formação das almas - j.murilo de carvalho

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 FARGS - Prof. Alex Niche Teixeira - Realidade Brasileira Material didático de circulação restrita. Proibida a citação.  1 FICHA RESUMO CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1990. Introdução e Capítulo 1: Utopias Republicanas  A ssim c om o na In d e p e ndência, a implantação da R epúbli c a no Bra s il deu-s e sem a p a rticipação p o pular. Três correntes iriam disputar a legitimação do regime republicano: o liberalismo, que propunha o modelo americano, o  ja c obinismo e o p o s it iv ismo qu e p ropunham o m o d e lo fr ancês. E s s a s tr ê s c o rr e n te s, po r ém, supunham m o d e los de república que traziam aspectos utópicos e visionários. O jacobinismo enfatizava a participação direta de todos os cidadãos no governo. O liberalismo expressava a utopia de uma sociedade composta por indivíduos autônomos, cujos interesses seriam compatibilizados pela mão invisível do mercado. E, por fim, no positivismo, os ingredientes utópicos faziam-se ainda mais presentes, “pois a república era aí vista dentro de uma perspectiva mais ampla que postulava uma futura i dade de ouro em que os seres human os se realizari am p lenamen te no seio de uma hu manidade mitificada”. O discurso dessas dua s últ imas ideologias republicanas acaba va por defender cada um a seu mo do, a participação da população na vida política. O objetivo do autor nesse livro é discutir alguns dos principais símbolos utilizadas pelos republicanos brasileiros, expressos nas três correntes referidas, avaliando sua aceitação ou não pelo público a que se destinava, ou seja, determinar sua eficácia no processo de legitimação do regime republicano. Segundo o autor, a discussão sobre os símbolos é extremamente importante, visto que, nessa época observou-se uma verdadeira batalha desses em busca da conq uista do imag inário social. Carvalho toma como ponto de partida para a discussão dos modos de república existentes ao final do século XIX, a conferência pronunciada por Benjamin Constant em 1819 em Paris. Nela, Constant declarava-se contra os  ja c obinos que de fe ndiam a li b e rdade de participa r c ole ti vamente do g o v ern o , de d e c idir em pra ç a públi c a os ne g ó c ios da república. Para ele, o desenvolvimento do comércio e da indústria não permitia mais que as pessoas dispusessem de tempo para decidir em praças públicas. A liberdade política deveria então ter por função a garantia da liberdade civil e a busca da felicidade pessoal e do interesse pessoal. Essa oposição entre os dois tipos de liberdade também se fez sentir na revolução americana de 1776. O utilitarismo, expresso por Constant, constituía-se em barreira para a concepção do coletivo e do público. Assim, viu-se como saída, definir o público como a soma dos interesses individuais, o que levou os fundadores das Treze Colônias a se preocuparem particularmente com os aspectos organizativos da nova sociedade. É impossível que se deixe de observar o contraste da revolução americana em relação àrevolução francesa, pois nesta predominou, segundo o autor “a declaração da liberdade em prejuízo de sua ordenação”. Um variante da terceira República francesa chegou ao Brasil por intermédio da corrente positivista. Esses tinham um dos principais pontos de seu pensamento político expresso na divisa ordem e progresso, que viria posteriormente a influenciar toda a organização política brasileira.  A ssim, Jo s é Murilo c o loca que havia p elo m e n o s três modelos d e R epúbli c a àd isp o s ã o d o s r e pu b licano s brasileiros. Tanto o americano como o positivista, embora partindo de premissas totalmente distintas, acabavam dando ênfase a aspectos de organização do poder. O terceiro, dos jacobinos, colocava a intervenção popular como fundamento do novo regime. Pode-se dizer que o período imperial brasileiro realizou uma engenhosa combinação de elementos importados visando a organização do Estado em seus aspectos político, administrativo e judicial. As questões referentes a formação da nação e redefinição da cidadania, no entanto, só passaram a ser discutidas no final do Império, ou melhor, foram colocadas em segundo plano visto a emergência do cumprimento da tarefa de sobrevivência pura e simples do país. Mesmo porque, para se pensar nessas questões, era preciso solucionar o problema da incorporação dos escravos libertos àsociedade e o da imigração estrangeira. Sobre o primeiro ponto, é preciso que se ressalte que a Abolição da Escravidão no Brasil prestou-se mais a uma necessidade política de preservar a ordem pública do mercado devido, à fuga em massa dos escravos, e a necessidade econômica de atrair mão-de-obra livre para as regiões cafeeiras.  A ta re fa d e sub s ti tu ir u m g o v erno e c o n s truir uma na ç ão foi en fr enta d a p e los republi c anos d e mane ir a diversifi cada, pode ndo ser distinguidas nas segu intes posições:

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FARGS - Prof. Alex Niche Teixeira - Realidade Brasileira Material didático de circulação restrita. Proibida a citação. 

