fundamentos teóricos 13 atividade de estudo como guia do...
TRANSCRIPT
Fundamentos Teóricos
95
Atividade de estudo como guia
do desenvolvimento da criança
em idade escolar: contribuições
ao currículo de Ensino
Fundamental
Flávia da Silva Ferreira Asbahr1
ara pensarmos e
colocarmos em prática um
currículo, no nosso caso o
Currículo Comum para o Ensino
Fundamental Municipal de
Bauru, é necessário entender a
quem estamos ensinando, quem
são as pessoas que irão
aprender aquilo que está
sistematizado na forma de
conteúdo curricular.
Defendemos que a
compreensão sobre o conteúdo
e a estrutura da atividade guia
em cada período de
desenvolvimento é fundamental
para pensarmos a organização e
a metodologia do ensino, o que
abarca a organização do
conteúdo a ser ensinado. O foco
específico deste capítulo será a
compreensão acerca da
atividade de estudo, a qual deve
emergir como a atividade
específica das crianças que
estão matriculadas no ensino
fundamental.
No caso do ensino
fundamental a compreensão
sobre a atividade de estudo se
faz urgente, pois temos poucas
pesquisas e sistematizações
sobre este período, seu
conteúdo e estrutura. Como
ensinar se pouco conhecemos a
quem ensinamos em termos de
1 Psicóloga. Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Docente do departamento de Psicologia, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Bauru.
P
1
0
3
Fundamentos Teóricos
96
desenvolvimento psicológico?
Como organizar um ensino que
produza desenvolvimento se
pouco sabemos como se
desenvolve a atividade de
estudo? Como organizar o
ensino dos conteúdos
curriculares de maneira a
produzir desenvolvimento
psicológico em nossos
alunos(as)?
Primeiramente é importante
conceituar a atividade de estudo.
Vale destacar que quando
estamos falando sobre a
atividade de estudo não
podemos tomá-la como
sinônimo das ações realizadas
cotidianamente pelas crianças
na escola e fora dela, tais como
leitura de textos, realização de
exercícios para fixação de
conteúdos, avaliações, cópias,
lição de casa etc. A atividade de
estudo refere-se à atividade guia
do desenvolvimento na idade
escolar, cuja característica é
produzir a constituição de uma
neoformação psicológica
essencial ao processo de
humanização, a formação do
pensamento teórico. As ações
mencionadas podem compor a
atividade de estudo se seus fins
forem condizentes com os
motivos desta atividade no
sentido da formação do
pensamento teórico, mas
podem, por outro lado, serem
meras operações que pouco
contribuem à sua formação.
Segundo Tolstij (1989), o
sentido principal do estudo é a
mudança da contemplação
sensorial ao pensamento
abstrato. A criança passa a
poder dominar os
conhecimentos científicos,
filosóficos e artísticos, bem
como amplia suas idéias sobre o
mundo e “prepara-se
teoricamente para a ação futura
no mundo das relações e dos
objetos humanos” (p.165).
O termo “atividade de estudo”
refere-se especialmente à
atividade de aprendizagem que
ocorre na escola, instituição cuja
particularidade é a transmissão
da cultura humana elaborada.
Entende-se, na perspectiva
teórica adotada, o estudante
como sujeito, como
personalidade integral e não
como a soma de capacidades
isoladas e fragmentadas.
Elkonin sintetiza o que é a
atividade de estudo:
Fundamentos Teóricos
97
O estudo, isto é, aquela atividade em cujo processo transcorre
a assimilação de novos conhecimentos e cuja direção
constitui o objetivo fundamental do ensino é a atividade
dominante nesse período. Durante este, tem lugar uma
intensa formação das forças intelectuais e cognitivas da
criança. A importância primordial da atividade de estudo está
determinada, ademais, porque por meio dela se mediatiza
todo o sistema de relações da criança com os adultos que a
circundam, incluindo a comunicação pessoal na família
(ELKONIN, 1987, p.119).
Neste texto traremos duas discussões que entendemos ser
centrais à organização do ensino, especialmente nas séries iniciais
do ensino fundamental (1o ao 5o ano). Discutiremos, primeiramente,
como se forma e se estrutura a atividade de estudo. Em um
segundo momento, abordaremos a formação do pensamento
produzida pela atividade de estudo, ou seja, a formação do
pensamento teórico e sua relação com a organização do ensino.
1 FORMAÇÃO E ESTRUTURA DA ATIVIDADE DE ESTUDO
A entrada na escola, especificamente no primeiro ano do ensino
fundamental, representa um marco importante no desenvolvimento
da criança, que pode modificar de forma radical sua personalidade
(VYGOTSKY, 1988). Modifica-se substancialmente a situação da
criança perante a sociedade, que começa a realizar uma atividade
valorizada socialmente, considerada “importante e séria”, ou seja,
ocorre uma mudança em sua posição social.
A atividade de estudo, se bem conduzida pela escola e pela
família, produz uma nova situação social de desenvolvimento2 da
personalidade da criança. A partir desse momento precisa fazer os
deveres escolares, não pode ser interrompida quando está
estudando, não pode faltar às aulas, passa a ter novas obrigações
etc. E, desta maneira, a escola produz o trânsito da família para a
2 Na concepção vigotskiana, o conceito de situação social de desenvolvimento é fundamental. Segundo o autor, para entendermos a relação da criança com o meio, não é suficiente considerar apenas seu entorno como algo externo à criança, a partir de uma concepção ambientalista de desenvolvimento. Deve-se ter em consideração que a relação da criança com o meio social é uma relação dinâmica e ativa e que a realidade social é muito mais complexa do que o entorno do sujeito. Vigotski postula, inclusive, que as mudanças produzidas no curso do desenvolvimento modificam sua própria situação social.
