função social dos tributos - paulo barros de carvalho

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5/13/2018 FunoSocialdostributos-PauloBarrosdeCarvalho-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/funcao-social-dos-tributos-paulo-barros-de-carvalho 1 Função social dos tributos Paulo de Barros Carvalho   Sumário: 1. O significado da palavra “tributo” e sua mutação no processo histórico nacional. 2. Tributo como fato social?. 3.  Estado e Tributo: a Constituição como a determinação jurídica dos valores sociais. 4. A operatividade do Sistema Tributário  Nacional como reflexo do depósito exegético da história dos tributos. 5. Evolução social e Desenvolvimento do Direito Tributário: a constante atualização semântica dos valores envolvidos. 6. Reforma social e seus prejuízos à sociedade tributária. 7. O direito empregado na função pragmática de regular condutas. 8. Fiscalidade, extrafiscalidade e  parafiscalidade dos tributos: o Estado no ambiente social. 9. Os princípios da isonomia tributária, capacidade contributiva e equidade na participação do custeio. 10. A concessão de  serviço público, a tarifa e o equilíbrio econômico-  financeiro do contrato. 1. O significado da palavra “tributo” e sua mutação no processo histórico nacional Concebido o direito positivo como objeto do mundo da cultura, sua historicidade será presença inafastável do correspondente processo cognoscitivo. A camada de linguagem prescritiva, voltada para a região das condutas interpessoais, com o propósito de discipliná-las implantando valores, a que chamamos de ordenamento jurídico, surge no contexto social como gradativo depósito de objetivações históricas. Com efeito, as oscilações semânticas por que passam os signos idiomáticos no seio da sociedade têm que ser acompanhadas evolutivamente,  para podermos compreender o objeto cultural “direito”, na plenitude de seus conteúdos de significação. Isso implica, desde logo, reconhecer que a construção da norma jurídica se acha condicionada por situações factuais que organizam o Professor Titular de Dir. Tributário da PUC/SP e da USP; Coordenador do programa de pós- graduação da PUC/SP; e Chefe do Departamento econômico e financeiro da USP.

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Função social dos tributos

Paulo de Barros Carvalho∗∗∗∗ 

 Sumário: 1. O significado da palavra “tributo” e sua mutaçãono processo histórico nacional. 2. Tributo como fato social?. 3.

 Estado e Tributo: a Constituição como a determinação jurídica

dos valores sociais. 4. A operatividade do Sistema Tributário  Nacional como reflexo do depósito exegético da história dos

tributos. 5. Evolução social e Desenvolvimento do DireitoTributário: a constante atualização semântica dos valores

envolvidos. 6. Reforma social e seus prejuízos à sociedade

tributária. 7. O direito empregado na função pragmática de

regular condutas. 8. Fiscalidade, extrafiscalidade e  parafiscalidade dos tributos: o Estado no ambiente social. 9.Os princípios da isonomia tributária, capacidade contributiva e

equidade na participação do custeio. 10. A concessão de

  serviço público, a tarifa e o equilíbrio econômico-

 financeiro do contrato.

1. O significado da palavra “tributo” e sua mutação no processo histórico

nacional

Concebido o direito positivo como objeto do mundo da cultura, sua

historicidade será presença inafastável do correspondente processo cognoscitivo.

A camada de linguagem prescritiva, voltada para a região das condutas

interpessoais, com o propósito de discipliná-las implantando valores, a que

chamamos de ordenamento jurídico, surge no contexto social como gradativo

depósito de objetivações históricas.

Com efeito, as oscilações semânticas por que passam os signos

idiomáticos no seio da sociedade têm que ser acompanhadas evolutivamente,

  para podermos compreender o objeto cultural “direito”, na plenitude de seus

conteúdos de significação. Isso implica, desde logo, reconhecer que a construção

da norma jurídica se acha condicionada por situações factuais que organizam o

∗ Professor Titular de Dir. Tributário da PUC/SP e da USP; Coordenador do programa de pós-graduação da PUC/SP; e Chefe do Departamento econômico e financeiro da USP.

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contorno existencial do sujeito da interpretação, a partir das quais se inaugura o

  percurso gerativo de sentido. Mais. Que a sucessão cronológica dos

acontecimentos seja devidamente investigada, tomando-se como ponto de

referência as circunstâncias mesmas que cercaram a edição da normainterpretada.

É preciso dizer que o sistema de direito positivo está imerso na realidade

social, de tal sorte que o domínio do jurídico somente aparece aos olhos do

interessado por efeito de um corte de linguagem que isola aspectos e seleciona

caracteres. Para compreendê-lo, todavia, torna-se imprescindível recuperá-lo na

sua dinâmica existencial, momento em que o ponto de vista histórico passa a ser 

decisivo.

Analisados os processos de produção normativa, surpreendidos no plano

empírico-social, travaremos contacto com tudo aquilo que, direta ou

indiretamente, teve o condão de influir para a formação do ato volitivo que

atingiu o nível de intencionalidade objetivada.

Ora, a conturbada trajetória dos sistemas tributários brasileiros, desde os

tempos do descobrimento até hoje, é uma função nítida dos acontecimentos

históricos pelos quais passamos, gerando instabilidades e insatisfações que

acabaram, teimosamente, por provocar baixos índices de eficácia social.

Muito bem. Todo país deve ter orgulho de sua história, síntese de

conquistas e de realizações, mas também repositório dos malogros e dos

fracassos que a progressão do tempo implacavelmente registra. E o Brasil tem

muito para celebrar nesses quinhentos e dez anos de existência: a integridade de

seu território, defendido ardorosamente em circunstâncias memoráveis eexpandido por feitos de grande coragem, assim como por eficientes manobras

diplomáticas; a unidade da língua, falada do mesmo modo em toda a extensão do

 país; a integração das três raças fundantes da nacionalidade, bem como o modo

afável como os brasileiros receberam as correntes migratórias; a enorme

criatividade expressa em sua música popular, tanto na manifestação idiomática,

quanto na profusão de gêneros e de ritmos. Tais conquistas, certamente, seriam

motivo de júbilo para qualquer nação. Mas, a história não pode passar por alto

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 pelos graves problemas que nos afligem. Ninguém pode conformar-se com a má

distribuição da riqueza, com o débito imenso do Estado, com a insegurança

  pública, com o descuido acerca de providências básicas em termos de saúde e

educação, com as páginas lamentáveis dos golpes políticos, da tortura, do atrasona assistência social e, sobretudo, com a mancha inextinguível de ser o Brasil

considerado o maior império escravista da história da humanidade. Nesse campo,

aliás, aquilo que nos consola é verificar que nunca houve povo que não fizesse

inscrever na sua história acontecimentos sobre os quais, mais tarde, viesse a se

envergonhar. Sendo assim, o máximo que se pode almejar é a tomada de

consciência dos cidadãos do presente, a respeito dos erros cometidos no passado.

A marcha do tempo, contudo, provoca uma síntese inevitável porque o processo

histórico é necessariamente contínuo e a avaliação não pode deter-se apenas nos

aspectos negativos.

