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FIJ - FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGU PS-GRADUAO EM LNGUA PORTUGUESA

MODOS DE ORGANIZAO TEXTUAL

Flvia Heronville da Silva

Belo Horizonte 1 semestre de 2010

FIJ - FACULDADES INTEGRADAS DE JACAREPAGU PS-GRADUAO EM LNGUA PORTUGUESA

MODOS DE ORGANIZAO TEXTUAL

Monografia apresentada a Faculdades Integrada de Jacarepagu como requisito parcial para PsGraduao em Lngua Portuguesa.

Orientador: Igor Jackimczyk Baptista

Belo Horizonte 1 semestre de 2010

FLVIA HERONVILLE DA SILVA

MODOS DE ORGANIZAO TEXTUAL

Esta Monografia foi julgada adequada obteno do certificado de Ps-Graduao em Lngua Portuguesa e aprovada em sua forma final pelo Curso de Lngua Portuguesa da FIJ/Faculdades Integradas de Jacarepagu.

Rio de Janeiro, ___ de ______________________ de 2010.

__________________________________________ Prof. Igor Jackimczyk Baptista Faculdades Integradas de Jacarepagu __________________________________________ Prof. Faculdades Integradas de Jacarepagu __________________________________________ Prof. Faculdades Integradas de Jacarepagu

AGRADECIMENTOS

Agradeo ao Pai de infinita bondade e misericrdia pelas oportunidades de crescimento e aprendizado espiritual;

Agradeo ainda a todos que direta ou indiretamente colaboraram nesta etapa de crescimento do saber.

RESUMO

Este trabalho buscou sintetizar os variados estudos realizados no curso de ps-graduao na rea de Lngua Portuguesa. A primeira coisa que se procurou foi entender como o que se diz, ou se escreve, influencia o modo e as tcnicas usados por seus autores para atingir seus objetivos. Sob o tema organizao textual abriga-se uma gama de textos de diferentes formas. A narrao prope-se a contar uma histria, que envolve fatos, ao, personagens, local e tempo, na inteno de resolver os conflitos surgidos em seu desenvolvimento. Conta com recursos importantes, principalmente o desenvolvimento temporal, ou seja, os fatos narrados seguem uma sequncia de anterioridade e posterioridade, importante na determinao deste modo de organizao textual. A descrio utilizada quando o que se deseja relatar como um local, um personagem, uma cor, um cheiro. muito utilizada na narrao, por ajudar a situar os personagens e a descrev-los. De objetivos bem diferentes a dissertao, que tem uma base terica bastante desenvolvida, utilizando fatos abstratos, geralmente na exposio de teses, na apresentao de trabalhos cientficos. Muitas vezes, a dissertao usada junto com a argumentao, que pretende convencer algum de alguma coisa. Os recursos utilizados pela argumentao, envolvem tcnicas de retrica, com apresentao de dados e pesquisas que apiam o argumento e de refutaes das possveis opinies contrrias ao argumento central. Finalmente temos os textos injuntivos, que se destinam principalmente a ensinar ou determinar como realizar alguma coisa e os dilogos, que so resultantes da interao de duas ou mais pessoas.

Palavras chave: organizao textual, narrao, descrio, dissertao, argumentao, injuno, dilogo.

ABSTRACT

This work tried to synthesize the varied studies made in the post-graduation course in the Portuguese Language area. The first thing one looked for was to understand how what one says, or writes, influences the way and technichs used by authors to reach their objectives. Under the subject text organization are sheltered a range of different forms of texts. Narration is intended to tell a story, involving facts, action, personages, place and time, in order to solve the conflicts that appeared in its development, which means that facts follow a sequence of priority and posteriority, important in the determination of text organization. Description is used when what is desired is to tell the way a place is, or a personage, a color, a smell. It is very used in narration, because it helps to point out the personages and to describe them. Of well different objectives is dissertation, that has quite a big theoretical basis in the use of abstract facts, generally in the exposition of thesis and presentation of scientific works. Many times, the dissertation is used together with the argumentation, which intends to convince somebody of something. The resources used by the argumentation involve rhetoric techniques, including presentation of data and research results that give support to the argumentation, and refutations of the possible contrary opinions to the central argument. Finally we have the injunctiv texts, which are mainly destined to teach or to determine how to carry through some activity and the dialogues, that are the result of the interaction of two or more people. Key words: text organization, narration, description, dissertation, argumentation, injunction, dialogue.

SUMRIO

1 INTRODUO ..............................................................................................................09

2 CAPTULO I - PRESSUPOSTOS TERICOS2.1 PANORAMA GERAL.......................................................................................................10 2.2 Conceito de texto ..............................................................................................................10 2.2.1 Definio ........................................................................................................................10 2.2.2 Caractersticas ...............................................................................................................11 2.3 Coerncia ..........................................................................................................................13 2.4 Coeso ...............................................................................................................................15 2.5 Intertextualidade ..............................................................................................................15

3 CAPTULO II - OS MODOS DE ORGANIZAO TEXTUAL................163.1 TIPOLOGIA TEXTUAL....................................................................................................17 3.2 Narrao ...........................17 3.2.1 Conceituao ...................17 3.2.2 Elementos essenciais da narrativa ...................19 3.2.3 Tipos de narrador ....................20 3.2.4 Enredo .....................21 3.2.5 Personagens .....................................................................................................................21 3.2.6 Tempo .............................................................................................................................23 3.2.7 Espao .............................................................................................................................24 3.3 Descrio............................................................................................................................26 3.3.1 Conceituao ...................................................................................................................26 3.3.2 Tipos de descrio ...........................................................................................................28

3.3.2.1 Descrio literria ........................................................................................................28 3.3.2.2 Descrio no-literria .................................................................................................29 3.4 Dissertao ........................................................................................................................32 3.5 Argumentao...................................................................................................................34 3.6 Injuno ............................................................................................................................40 3.7 Dilogo................................................................................................................................41

4 CONCLUSO ................................................................................................................44

5 REFERNCIAS .............................................................................................................45

1 INTRODUO

Comunicar-se parece coisa simples, mas comunicar-se com eficincia requer a aquisio de estratgias lingsticas que precisam ser aprendidas. A linguagem falada, adquirida espontaneamente desde o nascimento, faz uso de recursos como gestos e entonao de voz que facilitam o processo de comunicao. A linguagem escrita, por no contar com estes recursos, precisa do auxlio de estratgias para que suas mensagens sejam plenamente apreendidas, para que se adquira competncia lingstica. A competncia lingstica no se resume apenas na capacidade de executar uma boa anlise sinttica, ou no uso correto da regncia. A capacidade de identificar as estratgias usadas pelos autores dos textos, os modos como organizaram sua produo, o uso de um tipo de texto no lugar de outro, as pistas que ajudam a decifrar intenes por trs de enunciados, so essenciais para que se desenvolva o prazer da comunicao, para que se consiga apreender a riqueza cultural de um povo. Para os profissionais que lidam diariamente com textos, como os professores, bibliotecrios, revisores a busca da excelncia na comunicao escrita pode ser enriquecida quando se conhecem as vrias formas em que as mensagens podem ser emitidas, quando se sabe qual o melhor recurso lingstico deve ser usado para que se atinjam os fins almejados. Para os estudantes, necessrio que seu interesse seja despertado para a grande variedade de gneros e modos de organizao textual, com especial ateno aos aspectos formais e lingsticos dos textos escritos. Para outros tipos de leitores, o segredo para um melhor aproveitamento de suas leituras pode estar justamente na descoberta dos recursos, s vezes sutis, usados em sua produo. justamente a busca dessas estratgias que conduziu realizao deste trabalho: a tentativa de entendimento e desenvolvimento da capacidade de identificar os modos de organizao dos textos, da descoberta das tcnicas e dos recursos adequados finalidade especfica de cada manifestao lingstica.

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2 CAPTULO I PRESSUPOSTOS TERICOS

2.1 PANORAMA GERAL 2.2 Conceito de texto A palavra texto derivada do latim textu que quer dizer tecido e sua conceituao pode ser to variada quanto suas formas. Genericamente, seria possvel considerar como texto qualquer forma de organizao de informaes e transmisso de idias, de conceitos, de manifestao de opinies, em outras palavras, um conjunto de atos que trazem em si um sentido completo, que proporcionam uma completa interao com o mundo. O termo texto pode ser tomado sob dois pontos de vista: a. em sentido amplo, designa toda e qualquer manifestao textual do ser humano, isto , qualquer tipo de comunicao realizado atravs de um sistema de signos, verbais ou escritos, que pode assumir vrias formas: um livro, uma reportagem, um anncio publicitrio, uma exclamao, uma aula, uma fotografia, bula de remdio, conversa telefnica, e-mail, poema, etc. b. em sentido estrito, o discurso pode se manifestar, lingisticamente, por meio de textos. Tomado nesse sentido, o texto consiste em qualquer enunciado, falado ou escrito, que forma um todo significativo, independente de sua extenso. Tem, assim, uma unidade de sentido completa, composta por um conjunto de relaes que concorrem para a sua formao. Entre essas relaes pode-se considerar a coeso, a coerncia e a intertextualidade como as mais importantes. 2.2.1 Definio As definies de texto so bastante abrangentes, como pode ser observado nas conceituaes a seguir, que se iniciam pelo verbete texto do dicionrio eletrnico Aurlio:texto (s) Substantivo 1.Conjunto [Do de lat. palavras, textu, masculino. de frases 'tecido'.] escritas:

11o texto de um livro, de um estatuto, de uma inscrio. 2.Obra escrita considerada na sua redao original e autntica (por oposio a sumrio, traduo, notas, comentrios, etc.): o texto da Bblia; o texto da lei. 3.Restr. Palavras bblicas que o orador sacro cita, fazendo-as tema de sermo. 4.Pgina ou fragmento de obra caracterstica de um autor: um texto de Machado de Assis. 5.Texto (1) manuscrito ou impresso (por oposio a ilustrao). 6.Qualquer texto (1) destinado a ser dito ou lido em voz alta: um texto teatral; o texto de um noticirio. 7.E. Ling. Excerto de lngua escrita ou falada, de qualquer extenso, que constitui um todo unificado. 8.E. Ling. Toda e qualquer expresso, ou conjunto de expresses, que a escrita fixou. [Pl.: textos. Cf. testo (), s. m., pl. testos (); testo, do v. testar; e testo, s. m. e adj., pl. testos.] Fora do texto. 1. Diz-se de qualquer material ilustrativo impresso parte, ger. em papel especial e em folhas no numeradas ou com numerao prpria, que se intercalam entre os cadernos de um livro. (2004)

Para Ingedore Koch (1991, p. 14), o texto considerado a unidade bsica de manifestao da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenmenos lingsticos que s podem ser explicados no interior do texto. O texto muito mais que a simples soma das frases (e palavras) que o compem: a diferena entre frase e texto no meramente de ordem quantitativa; , sim, de ordem qualitativa.

