fundamentos energia electrica

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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO Departamento de Engenharia Electrotécnica e de Computadores / Secção de Energia FUNDAMENTOS DOS SISTEMAS DE ENERGIA ELÉCTRICA José Pedro Sucena Paiva Prof. Catedrático

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Page 1: Fundamentos Energia Electrica

UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA

INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO

Departamento de Engenharia Electrotécnica e de Computadores / Secção de Energia

FUNDAMENTOS DOS SISTEMAS

DE ENERGIA ELÉCTRICA

José Pedro Sucena Paiva

Prof. Catedrático

Page 2: Fundamentos Energia Electrica
Page 3: Fundamentos Energia Electrica

ÍNDICE

1 Introdução 1

1.1 Evolução Histórica 1

1.2 Tendências Recentes 1

1.3 A Energia Eléctrica no Contexto Energético 4

1.4 O Sistema de Energia Eléctrica 7

1.5 Classificação das Redes Eléctricas 10

1.5.1 Nível de Tensão 11

1.5.2 Função 11

1.5.3 Estrutura Topológica 12

1.6 A Rede Eléctrica Portuguesa 14

1.7 Sumário 14

2 Conceitos Básicos 17

2.1 Energia e Potência. Diagrama de Carga. 17

2.2 Potência em Sistemas de Energia Eléctrica 19

2.2.1 Potência Activa e Reactiva 19

2.2.2 Potência Complexa e Aparente 22

2.3 Sistema Eléctrico Trifásico 24

2.3.1 Tensão e Corrente 24

2.3.2 Potência Activa e Reactiva 27

2.3.3 Carga Ligada em Triângulo 28

2.4 Representação do Sistema de Energia 28

2.5 Valores por Unidade 30

2.5.1 Sistemas Monofásicos 31

2.5.2 Sistemas Trifásicos 32

2.6 Transmissão de Energia 33

2.6.1 Em Corrente Alternada 33

2.6.2 Em Corrente Contínua 36

2.7 Sumário 37

3 Máquinas Rotativas e Transformador 39

3.1 Máquina Síncrona 39

3.1.1 Introdução 39

3.1.2 Princípio de Funcionamento 40

Page 4: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva ii

3.1.3 Modelo Matemático 44

3.1.4 Características em Vazio e em Curto-Circuito 47

3.1.5 Características em Carga 49

3.1.6 Potência Activa e Reactiva 49

3.1.7 Efeito da Saliência 51

3.1.8 Modos de Operação 54

3.1.9 Estabilidade da Marcha Síncrona 57

3.2 Transformador 60

3.2.1 Introdução 60

3.2.2 Princípio de Funcionamento 61

3.2.3 Corrente de Magnetização 63

3.2.4 Esquema Equivalente 64

3.2.5 Transformador com Três Enrolamentos 67

3.2.6 Autotransformador 69

3.2.7 Transformador Trifásico 70

3.2.8 Transformador com Regulação de Tensão 75

3.3 Máquina Assíncrona 78

3.3.1 Introdução 78

3.3.2 Princípio de Funcionamento 78

3.3.3 Modelo Matemático 79

3.3.4 Potência e Binário 81

3.3.5 Funcionamento como Gerador 84

3.4 Caracterização das Cargas 85

3.4.1 Tipologia 85

3.4.2 Elasticidades 86

3.4.3 Elasticidade em Relação à Tensão 88

3.4.4 Elasticidade em Relação à Frequência 91

3.5 Sumário 91

4 Linha Eléctrica de Energia 93

4.1 Introdução 93

4.2 Resistência e Condutância Transversal 94

4.3 Reactância 96

4.3.1 Linha Monofásica 97

4.3.2 Linha com n Condutores 100

4.3.3 Linha Trifásica 103

4.3.4 Linha Trifásica com Dois Condutores em Feixe 106

4.4 Admitância Transversal 107

Page 5: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Índice iii

4.4.1 Linha Monofásica 108

4.4.2 Linha com n Condutores 110

4.4.3 Influência da Terra 110

4.4.4 Linha Trifásica 113

4.4.5 Linha Trifásica com Dois Condutores em Feixe 115

4.4.6 Cabo Subterrâneo 116

4.5 Modelo da Linha em Regime Estacionário 117

4.5.1 Modelo Exacto 117

4.5.2 Esquema Equivalente em π 121

4.5.3 Esquema Equivalente em π Nominal 123

4.5.4 Modelo da Linha Curta 124

4.6 Linha Terminada pela Impedância de Onda 126

4.7 Capacidade de Transporte 129

4.7.1 Limite Térmico 129

4.7.2 Limite de Estabilidade Estática 129

4.7.3 Limite de Estabilidade de Tensão 133

4.8 Sumário 135

5 Correntes de Curto-Circuito 137

5.1 Introdução 137

5.2 Corrente e Potência de Curto-Circuito 138

5.2.1 Teorema da Sobreposição 139

5.2.2 Teorema de Thévenin 140

5.3 Curto-Circuito de um Gerador Síncrono 141

5.4 Modelos dos Elementos da Rede 145

5.4.1 Gerador 145

5.4.2 Transformador e Linha 146

5.4.3 Cargas 146

5.5 Cálculo das Correntes de Curto-Circuito Simétrico 147

5.5.1 Redução da Rede 147

5.5.2 Impedância Equivalente a Montante 148

5.5.3 Matriz das Impedâncias Nodais 148

5.6 Sumário 153

Page 6: Fundamentos Energia Electrica
Page 7: Fundamentos Energia Electrica

CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

1.1 Evolução Histórica

Em 1882 foi inaugurada a primeira central eléctrica em Pearl Sreet, Nova Iorque, alimen-

tando uma rede de iluminação pública com 400 lâmpadas de 83 Watt cada, dentro de

uma área com 1,5 km de raio. Esta data marca o início da era da energia eléctrica, cuja

produção mundial atingiu 15 500 mil milhões de kWh em 2000, exibindo uma taxa de

crescimento médio anual de 3,8% desde 19711 – uma das maiores indústrias à escala

mundial.

As primeiras centrais eléctricas eram accionadas por máquinas a vapor e geravam cor-

rente contínua por meio de dínamos, tipicamente à tensão de 110 Volt. A invenção (por

Ferranti) do transformador, que permite variar facilmente a tensão para níveis adequados

ao transporte, distribuição e utilização de energia, bem como do motor de indução (por

Tesla), que exibe vantagens consideráveis nos accionamentos eléctricos em relação ao

motor de corrente contínua, resultou na adopção generalizada da corrente alternada, não

sem que o debate entre os defensores dos dois tipos de corrente eléctrica atingisse, na

época, níveis de grande acrimónia.

Uma vez estabelecido o domínio incontestado da corrente alternada, no virar do século,

iniciou-se o desenvolvimento continuado das centrais eléctricas e redes de distribuição

associadas, implantadas em cada cidade ou centro de consumo e funcionando isolada-

mente.

A etapa seguinte, cujo início se pode situar nos anos 20 (em Portugal nos anos 40), con-

sistiu na construção da rede de transporte em alta e posteriormente, muito alta tensão,

ligando todos os centros produtores. Esta rede permitiu o aproveitamento de recursos

1 Nos países da OCDE, a taxa de crescimento anual é actualmente da ordem de 2% (em Portugal, excede

5%)

Page 8: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 2

energéticos distantes – hidroeléctricos ou carvão à boca da mina – tendo a potência das

centrais sido continuamente aumentada, a fim de tirar partido das economias de escala.

No tocante à produção térmica, a turbina de vapor emergiu como tecnologia dominante.

A Segunda Guerra Mundial provocou uma destruição alargada dos sistemas eléctricos na

Europa. Dado o carácter estratégico e a natureza de serviço público do abastecimento de

energia eléctrica, em muitos países europeus a tendência no pós-guerra foi a de constituir

empresas verticalmente integradas, em muitos casos nacionalizadas2, assegurando a

produção, o transporte e a distribuição.

Na década de 60, a tendência para a centralização reforçou-se, cresceram as potências

dos centros produtores e surgiram as primeiras centrais nucleares. A taxa de crescimen-

to anual nos países industrializados atingiu 7% – o que significa a duplicação em 10 anos.

Chegou-se assim ao modelo tradicional do sector eléctrico, suportado em dois pilares:

1. Grandes centrais eléctricas – com potências instaladas atingindo em alguns casos os

milhões de kW – afastadas dos centros de consumo e ligadas a uma rede em corren-

te alternada com elevada capacidade de transporte;

2. Concessão monopolista para construir, financiar e explorar o sistema.

1.2 Tendências Recentes

Este modelo tem, desde o final da década de 70, vindo a ser questionado. A inovação tec-

nológica está a pôr em causa o primeiro pilar; a inovação institucional está a abalar o se-

gundo.

A inovação tecnológica resulta do advento de novas tecnologias de produção, mais efici-

entes e menos capital intensivas, nomeadamente: a turbina de gás, que possui uma

gama alargada de potências (o limite inferior situa-se actualmente nos 20 kW); o ciclo

combinado (turbina de gás associada à turbina de vapor), usando gás natural, que permi-

tiu atingir rendimentos superiores a 55% e reduziu substancialmente as economias de

escala; a expansão da cogeração (produção combinada de electricidade e calor), que

proporciona uma significativa melhoria do aproveitamento da energia primária dos com-

bustíveis e permite descentralizar a produção para junto dos locais de consumo; o apro-

2 Em Portugal, o sector eléctrico só foi totalmente nacionalizado em 1976, tendo sido constituída a EDP-

Electricidade de Portugal, que veio a ser parcialmente privatizada em 1997 e 1998.

Page 9: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Introdução 3

veitamento das energias renováveis (eólica, minihídrica, solar), que têm um impacte am-

biental insignificante.

Num futuro que se antevê próximo, a pilha de combustível, alimentada a gás natural ou

hidrogénio, conjugada com a electrónica de energia – que permite um melhor controlo da

electricidade em todas as fases do seu ciclo – promete alterações ainda mais radicais.

A inovação institucional resulta da vaga de liberalização iniciada nos anos 70, que está a

transformar o modelo monopolista (público ou privado) – baseado na lógica do serviço

público, assegurado pelos governos – visando alcançar ganhos de eficiência e conse-

quente redução de preços, em benefício dos consumidores.

Hoje reconhece-se a bondade do mercado e procura-se introduzir um clima de competi-

ção sempre que possível, mesmo em sectores como a electricidade, tradicionalmente

considerados monopólios naturais. A exigência de maior transparência nos preços e a

eliminação da subsidiação cruzada, põe em causa o modelo dominante de empresa con-

cessionária integrada.

Por outro lado, assiste-se a uma crescente pressão para a internalização dos custos am-

bientais resultantes da produção e consumo da energia eléctrica, tendo a integração da

vertente ambiental passado a ser um dos objectivos principais da política energética.

Neste contexto, a eficiência energética assume importância crucial, quer a nível da produ-

ção quer do consumo. A emissão de dióxido de carbono – resultante da queima dos com-

bustíveis fósseis – para a atmosfera tem sido apontada como responsável pelo aqueci-

mento do planeta, sendo substancial a quota-parte da produção de energia eléctrica neste

processo.

Acompanhando o movimento de liberalização que se desenvolve à escala global, em Por-

tugal foi em 1995 publicada legislação, que estabeleceu um novo modelo organizacional

do sector eléctrico. Esta legislação veio criar as condições para uma progressiva liberali-

zação do sector, com a introdução de competição a nível da produção, possibilidade de

acesso de terceiros às redes, criação do Sistema Eléctrico Independente coexistindo

com o Sistema Eléctrico de Serviço Público e ainda da Entidade Reguladora do Sector

Eléctrico, com um vasto leque de competências. Também a EDP foi reestruturada, tendo

sido separadas no plano jurídico as actividades de produção, transporte e distribuição,

passo essencial para a criação de um mercado concorrencial.

O grupo EDP foi parcialmente privatizado a partir de 1997, sendo a participação actual do

Estado de 30% do capital social. Em 2000, a empresa concessionária da rede nacional de

Page 10: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 4

transporte (REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A.) foi autonomizada, face à sua qualidade

de monopólio natural, mantendo-se maioritariamente na posse do Estado.

1.3 A Energia Eléctrica no Contexto Energético

Na Figura 1.1 apresenta-se a evolução da produção mundial de energia eléctrica3, ex-

pressa em TWh (1012 kWh) – bem como as respectivas fontes primárias. As taxas de

crescimento anual, verificada no período 1971-1997 e prevista para o período 1997-2020

são da de 3,9% e 2,7%, respectivamente.

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

1971 1997 2010 2020

TWh

Outras renováveisHídrica (inc. mini-hídrica)Nuclear

Gás naturalPetróleoCarvão

Figura 1.1 – Produção mundial de energia eléctrica.

Em termos da sua contribuição para o consumo de energia final, a electricidade represen-

tava cerca de 17,0% em 1997, prevendo-se que atinja 20,2% no ano 2020, conforme se

observa na Figura 1.2.

3 Fonte: International Energy Agency: World Energy Outlook 2000.

Page 11: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Introdução 5

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1971 1997 2010 2020

RenováveisCalorElectricidade

Gás naturalPetróleoCarvão

Figura 1.2 – Consumo mundial de energia final.

Em Portugal (continente), a produção total de energia eléctrica atingiu 45 467GWh em

2001, tendo exibido uma taxa de crescimento anual média de 5,3% no período 1980-2001,

a qual se prevê venha a manter-se num patamar superior a 4% até 2010.

As fontes primárias a partir das quais foi produzida constam da Figura 1.3. No ano em

apreço, no qual o índice de produção hidráulica foi 1,19 (o valor em ano médio é unitário),

esta origem representou 30% do total. A produção térmica – carvão, fuel-óleo e gás natu-

ral – foi 66%, verificando-se a predominância do carvão (30%) e uma quota já significativa

(14%) do gás natural. Finalmente, o contributo das fontes renováveis descentralizadas –

biomassa, minihídrica e eólica – foi de 4%4.

Carvão30,1%

Fuel-óleo22,0%

Gás natural14,2%

Eólica 0,5%

Hidrica29,8%

Biomassa e resíduos 2,0%

Minihídrica 1,5%

Figura 1.3 – Produção bruta de energia eléctrica em Portugal, 2001.

4 Incluindo as grandes e médias centrais hídricas, as fontes renováveis representaram 34%.

Page 12: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 6

A participação da electricidade no consumo de energia final, cifrava-se em cerca de 21%,

conforme se observa na Figura 1.4. Neste contexto avulta o consumo de petróleo e seus

derivados, representando 66% do total, que resulta essencialmente do sector dos trans-

portes.

Carvão1,4%

Electricidade20,7%

Gás natural6,3% Petróleo e

gás de cidade65,7%

Outros(*)5,9%

(*) Lenhas e resíduos, gás de coque e gás de alto forno

Figura 1.4 – Consumo de energia final em Portugal, 2001.

A energia primária destinada à produção de electricidade representou, contudo, 40 % da

energia primária total em 1998, ilustrando-se na Figura 1.5 a respectiva repartição por fon-

tes. Esta majoração da parcela referente à electricidade, em termos de energia primária,

resulta de o rendimento energético da conversão nas centrais térmicas ser da ordem de

40%5.

Carvão30,7%

Petróleo22,5%

Gás natural11,6%

Outros(**)2,7%

Hídrica, eólica e geotérmica(*)

32,5%

(*) Energia térmica equivalente(**) Lenhas, resíduos, gás de coque e gás de alto forno

Figura 1.5 – Energia primária destinada à produção de electricidade, 2001.

5 Nas modernas centrais de ciclo combinado, a gás natural, pode atingir 55%.

Page 13: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Introdução 7

Na Figura 1.6 apresenta-se a estrutura empresarial do sector eléctrico português (conti-

nente) em 2001. A produção total líquida foi de 43 826 GWh, cabendo à EDP 63%, à Tejo

Energia6 9%, à Turbogás7 14%, e a restante (14%) aos produtores independentes em re-

gime especial (PRE)8.

Tejo Energia9,2%

Turbogás13,6%

EDP-térmica32,7%

EDP-hídrica30,6%

Cogeração11,9%

Minihídrica1,5%

Eólica0,5%

Prod. Reg. Especial 13,9%

Figura 1.6 – Estrutura Empresarial do Sector Eléctrico Português na produção(1998).

A potência instalada total dos grupos geradores do sistema produtor cifrava-se em 10 791

MW, no final de 2001, com a composição que se ilustra na Figura 1.7 – a hídrica (incluindo

a minihídrica) representando 41 % e a térmica (incluindo a cogeração) 58%. A produção

em regime especial (cogeração, minihídrica e eólica) representava 16% da potência insta-

lada.

6 Detentora da Central do Pego, alimentada a carvão. 7 Detentora da central da Tapada do Outeiro (ciclo combinado), alimentada a gás natural. 8 Produtores descentralizados que utilizam energias renováveis (minihídrica e eólica) ou a cogeração (pro-

dução combinada de energia eléctrica e térmica).

Page 14: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 8

Tejo Energia5,4%

Turbogás9,2%

EDP-térmica30,4%

EDP-hídrica38,8%

Cogeração13,0%

Minihídrica2,1%

Eólica1,1%

Prod. Reg. Especial 16,2%

Figura 1.7 – Potência instalada no sistema produtor, 2001.

A potência de ponta máxima anual em 2001 foi 7443 MW 9, ou seja 69% da potência insta-

lada.

Dado que a produção total líquida foi de 43 826 GWh, as utilizações anuais da potência

instalada e da ponta anual foram 4061 e 5888 horas, respectivamente – 46% e 67% do

número de horas de um ano comum (8760 horas).

Observe-se que a energia produzida nas centrais hídricas (bem como nas eólicas) repre-

senta uma percentagem inferior à da respectiva potência instalada – confronte-se com a

Figura 1.6 – o que resulta de os caudais disponíveis (ou as velocidades do vento) não

permitirem o seu funcionamento à plena carga ao longo do ciclo anual. As centrais térmi-

cas (incluindo as de cogeração), em contrapartida, produzem energia em percentagem

superior à da potência instalada, uma vez que a sua utilização anual é mais elevada.

Na Figura 1.8 mostra-se a evolução da emissão anual de energia eléctricapara a rede pú-

blica (continente), que atingiu 40 500 GWh em 200110. Adicionando a energia utilizada

para autoconsumo, produzida por produtores independentes (3400 GWh) e deduzindo a

energia utilizada em bombagem nas centrais hidroeléctricas (500 GWh), os consumos

próprios e as perdas nas redes (3900 GWh) obtém-se o consumo final que, no ano em

apreço, se cifrou em 39 500 GWh11.

9 Incluindo 300 MW de produção em regime especial (valor estimado). 10 Fonte: R.E.N.–Rede Eléctrica Nacional: Relatório e Contas 2001. 11 Cerca de 4000 kWh por habitante.

Page 15: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Introdução 9

-5.000

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

40.000

45.000

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

GW

h

Saldo import.

PRETurbogásTejo Energia

EDP-térmicaEDP-hídrica

Figura 1.8 – Emissão anual de energia eléctrica para a rede, 1992-2001.

1.4 O Sistema de Energia Eléctrica

No modelo tradicional dos sistemas de energia eléctrica, os centros produtores de energia

eléctrica, de grande porte, não estão localizados na proximidade dos consumidores, por

razões técnicas e económicas, nomeadamente, disponibilidade do recurso energético

primário e restrições na sua localização. Para estabelecer a ligação entre uns e outros,

são necessárias redes de transporte e distribuição, com diversos níveis de tensão, con-

forme se apresenta, a título exemplificativo, na Figura 1.9.

Figura 1.9 – Sistema de Energia Eléctrica.

Page 16: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 10

Os ramos de uma rede de energia eléctrica são constituídos por linhas e transformado-

res, que se ligam entre barramentos. Estes corporizam os nós da rede, aos quais se li-

gam os geradores e as cargas.

Os centros produtores de grande porte, constituídos por vários geradores cada, ligam-se

à rede de transporte, em muito alta tensão; a produção descentralizada, à rede de distri-

buição em alta ou média tensão.

Os transformadores e barramentos, bem como a aparelhagem de manobra (disjuntores,

seccionadores) estão localizados em instalações designadas subestações (ou postos de

transformação).

Além destes elementos, percorridos por correntes elevadas, as subestações são dotadas

de equipamento de medida e contagem bem como de controlo, regulação e protecção.

A gestão global da produção e do transporte é assegurada por sofisticados sistemas de

supervisão e controlo em tempo real, apoiados em potentes computadores e telecomuni-

cações avançadas.

O Sistema de Energia Eléctrica funciona continuamente, desempenhando uma função

vital para a sociedade moderna, dependente em alto grau da energia eléctrica para a sa-

tisfação das suas necessidades nos domínios económico e social.

Um SEE bem concebido deve satisfazer os seguintes requisitos:

• A energia eléctrica deve ser fornecida em qualquer local onde seja solicitada;

• A produção deve em cada instante igualar exactamente o consumo (ao qual se adici-

onam as perdas), uma vez que a energia eléctrica não pode ser armazenada;

• A energia eléctrica deve obedecer a critérios de qualidade bem definidos: frequência

constante; tensão dentro de limites estreitos; forma de onda sinusoidal; fiabilidade ele-

vada;

• Os custos de produção da energia fornecida devem ser minimizados;

• O impacto ambiental da produção da energia eléctrica deve ser limitado.

1.5 Classificação das Redes Eléctricas

Entre os diferentes critérios possíveis de classificação das redes eléctricas, apresentam-

se três, cujo interesse é evidente.

Page 17: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Introdução 11

O primeiro diz respeito à tensão nominal (ou de serviço), que é a grandeza que determina

a capacidade de transporte e fixa as dimensões das linhas e da aparelhagem das subes-

tações.

O segundo, que é o mais importante, prende-se com a função que o sistema deve asse-

gurar.

O terceiro está ligado com a topologia da rede, fixando o seu modo de exploração normal,

e as possibilidades de socorro em caso de falha.

1.5.1 Nível de Tensão

A tensão nominal de uma rede eléctrica pode variar das dezenas de Volt até ao milhão de

Volt, distinguindo-se as classes seguintes:

• Baixa Tensão (BT), abaixo de 1000 V.

Como valores típicos, tem-se 400/231 V (trifásica, fase-fase e fase-neutro) na Europa e

240/120 V (monofásica) nos EUA.

• Média Tensão (MT), entre 1 e 45 kV.

Nas redes de distribuição urbana ou rural usam-se, em Portugal, 10, 15 e 30 kV (em ou-

tros países europeus é também comum a tensão de 20 kV); em redes industriais usa-se

ainda a tensão de 6 kV.

• Alta Tensão (AT), entre 45 e 110 kV.

Neste nível, utiliza-se, em Portugal, a tensão de 60 kV, por vezes designada de repartição

ou grande distribuição.

• Muito Alta Tensão (MAT), acima de 110 kV.

Este nível de tensão é usado nas redes de transporte, sendo usados em Portugal 150,

220 e 400 kV (os dois últimos níveis são correntes em toda a Europa). Nos E.U.A usam-

se 230, 345, 500 e 765 kV.

1.5.2 Função

As funções especificas das redes eléctricas permitem classificá-las em:

Page 18: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 12

• Redes de distribuição

A função destas redes é levar a energia até junto dos consumidores, domésticos ou in-

dustriais, para o que se usam três níveis de tensão: a baixa tensão, à qual estão directa-

mente ligados os aparelhos; a média tensão, que alimenta os postos de transformação; a

alta tensão, que fornece energia às subestações. Estas redes também recebem a ener-

gia produzida pelos produtores independentes, que usam fontes renováveis (minihídrica,

eólica, solar) ou cogeração.

• Redes de transporte

Estas redes, em muito alta tensão, cobrem um espaço geográfico alargado (por exemplo,

um país), assegurando o transito de elevados volumes de energia, entregue pelos gran-

des centros produtores, até às subestações de interface com as redes de distribuição.

• Redes de interligação

Este tipo de redes assegura a ligação entre redes de transporte (eventualmente de distri-

buição), exploradas por empresas distintas cobrindo, por exemplo, dois países ou regiões

vizinhas. Todas as redes europeias funcionam interligadas em 220 e 400 kV com uma

frequência comum de 50 Hz, situação que apresenta diversas vantagens. Por um lado

melhora a segurança das redes interligadas, por via do socorro recíproco em caso de

perda de unidades geradoras. Por outro lado, melhoram a economia da exploração, pois

permitem aproveitar a energia produzida a preços mais baixos em ambas as redes, tiran-

do partido da diversidade de ocorrência das cargas e, além disso, reduzir o número de

unidades de reserva, quer estática quer girante.

1.5.3 Estrutura Topológica

Um aspecto de importância fundamental na exploração dos SEE é o da respectiva fiabili-

dade. Os elementos das redes estão naturalmente sujeitos a avarias, que originam inter-

rupções no fornecimento de energia, se não houver redundância. Esta implica aumento

dos custos de investimento, havendo que estabelecer um compromisso entre estes cus-

tos e os benefícios que acarretam, o qual se reflecte na estrutura topológica da rede.

Page 19: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Introdução 13

~ ~

~

~ ~

a b c

Figura 1.10 – Estrutura topológica: a) Rede radial; c) Rede malhada; c) Rede malhada (anel) com exploração radial.

Na Figura 1.10 mostram-se as estruturas topológicas usuais:

• Rede radial

Uma rede radial é constituída, a partir de um ponto de alimentação, por linhas que se vão

ramificando sem jamais se encontrarem num ponto comum (Figura 1.10a). Correspon-

dem à menor fiabilidade e também ao menor custo, sendo tipicamente usadas na distribu-

ição. Se não existir produção a elas ligada, o sentido do transito de energia é do ponto de

alimentação para a carga.

• Rede malhada

Com este tipo de rede todos os consumidores podem ser alimentados por várias linhas,

que são ligadas de forma a constituírem malhas fechadas (Figura 1.10b). Os geradores

estão ligados de forma que o trânsito de energia até aos consumidores se pode fazer por

vários percursos. Todas as linhas devem estar dimensionadas para transmitirem a po-

tência necessária em caso de avaria de outra linha (designado critério de segurança n -1).

Estas redes asseguram uma maior fiabilidade, naturalmente, com um custo mais eleva-

do, usando-se obrigatoriamente para as redes de transporte.

• Rede malhada (anel) com exploração radial

Nas redes de distribuição em áreas urbanas com elevada densidade de carga pode usar-

se uma estrutura malhada (anel) com exploração radial, para o que se utilizam interrupto-

res normalmente abertos, que podem ser fechados em caso de indisponibilidade de um

troço de linha por forma a assegurar a continuidade do serviço (Figura 1.10c).

Page 20: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 14

1.6 A Rede Eléctrica Portuguesa

A rede eléctrica é uma infraestrutura fundamental ao funcionamento de uma sociedade

moderna, que requer um elevado investimento e uma engenharia sofisticada na sua cons-

trução e operação.

A Figura 1.11 ilustra a rede nacional de transporte em muito alta tensão (150, 220 e 400

kV), detida e operada pela REN-Rede Eléctrica Nacional, S.A., com cerca de 6 200 km de

linhas, cobrindo a totalidade do território continental e 125 transformadores com uma po-

tência total de 17 000 MVA.

As redes de distribuição – operadas pela EDP-Distribuição – compreendem 6 600, 48 700

e 90 300 km de linhas aéreas em alta (60 kV), média (10, 15 e 30 kV) e baixa tensão, bem

como 360, 9 300 e 21 700 km de cabos subterrâneos nas três classes de tensão, respec-

tivamente. O número de postos de transformação atinge 44 638 com uma potência total

instalada de 11 663 MVA.

