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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO GABRIELA MARINO SILVA RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SETOR PÚBLICO: PROFESSORES E PROFESSORAS NO ENSINO MÉDIO CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

GABRIELA MARINO SILVA

RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SETOR PÚBLICO: PROFESSORES E PROFESSORAS

NO ENSINO MÉDIO

CAMPINAS 2017

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GABRIELA MARINO SILVA

RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SETOR PÚBLICO: PROFESSORES E PROFESSORAS NO

ENSINO MÉDIO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: Aparecida Neri de Souza O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA GABRIELA MARINO SILVA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. APARECIDA NERI DE SOUZA

CAMPINAS 2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPESORCID: https://orcid.org/0000-0001-6160-2871

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de Campinas

Biblioteca da Faculdade de EducaçãoRosemary Passos - CRB 8/5751

Silva, Gabriela Marino, 1991- Si38r SilRelações e condições de trabalho no setor público : professores e

professoras no ensino médio / Gabriela Marino Silva. – Campinas, SP : [s.n.],2017.

SilOrientador: Aparecida Neri de Souza. SilDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade

de Educação.

Sil1. Trabalho e educação. 2. Condições de trabalho docente. 3. Relações de

trabalho. 4. Escolas públicas. I. Souza, Aparecida Neri de, 1952-. II.Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Working conditions and relations in public sector : teachers insecondary schoolPalavras-chave em inglês:Work and educationTeaching work conditionsWork relationsPublic schoolÁrea de concentração: Ciências Sociais na EducaçãoTitulação: Mestra em EducaçãoBanca examinadora:Aparecida Neri de Souza [Orientador]Mariana Miggiolaro ChaguriBárbara Geraldo de CastroData de defesa: 16-11-2017Programa de Pós-Graduação: Educação

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SETOR PÚBLICO: PROFESSORES E PROFESSORAS

NO ENSINO MÉDIO

Autora: Gabriela Marino Silva

COMISSÃO EXAMINADORA:

Profa. Dra. Aparecida Neri de Souza

Profa. Dra. Mariana Miggiolaro Chaguri

Profa. Dra. Bárbara Geraldo de Castro

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

2017

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AGRADECIMENTOS

Incorrendo no risco de, ao nomear cada um, cometer alguma omissão, início agradecendo a

todos que de maneira direta ou indireta contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.

Aos professores e às professoras da escola onde realizei minha pesquisa, por generosamente

dedicarem parte de seu tempo para relatar suas experiências no magistério, apesar da rotina já

cheia de compromissos, possibilitando a realização dessa pesquisa. Especialmente ao

Guilherme, pela acolhida e apoio irrestrito.

À Prof.ª Dr.ª Aparecida Neri de Souza, por todos os anos de orientação, à qual devo minha

formação como pesquisadora. Agradeço também por ter dedicado sua pesquisa ao trabalho

docente, essencial para o desenvolvimento dessa dissertação, suas contribuições e constante

diálogo foram imprescindíveis, bem como seu apoio, carinho e confiança.

Ao Prof. Dr. Henrique Novais, pela participação da banca de qualificação, suas reflexões e

indicações contribuíram para prosseguir com a pesquisa.

À Prof.ª Dr.ª Mariana Miggiolaro Chaguri, pela leitura cuidadosa, desde nosso primeiro

contato para o Exame de Qualificação. Sem seus comentários e sugestões, essa versão final do

trabalho não teria sido possível.

Às Profas Dras Bárbara Geraldo de Castro, Carolina de Roig Catini e Maria Lúcia de Büher

Machado, tão solícitas ao aceitarem o convite para a defesa.

Aos colegas do grupo de pesquisa, cujas contribuições em discussões desde o projeto até a

dissertação foram imprescindíveis e ajudaram a tornar o processo de pesquisa menos solitário.

Em especial a Fernando e Liliane, que me acompanham desde a graduação, e Tainá, minha

companheira de Mestrado, pela leitura sempre dedicada e atenciosa dos textos que produzi ao

longo de minha trajetória de formação como pesquisadora.