J Elisa Guimares (1997, p. 15) conceitua texto ou discurso como sinnimo de processo que engloba as relaes sintagmticas de qualquer sistema de signos. Pode-se ento falar de texto ou discurso cinematogrfico, teatral, coreogrfico, pictrico etc. Segundo o didtico ensinamento de Fiorin e Savioli (2000, p.15), o texto no meramente um aglomerado de frases mas contm um pronunciamento dentro de um debate de escala mais ampla. Os autores definem texto como um tecido, uma estrutura construda de tal modo que as frases no tm significado autnomo: num texto, o sentido de uma frase dado pela correlao que ela mantm com as demais. 2.2.2 Caractersticas De maneira geral, os textos trazem em si certas caractersticas que no podem faltar para a completa apreenso de seu sentido e que so,

12 muitas vezes, indispensveis para que algo seja reconhecido como texto. Entre estas, as principais so: a) o texto deve ser uma totalidade, ou seja, um todo gerador de sentido, os enunciados precisam ter significado, precisam ser entendidos. Um mero fragmento, uma nica frase ou palavra, no pode ser tomado isoladamente, no possui autonomia. Para isso devem estar presentes duas propriedades bsicas na organizao dos textos: a coeso e a coerncia. b) os textos dialogam entre si, uma vez que nenhum texto um objeto inteiramente autnomo, h sempre um dilogo estabelecido com outros textos e com o contexto. Sendo um produto de uma poca e de um lugar especficos, o texto traz as marcas desse tempo e espao, incorporando, ainda que implicitamente, opinies diferentes a respeito de uma mesma questo. A isto se d o nome de intertextualidade, que acontece tanto na produo como na recepo de idias gerando uma rede cultural de que todos participam. c) todo texto transmite, em maior ou menor grau, a viso de mundo do autor, sua maneira de encarar a realidade, suas intenes. Este processo de produo de significados e valores da vida social pode ser chamado de ideologia na medida em que o autor um ator social que comunga com esses valores. Fiorin e Savioli (op. cit., p. 28) mostram que as idias de uma poca esto presentes nos significados dos textos. Nesse sentido, pode-se dizer que no existe comunicao neutra pois os textos se situam dentro de um contexto, transmitem uma necessidade, uma situao pessoal que determina o que dito. d) de acordo com a intencionalidade do autor, o texto pode ser:Discurso autoritrio: o autor pretende fazer o leitor fazer. Discurso factivo: o autor pretende fazer o leitor ser. Discurso cientfico: o autor pretende fazer o leitor saber. Discurso persuasivo: o autor pretende fazer o leitor crer. (GUIMARES, op. cit., p. 17)

e) conforme sua finalidade, os textos podem ser tcnicos, cientficos, didticos, jurdicos, jornalsticos, filosficos, polticos, crticos, literrios. f) do ponto de vista lingstico, os textos podem ser descritivos, narrativos, expositivos, argumentativos, instrutivos, injuntivos.

13 g) conforme sua funo, os textos podem ser referenciais ou denotativos, emotivos ou expressivos, conativos ou apelativos, fticos, metalingsticos, poticos. Mesmo que uma delas acabe predominando, estas funes convivem umas com as outras, mesclamse, entrecruzam-se o tempo todo, obtendo-se de suas combinaes os mais diferentes efeitos. 2.3 Coerncia Segundo Ingedore Koch (op. cit., p. 21),a coerncia est diretamente ligada possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela o que faz com que o texto faa sentido para os usurios, devendo, portanto, ser entendida como um princpio de interpretabilidade, ligada inteligibilidade do texto numa situao de comunicao e capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo, pois a coerncia global.

A coerncia, ou a incoerncia, de um texto aparece, no direta e superficialmente, mas indiretamente por ao da leitura/audio desse texto. O nvel de coerncia identificado depende das condies em que ocorre, ou seja, do contexto. Mais especificamente, todas as partes se encaixam de maneira complementar de modo que no haja nada destoante, nada ilgico, nada contraditrio, nada desconexo. No texto coerente, no h nenhuma parte que no se solidarize com as demais. (Fiorin - 2000, p. 261) Da mesma forma, ensina Elisa Guimares (1997, p. 41) que para se chegar noo de coerncia textual, necessrio levar em considerao o processo total ou a estrutura semntica global desde a inteno comunicativa do escritor ou do locutor at as estruturas lingsticas em que se manifesta finalmente essa inteno. Para Fiorin & Savioli (op. cit., p. 261), um texto coerente um conjunto harmnico, em que todas as partes se encaixam de maneira complementar de modo que no haja nada destoante, nada ilgico, nada contraditrio, nada desconexo. No texto coerente, no h nenhuma parte que no se solidarize com as demais.

14 Para que seja possvel reconhecer a coerncia de um texto os agentes envolvidos (emissor e receptor) devem possuir competncia lingstica que permita a interao entre eles, favorecendo a interpretabilidade, definida por Koch (1995, p. 32) como a capacidade dos usurios de recuperar o sentido do texto pelo qual interagem.... Para que a unidade textual seja preservada, ou seja, para que a coerncia seja efetiva, so usados recursos lingsticos que proporcionam mais efetividade ao ato de comunicao. Estes recursos so: repetio, progresso, no-contradio e relao. (POLONIO, [s.d.]) a) repetio: retoma elementos j mencionados anteriormente no texto. Isto pode ser feito pelo uso de pronomes, sinnimos, terminaes verbais e expresses equivalentes que fazem um movimento circular dentro do texto, trazendo de volta elementos anteriores. b) progresso: necessrio que o seu desenvolvimento se faa acompanhar de uma informao semntica constantemente renovada, ou seja, na ordenao de sua sequncia deve haver uma ordenao de causa-consequncia entre os estados de coisas descritos, garantindo a continuidade do tema. c) no-contradio: no podem ser utilizadas expresses que contradigam os contedos apresentados anteriormente. No se pode, por exemplo, ser contra a violncia e, ao mesmo tempo, defender ferrenhamente a pena de morte. Ou seja, este princpio estipula simplesmente que inadmissvel que uma mesma proposio seja, ao mesmo tempo, verdadeira e no verdadeira. d) relao: os fatos ou os conceitos apresentados devem ser diretamente relacionados. Isso significa que para uma sequncia ser admitida como coerente, ter de apresentar aes, estados ou acontecimentos que sejam condizentes com o tipo de mundo representado nela.

Finalmente, os conhecimentos lingsticos e cognitivos auxiliam na capacidade de apreender completamente o sentido de um texto pois para isto necessrio que sejam feitas inferncias, ou seja, que se estabeleam relaes no explcitas entre frases ou trechos do texto para que se chegue ao significado implcito. 2.4 Coeso

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Para Elisa Guimares (op. cit., p. 41), a coeso resultante da coerncia, uma vez que o texto coerente traz uma sucesso contnua de unidades lingsticas relacionadas entre si, as quais geram a coeso. Portanto, embora diferentes, so aspectos do mesmo fenmeno, cmplices no processamento da articulao do texto. Por ser uma manifestao lingstica da coerncia, a coeso trata da ligao, da relao, da conexo entre as palavras de um texto, escritas ou faladas, por meio de elementos formais, os referentes textuais, que estabelecem relaes de sentido e significado no apenas com os elementos que a antecedem mas tambm com os que a sucedem. Isto realizado por certa categoria de palavras, chamadas elementos de coeso (Fiorin, op.cit. p. 271), pois alm de ligarem as partes do discurso, marcam a relao semntica entre elas, como causa, finalidade, concluso, contradio, condio, etc.Contribuem para esta ligao elementos de natureza gramatical (como os pronomes, conjunes, preposies, categorias verbais), elementos de natureza lexical (sinnimos, antnimos, repeties) e mecanismos sintticos (subordinao, coordenao, ordem dos vocbulos e oraes). (PINILLA, 1998)

A coeso pode ser explcita, quando se manifesta atravs de marcas lexicais e gramaticais, ou implcita, apoiada no conhecimento mtuo anterior dos participantes do processo comunicativo. 2.5 Intertextualidade As concepes, as idias, as crenas, os valores transmitidos nos textos surgem das condies da vida e dependem do momento histrico pois os textos assimilam as idias da sociedade e da poca em foram concebidos. Alm de no existirem isoladamente, cada texto traz em si marcas que remetem a conhecimentos anteriores, sejam culturais, lingsticos ou cognitivos. A maior ou menor competncia lingstica de cada pessoa determina at que ponto o texto ser entendido ou no. Segundo Fiorin & Savioli:

16Com muita frequncia um texto retoma passagens de outro. Quando um texto de carter cientfico cita outros textos, isto feito de maneira explcita. O texto citado vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro donde se extraiu a citao. Num texto literrio, a citao de outros textos implcita, ou seja, um poeta ou romancista no indica o autor e a obra donde retira as passagens citadas, pois pressupe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto de informaes a respeito de obras que compem um determinado universo cultural. Os dados a respeito dos textos literrios, mitolgicos, histricos so necessrios, muitas vezes, para compreenso global de um texto. (op. cit., p. 19)

Para Ingedore Koch (1995, p. 76), toda obra literria resulta de influncias contidas em leituras anteriores do autor. Em conseqncia, as mesmas idias, ou os mesmos temas, circulam na literatura, embora com roupagens diferentes, segundo as caractersticas de poca, autor, lugar. Ou seja, existe um conjunto universal cultural que engloba todos os textos. Da mesma forma, no dizer de G. Paulino (1995, op.cit. p. 21), um texto no se esgota em si mesmo, pois pode assumir formas e significaes to grandes que torna-se um verdadeiro processo social.Referncias, aluses, epgrafes, parfrases, pardias ou pastiches so algumas das formas de intertextualidade, de que lanam mo os escritores em seu dilogo com a tradio. Toms Antnio Gonzaga retoma Cames. Drummond retoma Gonzaga. Adlia Prado retoma Drummond. Ea de Queiroz rel Flaubert, relido tambm por Machado de Assis. Esse dilogo, no entanto, no se d sempre em harmonia. Se a tradio pode, de certa forma, ser reiterada com as diferentes retomadas que dela se fazem, pode tambm ser relativizada ou mesmo negada. (WALTY, 2008)

A intertextualidade no existe apenas entre textos escritos. Ocorre, tambm, entre linguagens diferentes. Alguns filmes fazem referncia a outros filmes, quadros trazem elementos de outros quadros, propagandas podem parodiar produes artsticas. 3 CAPTULO II - OS MODOS DE ORGANIZAO TEXTUAL Segundo Elisa Guimares (op. cit. p.16), quando se analisam as estruturas internas dos textos, a tipologia pode ser estabelecida de acordo com sua forma: descrio, narrao ou dissertao. Embora um destes tipos possa aparecer como dominante no ser o nico tipo ou forma. Partes maiores ou menores de cada um deles podem aparecer misturadas dentro da estrutura geral.