1.7 Sumário

Neste capítulo fez-se uma breve referência à evolução histórica da energia eléctrica, des-

de o início do seu uso há mais de um século, bem como às mais recentes tendências de

evolução, impulsionada pela inovação tecnológica e institucional.

Ilustrou-se a posição da electricidade no contexto energético, quadro no qual representa

cerca de 20% do consumo de energia final e 40% da energia primária, com tendência

crescente.

Apresentou-se a estrutura do Sistema de Energia Eléctrica bem como os seus principais

componentes – as centrais, as linhas de transporte e distribuição, os transformadores, as

instalações de consumo e os sistemas de supervisão, controlo e protecção – e especifi-

caram-se os exigentes requisitos que deve satisfazer. Propôs-se ainda uma classificação

das redes eléctricas segundo três critérios: tensão, função e topologia.

Finalmente, ilustrou-se o traçado da rede eléctrica portuguesa de transporte em muito alta

tensão e indicaram-se alguns elementos quantitativos desta infraestrutura.

Page 21: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Introdução 15

Figura 1.11 – Rede nacional de transporte em muito alta tensão (REN, S.A.).

Page 22: Fundamentos Energia Electrica
Page 23: Fundamentos Energia Electrica

CAPÍTULO 2

CONCEITOS BÁSICOS

Neste capítulo apresentam-se alguns conceitos básicos necessários à modelação e aná-

lise de Sistemas de Energia Eléctrica (SEE), admitindo-se que o leitor já está familiariza-

do com os fundamentos da teoria dos circuitos e das redes eléctricas.

Os conceitos fundamentais de energia e potência são ilustrados com recurso a um dia-

grama de carga do sistema eléctrico português. Em sistemas de corrente alternada, a

potência tem de ser qualificada, definido-se as diversas modalidades: activa, reactiva,

complexa e aparente.

Dado que a energia eléctrica é produzida, transportada e distribuída em corrente alternada

trifásica, este tipo de sistema eléctrico é abordado de seguida.

Refere-se o uso do esquema monofásico equivalente e do esquema unifilar para repre-

sentar o sistema trifásico simétrico, e classificam-se as redes eléctricas segundo a ten-

são, a função e a estrutura topológica.

O uso do sistema por unidade para exprimir as grandezas eléctricas de forma adimensio-

nal é hoje universal, pelas vantagens que a prática evidenciou. Trata-se assim de um tópi-

co que o engenheiro de sistemas de energia deve dominar perfeitamente, e que será utili-

zado ao longo de todo este livro.

Numa rede síncrona em corrente alternada, a transmissão de energia é condicionada por

diversos factores, os quais são identificados e analisados. A título comparativo, aborda-se

também a transferência de energia em corrente contínua.

2.1 Energia e Potência. Diagrama de Carga.

Um Sistema de Energia Eléctrica fornece energia aos consumidores que a utilizam, as-

segurando o nível de potência que estes requerem para alimentar o conjunto dos equipa-

mentos ligados – a carga do sistema. A energia e a potência são contabilizados separa-

Page 24: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 18

damente na factura de electricidade, já que os custos associados a uma e outra são dife-

rentes.

A relação básica entre energia e potência exprime-se matematicamente por:

tdEd

P = (2.1)

onde E denota a energia, P a potência e t o tempo.

Sendo a potência a derivada da energia em ordem ao tempo, tem-se inversamente:

tdPE ∫= (2.2)

Em unidades do Sistema Internacional, a energia exprime-se em Joule (J) e a potência

em Watt (W). Estas unidades correspondem a quantidades muito pequenas, face às que

estão em jogo nos sistemas de energia eléctrica, pelo que se usam de preferência os

respectivos múltiplos.

Assim, para a potência usam-se Kilowatt (1kW=103 W), Megawatt (1 MW=106 W), Gi-

gawatt (1 GW=109 W) e Terawatt (1 TW=1012 W).

Para a energia, a unidade utilizada na prática é Watt.hora (1 Wh=3 600 J) e os seus múl-

tiplos: kWh, MWh, GWh e TWh.

A carga de um SEE varia significativamente ao longo do dia, acompanhando a actividade

humana. Na Figura 2.1 apresenta-se o diagrama de carga do Sistema Eléctrico nacional

visto de rede de transporte, no dia 5/1/2000, em que se verificou uma potência máxima

(ponta) de 6287 MW, às 19.00 horas, e um consumo de energia de 117 GWh (área som-

breada).

Para um diagrama de carga, define-se utilização diária da ponta como a relação entre a

energia e a potência máxima; e factor de carga diário como a relação entre a potência

média e a potência máxima. Estas grandezas também podem ser definidas para outros

períodos de tempo, por exemplo, o ano: utilização anual da ponta e factor de carga anual.

Page 25: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 19

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

MW

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24Horas

4ªfeira 5/1/2000

E=117 GWh

Pmax=6287 MW

Figura 2.1 – Diagrama de carga visto da rede de transporte, 5/1/2000.

2.2 Potência em Sistemas de Energia Eléctrica

Os sistemas de energia eléctrica actualmente existentes funcionam, na sua quase totali-

dade, em corrente alternada – com uma frequência de 50 Hz na Europa de 60 Hz nos

EUA12 – existindo contudo casos especiais em que se utiliza a corrente contínua.

2.2.1 Potência Activa e Reactiva

Considere-se um sistema monofásico de corrente alternada representado na Figura 2.2,

constituído por um gerador e uma carga. Admite-se que o gerador aplica uma tensão v à

carga, representada por uma impedância constante Z.

Ze ~+

-

i

v

Figura 2.2 – Sistema monofásico em corrente alternada.

12 Em alguns países – nomeadamente o Japão – coexistem as duas frequências.

Page 26: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 20

Admita-se que os valores instantâneos da tensão v e da corrente i são sinusoidais, com

valores eficazes V e I, respectivamente, e frequência angular ω:

tsenVv 2 ω= (2.3)

)t(senIi 2 φω −= (2.4)

f2πω = (2.5)

onde f é a frequência, e φ o ângulo de desfasagem entre a tensão e a corrente, conside-

rado positivo quando a carga é indutiva.

A potência instantânea p transferida do gerador para a carga é o produto da tensão v pela

corrente i:

( )

( )φωφφωω

−−=−==

tcosIVcosIVtsentsenIV2ivp

2 (2.6)

Estas grandezas estão representadas na Figura 2.3a.

A equação anterior pode ser transformada em:

( ) 444 3444 214444 34444 2121 p

tsensenIVp

tcos1cosIVp 22 ωφωφ −−= (2.7)

A representação gráfica de p e das componentes p1 e p2 consta da Figura 2.3b.

VI cosφ

p

i

ωt

p

p2

p1

v

ωt P=VI cosφ

Q=VI senφ

Figura 2.3 – Tensão, corrente e potência num circuito monofásico.

Page 27: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 21

A componente p1 oscila em torno do valor médio φcosIV com frequência angular 2ω,

nunca mudando de sinal. A componente p2 oscila com idêntica frequência, possui um va-

lor médio nulo e um valor máximo φsenIV .

Definam-se agora as grandezas:

• Potência activa

φcosIVP = (2.8)

• Potência reactiva

φsenIVQ = (2.9)

Então, a equação (2.7) escreve-se:

( ) tsenQtcos1Pp 22 ωω −−= (2.10)

A grandeza φcos designa-se por factor de potência.

A potência activa P é o valor médio da potência instantânea e corresponde por conseguin-

te à potência que é efectivamente transferida. A potência reactiva Q é o valor máximo da

componente da potência que oscila entre o gerador e carga, cujo valor médio é nulo, re-

sultante da variação da energia magnética ou eléctrica armazenada nos elementos induti-

vos ou capacitivos, respectivamente, da impedância de carga.

A unidade de potência é, como já referido, o Watt=Volt.Ampere. Na prática dos SEE, no

entanto, distinguem-se as unidades de potência activa e de potência reactiva. Para a pri-

meira, reserva-se o Watt (W) e seus múltiplos (kW, MW, GW, TW); para a segunda usa-

se o Volt.Ampere reactivo (VAr) e seus múltiplos (kVAr, MVAr, GVAr, TVAr).

Regressando às equações (2.8) e (2.9) e notando que φ pode variar de +π/2 (carga induti-

va pura) a – π/2 (carga capacitiva pura) verifica-se que, enquanto P é sempre positivo, Q

pode ser positivo ou negativo. Será positivo se a carga for indutiva (φ>0), negativo se a

carga for capacitiva (φ<0) e nulo se a carga for resistiva (φ=0). Na prática dos SEE diz-se,

convencionalmente, que uma carga indutiva absorve potência reactiva e uma carga capa-

citiva gera potência reactiva.

Page 28: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 22

2.2.2 Potência Complexa e Aparente

Usando a notação simbólica, a tensão e a corrente escrevem-se (admitindo argumentos

arbitrário δ e β para a tensão e corrente, respectivamente)13:

δjeV=V (2.11)

βjeI=I (2.12)

O diagrama de fasores correspondente está representado na Figura 2.4.

δ φ

β

V

I

Im

Re Figura 2.4 – Diagrama de fasores para a tensão e a corrente.

A potência complexa S é definida pelo produto do fasor tensão pelo conjugado do fasor

corrente

∗= IVS (2.13)

Substituindo as equações (2.11) e (2.12) em (2.13) obtém-se:

φφ

φβδβδ

senIVjcosIVeIVeIVeIeV j)(jjj

+==== −−S (2.14)

Atendendo à definição de potência activa e reactiva, tem-se:

QjP +=S (2.15)

A potência complexa S é, assim, uma grandeza complexa cuja parte real é a potência ac-

tiva P e cuja parte imaginária é a potência reactiva Q.

13 Os fasores (grandezas complexas) são representados em tipo carregado; os respectivos módulos (bem

como outras grandezas reais) em tipo normal.

Page 29: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 23

O módulo da potência complexa é a potência aparente, ou seja, o produto dos módulos da

tensão e da corrente:

IVQP 22 =+=S (2.16)

A potência aparente exprime-se em VA (Volt.Ampere) e nos seus múltiplos kVA, MVA,

GVA e TVA.

O factor de potência já atrás referido corresponde ao quociente entre a potência activa e a

potência aparente.

Se relacionarmos a tensão e a corrente por meio da impedância de carga Z (ou admitân-

cia Y=1/Z), obtemos expressões alternativas para a potência complexa.

Com efeito:

IZ V = (2.17)

VYI = (2.18)

Substituindo na equação (2.13):

2V∗∗∗ == YVYVS (2.19)

2IZIIZS == ∗ (2.20)

Admitindo que a carga é constituída por uma resistência R em paralelo com uma reactân-

cia X, por aplicação da equação (2.19) os valores das potências activa e reactiva consu-

midas são:

R

VP

2

= (2.21)

X

VQ

2

= (2.22)

Admitindo que a carga é um condensador de capacidade C, a utilização da equação

(2.19) fornece o valor da potência reactiva gerada:

2VCQ ω−= (2.23)

Se a carga for constituída por uma resistência R em série com uma reactância X, a apli-

cação da equação (2.20) conduz aos valores das potência activa e reactiva consumidas:

Page 30: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 24

2IRP = (2.24)

2IXQ = (2.25)

Se, ao invés, forem conhecidas as potência activa e reactiva de carga para um dado valor

da tensão ou da corrente, as equações (2.19) e (2.20) permitem calcular o valor da admi-

tância ou impedância correspondente, respectivamente:

22 VQjP

V−

==∗S

Y (2.26)

22 I

QjPI

+==

SZ (2.27)

2.3 Sistema Eléctrico Trifásico

2.3.1 Tensão e Corrente

A energia eléctrica é produzida, transportada e distribuída em sistemas eléctricos trifási-

cos. As máquinas trifásicas – geradores e transformadores – fazem um melhor uso dos

materiais – cobre e ferro – o que reduz as dimensões e o peso, conduzindo a uma rela-

ção custo/potência menor. As linhas eléctricas trifásicas de alta ou média tensão são

constituídas apenas por três condutores, não sendo necessário o neutro, uma vez que o

retorno da corrente numa fase é assegurado pelas outras. Daqui resulta uma economia

significativa, se compararmos uma linha trifásica com três linhas monofásicas, transferin-

do a mesma potência.

Como vimos na secção anterior, a potência eléctrica num sistema monofásico tem natu-

reza oscilante, o que não sucede em sistemas trifásicos, como se mostrará à frente. Esta

característica, se não tem inconvenientes em muitas aplicações, como sejam aquecedo-

res, aparelhos de iluminação ou equipamento electrónico, é indesejável em motores eléc-

tricos – que constituem a parcela mais significativa da carga ligada à rede – por conduzir

a um binário motor também oscilante.

Um gerador trifásico com os enrolamentos ligados em estrela – Figura 2.5a – produz três

forças electromotrizes (tensões em vazio) com frequência angular f2πω = , iguais em

módulo e desfasadas de 2π/3 (=120º) – Figura 2.5b – na qual as três fases são designa-

Page 31: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 25

das por a, b e c (a fase a, dita de referência, possui argumento nulo). O diagrama de faso-

res correspondente está representado na Figura 2.5c.

Ea

Ec

Eb

120o

120o

120o

ca

ea

b

a~ +-

~ +-

~ +- c

n

ec

eb

ωt

eb ecea

b

ωt

Figura 2.5 – Gerador trifásico: a) Esquema equivalente; b) Variação no tempo das f.e.m.; c) Diagrama de fasores.

A sequência de fases é tal que a fase b está em atraso em relação à fase a e a fase c em

atraso em relação à fase b. Esta sequência é importante em algumas aplicações: num

motor eléctrico, ela determina o sentido de rotação.

Na Figura 2.6 representa-se um sistema de corrente alternada trifásica constituido por um

gerador e uma carga simétrica, representada por uma impedância igual em cada uma

das fases. Admitiu-se que, como é normal, o ponto neutro n está ligado à terra.

Z

Z

Z

ea

b

a~ +-

~ +-

~ +- c

n

ec

eb

ic

ia

ib

vavbvc

Figura 2.6 – Sistema trifásico simétrico.

As três tensões simples ou fase-neutro são:

Page 32: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 26

)t(senVv

)t(senVv

tsenVv

322

322

2

c

b

a

πω

πω

ω

+=

−=

=

(2.28)

onde V é o valor eficaz . Em notação simbólica:

32

32

0

π

π

j

j

j

eV

eV

eV

=

=

=−

c

b

a

V

V

V

(2.29)

Num sistema trifásico, o valor nominal é definido para as tensões fase-fase (ou tensões

entre fases ou tensões compostas,) representadas na Figura 2.7:

acca

cbbc

baab

VVVVVV

VVV

−=−=

−=

(2.30)

Ic

Vab

Vb

Vc

Va

Vbc

φ

Ia

Vca

Ib

30o

φ

φ

Figura 2.7 – Fasores de tensão (simples e composta) num sistema trifásico simétrico.

O valor eficaz das tensões fase-fase é:

V

cosVVVVV cabcabc

3

62

=

==== π (2.31)

Sendo a carga simétrica, as correntes nas três fases escrevem-se:

)t(senIi

)t(senIi

)t(senIi

322

322

2

c

b

a

φπω

φπω

φω

−+=

−−=

−=

(2.32)

Page 33: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 27

A soma das correntes nas três fases é nula, logo não é necessário um condutor ligando o

neutro do gerador com o da carga. Os dois neutros estão ao potencial da terra, quer no

gerador quer na carga, ainda que porventura não estejam fisicamente ligados a ela.

Num sistema trifásico simétrico, todas as tensões simples podem ser medidas em rela-

ção a um neutro, que tem o mesmo potencial – zero – ao longo de todo o sistema.

2.3.2 Potência Activa e Reactiva

A potência transferida do gerador para a carga será:

ccbbaa ivivivp ++= (2.33)

Substituindo as equações (2.28) e (2.32) na equação (2.33), após alguma manipulação,

vem:

φcosIV3p = (2.34)

A potência trifásica instantânea é portanto constante e igual a três vezes a potência activa

por fase. Em termos da tensão entre fases – equação (2.31) – a potência activa trifásica

escreve-se:

φcosIV3P c= (2.35)

Em face deste resultado poder-se-ia supor que a potência reactiva é irrelevante num sis-

tema trifásico, o que não é o caso. Em cada uma das fases, a potência é do tipo descrito

pela equação (2.10) sendo nula a soma das respectivas componentes oscilatórias, tal

como se verifica para as correntes.

A potência reactiva trifásica é definida como a soma algébrica das potências reactivas em

cada fase, ou seja:

φ

φ

senIV

senIVQ

c3

3

=

= (2.36)

As potências complexa e aparente para sistemas trifásicos são calculadas, respectiva-

mente, por:

QjP

senIVjcosIV cc

+=+=

= ∗

φφ 33

3 IVS

(2.37)

Page 34: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 28

223S QPIVc +== (2.38)

2.3.3 Carga Ligada em Triângulo

A carga trifásica representada na Figura 2.6 está ligada em estrela, ou seja, a tensão apli-

cada a cada impedância de carga Z é a tensão fase-neutro. Outra forma de ligar a carga é

em triângulo, como se mostra na Figura 2.8 (o gerador não está representado), situação

em que cada impedância de carga Z∆ está sujeita à tensão entre fases.

ia

ic

vbc

ibvca

Iabvab

Ica

Ibc Z∆

Z∆

Z∆

a

b

c

Figura 2.8 – Carga ligada em triângulo.

As correntes Iab e Ica são:

∆Z

VI abab = (2.39)

∆Z

VI caca = (2.40)

A corrente na linha Ia é, por conseguinte:

∆∆ Z

VZ

VVI acaaba

3=−= (2.41)

Admitindo Z∆=Z, a amplitude da corrente Ia é três vezes maior que na ligação da carga em

estrela, e o ângulo de desfasagem é idêntico.

A potência absorvida pela carga ligada em triângulo é então três vezes maior que a cor-

respondente à ligação em estrela, para o mesmo valor da impedância de carga.

Page 35: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 29

2.4 Representação do Sistema de Energia

Devido à simetria existente nas três fases num sistema trifásico equilibrado, é suficiente

determinar a tensão, a corrente e a potência na fase de referência. Nas outras duas fases

afectam-se as grandezas eléctricas (tensões e correntes) por uma desfasagem de ±120º.

É assim suficiente o uso de um esquema monofásico equivalente – no qual se representa

uma fase e o neutro – para analisar o sistema.

O esquema (ou diagrama) unifilar constitui uma representação ainda mais simples do sis-

tema de energia eléctrica. Ainda que a rede seja trifásica (excepto nos troços finais em

baixa tensão, que podem ser monofásicos ou trifásicos), usa-se apenas um traço para

representar os respectivos elementos – donde a designação de esquema unifilar. Omite-

se a representação do neutro por não conter informação relevante, pelo menos para o

cálculo em regime estacionário.

No esquema unifilar usam-se símbolos normalizados: o gerador é representado por um

círculo contendo um til (que indica corrente alternada14); o símbolo do transformador é

constituído por dois círculos parcialmente sobrepostos, que correspondem aos dois enro-

lamentos; uma linha é representada simplesmente por uma recta entre dois barramentos;

o símbolo de carga é uma seta que indicia o fornecimento de energia aos consumidores

ligados a um barramento.

Na Figura 2.9 representa-se a título de exemplo um sistema simples constituído por um

gerador alimentando uma carga através de uma linha terminada por um transformador,

usando um esquema unifilar para representar os diversos componentes. Os barramentos

são os elementos físicos que correspondem aos nós da rede.

Transformador

~Gerador

Linha

CargaBarramento

Transformador

Figura 2.9 – Gerador alimentando uma carga através de uma linha e dois transformadores.

14 Para corrente contínua, usa-se o sinal de igual (=).

Page 36: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 30

2.5 Valores por Unidade

Na análise dos SEE, em vez de quantificar as grandezas eléctricas (impedâncias, admi-

tâncias, correntes, tensões e potências) nas respectivas unidades, é preferível exprimi-las

como fracções (designadas valores p.u.) de valores de referência (designados valores de

base), tais como valores nominais ou de plena carga.

O uso de valores p.u. possui vantagens significativas, nomeadamente:

• Os SEE contêm numerosos transformadores, que complicam apreciavelmente a aná-

lise. Os valores p.u. permitem eliminar do modelo do transformador a parte referente à

relação de transformação (ou seja, o transformador ideal);

• A existência de transformadores implica a partição do SEE em áreas com diferentes

níveis de tensão. Uma tensão expressa em por unidade – por exemplo 0,95 p.u. ou

1,08 p.u. – indica imediatamente que ela está 5% abaixo ou 8% acima do valor nomi-

nal (tomado como referência), que é 1,0 p.u.;

• Os parâmetros característicos dos componentes do SEE, que variam substancial-

mente em dimensão, expressos em p.u., caem dentro de determinadas gamas de va-

lores, que se podem identificar como normais, o que facilita a detecção de erros;

• O uso do factor 3 em sistemas trifásicos é consideravelmente reduzido;

• Os valores p.u. situam-se frequentemente em torno da unidade, valor próximo do óp-

timo para o cálculo digital e para a apresentação de dados.

O valor p.u. de uma grandeza obtém-se pela fórmula básica:

basedevalor

grandezadavalor.u.pvalor = (2.42)

O valor da grandeza pode ser uma quantidade expressa em unidades do Sistema Inter-

nacional, um fasor ou número complexo referente a um circuito de corrente alternada ou

um valor instantâneo.

O valor de base é um número real, escolhido de forma a obter as vantagens do sistema

p.u.. O valor p.u. é uma quantidade adimensional, um fasor ou número complexo, ou um

valor instantâneo.

O valor de base pode ser de dois tipos:

• Base postulada;

Page 37: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 31

• Base derivada.

2.5.1 Sistemas Monofásicos

Em SEE de corrente alternada monofásica, postula-se:

• Base de tensão (kV) bV

• Base de potência (MVA) bS

Os valores de base derivados são:

• Base de corrente (kA)

b

bb V

SI = (2.43)

• Base de impedância (Ω)

bb

b SV

IV

Z2

bb == (2.44)

• Base de admitância (S)

2

bb VS

VI

Y bbb == (2.45)

Em valores p.u., obtém-se então:

bVpu

VV = (2.46)

bII

I =pu (2.47)

∗=== pupubbb

pu IVSIV

IVSS

* (2.48)

2

b

b

bpu V

SZ

ZZ

Z == (2.49)

Page 38: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 32

b

2b

bpu S

VY

YY

Y == (2.50)

Por vezes é necessário converter uma impedância ou uma admitância expressa em p.u.

numa dada base (designada por ‘) para outra base (designada por ‘’). Atendendo às equa-

ções (2.49) e (2.50), é fácil verificar que:

2''

b

2'b

'b

''b

pupuV

VSS

ZZ ′=′′ (2.51)

2

b

2b

b

bpupu V

VSS

′′′

′′′

′=′′ YY (2.52)

2.5.2 Sistemas Trifásicos

Para sistemas trifásicos, toma-se para base a potência trifásica e a tensão entre fases:

bbb IV3S = (2.53)

Daqui resulta, para a corrente de base:

b

bb

V3

SI = (2.54)

A impedância de base é dada pela equação:

b

2b

b

b

b

b

bb S

V

V3

S3

V

I3

VZ === (2.55)

que é idêntica à equação (2.41).

A tensão e corrente em p.u. exprimem-se por:

bV

3pu

VV = (2.56)

b

pu II

I = (2.57)

e a potência complexa por:

Page 39: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 33

∗∗∗

==== pupubbbbb

puIV3

33

IV3

3S

IVIVIVS

S (2.58)

Note-se que, usando valores p.u., esta equação coincide com a que se aplica a um sis-

tema monofásico. Quanto à impedância e admitância também se mantêm as equações

(2.49) e (2.50).

2.6 Transmissão de Energia

2.6.1 Em Corrente Alternada

Considere-se o circuito da Figura 2.10, que representa o esquema monofásico equivalen-

te de uma linha de transmissão de energia ligada entre os nós 1 e 2 – a qual numa primei-

ra aproximação se modela por um elemento indutivo com reactância X.

S12

I

S21

jX

V2 V1

Figura 2.10 – Transmissão de energia através de um elemento indutivo.

Pretende-se estabelecer a relação entre as potências activa e reactiva que transitam na

linha e as tensões nos nós entre os quais ela está ligada.

A corrente que percorre a linha, definida como positiva quando flui do barramento 1 para o

2, é dada por:

Xj

2VVI 1 −= (2.59)

A potência complexa na emissão 12S , convencionalmente positiva no sentido 1→2, será:

Xj

VXj

212

1112 −−

=−

−==

∗∗∗

*211 VVVV

VIVS (2.60)

Page 40: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 34

Uma vez que:

1j1 eV δ=1V (2.61)

2j2 eV δ=2V (2.62)

resulta:

δ

δδ

j21

)(j21

eVV

eVV 21

=

= −*21 VV

(2.63)

onde 21 δδδ −= é o ângulo de desfasagem entre as tensões no nó 1 (emissor) e no nó 2

(receptor).

Substituindo a equação (2.60) na equação (2.57), obtém-se:

XcosVVV

jXsenVV

X)senj(cosVVV

j

212

121

212

112

δδ

δδ

−+=

+−=S

(2.64)

As potências activa e reactiva na emissão são então dadas por:

δsenXVV

P 2112 = (2.65)

X

cosVVVQ 21

21

12δ−

= (2.66)

De forma análoga se deduzem as potências activa e reactiva na recepção, convencio-

nalmente positivas no sentido 2→1, obtendo-se:

δsenXVV

P 2121 −= (2.67)

X

cosVVVQ 21

22

21δ−

= (2.68)

Somando as equações (2.62) e (2.63) com (2.64) e (2.65), respectivamente, obtém-se:

0PPP 2112L =+= (2.69)

X

cosVV2VVQQQ 21

22

21

2112Lδ−+

=+= (2.70)

Page 41: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 35

PL e QL são respectivamente as perdas de potência activa e reactiva na linha. Dado que

desprezamos a resistência, as perdas de potência activa são nulas. As perdas de potên-

cia reactiva não correspondem na realidade a perdas energéticas, dada a natureza deste

tipo de potência. Contudo, o balanço de potência reactiva tem de ser fechado, tal como o

de activa.

A equação (2.65) indica que o sentido do trânsito de potência activa é essencialmente de-

terminado pelo ângulo de desfasagem δ entre as tensões nos barramentos de emissão e

de recepção: se δ>0, ou seja, se a tensão na emissão estiver em avanço em relação à

tensão na recepção, o trânsito é no sentido 1→2; se δ<0, o trânsito é no sentido 2→1.

As amplitudes das tensões V1 e V2 não determinam o sentido do trânsito de potência acti-

va. Em contrapartida, influenciam o sentido do trânsito de potência reactiva, cujo valor

médio, usando as equações (2.63) e (2.65), é:

X2VV

2QQ

Q2

22

12112med

−=

−= (2.71)

Verifica-se assim que, se V1>V2, o trânsito de potência reactiva é no sentido 1→2; se

V1<V2, o trânsito é no sentido 2→1. Se as tensões forem iguais em amplitude nos dois

extremos , V1=V2=Vn, então:

0Qmed = (2.72)

Embora a potência média seja nula, o mesmo não se passa com a potência reactiva nos

extremos, que as equações (2.66) e (2.68) mostram ser iguais:

X

)cos1(VQQ

2n

2112δ−

== (2.73)

Então, a respectiva soma corresponde às perdas de potência reactiva, que é consumida

na reactância da linha:

X

)cos1(V2Q

2n

Lδ−

= (2.74)

O valor das perdas de potência reactiva pode em alternativa ser calculado pela equação

(2.25). Sendo a amplitude da corrente no circuito dado por:

[ ] 2/1)cos(1221 δδδ −=−=−

=X

Vee

XV

XI njjn21 VV

(2.75)

Page 42: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 36

obtém-se:

X

VXIQ n

L)cos1(2 2

2 δ−== (2.76)

2.6.2 Em Corrente Contínua

A corrente contínua tem aplicação em casos específicos, nomeadamente, o transporte a

longa distância e a interligação assíncrona de redes (que podem mesmo ter frequências

diferentes).