Aos colegas da Associação de Pós-graduandxs da FE, que possibilitaram a construção de lutas

conjuntas e de solidariedade, transformando a experiência da pós-graduação para além das

pesquisas individuais.

Ao meu pai e à minha mãe, que de longe contribuíram apoiando e incentivando

irrestritamente minhas escolhas profissionais. Agradeço também aos meus irmãos e à toda

minha família pelo carinho e apoio na realização da pós-graduação.

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A todos os amigos que acompanharam minha trajetória na pós-graduação e compartilharam

dos momentos de angústia e felicidade, especialmente Elisa, quem, além de ser uma excelente

companhia de muitos cafés, cervejas e dança, generosamente, revisou meu trabalho.

Aos funcionários da Biblioteca e da Secretaria de Pós-Graduação da FE, sempre atenciosos

para as inúmeras dúvidas e solicitações, sem eles nada seria possível.

À CAPES, pelo financiamento, essencial para o desenvolvimento da pesquisa.

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A educação para além do capital visa uma ordem social qualitativamente diferente. Agora não só é factível lançar-se pelo caminho que nos conduz a essa ordem como o é também necessário e urgente.

István Mészàros

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RESUMO

Esta dissertação de mestrado analisa as relações e condições de trabalho docente no setor

público, tendo em vista as mudanças – em curso, inclusive – no mundo do trabalho e seus

nexos com a Educação. A investigação foi desenvolvida a partir da observação de campo em

uma única escola estadual na Região Metropolitana de Campinas, tomando a mesma como

local de trabalho e de realização de entrevistas com professores e professoras que nela atuam

no ensino médio, visando desvelar as representações que estes constroem acerca de seu

trabalho. O estudo analisou a construção da carreira e da jornada de trabalho do magistério

público paulista, contrastando a legislação e o cotidiano dos docentes. O Estado estrutura o

trabalho docente a partir de uma concepção celular e individual, o que permite a completa

flexibilização das condições de trabalho: a jornada é flexível; o contrato é flexível; o local de

trabalho é flexível; o horário de trabalho é flexível; e o salário é flexível. Assim, professores e

professoras compreendem e manejam muito bem a atribuição de aulas, do ponto de vista

individual, pois há uma naturalização, da subsunção formal, e, desse modo, a jornada de

trabalho é compreendida como resultado do esforço individual, não se tratando, portanto, de

uma organização coletiva. No entanto, o mesmo não pode ser observado no que tange à

carreira, muito mais opaca e polissêmica, as contradições entre a vida de professores e

professoras e as determinações estatais se tornam, nesse contexto, muito mais acirradas.

Apesar de o trabalho no setor público aparecer associado à estabilidade no emprego e a

garantias de condições de trabalho “privilegiadas” em relação ao demais setores, a realidade

do trabalho docente no estado de São Paulo se constitui em diversas realidades, construídas a

partir das experiências que os professores vivenciam de acordo com contrato de trabalho,

classe social, gênero e trajetória no magistério.

Palavras-chave: Trabalho e Educação; Condições de trabalho docente; Relações

de trabalho na escola pública.

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ABSTRACT

This dissertation analyzes the relations and conditions of teaching work in the public sector,

considering changes in the world of work – including those in progress – and its links with

Education. The research was developed from field observation and interviews with teachers

who work in high school, aiming to unveil the representations which they build about their

work. It was held in a single public school in the Metropolitan Region of Campinas and, for

purposes of this research, school was considered as a workplace. This study examined the

construction of the career and the working day of the public teachers of São Paulo, contrasting

the legislation and daily life of teachers. The State organizes teaching work from a cellular

and individual design, which allows a complete flexibilization of working conditions: the

journey is flexible; the contract is flexible; the workplace is flexible; working hours are

flexible; and the salary is flexible. So teachers understand and manage very well the

assignment of classes, from an individual point of view, since there is a naturalization of the

formal subsumption, and, therefore, the working day is understood as a result of the

individual effort, not of a collective organization. However, the same cannot be observed

regarding teachers’ career, it is much more opaque and polysemic. The contradictions between

everyday life of teachers and the state determinations become, in this context, much more

intense. Although work in the public sector appears associated with employment stability and

guarantees of "privileged" working conditions in relation to other sectors, the reality of the

teaching work in the state of São Paulo is constituted in several realities, built from various

experiences according to work contract, social class, gender and trajectory as teachers.

