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FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO TRABALHO DE EDUCAÇÃO INFANTIL:
ENTRE A SIMPLIFICAÇÃO E COMPLEXIFICAÇÃO
Mariane Bertonceli1
RESUMO: O texto procura salientar a importância do trabalho do professor para a constituição da
sociedade, investigando como ocorre o processo de precarização e simplificação da práxis docente que
inviabiliza o trabalho complexo. Assim, o objetivo da pesquisa é verificar como se dá a desqualificação do
trabalho do professor por meio de práticas de formação aligeiradas que não valorizam a teoria de forma
conjunta à reflexão crítica da ação docente. O método de análise que avaliamos mais apropriado na
pesquisa bibliográfica e empírica que desenvolvemos, pois considera as contradições no movimento
histórico é o método dialético. Desta maneira, em sustentação a nossa hipótese de que a formação contribui
significativamente nas condições de trabalho, apresentamos a coleta de dados realizada em instituição de
educação infantil no município de Dois Vizinhos (PR) com o intuito de conhecer o processo formativo das
profissionais que atuam com as crianças pequenas. O estudo da teoria marxista é central para entender os
determinismos do trabalho na sociedade capitalista, especialmente o trabalho do professor que está sujeito
as interfaces da exploração humana em benefício do capital.
PALAVRAS-CHAVE: professor; educação infantil; trabalho simples e trabalho complexo.
INTRODUÇÃO
Discutir o trabalho docente na realidade de precarização da educação infantil implica
analisarmos os problemas que permeiam a formação inicial e continuada dos profissionais que
atuam com as crianças pequenas.
Neste estudo discutimos as condições de trabalho, como fruto de uma construção
histórica que determina a práxis educativa de modo a viabilizar a desqualificação também da
formação dos professores que impossibilitam os docentes a serem pesquisadores e
compreenderem os meandros de seu processo de trabalho e as relações ideológicas
impregnadas no contexto educativo.
O texto está estruturado em cinco momentos principais. Primeiramente apresenta uma
abordagem conceitual da pesquisa em O trabalho docente na sociedade capitalista: entre
simplificação e complexificação. Em seguida, abordamos as problemáticas e suas relações sociais e
históricas em Precariedade do trabalho docente: um retrato da simplificação. Sobre o título Natureza
1 Mariane Bertonceli: Pedagoga, especialista em gestão escolar, mestranda em educação da UNIOESTE de
Francisco Beltrão (PR) e professora de educação infantil da rede municipal de Dois Vizinhos (PR).
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da formação docente para educação infantil traremos alguns dados para dar sustentação às hipóteses
de que o a formação docente está subordinada a medidas de simplificação do trabalho.
Posteriormente, no tópico Formação docente: simples ou complexa? Retomamos os dilemas
enfrentados pela formação na sociedade atual e no último ponto faremos um esboço com
apontamentos para romper com esta lógica perversa do capital no trabalho de educação infantil
intitulado A Formação crítica reflexiva para constituição do trabalho complexo. Os resultados e
conclusões buscam resgatar o valor do trabalho do professor de natureza complexa.
OBJETIVO
A pesquisa pretende verificar como ocorre a simplificação do trabalho do professor
por meio de práticas de formação desqualificadas que não valorizam a teoria de forma
conjunta à reflexão crítica da ação docente.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
A pesquisa se constituiu em duas fases: Primeiramente através de estudo bibliográfico
do conceito trabalho e suas categorias como trabalho simples e complexo, realizado no livro
1, volume 1 de O Capital de Karl Marx (2002) e no livro de Neves e Pronko, O mercado do
conhecimento e o conhecimento para o mercado (2008). Estas leituras foram fundamentais na
pesquisa sustentada na teoria crítica, e outros autores que também influenciaram o
desenvolvimento deste trabalho, estudados na disciplina de mestrado formação de
professores, linguagem e ensino e se constituíram como elementos relevantes para a produção
de conhecimentos na pesquisa.