Com todos os sofrimentos, o Brasil segue sua caminhada em direção ao

futuro e aos brasileiros cumpre conhecer sua história para nela compreender sua

identidade cultural.

  No que tange ao direito tributário, como ordem posta, tudo se passa da

mesma maneira. Bem que caberia num livro denso e substancioso a trajetória

semântica do signo “tributo”, com todos os aspectos, valiosos e desvaliosos, que

as sociedades foram depositando ao longo de seu caminho. O vocábulo “tributo”,

que já experimentara acepções francamente negativas, como instrumento de

opressão e de discriminação social, atravessou os séculos, vivendo-os

intensamente, para assumir, nos dias atuais, a configuração de um valor 

caríssimo, em que são punidos os comportamentos violadores do mesmo modocomo se tutela o valor “vida humana” ou se protege a integridade física das

 pessoas. Nessa linha, é uma constante das legislações modernas a preocupação

com o fiel cumprimento dos deveres jurídico-tributários por parte dos

destinatários, o que representa, por outro ângulo, a luta sempre viva para dar 

eficácia aos mandamentos legais.

É curioso assinalar como, à semelhança da experiência jurídica de um

  povo, que se vai formando gradativamente pela incessante sobreposição de

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camadas de linguagem prescritiva, a experiência do jurista também se forma em

níveis de vivências que se vão acumulando ao longo do tempo. É precisamente

no nível das formulações literais que o legislador, empregado aqui na sua mais

ampla configuração semântica, introduz modificações, alterando o sistema total.Essa prática não impede, contudo, que a integridade sistêmica venha a

transformar-se por força de mudanças ocorridas nos dois outros subsistemas, pois

é sabido que a pragmática das comunicações jurídicas vai provocando, a cada

  passo, modificações até substanciais nas mensagens deônticas, o que implica,

igualmente, transformação no todo do ordenamento.

Devemos reconhecer que as modificações introduzidas pelo plano da

literalidade textual representam, usualmente, o caminho mais prático e direto,

sendo, por isso mesmo, deliberado, consciente, querido pelas fontes produtoras

do direito posto, em termos de alteração do ordenamento, uma vez que as

oscilações ocorrentes na instância pragmática são incontroláveis. Ninguém pode

  prever, com visos de racionalidade, o rumo que os utentes da linguagem do

direito, num dado momento histórico, vão imprimir às significações de certas

  palavras. Quem, por exemplo, poderia antecipar que o vocábulo “casamento”,

sempre ajustado a situações tradicionalmente configuradas, pudesse assumir,

como nos dias atuais, a amplitude de significação que vem adquirindo? A radical

mutação significativa da palavra “tributo” é o modelo eloqüente, apesar de que o

 processo transformativo se tenha operado num trato de tempo muito mais largo

do que no primeiro caso.

Com o sensível aumento na velocidade das informações, os processos de

alteração significativa dos termos jurídicos vêm se desenvolvendo em intervaloscada vez mais curtos, o que valoriza a pesquisa da dimensão pragmática, na

  busca do reconhecimento das mudanças por que passam os sistemas jurídico-

  positivos. Mesmo assim, porém, não chega a ponto de roubar a primazia da

 plataforma física das formulações literais, como o locus mais adequado para que

o legislador faça inserir, no sistema, as modificações que lhe parecerem mais

convenientes. Afinal de contas, matérias sociais novas reivindicam, a todo

instante, sua absorção pelas hipóteses normativas, passando a ser reguladas pelo

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direito. Isso se faz, regularmente, mobilizando-se as fontes produtoras de normas

  jurídicas, que se assentam por meio de enunciados expressos, em documentos

formalmente concebidos para exprimi-las em linguagem técnica.

  No empreender um estudo da função social do tributo, muitosdoutrinadores passam a assumi-lo como   fato social. É bem verdade que a

realidade jurídica toma como ponto de partida o universo social, porém há que se

dizer que isso não desqualifica o caráter jurídico do fato relevante para o direito.

2. Tributo como fato social?

A escolha do caráter disciplinar ou interdisciplinar, como estratégia para a

construção do discurso científico, além de opção incontornável, continua sendo

tema discutido nos círculos epistemológicos, juntamente com a própria amplitude

da inter-relação das disciplinas, conteúdo de outra decisão a ser tomada pelo

cientista. Tudo para perseguir aquele quantum de objetividade que pretende ter 

contraparte na carga mínima de subjetividade no agente do conhecimento.

Ele, o fato social, na sua congênita e inesgotável plurilateralidade de

aspectos, reivindica, enquanto objeto, uma seqüência de incisões que lhe

modelem o formato para a adequada apreensão do espírito humano. Está presente

nessa atividade tanto a objetivação do sujeito como a subjetivação do objeto, em

 pleno relacionamento dialético. Isso impede a concepção do “fato puro”, seja ele

social ou sociológico, econômico, histórico, político, jurídico ou qualquer outra

qualidade que se lhe pretenda atribuir. Tais fatos, como bem salientou Lourival

Vilanova1, são elaborações conceptuais, subprodutos de técnicas de depuração deidéias seletivamente ordenadas. Não acredito ser possível, por isso mesmo,

isolar-se, dentro do social, o fato jurídico, sem uma série de cortes e recortes que

representem, numa ascese temporária, o despojamento daquele fato cultural

maior de suas colorações sociológicas, políticas, econômicas, éticas, históricas

etc., bem como dos resquícios de envolvimento do observador, no fluxo inquieto

de sua estrutura emocional.

1  As estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2006, p. 104.

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Sem disciplinas, é claro, não teremos as interdisciplinas, mas o próprio

saber disciplinar, em função do princípio da intertextualidade, avança na direção

de outros setores do conhecimento, buscando a indispensável

complementariedade. O paradoxo é inevitável: o disciplinar leva aointerdisciplinar e este último faz retornar ao primeiro. A relação de implicação e

 polaridade, tão presente no pensamento de Miguel Reale, manifesta-se também

aqui, uma vez que o perfil metódico que venha a ser adotado, se-lo-á, certamente,

 para demarcar uma porção da cultura.

Dois outros obstáculos, na forma de desafios, estarão no caminho do

estudioso, mesmo que se admita superada aquela situação paradoxal: (i) quais as

 proporções do corte e (ii) que critérios utilizar para a condução do raciocínio no

trato com o objeto já constituído (digamos, recortado)?

Aquilo que podemos esperar de quem empreenda a aventura do

conhecimento, no campo do social, a esta altura, é uma atitude de reflexão, de

  prudência, em respeito mesmo às intrínsecas limitações e à própria finitude do

ser humano. Esta tomada de consciência, contudo, não pode representar a

renúncia do seguir adiante, expressa nas decisões que lhe parecerem mais

sustentáveis ao seu projeto descritivo.