Keywords: Work and Education; teaching work conditions; work relations in public school.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Características sociodemográficas dos/as entrevistados/as .................................. 36 Quadro 2 - Características sociodemográficas dos/as entrevistados/as .................................. 39 Quadro 3 - Ocupações de mães e pais dos/as entrevistados/as .............................................. 41 Quadro 4 - Quadro comparativo entre os direitos e condições de trabalho dos docentes estaduais de São Paulo por forma de vínculo/contrato .......................................................... 54

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Formação de mães e pais dos/as entrevistados/as ................................................. 41 Tabela 2 - Número de professores por região e situação funcional, 2015 .............................. 51 Tabela 3 - Percentual de docentes efetivos e não efetivos no Estado de São Paulo – médias anuais (1999-2017) .............................................................................................................. 51 Tabela 4 – Escala de Vencimentos PEB II (referente à jornada de 40 horas) ......................... 58 Tabela 5 - Escala de Vencimentos PEB II em relação ao salário mínimo .............................. 58

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACT – Admitido em Caráter Temporário APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo ATPC – Atividades de Trabalho Pedagógico Coletivo CD – Classes Docentes CGRH - Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas DE – Diretoria de Ensino DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos EC – Emenda Constitucional ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio EV – Escala de Vencimentos FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço IAMSPE – Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social LC – Lei Complementar LDB – Lei de Diretrizes de Bases da Educação MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado MEC – Ministério da Educação OFA – Ocupante de Função-Atividade PEB I – Professor de Educação Básica I PEB II – Professor de Educação Básica II PEI - Programa de Ensino Integral PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNDL – Plano Nacional do Livro Didático PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira RDPI – Regime de Dedicação Plena e Integral REDESTRADO - Rede Latino Americana de Estudos sobre o Trabalho Docente RGPS – Regime Geral de Previdência Social RMC – Região Metropolitana de Campinas RPPM – Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de São Paulo RPPS – Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEE-SP – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo SM – Salário Mínimo SP – Estado de São Paulo SPPREV – São Paulo Previdência TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UE – Unidade Escolar

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Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

Organização da estrutura da dissertação ............................................................................ 21

CAPÍTULO I – APRESENTANDO O TRABALHO DE CAMPO ...................................... 23

Os caminhos da pesquisa: discussão metodológica ........................................................... 23

O campo da pesquisa ........................................................................................................ 29

CAPÍTULO II – A CARREIRA NO MAGISTÉRIO PÚBLICO NO ESTADO DE SÃO PAULO ............................................................................................................................... 48

Ingresso na carreira do magistério: a fragmentação do trabalho docente ........................... 48

Desenvolvimento na carreira: limites e possibilidades ...................................................... 57

Considerações de final de capítulo .................................................................................... 68

CAPÍTULO III – A JORNADA DE TRABALHO DOCENTE ............................................ 70

Atribuição de aulas: distribuindo a empregabilidade ......................................................... 72

Relações de determinação no trabalho docente ................................................................. 84

Considerações de final de capítulo .................................................................................... 96

CAPÍTULO IV– PERMANÊNCIA E ABANDONO NO MAGISTÉRIO ............................ 98

Estratégias de permanência ............................................................................................... 99

Os sentidos do trabalho docente ...................................................................................... 104

Considerações de final de capítulo .................................................................................. 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 115

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 120

Bibliografia .................................................................................................................... 120

Documentos Consultados ............................................................................................... 124

ANEXOS ........................................................................................................................... 129

ANEXO I – Legislação ...................................................................................................... 130

ANEXO II – Roteiro de Entrevista (semi-estruturada) ........................................................ 136

ANEXO III – Temas das Entrevistas .................................................................................. 138

ANEXO IV – Planta da Escola .......................................................................................... 139

ANEXO V – Escala Vigente de Vencimentos PEB II ......................................................... 140

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INTRODUÇÃO

Segundo David Harvey (2007), a década de 1970 ficou marcada por crises do

capital e sua consequente reestruturação dentro de uma economia mundial. As lutas sociais e

os movimentos operários, que se intensificaram no final da década de 1960, questionavam o

modelo de produção fordista/taylorista e o próprio sistema capitalista. A associação desse

binômio fordista/taylorista ao keynesianismo parecia, segundo esse autor, dar sinais de

esgotamento1, mostrando-se incapaz de conter as contradições inerentes ao sistema capitalista.