Posteriormente, a pesquisa empírica procurou levantar dados relativos à formação de
professores de educação infantil de um Centro Municipal de Educação infantil (CMEI) do
Município de Dois Vizinhos, com ênfase em dados que apresentam elementos reveladores da
precarização da formação docente, analisando a forma de contrato de trabalho (permanente ou
temporário) qual a formação dos professores (técnica profissionalizante, graduação ou pós-
graduação), que curso os habilitou para atuar neste nível de ensino, em que modalidade
cursou (presencial ou a distância) em que instituição (de ordem pública ou privada) e em que
turno realizaram esta formação.
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Buscamos compreender como a formação docente está determinada pela sociedade
capitalista e quais implicações desta para a precarização do trabalho na educação infantil.
Portanto, avaliamos como o método mais condizente para a análise, o método histórico
dialético que interpreta as contradições da ordem social vigente.
1. O trabalho docente na sociedade capitalista: entre simplificação e complexificação
Para as concepções marxistas, é através do trabalho que o homem transforma a
natureza e materializa seu pensamento. /Neste processo constrói sua segunda natureza, a
natureza especificamente humana.
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião por tudo que se
queira. Mas eles começam a distinguir-se dos animais logo que começam a produzir seus
meios de existência, e esse passo à frente é a própria consequência de sua organização
corporal. Ao produzir seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua
própria vida material (MARX,1998, p.10).
Ao produzir sua existência através do trabalho, os homens produzem a consciência,
cultura, conhecimento, constroem sua própria história.
Marx entende por trabalho complexo o dispêndio de tempo para formação em sua
integralidade, omnilateralidade, caracterizado pelo domínio do conhecimento que, em
consequência, capacita-o a produzir a vida material através de atividade teórica e prática / é
assim, trabalho qualificado.
O exercício do magistério tem caráter ontológico, de valor de uso para o ser humano, e
o professor, enquanto trabalhador que busca na sua formação, seja inicial ou continuada,
bases para agir e reagir às interfaces da prática pedagógica de maneira crítica e reflexiva torna
sua função de natureza complexa.
Vygotsky (2009) utilizando-se dos princípios da teoria Marxista salienta que as
funções humanas têm origem nos processos sociais, portanto as relações sociais são
interiorizadas tanto no processo de trabalho como através da linguagem. Para a criança
humanizar-se deve ocorrer o movimento de interação e intercomunicação sociais introduzidas
através do processo de mediação semiótica que torna possível a transmissão dos saberes
históricos.
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O professor, como agente mediador necessita ser um constante estudioso da infância,
das teorias e metodologias da ação pedagógica. Isto significa que o docente, estando em
constante formação, portador de um compromisso ético e político com seu trabalho e com a
sociedade é caracterizado como profissional de uma ação consciente de natureza complexa.
Em síntese, o processo de tornar-se humano se constitui na apropriação dos conteúdos
culturais produzidos ao longo de toda história, e o professor como mediador destes
conhecimentos o traduz no ensino dos conteúdos escolares. Nesse sentido, sua ação
consciente sobre o ensino é complexa.
Depois deste esboço, a priori, da natureza complexa do trabalho do educador também
devemos ressaltar que estando este mesmo trabalho sujeito as limitações da sociedade capitalista,
existem contradições e ideologias que atravessam a educação infantil e a transformam em valor de
troca, em mercadoria subordinada ao capital, simplificando a ação docente.
O conceito de trabalho simples é apresentado na exposição de Neves e Pronko com
base em Marx (2008, p.22).
O trabalho simples se caracteriza por sua natureza indiferenciada, ou seja, dispêndio da
força de trabalho que todo o homem, sem educação especial possui em seu organismo
(apud Marx, 1988, p.51) .
Portando, o trabalho docente a partir deste viés está fragmentando o saber e o pensar,
minimizando a importância da práxis no contexto educativo, tornando-se trabalho
desqualificado. Faremos a seguir uma exposição retratando como acontece esta simplificação
em sala de aula, o que nos permitirá apontar a alienação empregada no trabalho do professor
hodiernamente que acontece inicialmente na formação e se estende para o âmbito escolar.