Os comentários acima reforçam a idéia de que o estudo da função social

do tributo pelo dogmático do direito observa a exação sob a perspectiva jurídica,

i.e., segundo os modelos e os recortes elaborados pelo ordenamento normativo. A

ciência jurídica não empresta conceitos do social ou categorias das ciências

sociológicas. Elabora seu próprio sistema, partindo da figura do tributo enquanto

norma para empreender exame de função jurídico-social de regular condutas efazer alterar prospectivamente as relações inter-pessoais.

3. Estado e Tributo: a Constituição como a determinação jurídica dos

valores sociais

Sob as premissas acima enunciadas, firmemos que o direito, como técnica

de modificação social, não vem para representar o mundo, mas para alterá-lo,

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implantando valores.2 E esse projetar-se sobre o fluxo do suceder humano, na sua

  peculiar e característica instabilidade, ocorre num contínuo processo dialético

que se estabelece entre normas gerais e abstratas, de um lado, e normas

individuais e concretas ou individuais e abstratas, de outro, dinâmica da qual  participam, invariavelmente, as regras gerais e concretas como veículos

introdutores dos comandos prescritivos. Tudo isso se opera mediante a presença

indispensável da linguagem, num contexto de crenças, idéias e convicções, a que

chamamos de ideologia. Pondere-se, contudo, que somente tem sentido falar 

numa engenharia do social, se for atendido o pressuposto do respeito à ordenação

causal do mundo, pois o direito não pode pretender opor-se aos efeitos da

causalidade. Pelo contrário, há de observá-la para, dentro dela, causalidade física

ou natural e, principalmente, a social, abrir suas possibilidades disciplinadoras de

condutas intersubjetivas.

Quando pensamos no fenômeno da percussão jurídico-tributária acode-nos

logo à mente o nascimento Estado e, em contraponto, o dever subjetivo do

administrado, tendo ambos por objeto a conduta que se consubstancia numa

 pretensão pecuniária. Di-lo Alfredo Augusto Becker:

“Aqueles deveres centrípetos e aqueles direitos centrífugos sãooriginalmente Naturais e posteriormente jurídicos, porquanto o Estadonasce por uma relação natural e sobrevive porque – ele mesmo – utilizando a força natural racional de sua existência (capacidade de agir,Poder), transfigura aquela relação natural em relação jurídica.”3 (grifosdo original)

É criando laços dessa natureza que os comportamentos intersubjetivos são

regrados, procurando o legislador implantar certos valores que a Constituiçãodetermina para o desempenho da atividade financeira do poder Público no que

tange a essa matéria. Eis que empreender estudo sobre a função social do tributo

é compreender a própria função do Estado e os valores que o sistema estatal quer 

ver implementados na figura da Carta Maior.

2 VILANOVA, Lourival. Analítica do dever-ser. In   Escritos jurídicos e filosóficos. Axis

Mundi/IBET: São Paulo, 2005, Vol. 2, p. 69.3 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses,2007, p. 189.

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A função social dos tributos é tema delicado e controvertido, em seu nome

muitos excessos já foram praticados, mesmo porque se têm por assente a relação

entre o bem estar dos povos e o bom funcionamento dos correspondentes

sistemas tributários. É certo que tudo se liga ao tipo e à evolução do Estado queestamos analisando, aquele corpus unificador da pluralidade de grupos, de raças,

de crenças, que monta o substrato da nação como individualidade histórica,

retrocedendo no passado, atuando no presente e projetando-se sobre o futuro,

como agudamente o registra Lourival Vilanova,4 asserto que legitima a

  proposição segundo a qual os tributos de um dado sistema guardam traços

  pragmáticos que lhe atribuem especificidade em relação a outros similares de

ordenações diversas.

Um perigo sempre iminente está contido na dosagem da carga tributária, vale

dizer, nas proporções da medida levada a termo para a implantação concreta do

tributo. Daí o cuidado na escolha da base de cálculo e no plexo de normas que

estabelecem técnicas para sua apuração nas ocorrências da vida real, sem falar, é

claro, no abuso da estipulação de alíquotas, procedimento capaz de revelar os

excessos do legislador, logo no exame do primeiro instante.

Ora, se pensarmos nos efeitos da imposição tributária, tocando valores

fundamentais como a propriedade e a liberdade, vê-se quão tênue é o espaço de

manobra do legislador ao constituir os instrumentos jurídicos adequados a esse

fim. No Brasil, particularmente, há uma série de princípios, alguns como

autênticos valores, bastantes em si, outros como limites objetivos que se

  preordenam, da mesma forma, à realização de estimativas, porém de maneira

indireta. A planta fundamental do sistema tributário brasileiro está naConstituição da República, como conjunto de diretrizes mediante as quais se

torna possível a configuração das várias entidades cogitadas pelo constituinte.

Seu desdobramento é tarefa infra-constitucional, porém dentro de mecanismos

rigorosamente estabelecidos e que tolhem eventuais arroubos criativos do

legislador ordinário.

4  VILANOVA, Lourival. A crise do Estado sob o ponto de vista da Teoria do Estado. In Escritos jurídicos e filosóficos. Axis Mundi/IBET: São Paulo, 2005, Vol. 1, p. 341-66.

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O aproximar-se, em atitude cognoscente, desses enunciados canônicos,

expressos ou implícitos, sugere uma distinção prática de fácil manejo: já que

todos os princípios perseguem valores, convém isolar aqueles de conteúdo

axiológico direto, bastantes em si, daquel´outros que o fazem mediatamente, istoé, prescrevem procedimentos objetivos que, devidamente realizados, operam para

a implantação de um fim (valor).

Certo é que o texto da Constituição é o espaço, por excelência, das linhas

gerais que informam a organização do Estado. Examinando o sistema jurídico de

  baixo para cima, cada unidade normativa encontra-se fundada, material e

formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o prisma de observação,

verifica-se que das regras superiores derivam, material e formalmente, regras de

menor hierarquia. A Carta Magna exerce esse papel fundamental na dinâmica do

sistema, pois nela estão traçadas as características dominantes das várias

instituições que a legislação comum posteriormente desenvolverá.

Com efeito, os valores e sobrevalores que a Constituição proclama hão de

ser partilhados entre os cidadãos, não como quimeras ou formas utópicas

simplesmente desejadas e conservadas como relíquias na memória social, mas

como algo pragmaticamente realizável, apto, a qualquer instante, a cumprir seu

  papel demarcatório, balizador, autêntica fronteira nos hemisférios da nossa

cultura. A propósito, vale a afirmação peremptória de que o direito positivo, visto

como um todo, na sua organização entitativa, nada mais almeja do que preparar-

se, aparelhar-se, pré-ordenar-se para implantá-los.

