapoleo (1820) que instaura no Direito francs a prtica adotiva, prxima da queconhecemos hoje.

    5. Segundo uma pesquisa de 1984, incluindo mais de 150.000 mulheres que se separa-ramdeseubebantesqueestecompletasseumanodeidade,omaisimportantefatormotivando a doao da criana foi a pobreza (Campos, 1991). Veja tambm Fonseca(1995) e Abreu (2002).

    6. Ver Immigrant visas issued to orphans coming to the US, disponvel emhttp://travel.state.gov/family/adoption/stats/stats451.html.

    7. Duas leis diferentes, de 1957 (no 3.133) e 1965 (no 4.655), trouxeram certas inovaesao processo de adoo, mas ambas tiveram impacto reduzido. Ver Fonseca (1995) ePilotti e Rizzini (1995) para mais informaes sobre a evoluo de polticas para oatendimento a crianas em situao de risco.

    8. No Rio Grande do Sul, onde no existeCEJAIat hoje,a adoointernacionalpareciaj bastante bem regulada desde meados dos anos 1980. Tais adoes, ali jamais nu-merosas, fecharam o milnio em cerca de 60% do nvel de 1990.

    9. Na Bahia, o nmero de adoes internacionais em Ilhus ultrapassa o de Salvadorpor um perodo de cinco anos, comeando em 1991. E, at 1993, a cidade de Iju, noEstado de Santa Catarina, viu mais crianas adotadas sarem do pas para o exteriordo que a capital, Florianpolis.

    10. OCEJAIemSoPaulo,porexemplo,calculaque,das2.483crianascolocadasemla-res adotivos estrangeiros entre 1992 e 1999, menos de 40% correspondiam ao desej-vel perfil de bebs brancos com menos de trs anos de idade (Folha de S. Paulo,

    21/2/2000).11. O International Resource Center for the Protection of Children in Adoption (do

    International Social Service) relaciona uma srie de fontes para documentar a preo-cupao mundial, durante o incio da dcada de 1990, com o uso de crianas paratransplantes de rgos.

    12. Aadooaberta,prticacorrentenaAmricadoNorte,conformeaqualexisteapos-sibilidade de um breve contato supervisionado entre as famlias biolgica e adotivade uma criana, at agora no foi discutida no Brasil.

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    ABSTRACTAn Unexpected Development: The Demise of International Adoption inBrazil

    The 1990s witnessed a dramatic decline in the international adoption ofBrazilian children, from more than 2,000 a year in the earlier years to fewerthan 400 by the end of the decade. Based on archival material, the currentarticle outlines possible reasons for this decrease, considering hypotheseslinked to the international market of adoptable children, legal restrictions oninternational adoption imposed by the Brazilian government, and scandals inthe mass media that stigmatize local intermediaries and public officialsinvolvedinthisactivity.Thestudyconcludesthatpublicopinionandscandalsin the media have a heavy impact but are not necessarily the most adequate

    ingredients for a sensible adoption policy.Key words: international adoption; legal anthropology; Brazilian MinorsCode

    RSUMUn Revirement Imprvu: La Fin de L'Adoption Internationale au Brsil

    Pendant les annes 1990, on a not une chute dramatique du nombre d'enfantsbrsiliens adopts par des trangers de plus de 2.000 par an en 1990, moinsde 400 en 1999. Dans cet article, fond sur des documents, on essaie d'esquisserles raisons de cette chute. On examinera des hypothses lies au marchinternational des enfants disponibles l'adoption, aux restrictions imposesparlalgislationbrsilienneet,finalement,auxscandalesparusdanslapressednonant des intermdiaires locaux et des gens de la fonction publiqule qui

    bnficient de cette activit. On peut conclure que une opinion publiquechauffe et un moi mdiatique, quoique bien influents, ne sont pasncessairement les lments appropris une politique quilibre concernantl'adoption.

    Mots-cl: adoption internationale; anthropologie du droit; Statut de l'Enfantet de l'Adolescent (ECA)

    Claudia Fonseca