furacão elis (trecho) - regina echeverria

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CAPÍTULO 1

sanguepelo nariz

Entre a parede e a espada, me atiro contra a espada.

ELIS REGINA

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NO COMEÇO DE 1985, TRÊS ANOS DEPOIS DA MORTE DE ELIS, NUM

BOTECO NO PLANALTO PAULISTA, BAIRRO CLASSE MÉDIA DE SÃO

PAULO, DONA ERCY CARVALHO COSTA COSTUMAVA ATENDER AOS

fregueses até às oito da noite. Eram muitos os que apreciavam se sentar nobalcão e comer o almoço que ela servia, famoso nas redondezas. Dona Ercycaminhava a pé para casa, a meio quarteirão dali. Aos 63 anos, morava sozi-nha desde que o marido, Romeu Costa, morreu, em dezembro de 1984. Aofalar da filha, chorou. Alternando ódio e amor numa velocidade tão vertigino-sa quanto a filha costumava exibir, ela me disse apertando os dentes:

— Eu não perdôo.

Memória fabulosa de uma mulher que parecia encontrar no instintode sobrevivência a força para continuar trabalhando no bar e pagar o alu-guel. Talvez enlouquecesse também dentro de casa, sem nada para fazer.Quando dona Ercy, desolada, levantou os óculos grossos para enxugar aslágrimas, me deu uma sensação de paralisia de afeto. Pareceu-me impos-sível não acariciar e confortá-la. Uma altivez gaúcha envolvia essa rochamatriarcal, a líder implacável da infância e adolescência de Elis Regina.

Filha de imigrantes portugueses, cristãos novos, donos de uma mer-cearia no extremo sul do Brasil, Ercy encontrou um Romeu brasileiro, filhode brasileiros, com cara de índio, caladão, e emprego seguro numa fábricade vidros. Foram morar no bairro de Navegantes, em Porto Alegre, numacasa de madeira, quintal de terra batida. A filha do casal nasceu estrábicae deve o nome “Elis” a uma amiga da mãe. “Regina” veio de uma exigência

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A PEQUENA ELIS, COM UM ANO DE

IDADE, NO COLO DA MÃE ERCY E AO

LADO DO PAI, ROMEU, NA PORTO

ALEGRE DOS ANOS DE 1946.

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legal. De acordo com a burocracia daépoca, as crianças não podiam ser regis-tradas com nomes que tanto serviam parameninos como para meninas. Prevendoque não conseguiria batizar a menina ape-nas por “Elis”, dona Ercy lançou mão deum “Regina” de reserva.

Elis Regina Carvalho Costa, 17 demarço de 1945, parto normal feito pelaparteira Conceição e pela enfermeira Mar-lene no Hospital Beneficência Portuguesa,Porto Alegre.

Um sábado, às três e dez da tarde. Primeira filha, primeira neta de uma

família numerosa. De duas famílias nume-rosas. Tinha saúde de ferro, a mãe nãolembra de ter perdido uma noite de sonocom o bebezinho. Elis dormia pontual-mente às oito da noite. Sempre no escu-ro, tudo apagado. Dona Ercy transformoua primogênita dos Carvalho Costa numabonequinha estrábica. De pequena, já seprevia que não iria muito longe em altura.A menina andava sempre bem arrumadi-nha, bem vestida, laçarotes na cabeça eóculos de grau desde os quatro anos. Nasrecordações mais remotas da mãe, erauma criança obediente. Gostava de brin-car sozinha, costumava andar pelo quintalcom uma bolsa de palha, falando consigomesma.

Até perder o emprego de chefe doalmoxarifado na Companhia Sulbrasileirade Vidros, Romeu Costa era um homemsensível. Gostava de ler Ernest Hemingwaye ouvir Chico Alves e Carlos Gardel. Antes

FURACÃO ELIS

A BRINCADEIRA VIROU

COISA SÉRIA

MÃE E FILHA EM

MOMENTO DE BELEZA.

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de casar, ganhou o segundo lugar num programa decalouros e, de vez em quando, num rompante, ves-tia-se com os longos camisolões de dona Ercy edesandava a cantar e a bailar pela casa. Devia terforte ascendência na pequena cabeça de Elis, porquedurante anos ela acreditou que ele fosse de fato umbailarino. Ao descobrir a verdade, decepcionou-se.