Fundamentos Teóricos
98
sociedade civil (TOLSTIJ, 1989). Disto podemos depreender uma
implicação pedagógica: a criança precisa ser introduzida à atividade
de estudo de forma intencional pela escola e pela família, o que
significa criar um contexto de valorização das ações de estudo.
O papel da família na formação da atividade de estudo foge aos limites deste texto. No
entanto é importante frisar que, de forma geral, as famílias têm muitas dúvidas sobre
como ajudar suas crianças no processo de escolarização e, dessa forma, a escola não
pode se redimir de orientar os pais neste sentido. Um exemplo importante é a formação
de conselheiros escolares em curso no sistema municipal de Bauru, pois não basta exigir
a participação das famílias se não as ensinamos a participar. Sobre a participação da
família na vida escolar recomendo a leitura de dois textos que compõe a Proposta
Pedagógica para a educação infantil deste município: “Relações entre escola e família:
reflexões e indicativos para a ação de docentes e gestores educacionais” e “Conselhos
Escolares e Democracia Participativa: Aspectos legais e políticos da gestão democrática”,
disponíveis em:
<http://www.bauru.sp.gov.br/arquivos2/arquivos_site/sec_educacao/proposta_pedagogica
_educacao_infantil.pdf>.
Segundo Tolstij (1989), como resultado da mudança da posição
social da criança e de sua situação social de desenvolvimento,
nasce em torno dos seis anos ou sete anos, o desejo de estar na
escola e aprender o que pessoas adultas sabem. O jogo, atividade
guia do desenvolvimento no período anterior, paulatinamente cede
lugar a uma nova forma de atividade, o estudo, e surge uma
motivação social mais ampla por meio da formação da capacidade
de estudo: a escola torna-se potencialmente o centro da vida das
crianças.
Bozhovich (1985) sintetiza estas transformações:
Resumindo a caracterização das mudanças que ocorrem na
vida da criança ao ingressar na escola, podemos assinalar
uma mudança decisiva do lugar da criança no sistema de
relações sociais acessíveis a ela, e de toda sua forma de vida.
Destaca-se que a posição do escolar, devido ao ensino geral
Fundamentos Teóricos
99
obrigatório e ao sentido ideológico que em nossa
sociedade se concede ao trabalho3, incluindo ao
escolar, cria uma tendência moral especial da
personalidade da criança. O estudo não é para ela
simplesmente uma atividade de assimilação de
conhecimentos nem um meio para preparar-se para o
futuro, e sim a criança o compreende e o sente
também como sua própria obrigação de trabalhar,
como sua participação na vida laboral cotidiana de
todos (p. 169).
Além disso, segundo Vygotsky (1988), o aprendizado
escolar produz desenvolvimento psicológico na medida em
que atua na Zona de Desenvolvimento Iminente e, dessa
maneira, produz novas formações psicológicas. Ocorre uma
intensa formação das capacidades intelectuais e cognitivas
da criança e todas as suas relações, inclusive as relações
familiares, passam a estar mediadas pela atividade de
estudo. (ELKONIN, 1987).
O conteúdo fundamental da atividade de estudo são os
conhecimentos teóricos:
[...] é a assimilação dos procedimentos
generalizados de ação na esfera dos conceitos
científicos e as mudanças qualitativas no
desenvolvimento psíquico da criança que ocorre
sobre esta base (DAVIDOV; MARKOVA, 1987,
p.324).
A finalidade da educação escolar é, portanto, a formação
do pensamento teórico, tendo em vista a constituição da
personalidade integral dos(as) estudantes.
3 A autora refere-se à educação na ex-URSS, em situação de socialismo desenvolvido. Defendemos que a atividade de estudo é também característica das crianças que estudam na escola primária burguesa, pois o desenvolvimento infantil deve ser entendido na perspectiva do gênero humano, ou seja, tendo como meta as máximas possibilidades de desenvolvimento em cada momento histórico
Fundamentos Teóricos
100
Segundo Davidov e Markova
(1987), além do conteúdo desta
atividade, é importante destacar
sua unidade de análise4, a
tarefa de estudo, que expressa a
unidade entre forma e conteúdo
no ensino e é organizada a partir
de um problema de
aprendizagem. O termo
“problema de aprendizagem”
não se refere a problemas
práticos ou cotidianos da criança
ou de sua realidade imediata e
empírica, mas sim a problemas
concretos, colocados pela
história humana em sua
dimensão genérica. Trata-se de
um problema que, para ser
solucionado, demanda a
reprodução do movimento
lógico-histórico do conceito e o
domínio de um modo geral de
ação de estudo pelo(a)
estudante.
Podemos ver um exemplo de tarefa de estudo que busca reproduzir o movimento lógico-histórico do conceito no artigo “Relações entre educação infantil e conhecimento matemático”, disponível em:
<http://www.infoteca.inf.br/endipe/smarty/templates/arquivos_template/upload_arq
uivos/acervo/docs/1964p.pdf. O texto traz a estória de “Verdim e seus amigos”, que tem como objetivo estabelecer relações entre as significações aritméticas, algébricas e geométricas dos conceitos matemáticos.
4 Segundo Vigotski (2000), a unidade de análise refere-
se àquele produto da análise que possui todas as
propriedades inerentes ao todo, ou seja, a parte
indecomponível, que revela, em sua forma primária e
simples, as propriedades do todo.
A organização do ensino
tendo como referência a tarefa
de estudo busca superar o
intelectualismo e verbalismo tão
presente no ensino de conceitos.
Assim não se trata de garantir
que a criança aprenda apenas a
verbalizar um conceito, mas que
se aproprie do processo lógico e
histórico que produziu a
necessidade e a elaboração
daquele conceito, e isto só
ocorre se ela estiver em
atividade de estudo.