Uma linha em corrente contínua, em regime estacionário, é simplesmente caracterizada

pela sua resistência R não tendo aplicação os conceitos de reactância e de potência re-

activa. Então, se as tensões nos extremos emissor e receptor forem V1 e V2, respectiva-

mente, a corrente na linha é dada por:

R

VVI 21 −= (2.77)

As potências nos dois extremos são:

R

VVVIVP 21

21

112−

== (2.78)

R

VVVIVP 21

22

221−

=−= (2.79)

Somando P12 e P21, obtêm-se as perdas:

22

212112L IR

R)VV(

PPP =−

=+= (2.80)

O valor médio da potência transitada é dado por:

R2VV

2PP

P2

22

12112med

−=

−= (2.81)

Constata-se desta equação que o trânsito de potência (activa) é regulável através da ten-

são nos extremos da linha, ao invés do que sucede em corrente alternada. Assim, se

V1>V2, o trânsito de potência é no sentido 1→2; se V1<V2, o trânsito é no sentido 2→1.

Page 43: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Conceitos Básicos 37

2.7 Sumário

Neste capítulo foram apresentados alguns conceitos básicos de engenharia electrotécni-

ca, com interesse para a análise de redes e sistemas de energia eléctrica.

Os SEE existem para disponibilizar energia e potência aos consumidores, donde estas

grandezas assumem importância primordial. Dado o uso universal da corrente alternada,

torna-se necessário estabelecer os conceitos de potência activa, reactiva, complexa e

aparente.

Pelas vantagens que apresentam, os sistemas trifásicos são o padrão na produção,

transporte e distribuição de electricidade – exceptuando a baixa tensão na qual são tam-

bém usados sistemas monofásicos. Os conceitos de tensão simples (fase-neutro) e

composta (fase-fase), bem como de potência trifásica activa e reactiva foram estabeleci-

dos e aplicados a redes simples. Foi ilustrada a representação de sistemas trifásicos por

meio de esquemas monofásicos equivalentes e de esquemas unifilares.

A expressão das grandezas eléctricas em valores por unidade apresenta vantagens in-

questionáveis na análise de sistemas eléctricos de energia, das quais resulta a sua adop-

ção generalizada e, por conseguinte, a sua inclusão neste capítulo.

Analisou-se a finalizar a transmissão de energia em corrente alternada, evidenciando-se a

relação da potência activa com os argumentos das tensões, e da potência reactiva com

as respectivas amplitudes. Comparou-se com a transmissão em corrente contínua, na

qual as tensões nos extremos definem a potência transmitida e o respectivo sentido.

Page 44: Fundamentos Energia Electrica
Page 45: Fundamentos Energia Electrica

CAPÍTULO 3

MÁQUINAS ROTATIVAS E

TRANSFORMADOR

Neste capítulo trataremos da máquina síncrona, universalmente utilizada como gerador

(podendo também ser usada como motor), do transformador, que permite alterar o nível

de tensão ao longo da rede, e ainda da máquina assíncrona, de uso generalizado como

motor (e limitado como gerador).

Estabeleceremos os princípios de funcionamento e os modelos matemáticos simplifica-

dos destes componentes, aplicáveis à análise do sistema eléctrico em regime estacioná-

rio.

Serão ainda tipificadas as cargas ligadas à rede, e formulados os modelos matemáticos

pertinentes.

3.1 Máquina Síncrona

3.1.1 Introdução

A quase totalidade da energia eléctrica é produzida por geradores síncronos ou alternado-

res trifásicos, que assim se constituem como os elementos – matriz dos Sistemas de

Energia Eléctrica.

A máquina síncrona é um equipamento complexo e versátil, baseado na lei da indução

electromagnética, devida a Faraday. A designação síncrona resulta de este tipo de máqui-

na rotativa, em regime estacionário, funcionar com velocidade e frequência constantes,

em sincronismo com todas as outras ligadas à mesma rede.

Um gerador recebe energia mecânica da máquina motriz – turbina hidráulica, de vapor ou

de gás para potências elevadas, motor térmico alternativo, turbina de gás ou turbina eólica

para potências mais baixas – e entrega energia eléctrica à rede à qual está ligado, com

Page 46: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 40

um rendimento energético muito elevado. A máquina síncrona pode no entanto também

funcionar como motor – absorvendo energia eléctrica da rede e fornecendo energia me-

cânica a uma carga ligada ao seu veio. Neste modo de funcionamento, a máquina recebe

a designação de motor síncrono15.

Numa instalação eléctrica de produção – designada usualmente por central eléctrica –

existem um ou mais geradores síncronos em paralelo, cuja potência unitária pode atingir

as centenas – ou mesmo o milhar – de MVA. A designação usual radica na filosofia de

produção centralizada, de grande escala, que tradicionalmente caracteriza o SEE. Note-

se contudo que em anos recentes se tem expandido a produção em escala mais reduzi-

da, e próxima dos centros de consumo, usando a cogeração – produção combinada de

energia eléctrica e térmica – e as energias renováveis.

3.1.2 Princípio de Funcionamento

Uma máquina síncrona é constituída por uma massa metálica fixa – estator – na qual está

instalado o enrolamento induzido e por uma massa metálica rotativa – rotor – no qual está

bobinado o enrolamento indutor ou de excitação. Na Figura 3.1 representa-se esquemati-

camente uma secção transversal de uma máquina trifásica com um par de pólos.

N

S

c’ b

a

cb’

a’

Figura 3.1 – Máquina síncrona trifásica elementar.

O enrolamento indutor é percorrido por uma corrente contínua, fornecida por uma fonte

auxiliar a qual dá origem a um fluxo magnético, que se fecha através do entreferro e do

estator. Devido à forma construtiva da máquina, a distribuição espacial da indução mag-

nética é aproximadamente sinusoidal, como se mostra na Figura 3.2a. Uma vez que o

rotor, accionado pela máquina motriz, roda com velocidade constante, cria-se no entrefer-

ro um fluxo magnético girante.

15 O tipo de motor eléctrico de uso generalizado é o motor assíncrono.

Page 47: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 41

2ππ0 θ

ba

t

B e

Figura 3.2 – a) Distribuição espacial do fluxo magnético; b) Tensão induzida.

O enrolamento do estator é constituído por bobinas, alojadas em cavas, que cobrem toda

a sua superfície interior. A bobina pertencente a uma fase é colocada em cavas diame-

tralmente opostas, sendo os condutores longitudinais paralelos ao veio da máquina. De

acordo com a lei de Faraday, o fluxo magnético girante induz uma tensão nessa bobina,

representada na Figura 3.2b, a qual dará origem a uma corrente num circuito exterior liga-

do entre os respectivos terminais. Dado que está sujeito a um fluxo magnético variável, o

estator é constituído por lâminas de ferro, por forma a reduzir as perdas por correntes de

Foucault.

Os enrolamentos das três fases estão espacialmente desfasados de 120º para que, com

a rotação uniforme do rotor, sejam produzidas tensões induzidas desfasadas de 120º no

tempo, constituindo um sistema trifásico simétrico.

Para uma máquina com um par de pólos, a frequência da tensão induzida em ciclos por

segundo (Hz) iguala a velocidade do rotor em rotações por segundo. Assim para a fre-

quência de 50 Hz, a velocidade de rotação será 3000 r.p.m. (rotações por minuto)16.

A máquina síncrona pode ter um número mais elevado de pares de pólos. Na Figura 3.3

mostra-se uma máquina com 4 pólos, na qual cada fase consiste de um par de enrola-

mentos ocupando quatro cavas na superfície do estator – 11aa ′ e 22 aa ′ .

16 Para 60 Hz, seria de 3600 r.p.m.

Page 48: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 42

a2

N

a1

b1

c1

N

SS '

1a'2a

Figura 3.3 – Máquina síncrona com 4 pólos.

Em cada instante, são induzidas tensões iguais nos dois enrolamentos de cada fase, as

quais se somam, uma vez que aqueles estão ligados em série.

Nesta situação, a distribuição espacial da indução magnética é a que se representa na

Figura 3.4, havendo dois ciclos completos ao longo da periferia do estator. Em conse-

quência, a frequência da tensão induzida é duas vezes a velocidade em rotações por se-

gundo.

π

0 θ

a1

B

a’1 a’22π

a2

4πθm

Figura 3.4 – Distribuição espacial da indução magnética para uma máquina de 4 pólos. (θm – rad. mecânicos;θ – rad. eléctricos).

Em máquinas com mais de um par de pólos, exprimem-se os ângulos em graus eléctri-

cos em vez de graus mecânicos. Um par de pólos corresponde a 2π radianos eléctricos,

donde:

mpθθ = (3.1)

onde θ é o ângulo eléctrico, θm o ângulo mecânico e p o número de pares de pólos.

A frequência da tensão induzida é então, no caso geral, dada por:

60n

pf = (3.2)

onde f é a frequência em Hz e n a velocidade em r.p.m.

Page 49: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 43

A frequência angular ω da tensão relaciona-se por seu lado com a velocidade angular do

rotor ωr – ambas expressas em rad/s – pela expressão:

rpωω = (3.3)

Os rotores representados nas Figura 3.1 e Figura 3.3 são de pólos salientes, sendo o en-

rolamento de excitação constituído por bobinas enroladas em torno das peças polares.

Esta forma construtiva é usada para velocidade de rotação relativamente baixas, que é o

caso de geradores movidos por turbinas hidráulicas. Estas máquinas rodam com uma

velocidade baixa – 150 a 300 r.p.m. – o que torna necessário um número de pares de pó-

los elevado – 20 a 10, respectivamente.

Sendo a máquina motriz uma turbina de vapor ou de gás, rodando a velocidades elevadas

– 3000 ou 1500 r.p.m. – a força centrífuga resultante exclui o uso de pólos salientes. Usa-

se então um rotor cilíndrico, de aço maciço, com dois ou quatro pólos, com um enrola-

mento semelhante ao do estator, instalado em cavas talhadas na respectiva superfície,

como se mostra na Figura 3.5.

N

S

c’ b

a

cb’

a’

Figura 3.5 – Máquina síncrona de rotor cilíndrico com 2 pólos.

Enquanto os geradores de rotor cilíndrico – turbogeradores – são máquinas de eixo hori-

zontal, esbeltas e longilíneas, os geradores de pólos salientes são em geral máquinas de

eixo vertical, com maior diâmetro e menor comprimento axial. Neste último caso, a turbina

está colocada por baixo do gerador, sendo o peso descarregado numa chumaceira de

impulso.

Além dos enrolamentos já referidos a máquina síncrona ainda possui – excepto para po-

tências muito baixas – um enrolamento amortecedor que consiste numa gaiola em curto-

circuito, semelhante ao enrolamento do rotor da máquina assíncrona. Num gerador de

pólos salientes, o amortecedor está embebido nas faces das peças polares; num turbo-

gerador instala-se nas cavas que albergam o enrolamento de excitação.

Page 50: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 44

Em regime estacionário, o amortecedor não desempenha qualquer função, uma vez que

não é percorrido por corrente. Em regime transitório, no qual a velocidade do rotor difere

da de sincronismo, as correntes que nele são induzidas dão lugar a um amortecimento

que contribui para a estabilidade da marcha síncrona.

3.1.3 Modelo Matemático

Sendo sinusoidal a distribuição espacial da indução magnética B ao longo do entreferro,

tem-se, com referência à Figura 3.6:

αcosBB max= (3.4)

onde Bmax é o valor máximo medido no centro da cabeça do pólo e α o ângulo medido em

radianos eléctricos a partir do eixo magnético do rotor.

N

S

eixo magnéticodo rotor

θ=ωta

eixo magnético dafase a do estator

a’

α

r

Figura 3.6 – Máquina síncrona bipolar com bobina estatórica de N espiras.

O fluxo magnético por pólo é o integral da indução magnética ao longo da área polar:

rB2drcosB max

2

2max ll == ∫−

ααΦπ

π (3.5)

onde l é o comprimento axial do estator e r o seu raio no entreferro.

Para uma máquina com p pares de pólos:

p

rB2 max l=Φ (3.6)

porque a área polar é 1/p vezes a de uma máquina bipolar com o mesmo diâmetro e

comprimento.

Page 51: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 45

O fluxo ligado com a fase a do estator λ, admitindo que o enrolamento do estator tem N

espiras, é dado por:

θΦλ cosN= (3.7)

onde θ é o ângulo do eixo magnético do rotor, medido a partir do eixo magnético do enro-

lamento da fase a do estator.

Quando o rotor roda com a velocidade angular ω, tem-se:

tp r ωωθ == (3.8)

logo:

tcosN ωΦλ = (3.9)

Pela lei de Faraday, a tensão induzida é o simétrico da derivada do fluxo ligado em ordem

ao tempo:

( )2tcosN

tsenNtd

de

πωΦω

ωΦωλ

−=

=−= (3.10)

A tensão induzida – designada força electromotriz (f.e.m.) – é sinusoidal com frequência

angular ω e valor eficaz:

2

NE

Φω= (3.11)

Trata-se da f.e.m. fase-neutro. O correspondente valor entre fases obtém-se multiplican-

do por 3 . Sendo tanto o fluxo como a f.e.m. grandezas sinusoidais, podemos represen-

tá-las por fasores, como se pode observar na Figura 3.7, na qual se definiram os eixos

directo d e de quadratura q, desfasados de 90º eléctricos.

eixo qE

eixo d

Φ

Page 52: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 46

Figura 3.7 – Representação por fasores do fluxo e da f.e.m.

Estando o gerador em carga, alimentando um circuito exterior trifásico simétrico, o enro-

lamento estatórico é percorrido por um sistema de correntes trifásicas simétricas. Ora,

um sistema de correntes iguais em módulo e desfasadas temporalmente de ±120º, circu-

lando em três enrolamentos desfasados espacialmente de ±120º, dão lugar a um campo

girante no entreferro à velocidade de sincronismo, o qual se adiciona ao campo devido à

corrente de excitação. Este fenómeno é designado reacção do induzido.

O fluxo resultante da reacção do induzido, visto do enrolamento aa’, é uma combinação

dos três fluxos individuais devidos às correntes no estator ia, ib e ic, podendo exprimir-se

por:

cba

cacbabar

iMiMiL

iMiMiL

++=

++=λ (3.12)

onde L e M=Mab=Mac são respectivamente, as indutâncias própria e mútua (iguais devido

à simetria da máquina). Em regime trifásico simétrico a soma das três correntes no esta-

tor é nula:

0iii cba =++ (3.13)

donde resulta:

( ) ar iML −=λ (3.14)

A tensão induzida devida a este fluxo magnético é:

( )tdid

MLtd

de ar

r −−=−= λ (3.15)

A tensão aos terminais do gerador em carga obtém-se somando a f.e.m. devida ao indu-

tor com a queda de tensão devida à reacção do induzido:

( )tdid

MLeeev ar −−=+= (3.16)

Dado que se trata de grandezas sinusoidais, podemos representá-las por fasores (para

simplificar a notação, deixou-se cair o índice a da corrente na fase de referência):

( )IE

IEV

sXjMLj

−=−−= ω

(3.17)

Page 53: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 47

A grandeza Xs recebe o nome de reactância síncrona. Note-se que nesta grandeza está

incluída a reactância de dispersão do enrolamento do estator, a qual não foi considerada

na análise anterior.

A máquina síncrona em regime estacionário (trifásico simétrico) pode então ser represen-

tada pelo esquema monofásico equivalente da Figura 3.8a – uma f.e.m. em série com a

reactância síncrona – ao qual corresponde o diagrama de fasores da Figura 3.8b.

I

b

E

ISjXV

SjX

~+

-

a

E V

I

q

d

Referência

Figura 3.8 – Gerador síncrono: a) Esquema monofásico equivalente; b) Diagrama de fasores.

A reactância síncrona é normalmente expressa em p.u., referida aos valores nominais da

potência aparente Sn (MVA) e da tensão Vn (kV) da máquina. O respectivo valor expresso

em Ω pode obter-se por:

n

2n

puss SV

XX = (3.18)

Desprezou-se a resistência dos enrolamentos – cujo valor é pequeno face à reactância –

e admitiu-se que a corrente I está desfasada em atraso do ângulo φ relativamente à ten-

são aos terminais V. O ângulo δ entre a tensão V e a f.e.m. E designa-se por ângulo de

potência.

3.1.4 Características em Vazio e em Curto-Circuito

A característica em vazio é a curva da f.e.m. (tensão em vazio) em função da corrente de

excitação, estando a máquina a rodar à velocidade nominal (de sincronismo), movida pela

máquina de accionamento.

Page 54: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 48

A característica em curto-circuito, por seu lado, é a curva da corrente no estator em fun-

ção da corrente de excitação, com a máquina rodando à velocidade síncrona e os enro-

lamentos do estator em curto-circuito.

Na Figura 3.9 apresentam-se formas típicas destas características, que se podem deter-

minar experimentalmente. A característica em vazio exibe uma zona linear (cuja tangente

é a recta de entreferro), para valores relativamente baixos da corrente de excitação. Após

esta zona, quando o fluxo magnético excede um determinado valor limite, manifesta-se a

não-linearidade resultante da saturação do ferro.

A característica em curto-circuito é linear, uma vez que, tendo o fluxo magnético um valor

muito baixo nesta situação, não se manifesta o fenómeno da saturação.

Para a operação próxima da tensão nominal – em que se manifesta a saturação – assu-

me-se que a máquina é equivalente a uma outra sem saturação, caracterizada por uma

recta de magnetização, passando pelo origem e pelo ponto correspondente à tensão no-

minal (1,0 p.u.), tal como se mostra na Figura 3.9.

Da equação (3.17), sendo nula a tensão aos terminais V, obtém-se para a reactância sín-

crona saturada (em p.u.):

cccc

s IIE

X1== (3.19)

O valor da reactância síncrona não saturada, superior ao da reactância não saturada pode

calcular-se pelo inverso da corrente de curto-circuito correspondente à corrente de exci-

tação que conduz à tensão nominal em vazio, usando a recta de entreferro:

cc

nss I

X′

= 1 (3.20)

Page 55: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 49

1,0

I’cc

Recta do entreferro

F.e.m.(pu)

Corrente de excitação (p.u.)

Característica em curto-circuito

Característica em vazio

Corrente de curto circuito (p.u.)

Icc

Figura 3.9 – Características em vazio e em curto-circuito de uma máquina síncrona.

3.1.5 Características em Carga

Estando a máquina síncrona a rodar à velocidade de sincronismo (que se mantém cons-

tante) e excitada de forma a apresentar em vazio a sua tensão nominal, admita-se que a

corrente de carga vai aumentando a partir de zero até atingir o seu valor nominal, com um

factor de potência constante.

Do diagrama de fasores da Figura 3.8, podemos retirar as equações:

φδ cosIXsenE s= (3.21)

φδ senIXVcosE s+= (3.22)

Resolvendo em ordem a V e eliminando o ângulo δ, obtém-se:

φφ senIXcosIXEV s222

s2 −−= (3.23)

Supondo constante a corrente de excitação, a f.e.m. E também o é, logo a tensão aos

terminais V vai experimentar uma variação. Se se pretender manter constante a tensão

aos terminais, então há que actuar sobre a corrente de excitação.

3.1.6 Potência Activa e Reactiva

Tomando a tensão aos terminais V como referência, podemos calcular a potência com-

plexa fornecida pelo gerador por:

Page 56: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 50

φφ jj0jGG eIVeIeVQjP ===+= ∗IVSG (3.24)

donde se retiram os valores das potência activa e reactiva:

φcosIVPG = (3.25)

φsenIVQG = (3.26)

Substituindo as equações (3.21) e (3.22) nas equações (3.25) e (3.26) respectivamente,

obtém-se:

δsenXVE

Ps

G = (3.27)

( )VcosEXV

Qs

G −= δ (3.28)

As duas equações acima revelam importantes características do gerador síncrono. A pri-

meira diz-nos que o valor máximo teórico (na prática limitado a cerca de metade) da po-

tência activa que a máquina pode fornecer ocorre para δ=π/2 e é dado pela expressão:

s

max XVE

P = (3.29)

Sendo o gerador um conversor mecano-eléctrico, a potência activa fornecida é (aparte as

perdas) igual à potência mecânica entregue pela máquina motriz: o ângulo de potência δ é

o que resulta da aplicação da equação (3.27).

A potência reactiva depende da diferença:

VcosE −= δ∆ (3.30)

Admitindo constante a tensão aos terminais V, a potência reactiva é controlável através da

corrente de excitação, que determina a f.e.m. E. A excitação normal é definida para 0=∆ ,

ou seja:

VcosE =δ (3.31)

Se a corrente de excitação for aumentada, resulta:

VcosE >δ (3.32)

Page 57: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 51

Nesta condições, a máquina fica sobreexcitada e fornece potência reactiva. Em

contrapartida, se a máquina estiver subexcitada, absorve potência reactiva, uma vez que:

VcosE <δ (3.33)

Na Figura 3.10 mostra-se a curva limite de funcionamento de um gerador síncrono. A cur-

va é constituída por três zonas, respectivamente (a), (b) e (c). A primeira corresponde à

corrente de excitação máxima, limitada pelo aquecimento do enrolamento de excitação. A

segunda é o lugar geométrico de corrente do estator (ou potência aparente) máxima, limi-

tada pelo aquecimento deste enrolamento. Na terceira, na qual a máquina se encontra

fortemente subexcitada, o limite resulta da exigência de manutenção da estabilidade da

marcha síncrona (ver adiante Secção 3.1.9).

Q (p.u.)

(a)

(b)

(c)

1,0 P(p.u.)

Figura 3.10 – Diagrama P-Q de um gerador síncrono (curva limite).

3.1.7 Efeito da Saliência

O modelo desenvolvido não tem em conta a diferença entre a relutância do circuito mag-

nético segundo os eixos directo d e de quadratura q, que assumem particular importância

nas máquinas de pólos salientes. Esta diferença resulta de que o corpo do rotor tem uma

permeabilidade magnética muito mais elevada que a do ar. Mesmo para máquinas de ro-

tor cilíndrico, a relutância do circuito magnético não é rigorosamente igual segundo os

dois eixos, devido às cavas que albergam o enrolamento de excitação.

Page 58: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 52

A desfasagem da corrente em relação à f.e.m. (φ+δ na Figura 3.8b) afecta por conseguin-

te o fluxo magnético devido à reacção do induzido, o qual pode ser decomposto em duas

componentes, conforme é aparente na Figura 3.11.

Bd

Bq

a

eixo q

a’B2

eixo d

B1

Figura 3.11 – Decomposição do fluxo magnético em duas componentes.

Definem-se assim duas reactâncias síncronas Xd e Xq, segundo os eixos d e q, respecti-

vamente. Decompondo igualmente a corrente I em duas componentes Id e Iq:

qd III += (3.34)

A tensão aos terminais V é igual à f.e.m. E, adicionada das quedas de tensão dIdjX− e

qIqjX− :

qd IIEV qd XjXj −−= (3.35)

Esta equação está traduzida graficamente no diagrama de fasores da Figura 3.12.

d

Referência

Iq Vq Eqd

j(Xd-Xq)Id

Eq

jXqI jXqIq

jXdIdV

Vd

IdI

δφ

Figura 3.12 – Diagrama de fasores para uma máquina de pólos salientes.

A equação (3.35) pode rescrever-se:

Page 59: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 53

( )

( ) d

dd

IIE

I-IIEV

qdq

qd

XXjjX

XjXj

−−−=

=−−= (3.36)

Definindo o fasor qdE por:

IVEqd qXj+= (3.37)

obtém-se:

dqd IEE )Xj(X qd −+= (3.38)

Uma vez que dI)Xj(X qd − é colinear com E, o mesmo sucede a qdE . Então, em módu-

lo:

dqdqd I)X(XEE −+= (3.39)

Tomando a tensão aos terminais V como referência, o argumento δ da f.e.m. E coincide

com o de qdE .

Da Figura 3.12 obtém-se:

δcosVIXE dd =− (3.40)

δsenVIX qq = (3.41)

e também:

( )δφ += cosIIq (3.42)

( )δφ += senIId (3.43)

Multiplicando a equação (3.42) por δcos e a equação (3.43) por δsen , e somando-as;

multiplicando a equação (3.42) por δsen e a equação (3.43) por δcos , e subtraindo-as,

obtém-se:

δδφ senIcosIcosI dq += (3.44)

δδφ senIcosIsenI qd −= (3.45)

Substituindo estas últimas equações nas equações (3.25) e (3.26) e fazendo uso das

equações (3.40) e (3.41) obtêm-se as potências activa e reactiva geradas:

Page 60: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 54

δδ 2senX1

X1

2V

senX

EVP

dq

2

dG

−+= (3.46)

+−=

q

2

d

22

dG X

senX

cosVcos

XEV

Qδδ

δ (3.47)

O primeiro termo destas equações é dominante; o segundo é devido ao efeito da saliên-

cia. Se se desprezar o efeito desta, obtém-se:

δsenX

EVP

sG = (3.48)

( )VcosEXV

Qs

G −= δ (3.49)

onde sX é a reactância síncrona (que se pode tomar aproximadamente como a média

aritmética de dX e qX ). Estas equações coincidem com as derivadas anteriormente na

Secção 3.1.6.

No Quadro 3.1 apresentam-se valores típicos de dX e qX para diversos tipos de máqui-

nas síncronas, expressos em p.u. na base da potência aparente nominal das mesmas.

Quadro 3.1 – Valores Típicos das Reactâncias das Máquinas Síncronas (p.u.).

Rotor Cilíndrico 2 pólos

Rotor Cilíndrico 4 pólos

Pólos Salientes

Xd

0,85 – 1,45 1,00 – 1,45 0,6 – 1,5

Xq

0,92 – 1,42 0,92 – 1,42 0,4 – 0,8

3.1.8 Modos de Operação

O gerador síncrono pode alimentar uma carga isolada ou, mais usualmente, estar inte-

grado numa rede à qual estão ligados outros geradores, rodando em sincronismo.

Na primeira situação – que ocorre raramente17 – o gerador tem, por si só, que manter

aproximadamente constante a frequência e a tensão aos terminais, por meio da acção de

reguladores de velocidade e de tensão, respectivamente.

17 É o caso, por exemplo, de um gerador de socorro, quando falta a alimentação da rede.

Page 61: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 55

Quando uma carga é ligada ao gerador – suposto em vazio, rodando à velocidade nominal

e apresentando a tensão nominal aos seus terminais – a corrente no estator dá lugar a

um binário resistente T (negativo), o qual impõe uma desaceleração do rotor, de acordo

com a equação:

td

dIT rω= (3.50)

onde I é o momento de inércia do grupo gerador (incluindo a máquina de accionamento) e

ωr a velocidade angular do rotor.

Uma vez que a frequência é proporcional à velocidade do rotor, a frequência vai baixar,

efeito que tem de ser corrigido através do aumento do binário fornecido pela máquina mo-

triz, ou seja da potência mecânica PM, que está relacionada com aquele pela equação:

rM TP ω= (3.51)

A ligação da carga origina também uma queda de tensão apreciável, devida à reactância

síncrona da máquina, a qual tem de ser compensada por um aumento da corrente de ex-

citação, que eleva o valor da f.e.m.

A potência activa e reactiva fornecida pelo gerador deverá ser igual à pedida pela carga,

adicionada das perdas nos circuitos de ligação.