Dentre os impostos do sistema tributário nacional, o imposto sobre a renda

e proventos de qualquer natureza é elucidativo para demonstrar o papel socialdos tributos em sociedade, justamente pela circunstancia de sempre ocupar lugar 

importante, independentemente do volume de receita que é capaz de produzir 

  para os cofres públicos. Sua dimensão histórica, seus amplos recursos

econômicos, políticos e jurídicos; sua potencialidade de atingir em cheio a

capacidade contributiva do sujeito passivo; sua compostura tão propícia à

realização de valores supremos como a “justiça tributária”; tudo isso foi criando,

ao longo da tradição, um ambiente favorável ao desenvolvimento desse tributo

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como mecanismo social de implementação das políticas estatais. A princípio,

mais no plano contábil; depois, no campo da política e da economia, passando a

interessar fortemente os juristas. Nada obstante esse papel de crescente

relevância para a Dogmática, a verdade é que somente agora surgem estudos jurídicos de maior envergadura, submetendo o gravame a uma análise mais fina,

a ponto de aproveitar com profundidade a messe de informações que a

experiência brasileira tem ensejado.

 Nesse sentido, penso que o grande problema na interpretação jurídica da

função social do tributo sempre foi a conexão entre os preceitos estatuídos no

modelo da Lei Suprema e os desdobramentos infra-constitucionais que a farta

legislação tributária prevê. O domínio de certos primados, cujos conteúdos hão

de manter-se presentes no longo e complexo processo de positivação, estava por 

reclamar outras reflexões mais aturadas, mais rigorosas, mais criativas, que a

mera preocupação com aspectos econômicos e contábeis jamais poderia oferecer.

Com efeito, os desvios inerentes a interpretações pouco elaboradas dos

objetivos e políticas de tributação, impedindo que isco e contribuinte possam

usufruir das indiscutíveis vantagens que o seu bom desempenho na vida social

oferece.

4. A operatividade do Sistema Tributário Nacional como reflexo do depósito

exegético da história dos tributos

Pode dizer-se auspiciosa a experiência vivida pela comunidade jurídica

  brasileira com o advento do Código Tributaria Nacional. Em face de umaestrutura rica e minuciosa, como a prevista pela Lei Básica, as construções

doutrinárias encontraram repercussão na jurisprudência, que debateu,

amplamente e com abertura de propósitos, os temas imprescindíveis ah

implantação dos tributos concebidos pelo texto Supremo. Ao mesmo tempo,

institutos caríssimos para a compostura do sistema tributário passaram por um

 processo de evolução e de acabamento normativo digno de nota. O resultado não

demorou a aparecer: a despeito das críticas que venhamos a formular sobre os

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excessos cometidos e, ainda que impondo carga tributária incompatível com as

aspirações das forças produtivas da sociedade em que vivemos, o sistema não

deixa de ser rápido, operativo e funcional, respondendo ao mais singelo impulso,

com resultados quase que imediatos e previsíveis.Dito de outro modo, as queixas sobre eventuais injustiças com que nos

deparamos na relação mantida entre os sujeitos da obrigação tributária no Brasil

estão longe de comprometer o sistema na dinâmica de sua operatividade

funcional. Por esse ângulo, merece aplausos sinceros de reconhecimento e de

admiração.

Mas é preciso lembrar que o aprimoramento sistêmico, obtido pelo

aperfeiçoamento de nossas instituições tributárias, é o resultado de uma luta

ingente, árdua, de um esforço diuturno, de uma combatividade sem tréguas, em

que o empenho dos contribuintes vê a contrapartida de um Estado-administrativo

igualmente combativo e persistente, dando a tônica de uma polêmica muitas

vezes vibrante e cheia de energia.

5. Evolução social e Desenvolvimento do Direito Tributário: a constanteatualização semântica dos valores envolvidos

O dinamismo da convivência humana, na sua incessante e surpreendente

criatividade, vai produzindo novas manifestações de relacionamento entre as

 pessoas, expandindo ações, desenvolvendo instrumentos e aperfeiçoando técnicas

de aproximação. Enquanto série interligada de ações e omissões, esse mundo

circunstante das condutas intersubjetivas, feito de proximidades e de distâncias,dá-se no espaço físico e no espaço social, perfazendo uma seqüência

indeterminável em termos quantitativos e qualitativamente inexaustiva. O fluxo

do acontecer histórico é imprevisível e suas incontidas mutações acrescentam

uma dificuldade enorme para o fim de gerar modos de controle e nutrir 

expectativas de padronizar conteúdos. Daí porque o sistema jurídico, abrindo

mão das ocorrências efetivas, atém-se a formas de interação, a pautas de

comportamento com referentes semânticos genéricos, providência que é sempre

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um  posterius em relação ao fato social objeto das normas e que provoca o

inevitável descompasso entre os dois planos: o da realidade social e o do

ordenamento jurídico que sobre ela incide, numa “circularidade” que chama a

atenção do observador e passa a ser um dos traços bem característicos daconcepção pós-moderna do Direito. Esse intervalo feito pelo destempo, tido às

vezes como demora ou atraso, encerra, para outros, o quantum de sabedoria, de

equilíbrio, de comedimento, de prudência, que as construções jurídico-

 prescritivas portam como seu apanágio ou, quando menos, como marca indelével

de seu caráter.

Seja como for, é naquele vazio cronológico que acontecem as coisas, se

instalam as novidades, surgem costumes auspiciosos ou preocupantes, propostas

de modificação pela via da instauração, da restauração, da revolução, mas é

sobretudo nessa fração de tempo que a sociedade se dá conta dos bens culturais

que ela mesma produziu, das técnicas inovadoras que foram inventadas pelo

crescimento do domínio operacional do ser humano sobre a natureza que o cerca.

Em ritmo surdo, às vezes até sem ele o perceber, avança o homem no domínio

cognoscente das leis naturais, transformando meros laços de causalidade física

em relações de meio-fim: eis o aparecimento de novas regras técnicas.

Habitar o espírito do nosso tempo, como diria G. Vattimo é, de certo

modo, participar desse mundo de incertezas, acatar essa multidiversidade que a

todo instante nos deixa admirados, escapando, minutos depois, do nosso controle;

é tomar consciência do extraordinário salto tecnológico havido no setor da

comunicação, com informações que se cruzam e entrecruzam em múltiplos

sentidos, acrescentando outras e inesperadas combinatórias ao tecido já hiper-complexo das sociedades atuais.

  Nossa experiência jurídico-tributária é significativamente rica.

Acompanhando as alternâncias sociais, políticas, econômicas, financeiras e

administrativas, quer no setor público, como no setor privado, a sociedade

  brasileira vem aprendendo a exercitar suas prerrogativas, acomodando-se aos

deveres que lhe cabe cumprir, mas postulando os direitos que lhe parecem

legítimos. Essa vivência, que podemos chamar de uma participação ativa e

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efetiva na construção da sua própria história, modelou, sem que o

 percebêssemos, um sistema tributário operativo, atuante, que nem sempre realiza

os valores constitucionalmente previstos, na conformidade de nossas

expectativas, porém que funciona em termos concretos, propiciando arrecadaçõesvultosas, que saem do capital e do trabalho dos contribuintes para ingressar nos

cofres do Erário.