Tendo a tarefa de estudo
como unidade da atividade de
estudo, Davidov e Markova
(1987) apresentam os elementos
que compõem sua estrutura
como atividade. Primeiramente,
a compreensão pelo (a)
estudante das tarefas de estudo,
que (a) o leve a generalizar os
conteúdos estudados e a
Fundamentos Teóricos
101
dominar novos procedimentos
de ação. Essa compreensão
relaciona-se intimamente com a
motivação para o estudo, com a
transformação da criança em
sujeito da atividade de estudo. A
segunda é a realização de ações
de estudo, que com uma
orientação correta do processo
de ações de estudo, permita a
identificação das relações entre
as generalizações conceituais. E
por fim, a realização das ações
de controle e de avaliação da
aprendizagem feita pelo(a)
próprio(a) aluno(a).
No processo de formação da
atividade de estudo, o papel
do(a) professor(a) é central, pois
é ele(a) que organiza as tarefas
de estudo e ajuda os(as)
estudantes a compreender e a
realizar as ações de estudo,
controle e avaliação. Dessa
maneira, o(a) professor(a)
paulatinamente cria situações
que proporcionam aos(às)
estudantes a autonomia na
resolução das tarefas de estudo
e a formação da capacidade de
estudar.
Compreender estes
elementos é fundamental para
pensarmos e produzirmos um
ensino na perspectiva
vigotskiana, ou seja, que
promova o desenvolvimento e,
neste caso, o desenvolvimento
do pensamento teórico, o que
requer pensarmos quais serão
as tarefas de estudo, como o
conteúdo curricular está
presente nestas tarefas e como
serão organizadas as ações de
autoavaliação. Ao organizar o
ensino tendo como referência a
estrutura da atividade de estudo
o(a) professor(a) pode fomentar
o desenvolvimento da
capacidade de estudar, no
sentido da auto-organização
do(a) estudante, o que envolve o
desenvolvimento da autonomia e
do controle voluntário da
conduta. Paulatinamente a
criança transforma-se em sujeito
da atividade de estudo.
É importante ressaltar que a
atividade de estudo não se
forma de maneira natural. É
preciso preparar a criança para
a organização de sua atividade
cognoscitiva e este é um dos
papéis da escola nos anos
iniciais, formar uma postura de
estudante. Bozhovich (1985)
traz algumas contribuições para
entendermos o processo de
formação da atividade de
estudo.
Fundamentos Teóricos
102
Segundo Bozhovich, no início
do processo de escolarização,
as crianças chegam
interessadas na escola e
querem fazer as coisas que o
professor solicita. Quando
observamos crianças pequenas,
ao final da pré-escola ou nos
anos iniciais do ensino
fundamental (1o e 2o anos),
facilmente percebemos seu
interesse inicial pelo estudo e
pela escola. Ingressam com a
expectativa de aprender a ler e a
escrever, de forma geral gostam
das tarefas propostas e
estabelecem com o(a)
professor(a) uma relação de
autoridade. Sua motivação está
ligada à figura do(a) professor(a)
e, ainda na transição do jogo
para o estudo, as atividades
escolares aproximam-se do
jogo: a criança imita o que a
pessoa adulta faz ou pede, quer
fazer coisas sérias, quer fazer
“coisas de escola” ou “coisas de
adulto”.
Em torno do 3o ano,
aproximadamente, nota-se que o
interesse pela escola e pelo
estudo começam a decair e
iniciam-se os problemas de
indisciplina. Bozhovich (1985)
chama a atenção para o
paradoxo deste fenômeno: as
funções psicológicas superiores
tornam-se mais complexas, as
crianças têm condições (e
querem) saber sobre a
explicação dos fatos mas, ao
mesmo tempo, há uma
diminuição do interesse pelo
estudo. Segundo a autora, as
causas deste fenômeno
encontram-se nas falhas da
organização do ensino que
rompem com a lógica do
desenvolvimento psíquico
infantil.
Um desses erros refere-se à
própria organização dos
conteúdos baseada na
compreensão empírica dos
fenômenos, o que não satisfaz
as necessidades cognitivas das
crianças. (BOZHOVICH, 1985;
DAVIDOV, 1988). Como nosso
ensino ainda é
predominantemente verbalista,
baseado na memorização,
pouco se exige da criança em
termos da capacidade de formar
nexos conceituais, da
capacidade de entender e
operar com conceitos, ao invés
de sua simples reprodução
formal (de forma oral ou escrita).
Fundamentos Teóricos
103
Outro equívoco deve ser atribuído à questão da organização dos
grupos e das atividades coletivas na escola. A motivação social
advinda do(a) professor(a) diminui no decorrer da escolarização,
mas aumenta o papel do grupo de amigos(as) no processo de
desenvolvimento e formação dos motivos.
O fato de que as crianças ocupem-se na escola de uma
atividade comum, extraordinariamente importante – o estudo –
conduz ao surgimento de determinadas relações: nas crianças
origina-se o desejo de estarem juntas, de brincar juntas, de
trabalhar, de cumprir as tarefas sociais encomendadas; nelas
surge o interesse pela opinião dos colegas, querem gozar de
sua simpatia e que reconheçam seus méritos. [...] Assim, a
valorização dos companheiros, a opinião do coletivo infantil,
converte-se paulatinamente em motivos fundamentais da
conduta do escolar (BOZHOVICH, 1985, p.211).