2. Precariedade do trabalho docente: um retrato da simplificação
A docência na educação infantil nos coloca por diversos momentos com situações de
dificuldade e imprevisibilidade que a formação não consegue responder, por falta de
conhecimento e preparação ideal.
A precariedade na formação também confere ao trabalho um caráter embrutecido,
exprimindo todas as forças físicas e acobertando os conhecimentos que se tornam cada vez
mais diminuídos na rotina exaustiva do professor.
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Em sala de aula o embrutecimento do trabalho assume várias formas que se constatam
com elevado número de alunos pequenos que necessitam de cuidados específicos que
demandam tempo para se realizar, como troca de fraldas, alimentação, sono e o próprio
banho. Os materiais para desenvolvimento das aulas são poucos e por vezes estão deslocados
do contexto educativo. O espaço para brincadeiras e atividades lúdicas é restrito, o espaço
externo inadequado, o mobiliário não atende as necessidades da faixa etária. Estes fatores são
constatados em observação da rotina no Centro Municipal de Educação Infantil de Dois
Vizinhos. Estes fatores por diversos momentos levam professores entrar em conflito com sua
formação e buscar a reflexão sem sentido sobre os fazeres práticos desprezando a teoria.
Outros aspectos sinalizados em observação em ambiente de trabalho com a criança
pequena são, tempo mínimo ou inexistente para planejar, baixos salários, jornada exaustiva,
cansaço físico e emocional, dissociabilidade entre o cuidar e educar, falta de intencionalidade
pedagógica, formação inicial e continuada desqualificadas, o que simplifica a função docente
a executor de tarefas.
Deste modo, o trabalho na educação infantil é sacrificado, por meio da simplificação
de suas tarefas que são enfraquecidas por livros e recursos técnicos e pela falta de formação
de qualidade.
O livro didático e os manuais passam a ser indispensáveis no currículo, que deve ter os mesmos
como apoio e fonte de conhecimento para os professores. Professores estes que não necessitam
de longos programas inicias de formação. Aprender fazendo, em serviço, é suficiente para sua
formação, sendo que, para tanto, a educação à distância por meio de rádio ou TV é fundamental
e eficaz. Manipular manuais e livros e dominar algumas habilidades técnicas, além de ser capaz
de refletir sobre a sua a ação, são suficientes, pois este profissional, como os demais, também
deve ser flexível e, se possível, ater-se a outras ocupações no mercado de trabalho, não
reduzindo-se somente a ser professor. (ARCE, 2001,p.12).
Na medida em que se intensifica a desvalorização do papel do educador a sua ação
inferiorizada, devido também às relações de gênero, pois a mulher que quase em unanimidade
está presente na educação da criança pequena é entendida historicamente segundo Arce
(2001) como educadora nata e tratada como cuidadora ou tia. Esta relação que se estabelece
entre professora de educação infantil com o trabalho doméstico, na qual a mulher recebe há
muitos séculos uma marca simbólica de educadora nata, que nasce com atributos pré-
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determinados para lidar com a criança, o famoso “jeitinho”, contribui para um olhar
reducionista, no sentido de desqualificação do trabalho na educação infantil.
Devemos estar cientes que a realidade de desvalorização dos educadores, é
determinada historicamente pela forma de organização social, dividida em classes
antagônicas, portanto, a construção da identidade docente é permeada de contradições,
limitações e preconceitos.
Fernandes (1986) em estudos sobre a tradição cultural brasileira e como foi construída
historicamente, influenciando o trabalho do professor em todas as dimensões, construindo uma
identidade, ressalta que atividade intelectual no início se restringiu a formação política e
administrativa dos liberais. O professor interessava exclusivamente, como instrumento de
transmissão cultural, isto é, mediador e “domesticador” da própria elite para funções determinadas
socialmente. A revolução cultural foi enfraquecida pela cultura cívica, o educador visto como
ferramenta de dominação e a escola como âmbito organizativo hierárquico.