Na casa dos Carvalho Costa, o rádio tocava amúsica do Brasil, pela Nacional do Rio, e a música daArgentina, pelas ondas da rádio Belgrano, de BuenosAires. De manhã à noite. Aos domingos, quando sereunia na casa da avó Ana, mãe de dona Ercy, a famíliacostumava fazer barulho na mesa. Cantar alto, garga-lhar. Era aos domingos que gostavam de ouvir o pro-grama de Chico Alves na rádio Nacional. A pequenaElis cantava Adiós, pampa mia do início ao fim, semdesafinar, sem errar a letra. E foi num desses domin-gos que a avó Ana teve um estalo:

— Por que não levam essa guria ao Clube do Guri?Clube do Guri, programa infantil transmitido pela

rádio Farroupilha, sempre aos domingos. Elis tinha seteanos quando enfrentou o primeiro microfone. Ter deencarar uma platéia estranha de auditório de rádio foium choque para a menina tímida que se divertia falan-do sozinha. O diretor do programa, Ary Rego, pediuque ela falasse alguma coisa.

Nada. Elis ficou muda. Pediu que cantasse. Silên-cio no ar. Dona Ercy, já nervosíssima, ajudava a pres-sionar Elis:

— Canta, minha filha!A menina limitava-se a roer as unhas encobertas

pelas luvas brancas. Voltou para casa calada, comdona Ercy nas orelhas.

—Isso não é papel que se faça!

Cinco anos se passariam até Elis Regina tercoragem de pedir uma nova chance. Quando entroupara a escola primária, já sabia ler, escrever e fazercontas. Orgulhosa da menina, dona Ercy falava comela como se fosse uma adulta, sem dengos infantis,sem erros de linguagem. E, quando Elis chegava emcasa com o boletim cheio de notas altas, tambémouvia em bom português:

— Não fez mais do que a obrigação!Na vida, a gente tem de lutar. A família não era

mesmo chegada a paparicos. Naquela casa gaúcha,pegar no colo só quando estivesse com sono e olhe lá.Assim foi criada Elis e, também, Rogério, o únicoirmão, cinco anos mais moço.

Em 1952, os Carvalho Costa deixaram o bairrode Navegantes. Industriário, seu Romeu teve direito deocupar um apartamento na vila do IAPI (Instituto deAposentadoria e Pensão dos Industriários), na regiãonorte da capital gaúcha. Prédios e mais prédios deapartamentos construídos em dois andares, na hori-zontal. Era uma vila operária, mas ocupava local privile-giado em Porto Alegre. Uma bela área verde, muitaspraças. O apartamento térreo onde se instalaram tinhatrês lances de quintal, uma figueira na porta e umcampo de futebol bem em frente. Seu Romeu costu-mava dizer que queria um cantinho de terra para pisare plantar, muito embora nunca tenha plantado nada.

Foi morando naquele apartamento que a famíliasofreu o primeiro golpe. A Sulbrasileira de Vidros faliu eseu Romeu perdeu o rumo. Rogério, já com cinco ouseis anos, lembra-se de tempos bicudos, quandoDona Ercy era obrigada a raspar os cofrinhos dascrianças. Seu Romeu tomou uma decisão: não seriamais empregado de ninguém. Dito e feito. Passou oresto da vida aventurando-se em empregos variados:foi representante comercial, caixeiro-viajante, dono de

23SANGUE PELO NARIZ

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açougue, feirante. À medida que o tempo passava,mais pessimista ele ficava. Praguejava a si mesmo:

— Se eu abrir uma fábrica de chapéus, no diaseguinte as pessoas começam a nascer sem cabeça.

Seu Romeu se transformou radicalmente. Tor-nou-se um homem calado, pouco comunicativo, aponto de sua filha Elis, aos 28 anos em 1973, traçar oseguinte perfil do pai, em entrevista ao programaEnsaio, de Fernando Faro, na TV Cultura de São Paulo:

— Meu pai é uma pessoa muito esquisita. Se eudisser que até hoje não sei quem é meu pai, você nãoacredita. Ele tem bigode, tem cabelo preto, descendede índios e se chama Romeu. É filho de Francisco eIdalina. Ele praticamente não fala.

Quando tinha nove anos, Elis recebeu lições depiano da professora Waleska, uma vizinha na vila doIAPI. Estudou por dois anos. Aprendeu rápido de-mais, tão rápido que se viu diante do dilema: ou com-prava um piano ou parava de estudar. E Elis Reginacomeçou a cantar porque sua família não pôde com-prar um piano.