Vale lembrar que no processo de desenvolvimento começa a
constituir-se a próxima atividade guia, a comunicação íntima
pessoal, objeto do capítulo a seguir. O objeto desta atividade são,
justamente, as relações entre os(as) adolescentes. No entanto, via
de regra, organiza-se o ensino de maneira individualista,
desconsiderando o papel do outro no processo de aprendizagem,
especialmente o papel dos(as) colegas de classe no
desenvolvimento da motivação para o estudo.
Ressalta-se que uma característica fundamental da atividade de
estudo diz respeito à sua configuração como atividade conjunta,
coletiva, tanto por estar mediada pela atividade do(a) professor(a),
como por se desenvolver entre os(as) estudantes. Inclusive um dos
papéis do(a) professor(a) na organização do ensino é organizar as
ações de estudo de forma coletiva.
No caso da educação escolar, a atividade de estudo
desenvolvida a partir da interação entre as crianças tem
demonstrado melhores resultados no que diz respeito ao processo
Fundamentos Teóricos
104
de assimilação do
conhecimento, por exemplo, em
situações de discussão sobre a
origem de determinado conceito
(RUBTSOV, 1996).
Ressalta-se aqui o papel
do(a) professor(a) na
organização de atividades
coletivas a partir da
compreensão do caráter coletivo
da aprendizagem humana. Não
é o que se valoriza na grande
maioria de nossas escolas, em
que as atividades grupais são
desvalorizadas ou
desencorajadas e prevalecem
práticas que estimulam a
competição entre os(as)
alunos(as) (e até mesmo entre
os(as) docentes), favorecendo o
individualismo tão típico de
nossa sociedade. Bozhovich
(1985) destaca que a correta
organização do grupo poderia
criar as condições para a plena
formação das particularidades
psíquico-morais da
personalidade da criança.
No nosso caso, trabalhar com
a organização dos coletivos
infantis não significa apenas
encontrar formas mais eficazes
de organizar o ensino, mas sim
fundamentalmente trabalhar no
sentido de produzir de forma
intencional uma ética do coletivo
e da solidariedade tão
necessária aos dias de hoje.
Lazaretti (2011), sistematizando
as idéias e pesquisas de Elkonin
sobre a atividade de estudo,
sintetiza o papel e a importância
da formação dos coletivos
infantis:
Formar para a coletividade pressupõe educar a criança a sentir-
se como membro de um conjunto, vinculando-se ao todo social,
para viver uma vida comum. O papel da coletividade na vida
pessoal das crianças é formar tanto para se tornar membro
quanto tomar consciência de suas obrigações perante o coletivo,
tomando consciência de seu pertencimento à coletividade. Essa
coletividade pode ser expressa no cumprimento das obrigações
da classe pela criança e submeter sua conduta às exigências
desse coletivo. Isso fomenta qualidades volitivas da
personalidade do escolar como o empenho, a decisão, o domínio
de si mesmo, a disciplina etc. (p.247).
Fundamentos Teóricos
105
A organização dos coletivos infantis5 traz, assim, um elemento
importante ao “como ensinar”, que ressalta a dimensão política da
educação escolar e articula o conteúdo teórico com uma forma de
ensinar que supere o intelectualismo. Na dialética entre forma e
conteúdo do ensino, a forma também é um conteúdo que traz
finalidade àquilo que a criança aprende para além de uma
perspectiva utilitarista de conhecimento. Ou seja, não basta
aprender para ficar mais inteligente, para passar no vestibular, para
ter um bom emprego no futuro. É necessário aprender como uma
necessidade humana, como uma necessidade do coletivo.
Apresentei algumas características da atividade de estudo e de
sua formação. Em síntese, há dois elementos centrais a serem
destacados para que possamos dar continuidade à nossa discussão
sobre esta atividade guia: 1) um bom ensino, que promova o
desenvolvimento de nossos(as) estudantes, deve ser organizado
tendo a atividade de estudo como referência, e especialmente
pautar-se na ideia de que esta atividade não se desenvolve
naturalmente, sendo preciso fomentar o desenvolvimento da
capacidade de estudar; 2) uma característica fundamental da
atividade de estudo diz respeito à sua configuração como atividade
conjunta, coletiva, o que traz implicações importantes à organização
do ensino.
Feita esta síntese, vamos à discussão do próximo item deste
capítulo: como se forma o pensamento teórico e sua relação com a
maneira como o ensino é organizado.
2 FORMAÇÃO DO PENSAMENTO TEÓRICO E ORGANIZAÇÃO
DO ENSINO
Como tenho frisado, no ensino escolar, a apropriação da
experiência socialmente elaborada realiza-se na atividade de
estudo, o que nos coloca algumas questões pedagógicas: como
organizar a atividade da criança de modo que ela reproduza e se
5 Em Bauru, destaca-se o
projeto intitulado “Formação
de grêmios estudantis em
escolas públicas municipais
de Bauru”, parceria entre a
Secretaria Municipal de
Educação de Bauru e o
departamento de Psicologia
da UNESP, desenvolvido
com recursos do núcleo de
ensino (PROGRAD-
UNESP) . O projeto,
coordenado por mim, por
Larissa Figueiredo Bulhões
(UNESP-Bauru) e por Rita
Regina da Silva Santos
(SME-Bauru) iniciou-se em
2012 e tem como objetivo
contribuir para a efetiva
organização dos alunos das
escolas de ensino
fundamental, por meio da
implementação de grêmios
estudantis, tendo em vista a
construção de uma gestão
escolar democrática e
participativa. No capítulo
sobre gestão democrática
deste currículo o projeto é
apresentado de forma
breve.
Fundamentos Teóricos
106
aproprie da experiência socialmente elaborada cristalizada na forma
de conhecimento escolar (expresso no currículo)? Como organizar o
ensino de maneira que este possa produzir o pensamento teórico
em nossos(as) estudantes?