17 Para Fiorin & Savioli (op. cit., p. 289), esses tipos de textos raramente so encontrados em estado puro j que eles podem misturar-se durante a produo. De qualquer forma, h que observar o que caracteriza cada um dos tipos textuais, pelo modo como eles se organizam. Nosso trabalho vai deter-se nos modos de organizao dos textos: a caracterizao e a exemplificao de cada um. Aqui ser adotada a diviso aceita por Cilene da Cunha Pereira e Maria da Aparecida Meireles de Pinilla (2007, p. 94) que classificam os textos, quanto ao modo de organizao, em: narrao, descrio, dissertao, argumentao, injuno e dilogo.

3.1 TIPOLOGIA TEXTUAL

3.2 Narrao 3.2.1 Conceituao De maneira genrica, pode-se dizer que narrao um tipo de texto no qual se contam fatos que ocorreram em um determinado tempo e lugar, com o envolvimento de alguns personagens, seguindo uma estrutura que incorpora: apresentao, complicao ou desenvolvimento, clmax e desfecho. Na apresentao so introduzidos o lugar, o espao, os personagens, e feito um relato dos fatos. Quando os personagens modificam os fatos e a ao inicial, surge a complicao. O clmax torna-se o ponto mximo da histria, a parte mais importante da narrativa, pois quando os personagens descobrem os fatos e resolvem os conflitos. No desfecho, depois de resolvidos os conflitos e problemas, o equilbrio da narrativa estabelecido. A seqncia temporal elemento de grande importncia na narrao, j que o que a caracteriza o desenrolar dos fatos no tempo.

18 As narrativas podem ser baseadas em fatos reais - como as biografias, autobiografias, reportagens policiais - ou podem ser produto da fico - caso dos romances, contos, novelas. Podem, ainda, ser literrios e no-literrios. Nos literrios, h predominncia da funo potica da linguagem enquanto que nos no-literrios, h predominncia da funo referencial da linguagem, com o fornecimento de informaes objetivas e diretas. (Pinilla, 1998) Embora seja, geralmente, em prosa, a narrao pode existir em versos, existindo poemas, como as epopias, que apresentam ao, personagens, sucesso, conflitos, resoluo. Vanoye (1982, op. cit., p. 145) fornece um esquema bastante didtico do que ocorre no interior da narrativa:ordem existente ordem perturbada ordem estabelecida, na qual os seguintes personagens vo intervir: - vtima (objeto da perturbao); - vilo (sujeito da perturbao); - heri (sujeito do restabelecimento da ordem); eventualmente com personagens secundrios que sero adjuvantes (ajudaro o Heri); ou oponentes (ajudaro o vilo ou faro oposio ao Heri).

Esse autor faz uma interessante distino entre fico e narrao. Para ele, fico seria a narrativa propriamente dita: acontecimentos, personagens, ou seja, os elementos referenciais do texto. J a narrao seria a forma de organizao verbal e apresentao dos elementos da narrativa. Essas se manifestariam por elementos expressivos, conativos e poticos dentro do texto. Para ele, a narrativa organizada segundo objetivos precisamente determinados, em obedincia a cdigos de narrao e o narrador sabe ser um orientador, um condutor, ele sabe onde quer levar seu leitor. Contar uma histria tambm mentir. Para Fiorin & Savioli (op. cit., p. 289), o texto narrativo relata as mudanas de estado que ocorrem com pessoas e coisas atravs do tempo, mantendo relaes de anterioridade e posterioridade entre os episdios, mesmo que a seqncia dos enunciados seja invertida. Esses autores explicam a transformao de estados, que est presente em qualquer tipo de texto, e chamada narratividade, como um nvel mais abstrato na elaborao de uma narrao, com a ocorrncia de mudanas dentro do texto. Estas transformaes aparecem atravs de enunciados de estado (ocorrncia de posse ou privao entre um sujeito e um objeto) e de enunciados de ao (dependem da ao de um personagem). No entanto, para haver articulao da estrutura

19 narrativa os acontecimentos passam por fases distintas que seriam: manipulao, competncia, performance e sano. Na manipulao um dos personagens (ou mais de um) induz outro a fazer, por dever ou por querer, alguma coisa. A competncia refere-se ao saber, ou poder, adquirido pelo protagonista da ao. Performance a ao em si mesma, enquanto que a sano uma conseqncia da ao (recompensa ou castigo). Logicamente, estas fases no acontecem de forma clara, estando muitas vezes misturadas entre si, ou mesmo, apenas pressupostas na narrativa, podendo ser deduzidas dos fatos. (p. 55 e ss). Para Othon Garcia (1971, p. 224), a narrao trata de fatos, definidos como qualquer acontecimento de que o homem participe direta ou indiretamente. Segundo ele, os elementos que interferem na narrativa, em maior ou menor grau, so: o qu (o fato em si), quem (protagonista e antagonista), como (o modo como se desenrolou o fato), quando (o momento em que o fato aconteceu), onde (o local), porqu (a causa) e por isso (resultado). Com exceo de quem e o qu, os outros elementos podem estar ausentes.

3.2.2 Elementos essenciais da narrativa De forma geral, todas as narrativas se compem de elementos bsicos considerados como essenciais: narrador, enredo, personagens, espao e tempo, distribudos em diferentes categorias. No caso das narrativas de fico (na literatura, em filmes, cordis, telenovelas e diversos outros), os personagens exercem papel fundamental e podem estar divididos entre dois lados antagnicos identificados, genericamente, como "bem" e "mal".

3.2.3 Tipos de narrador O narrador pode ser personagem ou observador da histria. A figura do narrador no se confunde com a do autor do texto, pois este que ir decidir se participar da histria, como um dos personagens (heri ou coadjuvante), ou se ficar fora dela, apenas relatando os fatos acontecidos com outras pessoas. O tipo de narrador escolhido que determinar o ponto de

20 vista que melhor se adapta a determinada narrativa, definindo que recursos tcnicos sero usados. O narrador em primeira pessoa (narrador-personagem) participa diretamente da ao, podendo atuar como heri ou como antagonista. Apesar de participar da trama no ter acesso aos sentimentos e pensamentos dos outros personagens, embora esteja em situao privilegiada para relatar suas prprias percepes e interferir diretamente nos acontecimentos, comentandoos e proporcionando maior subjetividade ao texto.D. Pedro abriu a porta num rompante e deu de cara conosco. Na verdade, fosse eu um narrador mais preciso, no poderia usar o termo conosco, pois ele mal reparou em mim ou no nobre cientista. Seus olhos ficaram presos no vertiginoso e arfante decote da senhora Bompland. (TORERO, 1994, p. 16.)

O narrador participa diretamente da cena como os outros personagens e, ao mesmo tempo, comenta as atitudes e sentimentos dos outros participantes (D. Pedro abriu a porta num rompante, mal reparou em mim, seus olhos ficaram presos no vertiginoso e arfante decote). Narrador em terceira pessoa (narrador-observador) aquele que no participa da ao, ou seja, oferece uma viso de fora da narrativa, podendo dispor de mais informaes sobre o enredo e os acontecimentos do que as pessoas envolvidas diretamente nele. Ele onisciente, podendo informar sobre os sentimentos, idias, pensamentos, intenes e desejos dos vrios personagens.Estava posta em prtica a ttica concebida por Rosa e Silva para tentar derrotar Dantas Barreto. Assustado com as notcias da enorme repercusso da candidatura do general entre a populao, o conselheiro temia que nos trs meses que os separavam das eleies (marcadas para o dia 7 de dezembro) o nome do general pudesse crescer muito e que ele acabasse se elegendo. Para encurtar o prazo ordenou as duas renncias. (MORAIS, 1994, p. 71)

Neste trecho da biografia escrita por Fernando Morais, ele o narrador onisciente, que sabe todos os fatos, apresentando sua verso dos acontecimentos, informando sobre as intenes e manobras dos protagonistas.

21 3.2.4 Enredo a estrutura da narrativa, ou seja, o desenrolar dos acontecimentos os quais geram conflitos responsveis pela tenso da narrativa. Para Othon Garcia (op. cit., p.227), o ponto forte da narrativa interessar e comover o leitor. Para criar este clima dramtico, necessrio haver conflito entre idias, sentimentos ou propsitos dos personagens. Tudo isto conseguido atravs do enredo, o qual apresenta estgios progressivos: exposio, complicao, clmax e desenlace. Ainda segundo o mesmo autor, o enredo trata do tema, o qual, conforme Fiorin (op. cit., p. 72), se refere a elementos que organizam, categorizam, ordenam a realidade percebida pelos sentidos. 3.2.5 Personagens So os participantes da narrativa, aqueles de quem se contam os conflitos, so os seres que se movimentam, se relacionam, podendo ser seres reais ou imaginrios, animais, elementos da natureza, vtimas, heris, viles. Entre os personagens, destaca-se o protagonista, ou personagem principal, em volta de quem se movimentam os outros personagens, os secundrios, que contribuem ou no para a concluso da ao, e os figurantes, que ajudam a compor no apenas o ambiente como as situaes dramticas da narrativa. De acordo com a inteno do autor, com o que ele pretende expressar, podem ser usadas tcnicas diferentes de apresentao da fala dos personagens: - no discurso direto, o narrador reproduz diretamente o que seus personagens falam, ou seja, usa as palavras no tempo verbal e com os pronomes que seriam usados por pessoas na vida real. Desta forma o texto fica mais gil e o narrador no interfere diretamente, deixando que seu personagem fale por si mesmo. Este tipo de discurso , geralmente, introduzido por marcas

22 prprias como aspas, dois pontos ou travesso, que indicam a passagem para a fala do personagem, verbos que anunciam a fala (verbos dicendi, ou verbos de dizer), pronomes referentes primeira pessoa, indicando que o personagem fala por si mesmo, uso de tempos verbais do momento da fala.