Para movimentar-se bem no domínio dessa realidade que começa com as

superiores disposições constitucionais e vai ganhando corpo com os atropelos do

dia-a-dia, nas contendas administrativas e judiciais, é preciso recolher as

situações contenciosas e examiná-las com atenção, preparando os caminhos

adequados e montando os procedimentos jurídicos mais eficientes para fazerem

valer os direitos que o ordenamento consagra.

Para mim, o melhor retrato desse incessante atualizar-se do Sistema

Tributário Nacional encontra-se no chamado “comércio eletrônico”, que ganhou

corpo com o advento da Internet, rede mundial ou rede das redes. Essa formula

  peculiar do comércio, nos melhores moldes da atualidade, é um subproduto da

aceleração vertiginosa das conquistas da tecnologia, projetado sobre o campo das

relações mercantis. Inserindo-se num processo de retroalimentação, a velocidade

das mensagens atinge níveis sofisticados, que aprimoram a comunicação e se

abrem em ramificações diversas por outros canais da convivência entre os

indivíduos, para tanto colaborando, decisivamente, os sistemas computacionais

das diferentes mídias. Não é preciso dizer que o impacto dessas transformações

enriqueceu sobremaneira a participação subjetiva das pessoas envolvidas nos

contratos, munindo-as de novas perspectivas sobre o negócio.Agora, bem. Um dos ângulos da disciplina jurídica dessas situações

comunicacionais é o tributário. Importa refletir, por isso mesmo, com que

amplitude de compreensão nosso sistema constitucional vai permitir às pessoas

  políticas abrangê-las, dimensioná-las, mas, sobretudo, definir as linhas

demarcatórias das várias unidades operacionais. E essa temática, nos dias de

hoje, é algo que se afigura difícil e pressupõe o conhecimento minucioso do

universo factual em que se processam as condutas.

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 Não se pode perder de vista a noção fundamental de que tanto a realidade

normada quanto as próprias regras do direito positivo aparecem sempre na forma

de texto. Nada melhor, portanto, que a concepção semiótica para submetê-lo a

uma crítica rigorosa, passando e repassando a estrutura da ordem jurídicavigente, no que atina aos tributos, mediante uma série de considerações de cunho

sintático, semântico e pragmático.

6. Reforma social e seus prejuízos à sociedade tributária

Ora, a sociedade brasileira vive momentos de inquietação. O debate sobre

matérias relativamente simples, cuja solução já se encontrava sedimentada na

experiência jurídica nacional, mercê de remansosa e pacífica jurisprudência,

apoiada em sólida doutrina, conduziu nossas consciências, de maneira

vertiginosa, ao questionamento de princípios fundamentais, sem que pudéssemos

 perceber o que estava se passando. Aquilo que há de mais caro para a dignidade

de um sistema de direito positivo foi posto em tela de juízo, desafiando nosso

espírito e estimulando nossas inteligências, ao reivindicar uma tomada de posição

firme e contundente. Chegando-se a esse ponto, não cabem mais tergiversações e

os expedientes retóricos somente serão admitidos para fundamentar a decisão de

manter a segurança jurídica, garantindo a estabilidade das relações já

reconhecidas pelo direito, ou de anunciar que chegou o reino da incerteza, que o

ordenamento vigente já não assegura, com seriedade, o teor de suas diretrizes,

que as pomposas manifestações dos tribunais superiores devem ser recebidas

com reservas, porque, a qualquer momento, podem ser revistas, desmanchando-se as orientações jurídicas até então vigentes, sem outras garantias para os

 juriscionados.

Trata-se de pura idealização pensar na possibilidade de funcionamento de

um subsistema social qualquer sem a boa integração dos demais subsistemas que

formam o tecido social pleno. Não cabe cogitar da implantação de um primoroso

modelo econômico, por exemplo, sem a sustentação das estruturas políticas e

 jurídicas que com ele se implicam. As virtudes da Constituição de 1988, que são

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muitas, fizeram imaginar um Brasil avançado e democrático, em que os direitos e

garantias dos cidadãos se multiplicariam em várias direções. Mas bastou a prática

dos primeiros anos para nos fazer ver que as previsões da Carta Suprema não se

concretizariam sem o suporte de um plano econômico consistente e amparado,  por sua vez, em procedimentos políticos e administrativos compatíveis com as

dimensões do projeto. Algumas expectativas se frustraram, é certo, mas ficou a

lição da experiência, vivida intensamente na operosidade turbulenta do convívio

social, caracterizado pela instabilidade de suas relações.

O sistema que temos foi forjado na prática das nossas instituições, nasceu

e cresceu entre as alternâncias de uma história política agitada, irrequieta, no

meio de incertezas econômicas internas e externas. Aquilo que de negativo se lhe

atribuem nem sempre corresponde à realidade. Antes, porém, revela posturas de

cunho ideológico já conhecidas de outras circunstâncias. Querem mudar o

sistema em nome de uma simplificação mais retórica do que efetiva; em nome da

“racionalidade”, princípio de difícil identificação, uma vez que dele precisamos

 para dele falarmos; em nome, até, de uma “progressividade” que viria a imprimir 

  projeção mais dinâmica e justa à administração de certos gravames. Mal se

lembram, contudo, que a Constituição de 1988 determinou que o imposto sobre a

renda e proventos de qualquer natureza fosse progressivo e, “curiosamente”, a

  partir desse marco, a legislação infraconstitucional passou a adotar tabela com

apenas duas faixas de alíquotas para a pessoa física, além da de isenção, negando

acatamento ao princípio superior, de redação cristalina.

Aspirar à simplificação, à racionalidade, à eficiência econômica, à

eficiência administrativa, à progressividade, ao fortalecimento da federação e daautonomia municipal é o lugar comum de todos aqueles que se referem, em tom

retórico, ao sistema tributário nacional. Considerá-lo, porém, como eficiente

  produto da experiência jurídica, política e econômica do nosso país, curtido,

demoradamente, no dia-a-dia das discussões administrativas e judiciais, bem

como no pensamento acurado da dogmática, é algo que aponta para sugestões de

muito equilíbrio e prudência. Mexer em alguma coisa que apresenta tal

rendimento, com respostas ágeis e prontas aos estímulos da sociedade, como tem

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sido iterativamente demonstrado, é um passo difícil e que pode deixar marcas

indesejadas.

Devemos reconhecer, por outro lado, que a carga tributária no Brasil é

excessiva, sufocando setores da economia e afetando a competitividade dos produtos nacionais, além de vários outros desvios que não escapariam à atenção

de um observador pouco exigente do cotidiano. Entretanto, sob pena de erro

histórico irreparável, essas anomalias não podem ser atribuídas ao sistema, que

em si mesmo é bom, capaz de propiciar arrecadações vultosas aos cofres do

Poder Público, e que está preparado para operar de muitas maneiras diferentes.

Em suma, creio que o sistema tributário nacional possa ser acionado de formas

  positivas, levando-se às últimas conseqüências diretrizes constitucionais que

estão aí, à nossa frente, e, por uma série de razões, não foram ainda mobilizadas.