Antes de nos debruçarmos sobre estas questões é importante ter
clareza sobre o que é o pensamento teórico. Este se desenvolve
quando se mostra às crianças a necessidade de estruturar e
assimilar o procedimento geral de orientação em determinada
área de conhecimento (DAVIDOV; MARKOVA, 1987).
Segundo Davidov (1988), o conteúdo do pensamento teórico é a
existência mediatizada, refletida, essencial, que reproduz as formas
universais das coisas. A pessoa que pensa teoricamente opera com
conceitos e não apenas com representações imediatas da
realidade. Para o autor, expressar o objeto por meio do conceito
significa compreender sua essência:
O conceito aparece aqui como a forma de atividade mental por meio da qual se reproduz o objeto idealizado e o sistema de suas relações, que, em sua unidade, refletem a universalidade ou a essência do movimento do objeto material. O conceito atua, simultaneamente, como forma de reflexo do objeto material e como meio de sua reprodução mental, de sua estruturação, isto é, como ação mental especial (DAVIDOV, 1988, p. 126).
Diferentemente do pensamento empírico, que apreende a
realidade pela via sensorial, a essência do pensamento teórico está
nas dependências internas, que não podem ser observadas
diretamente, mas apenas de forma mediada. Nesta perspectiva, o
objeto só pode ser compreendido como totalidade, e não como
somatória de partes. Torna-se necessário descobrir as inter-
relações dos objetos isolados dentro de um sistema. A tarefa do
pensamento teórico é elaborar os dados da contemplação por meio
de conceitos, de abstrações iniciais, que revelam as conexões
simples e essenciais do objeto em questão. Na análise de um
Fundamentos Teóricos
107
fenômeno, deve-se separar os elementos que possuem caráter de
universalidade, aquilo que é essencial na determinação universal
do objeto6.
Segundo Davidov (1988), o pensamento teórico provê as
pessoas dos meios universais, historicamente constituídos, de
compreensão da essência das mais diversas esferas da realidade.
É um pensamento baseado na lógica dialética, que permite
conhecer a realidade em movimento e por contradição. É importante
destacar que a formação dessa qualidade de pensamento é
essencial ao desenvolvimento de todas as outras funções
psicológicas e permite ao sujeito certa autonomia na apropriação e
produção de novos conhecimentos (SFORNI; MOURA, 2002).
No entanto, o tipo de ensino que vigora na maioria de nossas
escolas leva apenas à formação do pensamento empírico
(DAVIDOV, 1988). Os métodos de ensino, nesta perspectiva,
restringem-se à generalização empírica, expressa por conceitos
empíricos e cotidianos. Ou seja, os estudantes são levados a
analisar, comparar e classificar diferentes objetos, buscando neles o
que há de comum, as propriedades repetidas, estáveis, que
parecem constituir-se como o essencial na definição dos objetos em
análise. Tais procedimentos são organizados levando em conta o
caráter visual direto, a percepção dos objetos. Palangana, Galuch e
Sforni (2002) sintetizam tal proposta didática:
É priorizada uma forma de ensino em que a introdução de
novos conceitos segue sempre a mesma estrutura: um
pequeno texto, às vezes, com apenas uma frase,
acompanhado de vários exemplos. Após a apresentação do
conceito, surgem os exercícios que, normalmente, exigem a
reprodução das mesmas palavras e exemplos citados. Na
sequência, um novo texto apresenta um novo conceito e a
dinâmica se repete. Pode-se constatar que, apesar do ensino
centrar-se em conceitos, não há preocupação com a
aquisição ou formação destes, isto é, com a elaboração de
6 Na epistemologia
marxiana o concreto é um
problema para o
pensamento e não um dado
obtido pela percepção. Isto
significa que o pensamento
teórico realiza o movimento
de ascensão do abstrato ao
concreto, discussão que
foge aos limites deste texto.
Em Asbahr (2016) explico
melhor este movimento.
Fundamentos Teóricos
108
7 Ao mencionar o conhecimento para a vida,
não me refiro a uma concepção utilitarista de
conhecimento, mas sim à compreensão de que os
conhecimentos podem fazer parte da personalidade viva
dos estudantes, como aponta Leontiev (1983).
novos significados. Os textos, exemplos, histórias levam, tão
somente, à identificação de conceitos. Solicita-se a
classificação de objetos em determinadas categorias e não a
formação de categorias. Um exemplo disso está, inclusive,
explícito nos objetivos propostos por muitos planejamentos:
identificar, reconhecer, nomear, classificar, citar... Ao aluno
resta a tarefa de “fixar” ou reconhecer atributos dentro de um
âmbito previamente definido (PALANGANA, GALUCH;
SFORNI, 2002, p.115-116).
O pensamento, dessa forma, limita-se à comparação de dados
sensoriais, separação das características gerais, classificação e
inclusão em classes, e, no máximo, aprende-se a reproduzir
formalmente o que foi aprendido, mas não se aprende a operar, a
pensar com os conceitos. Configura-se uma aprendizagem
encapsulada, que pouco responde a questões do cotidiano das
crianças e pouco transforma os conteúdos escolares em
conhecimentos para a vida7. Engeström (1996), tendo como fonte
a abordagem de Davidov, analisa o que chama de “encapsulação
da aprendizagem” e explica a gênese desse fenômeno:
Em termos gerais, a teoria de Davydov sugere que a
encapsulação da aprendizagem se deve a um viés
empiricista, descritivo e classificatório no ensino tradicional e
na elaboração de currículos. O conhecimento adquirido na
escola é em geral de uma qualidade tal que não consegue se
tornar uma instrumentalidade viva para dar conta da multidão
espantosa de fenômenos naturais e sociais encontrados pelos
alunos fora da escola. Em outras palavras, o conhecimento
escolar se torna e permanece inerte porque não é ensinado
geneticamente, porque seus “germes” nunca são descobertos
pelos estudantes, e consequentemente porque os estudantes
não têm a chance de usar esses “germes” para deduzir,
explicar, predizer e controlar na prática fenômenos e
problemas concretos em seu ambiente. Assim, a
Fundamentos Teóricos
109
encapsulação pode ser rompida organizando-se um processo
de aprendizagem que leve a um tipo de conceito radicalmente
diferente daqueles produzidos em formas anteriores de
escolarização (ENGESTRÖM, 1996, p. 186).