- o discurso indireto, em que o narrador faz o papel de intermedirio entre o leitor e o texto, ou seja, o narrador utiliza-se de suas prprias palavras para contar o que disse um determinado personagem. uma mistura das vozes do narrador e do personagem, expressa atravs do uso dos verbos de dizer, ou verbos dicendi, por partculas introdutrias, geralmente as conjunes que ou se, por verbos, pronomes e outras palavras de situao, como advrbios, apresentados no contexto do narrador, no no do personagem.Quincas Borba calou-se de exausto, e sentou-se ofegante. Rubio acudiu, levandolhe gua e pedindo que se deitasse para descansar; mas o enfermo, aps alguns minutos, respondeu que era nada. Perdera o costume de fazer discursos, o que era. E, afastando com o gesto a pessoa de Rubio, a fim de poder encar-la sem esforo, empreendeu uma brilhante descrio do mundo e suas excelncias. Misturou idias prprias e alheias, imagens de toda sorte, idlicas, picas, a tal ponto que Rubio perguntava a si mesmo como que um homem, que ia morrer dali a dias, podia tratar to galantemente aqueles negcios. - Ande repousar um pouco. Quincas Borba refletiu. - No, vou dar um passeio. - Agora no; voc est muito cansado. - Qual! Passou. Ergueu-se, e ps paternalmente as mos sobre os ombros de Rubio. - Voc meu amigo? - Que pergunta! - Diga. - Tanto ou mais do que este animal, respondeu Rubio, em um arrobo de ternura. Quincas Borba apertou-lhe as mos. - Bem. (ASSIS, 2008 a)

No texto de Machado de Assis, acima, o autor utiliza as duas formas de apresentao da fala dos personagens. No primeiro pargrafo, relata a fala de Quincas Borba, usando o discurso indireto. Nas linhas seguintes, passa a usar o discurso direto (falas introduzidas por travesso), reproduzindo o dilogo entre dois personagens. - o discurso indireto livre feito com a associao das caractersticas do discurso direto e do indireto, ou seja o narrador se funde com seu personagem permitindo que ele exprima seus

23 prprios pensamentos. No h citao de frases, no se trata do que o personagem disse, mas de seus pensamentos e sentimentos, que so inseridos no discurso atravs do narrador, o que permite uma maior exposio psicolgica do personagem, por revelar seu fluxo de pensamentos (idias, sentimentos, reflexes). uma tcnica em que no so usados os verbos dicendi, nem as partculas introdutrias (que e se). No entanto, so mantidas outras marcas do discurso como exclamaes, interjeies, splicas, conforme nos lembra Fiorin (op. cit., p. 182)

No texto a seguir, tambm de Machado de Assis, o autor utiliza o recurso do discurso indireto livre, como se pudesse ler os pensamentos do personagem Estcio, como se tivesse acesso direto ao que se passa em seu interior. , tambm, interessante observar a exclamao no final do trecho, expressiva da alegria interior do heri do romance.Se Helena padecia, o lugar de Estcio no era ao p dela? Assim pensou o sobrinho de D. rsula, que em todo esse dia resolver no sair de casa. Cercou-a de cuidados, buscou distra-la, pediu-lhe que fosse repousar um instante. Para justificar a explicao que dera, Helena obedeceu s instrues do irmo. Este foi encerrar-se no gabinete, onde se ocupou em examinar e colecionar alguns papis. Era o dia marcado para solicitar de Eugnia o consentimento matrimonial, e ele no cogitava em ir ao Rio Comprido. Na irm, sim; na irm pensava ele, ora relendo as pginas de sua predileo, ora mandando saber se dormia sossegada, ora contemplando o desenho com que ela o presenteara na vspera. Sentia-se to feliz naquela aurora do ano! (ASSIS, 1952, p. 138)

3.2.6 Tempo O tempo parte importante, seno essencial, nas narrativas. Ele serve para situar os personagens em uma poca ou momento histrico, no qual a narrativa se desenrola. Esse tempo pode ser determinado pela sucesso cronolgica dos acontecimentos narrados, ou pode ser psicolgico, subjetivo, vivido ou sentido pelos personagens, fluindo em consonncia com o seu estado de esprito. Os acontecimentos podem ser contados em ordem linear, medida que decorre o tempo da narrativa, ou podem ser usados recursos como a alterao da ordem temporal, com recuos a acontecimentos passados ou, mesmo, antecipao de acontecimentos futuros.

24Como acordei tarde s pude terminar hoje a carta que hei de enviar ao Rocha Pinto. A de D. Pedro ficou para amanh. Depois da refeio, fui visitar a Baronesa e a encontrei melhor, embora com uma tosse muito incmoda. Li para ela a carta de meu amo e algumas pginas do mesmo romance de ontem. hora de sair, chegou a sua aia com uns biscoitos e eu aproveitei para ficar mais uns minutos. (TORERO, op. cit. p. 117)

Neste trecho narrativo literrio, clara a sequncia temporal dos fatos, delimitada por tempos verbais e advrbios indicadores do tempo decorrido (como acordei tarde, s pude terminar hoje, ficou para amanh, depois da refeio, hora de sair, ficar mais uns minutos). Nota-se que no h descrio de personagens ou do espao, apenas um relato sucinto dos fatos fortemente marcados pela passagem do tempo, pelo desenvolvimento seqencial da ao.

3.2.7 Espao Refere-se aos locais onde acontecem as aes, onde se movimentam os personagens, podendo ser representados por um ambiente fsico, real, ou por um ambiente psicolgico, englobando as vivncias, pensamentos e sentimentos dos vrios personagens. Esse espao pode ser tambm verdadeiro (existente na realidade), ou pode ser criado, ficticiamente, com base nos espaos verdadeiros ou numa realidade no existente, como na fico cientfica. Vejamos, agora, o texto a seguir, que pode servir de exemplo a tudo o que foi dito anteriormente. Aqui que contada a histria do personagem Leonardo:Sua histria tem pouca coisa de notvel. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua ptria; aborrecera-se porm do negcio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, no se sabe por proteo de quem, alcanou o emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, no sei fazer o qu, uma certa Maria da hortalia, quitandeira das praas de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justia, no era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo era magano. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distrado por junto dela, e com o ferrado sapato assentou-lhe uma valente pisadela no p direito. A Maria, como se j esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe tambm em ar de disfarce um tremendo belisco nas costas da mo esquerda. Era isto uma declarao em forma, segundo

25os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e belisco, com a diferena de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes to extremosos e familiares, que pareciam s-lo de muitos anos. Quando saltaram em terra comeou a Maria a sentir certos enojos: foram os dois morar juntos: e da a um ms manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do belisco; sete meses depois teve a Maria um filho, formidvel menino de quase trs palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e choro; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos o heri desta histria. (MACEDO, 2008)

Deve-se observar, em primeiro lugar, a linearidade do enredo. Os fatos so narrados uns depois dos outros, seguindo uma ordem cronolgica. Isto bastante enfatizado pelas marcas indicativas de temporalidade, como verbos no pretrito perfeito (alcanou o emprego, saltaram em terra, foram os dois morar juntos), e mais que perfeito (fora algibebe, aborrecera-se, viera com ele), todos indicativos de anterioridade em relao ao tempo da narrativa. Temos, ainda, o uso de advrbios e locues adverbiais (desde tempos remotos, nesse tempo, ao anoitecer, no dia seguinte, da a um ms, sete meses depois), que fornecem uma indicao de tempo passado com relao ao tempo presente da narrativa. Tem-se, ainda, a apresentao dos personagens Leonardo (nasceu e viveu em Lisboa onde era algibebe, havia se cansado do negcio, vinha para o Brasil, de navio, no era mal apessoado) e Maria (quitandeira das praas de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota), o relato de como se conheceram (Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distrado por junto dela, e com o ferrado sapato assentou-lhe uma valente pisadela no p direito. A Maria, como se j esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe tambm em ar de disfarce um tremendo belisco nas costas da mo esquerda), alm dos locais onde os fatos narrados aconteceram (Ao sair do Tejo, encostada borda do navio, quando saltaram em terra). Os fatos relatados compem o enredo. Este conta a histria de Leonardo e de Maria, como se conheceram, a viagem que fizeram de navio, e o nascimento do filho. O autor utiliza um narrador em terceira pessoa, que no participa diretamente da histria mas conhece todos os fatos.

26 No ltimo pargrafo tem-se a concluso da histria, a resoluo dos fatos narrados. Pode-se dizer que este pargrafo contm no apenas a concluso da histria narrada anteriormente mas tambm uma outra histria, a do filho do casal, seu nascimento, sua amamentao, seu temperamento. 3.3 Descrio 3.3.1 Conceitualizao Othon Garcia (op. cit., p. 215) define a descrio como: a representao verbal de um objeto sensvel (ser, coisa, paisagem), atravs da indicao dos seus aspectos mais caractersticos, dos pormenores que o individualizam, que o distinguem."

Segundo Fiorin & Savioli (op. Cit., p. 297 e 298), o que diferencia a narrao da descrio o fato de que nesta no h progresso temporal, os fatos descritos so simultneos, no existe entre eles relao de anterioridade ou posterioridade. A ordem em que esto inseridos pode ser alterada sem que ocorra nenhuma mudana significativa no que descrito. Mesmo quando h a ocorrncia de verbos de ao ou de movimento, o texto no pode se classificado como narrao se no houver mudana de um estado anterior para outro posterior.

A descrio bem feita deve captar os aspectos que forneam uma imagem sensvel, mostrando a relao entre as partes de maneira a permitir a compreenso do conjunto. O importante apontar os traos que mais impressionam os sentidos, que tornam o objeto da descrio algo singular e marcante, ser capaz de transmitir a impresso que a coisa vista desperta em nossa mente. (Garcia, op. cit., p. 215). A descrio um tipo de texto to importante que, alm de estar presente nos textos de fico, encontrado nos dicionrios, na publicidade, nos textos cientficos.

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Os textos descritivos geralmente no aparecem isolados. Os textos narrativos e dissertativos so constantemente intercalados por descries de personagens, objetos, lugares, conceitos, fenmenos, dando ao receptor uma visualizao privilegiada do cenrio onde uma ao se desenvolve e dos personagens que dela participam, alm de servirem de comentrio e justificativa para a argumentao, ao possibilitarem um maior detalhamento dos argumentos contra ou a favor da tese advogada pelo autor. Na narrativa, a descrio provoca uma pausa no fluxo do que estava sendo narrado que importante para o enriquecimento do texto. Da mesma forma, descries podem trazer, em si, trechos de narrao.