Diálogo entre mãe e filha na Porto Alegre de 1956:— Mãe, tu me leva ao Clube do Guri?— O que é que tu vai fazer lá?— Vou cantar.— Cantar? Tá louca? Pensa que tenho tempo

para perder?

No domingo seguinte, dona Ercy pegou Elis emais duas amigas e lá se foram todas para a RádioFarroupilha. Mesmo não conseguindo se inscrevernaquele dia, Elis voltou na semana seguinte e, daquelavez, cantou. Por mais que se esforçasse, dona Ercy

não conseguiu lembrar qual foi a música de estréia deElis. Lembra-se que era do repertório de Ângela Mariae não concorda com a versão contada por Elis, anosmais tarde, de que teria interpretado Lábios de Mel(João Vilaça Júnior e Nage). De qualquer maneira,Ângela Maria foi uma grande inspiração para Elis Regi-na. As duas têm o mesmo e límpido registro de voz,emissão firme e prazer em cantar.

Daquela vez, Elis causou sensação no Clube doGuri. De cara, desbancou a favorita do auditório. Cincoanos depois do desastre da primeira tentativa, ela deuo troco. O primeiro de uma série. Cantar no Clube doGuri virou hábito. Dos onze aos treze anos e meio, Elisfreqüentou o programa quase todos os domingos.

Virou até secretária do apresentador Ary Rego,apresentando candidatos, lendo recados dos ouvintese dando parabéns aos aniversariantes do dia. Ary, ementrevista à revista Veja, em 1976, recordou a persona-lidade “forte” da menina que estreou em seu progra-ma: “Para ela, tudo precisava ser bem-feito. Era muitoorganizada e exigente. Havia até garotas com vozesmelhores do que a dela. Nenhuma, contudo, demons-trou o capricho e a disposição de Elis”. Em suas apre-sentações, Elis era acompanhada pelo pianista JoséD’Elia. “Ela era a estrelinha do programa”, contou ele.“Só tirava os óculos na hora de se apresentar. E sem-pre cantava rindo, de olhos fechados”.

Na rádio, já não roía as unhas com tanta fúria,mas fazia coisa pior, muito pior. Soltava sangue pelonariz. Era uma cena de espantar. Dona Ercy nãoesqueceu: um dos vestidos de domingo era branco,com poazinho azul-marinho, gola redonda azul e umagravata grande caindo pela saia rodada. Para essassérias brincadeiras dominicais, dona Ercy varavamadrugadas em cima da máquina de costura. Nosbastidores daquele fatídico domingo, o nervosismo

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NO ALTO, NA FESTA DE 15 ANOS, ELIS

RECEBE UM ANEL DE PRESENTE DO IRMÃO

ROGÉRIO, TAMBÉM COM ELA NA FOTO AO

LADO. À DIREITA, COM ARY REGO,

SECRETÁRIA DO CLUBE DO GURI E, AO

LADO, SOPRANDO A VELINHA EM 1960.

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foi tanto que o nariz jorrou quantidadesalarmantes de sangue. O vestido ficoumanchado e Elis entrou em cena disfar-çando, enrolando a saia da frente. Tinhaacontecido o que viria acontecer inúmerasoutras vezes. Sempre na rádio. E só nahora de entrar no palco. Até o fim da vida,tímida e insegura, Elis ficava insuportávelantes de entrar em cena. A mesma insegu-rança, o mesmo medo de errar, a mesmafobia de não ser perfeita, de não corres-ponder às expectativas.

Aos treze anos e meio, Elis era umagarota-sensação em Porto Alegre. Na capi-tal do Brasil, Rio de Janeiro, já se ouviaJoão Gilberto, a bossa nova. Os jovens daépoca não queriam mais o que se tinhapara ouvir. Queriam algo diferente, maissofisticado do que os sambas-canções deentão. Queriam uma mistura do jeito cooldo jazz com o samba quente do Brasil. Aquilômetros do Rio, na quase provincianaPorto Alegre, Elis Regina cantava semsotaque os sucessos estrangeiros queaprendia ouvindo os discos da rádio.