Eis um ponto de real interesse para o programa de uma reforma

constitucional, que envolve diretamente o bom funcionamento das instituições,

garantindo o contribuinte e o próprio Estado-administração contra excessos que a

Carta Magna esteve longe de conceber e de autorizar. Por que não aproveitarmos

o ensejo para estabelecer os limites que estão faltando? Por que não emendarmos

a Constituição em trechos como esse, atendendo às reivindicações dos

especialistas, para aperfeiçoar um sistema que vem sendo construído como a

  projeção do sentimento histórico da sociedade brasileira? Estas sim são as

mudanças concretas que o sistema tributário pede em nome da segurança jurídica

e dos princípios constitucionais tributários fundamentais, na maioria explícitos, e

que a legislação infraconstitucional deve acatar, em toda a latitude.

7. O direito empregado na função pragmática de regular condutas

Sob certo aspecto, torna-se até confortável transitar pelo texto do direito,

dado que os enunciados prescritivos — suas unidades — encontram-se soltos,

derramados por todo o conjunto, nas mais variadas estruturas frásicas. A forma

da linguagem, o texto em sentido estrito, ainda que importante, não será decisiva,

 principalmente no tema que nos toca no presente estudo – o Preâmbulo da Carta

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Maior – porque o predomínio é da função em que esta linguagem é tomada que,

 para o subsistema do direito positivo, estará sempre voltada para a regulação das

condutas intersubjetivas. A prescritividade do ordenamento jurídico reside no

modo como tal linguagem é empregada, a despeito da composição sintático-gramatical que presidir seu revestimento. Os enunciados do direito positivo não

são expressões de atos de objetivação cognoscente. Não pretendem reproduzir o

real-social, descrevendo-lhe os aspectos. Longe disso, o vetor semântico que os

liga ao “mundo da vida” contém, invariavelmente, um dever-ser , assim no estado

neutro, sem modalização, ou operando por intermédio dos functores obrigatório,

 proibido ou  permitido, com o que se exaure o campo material das possíveis

condutas interpessoais.

O dever-ser, frequentemente, comparece disfarçado na forma apofântica,

como se o legislador estivesse, de modo singelo, descrevendo situações da vida

social ou eventos da natureza, a ela relacionados: a existência da pessoa natural

termina com a morte (art. 6º do CC). A capacidade tributária passiva independe: I

  — da capacidade civil das pessoas naturais (art. 126 do CTN). Em outros

momentos, porém, os modalizadores deônticos vêm à tona, expressando-se,

ostensivamente, na linguagem do direito posto, com o que denunciam, de forma

evidente, sua função prescritiva: o tutor, antes de assumir a tutela, “é obrigado” a

especializar, em hipoteca legal, que será inscrita, os imóveis necessários, para

acautelar, sob a sua administração, os bens do menor (art. 1.745 do CC). O

contribuinte do ITR entregará “obrigatoriamente” em cada ano, o Documento de

Informação e Apuração do ITR — DIAT, correspondente a cada imóvel,

observadas datas e condições fixadas pela Secretaria da Receita Federal (art. 8ºda Lei nº 9.393 de 19.12.96).

Enquanto se movimenta entre os enunciados, para compreendê-los na sua

individualidade, o intérprete dos textos jurídicos deve saber que manipula frases

  prescritivas, orientadas para o setor dos comportamentos estabelecidos entre

sujeitos de direito. É preciso, contudo, considerá-las na forma em que se

apresentam, para que seja possível, posteriormente, congregá-las e convertê-las

em unidades normativas, em que o sentido completo da mensagem deôntica

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venha a aparecer com toda a força de sua juridicidade. E esse “considerá-las na

forma em que se apresentam” implica, muitas vezes, a utilização da Lógica

Apofântica, com o modelo clássico “S é P”. Nesse intervalo, a tomada de

consciência sobre a prescritividade é importante, mas o exegeta não deve se  preocupar, ainda, com os cânones da Lógica Deôntico-jurídica, porque o

momento da pesquisa requer, tão-somente, a compreensão isolada de enunciados

que, quase sempre, se oferecem em arranjos de forma alética.

8. Fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade dos tributos: o Estado no

ambiente social

  No campo do exame da funcao social dos tributos, os signos fiscalidade, 

extrafiscalidade e parafiscalidade são termos usualmente empregados no

discurso da Ciência do Direito, para representar esses valores finalísticos que o

legislador imprime na lei tributária, manipulando as categorias jurídicas postas à

sua disposição. Raríssimas são as referências que a eles faz o direito positivo,

tratando-se de construções puramente doutrinárias. O modo como se dá a

utilização do instrumental jurídico-tributário é o fator que identifica o gravame

em uma das três classes. Fala-se, assim, em fiscalidade sempre que a organização

  jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou

que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo

de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses — sociais, políticos ou

econômicos — interfiram no direcionamento da atividade impositiva.

A experiência jurídica nos mostra, porém, que vezes sem conta a composturada legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no

sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou

economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais

confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos

usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos

meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade. Alguns exemplos

esclarecerão bem o assunto. A lei do Imposto Territorial Rural (ITR), ao fazer 

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incidir a exação de maneira mais onerosa, no caso dos imóveis inexplorados ou

de baixa produtividade, busca atender, em primeiro plano, a finalidades de ordem

social e econômica e não ao incremento de receita. A legislação do Imposto

sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento deverbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou

econômico, tal o reflorestamento, justamente para incentivar a formação de

reservas florestais no país. Em outras passagens, na composição de sua base de

cálculo, seja entre as deduções ou entre os abatimentos da renda bruta, insere

medidas que caracterizam, com nitidez, a extrafiscalidade. Quanto ao IPI, a

  própria Constituição prescreve que suas alíquotas serão seletivas em função da

essencialidade dos produtos (art. 153, § 3.º, I), fixando um critério que leva o

legislador ordinário a estabelecer percentuais mais elevados para os produtos

supérfluos. Os chamados tributos aduaneiros —  impostos de importação e de

exportação — têm apresentado relevantíssimas utilidades na tomada de

iniciativas diretoras da política econômica. Haja vista para a tributação dos

automóveis importados do exterior, desestimulante ao extremo, para impulsionar 

a indústria automobilística nacional.

Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de

expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da

fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no

sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os

dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas

lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro.

Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias  para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente

arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade

não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa,

  portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador 

  pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as

limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a

matéria, assim os expressos que os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a

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regime especial, visto que o instrumento jurídico utilizado é invariavelmente o

mesmo, modificando-se tão-somente a finalidade do seu manejo.

Quanta a parafiscalidade, temos insistido, reiteradamente, que só as pessoas

  políticas — União, Estados, DF e Municípios — dispõem de competênciatributária, na acepção que especificamos, pois são as únicas dotadas de poder 

legislativo e, por via de conseqüência, com possibilidades de produzir inovações

na ordem jurídica. E exercer a competência tributária nada mais é que editar leis

que instituam tributos ou regulem sua funcionalidade.