A descrio tem sido normalmente considerada como uma expanso da narrativa. Sob esse ponto de vista, uma descrio resulta frequentemente da combinao de um ou vrios personagens com um cenrio, um meio, uma paisagem, uma coleco de objectos. Esse cenrio desencadeia o aparecimento de uma srie de subtemas, de unidades constitutivas que esto em relao metonmica de incluso: a descrio de um jardim (tema principal introdutor) pode desencadear a enumerao das diversas flores, canteiros, rvores, utenslios, etc., que constituem esse jardim. Cada subtema pode igualmente dar lugar a um maior detalhe (os diferentes tipos de flor, as suas cores, a sua beleza, o seu perfume...). (Lngua Portuguesa, 2008)

Entre os principais aspectos lingsticos da descrio pode-se apontar a freqncia de uso dos tempos verbais presente do indicativo e pretrito imperfeito do indicativo, o emprego das formas adjetivas dos verbos, alm dos adjetivos e dos advrbios de lugar que auxiliam no estabelecimento da coeso e da coerncia, o uso de imagens, analogias e termos tcnicos. Todos esses elementos ajudam na descrio da localizao espacial dos personagens dentro de seus cenrios. Pode-se mencionar, ainda, o emprego freqente de figuras como as metforas, metonmias, comparaes e sinestesias, que, principalmente nas descries literrias, enriquecem o personagem, o cenrio ou objeto, transmitindo com muita clareza os sentimentos, positivos ou negativos, que o autor deseja expressar. 3.3.2 Tipos de descrio 3.3.2.1 Descrio literria

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Segundo Garcia (op. cit., p. 216), um dos fatores mais importantes numa descrio literria o ponto de vista, que alm de ser a posio fsica do observador, inclui sua predisposio afetiva com relao ao objeto descrito. No mesmo sentido, outros autores apontam a necessidade de envolvimento psicolgico com o que descrito, pois que este envolve os aspectos sensoriais que exigem contemplao e apreenso de algo objetivo ou subjetivo..., no dizer de Martins e Zilberknop (2004, p. 107) Se a descrio parte do ponto de vista fsico, ir referir-se perspectiva que o observador tem do objeto, e que, na descrio literria, determinar a organizao progressiva de sua apresentao, ou seja, cada detalhe ser apresentado paulatinamente, de maneira a facilitar a compreenso do que est sendo descrito. Salienta Garcia (op. cit., 1971, p. 217) quepercebemos ou observamos com todos os sentidos, e no apenas com os olhos. Haver sons, rudos, cheiros, sensaes de calor, vultos que passam, mil acidentes, enfim, que evitaro que se torne a descrio uma fotografia plida daquela riqueza de impresses que os sentidos atentos podem colhr.

Quando a descrio literria feita a partir do ponto de vista mental ir referir-se ao elemento subjetivo, psicolgico, que envolve uma interpretao do objeto, dando origem a dois outros tipos de descrio: a subjetiva e a objetiva. A descrio subjetiva reflete as preferncias e impresses pessoais do observador, podendo at ser modificada, embelezada ou distorcida, dependendo de seu estado psquico. Ele assim no descreve o que v mas o que pensa ver. (Garcia, op. cit., p. 218) A descrio objetiva, retrata a realidade tal como ela realmente , sem nuances, sem interferncias psicolgicas, destacando nitidamente os detalhes como forma, peso, cor, tamanho, cheiro. Este tipo de descrio caracterstica da descrio tcnica ou cientfica, assim como das novelas policiais. 3.3.2.2 Descrio no-literria

29 Este tipo de descrio apresenta alguns aspectos semelhantes aos da descrio literria embora exija mais preciso do vocabulrio, mais exatido nos pormenores e uma linguagem mais controlada, alm de ser, principalmente, denotativa. Pode ser usada para descrever objetos, aparelhos, mecanismos, processos, etc. Embora seja considerada no-literria pode ser usada tambm em textos literrios como romances, teatro, e outras formas de expresso artstica. Da mesma forma que na literria, na descrio no-literria so muito importantes o ponto de vista e o objetivo. Dependendo destes que sero escolhidas as formas verbais e sua estruturao lgica:qual o objeto a ser descrito (definio denotativa)? que parte dele deve ser ressaltada? de que ngulo deve ser encarado? que pormenores devem ser examinados de preferncia a outros? que ordem descritiva deve ser adotada? (lgica? psicolgica? cronolgica?) a quem, a que espcie de leitor se destina? (a um leigo ou a um tcnico?) (Garcia, op. cit. p. 378)

Ao se analisar o texto descritivo literrio, observam-se vrios recursos usados para dar nfase ao objeto descrito. No texto a seguir, parte de um romance de Ea de Queiroz, a descrio se mescla sutilmente narrativa, criando uma atmosfera mais realista e, ao mesmo tempo, dando tempo ao leitor para apreender o ambiente onde se passa a ao.Desde as quatro horas da tarde, no calor e silncio do domingo de junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa, trabalhava. Gonalo Mendes Ramires (que naquela sua velha aldeia de Santa Irenia, e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila-Clara, e mesmo na cidade, em Oliveira, todos conheciam pelo "Fidalgo da Torre") trabalhava numa Novela Histrica, A Torre de D. Ramires, destinada ao primeiro nmero dos Anais de Literatura e de Histria, revista nova, fundada por Jos Lcio Castanheiro, seu antigo camarada de Coimbra, nos tempos do Cenculo Patritico, em casa das Severinas. A livraria, clara e larga, escaiolada de azul, com pesadas estantes de pau-preto onde repousavam no p e na gravidade das lombadas de carneira, grossos flios de convento e de foro, respirava para o pomar por duas janelas, uma de peitoril e poiais de pedra almofadados de veludo, outra mais rasgada, de varanda, frescamente perfumada pela madressilva que se enroscava nas grades. Diante dessa varanda, na claridade forte, pousava a mesa - mesa imensa de ps torneados, coberta com uma colcha desbotada de damasco vermelho, e atravancada nessa tarde pelos rijos volumes da Histria genealgica todo o Vocabulrio de Bluteau, tomos soltos do Panorama, e ao canto, em pilha, as obras de Walter Scott sustentando um copo cheio de cravos amarelos. E da, da sua cadeira de couro, Gonalo Mendes Ramires, pensativo diante das tiras de papel almao, roando pela testa a rama de pena de pato, avistava sempre a inspiradora da sua Novela - a Torre, a antiqussima Torre, quadrada e negra sobre os limoeiros do pomar que em redor crescera, com uma pouca de hera no cunhal rachado, as fundas frestas gradeadas de ferro, as

30ameias e a miradoura bem cortadas no azul de junho, robusta sobrevivncia do Pao acastelado, da falada Honra de Santa Irenia, solar dos Mendes Ramires desde os meados do sculo X. Gonalo Mendes Ramires (como confessava esse severo genealogista, o morgado de Cidadelhe) era certamente o mais genuno e antigo Fidalgo de Portugal. Raras famlias, mesmo coevas, poderiam traar a sua ascendncia, por linha varonil e sempre pura, at aos vagos Senhores que entre Douro e Minho mantinham castelo e terra murada quando os bares francos desceram, com pendo e caldeira, na hoste do Borguinho. E os Ramires entroncavam limpidamente a sua casa, por linha pura e sempre varonil, no filho do Conde Nuno Mendes, aquele agigantado Ordonho Mendes, senhor de Treixedo e de Santa Irenia, que casou em 967 com Dona Elduara, Condessa de Carrion, filha de Bermudo, o Gotoso, Rei de Leo. (QUEIROZ, 1951, p. 5)

O autor coloca o personagem num espao fsico, embora ficcional, claramente delimitado, com detalhes precisos calcados na realidade. Inicialmente, como se trata de uma narrativa, focalizado o tempo em que transcorre a ao (quatro horas da tarde, calor, domingo de junho). A seguir, a descrio do personagem (em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa). No segundo pargrafo, apresentada a descrio do ambiente, ou do espao, onde ocorre o fato, o escritrio onde o personagem se encontra e a Torre que lhe serve de tema. No ltimo pargrafo, a descrio, entremeada de trechos narrativos, da famlia do personagem, de sua descendncia. Podem ser observados o uso do pretrito imperfeito do indicativo (trabalhava, estantes de pau preto onde repousavam, respirava para o pomar), utilizado na descrio do personagem e do local, o emprego de adjetivos e de advrbios de lugar (quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa, livraria, clara e larga, pesadas estantes de pau-preto, almofadados de veludo), o uso de imagens (severo genealogista, hoste do Borguinho) e analogias, metforas (grossos flios de convento e de foro), comparaes, metonmias (em casa das Severinas, Vocabulrio de Bluteau, tomos soltos do Panorama) e sinestesias (de varanda, frescamente perfumada pela madressilva, no p e na gravidade das lombadas, respirava para o pomar) que ajudam a enriquecer a descrio do personagem, do cenrio e dos objetos, transmitindo com muita clareza os sentimentos, positivos ou negativos, que o autor deseja expressar. Neste trecho de Ea de Queiroz temos a clara sensao de gravidade, de apatia, de pesadas responsabilidades na descrio da sala (no p e na gravidade das lombadas, grossos flios de convento e de foro), embora no mencionadas

31 explicitamente, e de alvio no ambiente externo (respirava para o pomar, frescamente perfumada). Fazendo uma comparao com o texto acima, tpico da narrao literria, tem-se a seguir um texto de narrao no-literria:Abordar Minas Gerais pelo lado do Atlntico vencer os basties de uma grande fortaleza natural. Do Esprito Santo ao Paran o continente apresenta ao oceano uma barreira de elevadas montanhas e antes delas h uma costa inspita. A sul de Cabo Frio, onde a Baia de Guanabara se alarga atrs do gargalo da entrada, a Serra do Mar fortalecida pelo fosso do vale do Rio Paraba e pelas abruptas encostas da Mantiqueira. Florestas virgens, matas mal penetradas no final do decnio de 1770 continuam para o interior de Minas. Vila Rica, a opulenta cidade do ouro negro fica a cerca de 15 dias de caravana de mulas da sede do vice-reinado, Rio de Janeiro. A estrada para a zona montanhosa brasileira, atravessando densa floresta tropical e contornando escarpas vertiginosamente altas, era perigosa e espetacular. (MAXWELL, 2001, p. 108)

Como se pode observar, neste trecho o tempo verbal usado o presente do indicativo, quase no h uso de imagens e analogias, de metforas e de sinestesias. O vocabulrio mais preciso, mais direto, quase no h transmisso de sentimentos, e estes quando aparecem apenas enfatizam a descrio dos locais. (vencer os basties, perigosa e espetacular). 3.4 Dissertao Dissertar , basicamente, ordenao de um assunto sobre tema escolhido, selecionando dados e expondo idias. (Martins, op.cit., p.121). Estamos constantemente empregando a dissertao na vida diria quando queremos convencer algum de alguma coisa, quando expomos nossa maneira de pensar, quando estamos ensinando algum assunto. A dissertao um tipo de texto expositivo, da mesma forma que o relatrio, o texto didtico, o artigo de uma enciclopdia. A princpio, o texto dissertativo no se destina a convencer (que caracterstica dos textos argumentativos) mas, apenas, a transmitir conhecimentos e informaes. No entanto, a argumentao e a dissertao encontram-se, constantemente, unidas uma vez que envolvem a discusso de idias e defesa de pontos de vista.