Um pouco crescidinha e com sucessodemais para o Clube do Guri, Elis deixou arádio Farroupilha, para assinar seu primeirocontrato profissional, com a rádio Gaúcha,em 1959. Passou a cantar por um cachêde cinqüenta cruzeiros por mês, equivalen-tes hoje a cerca de 24 dólares, no Progra-ma Maurício Sobrinho. Dona Ercy semprea acompanhava aos programas, ficava porperto, fazendo “quilômetros de tricô”.Maurício Sirotsky, contou a Veja que, como

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animador de auditório, costumava anunciar a entradade Elis com frases retumbantes, que levaram os três milexpectadores que lotavam o cinema Castelo ao delírio.

— Então entrava ela, com ar infantil, vesguinha,perna torta, caminhando de pés virados para dentro,muito insegura. Quando começava a cantar, porém,tomava conta do auditório.

Só pôde assinar contrato porque cumpriu asregras do jogo impostas por dona Ercy: cantar, só comboas notas no colégio. Já famosa, Elis desabafou parao amigo José Eduardo Homem de Mello, o Zuza:

— Era um drama. Eu tinha de estudar e tirarnotas excepcionais para poder cantar, entende? Eutinha de estudar para valer, senão mamãe não me dei-xava cantar e eu já estava começando a gostar.

Duas décadas depois, dona Ercy admitiu que Elispode ter interpretado sua exigência como imposição.Mas se justificou — como mãe, deveria zelar pelo futu-ro de sua menina. Por isso, sempre lhe dizia:

— Cantar, um dia você pára, minha filha.Dona Ercy imaginava que Elis podia se formar

professora e, quem sabe, cursar a faculdade. O dinhei-ro da filha veio a calhar, mas criou o primeiro conflitofamiliar que se agravaria com o passar dos anos e dodinheiro conquistado. Elis Regina ainda não tinhacatorze anos e já ganhava mais do que o pai. O manoRogério contou como o fato mudou a vida da família.

— Elis começou a se impor porque aparecia coma grana para solucionar os problemas. Ela seguravanuma boa, nunca cobrou nada.

Ao menos, naquela época. Mais tarde viria a co-brar, como lembrou Rogério. Era um tempo, é verdade,em que dona Ercy não tinha apenas os dois filhos. Paraajudar um irmão, assumiu a responsabilidade de criar asobrinha Rosângela, ainda um bebê, que ficaria com afamília Carvalho Costa até completar catorze anos.

Com o primeiro salário, Elis comprou três objetospara seu quarto. Um sofá-cama, um tapete e umavitrola hi-fi. Adquiriu tudo de segunda mão de uma tiarica da família, a tia Aida, madrinha de Rogério e a pri-meira a despertar o gigante adormecido em Elis. Umdia, quando a tia quis interferir na arrumação do quar-to, Elis arrepiou:

— É meu!

Elis fez o curso primário no Grupo Escolar Gon-çalves Dias.

Depois, ela e a mãe resolveram que o ginásiodeveria ser feito no Instituto de Educação Flores daCunha, tradicional colégio de Porto Alegre, escolapública instalada em prédio imponente, estilo neoclás-sico, de frente para o Parque Farroupilha, a maior áreaverde da cidade. Casto Instituto de Educação. CastaPorto Alegre. Maldita profissão de artista. Um dia, Elischegou em casa e contou à mãe:

— A professora de francês me chamou de mauelemento.

Dona Ercy se queimou. Foi ao Instituto de Educa-ção, pediu para falar com a diretora. Quando soubeque não podia ser atendida, virou bicho.

— Sabe o que ela disse para mim? Que Elis nãopodia estudar porque era cantora. Chamou Elis de boisonso. Falei:

27SANGUE PELO NARIZ

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— Se vocês estão pensando queminha filha não tem ninguém que olhe porela, vocês estão enganados. E outra coisa,eu arraso esse colégio, eu tenho o rádio, ojornal, todos do meu lado.

Eu disse: — Olha, minha senhora, eunão vim aqui discutir a minha vida particu-lar. Eu vim tratar de um problema da esco-la. Quero saber por que ela é mau elemen-to. Quando virei as costas, ela disse:

— Já vai tarde.Virei bicho de novo.

Elis Regina tinha a quem puxar. Resul-tado da bronca: a professora de francês foitransferida e Elis terminou o ginásio em paz.No clássico, porém, não conseguiu conci-liar estudo e trabalho, e teve esgotamentonervoso seis meses depois de entrar para oColégio Estadual Júlio de Castilho.

— Ela se deu mal no latim, contoudona Ercy.

No meio daquele ano de 1961, comoa família desejava desde o início, Elis setransferiu para o curso normal na EscolaDiogo de Souza, mas o abandonou nosegundo ano.