1

FICHARESUMO

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo, Companhiadas Letras, 1990.

Introdução e Capítulo 1: Utopias Republicanas

Assim como na Independência, a implantação da República no Brasil deu-se sem a participação popular. Trêscorrentes iriam disputar a legitimação do regime republicano: o liberalismo, que propunha o modelo americano, o jacobinismo e o positivismo que propunham o modelo francês. Essas três correntes, porém, supunham modelos derepública que traziam aspectos utópicos e visionários. O jacobinismo enfatizava a participação direta de todos oscidadãos no governo. O liberalismo expressava a utopia de uma sociedade composta por indivíduos autônomos, cujosinteresses seriam compatibilizados pela mão invisível do mercado. E, por fim, no positivismo, os ingredientes utópicosfaziam-se ainda mais presentes, “pois a república era aí vista dentro de uma perspectiva mais ampla que postulava umafutura idade de ouro em que os seres humanos se realizariam plenamente no seio de uma humanidade mitificada”. Odiscurso dessas duas últimas ideologias republicanas acabava por defender cada um a seu modo, a participação dapopulação na vida política.

O objetivo do autor nesse livro é discutir alguns dos principais símbolos utilizadas pelos republicanosbrasileiros, expressos nas três correntes referidas, avaliando sua aceitação ou não pelo público a que se destinava, ouseja, determinar sua eficácia no processo de legitimação do regime republicano. Segundo o autor, a discussão sobre ossímbolos é extremamente importante, visto que, nessa época observou-se uma verdadeira batalha desses em busca daconquista do imaginário social.

Carvalho toma como ponto de partida para a discussão dos modos de república existentes ao final do séculoXIX, a conferência pronunciada por Benjamin Constant em 1819 em Paris. Nela, Constant declarava-se contra os jacobinos que defendiam a liberdade de participar coletivamente do governo, de decidir em praça pública os negóciosda república. Para ele, o desenvolvimento do comércio e da indústria não permitia mais que as pessoas dispusessemde tempo para decidir em praças públicas. A liberdade política deveria então ter por função a garantia da liberdade civile a busca da felicidade pessoal e do interesse pessoal.

Essa oposição entre os dois tipos de liberdade também se fez sentir na revolução americana de 1776. Outilitarismo, expresso por Constant, constituía-se em barreira para a concepção do coletivo e do público. Assim, viu-secomo saída, definir o público como a soma dos interesses individuais, o que levou os fundadores das Treze Colônias ase preocuparem particularmente com os aspectos organizativos da nova sociedade. É impossível que se deixe deobservar o contraste da revolução americana em relação àrevolução francesa, pois nesta predominou, segundo o autor “a declaração da liberdade em prejuízo de sua ordenação”.

Um variante da terceira República francesa chegou ao Brasil por intermédio da corrente positivista. Essestinham um dos principais pontos de seu pensamento político expresso na divisa ordem e progresso, que viriaposteriormente a influenciar toda a organização política brasileira.

Assim, José Murilo coloca que havia pelo menos três modelos de República àdisposição dos republicanosbrasileiros. Tanto o americano como o positivista, embora partindo de premissas totalmente distintas, acabavam dandoênfase a aspectos de organização do poder. O terceiro, dos jacobinos, colocava a intervenção popular comofundamento do novo regime.

Pode-se dizer que o período imperial brasileiro realizou uma engenhosa combinação de elementos importadosvisando a organização do Estado em seus aspectos político, administrativo e judicial. As questões referentes a formaçãoda nação e redefinição da cidadania, no entanto, só passaram a ser discutidas no final do Império, ou melhor, foramcolocadas em segundo plano visto a emergência do cumprimento da tarefa de sobrevivência pura e simples do país.Mesmo porque, para se pensar nessas questões, era preciso solucionar o problema da incorporação dos escravoslibertos àsociedade e o da imigração estrangeira. Sobre o primeiro ponto, é preciso que se ressalte que a Abolição daEscravidão no Brasil prestou-se mais a uma necessidade política de preservar a ordem pública do mercado devido, à

fuga em massa dos escravos, e a necessidade econômica de atrair mão-de-obra livre para as regiões cafeeiras.A tarefa de substituir um governo e construir uma nação foi enfrentada pelos republicanos de maneira

diversificada, podendo ser distinguidas nas seguintes posições:

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Proprietários rurais, em especial os proprietários paulistas, para os quais o melhor modelo de República seria oamericano, que oferecia as maiores possibilidades de defesa de seus interesses.