32 Para Fiorin (op. cit. p. 299) a dissertao e a descrio diferem em alguns aspectos, que devem ser ressaltados, pois abrangem caractersticas dos dois tipos textuais: a) na descrio predominam termos concretos, com relato de propriedades de um objeto particular, no h relao de anterioridade e posterioridade entre os enunciados. b) na dissertao h predominncia de conceitos abstratos, de interpretaes de um objeto genrico ou de dados da realidade, atravs de modelos tericos, sem se ater a caractersticas individuais, apresentando alto grau de abstrao; por manterem relaes de causa e efeito, que obrigam a uma certa rigidez entre eles, os enunciados no podem ter sua formulao modificada vontade. Diferentemente de outros tipos de textos, os dissertativos tm uma estrutura um pouco mais rgida, que deve ser seguida para o desenvolvimento do tema e exposio mais clara das idias, devendo seguir um esquema com princpio, meio e fim. Assim, a dissertao deve ser composta de: a) introduo: o pargrafo inicial do texto, devendo apresentar de maneira clara e sucinta, em apenas um pargrafo, o assunto que ser tratado, ou a tese, que ser desenvolvida. b) desenvolvimento: a parte do texto em que sero desenvolvidas as idias propostas na introduo, onde ser feita a defesa do tema proposto, onde sero expostos conceitos e informaes, causas e conseqncias, os prs e os contras. Este o verdadeiro corpo do texto, podendo ser dividido pargrafos. c) concluso: o momento final do texto, onde ser feita uma reafirmao do tema, fornecendo-lhe um fecho, ou onde sero apresentadas possveis solues para o problema apresentado. A concluso deve expor uma avaliao final sobre o assunto discutido. Deve ser sempre imparcial, com base nos fatos apresentados e discutidos anteriormente, e deve, como a introduo, conter apenas um pargrafo. Para que a dissertao apresente uma boa qualidade, o texto deve ser sempre claro, conciso e objetivo evitando pormenores excessivos ou explicaes desnecessrias. Outro aspecto de grande importncia para a eficincia de uma dissertao a coerncia pois todas as idias apresentadas devem ser relevantes para o tema proposto e relacionadas diretamente a ele. Por exemplo, no texto dissertativo a seguir:

33O que significa dizer que um organismo se comunica com outro? Em certas circunstncias determinados animais trocam sons, substncias qumicas ou posturas corporais e, nestes casos, dizemos que eles esto se comunicando. No estudo da comunicao animal o nico critrio operacional vivel para configurar a ocorrncia da comunicao a mudana ostensiva de comportamento. Este fato possibilita definir a comunicao animal como a ao de um organismo que altera a probabilidade de ocorrncia do padro de comportamento em outro organismo. Esta capacidade para a comunicao, por seu valor adaptativo em relao sobrevivncia, , ento, de algum modo, incorporada ao acervo gentico do organismo. Assim, pode-se dizer que a comunicao animal fruto de um aprendizado da espcie e que cada indivduo j nasce dotado dessa capacidade. (EPSTEIN, 1986, p. 5)

Este texto apresenta a clssica diviso em pargrafos. O tema (comunicao animal), apresentado no primeiro pargrafo, desenvolvido nos dois pargrafos seguintes e a concluso apresentada no ltimo pargrafo. Os termos empregados so abstratos e genricos. Embora trate de um tema especializado, o texto claro, conciso e objetivo, no faz uso de muitos pormenores e d apenas as explicaes imprescindveis. Os enunciados so coerentes e mantm as devidas relaes de causa e efeito, apresentando interpretaes de dados da realidade. Embora faa parte de um contexto maior o pequeno trecho a seguir uma dissertao clssica em seu formato, linguagem e tema:(...) Entre a minoria branca de Minas Gerais predominavam os valores e costumes das provncias do norte portugus, especialmente Minho, Trs-os-Montes, Porto, Douro e as Beiras, sendo raro que os imigrantes procedessem de Lisboa e do sul. Refletida no modo de falar e na arquitetura domstica e eclesistica, esta dominante influncia nortista proporcionava forte elemento de consolidao da sociedade e estimulava um rpido e bem sucedido transplante da cultura portuguesa para o ambiente social e econmico transitrio e altamente instvel da zona de minerao. A sociedade de Minas, portanto, era um complicado mosaico de grupos e raas, de novos imigrantes brancos e de segunda e terceira geraes de americanos natos, de novos escravos e de escravos nascidos em cativeiro sem meno aos ubquos aorianos. A conscincia de raa era um elemento poderoso e, mesmo, predominante no relacionamento social. (MAXWELL, op. cit., p. 114)

Neste texto, a anlise, embora envolva um tema especfico (a perseguio aos participantes da Inconfidncia Mineira) abrange a histria e a poltica de Brasil e Portugal na poca dos acontecimentos. Note-se a introduo do assunto no primeiro perodo, o desenvolvimento do tema nas frases seguintes e a concluso no ltimo perodo, o uso de conceitos mais abstratos (minoria branca, provncias do norte portugus, arquitetura domstica e eclesistica, ambiente social e econmico), alm de apresentar uma

34 interpretao de dados da realidade, sem preocupao com caractersticas individuais. Os enunciados so, de certa maneira, engessados na forma em que foram escritos, no podem ser modificados vontade por apresentarem relaes de causa e efeito entre eles, o que mantm a coeso e coerncia de todo o texto. 3.5 Argumentao Usamos a linguagem no apenas para transmitir idias e informaes que, esperamos, sejam compreendidas por quem as recebe. A linguagem pode servir, ainda, para convencer algum a crer ou fazer o que proposto.Nesse sentido, a lngua no apenas um instrumento de comunicao; ela tambm um instrumento de ao sobre os espritos, isto , uma estratgia que visa a convencer, a persuadir, a aceitar, a fazer crer, a mudar de opinio, a levar a uma determinada ao. (SCARTON, op. cit., 2002)

Para Vanoye (1982, p.108), a argumentao envolve uma vontade de orientar a opinio do destinatrio e de induzi-lo a uma ao. Diferentemente da dissertao, que se limita a expor o que se sabe a respeito de determinado assunto, sem manifestao de opinio ou tentativa de convencimento sobre a verdade dos fatos apresentados, a argumentao tenta intervir na maneira de pensar do ouvinte/leitor, tentando convenc-lo de que s ns estamos de posse da verdade. Os textos publicitrios, os discursos polticos, os relatrios profissionais so exemplos deste tipo de textos. Todos procuram induzir o destinatrio da mensagem a acreditar em alguma coisa, a mudarem seu ponto de vista sobre determinado assunto (ou a reafirmar o que pensam sobre algo). Vanoye (op. cit, p. 109) lembra que o progresso da psicologia social e dos mass media levaram os recursos da argumentao para o convencimento das pessoas sem que elas percebam, atravs dos recursos da seduo, sugesto e o uso de imagens, cores, formas, palavras.

35 Para Scarton (2002), o texto argumentativo apresenta trs componentes: a tese, os argumentos e as estratgias argumentativas. A tese, ou proposio, a idia que se defende, geralmente polmica, uma vez que a argumentao implica divergncia de opinies. Os argumentos constituem a razo da tese, o seu porqu. As estratgias envolvem os recursos (verbais e no-verbais) utilizados para envolver o leitor, ou ouvinte, para impression-lo, para convenc-lo melhor, para persuadi-lo mais facilmente, para gerar credibilidade, etc. Entre estas podemos citar a clareza da argumentao, o emprego de linguagem culta formal, uma boa base terica, com base em dados concretos e claros, etc. A argumentao deve se basear na consistncia do raciocnio e na evidncia das provas. Quando uma tese defendida, no se deve usar dos recursos do insulto, do xingamento, da ironia ou do sarcasmo pois estes no so argumentos, mas denunciam a falta deles. (Garcia, op. cit, p. 362) Para Othon Garcia (op. cit. p. 363), a evidncia das provas a certeza manifesta, a certeza a que se chega pelo raciocnio (evidncia da razo) ou pela apresentao dos fatos (evidncia de fato), independentemente de toda teoria. Para este autor, as evidncias seriam: os fatos propriamente ditos, os exemplos, as ilustraes, os dados estatsticos e o testemunho. Ele distingue, ainda, a argumentao em formal e informal. Esta seria a usada diariamente por todos em conversas em que emitida uma opinio a respeito de qualquer assunto, em que h manifestao de opinio sobre fatos do cotidiano. Nestes casos, pode acontecer de se chegar a uma concluso com base apenas em inferncias, dedues que no so baseadas em fatos. A argumentao formal exige cuidados pois precisa se basear em fatos. A argumentao propriamente dita constituda pela formulao dos argumentos, onde so apresentadas as provas e razes. Estas devem ser agrupadas por ordem de importncia, ficando as mais importantes para o final, compondo um clima de suspense at chegar convico final. Entre outros recursos que podem ser usados esto a refutao das possveis objees do receptor da mensagem, o ataque s fontes adversrias, as antecipaes ou prolepses (quando o escritor/orador prev a argumentao do adversrio e responde-a)