Feitas estas diferenciações
entre o pensamento teórico e o
empírico, destacam-se os
principais componentes do
pensamento teórico: a reflexão,
a análise e o plano interno das
ações (DAVIDOV; MARKOVA,
1987). Sforni e Moura (2002)
apresentam uma síntese desses
componentes. A reflexão
representa a tomada de
consciência, pelo sujeito, das
razões de suas ações e de sua
correspondência com o
problema apresentado, ou seja,
significa que o estudante
desenvolve a consciência dos
critérios e das ações que utiliza
na resolução de uma tarefa de
estudo. A análise tem como
objetivo apreender o princípio
geral para a resolução de
determinada tarefa de estudo, o
que implica o desenvolvimento
da capacidade de generalização,
de encontrar as condições
essenciais em meio às
particularidades. Por fim, a
capacidade de operar com o
conceito expressa-se na
realização do plano interno das
ações, ou seja, o
desenvolvimento da capacidade
de antecipar ações. E, neste
momento, o conceito efetiva-se
como instrumento do
pensamento, o sujeito passa a
operar com os conceitos para
além de situações particulares
ou das ações solicitadas na
escola.
Apresentados estes
elementos, surgem questões
centrais à prática pedagógica:
como organizar o ensino de
maneira a formar as
capacidades de refletir, analisar
e realizar o plano interno das
ações em nossos(as)
estudantes? Como os conceitos
podem ser trabalhados pela(o)
professor(a) de maneira a
favorecer o desenvolvimento do
pensamento teórico de nossas
crianças?
Fundamentos Teóricos
110
8 Lazaretti (2011) e Núñez (2009), respectivamente, apresentam uma síntese
das proposições de Elkonin e Galperin.
9 Entendo que a Atividade Orientadora de Ensino
aproxima-se da tarefa de estudo analisada por
Davidov & Markova (1987) como unidade da atividade
de estudo.
Há inúmeras pesquisas em
formato de experimento didático
que tem como objetivo investigar
justamente como se desenvolve
o pensamento teórico.
Recorrendo aos autores
soviéticos clássicos podemos
citar Davidov (1988), que
apresenta elementos
importantes para pensarmos
como devem estruturar-se
algumas disciplinas escolares, a
saber, o idioma russo (sua
língua natal), a matemática e as
artes plásticas. Elkonin e
Galperin8 também se dedicaram
a estudar como se forma o
pensamento por etapas, focando
as ações com os conceitos.
Entendo que se quisermos
propor uma organização de
ensino que tenha como
finalidade o desenvolvimento do
pensamento teórico o estudo
desses autores será
fundamental na formação
docente.
No Brasil, também temos
várias investigações, focando
conceitos ensinados nas
disciplinas escolares, que
procuram apreender o modo
como crianças e adolescentes
desenvolvem o pensamento
conceitual. Por exemplo,
Nascimento (2010) apresenta
uma investigação didática
trazendo conteúdos circenses
que podem ser trabalhados em
educação física, artes e em
outras disciplinas; Bernardes
(2006) e Sforni (2003) discutem
a formação conceitual em
experimento com ensino de
geometria; Sforni e Galuch
(2006) analisam situações de
ensino e aprendizagem sobre o
tema alimentos; entre outros
muitos trabalhos.
Apresentarei aqui um desses
experimentos formativos
realizado por Lopes et. al. (2010)
na área de matemática, com o
conteúdo “correspondência um-
a-um”, em uma turma de
segundo ano. O experimento
está organizado tendo como
base a Atividade Orientadora
de Ensino (AOE), proposta por
Moura (1996, 2001).
A AOE9 consiste em uma
proposta de organização do
ensino e da aprendizagem
baseada na teoria histórico-
cultural, constituída de acordo
com a estrutura da atividade
Fundamentos Teóricos
111
proposta por Leontiev (1983). Na AOE, a atividade dos estudantes é
mobilizada a partir de um problema de aprendizagem, que pode ser
materializada por meio de diferentes recursos metodológicos, entre
eles o jogo, as situações emergentes do cotidiano e a história virtual
do conceito.
Na atividade apresentada aqui utiliza-se uma história virtual, ou
seja, uma narrativa que recria as condições essenciais de
elaboração histórica do conceito a ser ensinado. A partir desta
história, coloca-se o estudante em uma situação-problema que
revela o processo histórico de necessidade e produção do conceito.
A história apresentada intitula-se “João Johann, o pastor de
ovelhas”10:
Existia um pastor de ovelhas, que amava cuidar de seus
animais. Todos os dias pela manhã ele levava as ovelhas
para passear pela fazenda, onde podiam se alimentar, correr
e sossegar. Quando anoitecia o pastor reunia todas as
ovelhas, e as colocava de novo no cercado. Mas havia um
problema: Às vezes algumas delas iam para muito longe do
grupo e o pastor não as via, e na hora de entrar ele não
percebia que estavam faltando ovelhas (LOPES et.al., 2010,
p.5).