No caso de o gerador estar integrado numa rede síncrona, antes de ser ligado pelo res-

pectivo disjuntor, tem de ser sincronizado – por meio de um dispositivo designado sincro-

nizador – o qual assegura as seguintes condições:

• A frequência do gerador e da rede são iguais;

• A sequência de fases do gerador coincide com a da tensão da rede;

• A f.e.m. do gerador e a tensão da rede têm a mesma amplitude e fase.

Uma vez o gerador ligado à rede, há que colocá-lo em carga, isto é, a fornecer potência.

Para tal, actua-se sobre a válvula de admissão da máquina de accionamento, manobra

que requer um servomotor hidráulico devido à elevada força necessária.

Se a potência do gerador for muito menor que a potência girante da rede – potência total

das máquinas em serviço – como é habitualmente o caso, a frequência do conjunto não

será significativamente afectada pelo facto de aquele ser colocado em carga. Na verdade,

a regulação de frequência é uma tarefa executada pelo conjunto dos geradores em para-

lelo, podendo contudo ser atribuída prioritariamente a alguns dentre eles.

Page 62: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 56

Note-se que a máquina síncrona pode também funcionar como motor, recebendo energia

eléctrica da rede e fornecendo energia mecânica a uma carga, como é, por exemplo o

caso das centrais hidroeléctricas com bombagem. Neste tipo de centrais, a água pode

ser bombada de uma cota mais baixa para outra mais elevada nos períodos de vazio,

para ser turbinada nos períodos de ponta. Esta operação tem interesse técnico e econó-

mico, pois a energia tem um valor consideravelmente superior nas horas de ponta. Nos

períodos em que se procede à bombagem, o gerador funciona como motor.

Usada especificamente como motor, a máquina síncrona tem uma limitação importante:

necessita de uma máquina auxiliar para a levar do repouso até à sincronização com a

rede que a alimenta.

No que respeita à potência reactiva, a máquina síncrona pode fornecê-la ou consumi-la,

tal como já foi analisado na Secção 3.1.5. A tensão no barramento da central pode ser

regulada automaticamente por meio do regulador de tensão, situação em que a potência

reactiva a fornecer ou consumir se torna uma variável dependente. Em alternativa, o ge-

rador pode ser operado com potência reactiva (ou factor de potência) constante, o que

não assegura uma tensão constante. Em qualquer dos casos, o regulador de tensão –

que é de facto um regulador de tensão-potência reactiva – actua sobre a corrente de exci-

tação.

Das equações (3.27) e (3.46) resulta que, se 0=δ , a potência activa é nula. Tal não si-

gnifica contudo que o mesmo suceda quanto à potência reactiva, a qual pode ser positiva

ou negativa (ou nula). Este é um modo de funcionamento possível para uma máquina sín-

crona, que então recebe a designação de compensador síncrono.

Um compensador síncrono permite uma variação contínua da potência reactiva fornecida

à (ou absorvida18 da) rede, através da actuação sobre a corrente de excitação – a qual

pouco afecta a potência activa. Este é um poderoso meio de regulação de tensão, que

pode ser implementado com recurso a grupos geradores que, para o efeito, funcionam

como motores em vazio, consumindo apenas uma potência activa igual às perdas. Em-

bora de uso muito limitado, a máquina síncrona também pode ser instalada para funcionar

exclusivamente como compensador síncrono.

Na Figura 3.13 apresentam-se os diagramas de fasores correspondentes aos seis modos

de funcionamento de uma máquina síncrona: gerador ou motor sobre ou subexcitado,

compensador síncrono ou reactância síncrona, respectivamente.

18 Neste caso, pode designar-se por reactância síncrona.

Page 63: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 57

φ

I

E IE

φ δ

V

Gerador sobreexcitadoPG >0 QG >0

Gerador subexcitadoPG >0 QG <0

0< δ < π/20< φ < π/2

0< δ < π/2-π/2< φ < 0

δφ

E

V

φ

I

E

V

Motor subexcitadoPG <0 QG <0

Motor sobreexcitadoPG <0 QG >0

-π/2< δ < 0π/2< φ < π

-π/2< δ < 0π < φ < 3π/2

I

E

V

Reactância síncronaPG=0 QG<0

V

E

I

Condensador síncronoPG=0 QG>0

δ = 0φ = π/2

δ = 0φ = -π/2

φ

φ

Figura 3.13 – Modos de funcionamento de uma máquina síncrona.

3.1.9 Estabilidade da Marcha Síncrona

Considere-se o gerador ligado a uma rede infinita – rede de grande potência, cuja fre-

quência e tensão não são afectadas por variações das potências activa e reactiva gera-

das, respectivamente – através de um circuito com reactância XL, como se representa na

Figura 3.14.

Page 64: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 58

V

+

E

jxL jxs

~

Figura 3.14 – Máquina síncrona ligada a uma rede infinita.

Sendo a reactância total Xs+XL, a potência activa gerada, desprezando a saliência, é dada

por (ver equação (3.27)):

δsenXX

VEP

LsG +

= (3.52)

onde V é a amplitude da tensão da rede (suposta constante) e δ o argumento da f.e.m. E,

definido em relação àquela tensão.

Na Figura 3.15 representa-se a variação da potência gerada com o argumento δ. Quando

este é positivo, a potência é positiva e a máquina funciona como gerador; quando é nega-

tivo, a potência é negativa e a máquina funciona como motor. O valor máximo da potência

ocorre para 2πδ = (funcionamento como gerador) ou para 2πδ −= (funcionamento

como motor).

Pmax

PG

δ-π/2

-Pmax

π/2

Motor Gerador

Figura 3.15 – Potência activa em função do argumento δ .

Page 65: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 59

A ligação eléctrica do gerador com a rede assemelha-se a uma ligação mecânica elásti-

ca. Define-se a rigidez eléctrica ou coeficiente de sincronismo pela derivada da potência

gerada em ordem ao ângulo de potência:

δδ

cosXX

VEPC

Ls

Gs +

=∂

∂= (3.53)

Este coeficiente é máximo quando a máquina está em vazio (δ=0), diminuindo à medida

que vai sendo carregada, em virtude do aumento de δ. O valor máximo teórico de δ é π/2

– ponto em que a máquina perde o sincronismo com a rede – não devendo na prática ex-

ceder 30-40º.

Par uma máquina de pólos salientes, considerando a saliência, a potência activa é dada

por (ver equação (3.46)):

444444 3444444 2144 344 21ba

senXXXX

Vsen

XXEV

PLdLqLd

G δδ 211

2

2

+−

++

+= (3.54)

A curva correspondente a esta equação está representada na Figura 3.16. O valor do ar-

gumento δl im, que corresponde à perda de sincronismo, pode obter-se por solução da

equação:

0PG =∂

∂δ

(3.55)

Verifica-se que δl im<π/2 e que o valor da potência correspondente é superior ao que se

obtém ignorando a saliência.

-π δ

PG

0

a

πδlim

b

Figura 3.16 – Potência activa em função do argumento δ , considerando a saliência.

Page 66: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 60

Da equação (3.52) constata-se que, para a mesma potência activa produzida, quanto

maior for a f.e.m. E, tanto menor é o ângulo de potência δ. Da equação (3.53), conclui-se

que o coeficiente de sincronismo aumenta, o que significa que a estabilidade da marcha

síncrona vem aumentada. Quando a máquina está sobreexcitada, o funcionamento é por

conseguinte mais estável, e inversamente: uma máquina subexcitada é menos estável.

3.2 Transformador

3.2.1 Introdução

O transformador é um dos componentes mais úteis dos Sistemas de Energia Eléctrica,

permitindo alterar a tensão de uma rede para o nível mais adequado à função que desem-

penha.

A tensão produzida pelos geradores situa-se na gama da média tensão – salvo os de po-

tência muito baixa, que podem operar em baixa tensão – porque esta é a tensão que op-

timiza técnica e economicamente o projecto destes equipamentos.

Assim, é usual a instalação de transformadores à saída das centrais, os quais elevam a

tensão para o nível adequado ao transporte – ou à distribuição para a produção de baixa

potência. Acresce que estes transformadores protegem os geradores contra as sobre-

tensões atmosféricas com origem na rede aos quais estão ligados.

A rede de transporte opera em muito alta tensão, conforme já anteriormente assinalado.

Esta tensão tem de ser reduzida para média tensão para efeitos de distribuição e para

baixa tensão a nível da utilização. O transformador pode ainda ser dotado de um comuta-

dor de tomadas, o que lhe permite ser utilizado como regulador de tensão.

O transformador é uma máquina estática, constituído essencialmente por dois (ou três)

enrolamentos de cobre, montados em torno de um núcleo de ferro. Este é construído em

chapa laminada, a fim de reduzir as perdas por histeresis e correntes de Foucault. O fluxo

de energia eléctrica é bidireccional, sendo designado por primário o enrolamento que re-

cebe energia e secundário o que a entrega.

Page 67: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 61

3.2.2 Princípio de Funcionamento

Considere-se um transformador monofásico ideal (sem perdas nem dispersão), repre-

sentado esquematicamente na Figura 3.17 (observe-se o sentido convencional das cor-

rentes correspondentes aos enrolamentos primário e secundário).

i1

v1 N2 v2

i2

N1

1 2

primário secundário

Φ

Figura 3.17 – Transformador ideal.

A aplicação de uma tensão alternada v1 ao enrolamento primário dá lugar a um fluxo liga-

do λ1, que com ela se relaciona pela lei de Faraday:

td

dv 1

= (3.56)

O fluxo ligado λ1 é igual ao produto do número de espiras do enrolamento N1 pelo fluxo φ

que circula no núcleo:

Φλ 11 N= (3.57)

donde:

td

dNv

Φ11 = (3.58)

O fluxo Φ é o mesmo para os dois enrolamentos, uma vez que não há dispersão. A f.e.m.

induzida no enrolamento secundário (tensão em vazio) v2 é então:

td

dN

tdd

vΦλ

22

2 == (3.59)

onde N2 é o número de espiras do enrolamento secundário.

Em regime alternado sinusoidal, o fluxo Φ e as tensões v1 e v2 têm a mesma frequência

angular ω . Usando a notação simbólica:

Page 68: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 62

FV 11 Njω= (3.60)

FV 22 Njω= (3.61)

Dividindo as duas últimas equações:

2

1

2

1

NN

VV ==

2

1

VV (3.62)

Uma vez que desprezámos as perdas, a potência complexa é igual nos dois lados do

transformador:

∗∗ = 2211 IVIV (3.63)

donde:

1

2

2

1

VV

II

=∗

(3.64)

ou seja:

1

2

2

1

NN

II

==2

1

II

(3.65)

A relação de transformação m é o quociente entre o número de espiras N1 do primário

(enrolamento que recebe energia) e do secundário N2 (enrolamento que cede energia):

2n

1n

2

1

VV

NN

m == kV/kV (3.66)

onde Vn1 é a tensão nominal primária e Vn2 a tensão nominal secundária.

Tomando para tensões de base dos lados primário e do secundário, as respectivas ten-

sões nominais:

2n2b

1n1b

VV

VV

=

= (3.67)

a relação de transformação em p.u. é:

,012

2

1

1

2

1 ===n

b

b

n

n

n

VV

VV

V

Vm

pu

pu p.u. (3.68)

Uma vez que a relação de transformação é unitária, o transformador ideal pode ser igno-

rado no esquema equivalente da rede em que esteja integrado.

Page 69: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 63

3.2.3 Corrente de Magnetização

Para assegurar um boa ligação magnética entre os dois enrolamentos do transformador,

o fluxo magnético é estabelecido num núcleo de ferro (circuito magnético), cuja permeabi-

lidade é muito superior à do ar. Na Figura 3.18 mostram-se dois tipos construtivos de

transformadores (monofásicos): o tipo core (a) e o tipo shell (b). No primeiro, o núcleo é

um anel fechado, em torno do qual são montados os enrolamentos; no segundo, o núcleo

envolve os enrolamentos.

b

Núcleo

φ

Enrolamentos

a

Núcleo

Enrolamentos

φ

Figura 3.18 – Tipos construtivos do transformador: a) Tipo core b) Tipo shell

O núcleo de ferro possui uma característica B–H não-linear (B e H são a indução ou den-

sidade de fluxo e o campo magnéticos, respectivamente): a partir de um certo valor do

campo, manifesta-se a saturação. Acresce o fenómeno da histeresis, que resulta em que

as trajectórias B–H são distintas para valores crescentes ou decrescentes do campo

magnético, conforme se representa na Figura 3.19.

B

H

Figura 3.19 – Característica magnética do núcleo do transformador.

Page 70: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 64

O fluxo magnético alternado dá lugar a perdas de energia no núcleo de ferro, devidas: (a)

à histeresis e (b) a correntes de Foucault. As primeiras resultam da dissipação de energia

usada para orientar os domínios magnéticos do material na direcção do campo; as se-

gundas são devidas a perdas de Joule provocadas pelas correntes induzidas no ferro.

Para reduzir estas, o circuito magnético é construído em chapa de ferro laminada.

Devido à não-linearidade acima referida a corrente em vazio do transformador não é uma

sinusóide perfeita, antes contém algumas harmónicas. A componente fundamental à fre-

quência nominal – designada corrente de magnetização – representa-se na Figura 3.20,

na qual se observa que pode ser decomposta numa componente em fase com a tensão,

que resulta das perdas, e numa componente em quadratura.

V

Im

φ

~v

im

+

-

Figura 3.20 – Transformador em vazio.

A corrente de magnetização – da ordem de 2 a 5% da corrente nominal – e as perdas em

vazio (perdas no ferro) – da ordem de 0,1 a 0,5% da potência nominal – podem obter-se

por meio de um ensaio em vazio do transformador.

3.2.4 Esquema Equivalente

Um primeiro esquema equivalente do transformador é o que se representa na Figura

3.21.

jX2 I1

V1 Gm jBm E1

N1 N2

E2 V2

R2 R1 jX1 I’2 I2 1 2

Page 71: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 65

Figura 3.21 – Esquema equivalente do transformador.

À tensão V1 aplicada ao enrolamento primário é subtraída a queda de tensão R1 I1 devida

à resistência R1 dos condutores bem como a queda de tensão devida à reactância de

dispersão X1, resultando a f.e.m. E1. A corrente I1 é a soma da corrente de magnetização

Im com a corrente 2I ′ que é transformada pela relação de transformação resultando na

corrente I2 no secundário. As componentes em fase e em quadratura da corrente de

magnetização circulam através da condutância Gm e da susceptância Bm, respectivamen-

te.

A f.e.m. no secundário do transformador ideal é E2=E1/m onde 21 NNm = é a relação de

transformação. A tensão aos terminais do secundário V2 obtém-se a partir de E2 sub-

traindo as quedas de tensão R2I2 e jX2I2 devidas à resistência e à reactância de dispersão

do respectivo enrolamento.

Usando valores p.u., o transformador ideal desaparece, uma vez que a relação de trans-

formação m é unitária. Chegamos assim ao esquema equivalente em T, representado na

Figura 3.22.

1R 1jX 2R 2jX

2V 1V mG mjB

I2

Im

I1 I1 1 2

Figura 3.22 – Esquema equivalente em T do transformador.

No funcionamento normal, o fluxo no núcleo mantém-se substancialmente constante, pelo

que as admitâncias do ramo transversal que modela a corrente de magnetização se po-

dem considerar igualmente constantes.

Dado que a corrente de magnetização é pequena, o ramo transversal pode ser levado

para um dos extremos do esquema, conforme se representa na Figura 3.23, onde

21t RRR += e 21t XXX += .

Page 72: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 66

I2

Im

V1 V2

I1 Rt jXt

Gm jBm

1 2

Figura 3.23 – Esquema equivalente em L do transformador.

Na maioria das aplicações em sistemas de energia, pode desprezar-se a corrente de

magnetização, o que permite simplificar o modelo para o representado na Figura 3.24.

I2 I1

R t jX t

V 1 V 2

1 22

Figura 3.24 – Esquema equivalente aproximado do transformador.

Recorde-se que as grandezas eléctricas estão expressas em p.u., referidas à potência

aparente nominal do transformador e às tensões nominais do primário e do secundário,

consoante se refiram àquele ou este enrolamento.

Uma vez que as correntes expressas em p.u. nos dois enrolamentos são iguais,

III == 21 , a relação entre as tensões primária e secundária exprime-se pela equação:

IZVV t+= 21 (3.69)

onde tt XjR +=tZ .

Através de um ensaio em curto-circuito do transformador pode medir-se a impedância Zt.

– razão pela qual é normalmente designada impedância de curto-circuito do transforma-

dor. Neste ensaio, representado na Figura 3.25, aplica-se um curto-circuito a um dos en-

rolamentos e alimenta-se o outro com uma tensão reduzida – designada tensão de curto-

circuito – que faz circular a corrente nominal em ambos os enrolamentos.

Page 73: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 67

Vcc

In Zt=Zcc

Figura 3.25 – Transformador em curto-circuito.

A tensão de curto-circuito ccV é dada por:

ncccc IZV = (3.70)

Uma vez que 01,In = , tem-se:

cccc ZV = (3.71)

Em valores p.u., com a base postulada, a tensão e a impedância de curto-circuito do

transformador exprimem-se pelo mesmo valor.

Para decompor a impedância de curto-circuito nas suas componentes resistiva e reacti-

va, há que medir a potência consumida, a partir da qual se calcula a resistência. Uma vez

que se conhece já o módulo da impedância, o cálculo da reactância é trivial. As perdas

em curto-circuito do transformador (perdas no cobre) situam-se tipicamente na gama 0,5

a 2,5% da potência nominal.

3.2.5 Transformador com Três Enrolamentos

Tratando-se de um transformador com três enrolamentos instalados em torno do mesmo

núcleo, representa-se na Figura 3.26 o respectivo esquema equivalente, o qual inclui um

nó fictício interno ao transformador. No caso de se pretender representar a impedância de

magnetização, ela ligar-se-ia entre o nó fictício e o neutro.

Page 74: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 68

V1

V2

V3

N2

N3

N1

V2

1

V3

2

3V1

I1

I2

Z1

Z2

I3Z3

Figura 3.26 – Transformador com três enrolamentos.

Neste caso, definem-se três impedâncias (ou tensões) de curto-circuito, relativas a igual

número de combinações dois a dois, dos três enrolamentos. Dado que a potência aparen-

te nominal dos três enrolamentos não é a mesma (ainda que, em geral, dois deles te-

nham potências nominais idênticas), a impedância de curto-circuito referente a um par de

enrolamentos vem referida à menor das potências nominais. Há assim que convertê-las a

uma base de potência comum.

As impedâncias do esquema monofásico equivalente, admitindo uma relação X/R idêntica

para os três enrolamentos19, podem ser obtidas a partir dos três ensaios de curto-circuito

– primário-secundário, primário-terciário e secundário-terciário – nos quais se medem

12Z , 13Z e 23Z , respectivamente, sendo:

+=+=

+=

3223

3113

2112

ZZZZZZ

ZZZ (3.72)

Daqui resulta:

2ZZZ

Z

2ZZZ

Z

2ZZZ

Z

1223133

1323122

2313121

−+=

−+=

−+=

(3.73)

Dado que a resistência dos enrolamentos é em geral muito menor que a reactância, pode

modelar-se aproximadamente o transformador apenas pelas reactâncias de curto-

circuito.

Page 75: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 69

3.2.6 Autotransformador

Num autotransformador a ligação entre os dois enrolamentos é eléctrica e magnética. As-

sim, os enrolamentos não estão isolados electricamente – conforme se ilustra na Figura

3.27.

V2

1V′

I1

2I′

V2

V1

N2

N1

I2

Figura 3.27 – Autotransformador.

Sendo válidas as relações:

mNN

VV

2

1

2

1 == (3.74)

m1

NN

II

1

2

2

1 == (3.75)

a potência aparente fornecida ao autotransformador é:

( )

m1m

S

m1m

IVIVVIVS

1

11121111

+=

+=+=′=′

(3.76)

e a potência cedida por este é:

( )

m1m

S

m1m

IVIIVIVS

2

22212222

+=

+=+=′=′

(3.77)

Observa-se que a potência nominal do autotransformador é mais elevada que a corres-

pondente à configuração com dois enrolamentos separados ( 21 SS = ). Uma vez que a

19 Em geral, despreza-se a resistência.

Page 76: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 70

corrente em cada enrolamento é a mesma nas duas configurações, as perdas são iguais,

donde resulta um aumento do rendimento energético.

Esta vantagem, que resulta numa apreciável redução de custo, é tanto maior quanto mais

próxima da unidade for a relação de transformação. Por esta razão, em geral usam-se

autotransformadores quando a relação de transformação é inferior a 3:1.

Duas desvantagens do autotransformador são a ausência de isolamento galvânico entre

os enrolamentos e uma corrente de curto-circuito mais elevada, uma vez que a impedân-

cia de curto-circuito é menor. Para o auto transformador representado na Figura 3.27,

pode verificar-se que a impedância de curto-circuito se reduz para ( ) ccZm11 + .

3.2.7 Transformador Trifásico

Em sistemas trifásicos, pode usar-se um conjunto de três transformadores monofásicos

(muitas vezes designado banco de transformadores) ou um transformador trifásico, que

se representa na Figura 3.28.

aφb cφ

Figura 3.28 – Transformador trifásico (tipo core).

Uma vez que as tensões fase-neutro têm simetria trifásica, o mesmo sucede aos fluxos

magnéticos no núcleo, cuja soma é nula em qualquer instante. Não é por conseguinte ne-

cessário um circuito magnético de retorno, à semelhança do que sucede para a corrente

em sistemas trifásicos simétricos.

Comparando os dois arranjos, verifica-se que o transformador trifásico é mais compacto

e requer menos ferro que o banco de três transformadores sendo, por conseguinte, mais

barato. Em contrapartida, do ponto de vista da fiabilidade, o segundo esquema é mais

económico, uma vez que é suficiente uma reserva de um transformador monofásico.

Já vimos anteriormente que duas configurações são possíveis em sistemas trifásicos:

estrela (Y) e triângulo (∆). Daqui resultam os quatro tipos de ligações para os transforma-

Page 77: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 71

dores trifásicos que se mostram na Figura 3.29: Y/Y, Y/∆ ,∆/Y e ∆/∆20. Nos enrolamentos

ligados em estrela o neutro pode ou não estar ligado à terra; nos enrolamentos ligados em

triângulo, não existe um ponto neutro.

A relação de transformação de um transformador Y/Y ou ∆/∆ é sempre um número real,

uma vez que as tensões primárias e secundárias em vazio estão em fase, tal como su-

cede num transformador monofásico. Note-se que os enrolamentos têm polaridade, assi-

nalada na Figura 3.29 com uma pequena bola preta, aspecto da maior importância em

transformadores trifásicos.

20 Os enrolamentos podem ainda ser ligados em zig-zag, o que por vezes se usa em transformadores de

distribuição..

Page 78: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 72

d

bc

b

a

c

a

a

c

b

b

c

a

a

b

c

c

b

n

a

a

b

c

n

a

c

b

n

a

c

b

n

Figura 3.29 – Tipos de ligações de transformadores trifásicos.

Page 79: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 73

Em transformadores Y/∆ ou ∆/Y, contudo, existe uma desfasagem entre as tensões pri-

mária e secundária, razão pela qual a relação de transformação é complexa. Considere-

se o transformador Y/∆ representado na Figura 3.30a, ao qual corresponde o diagrama de

fasores da Figura 3.30b.

Do diagrama de fasores observa-se que :

c2

a2

ac2 VVV −= (3.78)

Tomando a2V como referência e a sequência de fases normal a-b-c, temos:

º120ea2

c2 VV = (3.79)

Substituindo esta equação na equação (3.78):

( )

º30j

º120j

e3

e1−=

−=a

2

a2

ac2

V

VV (3.80)

Sendo N1 e N2 o número de espiras dos enrolamentos primário e secundário, respecti-

vamente, tem-se:

ºje

NN

NN

30

2

1

2

1

3 −=

=

a2

ac2

a1

V

VV (3.81)

Concluímos assim que a tensão fase-neutro secundária está desfasada de 30º em avan-

ço, em relação à correspondente tensão primária.

Definindo a relação de transformação complexa por:

º30j

2

1 eNN

3 −=m (3.82)

a equação (3.81) pode escrever-se:

a2

a1 VmV = (3.83)

Se porventura fossem trocadas as polaridades das três fases de um dos enrolamentos, o

argumento da relação de transformação passaria a ser de +30º.

Page 80: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 74

a

ac2V

a1I a

c

b

c1I

b1I

n

a1V

c

b

a2V

b2V

c2V

ac2I

cb2I

ba2I

a2I

b2I

c2I

a

b

ac2V

60º 30º

c2V

b2V

c2V−

a2V

a1V

b1V

c1V

Figura 3.30 – Transformador Y/∆: a) Esquema de ligações; b) Diagrama de fasores.

A relação entre a corrente na fase a do enrolamento primário e a corrente na fase corres-

pondente do enrolamento secundário é:

a1

ac2 II

2

1

NN= (3.84)

Por analogia:

º120j

2

1

2

1 eNN

NN −== a

1b1

ba2 III (3.85)

A corrente na linha a do lado secundário é:

Page 81: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 75

( )

º30j

2

1

º120j

2

1

eNN

3

e1NN

a1

a1

ba2

ac2

a2

I

IIII

=

−=−= −

(3.86)

ou seja:

a1

a2 ImI ∗= (3.87)

Combinando as equações (3.83) e (3.87) obtém-se:

∗∗

= a2

a2

a1

a1 IVIV 33 (3.88)

Esta equação traduz a igualdade entre as potências complexas trifásicas fornecida ao

primário e cedida pelo secundário, respectivamente, válida para um transformador ideal.

3.2.8 Transformador com Regulação de Tensão

A regulação de tensão por meio de transformadores consegue-se fazendo variar a rela-

ção de transformação, por meio de um comutador de tomadas instaladas num dos enro-

lamentos, em geral, no de tensão mais elevada – o qual é percorrido pela corrente mais

baixa.

A comutação das tomadas faz variar a relação de transformação, uma vez que altera o

número de espiras do enrolamento. Admitindo que o comutador está instalado no enrola-

mento primário, tem-se:

n

n

VVV

m2

11 ∆±= (3.89)

Em valores p.u.:

1V1m ∆±= (3.90)

A margem de regulação ∆V está em geral limitada a 10–15% (0,10–0,15 p.u.), tipicamente

em escalões de 1%.

Page 82: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 76

A comutação de tomadas pode ser em vazio ou em carga. Neste último caso, o comuta-

dor, accionado por um motor, pode estar integrado num sistema de controlo que automa-

ticamente mantém a tensão num barramento especificado dentro de limites estreitos21.

Na Figura 3.31a representa-se um transformador com um comutador de tomadas instala-

do no enrolamento ligado ao nó 1. O transformador pode ser modelado por um transfor-

mador ideal com relação de transformação m em série com a impedância de curto-

circuito Zcc , conforme se representa na Figura 3.31b.

1 2

1V1m ∆±=

a

V2 V1

b

Zcc 1 2

I2 I1 1I ′

1V ′

1:m

Figura 3.31 – Transformador com regulação de tensão:

a) Esquema unifilar; b) Esquema monofásico equivalente ;

Da Figura 3.31b obtêm-se as equações:

m1

1 =′V

V (3.91)

m1

1

1 =′I

I (3.92)

221 IZVV cc+=′ (3.93)

Combinando as equações (3.91) e (3.93), obtém-se:

( )221 m IZVV cc+= (3.94)

Da equação (3.92), atendendo a que 21 I=′I , vem:

21 Uma vez que a variação da relação de transformação não é contínua, não é possível regular a tensão

Page 83: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 77

m2

1I

I = (3.95)

O transformador com regulação de tensão pode ainda ser modelado por um esquema

equivalente em π, conforme se representa na Figura 3.32.