A competência tributária pressupõe a capacidade ativa. Vale dizer, às três

entidades a quem se outorgou a faculdade de expedir leis fiscais, atribuiu-se o

  poder de serem sujeitos ativos de relações jurídicas de cunho tributário. Desse

modo, sendo a União competente para legislar sobre o IPI, será ela, em princípio,

a pessoa capaz de integrar a relação jurídica, na condição de titular do direito

subjetivo de exigir o aludido imposto. Assim ocorre com grande número de

tributos, tanto vinculados como não-vinculados. Omitindo-se o legislador a

 propósito do sujeito ativo do vínculo que irá desabrochar com o acontecimento

do fato jurídico tributário, podemos perfeitamente entender que se referiu a si

 próprio, na qualidade de pessoa jurídica de direito público.

Em algumas oportunidades, porém, verificamos que a lei instituidora do

gravame indica sujeito ativo diferente daquele que detém a respectiva

competência, o que nos conduz à conclusão de que uma é a pessoa competente,

outra a pessoa credenciada a postular o cumprimento da prestação. Ora, sempre

que isso se der, apontando a lei um sujeito ativo diverso do portador da

competência impositiva, estará o estudioso habilitado a reconhecer duassituações juridicamente distintas: a) o sujeito ativo, que não é titular da

competência, recebe atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, executando as

normas legais correspondentes (CTN, art. 7.º), com as garantias e privilégios

 processuais que competem à pessoa que legislou (CTN, art. 7.º, § 1.º), mas não

fica com o produto arrecadado, isto é, transfere os recursos ao ente político; ou b)

o sujeito ativo indicado recebe as mesmas atribuições do item a, acrescidas da

disponibilidade sobre os valores arrecadados, para que os aplique no desempenho

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de suas atividades específicas. Nesta última hipótese, temos consubstanciado o

  fenômeno jurídico da parafiscalidade. E é novamente Paulo Ayres quem

assevera: “A não coincidência entre a titularidade da competência impositiva e a

indicação do sujeito ativo da relação jurídica não desnaturam o caráter tributárioda exigência. Da mesma forma, a disponibilidade do recurso ao eleito para

figurar no pólo ativo dessa mesma relação jurídica, com o objetivo de aplicação

nos propósitos que motivaram a sua exigência, não modifica a sua natureza

tributária. A parafiscalidade harmoniza-se plenamente com o conceito de

tributo”3.

Colocado esse preâmbulo, podemos definir   parafiscalidade como o

fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito

ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos

recursos auferidos, para o implemento de seus objetivos peculiares.

Dois aspectos, por conseguinte, hão de ser atendidos para que venhamos a

isolar o chamado tributo parafiscal : 1) sujeito ativo indicado expressamente na

lei instituidora da exação, diferente da pessoa política que exerceu a

competência; e 2) atribuição, também expressa, do produto arrecadado, à pessoaapontada para figurar como sujeito ativo.

Poderão ser sujeitos ativos de tributos parafiscais as pessoas jurídicas de

direito público, com ou sem personalidade política, e as entidades paraestatais,

que são pessoas jurídicas de direito privado, mas que desenvolvem atividades de

interesse público.

Inúmeros são os casos de tributação parafiscal no direito positivo brasileiro.

As contribuições previdenciárias (INPS — autarquia federal); o pedágio cobrado

  pelo DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S. A. — entidade paraestatal); as

quantias exigidas pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil — autarquia

federal) e muitos outros.

Todas as espécies impositivas são instrumentos idôneos da parafiscalidade. 

Quer as exações vinculadas (taxas e contribuições de melhoria), quer as não-

vinculadas (impostos). O pedágio pago ao DERSA, pelos veículos que transitam

  por estradas sob a administração dessa entidade, por exemplo, tem a natureza

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  jurídica de taxa, ocorrendo o mesmo com a contribuição previdenciária que se

reclama do empregado. Já com relação ao empregador, o tributo assume a feição

de imposto. Não temos notícias concretas a respeito do uso da contribuição de

melhoria, dentro do esquema da parafiscalidade, o que não impede sua inclusãoentre as formas jurídicas disponíveis para esse fim.

Por manipular categorias próprias às espécies tributárias, seria até

despiciendo lembrar que o estatuto da  parafiscalidade está estreitamente

subordinado ao regime jurídico-constitucional dos tributos. Uma advertência,

contudo, não pode ficar sem registro: o tema, a bem do rigor, não pertence ao

domínio especulativo do Direito Tributário, uma vez que a nota característica de

sua definição jurídica reside na conjuntura de as importâncias recebidas

incorporarem-se ao patrimônio do sujeito ativo, que as investe em seus objetivos

  primordiais, quando sabemos que o ponto terminal das investigações jurídico-

tributárias é, precisamente, o instante em que se extingue a obrigação,

satisfazendo o devedor o pagamento que lhe cabia perante o sujeito pretensor.

Transcorrido esse momento, ingressamos no terreno do Direito Financeiro.

Recordemo-nos do teor do art. 4.º do Código Tributário Nacional, que afirma ser 

irrelevante para a qualificação jurídica específica do tributo a destinação legal do

 produto da arrecadação. 

9. Os princípios da isonomia tributária, capacidade contributiva e equidade

na participação do custeio

O artigo 150, II, da Carta Magna proíbe a União, Estados, Distrito Federale Municípios, de instituirem tratamento desigual a contribuintes que se

encontrem em situação equivalente. Não haverá qualquer discrimen com base na

ocupação profissional ou função exercida. O intuito é garantir a tributação justa

(sobrevalor). Isso não significa, contudo, que todos os contribuintes devam

receber tratamento tributário igual, mas sim, que as pessoas, físicas ou jurídicas,

encontrando-se em situações econômicas idênticas, ficarão submetidas ao mesmo

regime jurídico, com as particularidades que lhe forem próprias. Caberá à

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legislação de cada tributo, tomando em consideração as notas singulares das

diversas classes de sujeitos passivos, eleger fatos distintivos que sejam hábeis

 para atender às especificidades dos casos submetidos à imposição, de tal maneira

que se mantenha a correspondente equivalência entre as múltiplas situaçõesempíricas sobre as quais haverá de incidir a percussão tributária. O estabelecer 

itens de desigualdade entre os destinatários da norma, achando-se esses em

situações jurídico-econômicas semelhantes, exige a observância de rigorosa e

manifesta proporcionalidade, marca decisiva da própria isonomia com que foram

tratadas as ocorrências distintas, e que se traduz numa equação reveladora da

aplicação do princípio da igualdade tributária. Afinal, todos sabemos que o real é

irrepetível, não havendo nem podendo haver dois sucessos totalmente iguais.

Resta ao legislador, portanto, assegurar a estabilidade funcional do diploma

normativo de modo que a lei possa irradiar sua eficácia por toda a extensão do

domínio pretendido, fazendo-o, contudo, uniformemente, sem oscilações que

escapem da equação montada para realizar o equilíbrio da atividade impositiva.