A educação destinada à classe trabalhadora desde a república foi desigual, com áreas de
conhecimento fragmentadas e com professores orientados a neutralidade ética, o que desarticulou o
profissional e o cidadão e esta manipulação totalitária se realizou através da repressão ou opressão.
A forma como a educação da classe trabalhadora é encarada pelo sistema produtivo desde
sua criação reflete na desvalorização do professor de tal maneira que encontramos a escola
subordinada e organizada de acordo com interesses burgueses até nos dias atuais, naturalizando-se
estas relações de poder postas sobre o meio educativo formal e sistematizado.
A história da educação mostra como os progressos e retrocessos se dão na construção
das iniciativas educacionais respondendo a concepção de homem, de mundo e de formação
social de uma época.
Manacorda (1989) Constata que no século XIV e XV já existia uma relação
profissional no ensino, e o professor era respeitado como o mestre, por que além de ensinar
ele produzia o conhecimento. No capitalismo, com as novas características da organização do
trabalho e bens, o professor passa de mestre ou cientista a transmissor, e é obrigado a vender
sua força de trabalho para a produção, estando sujeito ao emprego, exigências de
produtividade, salários e gratificações, assim, é subordinado aos interesses de classe burguesa.
O transmissor de conhecimentos não faz pesquisa, não produz conhecimento, somente
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executa aquilo que recebeu e controla a forma que chegou às informações “limpas” aos alunos
através de uma avaliação totalmente hierárquica.
A repercussão e encontro destas identidades refletem-se atualmente no trabalho dos
educadores, que se apresentam fragmentadas entre produção do conhecimento, transmissão do
conhecimento e o controle da aprendizagem.
3. Natureza da formação docente para educação infantil
Entendendo os conceitos que norteiam a pesquisa e a historicidade do trabalho docente
neste contexto, devemos analisar como a simplificação do trabalho dos professores se
relaciona ao processo de formação. Para isso nos utilizaremos de dados concebidos no Centro
Municipal de Educação Infantil da rede de Dois Vizinhos-PR.
As questões que foram analisadas procuram atender o objetivo inicial de conhecer o
processo formativo docente na educação infantil. As tabelas sistematizam os dados coletados
mediante entrevista com a coordenação do CMEI.
Quadro 1. Quantidade de professores e regime de contrato de trabalho
Total de Docentes do CMEI Efetivos (concurso) Temporários
(regime de estágio e PSS)
14 professoras 7 professoras - 50% 7 professoras:
6 estagiarias e 1 PSS - 50%
Quadro 2. Elementos caracterizadores da formação inicial das professoras N°
PROFª
(S)
CURSO INSTITUIÇÃO (pública ou
privada)
MODALIDADE (presencial ou á
distância) TURNO
3 professoras cursando o
técnico (formação de
docentes) 21,4%
3 professoras realizam curso
em Escola pública - 21,4%
3 professores frequentam curso
técnico presencial - 21,4% 3 professoras
matutino -
21,4%
7 professoras com pedagogia
(concluída) - 50%
2 professoras em universidade
pública - 14%
4 professores formados em curso
superior presencial - 28,5%
7 professoras
noturno 50%
5 professoras em Inst. de
ensino superior privado -
35,7%
3 professoras com ensino
superior a distância - 21,4%
3 professoras estão cursando
pedagogia - 21,4%
1 professora está cursando em
universidade pública - 7,1%
1 professora na modalidade
presencial - 7,1%
3 professoras
noturno 21,4%
2 professoras estão cursando
em universidade particular -
14%
2 professoras na modalidade á
distância - 14%
1 professora cursou letras -
7,1%
universidade particular - 7,1% presencial - 7,1% noturno - 7,1%
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Quadro 3. Total dos dados obtidos sobre formação inicial
Curso Instituição Modalidade Turno
formação técnica (formação
de docentes): 21,4% Escola pública: 21,4% curso presencial: 64,2% matutino: 21,4%
Ensino superior: 78,5%:
Concluído: 57,1 %
Cursando: 21,4 %
Universidade pública: 21,4% curso a distância: 35,7% noturno: 78,57%