36 (SCARTON, op. cit., 2002), o uso de fontes que inspirem respeito, o emprego da ironia, da repetio, de perguntas retricas, exclamaes. A concluso deve surgir, naturalmente, das provas apresentadas, colocando em evidncia a essncia da proposio. Como exemplo deste tipo de argumentao, o texto a seguir exemplifica claramente a tentativa de convencimento dos leitores para uma tese polmica, que vai contra o que se pensa sobre educao no Brasil:PELO DIREITO RUINDADE J virou clich afirmar que a educao uma das ferramentas estratgicas mais importantes provavelmente a mais importante para um povo que queira se desenvolver nos dias que correm. Algumas pesquisas da dcada de 90, olhando o crescimento econmico dos trinta anos anteriores, apontavam que a educao secundria era significativa para o crescimento, mas no a primria. muito provvel que os pesquisadores de 2040 identifiquem o ensino superior, e no mais o secundrio, como a varivel relevante para explicar o desenvolvimento dos pases no comeo deste milnio. Nos pases mais avanados, a educao secundria j foi massificada h tempo, e vrios desses pases caminham rapidamente para 100% de matrcula no ensino universitrio. Segundo os ltimos dados da Unesco, a Coria e a Finlndia j passaram dos 90%; a Sucia, a Dinamarca, os Estados Unidos e a Nova Zelndia j superaram os 80%. A mdia dos pases da Amrica do Norte e da Europa est em 70%. no nvel do ensino superior, portanto, que os pases cada vez mais se diferenciaro. Esse um fenmeno recente, ocorrido nos ltimos 25 anos. Os pases que buscavam o desenvolvimento rpido entenderam que a qualificao de suas populaes era um caminho obrigatrio e trataram de criar mecanismos que permitissem a massificao do conhecimento em seu nvel mais alto. Entre 1980 e 1997, por exemplo a Coria aumentou sua taxa de matrcula universitria em 353%, a Turquia em 320%, Portugal em 255%, e assim por diante. O resultado que vrios pases, inclusive aqueles que partiram de um patamar muito baixo, chegaram aos dias de hoje em condies de sonhar. O Chile, por exemplo, tem atualmente 48% dos seus alunos em idade universitria no ensino superior. O Lbano tem 46%. O Panam tem 44%, o Uruguai tem 42%, a Venezuela tem 41%. A China vem assombrando o mundo com a rapidez da sua ascenso: de 6% de matriculados em 1999, passou para 22% em 2006. O Brasil foi mais uma vez a exceo negativa. Apesar de termos universidades tradicionais, no perodo 1980-1997 aumentamos nossa matrcula em apenas 36%, e mesmo o crescimento acelerado nos ltimos dez anos ainda nos deixa com apenas 24% de matrcula no ensino superior. Praticamente um tero dos pases desenvolvidos e metade de vrios dos nossos vizinhos continentais, portanto. Estagnamos por trs razes. A primeira a pssima qualidade da educao bsica, que gera um nmero pequeno de concluintes aptos a entrar no ensino superior. A

37segunda o estrangulamento do modelo financeiro: as universidades pblicas brasileiras esto entre as mais caras do mundo e sua replicao em escala invivel, e falta renda na populao para custear mais ensino privado. Finalmente, faltavam at h pouco opes de cursos superiores mais adaptadas s demandas desse novo contingente de estudantes, que querem programas mais curtos e mais direcionados s necessidades do mercado de trabalho, sem ter interesse em uma formao acadmica, humanista. Nos pases desenvolvidos, entre 15% e 30% da matrcula costuma ser nesses cursos mais curtos e profissionalizantes, contra 4% no Brasil. Em um cenrio como esse, de tremenda defasagem do Brasil em relao ao resto do mundo, deveramos estar correndo a todo o vapor para recuperar o tempo perdido, focando na melhoria do ensino bsico, na expanso das vagas em universidades pblicas, na criao de mecanismos de financiamento das universidades privadas e em campanhas antievaso dos alunos j matriculados. Causa estranheza e certo desalento, portanto, que nesse cenrio o Ministrio da Educao tenha iniciado uma campanha para monitorar e eventualmente fechar os cursos de baixa avaliao institucional, primeiro na rea de direito, agora na rea de pedagogia. A ao parte do pressuposto de que esses maus cursos so uma arapuca, que enganam seus alunos oferecendo um ensino que no os prepara para nada. Seriam meras fbricas de diploma, prejudicando seus alunos e pondo em risco a sociedade atendida por seus formandos. mais um caso do vis ideolgico antiliberal contaminando uma rea estratgica para o pas. A idia de que os alunos so enganados no se sustenta. Quem est em idade universitria e j passou por todo o sistema de ensino, e trabalha para poder pagar suas mensalidades (dos sessenta cursos de pedagogia, 57 so privados; todos os oitenta de direito tambm), no exatamente um ingnuo, uma criana perdida. Todas as instituies brasileiras passam por um amplo processo de avaliao, tanto externa como por meio de exames feitos pelos prprios alunos, e seus resultados esto disponveis na internet. Quando um aluno se matricula em um curso barato de uma instituio de pouco prestgio, ele no est atrs de uma posio de presidente de empresa ou de eminncia intelectual: ele quer subir um pouco na vida, ganhar um pouco mais. Como em qualquer rea, h servios melhores e piores, com preos correspondentes. Se o aluno no est em universidade melhor, sinal de que no tem condies intelectuais ou financeiras de chegar l. Sem a universidade ruim, esse aluno no cursar faculdade alguma. A pergunta que faz sentido no se seria melhor para esse aluno e para o pas que ele cursasse a USP ou a faculdade da esquina. A pergunta certa: melhor que ele curse a faculdade da esquina ou faculdade nenhuma? A resposta a essa pergunta dada de forma categrica pelo mercado de trabalho. Uma pessoa com ensino superior concludo ganha cerca de trs vezes mais do que outra que tenha cursado apenas alguns anos do ensino superior, e quase cinco vezes mais do que aquela que cursou somente o ensino secundrio. Estudo recente aponta que a taxa de retorno a um diplomado de ensino superior isto , o aumento salarial decorrente desse nvel de estudo, descontado o seu custo de incrveis 19% a 20% ao ano. Educao superior, no Brasil, melhor do que qualquer investimento e no precisa ser economista para ter esse conhecimento intuitivo. A idia de que universidades, ou o sistema escolar como um todo, possam ser meras fbricas de diplomas antiga. Sua formulao acadmica j surgia na dcada de 70. Faz sentido imaginar que um empregador busque, no meio da incerteza do mercado de trabalho, um indicador para garantir a competncia e a confiabilidade do futuro empregado. Um diploma seria esse indicador. A escola no agregaria

38muito em termos de contedo, mas seria mera ferramenta de sinalizao, como que dizendo: "pode me contratar. Eu passei dez anos sem bater nas minhas professoras quando tirava nota baixa nem ficar pelado cada vez que me sentia atrado por uma coleguinha. No vou espanc-lo se no me der um aumento, nem lhe causar processos de assdio sexual". Se essa hiptese fosse correta, os salrios das pessoas com diploma e sem tenderiam a seguir um padro aleatrio ao longo do tempo, medida que a produtividade de cada uma determinasse seus ganhos. Em realidade, acontece exatamente o oposto: no s as pessoas com maior instruo recebem maiores salrios ao longo de toda a vida como a diferena entre os com e os sem-instruo aumenta com o passar dos anos. O mercado de trabalho no paga maiores salrios aos mais instrudos pela beleza do seu diploma: paga mais porque essas pessoas vm mais preparadas e aprendem mais com a sua experincia profissional. As reportagens e editoriais que reclamam dos bacharis que viram donos de armazm cometem erro duplo: primeiro, ao retratarem a exceo como se fosse regra; segundo, por no entenderem que prefervel para o pas ter um balconista com diploma superior a outro analfabeto. Os alunos que cursam faculdades ruins no esto sendo enganados nem vitimados. Esto dando duro para galgar o seu degrau na escada social, com poucos recursos e tendo como ponto de partida uma pssima educao de base. O estado no precisa proteger o cidado de si mesmo. Melhor seria se o protegesse da inpcia do prprio governo. Teramos um pas muito melhor se nossos lderes voltassem sua ateno para melhorar a rea que lhes compete a educao bsica e as universidades pblicas em vez de se preocuparem em limitar a oferta de um servio j fiscalizado pelo MEC e controlado pelo mercado. (IOSCHPE, 2008, p. 100.)A tese desta argumentao a de que no importa a qualidade do que se ensina, o importante que se dem diplomas ao maior nmero possvel de alunos. O autor inicia sua argumentao fazendo uma apresentao do assunto e apresentando estatsticas que demonstram o desenvolvimento da educao em alguns pases do mundo (1 e 2 pargrafos).

Em seguida, levanta o ponto de vista de que o Brasil se encontra atrasado em relao aos outros pases, e demonstra (3 a 5 pargrafos), com argumentos bem fundamentados, porque isto ocorre.

A partir do 6 pargrafo, so apresentados contra-argumentos, ou seja, uma refutao de possveis objees levantadas contra o que defendido. Nos dois ltimos pargrafos, feita uma reafirmao da tese do autor e a concluso. Nesta argumentao foram utilizados, ainda, alguns recursos entre os quais podem ser citados: a clareza da argumentao, o emprego de linguagem culta formal, uma boa base terica, utilizao de dados concretos e claros. Um tipo totalmente diferente de argumentao pode ser encontrado na literatura de fico, como o trecho a seguir, que no tem o formato de uma argumentao clssica, mas feito de argumentos pr e contra na tentativa de convencimento de algum:

39

- Assim, vocs! Por essa histria de Portugal fora, vocs so uma enfiada de Ramires de toda a beleza. Mesmo o desembargador, o que comeu numa ceia de Natal dois leites!... apenas uma barriga. Mas que barriga! H nela uma pujana herica que prova raa, a raa mais forte do que promete a fora humana, como diz Cames. Dois leites, caramba! At enternece!... E os outros Ramires, o de Silves, o de Aljubarrota, os de Arzila, os da ndia! E os cinco valentes, de quem voc talvez nem saiba, que morreram no Salado! Pois bem, ressuscitar estes vares, e mostrar neles a alma faanhuda, o querer sublime que nada verga, uma soberba lio aos novos... Tonifica, caramba! Pela conscincia que renova de termos sido to grandes, sacode este chocho consentimento nosso em permanecermos pequenos! o que eu chamo reatar a tradio... E depois feito por voc prprio, Ramires, que chique! Caramba, que chique! um fidalgo, o maior fidalgo de Portugal, que, para mostrar a heroicidade da Ptria, abre simplesmente, sem sair de seu solar, os arquivos da sua Casa, velha de mais de mil anos. de rachar!... E voc no precisa fazer um grosso romance... Nem um romance muito desenvolvido est na ndole militante da Revista. Basta um conto, de vinte ou trinta pginas... Est claro, os ANAIS por ora no podem pagar. Tambm, voc no precisa! E que diabo! no se trata de pecnia, mas duma grande renovao social... E depois, menino, a literatura leva a tudo em Portugal. Eu sei que o Gonalo em Coimbra, ultimamente, freqentava o Centro Regenerador. Pois, amigo, de folhetim em folhetim, se chega a S. Bento! A pena agora, como a espada outrora, edifica reinos... Pense voc nisto! E adeus! que ainda hoje tenho de copiar, para letra crist, este estudo do Henriques sobre Ceilo... Voc no conhece o Henriques?... Ningum conhece. Pois quando na Europa, nessas grandes Academias da Europa, h uma dvida sobre a Histria ou a Literatura cingalesa, gritam para c, para o Henriques! (QUEIROZ, op. cit., p. 18)