A história virtual é contada pela professora da turma com um
cenário representando o pastor e as ovelhas, permitindo que as
crianças possam manipular as personagens e envolver-se
ludicamente com a história. Ao final, a professora apresenta um
problema: o pastor às vezes perde algumas de suas ovelhas e não
percebe sua falta. Como podemos ajudá-lo? Como o pastor poderia
saber se todas as ovelhas estariam dentro do cercado? A reação
imediata dos alunos foi dizer que o pastor deveria contá-las.
10 Pode ser consultada na íntegra em: <http://www.gente.eti.br/lematec/CDS/ENEM10/artigos/RE/T3_RE1315.pdf>.
Fundamentos Teóricos
112
Surge, então, efetivamente o problema desencadeador:
“Porém, existe um grande problema, o pastor não sabe
contar, como poderíamos ajudá-lo a controlar o número
de ovelhas que ele tinha? Que outra forma ele pode usar
para saber se todas as suas ovelhas estão no cercado?”
(p.5).
As primeiras respostas das crianças circunscrevem-se às suas
experiências cotidianas e elas recorrem a conceitos empíricos:
colocar coleiras nas ovelhas; colocar fitas de cores diferentes no
pescoço dos animais; colocar um objeto para cada ovelha. A
professora coordena as resposta e as direciona para o conteúdo
que quer trabalhar e que seja matematicamente correto: uma forma
eficiente de contar. As crianças são incentivadas a testar suas
hipóteses usando o cenário e chegam conjuntamente a seguinte
solução: usar uma pedrinha para representar cada ovelha. Ao final,
elaboram uma síntese da solução do problema:
“O pastor, ele não foi na escola, por isso não sabia contar
e nem ler, então ele teve uma idéia, de colocar pedras e
soltar ovelhas, por exemplo, ele colocava duas pedras e
soltava duas ovelhas, assim ele podia saber se elas não
voltavam”. (p.7).
Na continuidade do experimento, os estudantes são convidados
a registrarem, por meio de desenho, a solução do problema
desencadeador e representam diferentes situações de controle de
quantidades. Analisando, posteriormente, as produções, verificou-
se a necessidade de propor e criar estratégias para um registro
mais sintético, com o uso de representações abstratas de
quantidades.
Fundamentos Teóricos
113
Na terceira etapa do experimento, utilizou-se, assim, outras
estratégias para o registro da solução do problema de maneira que
as crianças pudessem chegar de fato à correspondência um-a-um:
A terceira etapa que desenvolvemos com os alunos foi um
trabalho onde eles deveriam recortar e colar ovelhas e
crianças correspondendo-as, ou seja, para cada ovelha
deveria ter uma criança. Distribuímos aleatoriamente o
número de ovelhas e crianças. Com isso, alguns receberam a
mesma quantidade de cada tipo de desenho, outras
receberam mais ovelhas, outras mais crianças (LOPES et. al.,
2010, p.8).
Segundo os autores do trabalho, o momento mais delicado, do
ponto de vista docente, foi o da síntese coletiva da solução do
problema, uma vez que todos queriam explorar a sua opinião e era
necessário chegar a um consenso de modo a que não houvesse
desmotivação pelo conflito de opiniões:
“O encaminhamento de todo o processo de forma
compartilhada contribuiu de forma significativa para isso,
na medida em que todos foram discutindo e trabalhando
juntos” (p. 10).
Vamos à análise desta atividade: a professora organiza uma
situação problema que busca reconstruir a necessidade histórica do
conceito que está ensinando, a correspondência um-a-um. Destaca-
se, aqui, como a situação é organizada na forma de problema de
aprendizagem, que mobiliza os(as) estudantes e confere sentido ao
que estão aprendendo. Ou seja, a docente vai produzindo de
maneira intencional a formação da atividade de estudo, o que inclui
fundamentalmente a formação de motivos para esta atividade.
Fundamentos Teóricos
114
Isto é bem diferente das
ações corriqueiramente usadas
em nossas escolas para
trabalhar o mesmo conteúdo, em
que é solicitado às crianças que
liguem objetos correspondentes
(por exemplo, ligue cada
cenoura com seu coelho).
Neste caso, as
crianças até operam com as
situações, mas não com
conceitos e rapidamente
desinteressam-se pelo exercício,
pois, via de regra, não sabem
porquê o estão realizando.
Outro aspecto a ser
destacado da atividade “João
Johann” é que as ações de
orientação da professora têm
como objetivo fazer com que
elas cheguem a um modo geral
de ação para além da situação
particular do pastor. A resolução
do problema não se encerra na
“descoberta” de um modo de
ajudar o pastor, o que levaria às
crianças apenas a uma
generalização empírica. Na
sequência elas são convidadas
a registrar a solução encontrada,
o que leva a uma relação
concreta entre os juízos
implicados no objeto de estudo
trabalhado. Depois, o trabalho
de recorte e colagem permitiu
identificar se as crianças
alçaram uma categorização
estável dos conceitos
trabalhados, se chegaram a uma
generalização teórica.
No movimento da atividade,
os(as) estudantes são levados a
refletir, analisar e a constituir o
plano interno das ações,
componentes centrais do
pensamento teórico. A atividade
prevê, ainda, ações de
compreensão da tarefa, ações
de realização da tarefa de
estudo propriamente dita e, por
último, em conjunto com a
professora, os(as) estudantes
devem avaliar se chegaram aos
conceitos pretendidos. A
estrutura da atividade de estudo
é produzida pela atividade
intencional da professora. E,
neste sentido, a máxima
vigotskiana de que o “bom
ensino produz desenvolvimento”
materializa-se.