Setores da população urbana constituídos por pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas,professores, estudantes para quem o regime imperial aparecia como limitador de trabalho. Para essas pessoas, nãoagradava a solução liberal ortodoxa, visto que, não controlavam recursos de poder econômico e social capazes decolocá-las em vantagem num sistema de competição livre. Também o jacobinismo não oferecia uma saída àessasclasses pois a maioria de seus representantes percebia a dificuldade de se fazer república na praça pública. A saídaestaria na versão positivista da república que condenava a Monarquia em nome do progresso e defendia a idéia deditadura republicana, um Executivo forte e intervencionista, o que servia aos seus interesses.

Outro grupo social que se sentiu particularmente atraído por essa visão da república foram os militares, poisesses tinham formação técnica, em oposição a formação literária da elite civil e sentiam-se fortemente atraídos pelaênfase dada pelo positivismo àciência, ao desenvolvimento industrial.

O positivismo também seduziu os republicanos do Rio Grande do Sul. E isso pode ser observado naconstituição do Estado, pois mais do que nenhum outro, ela incorporou elementos positivistas, principalmente no que serefere a predominância do Executivo ao Legislativo e ausência de referência a Deus, substituído pelo trinômio Família,Pátria, Humanidade.

Os vários grupos que procuravam em modelos republicanos uma saída para a Monarquia acabavam dandoênfase ao Estado, mesmo os que partiam de premissas liberais. A inserção destes na política se dava mais pela portado Estado do que pela afirmação de um direito de cidadão, assim, segundo o autor, essa inserção poderia ser melhor chamada de estadania.

A República surgiu em meio a uma sociedade profundamente desigual e hierarquizada e em um momento deintensa especulação financeira, causada pelas grandes emissões de dinheiro feitas pelo governo para atender àsnecessidades geradas pela abolição da escravidão. Não havia a preocupação com o público, usando as palavras doautor, “predominava a mentalidade predatória, o espírito do capitalismo sem a ética protestante”.

A reação a essa situação deu-se na segunda fase do governo militar, a fase jacobina da República, que

destacou-se pelo combate aos especuladores e aos banqueiros na pessoa do Marechal Floriano Peixoto, visto como ”Guardião do Tesouro”. Mas durou pouco, pois a corrupção e a negociata voltaram a caracterizar o novo regime fazendocom que o antigo, acusado de corrupto, aparecesse já como símbolo de austeridade pública.

O ponto central da discussão dos intelectuais para a implantação do regime republicano era a relação entre oprivado e o público, o indivíduo e a comunidade. Isso ocorria, segundo Alberto Sales e Sílvio Romero devido à“ausênciaentre os brasileiros do espírito de iniciativa, da consciência coletiva, a excessiva dependência do Estado, o predomíniodo que Demoulins chamava de política alimentária”. Aníbal Falcão, que era positivista, colocava que em política, “oindividualismo leva àdispersão e ao conflito, ao passo que o comunitarismo levava àditadura republicana de naturezaintegrativa”.

Não existia no Brasil, no início da República, o sentimento de nação, mas somente alguns elementos de umaidentidade nacional, como a língua, a religião e mesmo a unidade política. A busca por esse sentimento era uma tarefaque seria perseguida por toda a geração intelectual da Primeira República (1889-1930).

Capítulo 2: As Proclamações da República

A definição histórica do regime republicano e sua instauração seria marcada por intermináveis lutas políticasentre Deodoro, Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva e Floriano Peixoto. É claro que por trás dessa luta haverá adisputa pelo poder e visões distintas sobre a natureza da República.

O maior embate deu-se entre a qualificação de fundador, disputado pelos partidários de Deodoro e BenjaminConstant. Quintino aparece com freqüência como patriarca ou apóstolo e Floriano como consolidador do regimerepublicano, por ter assumido o poder posteriormente.