Dentro daquele seguimento, os sujeitos saberão, previamente, o modo pelo qual

serão alcançados pela incidência da regra tributária, assegurada a proporção entre

as inevitáveis desigualdades existentes.

Tudo seria fácil se o princípio da isonomia não fosse um autêntico valor.

Para o universo do direito, múltiplos são os critérios que podem ser tomados para

a realização da igualdade. Há isonomia entre pessoas qualificadas como maiores

  para os atos da vida civil, para fins eleitorais, criminais; há igualdade entre

 pessoas do mesmo sexo, nacionalidade, cor, grupo profissional, político e social.

Quando a estimativa “igualdade” é empregada no direito tributário, o critério é  bem objetivo: dois sujeitos de direito que apresentarem sinais de riqueza

expressos no mesmo padrão monetário haverão de sofrer a tributação em

  proporções absolutamente iguais. Exemplificando, podemos mencionar a

situação de duas empresas localizadas em território nacional, em que uma delas

aufira o dobro de receita do valor obtido pela outra: o montante da Cofins devida

 por uma será exatamente o dobro da outra. Isso quer dizer que o critério jurídico

da igualdade, para fins de incidência tributária, tem como ponto de referência a

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variação jurídico-econômica da base de cálculo, podendo, em casos muito

específicos, ser temperado por providências de natureza extrafiscal.

Aproveito para afirmar que não vejo fundamento algum que afaste as

contribuições do princípio da capacidade contributiva previsto no art. 145, § 1º,da Constituição. Apesar   de o legislador só ter feito menção expressa aos

impostos, é certo que a capacidade do sujeito passivo da obrigação tributária

sempre (de modo expresso ou implícito) inspirou a edição de normas de

tributação por encontrar-se intimamente vinculada ao postulado da isonomia.

Além disso, entendo que as contribuições assumem feição de impostos ou taxas,

conforme a hipótese de incidência eleita. E, apresentando características de

impostos, com escolha de fato signo-presuntivo de riqueza não-vinculado à

atuação estatal, como é o caso do “pagamento de folha de salários ou

rendimentos pela prestação de serviços”, inexistem motivos para excluir a

aplicação do primado da capacidade contributiva.

Ademais, observando o sistema constitucional como um todo, identifica-

se, no art. 194, V, mais um desdobramento do princípio da isonomia tributária,

aplicável à seara da previdência social: a equidade na participação do custeio.

Conquanto deva a seguridade social ser financiada por toda a sociedade, é

indiscutível a existência de categorias economicamente diferentes, compondo o

tecido social, cabendo à equidade ditar as diferenças porventura existentes na

massa de contribuintes.

A isonomia opera acionando a proporcionalidade e, com isso, temperando

as desigualdades econômicas entre os sujeitos de direito. A equidade, como

critério de justiça, há de levar em conta a capacidade econômica, com o intuito deque os menos abastados contribuam com parte menor que os economicamente

mais fortes.

Importa acrescentar, também, que o art. 150, II, da Carta Magna não veda

discriminação tão-somente quanto ao montante do tributo a ser recolhido ou dos

fatos jurídicos a serem tributados. Sua prescrição tem abrangência mais ampla,

vedando a instituição de qualquer tratamento desigual entre contribuintes que se

encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de

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ocupação profissional ou função por eles exercida. Essa proibição alcança,

também, os deveres instrumentais, entendidos como relações de índole fiscal,

cujo objeto é um fazer ou não-fazer .

10. A concessão de serviço público, a tarifa e o equilíbrio econômico-

financeiro do contrato

A concessão de serviço público pode ser definida como o conjunto finito

de normas jurídicas mediante as quais o Estado atribui o exercício de um serviço,

de interesse público, a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, sob garantia

de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria

exploração, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos

usuários do serviço e submetendo-se ao regime de direito privado5. Diz-se geral

e basicamente porque a concessionária poderá remunerar-se de outras formas,

como, por exemplo, veiculação de publicidade. Não obstante, a tarifa continua

sendo o modo mais usual de contraprestação do serviço público executado sob

regime de contrato de concessão.

Segundo dispõe o art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.987/95, que regulamenta o

art. 175, da Constituição, disciplinando o regime de concessão e permissão do

 prestar serviços públicos, o contrato de concessão deve ser sempre precedido de

  procedimento licitatório, na modalidade de concorrência. Na oportunidade da

apresentação da proposta, compete aos licitantes indicar o valor da tarifa a ser 

cobrado dos usuários do serviço público. O montante assinalado servirá como um

dos critérios para selecionar a empresa vencedora do certame licitatório, deacordo com o art. 15, inciso I, dessa Lei, inclusive. Como se vê, o valor inicial da

tarifa é moldado por meio da manifestação de vontade da empresa

concessionária, bem como do poder concedente. O artigo 9º, da lei de

concessões, confirma o enunciado acima, ao dispor que “a tarifa do serviço

  público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação

5 Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo:Malheiros, 2004, p.

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(...)”. Os critérios que coordenam a fixação do valor da tarifa estão relacionados

com os custos do serviço a ser prestado, com as demais formas de receita e com a

margem de lucro suficiente para conformar-lhe o caráter remuneratório e a

necessária modicidade. São esses, portanto, os componentes a serem ponderados pelos contratantes para a instituição do valor da tarifa.

 No que tange à modificação do preço pactuado, o critério estipulado pelo

Texto Supremo é o da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do

contrato de concessão. Segundo o artigo 37, XXI, da Constituição, as obras e os

serviços serão contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de

 pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta. Diante do mandamento

constitucional, na hipótese de elevação dos custos dos serviços prestados, as

tarifas que remuneram as empresas concessionárias devem ser 

 proporcionalmente majoradas, a fim de que seja mantida a igualdade (equilíbrio)

subjacente na oportunidade da celebração do contrato.

Tanto a Lei nº 8.666/93, que regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição,

da República, estabelecendo normas gerais sobre licitações e contratos

administrativos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no

âmbito do Poder Público, como a já referida Lei nº 8.987/95, prescrevem, em

diversos artigos, a obrigatoriedade da manutenção do equilíbrio econômico-

financeiro, prevendo no edital e no contrato fórmulas de revisão do valor,

reajustes em razão da alteração unilateral promovida pelo poder concedente. E o

motivo é singelo: o desequilíbrio econômico, em desfavor da empresa

concessionária, por exemplo, além de colaborar para a má prestação do serviço

  público, poderá determinar o enriquecimento sem causa do poder concedente,fato contra o qual operam prescritivamente as normas do sistema.

Advirta-se, do exposto, que o valor das tarifas deve movimentar-se de

acordo com a majoração ou redução dos custos para se executar os serviços a

serem prestados, consubstanciando nítido enriquecimento ilícito – como já foi

dito – seja do Estado ou da empresa concessionária, se o valor das tarifas não

acompanhar, proporcionalmente, as condições econômicas iniciais da execução

do contrato.

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