V1 V2

m ZccI1

ccZ1

1m1

m1

I2

ccZ1

m1

1

1 2

Figura 3.32 – Esquema equivalente em π do transformador com regulação de tensão.

Do esquema em π retiram-se as equações:

2221 mm1

1 VZIZ1

VV cccc

+

+

−= (3.96)

2211 m1

11m1

m1

IZ1

VZ1

VIcccc

+

−+

−= (3.97)

A equação (3.96), após manipulação, devem:

( )221 m IZVV cc+= (3.98)

Substituindo na equação (3.97) obtém-se:

m2

1I

I = (3.99)

As últimas duas equações são idênticas às equações (3.94) e (3.95), o que comprova a

validade do esquema equivalente em π.

para um valor exacto.

Page 84: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 78

3.3 Máquina Assíncrona

3.3.1 Introdução

Os motores eléctricos representam uma parcela muito significativa da carga servida pelo

Sistema de Energia Eléctrica. O motor de uso corrente nas mais variadas aplicações in-

dustriais, comerciais e domésticas é o motor assíncrono – também designado motor de

indução – devido à sua simplicidade, robustez, fiabilidade e baixo custo.

Um motor assíncrono recebe energia da rede eléctrica e fornece energia mecânica a uma

carga: é um conversor electromecânico. A velocidade de rotação em vazio é próxima da

de sincronismo – velocidade do campo magnético girante no entreferro – diminuindo à

medida que aumenta a potência cedida à carga mecânica – daqui resulta a designação de

assíncrono.

Em motores trifásicos, o sentido de rotação depende da sequência de fases, que deter-

mina o sentido do campo girante: se aquela for invertida – o que se consegue trocando

duas fases – o motor passa a rodar em sentido contrário. O motor de indução pode ser

trifásico ou monofásico, sendo o último utilizado em aplicações de baixa potência.

Tal como a máquina síncrona, a máquina assíncrona é reversível, podendo funcionar

como motor ou como gerador. No funcionamento como gerador, a máquina recebe ener-

gia mecânica de uma máquina de accionamento e converte-a em energia eléctrica, que é

entregue à rede à qual está ligada. A máquina roda com uma velocidade superior à de

sincronismo, que aumenta com a potência eléctrica fornecida.

3.3.2 Princípio de Funcionamento

A máquina assíncrona é constituída por um estator, no qual está instalado um enrolamen-

to semelhante ao da máquina síncrona, e um rotor que pode ser de dois tipos. O rotor bo-

binado possui um enrolamento semelhante ao do estator, cujos terminais estão ligados a

anéis metálicos isolados, montados sobre o veio, sendo a corrente conduzida ao exterior

através de escovas de carbono que deslizam sobre os anéis. No rotor em gaiola de esqui-

lo – de uso muito mais generalizado, o enrolamento é composto por barras condutoras

embebidas em cavas e ligadas em curto-circuito em cada extremo por anéis condutores.

Da aplicação de um sistema trifásico de tensões ao enrolamento do estator, resulta no

entreferro um fluxo magnético girante à velocidade de sincronismo, o qual induz no enro-

Page 85: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 79

lamento do rotor uma f.e.m., à semelhança do que se passa num transformador. Uma

vez que o rotor está em curto-circuito (rotor em gaiola) ou fechado através de circuito ex-

terior (rotor bobinado), esta f.e.m. dá origem a correntes que circulam no rotor, produzindo

um binário motor.

Estando o motor em repouso, as correntes no rotor têm uma frequência igual à da tensão

de alimentação; à medida que o rotor acelera, por acção do binário motor, aquela fre-

quência vai diminuindo. Se o motor estiver em vazio, a frequência e a amplitude das cor-

rentes no rotor são muito próximas de zero, só atingindo este valor devido às inevitáveis

perdas mecânica por atrito. Estando o motor a accionar um carga mecânica – que ofere-

ce um binário resistente – a frequência e a resultante amplitude das correntes rotóricas

terão um valor correspondente ao binário motor necessário para estabilizar a marcha da

máquina, a uma velocidade inferior à de sincronismo.

Em termos de balanço energético, a energia recebida da rede eléctrica é transferida para

o rotor por efeito indutivo, deduzida das perdas no ferro do estator e no cobre do enrola-

mento respectivo. Subtraindo as perdas no rotor e as perdas mecânicas, obtém-se a po-

tência mecânica final fornecida à carga.

3.3.3 Modelo Matemático

Sendo o estator alimentado por uma tensão trifásica com frequência f e p o número de

pares de pólos do enrolamento do estator, a velocidade de sincronismo ns expressa em

r.p.m. é:

p

fns

60= (3.100)

A diferença entre a velocidade de rotação do rotor e a velocidade de sincronismo – que é

muito pequena quando o motor está em vazio e vai subindo à medida que a carga aumen-

ta – designa-se por escorregamento s, grandeza que é expressa em p.u. (ou em percen-

tagem):

s

rs

nnn

s−

= (3.101)

Devido à diferença entre a velocidade do campo girante e a do rotor, são induzidas neste

tensões com a frequência de escorregamento fr:

sr fsf = (3.102)

Page 86: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 80

A máquina assíncrona apresenta semelhanças com o transformador (o enrolamento se-

cundário é rotativo), podendo ser modelada pelo esquema equivalente em T, que se re-

presenta na Figura 3.33 (as grandezas estão expressas em unidades do Sistema Interna-

cional).

Rs

VsGm jBm

Im

IrIs

sRr

Es

jXs jXr

Figura 3.33 – Esquema equivalente em T da máquina assíncrona.

Aplicando a tensão Vs ao enrolamento estatórico e subtraindo as quedas de tensão Rs Is

devida à resistência dos condutores e jXs Is devida à reactância de dispersão, resulta a

f.e.m. Es. A corrente de magnetização, tal como no transformador, tem duas componen-

tes – uma em fase e a outra em quadratura – que são tomadas em consideração através

da condutância Gm e da susceptância Bm.

A f.e.m. induzida no rotor é:

sr EE s= (3.103)

Sendo Rr e Xr a resistência e a reactância do rotor (a última referida à frequência do esta-

tor), respectivamente, podemos estabelecer a equação:

( ) rsr IEE rrr sXjRIs +== (3.104)

ou ainda:

rs IE

+= r

r Xjs

R (3.105)

Esta equação justifica a modelação do rotor no esquema equivalente da Figura 3.33.

Page 87: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 81

3.3.4 Potência e Binário

A potência consumida na resistência fictícia Rr/s corresponde à potência transferida para

o rotor Pr – igual à potência fornecida pela rede menos as perdas no estator e no circuito

magnético:

2r

rr I

sR

3P = (3.106)

A potência mecânica (desprezando as perdas por atrito) é, por seu lado, igual a Pr dedu-

zida das perdas no rotor:

2rr

2rrrM IR

ss1

3IR3PP−=−= (3.107)

Face a este resultado, o esquema equivalente pode ser modificado conforme se mostra

na Figura 3.34, no qual a resistência Rr(1-s)/s modela a carga mecânica. Tal como no es-

quema equivalente do transformador, deslocou-se o ramo transversal para o lado da fonte

de tensão, obtendo-se um esquema em L. Note-se que a corrente de magnetização da

máquina assíncrona é substancialmente maior que a do transformador, face à corrente de

carga, pelo que esta aproximação é aqui mais grosseira. O valor daquela corrente calcu-

la-se por:

( ) sm VI mm jBG += (3.108)

Rs+Rr

Vs Gm jBm

Im

Ir

ss1

Rr−

j(Xs+Xr) Is

Figura 3.34 – Esquema equivalente em L da máquina assíncrona.

A corrente no rotor Ir pode calcular-se por:

( )rs

rs XXj

sR

R +++= s

rV

I (3.109)

Page 88: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 82

A corrente no estator Is é a soma desta com a corrente de magnetização Im:

rms III += (3.110)

Note-se que o motor assíncrono representa uma carga indutiva para a rede de alimenta-

ção, consumindo potência reactiva dada por:

( ) 2rrs

2smr IXX3VB3Q ++−= (3.111)

Para além da potência, interessa calcular o binário fornecido pelo motor assíncrono:

( )s1PP

Ts

M

r

M

−==

ωω (3.112)

Substituindo a equação (3.106), vem:

s

2rr

sIR3

= (3.113)

donde:

( )2rs

2r

s

2s2

r

XXs

RR

VI

++

+

= (3.114)

Substituindo na equação (3.113), vem finalmente para o binário:

( )2rs

2r

s

r

s

2s

XXs

RR

sR

V3T

++

+

(3.115)

A forma geral da característica binário – velocidade para uma máquina assíncrona está

traçada na Figura 3.35. A região de funcionamento como motor corresponde a s>0 ou

seja, a velocidade de rotação é inferior à de sincronismo; o funcionamento como gerador

é caracterizado por s<0, uma vez que a velocidade de rotação é superior à de sincronis-

mo.

Page 89: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 83

T

sω1 0

s

Motor

Gerador

-1

ω0

Figura 3.35 – Característica binário – velocidade da uma máquina assíncrona.

O binário de arranque corresponde a s=1:

( ) ( )2

rs2

rs

r

s

2s

arr XXRR

RV3T

+++=

ω (3.116)

Quanto ao binário máximo, pode calcular-se analiticamente derivando em ordem a s, ob-

tendo-se:

( )2rs

2s

rmaxT

XXR

Rs

++= (3.117)

( )2rs

2sss

2s

maxXXRR

12V3

T+++

(3.118)

Tem ainda interesse conhecer a corrente de arranque do motor, que pode atingir valores

da ordem de seis a sete vezes a corrente nominal. Nesta situação 0r =ω , logo 1s = . Do

esquema equivalente, desprezando a corrente de magnetização, obtém-se:

( )rsrs XXjRR +++= sarr

sV

I (3.119)

Para reduzir a corrente de arranque, o que é especialmente importante para motores de

potência elevada, pode usar-se um arrancador estrela-triângulo, um autotransformador ou

ainda um dispositivo electrónico. Em todos os casos, a intenção é reduzir a tensão e, por

conseguinte, a corrente, no instante de arranque, em que o motor está parado. Reduz-se

Page 90: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 84

contudo também o binário de arranque, o que pode ser um inconveniente para alguns ti-

pos de carga mecânica.

Estando o enrolamento do motor normalmente ligado em triângulo, o arrancador estrela-

triângulo liga-o inicialmente em estrela, pelo que a tensão aplicada a cada fase vem redu-

zida do factor 3 . O binário vem por consequência reduzido a um terço – ver equação

(3.115). Após o motor atingir uma velocidade suficiente, o enrolamento é automaticamente

ligado em triângulo.

Tanto o autotransformador como os dispositivos electrónicos permitem controlar de forma

mais gradual e precisa a tensão aplicada ao motor, sendo o seu custo contudo mais ele-

vado.

3.3.5 Funcionamento como Gerador

Conforme já referido, a máquina assíncrona também pode funcionar como gerador, sendo

usada em alguns tipos de centrais de baixa potência, alimentadas por fontes renováveis

(em particular, centrais eólicas). A corrente de magnetização necessária ao estabeleci-

mento do campo magnético no entreferro é fornecida pela rede eléctrica, contrariamente

ao que se passa na máquina síncrona que possui um sistema de excitação próprio.

O funcionamento como gerador é caracterizado por s<0, a resistência equivalente

( ) ss1rR − devém negativa, e o mesmo sucede à potência mecânica – equação (3.107)

e à potência activa. A máquina assíncrona recebe por conseguinte energia mecânica (de

uma máquina motriz) e fornece energia eléctrica à rede.

Do esquema equivalente da Figura 3.34 verifica-se que, embora a potência activa absor-

vida da rede se torne negativa, a potência reactiva se mantém positiva. O gerador assín-

crono é por conseguinte, um consumidor de energia reactiva, a qual deve ser compensa-

da por meio de uma bateria de condensadores. Esta pode ser dimensionada para tornar o

gerador um fornecedor líquido de potência reactiva, se as condições de funcionamento da

rede o exigirem.

Um gerador assíncrono rodando em vazio com um condensador ligado aos seus termi-

nais pode autoexcitar-se, dependendo do valor da respectiva capacidade. Na Figura 3.36

mostra-se a característica em vazio da máquina (f.e.m. em função da corrente de excita-

ção) – na qual é visível o efeito da saturação do ferro – bem como a recta CIV ω= que

caracteriza o condensador. O cruzamento das duas linhas define o ponto de funciona-

mento da máquina, caracterizado pela f.e.m. E e pela corrente de magnetização Im.

Page 91: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 85

E

V

Im I

Característicaem vazio

Condensador

Figura 3.36 – Autoexcitação da máquina assíncrona.

A ligação do gerador assíncrono à rede pode ser levada a cabo, quer directamente com a

máquina rodando a uma velocidade próxima da nominal – que dá lugar a um pico de cor-

rente resultante de o campo magnético no entreferro ser nulo – quer autoexcitando-a por

meio de uma bateria de condensadores de valor adequado e fazendo o paralelo de forma

semelhante ao de uma máquina síncrona – que não dá origem a qualquer sobrecorrente.

3.4 Caracterização das Cargas

3.4.1 Tipologia

Denomina-se carga um equipamento ou conjunto de equipamentos ligado á rede, que ab-

sorve energia eléctrica.

As cargas típicas têm carácter indutivo, e são especificadas pelas potências activa PC e

reactiva QC ou pela potência activa PC e factor de potência cos φ (em alternativa, pode

usar-se a tan φ):

2C

2C

C

QP

Pcos

+=φ (3.120)

C

C

PQ

tan =φ (3.121)

As cargas agrupam-se em quatro grandes tipos:

Page 92: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 86

• Motores;

• Iluminação;

• Aquecimento e refrigeração;

• Aparelhos electrónicos.

A carga servida por um SEE é influenciada por um grande número de factores, que se

podem classificar em dois grandes grupos: factores temporais e factores climáticos.

Os primeiros relacionam-se com a periodicidade diária, semanal e sazonal, períodos de

férias e ainda com as tendências de crescimento (ou diminuição) anual. Os segundos

incluem a temperatura, a humidade, a visibilidade e a velocidade do vento. Para além des-

tes, existem factores aleatórios, devidos à própria natureza estatística das cargas, a

acontecimentos especiais e avarias inesperadas.

São correntemente utilizados modelos para a previsão do valor da carga em cada barra-

mento da rede, bem como da carga total, quer num horizonte de curto quer de médio ou

longo prazo.

3.4.2 Elasticidades

Um aspecto importante, que caracteriza as cargas, é a sua dependência em relação à

tensão e à frequência:

)f,V(gQ

)f,V(fP

C

C

=

= (3.122)

Para pequenas variações da tensão e da frequência em torno de um valor de referência:

fff

VVVo

o

+=

+= (3.123)

resulta:

C

oCC

Co

CC

QQQ

PPP

+=

+= (3.124)

onde:

Page 93: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 87

f

fQ

VVQ

Q

ff

PV

VP

P

CCC

CCC

∆∆∆

∆∆∆

∂∂

+∂

∂≈

∂∂

+∂∂

≈ (3.125)

ou ainda:

ooC

oC

ooC

oC

oC

C

ooC

oC

ooC

oC

oC

C

ff

Qf

fQ

VV

QV

VQ

QQ

ff

Pf

fP

VV

PV

VP

PP

∆∆∆

∆∆∆

∂∂

+∂

∂≈

∂∂

+∂∂

(3.126)

Definem-se as elasticidades das potências activa e reactiva em relação à tensão e à fre-

quência (grandezas adimensionais):

• Elasticidade da potência activa em relação à tensão

o

C

oC

v PV

VP

∂∂

=ε (3.127)

• Elasticidade da potência reactiva em relação à tensão

oC

oC

v QV

VQ

∂∂

=η (3.128)

• Elasticidade da potência activa em relação à frequência

o

C

oC

f Pf

fP∂

∂=ε (3.129)

• Elasticidade da potência reactiva em relação à frequência

oC

oC

f Qf

fQ∂

∂=η (3.130)

Fazendo uso destas grandezas e tomando para valores de referência da tensão e da cor-

rente os valores nominais as equações (3.126) transformam-se em:

pufpuvoC

C

pufpuvoC

C

fVQQ

fVPP

∆η∆η∆

∆ε∆ε∆

+≈

+≈

(3.131)

Page 94: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 88

3.4.3 Elasticidade em Relação à Tensão

Esta é a grandeza mais importante, uma vez que em redes interligadas com elevada po-

tência girante, a frequência é regulada dentro de limites muito estreitos.

Um modelo frequentemente adoptado exprime as potências activa e reactiva como uma

potência da tensão:

PkPC VCP = (3.132)

QkQC VCQ = (3.133)

Da equação (3.132), derivando em ordem a V:

o

oC

P

o

koP

Pko

PPV

C

VP

k

VVC

kVCkVP P

P

o

=

==

∂ −1

(3.134)

donde, por substituição na equação (3.127):

Pv k=ε (3.135)

Para a potência reactiva, podemos deduzir uma expressão análoga:

Qv k=η (3.136)

• Carga Modelada por Impedância Constante

Para uma carga passiva, modelada por uma admitância constante, ligada a um barra-

mento com tensão V, a potência absorvida calcula-se por:

2C VQjP ∗∗∗∗ ===+= CCCCC YVYVIVS (3.137)

As potências activa e reactiva de carga são especificadas para o valor da tensão nominal

(igual a 1,0 p.u.). Então, a admitância equivalente, em valores p.u. calcula-se por:

CC QjP −== ∗CC SY (3.138)

Da equação (3.137), atendendo a que CC BjG +=CY , retira-se:

2CC VGP = (3.139)

Page 95: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 89

2CC VBQ −= (3.140)

Estas equações revelam que PC e QC variam com o quadrado da tensão. Das equações

(3.135) e (3.136) conclui-se então que:

2

2

=

=

v

v

η

ε (3.141)

Para uma carga modelada por impedância constante, as elasticidades em relação à ten-

são são iguais a 2.

• Carga Modelada por Corrente Constante

Para uma carga modelada por uma corrente com amplitude IC e desfasagem em relação

à tensão φC constantes, retirada de um barramento com tensão V, a potência absorvida

calcula-se por:

CjCCC eIVQjP φ=+=CS (3.142)

O ângulo φC considera-se positivo quando a corrente está em atraso relativamente à ten-

são.

Admitindo, como é normal, que as potências activa e reactiva são especificadas para o

valor nominal da tensão (V=1,0 p.u.), os valores de IC e φC são calculados por:

2C

2CC QPI += (3.143)

=

C

CC P

Qtanaφ (3.144)

Para valores variáveis da tensão, as potências activa e reactiva de carga são então dadas

por:

CCC cosIVP φ= (3.145)

CCC senIVQ φ= (3.146)

Estas equações revelam que PC e QC variam linearmente com a amplitude da tensão,

uma vez que IC e φC são constantes. Das equações (3.135) e (3.136) conclui-se então

que:

Page 96: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 90

1

1

=

=

v

v

η

ε (3.147)

Para uma carga modelada por corrente constante, as elasticidades em relação à tensão

são unitárias.

• Carga Modelada por Potência Constante

Nesta hipótese, as potências são constantes, não variando com a tensão, logo:

0

0

=

=

v

v

η

ε (3.148)

Para uma carga modelada por potência constante, as elasticidades em relação à tensão

são nulas.

• Carga Composta

A carga ligada a cada barramento do sistema eléctrico é composta por parcelas com

elasticidades diferentes, podendo com generalidade ser descrita pela equações:

∑=i

PCvi

iVCP ε (3.149)

∑=i

QCvi

iVCQ η (3.150)

O número de termos do somatório e o valor das constantes podem ser determinados a

partir de modelos físicos das cargas ou por dados experimentais.

Na prática, usam-se muitas vezes valores médios aproximados, obtidos empiricamente

para uma carga típica22, considerando-se unitário o número de termos do somatório:

31

01

,

,

v

v

=

=

η

ε (3.151)

22 Para uma carga típica é determinante o peso dos motores de indução, cuja elasticidade da potência

activa em relação à tensão é praticamente nula.

Page 97: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Máquinas Rotativas e Transformador 91

3.4.4 Elasticidade em Relação à Frequência

Para uma carga modelada por uma impedância constante, é possível calcular analitica-

mente a elasticidade em relação à frequência. Das equações (3.139) e (3.140), tendo

presente que:

2C

2C

cC XR

RG

+= (3.152)

2C

2C

cC XR

XB

+−= (3.153)

LfLX 2C πω == (3.154)

e usando as equações (3.129) e (3.130), obtém-se:

CCC

Cf sen

XRX

φε 222

2

22 −=+

−= (3.155)

C2

2C

2C

2C

2C

f senXRXR

21 φη −=+−

= (3.156)

Note-se que a elasticidade da potência activa em relação à frequência tem sempre um

valor negativo para cargas deste tipo. Contudo, para uma carga típica, devido ao peso dos

motores de indução, a elasticidade em relação à frequência é positiva, uma vez que a sua

velocidade e, por conseguinte, a potência fornecida, é proporcional àquela. Um valor empí-

rico habitualmente utilizado é:

0,1=fε (3.157)

A elasticidade da potência reactiva em relação à frequência não tem interesse prático, não

se indicando, por conseguinte, um valor típico.

3.5 Sumário

Neste capítulo apresentaram-se os princípios de funcionamento e os modelos matemáti-

cos das máquinas rotativas mais usuais – síncrona e assíncrona – e do transformador,

componentes básicos do Sistema de Energia Eléctrica.

A máquina síncrona, o elemento mais complexo e versátil, foi abordado em primeiro lugar.

Apresentou-se o princípio de funcionamento e o modelo matemático em regime estacio-

Page 98: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 92

nário, bem como as respectivas características em vazio e em curto-circuito. Deduziram-

se em seguida as expressões das potências activa e reactiva trocadas entre a máquina e

a rede e discutiu-se o efeito da saliência, o qual dá lugar à distinção entre as reactâncias

segundo os eixos directo e de quadratura. Finalmente analisaram-se os modos de opera-

ção da máquina, em particular quando está integrada numa rede síncrona.

O transformador, elemento omnipresente em redes eléctricas é uma máquina estática,

cujo princípio de funcionamento e modelação matemática é mais simples que o da má-

quina síncrona. Dado que funciona com fluxo magnético no núcleo essencialmente cons-

tante, é possível usar um modelo linear – representado por esquema equivalente em T –

no qual em muitas aplicações se despreza o ramo transversal, resultando numa simples

impedância longitudinal. Analisaram-se os vários tipos de transformadores, nomeadamen-

te, trifásicos, de três enrolamentos, autotransformadores e com regulação de tensão.

Foi ainda abordada a máquina assíncrona, usada generalizadamente como motor nos

mais diversos accionamentos electromecânicos, graças à sua simplicidade, robustez, e

baixo custo. Estabeleceu-se o respectivo modelo matemático e esquema equivalente em

T, o qual exibe semelhanças com o do transformador. A potência e o binário mecânicos

foram obtidos deste modelo, válido quer para o funcionamento como motor quer como

gerador. Formulou-se o cálculo da corrente de arranque de um motor assíncrono, a qual

origina na rede de alimentação perturbações que se amplificam com a potência do motor.

A concluir, abordou-se sumariamente o funcionamento desta máquina como gerador.

A finalizar, analisou-se a natureza das cargas ligadas à rede eléctrica, introduziu-se o

conceito de elasticidade da potência activa e reactiva em relação à tensão e à frequência

e apresentaram-se os modelos correntemente utilizados na análise de sistemas de ener-

gia.

Page 99: Fundamentos Energia Electrica

CAPÍTULO 4

LINHA ELÉCTRICA DE ENERGIA

4.1 Introdução

As linhas asseguram o transporte e distribuição da energia eléctrica desde as centrais

produtoras até aos consumidores finais. A transmissão de energia é realizada pelo campo

electromagnético criado pela tensão entre os condutores e pela corrente que neles flui.

Na maioria dos casos, as linhas são aéreas, constituídas por condutores – de alumínio ou

de cobre – apoiados em ou suspensos de isoladores em postes de madeira, de betão ou

metálicos. Sujeitos ao seu próprio peso e a uma força longitudinal, os condutores descre-

vem uma linha designada catenária – a qual para vãos (distância entre postes) relativa-

mente curtos se aproxima de uma parábola.

Em zonas urbanas as linhas podem ser enterradas, sendo designadas por cabos subter-

râneos; quando atravessam troços de mar são referidas por cabos submarinos. Note-se

que a distância máxima a que é possível transportar energia eléctrica em corrente alter-

nada por meio de cabos subterrâneos ou submarinos é limitada a poucas dezenas de qui-

lómetros23.

A tensão nominal de uma linha condiciona a sua capacidade de transporte: quanto mais

elevada for aquela, maior é a potência transportável. As tensões mais altas exigem natu-

ralmente níveis de isolamento mais elevados, bem como (para as linhas aéreas) maiores

distâncias entre condutores e entre estes e a terra; as estruturas de suporte são corres-

pondentemente de maiores dimensões.

Embora o cobre tenha uma condutividade quase dupla do alumínio, este material prevale-

ce na construção de linhas por razões de custo e de peso mais baixos. Acresce que um

condutor de alumínio tem um diâmetro superior ao do equivalente em cobre, o que reduz

23 Por este motivo, usa-se a corrente contínua, quando a distância a vencer é demasiado grande para o

transporte em corrente alternada.

Page 100: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 94

o campo eléctrico na respectiva superfície. Quando este campo excede um dado valor

(da ordem dos 3 000 kV/m), manifesta-se o fenómeno da disrupção e ionização do ar en-

volvente, designado efeito de coroa – que provoca perdas adicionais e interferências nas

comunicações.

Para tensões acima de 220 kV, é de regra usar condutores em feixe – ou seja dois a qua-

tro condutores por fase – o que reduz consideravelmente o campo eléctrico à superfície

dos condutores bem como a reactância da linha, aumentando a sua capacidade de trans-

porte.

A forma construtiva dos condutores para linhas aéreas mais usual consiste de um núcleo

central de fios de aço entrançados, que proporcionam resistência mecânica, envolvidos

por várias camadas de fios de alumínio igualmente entrançados, que asseguram a con-

dução da corrente eléctrica – designado condutor de alumínio-aço.

Para os cabos subterrâneos – que podem ser monofásicos ou trifásicos – usa-se o alu-

mínio ou o cobre, sendo o isolamento assegurado modernamente por plásticos da família

dos polietilenos (no passado usava-se o papel impregnado de óleo). Envolvendo os con-

dutores isolados, existe em geral uma bainha de chumbo, para protecção contra a humi-

dade.

Os parâmetros que caracterizam as linhas eléctricas são a impedância longitudinal e a

admitância transversal. A resistência e a reactância longitudinais são utilizados na genera-

lidade dos modelos; a susceptância transversal quando o comprimento da linha excede

determinados limites; a condutância transversal é em geral ignorada.

Estes parâmetros são distribuídos ao longo da linha, exprimindo-se em Ω/km ou S/km,

consoante se trate de impedância ou admitância, respectivamente. A circunstância de ser

caracterizada por parâmetros distribuídos, distingue a linha de um circuito de parâmetros

concentrados: o tempo de propagação do campo electromagnético – que viaja à velocida-

de da luz – é não nulo.

4.2 Resistência e Condutância Transversal

A resistência de uma linha é o parâmetro que condiciona as perdas (por efeito de Joule),

donde a sua importância.