Nesta perspectiva, de estabelecer uma versão oficial do 15 de novembro, estava embutido o conflito peladefinição do novo regime. A análise da luta pelo mito fundador pode servir para esclarecer a natureza desse conflito:

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O movimento Deodorista foi defendido principalmente por setores militares desvinculados da propagandarepublicana e constituído, sobretudo por oficiais superiores que tinham lutado na Guerra do Paraguai. Para osDeodoristas, a proclamação da República fora um ato estritamente militar, executado por Deodoro e representou o finalda Questão Militar.

Os defensores da preponderância de Benjamin Constant na proclamação da República representavam umacorrente política e ideológica muito distinta: a corrente positivista ortodoxa. Mesmo Benjamin tendo se desentendido comMiguel Lemos e se desligado da Sociedade Positivista em 1882, manteve relações amistosas com os chefesortodóxicos até o final da vida. Benjamin Constant aparece, como professor , teórico, o portador de uma visão dahistória, de um projeto de Brasil. Além disso, ele poderia ser considerado um pacifista pois “repugnava-lhe o uso daforça na política”.

Nessa época, falava-se da divisão entre as correntes democrática (não-positivistas) e sociocrática (positivista),respectivamente caracterizadas pela adesão àRepública Representativa àmoda americana e pela Ditadura Republicanavisando àpromoção da república social.

A corrente vinculada a Benjamin Constant ficou restrita às propostas dos ortodoxos e não encontrou aplicaçãoprática, mas contribuiu para várias medidas dos primeiros anos da República. “Se a República dos Deodoristasresumia-se na salvação do Exército, a República da vertente de Benjamin Constant queria a salvação da pátria.

Essa vertente positivista deixou sua marca em vários monumentos republicanos destacando-se os dedicados aBenjamin Constant e a Floriano Peixoto no Rio de Janeiro; e o dedicado a Júlio de Castilhos em Porto Alegre; todosobras dos artistas positivistas Eduardo de Sá e Décio Villares.

Quintino Bocaiúva, chefe do Partido Republicano representava à15 de novembro todos os propagandistascivis. Ele aparece na versão do grupo civil como a pessoa que fez Deodoro decidir-se àfavor da República, após ter convencido o major Solon a dizer a Deodoro “que não recolocaria a espada na bainha enquanto a República não fosseinequivocamente proclamada”.

É impossível deixar de ressaltar o papel passivo da participação, ou melhor, da não-participação popular naproclamação da República. O povo assistiu aos acontecimentos do dia 15 perguntando-se o que se passava. Estava

fora do roteiro da proclamação fosse este militar, civil, fosse de Deodoro, Benjamin, ou Quintino Bocaiúva.

Capítulo 6: Os pos itivistas e a manipulação do imaginário

Ao longo de toda a história da implantação da República no Brasil, os positivistas ortodoxos foram presençasconstantes e notórias, envolvendo-se intensamente em todas as batalhas simbólicas desse período como as do mito doherói, da alegoria feminina, da bandeira. Só não manifestaram-se no caso do hino, talvez por concordarem com asolução adotada. Seus artifícios para tornar a República aceita e amada por todos os brasileiros eram a palavra escritae os símbolos cívicos.

Os ortodoxos brasileiros basearam-se, principalmente, nos últimos ensinamentos de Comte que salientavam osaspectos religiosos e ritualísticos. Porém, essa ortodoxia não constituía um fim em si mesma, ela tinha uma finalidade

política que buscava a manipulação do imaginário social. No Brasil, o movimento positivista sofreu uma reorientação por parte de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, chefes da ortodoxia positivista, pois antes de seu ingresso dominava acorrente mais próxima de Littré, o discípulo de Comte que não aceitava a fase pós-Clotildiana do mestre.

Os ortodoxos não eram apenas pessoa pertencentes às classes médias, representavam um setor específicodessa camada, o setor técnico e científico, composto por médicos, engenheiros, matemáticos. Tratava-se, dessa forma,de uma contra-elite que baseava seu saber no cientificismo, visto que a elite política do Império, ao contrário, eranaquele momento dominada por advogados e juizes, seguidos a alguma distância pelos proprietários rurais.

Assim, segundo o autor, os ortodoxos no Brasil pareciam muito mais um grupo político com idéias muitoprecisas sobre a tarefa a realizar e os meios a utilizar, do que um bando de fanáticos religiosos e loucos, tendocontribuído de maneira substantiva para a construção do pouco que subsistiu do imaginário republicano brasileiro.