O modelo de produção – até então hegemônico – estava pautado numa certa rigidez, de forma

que, conforme analisou o autor citado, a flexibilização dos processos de trabalho, da produção

e dos padrões de consumo mostrou-se necessária; ou seja, a forma de acumular capital deixou

de ser rígida para tornar-se adaptável às variações do mercado, constituindo então formas de

acumulação flexíveis.

A reestruturação produtiva foi analisada também pelos autores Luc Boltanski e

Ève Chiapello (2009). Segundo esses autores, o processo de reestruturação configurou uma

nova fase da empresa capitalista, que substituiu, parcialmente, a grande empresa fordista

centralizada por uma cadeia de unidades, baseada na tecnologia microeletrônica e na

possibilidade de deslocamento. Essa “nova empresa” busca externar a produção,

concentrando aquela de maior valor agregado e contratando o serviço de outras empresas para

o fornecimento da produção de menor valor agregado. Essa forma de organizar o processo

produtivo criou uma nova divisão social do trabalho, mundializada e que heterogeniza os

trabalhadores em sua relação de assalariamento, levando a uma fragmentação da classe-que-

vive-do-trabalho2.

Ou seja, no que tange o trabalho, significou um processo constante de

individualização das relações de trabalho – assalariamento – e uma precarização estrutural do

trabalho como estratégias de reprodução do capital. Segundo Alain Bihr (1998), a principal 1 Segundo Daniele Linhart (2007) não é consensual a noção de esgotamento do fordismo, haveria aqueles que indicam que o taylorismo teria se adaptado às mudanças. “No plano das políticas praticadas, com as pesquisas disponíveis, é possível distinguir três tipos de práticas: as que conduzem às formas de organização que rompem com alguns princípios tayloristas em matéria de organização do trabalho; as que levam ao fortalecimento do taylorismo e as que, apesar de importantes mudanças tecnológicas, reproduzem simplesmente a organização anterior” (p. 99) 2 Antunes (2003) propõe o termo classe-que-vive-do-trabalho enquanto uma noção ampliada da classe trabalhadora para poder entendê-la na atualidade. Excluindo os gestores do capital e seus altos funcionários, aqueles que vivem de especulação e juros e a pequena burguesia proprietária - rural e urbana – a categoria abarcaria a totalidade dos que vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos. Os trabalhadores produtivos seriam, segundo o autor, aqueles que participam diretamente da produção de valorização do capital; os improdutivos são aqueles que produzem valores de uso e serviços, os quais são vitais para a sobrevivência do capitalismo atualmente.

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forma de individualização que ataca a sociabilidade dos trabalhadores que podemos apontar é

a rediscussão da relação salarial fordista em todos os seus aspectos:

1. Tecnológico – sistema automatizado que garanta a fluidez e a flexibilidade;

2. Organização da produção – coletivo de trabalho, com polivalência, autonomia e maior

envolvimento das equipes;

3. Contrato de trabalho – formas de trabalho instável, sem emprego de tempo integral e

com duração indeterminada;

4. Salários diretos e ‘indiretos’ – regulação concorrencial e individualização.

Boltanski e Chiapello (2009) observam o surgimento de um “novo” espírito do

capitalismo, baseado na retomada da ideologia liberal-burguesa do século XIX, que propunha

o mercado autorregulado, mas em um contexto cuja lógica do capital financeiro impera e

comanda as enormes corporações multinacionais. Esse “novo” espírito do capitalismo é

entendido pelos autores como a resposta do capital frente às demandas dos movimentos da

década de 1960, que questionavam o modelo de organização do processo de trabalho e as

condições de trabalho. Sua legitimidade é dada pela incorporação dessas demandas,

reelaboradas em um novo modelo de produção flexível e com novas formas de controle.