Instituição de ensino superior
privada: 57,1%
Quadro 4. Elementos caracterizadores da formação continuada das professoras N° PROFª (S) CURSO INSTITUIÇÃO MODALIDADE TURNO
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PROFESSORAS
7 Professoras possuem
pós graduação completa:
50% Nível de
especialização 7 instituição privada:
87,5%
1-instituição pública:
13,5%
4 professoras: curso á
distância 50%
4 professoras
presencial: 50 %
8 professoras:
Diurno, Noturno e
finais de semana:
100% 1 professora está
cursando pós- graduação:
7,1% Nível de
especialização
A pesquisa analisa um pequeno número de dados que não podem representar contexto
social global, mas fazem indicações relevantes. Os dados são representativos e significativos
quando nos mostram que apenas 50% das professoras são efetivas, ou seja, concursadas. O
restante são contratadas, em regime temporário, que se caracteriza como elemento de
precarização. Tão somente 57% possuem ensino superior completo, mas como uma das
educadoras cursou letras, exclusivamente 50% tem o curso de pedagogia concluído.
Constatamos ainda que 64% das professoras fizeram ou estão cursando sua formação
presencialmente, mas com relação à pedagogia presencial concluída são 28,5% e em
universidade pública somente 14%. Das professoras que frequentaram ou frequentam
formação em período noturno são 78% e o restante dos 21% representam a quantidade de
professoras que estão frequentando o ensino técnico profissio nalizante que é ofertado no
período diurno em escola pública. Desta maneira, constatamos que as educadoras dividem a
rotina entre estudos e trabalho, não podendo se dedicar exclusivamente a formação, constata-
se aí mais um elemento de precariedade.
Na pós-graduação, em nível de especialização acontece situação semelhante, são 50%
das professoras que concluíram a pós-graduação, em nível de especialização, e uma
professora está cursando, representando 7,1%. Deste total 87,5% frequentaram o curso em
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instituição privada e 13,5% em pública. Este fator expressa a precariedade de acesso ao
ensino superior público, que ao nosso entendimento mostra-se mais com mais qualidade,
especialmente por apresentar um quadro docente mais qualificado.
Também descobrimos que dos oito professores, 50% optaram pelo curso presencial e a
outra metade distância. Esta formação acontece nas sextas-feiras à noite e aos finais de
semana no caso de ser presencial / e a distância há possibilidades de acessar a qualquer hora
do dia os materiais e vídeos.
Analisando os dados, percebemos muitos fatores que indicam que a formação de
professores de educação infantil é precária, o que simplifica e desqualifica o trabalho em sala
de aula, porém não podemos acusar ou culpar os docentes das condições que lhe são impostas,
eles são vítimas de uma organização social que em sua totalidade tende formar para o
mercado de trabalho despreocupando-se com o valor de uso desta formação.
A flexibilização da sociedade atual compromete ainda mais o trabalho qualificado,
através da oferta de cursos de curta duração, facilitando o acesso por meio de diferentes
mídias a uma formação informativa, não necessariamente com preocupação com
conhecimento científico. Mas devemos tomar cuidado ao dizer que apenas formações a
distância não atendem a formação teórica metodológica qualificada, sabemos que muitos
cursos presenciais também têm oferecido formações precárias para atender os imediatismos
do mercado.
A proliferação de instituições privadas e a distância sem muito compromisso com a
pesquisa e com o contrato de corpo docente qualificado que demanda maior investimento e
menos lucro tem contribuído para um acesso rápido e fácil a cursos que tem por objetivo
exclusivo formar mão de obra para o mercado. OLIVEIRA (2008) argumenta que a educação
a distância, nesta conjuntura política e ideológica, vem se constituindo em instrumento
estratégico de difusão, em nosso território, da nova pedagogia da hegemonia, que entende o
conhecimento como mercadoria do capital.