Em corrente contínua, a resistência R, expressa em Ω/m é dada pela expressão:

Page 101: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 95

S

Rρ= (4.1)

onde ρ é a resistividade do material (Ω.m) e S a secção do condutor (m2).

A resistência varia com a temperatura, sendo em geral especificada para 20º C. A qual-

quer outra temperatura, pode obter-se pela expressão:

( )[ ]1212 TT1RR −+= α (4.2)

R1 e R2 são as resistências às temperaturas T1 e T2, respectivamente e α o coeficiente

de temperatura. No Quadro 4.1 indicam-se os valores da resistividade a 20º C e o coefici-

ente de temperatura para vários materiais condutores.

Quadro 4.1 – Resistividade e Coeficiente de Temperatura para vários Materiais Condutores

Material Resistividade (µΩ.cm)

Coef. Temperatura

Aço 12-88 0,001-0,005

Alumínio 2,83 0,0039

Bronze 13-18 0,0005

Cobre 1,77 0,00382

Prata 1,59 0,0050

As variações da resistência com a temperatura não são muito significativas. Por exemplo,

para o cobre uma variação de temperatura de 0º para 40º C resulta numa variação de re-

sistência de 17%.

O cálculo da resistência pela equação (4.1) tem algumas limitações, nomeadamente:

• Sendo habitualmente os condutores entrançados e não sólidos, o comprimento de

cada fio é ligeiramente superior ao do próprio condutor.

• A corrente alternada não se distribui uniformemente pela secção do condutor, fenó-

meno conhecido por efeito pelicular, que resulta da distribuição não uniforme do fluxo

magnético no interior do condutor. A resistência em corrente alternada é por este mo-

tivo superior à resistência em corrente contínua, devido à redução efectiva da secção.

Page 102: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 96

• Além deste, existe ainda um efeito de proximidade, que reforça a distribuição não uni-

forme do fluxo dentro do condutor, devido à indução mútua entre os condutores de

uma linha. Este efeito é em geral desprezável à frequência nominal de 50 Hz.

• A resistência de condutores magnéticos (como seja o aço em condutores de alumí-

nio-aço), varia com a intensidade da corrente, uma vez que o fluxo e as perdas mag-

néticas dependem daquela.

Na prática, a resistência dos variados tipos de condutores usados é obtida com recurso

às tabelas fornecidas pelo fabricantes.

Para a condutância transversal G não existe uma fórmula utilizável na prática. Esta con-

dutância é devida à corrente de fuga entre os condutores e a terra, a qual flui essencial-

mente pela superfície das cadeias de isoladores. Ela depende fortemente das condições

atmosféricas, em particular da humidade, da poluição e da sujidade em geral, que condi-

cionam igualmente o efeito de coroa.

Em condições normais de operação, a condutância transversal das linhas é desprezada,

em parte devido ao seu reduzido valor e em parte devido à deficiente caracterização da

física do fenómeno.

4.3 Reactância

A reactância longitudinal (ou simplesmente reactância) LX ω= – onde L é o coeficiente

de auto-indução (ou indução própria) e f2πω = é a frequência angular – é o parâmetro

mais importante de uma linha eléctrica de energia. A reactância tem a maior influência na

capacidade de transporte e na queda de tensão na linha.

O coeficiente de auto-indução L de um circuito é a relação entre o fluxo magnético λ liga-

do e a corrente I que percorre o circuito:

I

Lλ= (4.3)

Recorde-se que o fluxo se exprime em Weber (Wb), e que a unidade do coeficiente de

indução é o Henry (H). Em linhas eléctricas, devido ao seu carácter de circuitos com pa-

râmetros distribuídos, o coeficiente de auto-indução calcula-se por metro de comprimen-

to, exprimindo-se por conseguinte em H/m.

Page 103: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 97

4.3.1 Linha Monofásica

Vamos em primeiro lugar calcular o coeficiente de indução de uma linha monofásica com

dois condutores, representada na Figura 4.1. Consideram-se por razões de generalidade

que os dois condutores têm raios diferentes, ainda que na prática eles sejam normalmen-

te iguais.

2r2

D

1 2

1r2

Figura 4.1 – Linha monofásica com dois condutores.

O coeficiente de auto-indução do circuito correspondente ao condutor 1 é soma de duas

componentes: uma devida ao fluxo interno ao condutor; a outra devida ao fluxo que se fe-

cha no exterior do condutor. Para o cálculo da primeira componente, considere-se o con-

dutor de raio r, representado na Figura 4.2.

B

r

dxx

Figura 4.2 – Fluxo no interior de um condutor maciço de raio r.

Sendo I a corrente total no condutor e admitindo uma densidade de corrente uniforme (o

que equivale a ignorar o efeito pelicular), a corrente dentro do cilindro de raio x é dada por:

Irx

)x(I2

2

= (4.4)

Page 104: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 98

As linhas de densidade de fluxo são concêntricas com o eixo do condutor. Aplicando a lei

de Ampere, obtém-se o campo magnético H:

Ir2

x)x(I

x21

)x(H2ππ

== (4.5)

Sendo µ a permeabilidade relativa do material do condutor e µ0 a permeabilidade do ar, a

indução magnética, expressa em Tesla (T = Wb/m2), é:

Ir2

x)x(B

20

π

µµ= (4.6)

O fluxo ligado dλ devido à corrente I(x), circulando num elemento tubular de espessura

dx, por unidade de comprimento da linha, é:

dxIr2x

dxIrx

r2x

d 4

30

2

2

20

πµµ

πµµ

λ == (4.7)

Integrando entre x=0 e x=r, obtém-se o fluxo total, expresso em Wb/m:

I8

dxIr2x 04

30r

0 πµµ

πµµ

λ == ∫ (4.8)

Usando a equação (4.3), substituindo o valor de 70 10x4 −= πµ H/m e admitindo que a

permeabilidade relativa µ do condutor é unitária, obtém-se finalmente para o coeficiente de

auto-indução devido ao fluxo interno, expresso em H/m:

7int 10x

21

L −= (4.9)

Note-se que este coeficiente não depende da secção do condutor.

Quanto ao coeficiente de auto-indução devida ao fluxo exterior ao condutor, calcule-se em

primeiro lugar o campo magnético à distância x do eixo respectivo (x>r):

Ix2

1)x(H

π= (4.10)

O fluxo dλ ligado com a corrente total I, circulando num elemento tubular de espessura

dx, por unidade de comprimento da linha, é:

dxIx2

d 0

πµµ

λ = (4.11)

Page 105: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 99

O fluxo total entre dois pontos à distância D1 e D2, respectivamente, conforme represen-

tado na Figura 4.3, calcula-se por integração:

IDD

ln2

dxIx2 1

200D

D

2

1 πµµ

πµµ

λ == ∫ (4.12)

D2

B1

D1

r

B2

Figura 4.3 – Fluxo exterior ao condutor.

Fazendo uso da equação (4.3) e substituindo os valores de µ=1 e 70 104 −= xπµ H/m,

vem finalmente:

( )1

27ext D

Dln10x2L −= (4.13)

Reconsiderando a linha monofásica de dois condutores da Figura 4.1, fazendo rD1 = e

DD2 = , o coeficiente de auto-indução correspondente ao fluxo exterior ao condutor 1 é

dada por:

( )1

7ext1 r

Dln10x2L −= (4.14)

O coeficiente de auto-indução total é então a soma das duas componentes:

( )

+= −

1

71 r

Dln

41

10x2L (4.15)

Quanto ao condutor 2, tem-se:

( )

+= −

2

72 r

Dln

41

10x2L (4.16)

Page 106: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 100

O coeficiente de auto-indução total da linha 21 LLL += , admitindo que os dois condutores

são iguais ( 21 rr = ), é dada pela expressão:

( )

+= −

rD

ln41

10x4L 7 (4.17)

Definindo o raio equivalente24 do condutor r’ por

41err −=′ (4.18)

vem finalmente:

( )rD

ln10x4L 7

′= − (4.19)

Note-se que, devido à função logaritmo, o coeficiente de auto-indução varia relativamente

pouco com o distância entre condutores e o respectivo raio. Também, o contributo do flu-

xo interno do condutor representa em geral menos de 5% do valor total.

4.3.2 Linha com n Condutores

Para alargar a análise a linhas com n condutores, é útil considerar que os dois condutores

da linha equivalem a dois circuitos eléctricos magneticamente acoplados, conforme se

representa na Figura 4.4.

i

2

1

i

L22

M12

L11

1v∆

2v∆

D

2r1

2r2

Figura 4.4 – Linha monofásica considerada como dois circuitos magneticamente acoplados.

24 Também designado raio médio geométrico.

Page 107: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 101

Ignorando a resistência, e sendo i a corrente que percorre a linha, a queda de tensão por

unidade de comprimento ∆v em cada condutor pode escrever-se:

tdid

Mtdid

Lv 12111 −=∆ (4.20)

tdid

Ltdid

Mv 22122 −=∆ (4.21)

onde L11 e L22 são os coeficientes de indução própria de cada condutor e M12 o coeficien-

te de indução mútua entre eles:

( )

+= −

1

711 r

1ln

41

10x2L (4.22)

( )

+= −

2

722 r

1ln

41

10x2L (4.23)

( )D1

ln10x2M 712

−= (4.24)

Em regime alternado sinusoidal, usando a notação simbólica, as quedas de tensão em

cada condutor são:

( )

( )

( ) I

I

IV1

+=

=

−+=

=−=

1

7

1

7

1211

rD

ln41

10x2j

D1

lnr1

ln41

10x2j

MLj

ω

ω

ω∆

(4.25)

( )

( )

( ) I

I

IV2

+=

=

−+=

=−=

2

7

2

7

1222

rD

ln41

10x2j

D1

lnr1

ln41

10x2j

MLj

ω

ω

ω∆

(4.26)

Usando as equações (4.15) e (4.16), vem:

IV1 1Ljω∆ = (4.27)

IV2 2Ljω∆ = (4.28)

Page 108: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 102

L1 e L2 são os coeficientes de auto-indução dos condutores 1 e 2, respectivamente, que já

têm em conta a influência da indução mútua entre eles:

12111 MLL −= (4.29)

12222 MLL −= (4.30)

A queda de tensão total na linha é:

( ) IVVV 21 122211 M2LLj −+=+= ω∆∆∆ (4.31)

Substituindo os valores de L11, L22 e M12:

( )

( ) I

IV

+=

=

−+++=

21

7

21

7

rr

Dln

41

10x4j

D1

ln2r1

ln41

r1

ln41

10x2j

ω

ω∆

(4.32)

Admitindo que os dois condutores são iguais ( 21 rr = ) vem:

( )

( ) I

IV

rD

ln10x4j

rD

ln41

10x4j

7

7

′=

=

+=

ω

ω∆ (4.33)

onde r’ é o raio equivalente do condutor, dado pela equação (4.18).

Esta equação confirma – confronte-se com a equação (4.19) – que o coeficiente de auto-

indução total da linha é:

( )rD

ln10x4L 7

′= − (4.34)

Generalizando ao caso de uma linha com n condutores, que se representa esquematica-

mente na Figura 4.5, os coeficientes de indução própria e mútuas são:

( )i

7

i

7ii r

1ln10x2

r1

ln41

10x2L′

=

+= −− (4.35)

( )ij

7ij D

1ln10x2M −= (4.36)

Page 109: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 103

1

2ri

i ii

1

ijDijM

jj

jjL

n

nnL

iiL

11L

Figura 4.5 – Linha com n condutores.

A queda de tensão iV∆ por metro de condutor escreve-se, por analogia com as equações

(4.25) ou (4.26), e considerando o mesmo sentido positivo das correntes nos n conduto-

res:

∑≠=

+=n

ijj

jijiii MjLj1

IIV i ωω∆ (4.37)

4.3.3 Linha Trifásica

Vamos agora aplicar ao caso de uma linha trifásica, com os condutores colocados nos

vértices de um triângulo equilátero, conforme ilustrado na Figura 4.6a.

ai

bi

ci

DD

D

D

a

icD

ib

Figura 4.6 – Linha trifásica: a) Condutores equidistantes; b) Condutores em esteira.

A queda de tensão por unidade de comprimento do condutor da fase a é:

( )

++

′=

++=

−cba

7

cacbabaaa

D1

lnD1

lnr1

ln10x2j

MjMjLj

III

IIIVa

ω

ωωω∆ (4.38)

Page 110: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 104

Admitindo simetria das correntes:

0=++ cba III (4.39)

vem:

( )

( ) a7

aa7

rD

ln10x2j

D1

lnr1

ln10x2j

I

IIVa

′=

=

′=

ω

ω∆ (4.40)

Expressões análogas se podem escrever para as fases b e c:

( ) b7

rD

ln10x2j IVb ′= −ω∆ (4.41)

( ) c7

rD

ln10x2j IVc ′= −ω∆ (4.42)

A queda de tensão em cada fase só depende da corrente nessa fase, o que permite a

análise por fase usando o esquema monofásico equivalente:

( )rD

ln10x2L 7

′= − (4.43)

Note-se que este coeficiente de indução própria é metade da correspondente a uma linha

monofásica – veja-se a equação (4.34).

Se os condutores não forem equidistantes e sendo Dab, Dbc e Dac as distâncias entre os

três condutores tomados dois a dois, as quedas de tensão nas três fases escrevem-se:

( )

++

′=

++=

−c

acb

aba

7

cacbabaaa

D1

lnD1

lnr1

ln10x2j

MjMjLj

III

IIIVa

ω

ωωω∆

(4.44)

( )

++

′=

++=

−a

acc

bcb

7

aaccbcbbb

D1

lnD1

lnr1

ln10x2j

MjMjLj

III

IIIVb

ω

ωωω∆

(4.45)

( )

++

′=

++=

−b

bca

acc

7

bbcaacccc

D1

lnD1

lnr1

ln10x2j

MjMjLj

III

IIIVc

ω

ωωω∆

(4.46)

Page 111: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 105

Neste caso existe acoplamento entre fases, resultante de a linha não ser um elemento

simétrico, o que em princípio impossibilita a análise monofásica equivalente. Contudo, a

transposição dos condutores da linha – que se representa na Figura 4.7 – permite torná-la

aproximadamente simétrica. Com esta técnica, os condutores vão sendo permutados cir-

cularmente, em troços equidistantes, de forma que cada um ocupa sequencialmente as

três posições possíveis.

a

b

c

c

a

b

b

c

a

aV ′∆ aV ′′∆ aV ′′′∆

Figura 4.7 – Linha trifásica transposta.

Para cada troço da linha transposta aplicam-se as equações (4.44), (4.45), e (4.46). A

queda de tensão na fase a é então a média das quedas de tensão em cada troço:

( )

++

′=

=′′′+′′+′

=

−c

acbcabb

acbcaba

7

DDD1

lnDDD

1ln

r1

ln310x2j31

3

III

VVVV aaa

a

ω

∆∆∆∆

(4.47)

Atendendo à equação (4.39), vem:

( )

( ) a

3acbcab7

aacbcab

7

rDDD

ln10x2j

DDD1

lnr1

ln310x2j31

I

IVa

′=

=

′=

ω

ω∆ (4.48)

Concluímos que, para a linha transposta, é válida a análise monofásica equivalente, uma

vez que a queda de tensão em cada fase depende apenas da corrente nessa fase. O

coeficiente de auto-indução por fase (H/m) calcula-se então por:

( )r

DDDln10x2L

3acbcab7

′= − (4.49)

Confrontando com a equação (4.43), verifica-se que se usa a média geométrica das dis-

tâncias entre os três condutores, tomados dois a dois.

Page 112: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 106

Para uma linha com configuração em esteira – Figura 4.6b – a média geométrica das dis-

tâncias entre condutores é D2DDD2 33 = , pelo que a equação anterior devém:

( )r

D2ln10x2L

37

′= − (4.50)

4.3.4 Linha Trifásica com Dois Condutores em Feixe

Consideremos por último uma linha trifásica com dois condutores em feixe – Figura 4.8 –

que é usual para o nível de tensão de 400 kV. Vamos calcular o coeficiente de auto-

indução para uma configuração em esteira, transposta, sendo d a distância entre os con-

dutores da mesma fase e D a distância entre fases.

d

1 2

a

3 4

b

5 6

c

DD

Figura 4.8 – Linha trifásica com dois condutores em feixe.

Admitindo que a corrente por fase se reparte igualmente pelos dois condutores, a queda

de tensão por unidade de comprimento no condutor 125 (fase a) no primeiro troço é:

( )

+

+++

+++′

=′ −

2dD21

ln2D2

1ln

2dD1

ln2D

1ln

2d1

ln2r

1ln10x2j ccbbaa7 IIIIII

Va ω∆ (4.51)

Dado que d<<D, podemos simplificar:

( )

++

+′

=′ −cb

a7

D21

lnD1

ln2d

1ln

r1

ln10x2j III

Va ω∆ (4.52)

No segundo troço da linha transposta, a queda de tensão para os condutores ocupando

as posições 3 ou 4 é:

25 O mesmo valor se obteria para o condutor 2.

Page 113: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 107

( ) aa IVdr

1ln10x2j 7

′=′′ −ω∆ (4.53)

No terceiro troço, a queda de tensão para os condutores ocupando as posições 5 ou 6 é:

( )

++

+′

=′′′ −cb

a7

D1

lnD21

ln2d

1ln

r1

ln10x2j III

Va ω∆ (4.54)

Tomando a média destes três equações, vem para a queda de tensão na fase a:

( ) a

37

dr

D2ln10x2j IVa

′= −ω∆ (4.55)

O coeficiente de auto-indução por fase é, por conseguinte;

( )dr

D2ln10x2L

37

′= − (4.56)

O cálculo numérico do coeficiente de auto-indução de uma linha com dois condutores em

feixe revela um valor da ordem de 30% inferior ao de uma linha com um condutor por

fase.

No caso geral de uma linha trifásica com m condutores em feixe por fase, sendo Dab, Dbc

e Dac as distâncias entre os centros dos feixes e R o respectivo raio, o coeficiente de

auto-indução por fase é dada por:

( )m 1m

3cabcab7

Rrm

DDDln10x2L

′= (4.57)

A relação entre o raio do feixe R e a distância d entre os condutores é:

m

senR2dπ= (4.58)

4.4 Admitância Transversal

A admitância transversal de uma linha reduz-se na generalidade dos casos à respectiva

susceptância CB ω= , onde C denota a capacidade electrostática entre os condutores,

uma vez que se despreza a condutância.

Page 114: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 108

A capacidade define-se como o quociente entre a carga electrostática Q e a tensão (dife-

rença de potencial) V entre dois objectos metálicos separados por um dieléctrico:

VQ

C = (4.59)

A carga exprime-se em Coulomb (C) e a capacidade em Farad (F), que corresponde ao

Coulomb/Volt. Em linhas eléctricas, devido ao seu carácter de circuitos com parâmetros

distribuídos, a capacidade calcula-se por metro de comprimento, exprimindo-se por con-

seguinte em F/m (em geral, em µF/m).

4.4.1 Linha Monofásica

Consideremos uma linha monofásica de comprimento infinito, com dois condutores de

raios r1 e r2 separados pela distância D, conforme se representa na Figura 4.1.

A teoria do campo electromagnético diz-nos que o potencial V à distância x de uma carga

eléctrica pontual Q é:

x4

QV

0πε= (4.60)

onde 90 10x

361 −=

πε (F/m) é a constante dieléctrica do vácuo.

Numa linha a carga eléctrica q (expressa em C/m) está distribuída ao longo dos conduto-

res, considerando-se positiva no condutor 1 e negativa no condutor 2. Pode demonstrar-

se que o potencial num ponto P, situado à distância d1 do condutor 1 e d2 do condutor 2

se exprime pela equação:

1

2

0P d

dln

2q

Vεπ

= (4.61)

O potencial é constante ao longo de linhas para as quais a relação d2/d1 é constante, de-

signadas círculos harmónicos, que se representam na Figura 4.9. As superfícies equipo-

tenciais são então cilíndricas e as linhas de força do campo eléctrico são círculos, ortogo-

nais àquelas.

O potencial V1 à superfície do condutor 1 obtém-se fazendo 11 rd = e Dd2 = ( )Dr1 << :

10

1 rD

ln2

qV

επ= (4.62)

Page 115: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 109

De igual modo o potencial V2 à superfície do condutor 2 obtém-se fazendo 22 rd = e

Dd1 = ( )Dr2 << :

20

2

02 r

Dln

2q

Dr

ln2

qV

επεπ−== (4.63)

Linha do campoeléctrico

Equipotencial

V=0

D

P

2r1 2r2

V<0

d1 d2

V>0

Figura 4.9 – Linhas de força e equipotenciais.

A diferença de potencial (tensão) entre os dois condutores é, por conseguinte:

210

2112rr

Dln

qVVV

επ=−= (4.64)

A capacidade entre os dois condutores – quociente entre a carga por unidade de compri-

mento e a tensão entre eles – vem então:

21

012

rr

DlnC

επ= (4.65)

Sendo os dois condutores iguais ( 21 rr = ), a capacidade (expressa em F/m) é:

rD

ln

110x

361

rD

lnC 90

12−==

επ (4.66)

O cálculo apresentado não considera a presença da terra, que altera as superfícies equi-

potenciais e as linhas do campo eléctrico e, por conseguinte, a capacidade entre os con-

dutores.

Page 116: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 110

4.4.2 Linha com n Condutores

Vamos agora generalizar os resultados obtidos para uma linha com n condutores. A

equação (4.61) pode reescrever-se:

2010

P d1

ln2

qd1

ln2

qV

πεπε−+= (4.67)

Para n condutores com cargas q1, q2, …,qn respectivamente, o potencial num ponto P às

distâncias d1, d2, …,dn dos condutores – Figura 4.10 – é dado por:

n0

n

20

2

10

1P d

1ln

2q

d1

ln2q

d1

ln2q

Vπεπεπε

+++= L (4.68)

A soma de todas as cargas tem necessariamente de ser nula. Se assim não fosse, dado

que os condutores têm comprimento infinito, teríamos um excesso (ou defeito) infinito de

carga eléctrica, o que é fisicamente impossível. Então:

0qqq n21 =+++ L (4.69)

P

q1

q2

qn

d1

d2

dn

Figura 4.10 – Linha com n condutores.

4.4.3 Influência da Terra

A terra constitui uma superfície ao potencial zero, podendo o seu efeito ser considerado

usando a teoria das imagens das cargas. Estas imagens são da mesma grandeza que as

cargas físicas, mas de sinal contrário, estando colocadas a idêntica distância relativamen-

te à terra que aquelas, como está representado na Figura 4.11.

O campo eléctrico resultante das cargas reais residentes nos condutores, na presença

da terra, é equivalente ao que teria origem naquelas e nas respectivas imagens, ignorando

a terra.

Page 117: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 111

q

H

H

-q

Figura 4.11 – Imagem de uma carga.

Considerando uma linha de n condutores na presença da terra, representada na Figura

4.12, o potencial do ponto P será:

n0

n

20

2

10

1

n0

n

20

2

10

1P

d1

ln2

qd1

ln2

qd1

ln2

qd1

ln2q

d1

ln2q

d1

ln2q

V

′−

++′

−+

′−

+

+++=

πεπεπε

πεπεπε

L

L

(4.70)

ou seja:

n

n

0

n

2

2

0

2

1

1

0

1P d

dln

2q

dd

ln2q

dd

ln2q

V′

++′

+′

=πεπεπε

L (4.71)

d1

d2

dn

nd′

P

q1

q2

qn

-qn

-q2

-q1

2d′

1d′

Page 118: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 112

Figura 4.12 – Linha com n condutores na presença da terra.

Para uma linha monofásica com dois condutores – Figura 4.13 – o potencial do condutor

1 é:

DD

rH2

ln2

q

DD

ln2

qrH2

ln2

qV

0

001

′=

=′−

+=

πε

πεπε (4.72)

Analogamente, o potencial do condutor 2 é:

H2r

DD

ln2

q

rH2

ln2

qDD

ln2

qV

0

002

′=

=−

+′

=

πε

πεπε (4.73)

D

D’

-q

21

H

H

q

2’1’

-q

q

Figura 4.13 – Linha com dois condutores na presença da terra.

A diferença de potencial entre os dois condutores vem:

′=−=

DD

rH2

lnq

VVV0

2112 πε (4.74)

A capacidade entre os dois condutores será:

12

12 Vq

C = (4.75)

Page 119: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 113

Substituindo V12 da equação (4.74), vem:

=

= −

DH2

rD

ln

110x

361

DH2

rD

lnC 90

12πε (4.76)

Confrontando com a equação (4.66), constata-se que a diferença reside no factor 2H/D’

no argumento da função logaritmo. Para valores normais dos parâmetros de configuração

da linha, verifica-se que a influência da terra no valor da capacidade é diminuta (inferior a

1%).

A capacidade em relação ao neutro (terra) obtém-se por:

1V

qC = (4.77)

Substituindo V1 da equação (4.72), vem:

=

= −

DH2

rD

ln

110x

181

DH2

rD

ln

2C 90πε (4.78)

A capacidade em relação ao neutro é dupla da capacidade entre os dois condutores.

4.4.4 Linha Trifásica

Considere-se agora uma linha trifásica não simétrica e transposta, com um condutor por

fase, com a configuração apresentada na Figura 4.14.

Dbc

a

b c

DabDac

Figura 4.14 – Linha trifásica com espaçamento entre condutores não simétrico.

Ignorando a presença da terra, o potencial do condutor a no primeiro troço de linha é:

Page 120: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 114

++=′

acc

abba

0a D

1lnq

D1

lnqr1

lnq2

1V

πε (4.79)

No segundo troço,

++=′′

abc

bcba

0a D

1lnq

D1

lnqr1

lnq2

1V

πε (4.80)

No terceiro troço,

++=′′′

bcc

acba

0a D

1lnq

D1

lnqr1

lnq2

1V

πε (4.81)

Tomando a média aritmética:

3

VVVV aaa

a

′′′+′+′= (4.82)

e tendo presente que:

0qqq cba =++ (4.83)

resulta:

r

DDDln

2q

V3

acbcab

0

aa πε

= (4.84)

A capacidade ao neutro (terra) é por conseguinte:

r

DDDln

2C

3acbcab

0πε= (4.85)

Tratando-se de uma linha com condutores em esteira à distância D, vem:

rD2

ln

110x

181

rD2

ln

2C

39

30 −==

πε (4.86)

Se se considerar o efeito da terra – Figura 4.15 – pode demonstrar-se que:

′′′

=

3acbcab

3

0

DDD

H2r

D2ln

2C

πε (4.87)

Page 121: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 115

ou, substituindo os valores de acbcab DD,D ′′′ e :

( ) ( ) ( ) ( )

++

=

++

= −

6 22222

9

6 22222

0

HDH4D

H2rD

ln

110x

181

HDH4D

H2rD

ln

2C

πε (4.88)

a b c

acD′ bcD′

a’ b’ c’

abD′

DD

H

H

Figura 4.15 – Linha trifásica em esteira na presença da terra.