No Brasil, a Educação é evidenciada por sua relação com o as exigências da

estrutura produtiva. Os governos, tanto em nível federal quanto no estado de São Paulo,

organizam reformas educacionais que visam produzir as condições necessárias para a

reprodução do capital.

Sob o discurso da “modernização”3, os Estados nacionais latino-americanos

implantaram ao longo das últimas décadas uma série de reformas que visavam principalmente

o crescimento da economia e, para tanto, propiciaram a flexibilização do trabalho nas esferas

pública e privada. Estamos compreendendo flexibilização como os diferentes arranjos laborais

que constroem relações de trabalho em oposição às proteções e direitos que os trabalhadores

obtiveram nas condições de venda da força de trabalho. As reformas, de cunho neoliberal4,

modificaram as relações entre Estado e sociedade, sua organização e forma de gestão, as quais

3 O termo modernização “tem sido utilizado para designar um conjunto de mudanças nas relações de trabalho, na organização dos trabalhadores bem como na ação pública do Estado”. (SOUZA; BERCOT, 2015). 4 Há ampla bibliografia sobre o neoliberalismo, consultar HARVEY, David. O neoliberalismo – história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008; GENTILI, Pablo. A falsificação do consenso. Simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis: Vozes, 1998; SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Orgs.). Pós-neoliberalismo – as políticas sociais e Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, entre outros.

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passaram a se orientar pela New Public Management5, uma nova maneira de pensar as

questões públicas e os serviços coletivos a partir da organização e da gestão, buscando a

redução das atividades estatais, juntamente com a diminuição do aparato estatal e seus

quadros.

No Brasil, a organização do Estado em direção à nova gestão pública (New Public

Management) foi colocada (e continua) em prática pelo Plano Diretor da Reforma do Estado

(1995) conduzido pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE)6.

A Reforma administrativa brasileira não concebe a atual crise como uma crise econômica do capitalismo, mas como uma “crise do Estado” composta por três componentes: (a) uma crise fiscal, que prejudica a capacidade de investimento do Estado; (b) uma crise do modelo de intervenção do Estado, dado ao esgotamento do modelo de substituição de importações na maioria dos países em desenvolvimento e (c) crise do modelo burocrático na administração pública, que seria a causa dos altos custos e a baixa qualidade de serviços públicos (...) Reconstruir o Estado (...) que significa diminuir o tamanho do Estado, aumentando a governança e a governabilidade. O primeiro seria alcançado pelas privatizações, da terceirização e da transferência de serviços públicos para organizações não governamentais (“publicização”). (ANDREWS, KOUZMIN, 1998, p. 100)

Nessa direção, importantes mudanças à Constituição Federal (1988) foram

produzidas, destaca-se a Emenda Constitucional no19/1998 que, ao dispor sobre princípios e

normas da Administração Pública, estabeleceu o fim do regime jurídico único, possibilitando

a contratação de empregados públicos. Como se vê abaixo, a nova redação do artigo 42 da

Constituição permite a demissão de funcionários públicos por avaliação de desempenho

insatisfatória e institui o período probatório de três anos. Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado; II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. § 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. § 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. § 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

5 Nova Gestão Pública (tradução livre) - administração da esfera pública a partir da lógica de gestão da esfera privada, pautada em critérios como eficiência, eficácia e produtividade. 6 Gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ministro professor Luiz Carlos Bresser Pereira (1995-1999).

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Em complementaridade à EC 19/1998, e não menos importante para as mudanças

nas relações de trabalho no setor público, foi a Lei no 9.801/1999 que estabeleceu os critérios

para demissão de funcionários públicos por economia de despesas7.