Por conseguinte, os docentes limitados pelas precariedades impostas pelo capital ao
trabalho são submetidos à formação inicial e continuada sem qualidade, o que contribui ainda
mais para esta simplificação na carreira educativa.
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4. Formação docente: simples ou complexa?
Na tentativa de construir uma escola comprometida com a classe trabalhadora, muitos
intelectuais têm entrado na discussão sobre a formação de profissionais que é um assunto
recente, entretanto polêmico e tem gerado uma efervescência no âmbito da pesquisa na
universidade.
A questão da precarização do professor de educação infantil está sendo abordada por
pesquisadoras como Arce (2001) Oliveira (2004). Kishimoto (1999), entre outros, dão maior
ênfase à questão da formação destes profissionais.
Enquanto educadores sentimos a necessidade de entrarmos neste debate que teve
início nos anos de 1990, seguido pelas reformas educacionais do modelo neoliberal que
influenciaram a documentação das políticas educacionais com o objetivo de modular um
profissional “competente tecnicamente e inofensivo politicamente” (DANDOLINI - ARCE,
2009, p.56).
Esta formação acrítica tem contribuído significativamente na simplificação e
fragmentação das funções docentes. Alguns aspectos destas políticas neoliberais ligadas à
manutenção do capitalismo são citados por Pachane (2006) e também Brzezinsky (1993) que
enfatizam a certificação por competências, concretizadas na flexibilidade e aligeiramento da
formação, através de práticas como a “formação por correspondência” visando atender ao
imediatismo o que inviabiliza cada vez mais uma formação que queremos.
Os professores são obrigados a entrar na corrida acirrada pela certificação e
bonificação oferecida em troca de maior número de títulos, sem analisar a qualidade dos
cursos de formação ofertados, ou seja, não se preocupam com o verdadeiro sentido do
desenvolvimento profissional, mas apenas em atender as determinações do estado impostas
por políticas neoliberais. Isso se verifica nos planos e estatutos municipais, que promovem os
professores pela sua certificação. Percebemos isso no estatuto dos servidores Municipais de
Dois Vizinhos (1993) no CAPÍTULO III - DA PROMOÇÃO:
Artigo 36 – Promoção é a passagem do servidor de um determinado nível para o
imediatamente superior da mesma classe.
Artigo 37 – As promoções obedecerão alternativamente os critérios de antiguidade e
merecimento, realizando-se, anualmente, em junho por antiguidade e em dezembro por
merecimento.
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Artigo 46 – Constituem condições essenciais a qualidade e quantidade de trabalho, a auto-
suficiência, a iniciativa, o tirocínio, a colaboração, a ética profissional, o conhecimento do
trabalho, o aperfeiçoamento funcional, a compreensão dos deveres, a assiduidade e a
pontualidade.
IX – Aperfeiçoamento funcional é a comprovação pelo servidor, de capacidade para melhor
desempenho das atividades normais da função e para a realização de atribuições superiores
adquiridas através de cursos regulares relacionados com aquelas atividades ou atribuições,
bem como por intermédio de estudos ou trabalhos específicos.
Para aumentar o salário, que representa a venda da sua força de trabalho,
desproporcional a sua formação os docentes de educação infantil assim como outros
servidores precisam encarar as imposições do sistema, mas o fazem sem nenhuma avaliação
desta alienação atribuída a seu trabalho.
Para Pachane (2006) o desenvolvimento profissional docente é intenção de melhorar e
qualificar a prática, crenças e conhecimentos profissionais, é o esforço contínuo, de maneira
que os docentes não sejam concebidos como acabados, mas como sujeitos que estão em
desenvolvimento constante, inseridos no meio social amplo carregado de contradições. Ao
contrário disso, encontramos na escola pública profissionais lutando para sobreviver à
desmoralização aplicada pela mídia, a falta de compromisso da sociedade política e civil para
com a educação, principalmente para com a primeira etapa da educação básica, que atende a
primeira infância sem a necessária atenção que deveria receber.