4.4.5 Linha Trifásica com Dois Condutores em Feixe

Consideremos agora a linha trifásica transposta com dois condutores em feixe da Figura

4.8. Admitindo que a carga na fase a é qa, distribuída uniformemente pelos dois conduto-

res, e que Dd << , o potencial de qualquer um dos condutores desta fase, no primeiro

troço, ignorando a presença da terra, é:

+++=′

D21

lnqD1

lnqd1

ln2q

r1

ln2q

21

V cbaa

0a πε

(4.89)

No segundo troço:

+++=′′

D1

lnqD1

lnqd1

ln2q

r1

ln2q

21

V cbaa

0a πε

(4.90)

e no terceiro troço:

Page 122: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 116

+++=′′′

D1

lnqD21

lnqd1

ln2q

r1

ln2q

21

V cbaa

0a πε

(4.91)

Tomando a média e usando a equação (4.83), vem:

dr

D2ln

2q

V3

0

aa πε

= (4.92)

A capacidade por fase é por conseguinte:

dr

D2ln

110x

181

dr

D2ln

2C

39

30 −==

πε (4.93)

No caso geral de uma linha trifásica com m condutores em feixe por fase, sendo Dab, Dbc

e Dca as distâncias entre os centros dos feixes e R o respectivo raio, a capacidade por

fase é dada por:

m 1m

3cabcab

9

m 1m

3cabcab

0

Rrm

DDDln

110x

181

Rrm

DDDln

2C

==πε

(4.94)

4.4.6 Cabo Subterrâneo

Os cabos subterrâneos podem ser trifásicos ou monofásicos, também designados tripo-

lares ou monopolares. Em qualquer dos casos, os condutores são isolados por meio de

papel impregnado de óleo ou polietileno cruzado e envolvidos por uma bainha metálica (de

chumbo ou alumínio), para protecção contra a humidade e os choques mecânicos. Para

tensões acima dos 10 kV, usam-se quase exclusivamente cabos monopolares; contudo,

para as muito altas tensões, os cabos são instalados dentro de um tubo metálico, não

possuindo bainhas individuais.

Para cabos monopolares com bainhas individuais, a capacidade calcula-se pela expres-

são:

rR

ln10x

181

rR

ln

2C r9r0 εεπε −== (4.95)

onde 533 ,r −=ε é a constante dieléctrica relativa do material isolante, r o raio do condu-

tor e R o raio da bainha.

Page 123: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 117

Para cabos tripolares com bainha ou cabos instalados em tubos, pode-se recorrer a da-

dos empíricos.

A capacidade dos cabos subterrâneos é consideravelmente superior à das linhas aéreas

devido à maior proximidade dos condutores.

4.5 Modelo da Linha em Regime Estacionário

4.5.1 Modelo Exacto

O modelo de uma linha arbitrariamente longa – também designado modelo exacto – pode

ser deduzido por aplicação das leis de Kirchoff a um troço incremental da mesma, consi-

derando a natureza distribuída dos parâmetros R, L, C e G (valores por unidade de com-

primento).

Considere-se então o troço de uma fase de uma linha trifásica com comprimento infinite-

simal dx, representado na Figura 4.16a, ao qual corresponde o esquema monofásico

equivalente da Figura 4.16b, onde v é a tensão fase-neutro e i a corrente por fase, as

quais são função da distância x medida a partir do extremo emissor

Usando a segunda lei de Kirchoff (lei das malhas) obtém-se a equação26:

( ) ( ) ( )txi

dxLidxRdxxvxv∂

∂+=+− (4.96)

A aplicação da primeira lei (lei dos nós), por seu lado, resulta em:

( ) ( ) ( )txv

dxCvdxGdxxixi∂

∂+=+− (4.97)

26 A menos de infinitésimos de 2ª ordem.

Page 124: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 118

v (x+dx)

i (x+dx)i (x)

v (x)

dxx

a

v (x+dx)

i (x) Rdx i (x+dx)Ldx

v (x)

x dx

Gdx Cdx

b

Figura 4.16 – Representação de uma linha monofásica com parâmetros distribuídos:

a) Troço de linha com comprimento dx; b) Esquema monofásico equivalente.

Sendo a tensão e a corrente funções da distância x, pode escrever-se:

( ) ( ) ( )dx

xxv

xvdxxv∂

∂=−+ (4.98)

( ) ( ) ( )dx

xxi

xidxxi∂

∂=−+ (4.99)

Substituindo nas equações (4.96) e (4.97) e aligeirando a notação, obtêm-se as clássicas

equações diferenciais da linha:

ti

LiRxv

∂∂+=

∂∂− (4.100)

tv

CvGxi

∂∂+=

∂∂− (4.101)

Em regime estacionário, a tensão e corrente são sinusoidais, podendo ser representadas

por fasores. As equações (4.100) e (4.101) escrevem-se neste caso:

( )IVLjR

xdd ω+=− (4.102)

( )VICjG

xdd ω+=− (4.103)

Uma vez que se trata de um regime estacionário, a variável t não consta destas equa-

ções, pelo que as equações às derivadas parciais se transformaram em ordinárias.

Page 125: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 119

Derivando a equação (4.102) em ordem a x e substituindo na equação (4.103); derivando

a equação (4.103) em ordem a x e substituindo na equação (4.102), obtém-se:

( )( )VVCjGLjR

xdd

2

2

ωω ++= (4.104)

( )( ) II

CjGLjRxd

d2

2

ωω ++= (4.105)

ou ainda:

VyzV

=2

2

xdd (4.106)

IyzI

=2

2

xdd (4.107)

onde LjR ω+=z e CjG ω+=y .

Definindo agora a impedância de onda27 Z0 (Ω)e a constante de propagação γ (m-1) por:

yz

Z0 = (4.108)

yz=γ (4.109)

as equações (4.106) e (4.107) rescrevem-se:

VV 22

2γ=

xdd (4.110)

II 22

2γ=

xdd (4.111)

As soluções destas equações diferenciais ordinárias são:

xx ee γγ21 CCV += - (4.112)

27 Também designada impedância característica de onda.

Page 126: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 120

0

2-

1

ZCC

Ixx ee γγ −= (4.113)

As constantes C1 e C2 podem ser calculadas a partir das condições iniciais, para x=0 (ex-

tremo emissor, designado pelo índice e):

21e CCV += (4.114)

0

21e Z

CCI

−= (4.115)

donde:

2

e0e1

IZVC

+= (4.116)

2

e0e2

IZVC

−= (4.117)

Torna-se mais conveniente o uso de funções hiperbólicas:

2

eecosh

θθ

θ−+

= (4.118)

2

eesenh

θθ

θ−−

= (4.119)

As equações (4.112) e (4.113), após substituição de C1 e C2 e subsequente rearranjo,

devêm:

xsenhxcosh γγ e0e IZVV −= (4.120)

xcoshxsenh γγ e0

e IZV

I +−= (4.121)

V e I são as tensões à distância x da emissão. No extremo receptor, x=l, designado pelo

índice r, tem-se:

ll γγ senhcosh e0er IZVV −= (4.122)

ll γγ coshsenh e0

er I

ZV

I +−= (4.123)

Page 127: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 121

Sob forma matricial:

−=

e

e

0

0

r

r

I

V

Z

Z

I

V

ll

ll

γγ

γγ

coshsenh

senhcosh

1 (4.124)

Por inversão da matriz, obtém-se:

=

r

r

0

0

e

e

I

V

Z

Z

I

V

ll

ll

γγ

γγ

coshsenh

senhcosh

1 (4.125)

Esta equação pode apresentar-se sob a forma:

=

r

r

e

e

IV

DCBA

IV (4.126)

Os parâmetros A, B, C e D são dados pelas expressões:

YZDA coshcosh === lγ (4.127)

YZ

YZZZB 0

senhsenh == lγ (4.128)

YZ

YZYZ

C0

senhsenh==

lγ (4.129)

onde lzZ = e lyY = denotam a impedância longitudinal e a admitância transversal to-

tais, respectivamente.

4.5.2 Esquema Equivalente em π

Para a modelação da linha numa rede interligada é conveniente usar um esquema equiva-

lente em π, que se representa na Figura 4.17. O ramo longitudinal possui uma impedância

B e os dois ramos transversais uma admitância (A-1)/B. Da aplicação da lei dos nós a

este esquema, obtém-se:

B

VAVB

VVV

BA

I rereee

−=

−+−= 1 (4.130)

BAVV

VB

AB

VVI re

rre

r−

=−−−

= 1 (4.131)

Page 128: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 122

B

eV rVB

1A−B

1A−

IrIe

Figura 4.17 – Esquema equivalente em π de uma linha.

Da equação (4.131) retira-se:

rre IBAVV += (4.132)

Da equação (4.130), substituindo Ve dado pela equação anterior e tendo presente que

DA = e que CBA =− /)1( 2 , vem:

rre IDCVI += (4.133)

As duas últimas equações são equivalentes à equação matricial (4.126), o que valida o

esquema da Figura 4.17.

As funções hiperbólicas podem expandir-se em série, obtendo-se:

L++++==720242

13322 YZYZYZ

DA (4.134)

++++= L

504012061

3322 YZYZYZZB (4.135)

++++= L

504012061

3322 YZYZYZYC (4.136)

O número de termos da série a considerar depende do comprimento da linha e da preci-

são requerida. Para linhas até 500 km basta tomar dois termos da série:

2

1YZ

DA +== (4.137)

+=

61

YZZB (4.138)

Page 129: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 123

+=

61

YZYC (4.139)

4.5.3 Esquema Equivalente em π Nominal

Para linhas até 250 km, é suficiente usar os dois primeiros termos da série para o parâ-

metro A e o primeiro termo para o parâmetro B. A impedância do ramo longitudinal e as

admitâncias das ramos transversais do esquema equivalente em π devêm, respectiva-

mente:

ZB = (4.140)

2

1 YB

A =− (4.141)

O esquema da Figura 4.17 reduz-se ao esquema equivalente em π nominal, representado

na Figura 4.18.

Z

Ve Vr2Y

2Y

IrIe

Figura 4.18 – Esquema equivalente em π nominal de uma linha.

Este esquema poderia estabelecer-se quase intuitivamente, assumindo que a impedância

longitudinal é concentrada e que metade da admitância transversal é colocada em cada

extremo da linha.

As equações do esquema em π nominal escrevem-se:

( )

++

+=

r

r

e

e

I

V

ZYZYY

ZZY

I

V

2141

21 (4.142)

Page 130: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 124

4.5.4 Modelo da Linha Curta

Para linhas aéreas curtas (até 80–100 km) pode em geral desprezar-se a admitância

transversal, sendo a linha modelada unicamente pela sua impedância longitudinal, con-

forme se representa na Figura 4.1928.

Z

Ve Vr

IrIe

Figura 4.19 – Esquema equivalente de uma linha curta.

Supondo que a linha entrega na recepção uma potência complexa Sr=Pr+jQr e conside-

rando fixa a tensão na recepção Vr, torna-se relativamente simples calcular a tensão na

emissão Ve e a queda de tensão na linha.

Por definição de potência complexa tem-se:

∗=+ IVrrr QjP (4.143)

onde er III == é a corrente que percorre a linha.

Tomando a tensão na recepção para referência (argumento nulo), o valor da corrente é:

r

rr

VQjP −=I (4.144)

A tensão na emissão é dada por:

( )

r

rr

r

rrr

r

rrre

VQRPX

jV

QXPRV

VQjP

XjRV

−+

++=

=−

++=V (4.145)

onde R e X são a resistência e reactância totais da linha, respectivamente.

Esta equação está traduzida graficamente no diagrama de fasores da Figura 4.20.

28 Nos cabos subterrâneos a capacidade é substancialmente mais elevada que nas linhas aéreas, não

sendo legítimo desprezar a admitância transversal no esquema equivalente.

Page 131: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 125

r

rr

VQRPX

j−

r

rr

VQXPR +Vr

Ve

Figura 4.20 – Diagrama de fasores das tensões nos extremos de uma linha curta.

Para valores baixos do ângulo δ – situação normal para linhas curtas e médias – a queda

de tensão ∆V, definida como a diferença entre as amplitudes das tensões Ve e Vr, obtém-

se por:

r

rrre V

QXPRVVV

+≈−=∆ (4.146)

Esta equação é válida usando valores por unidade. Usando unidades do sistema interna-

cional, tem-se para um sistema trifásico:

r

rr

VQXPR

V3+

≈∆ (4.147)

obtendo-se o resultado em kV se a potência estiver expressa em MW (MVAr) e as impe-

dâncias em Ω.

Em alternativa, a última equação pode escrever-se:

φφ∆ senIXcosIRV +≈ (4.148)

onde cosφ é o factor de potência da carga. Esta equação mostra que a queda de tensão

depende fortemente da potência reactiva transmitida pela linha, uma vez que (salvo para

linhas de baixa tensão) a reactância é dominante face à resistência. Por este motivo, a

potência reactiva deve ser gerada localmente, por meio de baterias de condensadores. A

nível da distribuição, esta técnica é designada por compensação do factor de potência.

Em linhas de muito alta tensão, em que X>>R, tem-se aproximadamente:

r

r

VQX

V ≈∆ (4.149)

pelo que a queda de tensão depende essencialmente do trânsito de potência reactiva.

Page 132: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 126

Em circuitos de baixa tensão, a resistência é dominante, pelo que se pode calcular a que-

da de tensão aproximadamente por:

φ∆ cosIRVPR

Vr

r =≈ 29 (4.150)

4.6 Linha Terminada pela Impedância de Onda

Se a linha for terminada pela impedância de onda Z0, a relação entre as tensões e corren-

tes ao longo da linha simplifica-se consideravelmente. Tem-se neste caso:

rr IZV 0= (4.151)

Substituindo nas equações (4.125), obtém-se:

( ) rre VVV lll γγγ esenhcosh =+= (4.152)

( ) rre III lll γγγ ecoshsenh =+= (4.153)

Dividindo as duas equações anteriores e atendendo à equação (4.151), vem:

0r

r

e

e ZIV

IV

== (4.154)

Este resultado mostra que na emissão a linha oferece, tal como na recepção, a impedân-

cia de onda, o mesmo se verificando em qualquer ponto da linha.

Das equações (4.152) e (4.153) pode também obter-se:

lγ-e==e

r

e

r

II

VV (4.155)

A constante de propagação é um número complexo βα j+=γ . Substituindo, vem:

lα-

e

r

e

r eII

VV

== (4.156)

29 Deixa-se ao cuidado do leitor verificar que as perdas em por unidade da potência de carga PL são dadas

por φ

∆2

rL cos

VVP = .

Page 133: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 127

( ) ( ) ( ) ( ) lβ=−=− rere IIVV argargargarg (4.157)

Destas últimas equações conclui-se que a tensão e a corrente ao longo da linha se vão

atenuando da emissão para a recepção com o factor de atenuação α, ao mesmo tempo

que vão sofrendo uma rotação no sentido negativo, com o factor de desfasagem β conso-

ante se representa na Figura 4.21. Note-se que a impedância de onda é tipicamente ca-

pacitiva (argumento entre 0º e – 15º), pelo que a corrente está avançada em relação à

tensão.

Ve

φE

Ir

φ

Ie

Vr

Figura 4.21 – Tensão e corrente numa linha terminada pela impedância de onda.

Admitindo uma linha sem perdas, a impedância de onda devém resistiva pura:

CL

Z0 = (4.158)

e a constante de propagação imaginária pura:

CLjj ωβ ==γ (4.159)

Pode demonstrar-se que o parâmetro ν , dado por:

CL

1=ν (4.160)

é a velocidade de propagação das ondas electromagnéticas ao longo da linha (ver Capítu-

lo 8). Para linhas aéreas, esta velocidade é muito aproximadamente igual à velocidade da

luz no ar (3x108 m.s-1).

Page 134: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 128

Da equação (4.159), substituindo a equação (4.160) resulta:

νωβ = (4.161)

Uma vez que a atenuação é nula, a tensão e a corrente ao longo da linha – que estão em

fase – mantêm-se constantes em módulo. Diz-se neste caso que a linha transporta a sua

potência natural Pn:

0

2n

n ZV

P = (4.162)

Nestas condições, a potência reactiva gerada pela capacidade da linha iguala a absorvida

pela respectiva reactância:

22 ILVC ll ωω = (4.163)

donde:

0ZCL

IV == (4.164)

Se a impedância de carga for superior a Z0 – potência entregue inferior à potência natural

– a corrente diminui, o mesmo sucedendo à potência reactiva absorvida; uma vez que a

tensão se mantém sensivelmente constante, a potência reactiva gerada pouco varia. A

linha comporta-se então como um gerador líquido de potência reactiva e a tensão sobe ao

longo da linha, sendo na recepção superior à emissão.

No caso de a potência ser superior à natural – impedância de carga inferior a Z0 – a linha

é um consumidor líquido de potência reactiva e a tensão baixa ao longo da linha, sendo na

recepção inferior à emissão.

As linha aéreas são normalmente operadas com uma potência superior à potência natural

(salvo eventualmente em períodos de vazio). Os cabos subterrâneos, cuja impedância de

onda é da ordem de um décimo da das linhas aéreas – uma vez que os respectivos coe-

ficiente de auto-indução e capacidade são substancialmente menor e maior, respectiva-

mente – funcionam com potências inferiores à natural.

Page 135: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 129

4.7 Capacidade de Transporte

A potência transitada numa linha deve ser compatível com a capacidade de transporte da

mesma, a qual tem necessariamente um limite, que importa estabelecer.

Este limite é determinado pela temperatura máxima admissível dos condutores, pela es-

tabilidade da marcha síncrona, quando existem geradores ligados nos dois extremos da

linha e ainda pela estabilidade de tensão, quando não existe suporte de potência reactiva

na recepção.

4.7.1 Limite Térmico

Uma linha eléctrica possui uma capacidade de transporte condicionada pela elevação de

temperatura resultante das perdas por efeito de Joule, provocadas pela passagem da cor-

rente eléctrica. A temperatura aumenta até que a taxa de dissipação de calor equilibre a

potência de perdas, tendo o seu valor máximo de ser limitado.

O limite térmico determina a capacidade de transporte nos cabos subterrâneos e nas li-

nhas curtas ou médias (menos de 150-200 km), que constituem a grande maioria das

existentes.

Os cabos subterrâneos são isolados, sendo o isolamento danificado se a temperatura

exceder determinado valor máximo (por exemplo, 120º C).

Os condutores das linhas aéreas dilatam por efeito da elevação da temperatura, o que

aumenta a sua flecha, reduzindo a distância a objectos vizinhos, que tem de obedecer a

mínimos regulamentares.

Note-se que o limite térmico das linhas aéreas depende da temperatura exterior, sendo a

35º C cerca de 2/3 do respectivo valor a 15º C.

A constante de tempo térmica é da ordem de vários minutos, razão pela qual se definem

limites térmicos da capacidade de transporte de curta duração e de longa duração, sendo

o último superior ao primeiro.

4.7.2 Limite de Estabilidade Estática

Considere-se o diagrama da Figura 4.22, que representa um sistema com dois barramen-

tos, ambos com geração e carga, ligados por uma linha.

Page 136: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 130

Figura 4.22 – Sistema com dois barramentos com geração e carga.

Admita-se que os geradores são dotados de reguladores de tensão que mantêm constan-

tes as amplitudes das tensões nos barramentos V1 e V2. Ignorando a admitância trans-

versal da linha (a qual influencia apenas o trânsito de potência reactiva), a corrente na li-

nha, convencionalmente positiva no sentido 1→2 é:

XjR +

−= 21 VVI (4.165)

onde R e X são a resistência e a reactância da linha, respectivamente.

A potência complexa na emissão calcula-se por:

XjR

eVVV j

−−

== ∗δ

212

112 IVS 1 (4.166)

onde δ é o ângulo de desfasagem entre as tensões nos extremos da linha, convencional-

mente positivo quando V1 está em avanço em relação em relação a V2.

As partes real e imaginária desta equação, após alguma manipulação, fornecem as po-

tências activa e reactiva, respectivamente:

222122

2112

XRRcossenX

VVXR

RVP

+−

++

=δδ (4.167)

222122

2112

XRRsencosX

VVXR

XVQ

++

−+

=δδ (4.168)

Para a recepção tem-se:

XjReVVV j

−−

=−=−

∗δ

212

221 IVS 2 (4.169)

donde:

Page 137: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 131

222122

2221

XR

cosRsenXVV

XR

RVP

+

+−

+=

δδ (4.170)

222122

2221

XRRsencosX

VVXR

XVQ

+−

−+

=δδ (4.171)

As perdas de potência activa e reactiva na linha calculam-se pela soma de P12 e P21 e de

Q12 e Q21, respectivamente:

( )δcosVVVVXR

RPPPL 21

22

21222112 2−+

+=+= (4.172)

( )δcosVVVVXR

XQQQL 21

22

21222112 2−+

+=+= (4.173)

A potência activa média transmitida pela linha, convencionalmente positiva no sentido

1→2, é:

δsenVVXR

XVVXR

RPPPmed 2122

22

21

222112

22 ++

−+

=−

= (4.174)

Admitindo que os reguladores de tensão dos geradores mantêm as tensões nos extremos

no seu valor nominal n21 VVV == , resulta:

δ

δ

senP

senVXR

XP

max

nmed

=

+= 2

22 (4.175)

onde:

XV

VXR

XP n

nmax

22

22 ≈+

= (4.176)

Para uma relação 5>RX , o erro na aproximação é inferior a 4%.

Esta equação revela que a tensão desempenha um papel determinante na capacidade de

transporte de uma linha, que aumenta de forma quadrática com aquela grandeza.

Por outro lado, a capacidade de transporte é inversamente proporcional à reactância X – o

produto da reactância por km pelo comprimento da linha. Este último parâmetro não é na-

turalmente susceptível de manipulação, pelo que, para aumentar a capacidade de trans-

porte, há que reduzir a reactância por km. Este desiderato, que assume especial impor-

Page 138: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 132

tância no transporte a longa distância, pode conseguir-se usando circuitos em paralelo,

condutores em feixe (dois a quatro condutores por fase) ou compensando a linha por in-

serção de condensadores em série.

Na Figura 4.23 representa-se graficamente a relação entre a potência activa média

transmitida e o ângulo de desfasagem entre as tensões nos extremos da linha.

Figura 4.23 – Potência transmitida em função do ângulo de desfasagem.

Para uma dada linha, o valor máximo do trânsito de potência activa ocorre para 2πδ ±= ,

que corresponde ao limite de estabilidade estática da marcha síncrona dos dois gerado-

res. O coeficiente de sincronismo, já definido no Capítulo 3 (Secção 3.1.9), é definido por:

δδ

cosPP

C maxs =∂∂= (4.177)

Quando 2πδ ±= o coeficiente anula-se, perdendo-se o sincronismo entre os geradores.

Na prática, prevalece o limite de estabilidade transitória, na determinação do qual se con-

sideram grandes variações da potência transmitida devidas a perturbações na rede, o

qual é consideravelmente mais baixo (veja-se o Capítulo 7). Assim não é recomendável

operar uma linha com ângulos de desfasagem entre as tensões nos dois extremos supe-

riores a 30–40º, a fim de garantir uma margem de estabilidade suficiente.

Este limite da potência máxima transportável determinado pela estabilidade da marcha

síncrona dos geradores só intervém em linhas longas, transportando potências elevadas

de centrais afastadas para centros de consumo com geração local, ou em linhas de inter-

ligação entre sistemas vizinhos com uma capacidade de transporte reduzida, face à po-

tência girante desses sistemas.

Page 139: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 133

4.7.3 Limite de Estabilidade de Tensão

Considere-se um sistema com dois barramentos ligados por uma linha curta com resis-

tência R e reactância X, no qual um gerador ligado a um barramento alimenta uma carga

ligada ao outro – conforme se representa na Figura 4.24.

Figura 4.24 – Rede com dois barramentos e um gerador.

Considerando fixa a tensão no barramento 1, pretende-se calcular a variação da tensão

no barramento 2 quando a carga aumenta progressivamente, mantendo constante a rela-

ção φtan/PQ CC = . Desprezando a admitância transversal da linha, tem-se:

( )IVV 21 XjR ++= (4.178)

onde I é a corrente definida como positiva no sentido 1→2.

Sendo 0j1 eV=1V e δjeV −= 22V :

δj

2

CC

eV

QjP −==

2

C

VS

I (4.179)

Substituindo na equação (4.178) obtém-se:

( )δ

δj

CCj

eV

QjPXjReV

2

2−

++= −1V (4.180)

ou ainda:

( )( )CC22

j

21 QjPXjRVeVV −++=δ

(4.181)

Decompondo em parte real e imaginária, vem:

CC2

221 QXPRVcosVV ++=δ (4.182)

CC QRPXsenVV −=δ21 (4.183)

Page 140: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 134

Quadrando e somando estas equações, obtém-se:

( )[ ] ( )( ) 0QPXRVVQXPR2Vcb

2C

2C

2222

21CC

42 =+++−++

444 3444 214444 34444 21 (4.184)

Trata-se de uma equação bi-quadrada, cuja solução é:

2

4cbbV

2

2−±−

= (4.185)

Existem duas soluções para a tensão V2 (não considerando as soluções negativas, que

não têm significado físico). O argumento δ pode obter-se da equação (4.183):

−=

21VVQRPX

asen CCδ (4.186)

Para valores crescentes da potência de carga PC, mantendo-se constante o factor de po-

tência, a tensão V2 varia como se representa na Figura 4.25. Observa-se o fenómeno do

colapso de tensão, quando a potência activa de carga atinge um valor limite, a partir do

qual o sistema se torna instável. O limite de instabilidade de tensão resulta da falta de su-

porte de potência reactiva na recepção da linha.

PC

V2

Figura 4.25 – Colapso de tensão.

Na situação de carga activa pura (QD=0), e desprezando a resistência da linha, é possível

calcular analiticamente o valor da potência activa que a linha pode transportar, correspon-

dente ao limite de estabilidade de tensão. A Figura 4.26 representa o diagrama de fasores

da corrente na linha e das tensões na emissão e recepção, observando-se que:

δcosVV 12 = (4.187)

Page 141: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Linha Eléctrica de Energia 135

Figura 4.26 – Diagrama de fasores das tensões na emissão e recepção.

Da equação (4.167), desprezando a resistência, obtém-se:

δ

δδ

2senX2

V

cossenX

VP

21

21

12

=

=

(4.188)

O valor máximo da potência transitada na linha ocorre para 4πδ = ; admitindo que V1=Vn,

tem-se:

X2

VP

2n

max = (4.189)

Este valor é metade do que prevalece quando a tensão é mantida no valor nominal em

ambos os extremos da linha, conforme a equação (4.176).

4.8 Sumário

Neste capítulo estudámos a linha eléctrica de energia e estabelecemos os modelos ma-

temáticos relevantes.

O estudo foi iniciado com o cálculo dos parâmetros da linha: resistência, condutância

transversal, reactância longitudinal e admitância transversal, para as várias configurações

usualmente utilizadas.

Estabeleceu-se seguidamente o modelo exacto de uma linha longa, que envolve o uso de

funções hiperbólicas de variável complexa. A partir do qual se evoluiu para o esquema

equivalente em π nominal, válido para linhas médias, e para uma simples impedância lon-

Page 142: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva 136

gitudinal, aplicável para linhas curtas. Analisou-se ainda o comportamento da linha termi-

nada pela respectiva impedância de onda.

A capacidade de transporte de uma linha eléctrica constituiu o tópico seguinte, tendo sido

referido o limite térmico e analisados o limite de estabilidade estática – de base electro-

mecânica – e o limite de estabilidade de tensão – de origem electromagnética

Page 143: Fundamentos Energia Electrica

CAPÍTULO 5

CORRENTES DE CURTO-CIRCUITO

5.1 Introdução

Curto-circuito designa um percurso de baixa impedância, resultante de um defeito, atra-

vés do qual se fecha uma corrente, em geral, muito elevada. Trata-se de uma situação

anormal em Sistemas de Energia Eléctrica, que requer acção imediata, face aos danos

que dela podem resultar.

A grande maioria dos curto-circuitos num SEE ocorrem nas linhas aéreas, devido à sua

grande exposição aos fenómenos físicos naturais. Em particular, as descargas atmosfé-

ricas provocam sobretensões elevadas, as quais podem resultar em contornamentos dos

isoladores. Também embates de aves e de ramos de árvores podem dar lugar a curto-

circuitos nas linhas. Em cabos subterrâneos, transformadores e máquinas rotativas, os

curto-circuitos resultam de defeitos no isolamento dos condutores, devidos à deterioração

das suas propriedades físicas, causada por temperaturas excessivas ou campos eléctri-

cos demasiado intensos.