Ressalta-se, ainda, que toda
a condução da Atividade
Orientadora de Ensino é
realizada de maneira coletiva,
valorizando-se o grupo como
fonte de aprendizagem e
desenvolvimento. As crianças
Fundamentos Teóricos
115
aprendem, dessa forma, não só os conceitos teóricos, mas
fundamentalmente uma ética do coletivo, tão necessária aos nossos
tempos.
Apresentei o experimento em foco com o objetivo de trazer um
exemplo didático de como podemos trabalhar os conteúdos
curriculares aproveitando a atividade de estudo de nossos(as)
alunos(as) que está em processo de formação. Cabe agora
pensarmos e planejarmos como desenvolver este modo geral de
ensino levando em conta os conteúdos previstos no currículo. Ou
seja, como organizar atividades que reproduzam o movimento
lógico e histórico dos conceitos que ensinamos? Como planejar o
ensino de cada disciplina escolar levando em conta a estrutura e os
componentes da atividade de estudo de forma a potencializar o
desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes?
E, assim, finalizo o texto convidando as(os) docentes do sistema
municipal de educação de Bauru para esta jornada na construção
de uma proposta pedagógica, articulação entre conteúdos
curriculares e metodologias de ensino, que possa de fato promover
o desenvolvimento de nossos(as) estudantes.
REFERÊNCIAS
ASBAHR, F.S.F.. Idade escolar e atividade de estudo: educação, ensino e apropriação dos sistemas conceituais”. In.: MARTINS, L.M.; ABRANTES, A.A.; FACCI, M.G.D. (orgs). Periodização Histórico Cultural do Desenvolvimento: do nascimento à velhice. São Paulo: Editora Autores Associados, 2016. p.171-192. BERNARDES, M. E. M. Mediações simbólicas na atividade pedagógica: Contribuições do enfoque histórico-cultural para o ensino e aprendizagem. 2006. 330p. Tese (Doutorado em Educação: Ensino de Ciências e Matemática). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006. BOZHOVICH, L. I. La personalidad y su formación en la idad infantil. Habana: Editorial Pueblo y educación, 1985.
Fundamentos Teóricos
116
DAVIDOV, V.. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico: investigación teórica y experimental. Moscu: Editorial Progresso, 1988. DAVYDOV, V.; MÁRKOVA, A.La concepcion de la actividad de estudio de los escolares. In: DAVYDOV, Vasili; SHUARE, M. La psicologia evolutiva y pedagogia en la URSS: antologia. Moscú: Editorial Progresso, 1987. p. 316-337. ELKONIN, D. B.. Sobre el problema de la periodización del desarrollo psíquico e la infância. In: DAVYDOV, V.; SHUARE, M. La psicologia evolutiva y pedagogia en la URSS: antologia. Moscú: Editorial Progresso, 1987. p.104-124. ENGESTRÖM, Y.. Non scolae sed vitae discimus: como superar a encapsulação da aprendizagem escolar. In.: DANIELS, Harry. Uma introdução a Vygotsky. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p. 175-197. LAZARETTI, L.M.. D. B. Elkonin: vida e obra de um autor da psicologia histórico-cultural. São Paulo: Editora Unesp, 2011. LEONTIEV, A.. Actividad, conciencia e personalidad.Havana: Editorial Pueblo y Educacion, 1983. LOPES, A.R.L.V. . João Johann, o pastor de ovelhas: uma experiência na perspectiva da atividade orientadora de ensino. In: Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática. Salvador, 2010. Disponível em: <http://www.gente.eti.br/lematec/CDS/ENEM10/artigos/RE/T3_RE1315.pdf>. Acesso em: 05 maio 2016. MOURA, M. O.. A atividade de ensino como unidade formadora. Bolema (Rio Claro), UNESP, v. 12, p. 29-43, 1996. ________. A atividade de ensino como ação formadora. In: CASTRO, Amélia Domingues de & Anna CARVALHO, Maria Pessoa de. (Orgs.). Ensinar a ensinar - didática para a escola fundamental e média. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001, p. 143-162.
Fundamentos Teóricos
117
NASCIMENTO, C. P. A organização do ensino e a formação do pensamento estético-artístico na Teoria Histórico-Cultural. 2010. 249 p. Dissertação (mestrado) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.
NÚÑEZ, I. B. Vygotsky, Leontiev, Galperin. Formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília: Líber Livro, 2009.
PALANGANA, I. C.; GALUCH, M. T. B.; SFORNI, M. S. F.. Acerca da relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento. Revista Portuguesa de Educação. Minho, 2002, vol. 15, n. 01, p. 111-122.
RUBTSOV, V. V. A atividade de aprendizado e os problemas referentes à formação do pensamento teórico dos escolares. In.: GARNIER, C.; BERNARZ, N.; ULANOVSKAYA, I. Após Vygotsky e Piaget: perspectivas social e construtivista - escolas russa e ocidental. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1996. p. 129-137.
SFORNI, M. S. F; MOURA, M. O.. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria da atividade. In: V Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste - ANPED, 2002, Águas de Lindóia. Disponível em: <http://26reuniao.anped.org.br/trabalhos/martasuelidefariasforni.rtf>. Acesso em: 04 jul. 2016.
SFORNI, M. S. F. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria da atividade. 2003. 166p. Tese (doutorado) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2003. SFORNI, M. S. F.; GALUCH, M. T. B.. Aprendizagem conceitual nas
séries iniciais do ensino fundamental. Educ. rev., Curitiba , n. 28, p. 217-229, dez. 2006 . Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acessos em: 04 jul. 2016.
TOLSTIJ, A. El hombre y la edad. Moscu: Editorial Progreso, 1989. VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
VYGOTSKY, L.S.. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar.In.: VYGOTSKY, L.S; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 5. ed. São Paulo: Ed. Ícone, 1988. p.103-117.