Nesta esfera, a procura pela licenciatura, especialmente na educação das crianças
menores não é atrativo, e na precariedade do trabalho os professores conseguem apenas
atender as necessidades básicas dos alunos, não aperfeiçoam conhecimentos e menos ainda
buscam novos caminhos para uma prática pedagógica e política.
Para Pachane (2006) a formação de professores é um momento de preparação e
emancipação profissional para realizar crítica, reflexiva e eficazmente um estilo de ensino que
promova a aprendizagem significativa para aluno, trabalhando em conjunto para desenvolver
um projeto educativo comum.
5. A Formação crítica reflexiva para constituição do trabalho complexo
A formação de educadores alcançou muitos avanços e está presente na legislação,
através dos Referenciais para a Formação de Professores (Brasil, MEC/SEF, 1998) e das
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Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica
(Brasil/CNE, 2001, 2002).
Mazeu (2011) faz uma analogia deste documento ressaltando suas contradições:
Segundo os Referenciais (Brasil, MEC/SEF, 1998), a reflexão-na-ação tem um papel
fundamental na formação e na atividade do professor na medida em que permitiria o
confronto de ideias, teorias e crenças que comporiam seu repertório de saberes com a
prática pedagógica cotidiana. Esse confronto colocaria em questão conhecimentos prévios
ante as novas situações vivenciadas pelo professor, impulsionando a disposição para uma
nova compreensão sobre a realidade e a tomada de decisões afinadas com a
intencionalidade da prática educativa e as reais possibilidades de efetivação dessa prática.
Entretanto, como adverte o próprio documento, essa reflexão se faz “[…] sem o rigor, a
sistematização e o distanciamento requeridos pela análise racional, mas com a riqueza da
totalidade do momento (MAZEU, 2011.164 e 165).
Portanto, o documento enfatiza a prática docente reflexiva, mas sem rigor e
sistematização, o que tornam esta ação sem sentido. Sabemos através desta exposição que a
política educacional brasileira tem muitas limitações para enfrentar a qualidade da educação.
Com a ampliação da educação infantil, as políticas neoliberais influenciam a
constituição da nova identidade do professor de educação infantil. Arce (2001) faz uma
analogia dos documentos do MEC, e a forma como se propõe a formar um professor reflexivo
na educação infantil.
O material analisado incorpora preceitos neoliberais, oferecendo ao professor um novo
status como técnico da aprendizagem, o de ser um profissional reflexivo, que não poderá,
com a formação proposta, refletir a respeito de mais do que sua própria prática, pois o
mesmo não possuíra o mínimo necessário de teoria além disso (ARCE,2001, p.17).
Almeida (2007) realiza a análise da abordagem de Schön sobre o conceito de
“Professor Reflexivo”, destacando que a partir desta concepção sobre o trabalho docente, a
reflexão começou a ser entendida apenas pelo viés de questões que permeiam os viveres
docentes, desprezando o valor das abordagens teóricas. A autora defende a importância da
teoria e prática não caminharem em/para polos opostos, e se inserirem no contexto formativo
do professor, pois o exercício da reflexão deve ser construído mediante pesquisa sobre as
práticas, no confronto com as teorias explicativas e analisando suas múltiplas determinações.
O educador precisa organizar suas ideias e registrá-las, nesse processo complexo de
trabalho como agente crítico. Assim, a práxis se constitui como elemento indispensável da
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ação pedagógica e humana. Nesse sentido, o profissional precisa construir uma identidade
crítica-investigativa, na qual se inserem os conhecimentos teóricos e práticos produzidos pela
reflexão crítica, que possibilite uma postura política sobre o desenvolvimento profissional.