Os curto-circuitos trifásicos afectam simultaneamente as três fases do sistema, sendo

simétricos no caso de a impedância do defeito ser igual em todas as fases. Se esta im-

pedância for nula, o curto circuito designa-se franco (ou sólido).

Os curto-circuitos assimétricos podem envolver uma fase e a terra – curto-circuito fase-

terra ou monofásico – que é o mais habitual, ou duas fases – curto-circuito fase-fase – ou

ainda duas fases e a terra – curto-circuito fase-fase-terra.

Conforme já se frisou, as correntes de curto-circuito podem atingir valores muito superio-

res às correntes em regime não perturbado, pelo que, se persistirem, causam fadigas

térmicas que danificam os equipamentos por elas percorridos. Também os esforços elec-

trodinâmicos causados pelas correntes elevadas podem ser prejudiciais, em especial

para máquinas e barramentos.

Page 144: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

138

Torna-se, por conseguinte, importante desligar no mais curto tempo possível a secção da

rede onde se deu o defeito. Esta manobra exige a utilização de interruptores capazes de

cortar as correntes de curto-circuito, o que é tanto mais difícil quanto mais elevada for a

tensão. Estes interruptores com poder de corte elevado, designados disjuntores, são ac-

cionados por dispositivos chamados relés, que constituem, em sentido figurado, o cére-

bro de um sistema em que os disjuntores são o músculo.

Note-se que os defeitos causados por descargas atmosféricas são maioritariamente fugi-

tivos, isto é, desaparecem quando a corrente de curto circuito é interrompida. A razão

para esta característica, reside na desionização e consequente recuperação das proprie-

dades isolantes do ar envolvente, após a interrupção da corrente.

Por este motivo utilizam-se em geral para as linhas aéreas disjuntores com religação au-

tomática, ou seja, disjuntores que, após cortarem a corrente de defeito, fecham novamen-

te após um curto intervalo de tempo, por actuação dos respectivos relés. Caso o defeito

persista, o disjuntor abre definitivamente após duas ou três tentativas de religação.

O cálculo das correntes de curto-circuito é necessário para dimensionar os relés de pro-

tecção e o poder de corte dos disjuntores, bem como os esforços electrodinâmicos nas

máquinas e barramentos. Interessa ainda conhecer o perfil das tensões na vizinhança do

defeito, uma vez que elas vão variar significativamente, perturbando o funcionamento dos

aparelhos ligados à rede.

O cálculo deve ser efectuado sequencialmente para curto-circuitos em todos os barra-

mentos da rede, o que requer o uso de um programa de cálculo digital. Note-se, contudo,

que para casos simples, é possível um cálculo rápido simplificado, usando meios rudi-

mentares.

5.2 Corrente e Potência de Curto-Circuito

Um curto-circuito representa uma mudança estrutural na rede, causada pela ligação de

uma impedância de baixo (ou nulo) valor no ponto de defeito. Considere-se um defeito tri-

fásico simétrico no barramento i – Figura 5.1 – com uma impedância Zdef, do qual resulta

uma corrente de curto-circuito igual em módulo nas três fases e desfasada de ±120º. Ain-

da que o defeito envolva a terra, não existe corrente de neutro uma vez que a soma das

três correntes nas fases é nula.

Page 145: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

139

a

0=nI

ZdefZdef

cca i

I

b

c

ccci

I ccbi

I

Zdef

Barramento i

Figura 5.1 – Curto-circuito trifásico simétrico no barramento i.

Uma vez que a corrente de curto-circuito é simétrica, podemos usar o esquema monofá-

sico equivalente que se representa na Figura 5.2a. Este esquema é equivalente ao da

Figura 5.2b, no qual se inseriram em série no percurso de defeito dois geradores fictícios,

ligados em série, com a mesma f.e.m. 0iV – a tensão no barramento i antes da ocorrên-

cia do defeito – e polaridades opostas.

a

i

Zdef

cciV

cciI

b

Zdef

~

~

cci I

0iV

+

- -

+ cc

iV

i

0iV

Figura 5.2 – Esquema monofásico equivalente para o defeito no barramento i.

5.2.1 Teorema da Sobreposição

Usando o Teorema da Sobreposição é possível considerar o estado da rede após o defei-

to como a sobreposição dos dois estados representados na Figura 5.3. O estado 1 cor-

responde à situação pré-defeito e inclui todos os geradores reais ligados à rede (não re-

presentados); uma vez que a f.e.m. do gerador fictício é igual à tensão no barramento, a

corrente que o percorre é nula – pelo que pode ser retirado. O estado 2 corresponde à

Page 146: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

140

ligação do gerador fictício com a polaridade invertida (o pólo positivo está ligado ao neu-

tro); os geradores reais são representados unicamente pelas respectivas impedância in-

ternas.

i

Zdef

Estado 1

i

Zdef

0iV

+

+

cciI +

0=I

Estado 2

0iV

0iV

~ ~ TiV

Figura 5.3 – Aplicação do Teorema da Sobreposição.

As tensões nodais e as correntes nos ramos pós-defeito obtêm-se pela soma das corren-

tes e tensões obtidas nos dois estados. A corrente no ramo que simula o defeito é a que

se obtém do estado 2, uma vez que no estado 1 tal ramo não existe.

5.2.2 Teorema de Thévenin

O estado 2 corresponde à aplicação do Teorema de Thévenin, o qual permite estabelecer

para uma rede eléctrica, vista de um qualquer nó i, o esquema equivalente representado

na Figura 5.4.

+

Zdef

i

ZT

0iV

~cci

Figura 5.4 – Esquema equivalente de Thévenin.

A impedância ZT é a impedância equivalente (de Thévenin) da rede vista do nó i quando se

anulam as fontes de tensão e/ou de corrente.

Se no nó i ocorrer um defeito com impedância Zdef (representado a traço interrompido na

Figura 5.4), a corrente de curto-circuito ccI i obtém-se por:

Page 147: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

141

Tdef

0cc

ZZV

I+

= ii (5.1)

Para um sistema trifásico será:

( )Tdef

0cc

ZZ

VI

+=

3i

i (5.2)

Sendo nula a impedância de defeito defZ (curto circuito franco):

T

0cc

Z

VI

3i

i = (5.3)

Define-se a potência de curto circuito cciS no nó i por:

T

20icc

i0

icci Z

VIV3S == (5.4)

Se se tomar para 0iV a tensão nominal nV :

T

2ncc

i ZV

S = (5.5)

Em valores p.u.:

T

cci

cci Z

1IS == (5.6)

isto é, a potência de curto-circuito é o inverso da impedância equivalente da rede vista do

ponto de defeito.

5.3 Curto-Circuito de um Gerador Síncrono

Considere-se um gerador síncrono rodando à velocidade nominal em vazio, excitado com

uma corrente constante de forma a apresentar aos seus terminais a f.e.m. E, e admita-se

que no instante t = 0 a se dá um curto-circuito trifásico franco. Desprezando a resistência,

pode demonstrar-se que a corrente na fase de referência a é dada por:

)t2(cos)X1

X1

(2

Ecos)

X1

X1

(2

E)t(cos

XE

2i oq

'd

oq

'd

o'd

cc αωααω +−−+−+= (5.7)

Page 148: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

142

onde:

dX ′ – reactância transitória segundo o eixo d

qX – reactância síncrona segundo o eixo q

E – f.e.m. da máquina (tensão em vazio)

ω – frequência angular nominal

oα – ângulo do rotor com o eixo da fase de referência no instante de curto-circuito

Da equação (5.7) verifica-se que:

1. A corrente de curto-circuito tem três componentes: uma componente à frequência

fundamental; uma componente unidireccional (continua); uma componente com fre-

quência dupla da fundamental;

2. A componente contínua varia com oα isto é, com a posição do rotor no instante em

que se dá o defeito.

3. Dado que desprezámos as resistências dos enrolamentos, as componentes da cor-

rente de curto-circuito são constantes (veremos adiante a influência das resistências);

4. O valor eficaz da componente à frequência fundamental é dX/E ′ . Em regime estaci-

onário a corrente terá um valor dX/E onde dX é a reactância síncrona segundo o

eixo d. Dado que dd XX <′ a corrente de curto-circuito transitória é maior (de três a

dez vezes) que a corrente de curto-circuito estacionária;

Oferece-se de seguida uma explicação qualitativa do fenómeno em apreço, uma vez que

a análise quantitativa está fora do âmbito deste texto.

Quando o gerador está excitado, rodando em vazio, existe no seu entreferro um fluxo

magnético girante, ao qual está associada energia magnética. Quando se dá o curto-

circuito, a tensão aos terminais da máquina cai bruscamente para zero. Dado que a ener-

gia magnética não pode anular-se instantaneamente, o fluxo magnético no entreferro

manter-se-á após o curto-circuito no seu valor inicial, o mesmo sucedendo à f.e.m.. Re-

sulta assim uma corrente de curto-circuito no estator limitada apenas pela reactância de

dispersão dos enrolamentos, substancialmente inferior à reactância síncrona, que corres-

ponde ao fluxo ligado.

O efeito desmagnetizante desta corrente, que tende a enfraquecer o fluxo, é compensado

por um aumento da corrente do enrolamento de excitação, que tem efeito magnetizante.

Page 149: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

143

Dado que este enrolamento tem uma resistência não nula, esta corrente vai diminuindo

com uma constante de tempo rddd T.X/XT ′≈′ (Tr é a constante de tempo do enrolamento

de excitação, da ordem de vários segundos), originando um enfraquecimento do fluxo no

entreferro e portanto da tensão do gerador. A corrente no estator vai por consequência

diminuindo também até atingir o seu valor em regime estacionário com a constante de

tempo dT ′ (cerca de 1 a 2 s para máquinas de potência elevada). Na Figura 5.5 represen-

ta-se a variação no tempo do fluxo ligado, da corrente no rotor e da corrente no estator,

tendo-se admitido que a componente contínua é nula )/( 2o πα = .

Figura 5.5 – Corrente de curto-circuito de um gerador síncrono.

No que ficou dito até aqui ignorou-se a presença do enrolamento amortecedor, constituído

por um conjunto de barras de cobre, localizadas na superfície do rotor e curto-circuitadas

por anéis.

Em regime estacionário este enrolamento não é percorrido por corrente, contudo, quando

a máquina experimenta oscilações resultantes de desequilíbrios de potência, induzem-se

nele correntes que têm um efeito amortecedor.

Durante um curto-circuito, para além da corrente induzida no enrolamento de excitação já

referida, estabelecem-se também correntes no enrolamento amortecedor, com o resulta-

do que a corrente no estator sofre um aumento substancial, ainda que limitado aos primei-

Page 150: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

144

ros dois a três ciclos, uma vez que a constante de tempo deste enrolamento é bastante

inferior à do enrolamento de excitação. Define-se assim uma reactância subtransitória

dX ′′ , inferior à reactância transitória dX ′ , que permite calcular o valor eficaz do primeiro

ciclo da corrente pelo quociente dX/E ′′ .

A componente contínua da corrente de curto-circuito tem importância para a definição do

poder de corte dos disjuntores, dado que estes têm de interromper a corrente total. Na

Figura 5.6 representam-se as correntes no rotor e no estator no caso de o curto-circuito

se dar para 0o =α (componente contínua máxima), observando-se uma assimetria impor-

tante nos primeiros ciclos da corrente estatórica, que contudo se desaparece muito rapi-

damente (alguns ciclos). Por outro lado a componente contínua que circula no estator

comporta-se como alternada em relação ao rotor. Gera-se assim no circuito de excitação

uma f.e.m. alternada enquanto dura a componente contínua no estator, que dá origem a

uma ondulação na corrente de excitação.

A presença da componente contínua acarreta um aumento significativo do valor de pico

das primeiras alternâncias da corrente de curto-circuito, o qual pode atingir na primeira

2,5521,8 = vezes o valor eficaz da componente alternada ( maxI na Figura 5.6).

Figura 5.6 – Corrente de curto-circuito com componente contínua máxima.

Page 151: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

145

5.4 Modelos dos Elementos da Rede

5.4.1 Gerador

Em face das considerações feitas na secção anterior, o modelo da máquina síncrona

para o cálculo de correntes de curto-circuito simétrico é o que se representa na Figura

5.7.

~ +

-

a

E’

dXj ′ (ou dXj ′′ )

Figura 5.7 – Modelo do gerador síncrono.

Em relação a este modelo, fazemos as seguintes observações:

1. Desprezou-se a resistência dos enrolamentos;

2. Desprezaram-se todas as componentes da corrente de curto-circuito, para além da

componente à frequência fundamental;

3. Embora a componente à frequência fundamental decresça exponencialmente, dado

que a constante de tempo é da ordem do segundo (50 ciclos), considera-se o regime

como quase-estacionário;

4. Para disjuntores rápidos, tipicamente usados na rede de transporte (1,5 a 2 ciclos),

deve usar-se a reactância subtransitória, que conduz a um valor mais elevado da cor-

rente de curto-circuito. Para disjuntores mais lentos (4 a 5 ciclos), usados na distribui-

ção, é suficiente utilizar a reactância transitória;

5. Para o cálculo dos esforços electrodinâmicos provocados pela corrente de curto-

circuito, usa-se a reactância subtransitória, uma vez que interessa determinar o res-

pectivo valor máximo.

Page 152: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

146

5.4.2 Transformador e Linha

O modelo do transformador não difere do que se utiliza no trânsito de energia. Despreza-

se o ramo transversal correspondente à impedância de magnetização e retém-se o ramo

longitudinal com a impedância de curto-circuito (ignorando-se muitas vezes a resistência).

Se se considerar a rede em vazio no estado pré-defeito, toma-se uma relação de trans-

formação unitária, ainda que o transformador possua um comutador de tomadas.

O modelo da linha também é idêntico ao usado no trânsito de energia, ou seja, o esquema

equivalente em π. Note-se que a admitância transversal tem uma influência reduzida, pelo

que se pode desprezar sem cometer um erro significativo. Quanto à resistência, pode

também desprezar-se em linhas de muito alta tensão, mas não em linhas de média e bai-

xa tensão.

5.4.3 Cargas

No cálculo da corrente de curto-circuito, muitas vezes desprezam-se as cargas, que

afectam o valor daquela corrente de forma pouco significativa. Nesta hipótese, considera-

se a rede em vazio, com um perfil de tensão uniforme, desprezando-se igualmente todos

os elementos transversais (capacidades das linhas e baterias de condensadores ou reac-

tâncias indutivas).

Quando se modelam as cargas, consideram-se em geral como sendo passivas (ou seja,

de elasticidade igual a 2), o que permite representá-las por impedâncias constantes. Natu-

ralmente, uma carga passiva não contribui para a corrente de curto-circuito.

Note-se que as impedâncias equivalentes das cargas possuem valores elevados quando

comparadas com as impedâncias dos elementos da rede, e apresentam forte componen-

te resistiva, ao invés destas, que exibem carácter reactivo dominante.

Em casos especiais, por exemplo, instalações industriais com motores (síncronos ou as-

síncronos) com potências elevadas, devem modelar-se estes de modo mais rigoroso – o

que significa usar um modelo semelhante ao da máquina síncrona (f.e.m. em série com a

reactância transitória). Com efeito, nos instantes que se seguem ao defeito, os motores

funcionam como geradores usando a energia cinética armazenada nas respectivas mas-

sas girantes, contribuindo para a corrente de curto-circuito.

Page 153: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

147

5.5 Cálculo das Correntes de Curto-Circuito Simétrico

5.5.1 Redução da Rede

Em sistemas de reduzida dimensão, é possível determinar as correntes e potências de

curto-circuito, usando meios de cálculo rudimentares, por meio da redução da rede em

etapas sucessivas. Ao invés do que sucede no trânsito de energia, o modelo matemático

do sistema é representado por equações algébricas lineares, cuja solução não requer o

uso de métodos iterativos.

Neste cálculo, considera-se a rede em vazio antes da ocorrência do defeito, com um perfil

de tensão uniforme (igual à tensão nominal ou, por segurança, 5% acima deste valor), o

que corresponde ao desprezo de todas as cargas. Retêm-se apenas as impedâncias dos

geradores, transformadores e linhas aéreas (ou cabos subterrâneos).

A fim de evitar o uso de álgebra de números complexos, desprezam-se as resistências

dos geradores, transformadores e linhas ou, considerando-as, somam-se algebricamente

os módulos das impedâncias. Note-se que, se a parcela resistiva não exceder 33% da

parcela reactiva, o erro no valor da impedância é inferior a 5%.

Uma vez determinadas as impedâncias dos elementos do sistema numa base comum,

compõem-se de acordo com a respectiva topologia, procedendo-se de seguida à redução

da rede até à obtenção da impedância equivalente de Thévenin vista do ponto de defeito.

Obtido o valor desta impedância, calcula-se a corrente de curto-circuito.

A potência de curto-circuito num dado ponto depende da potência girante dos geradores

em serviço e da configuração topológica da rede. Quanto maior for a primeira e mais den-

sa for a segunda, maior a potência de curto-circuito. Definem-se assim as potências de

curto-circuito máxima e mínima, as quais correspondem grosso modo aos períodos de

ponta e de vazio, respectivamente.

A potência de curto-circuito máxima tem interesse para o dimensionamento do poder de

corte dos disjuntores e esforços electrodinâmicos; a mínima para o cálculo das perturba-

ções resultantes da ligação de geradores e/ou cargas e da sensibilidade das protecções

contra curto-circuitos. Quanto maior for a potência de curto-circuito (menor a impedância

a montante) mais “forte” é a rede – maior é a sua capacidade de absorção de variações

no perfil de geração ou de carga.

Page 154: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

148

5.5.2 Impedância Equivalente a Montante

Em redes com uma estrutura radial, pode substituir-se a rede a montante de um barra-

mento pela sua impedância equivalente de Thévenin (também designada por impedância

de curto-circuito). Esta impedância Zcc calcula-se a partir da potência de curto-circuito Scc

imposta pela rede a montante no barramento em questão. Em valores p.u.:

cc

cc S1

Z = (5.8)

Se a potência de curto-circuito no barramento for muito maior que as potências em jogo

na rede a jusante (ou se for desconhecida, presumindo-se que seja elevada), por vezes

admite-se que ela é infinita, o que corresponde a uma impedância a montante nula. Diz-se

neste caso que o barramento (ou a rede a montante) é infinito(a).

Nesta hipótese, cometemos um erro no cálculo da corrente de curto-circuito, mas porque

esse erro é por excesso, estamos do lado da segurança.

5.5.3 Matriz das Impedâncias Nodais

O cálculo das correntes de curto-circuito em redes de grande dimensão em computador

digital utiliza um modelo da rede baseado nas equações nodais.

Para uma rede com n nós, ilustra-se na Figura 5.8 um barramento genérico i, ligado a ou-

tros, mostrando-se o esquema equivalente em π da linha i-j. O gerador é modelado por

uma fonte de corrente Ii em paralelo com a admitância transitória (ou subtransitória) YGi. A

carga ligada ao barramento, considerada passiva (elasticidade 2) está representada pela

admitância YCi.

Vj

j i

Vi YCi

Ii YGi

2 Ypij

2 Ypij

Ysij

Figura 5.8 – Barramento genérico i, com geração, carga e linha ligada ao barramento j.

Page 155: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

149

Aplicando a primeira lei de Kirchoff (lei dos nós) ao barramento i, obtém-se:

( )

( ) j

n

ij1j

n

ij1j

iii

n

ij1j

jii

n

ij1j

iiii

i ji j

i j

i j

i j

2

2

VYVYY

YY

VVYVY

VYVYI

ssp

CG

sp

CGi

∑∑

∑∑

≠=

≠=

≠=

≠=

−+

+++=

−+++=

(5.9)

Se o ramo i-j for um transformador, a admitância i jsY é a respectiva admitância de curto-

circuito e a admitância i jpY é nula. Caso o barramento i não esteja ligado ao barramento j,

ambas as admitâncias i jsY e

i jpY são nulas.

Definindo:

∑≠=

+++=

n

ij1j

iiii i j

i j

2 sp

CG YY

YYy (5.10)

i jjiij sYyy −== (5.11)

a equação (5.9) escreve-se:

j

n

1jij

j

n

ij1j

ijiiii

Vy

VyVyI

=

≠=

=

+=

(5.12)

Os parâmetros yij são os elementos da matriz de admitâncias nodais representativa da

rede:

[ ]

=

nn1n

n111

yy

yyY

LMM

L (5.13)

Trata-se de uma matriz simétrica, com dimensão nxn. O elemento diagonal yi i é a soma

das admitâncias de todos os ramos ligados ao nó i (o seu valor é sempre diferente de

zero); o elemento não diagonal yi j (i≠j) é o simétrico da admitância do ramo que liga os

nós i e j (o seu valor é nulo se estes nós não estiverem ligados por um ramo).

Definindo o vector das correntes injectadas:

Page 156: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

150

[ ]

=

n

1

I

II M (5.14)

e o vector das tensões nodais:

[ ]

=

n

1

V

VV M (5.15)

as equações nodais (5.12) podem escrever-se sob forma matricial:

[ ] [ ][ ]VYI = (5.16)

Uma formulação alternativa usa a matriz [ ] [ ] 1−= YZ , designada matriz das impedâncias

nodais:

[ ] [ ][ ]IZV = (5.17)

Por aplicação do Teorema da Sobreposição, o vector das tensões nodais após o curto-

circuito [Vcc] é dado pela soma do vector das tensões pré-existentes [V0] com o vector

das variações de tensão [VT] resultantes da ligação do gerador equivalente de Thévenin

no nó i, no qual se dá o defeito30:

[ ] [ ] [ ]T0cc VVV += (5.18)

O vector [VT] pode obter-se a partir da equação:

[ ] [ ][ ]Tcc VYI = (5.19)

ou:

[ ] [ ][ ]ccT IZV = (5.20)

A matriz [Z] é simétrica, sendo contudo muito menos esparsa31 que a matriz [Y], pois a

inversão afecta negativamente a esparsidade.

30 Não se considera a ocorrência de defeitos simultâneos. 31 Uma matriz diz-se esparsa quando o número de elementos nulos é muito elevado em face do número

total de elementos.

Page 157: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

151

[Icc] é o vector das correntes de curto-circuito injectadas, cujos elementos são nulos à ex-

cepção do que corresponde ao nó de defeito i:

[ ]

−=

0

0

M

Mcccc II i (5.21)

Note-se o sinal negativo para a corrente injectada, resultante da polaridade do gerador

equivalente de Thévenin.

Substituindo a equação (5.20) na equação (5.18) obtém-se:

[ ] [ ] [ ][ ]cc0cc IZVV += (5.22)

Expandindo esta equação matricial nas suas componentes:

−=

−=

−=

ccn

0cc

cc0cc

cc0cc

IzVV

IzVV

IzVV

iinn

iiiii

ii111

LLLLLLL

LLLLLLL (5.23)

Nesta fase, a corrente de curto-circuito ccI i é desconhecida. Contudo, podemos relacioná-

la com a tensão ccVi através da equação:

ccdef

cc IZV ii = (5.24)

na qual defZ é a impedância do defeito.

Combinando a i-ésima das equações (5.23) com a equação (5.24) obtém-se o valor da

corrente de curto-circuito:

def

0cc

ZzV

I+

=ii

ii (5.25)

Sendo o curto-circuito franco ( 0ef =dZ ) é 0=ccVi , e a equação anterior reduz-se a:

ii

ii z

VI

0cc = (5.26)

Page 158: Fundamentos Energia Electrica

Fundamentos dos Sistemas de Energia Eléctrica J. Sucena Paiva

152

iiz , o elemento diagonal da matriz de impedâncias nodais correspondente ao barramento

i, coincide com a impedância equivalente de Thévenin da rede vista desse barramento.

Conhecida a corrente de curto-circuito no barramento i, as tensões nos outros barramen-

tos obtêm-se a partir das equações (5.23):

00cc Vz

zVV i

ii

jijj −= (5.27)

Conhecidas as tensões nos barramentos, podem calcular-se as correntes nos ramos da

rede, interessando em geral, conhecer apenas as que circulam nos que convergem no nó

de defeito i. Sendo este franco, a corrente no ramo i-j junto ao nó i, considerada positiva

no sentido j→i, é dada por (ver Figura 5.9):

−=

=

00s

ccs

cc

Vz

zVY

VYI

iii

jij

jji

i j

i j

(5.28)

Figura 5.9 – Corrente no ramo que converge no nó de defeito.

Note-se, a finalizar, que para o curto-circuito no barramento i é necessário conhecer ape-

nas os elementos da coluna [ ] [ ]Tniiii1i zzzZ LL= da matriz de impedâncias no-

dais – como se observa na equação (5.23) – a qual pode ser obtida sem recurso à inver-

são completa da matriz [ ]Y , operação computacionalmente pesada para redes de grande

dimensão. As diversas colunas podem calcular-se uma a uma, à medida que se percor-

rem sequencialmente os barramentos da rede, nos quais se pretende calcular a corrente

de curto-circuito.

cciV Ypij

Ysij

Ypij

ccjiI j i

Page 159: Fundamentos Energia Electrica

J. Sucena Paiva Correntes de Curto-Circuito

153

5.6 Sumário

Neste capítulo apresentou-se a metodologia de cálculo das correntes de curto-circuito em

Sistemas de Energia Eléctrica, as quais, em virtude da sua elevada intensidade, podem

causar danos importantes nos equipamentos por elas percorridos. Também dão lugar a

um abaixamento de tensão na rede, tanto mais acentuado quanto mais próximo do local

de defeito.

Apesar de se tratar de uma situação perturbada, este cálculo é efectuado usando um mo-

delo do sistema em regime quase-estacionário, representado por equações lineares, váli-

do durante um curto intervalo de tempo após a ocorrência do defeito – o que se justifica,

uma vez que as correntes de curto-circuito têm de ser interrompidas rapidamente, por

razões de segurança dos equipamentos e pessoas.

Sendo linear o modelo do SEE em curto-circuito, o cálculo das correntes de curto-circuito

não requer, ao contrário do trânsito de energia, o uso de métodos iterativos.

Um curto-circuito constitui uma alteração estrutural da rede, materializada por um ramo

de baixa impedância entre dois terminais, que na situação pré-defeito, exibiam uma dife-

rença de potencial eléctrico. A corrente neste ramo calcula-se de forma expedita pelo Te-

orema de Thévenin, conhecida a tensão antes da sua ligação e a impedância equivalente

da rede vista do par de terminais em apreço – a qual, para redes de reduzida dimensão a

impedância equivalente pode calcular-se por meio da redução da rede passo a passo.

Para sistemas de dimensão elevada, foi apresentado um algoritmo de cálculo computaci-

onal usando a matriz de impedância nodais, inversa da matriz de admitâncias. Conhecida

a corrente de curto-circuito, as tensões pós-defeito e as correntes nos ramos calculam-

se pelo Teorema da Sobreposição.

Considerou-se que a rede está em vazio antes da ocorrência do defeito, com um perfil de

tensões plano. Os resultados do estudo assim realizado, por norma, não diferem subs-

tancialmente dos que se obtêm considerando a rede em carga, uma vez que as correntes

de curto-circuito são essencialmente condicionadas pelo número e características dos

geradores ligados, pelo nível de tensão e pela estrutura da rede.

Por esta razão, são característicos de um sistema eléctrico os valores das potências de

curto-circuito máxima e mínima, que correspondem tipicamente a situações de ponta e de

vazio.