Elis tinha quinze anos quando donaErcy permitiu que usasse sapatos altos epintasse as unhas. Foi também a primeiravez que deixou Porto Alegre, indo para oRio de Janeiro gravar seu primeiro disco:um compacto simples com as músicas Dá

FURACÃO ELISA ADOLESCENTE COM POSE DE

ARTISTA IMPRESSIONAVA QUEM

TIVESSE A SORTE DE OUVÍ-LA.

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Sorte (Eleu Salvador) e Sonhando, uma versão deJuvenal Fernandes para Dream (Vorzon/Elis). As duasmúsicas fariam parte do primeiro LP que ela lançarianaquele mesmo ano de 1961, Viva a Brotolândia, comprodução do compositor e produtor Nazareno de Brito(1925-1981). Abrindo o disco, também Dá Sorte. Dedoze faixas, seis eram versões. Gravou uma música deCarlos Imperial (1935-1992), que seria o maior anima-dor de programas de rock no rádio e na televisão, alémde compositor, produtor e agitador por natureza. Foiele quem idealizou Elis como a nova Cely Campelo, apreferida dos jovens de então. A repercussão do discofoi apenas local, mas valeu. Em 6 de dezembro, Elis foicoroada Rainha do Disco Clube, em Porto Alegre.

Elis gravou mais um LP na Continental, Poema(1962). O número de versões diminuiu — apenas três,entre elas o chá-chá-chá Las Secretarias (Pepe Luiz,com versão de Marta Almeida). O disco também nãoestourou. Nessa fase de início de carreira praticamenteregional, Elis gravou outros dois discos para uma novagravadora, a CBS. Elis Regina (1963) trazia novamentequatro versões e uma interpretação de Elis para o clás-sico A Virgem de Macarena. No disco seguinte, O Bemdo Amor, também lançado em 1963, já mostrava umdesejo de renovar o repertório, pois não havia nenhu-ma versão, e, ainda, uma canção de Baden Powel eMario Telles, Se você quiser.

Os quatro discos apresentam uma cantora de afi-nação ímpar, timbre de voz claríssimo, e muita perso-nalidade vocal. Porém, pouco do que Elis ainda seriacomo intérprete.

Àquela altura, início de 1964, Porto Alegre nãotinha mais nada a oferecer a Elis, que já cantava nanoite como crooner do conjunto Flamboyant, à beirade botar a perna no mundo, embora Elis ainda fosseuma normalista que cantava como hobbie. Sobre

namorados, jamais conversava com dona Ercy. O pri-meiro deles foi um rapaz do cenário musical, comoseriam praticamente todos os que escolheria depois:Marcos Amaral, um locutor de rádio. O mano Rogériotinha uma vaga recordação do disc-jóquei. Lembra-sede ir com a irmã para a rádio esperá-lo, e depoisacompanhá-los até a pensão onde ele morava.

O segundo, Sebastião Schlininger, era uns cincoou seis anos mais velho do que Elis. Era descendentede alemães, além de brizolista e funcionário petebistada Caixa Econômica. O que sobrou desse caso deamor juvenil foi um briga decisiva: Elis terminou onamoro e foi para o Rio de Janeiro, onde, em suas pri-meiras entrevistas como cantora de sucesso confes-sou ter deixado um grande amor em Porto Alegre.

No final de março de 1964, dez dias depois desua menina completar dezoito anos, dona Ercy prepa-rou a mala e Elis e seu Romeu embarcaram definitiva-mente para o Rio de Janeiro. Foram tentar a sorte.Desembarcaram num Rio de Janeiro que fervia à noite.O Beco das Garrafas, a bossa nova cantando um Bra-sil de amor e flor. Elis contava com a promessa do pro-dutor de discos Armando Pittigliani de contratá-la paraa Philips, assim que rompesse o acordo que mantinhacom a CBS. Seu Romeu partiu com uma carta derecomendação do velho PTB na esperança de imedia-tamente se empregar no Rio de Janeiro. Doce ilusão, ogolpe militar de 1964 afundou o partido.

Dona Ercy ficou em Porto Alegre cuidando deRogério e Rosângela. Tinha esperanças. Não podiaimaginar que um ano mais tarde tudo estaria mudado.O sonho de sucesso aconteceria, sim, mas sua meninanunca mais seria a mesma. Nem pequena, nem dócil.

— Perdi minha filha aos 19 anos...

29SANGUE PELO NARIZ

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