A práxis, enquanto ação consciente dos indivíduos se constitui como alicerce do
trabalho docente, implicando na formação política, de postura crítica para com a profissão,
assumindo o compromisso ético e social com a educação da criança. Portanto,
os elementos da práxis, são certamente eixos de sustentação para a construção do
processo de ensino e aprendizagem, considerando o trabalho e a linguagem como norteadores
na formação humana.
O trabalho docente com a intenção de configurar uma proposta de educação
emancipatória, não na perspectiva do trabalho abstrato, como valor de troca, mas, uma
formação integral, omnilateral e complexa da qual Marx já no séc. XIX acreditava, precisa
rever formas de lutar por uma educação infantil para além do capital.
RESULTADOS
A pesquisa demonstrou como se afirma a precariedade da formação, mas acreditamos
que os avanços são possíveis. Sendo assim, devemos insistir pela construção de uma nova
identidade docente na educação infantil, elaborado num processo dialético, por meio de
conhecimentos e atribuições necessárias a sua função docente.
O professor deve se tornar interlocutor do conhecimento cientifico através do processo
de mediações complexas, para reapropriar seu papel produtivo, num movimento de escutar as
vozes da criança pequena, com suas necessidades específicas, possibilitando se tornarem
autônomas, num processo dialógico e expressar sua própria voz na sociedade como ser
político.
O professor enquanto profissional caracterizado pela propriedade de conhecimentos
sobre seu trabalho de natureza complexa deve por meio de uma formação inicial e continuada
alicerçada pela reflexão crítica encontrar na educação seu meio de afronta as determinações
capitalistas.
As vozes docentes devem romper com a lógica do capital, entretanto para resistir à
lógica de desvalorização desta sociedade desigual é necessário construirmos uma formação
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sólida, de base teórica e prática, com consciência política para não aceitar medidas paliativas
e reformistas, apenas uma mudança completa e galgar a ela também através da docência.
CONCLUSÕES
Sabendo das condições adversas encaradas pela docência, enfatizamos neste texto a
discussão acerca do trabalho. Professores que encontram na escola situações pouco
previsíveis na formação, problemas que vão muito além da questão da
aprendizagem, e que não podem ser ignoradas. Para isso, o docente necessita dedicar
tempo e qualificação profissional para estudos, planejamentos, avaliações, ent re outras
atividades de cunho pedagógico.
O trabalho do professor está alienado pelo capital, está subordinado pelas condições,
se torna trabalho estranhado, por que ele não tem domínio de seu trabalho, e a formação que
deveria dar conta de torná-lo pesquisador e produtor de conhecimento não atende a sua função
primordial, sendo influenciada por uma tendência midiática que ressalta discursos ideológicos
caracterizando o “bom professor” a partir de receitas e passos dados num apelo imediatista de
formar para a prática de sala de aula.
Contradizemos isso, salientando sumariamente a importância de uma formação
teórico-metodológica consistente que o instrumentalize para analisar a complexidade da
docência na educação infantil e assim realizar uma práxis educat iva que dê conta das
imprevisibilidades.
Também precisamos de formação inicial de maior aporte pedagógico que inclui maior
estrutura e recursos para o docente e aluno, um pagamento digno de salário, que não seja
apenas o valor de R$ 1.567,00, estabelecido pelo piso nacional, e uma formação continuada
que esteja adequada à área de atuação do profissional.
Os professores de educação infantil devem estar em constante formação para procurar
aliar a prática do dia a dia em sala de aula às reflexões teóricas construídas sobre a educação
neste nível de ensino.
Assim, não podemos minimizar a importância de uma formação adequada, de
pagamento justo, de condições melhores de trabalho, pois o trabalho do professor deste nível
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de ensino não deixa de ser complexo por englobar atividades de cuidado que também é
momento educativo e não lidar apenas com questões intelectuais.
A união da teoria e prática é fundamental para a construção do processo de ensino e
aprendizagem, de forma que a qualidade da educação é alcançada também pela valorização da
docência.
REFERÊNCIAS
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