3.6 Injuno Os textos injuntivos destinam-se a fazer cumprir certas aes, compostas de diferentes etapas, geralmente ordenadas cronologicamente, com a finalidade de execuo de uma atividade. So caractersticos dos livros didticos, das receitas culinrias, dos manuais de instruo, onde tambm se mesclam aos textos descritivos na caracterizao dos componentes que sero utilizados. Este tipo de texto traz sempre um vocabulrio simples, direto e didtico, alguns so dirigidos pessoalmente ao receptor da mensagem fazendo uso de tratamento informal, outros so mais impessoais, usam verbos no imperativo ou no infinitivo. Os verbos designam aes concretas. Othon Garcia (op. cit. p. 380) no classifica este tipo de texto como injuntivo mas como descrio de processo ou exposio narrativa, cujas principais caractersticas seriam:

40a) exposio em ordem cronolgica; b) concreta: nada de linguagem abstrata ou afetiva; c) nfase na ao, que deve ser suficientemente detalhada; d) indicao clara das diferentes fases do processo; e) ausncia de suspense: ao contrrio da narrao literria, o interesse da descrio de processo no deve depender da expectativa ou suspense.

No exemplo a seguir, tirado do mesmo livro didtico, seguida a mesma frmula, ou seja, a orientao de como proceder para fazer um exerccio determina precisamente os passos a serem realizados:Leia com ateno os seguintes pargrafos e: a) assinale o tpico frasal; b) indique o tipo de desenvolvimento; c) sintetize-os; d) d-lhes um ttulo sugerido pelo seu contedo; e) imite-os, substituindo os dados do desenvolvimento. (GARCIA, op.cit., p. 452)

J o texto a seguir tem a formatao clssica de um texto injuntivo ou, no dizer de Garcia, de uma descrio de processo:Instalando seu fogo 1. Rosqueie o adaptador junto mangueira metlica flexvel. Para auxiliar na vedao, utilize pasta vedante. 2. Faa a fixao com auxlio de duas chaves de boca. 3. Coloque a porca do adaptador na entrada de gs. Em seguida, encaixe o adaptador e rosqueie a porca de fixao. Utilize duas chaves de boca para auxiliar o aperto. 4. Coloque a arruela de vedao dentro da rosca interna da mangueira metlica. 5. Verifique se o registro de gs est totalmente fechado. 6. Rosqueie a mangueira metlica no registro de gs com o auxlio de duas chaves de boca. Utilize pasta vedante para auxiliar na vedao. 7. Aps a instalao, verifique se h vazamento de gs, abrindo o registro de gs e colocando um pouco de espuma de sabo em todas as conexes que foram manuseadas. Se houver formao de bolhas, feche o registro regulador e refaa a operao ou consulte o nico Autorizado Brastemp. (BRASTEMP, 2008)

Pode-se notar o uso dos verbos no imperativo, a ordenao clara, precisa e cronolgica das etapas a serem seguidas, o uso de termos concretos, a descrio de todas as partes mencionadas, alm de fotos (no mostradas aqui) demonstrativas de cada etapa mencionada. 3.7 Dilogo Geralmente, fala e escrita so consideradas como dois fatos antagnicos. A escrita identificada por sua natureza grfica, e a fala, por sua natureza fnica. Isto faz com que essas

41 manifestaes da linguagem sejam vistas, exclusivamente, do ponto de vista da maneira de sua realizao. De acordo com essa viso, a escrita considerada como sem variaes, planejada com antecedncia, sujeita a normas, complexa, abstrata e formal. A fala, por outro lado, caracterizase por ser espontnea, marcada por variaes, no planejada, de estruturao mais simples, concreta, informal. Ingedore Koch, considera a linguagem um ato social, principalmente no que se refere conversao cotidiana, face a face. A conversao tem como premissa bsica a interao constantemente fabricada por dois ou mais interlocutores. (Koch, 1997, p. 67), ou seja, o texto vai sendo elaborado medida que falado. Esta simultaneidade entre o que dizer e como dizer d ao dilogo um trao de descontinuidade que se manifesta por meio de pausas, hesitaes, interrupes, recomeos, repeties, parfrases, correes e outras atividades que, no conjunto, pem em evidncia o constante e consciente trabalho realizado pelos falantes. Essas descontinuidades so estratgias usadas pelos interlocutores para, de forma direta ou indireta, elaborarem sentidos na busca lexical de um termo ou de uma expresso mais adequada para garantir ao ouvinte a compreenso desejada do que foi ou ser dito. A prpria espontaneidade da interao face a face supe que o texto, em princpio, no est provido de um planejamento prvio. No desdobramento da interao que se define o rumo do texto, deixando claro que entre o dizer e o o que dizer que se determina o como dizer, ou seja, o intervalo entre a formulao e planejamento determina as caractersticas do texto falado. O dilogo ocorre em turnos, com a alternncia da interveno dos participantes. Esta alternncia pode ser simtrica, quando todos os participantes tm oportunidades iguais no uso da palavra ou pode ser assimtrica, quando um dos participantes detm o poder da palavra e facilita ou no a participao dos outros, como no caso das entrevistas, consultas, palestras. (KOCH, op.cit., p. 71)

42 No texto seguinte, temos um exemplo de uma conversao entre duas amigas. Embora seja um texto escrito, que supe um trabalho prvio do autor, nota-se a tentativa de manter o ritmo normal de uma conversa. Observa-se a alternncia na fala entre as duas participantes, o uso de palavras informais, a tentativa de reproduo do ritmo da conversa, o uso de discurso direto, de exclamaes, interrogaes e reticncias, indicativas de expressividade, de pausas, alm de representarem manifestaes de agrado ou desagrado. E, como se trata de Machado de Assis, o texto enriquecido com rimas, lembrando um poema.(D. LAURA entra com um livro de missa na mo; D. BEATRIZ vem receb-la) -D. BEATRIZ -D. LAURA Ora esta! Pois tu, que s a me da preguia, J to cedo na rua! Aonde vais? Vou missa: A das onze, na Cruz. Pouco passa das dez; Subi para puxar-te as orelhas. Tu s A maior caloteira... Espera; no acabes. O teu baile, no ? Que queres tu? Bem sabes Que o senhor meu marido, em teimando, acabou. "Leva o vestido azul" -- "No levo" --"Hs de ir" [ -"No vou".] Vou, no vou; e a teimar deste modo, perdemos Duas horas. Chorei! Que eu, em certos extremos, Fico que no sei mais o que fazer de mim. Chorei de raiva. s dez, veio o tio Delfim; Pregou-nos um sermo dos tais que ele costuma, Ralhou muito, falou, falou, falou... Em suma, (Ters tido tambm essas coisas por l) O arrufo terminou entre o biscoito e o ch. Mas a culpa foi tua. Essa agora! O vestido Azul o azul-claro? aquele guarnecido De franjas largas? Esse. Acho um vestido bom. Bom! Parece-te ento que era muito do tom Ir com ele, num ms, a dois bailes? L isso verdade.

-D. BEATRIZ

-D. LAURA -D. BEATRIZ -D. LAURA

-D. BEATRIZ -D. LAURA -D. BEATRIZ -D. LAURA

43-D. BEATRIZ -D. LAURA -D. BEATRIZ -LAURA -D. BEATRIZ -D. LAURA Levei-o ao baile do Chamisso. Tens razo; na verdade, um vestido no Uma opa, uma farda, um carro, uma libr. Que dvida! Perdeste uma festa excelente. J me disseram isso Havia muita gente. Muita moa bonita e muita animao. (ASSIS, 2008c)

4 CONCLUSO A capacidade que o ser humano tem de emitir manifestaes lingsticas depende em grande parte dos recursos usados para torn-las completas. Neste trabalho foi visto que a comunicao humana, falada ou escrita, um ato cognitivo complexo, que envolve o uso de estratgias variadas, espontneas ou aprendidas, entre as quais o uso adequado dos elementos sintticos e lexicais como verbos em tempos determinados, pronomes, preposies, conjunes e advrbios, alm da subordinao e coordenao. Alm disso, para que possam ser entendidos, os textos precisam ter uma organizao interna, fornecida principalmente pela coerncia entre seus enunciados e pela coeso, que faz a conexo entre suas palavras, escritas ou faladas. Foi visto, principalmente, que uma das principais motivaes para a escolha da forma ou organizao de um texto a sua finalidade, o motivo pelo qual foram escritos. Se a inteno predominante for a de contar uma histria, escrever sobre as aes de pessoas que produziram um fato e a maneira como estes ocorreram tais como causa, conseqncia, tempo, lugar, ser usada a forma da narrao. Se o que se deseja caracterizar alguma coisa como uma paisagem, um objeto, semelhanas ou diferenas, tamanho, cor, ser usada a descrio.

44 Os textos tcnicos e cientficos, por sua prpria especificidade, merecem outras formas de organizao, principalmente a dos textos dissertativos, que favorecem uma informao mais baseada em conceitos abstratos na anlise e interpretao de dados da realidade, e os injuntivos, na determinao que estabelecem de como deve ser desenvolvida uma atividade, quais as etapas a serem seguidas na a realizao de alguma tarefa. Foram vistos, ainda, os textos argumentativos que consistem no desenvolvimento de um raciocnio para a defesa ou repdio de uma tese ou ponto de vista, na tentativa de convencimento de um interlocutor, e os dilogos conversao estabelecida entre duas ou mais pessoas em uma situao de atualidade e instantaneidade que, em ltima instncia, a lngua em seu uso mais cotidiano. A capacidade de reconhecer estas formas de organizao textual, de entender seus mecanismos internos e seus recursos lingsticos, alm, claro, da aquisio da habilidade de us-los, um dos requisitos mais importantes para quem pretende adquirir competncia lingstica, tornando indispensvel o trabalho, na escola, com os modos de desenvolvimento de textos e a habilidade para utiliz-los, pois esse estudo enriquece a capacidade lingstica do ser humano.

5 REFERNCIAS

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