Art. 2º A exoneração a que alude o art. 1o será precedida de ato normativo motivado dos Chefes de cada um dos Poderes da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. § 1º O ato normativo deverá especificar: I - a economia de recursos e o número correspondente de servidores a serem exonerados; II - a atividade funcional e o órgão ou a unidade administrativa objeto de redução de pessoal; III - o critério geral impessoal escolhido para a identificação dos servidores estáveis a serem desligados dos respectivos cargos; IV - os critérios e as garantias especiais escolhidos para identificação dos servidores estáveis que, em decorrência das atribuições do cargo efetivo, desenvolvam atividades exclusivas de Estado; V - o prazo de pagamento da indenização devida pela perda do cargo; VI - os créditos orçamentários para o pagamento das indenizações. § 2º O critério geral para identificação impessoal a que se refere o inciso III do § 1º será escolhido entre: I - menor tempo de serviço público; II - maior remuneração; III - menor idade. § 3º O critério geral eleito poderá ser combinado com o critério complementar do menor número de dependentes para fins de formação de uma listagem de classificação.

A Lei no 9.962/2000 regulamentou a contratação de empregados públicos por

intermédio da CLT8 e também permitiu a demissão dos empregados no setor público.

Art. 1o O pessoal admitido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no5.452, de 1o de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário. § 1o Leis específicas disporão sobre a criação dos empregos de que trata esta Lei no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, bem como sobre a transformação dos atuais cargos em empregos. § 2o É vedado: I – submeter ao regime de que trata esta Lei: a) (VETADO) b) cargos públicos de provimento em comissão; II – alcançar, nas leis a que se refere o § 1o, servidores regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, às datas das respectivas publicações. § 3o Estende-se o disposto no § 2o à criação de empregos ou à transformação de cargos em empregos não abrangidas pelo § 1o. § 4o (VETADO) Art. 2o A contratação de pessoal para emprego público deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme a natureza e a complexidade do emprego. Art. 3o O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração pública nas seguintes hipóteses:

7 Para uma discussão mais aprofundada dessas reformas ver Krein, J. D. (2007); Oliveira, M. A. (2002) e Galvão, A. (2007). 8 Há uma ambiguidade na CF no que tange o regime jurídico único para os funcionários públicos.

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I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT; II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal; IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

Com a Emenda Constitucional no. 19/1998, a lei 9.801/1999 e a lei 9.962/2000,

foram igualadas as normas para contratação, recrutamento e seleção de trabalhadores do setor

público e privado, implementaram-se os mecanismos de avaliação periódica de desempenho,

aumentou-se o período de experiência para três anos, o que colocou fim à estabilidade do

trabalhador no setor público. Observaremos, nos capítulos subsequentes, na análise do

trabalho no campo da educação no setor público, no estado de São Paulo, os reflexos dessa

legislação na organização e gestão do trabalho de professores e professoras.

A educação escolar, enquanto função do Estado, não escapou a essas reformas e, a

partir da década de 1990, as políticas educacionais passaram a ser marcadas por uma lógica de

descentralização e flexibilização da gestão, com racionamento dos recursos, centralização e

periodicidade dos instrumentos de avaliação, visando atender às diretrizes fixadas pelos

organismos multilaterais, em particular o Banco Mundial.

O documento do Banco Mundial, publicado em 1996, informa que:

Las demoras en la reforma de los sistemas de educación para adecuarlos a las estructuras económicas (...) puede menoscabar el crescimento y, reciprocamente, la reforma oportuna pude reportar beneficios en términos de crecimiento económico y reducción de la pobreza (...). La flexibilidad en la combinación y la gestión de los insumos y la vigilancia de desempeño es esencial para lograr una enseñanza eficaz. (...) Puede ser posible obtener alguna mejora de la eficiencia o de la calidad de la educación mediante cambios de política que no requieren inversiones específicas. (Banco Mundial, 1996, pp.3, 8 e 9)9

No Brasil, as políticas educacionais reiteram as recomendações do Banco Mundial

com o objetivo de se configurar um “modelo” educacional apoiado nos programas de

9 Os atrasos na reforma dos sistemas educacionais para alinhá-los às estruturas econômicas (...) podem prejudicar o crescimento e, inversamente, a reforma oportuna pode proporcionar benefícios em termos de crescimento econômico e redução da pobreza (...). A flexibilidade na combinação e gerenciamento de insumos e o monitoramento de desempenho é essencial para o ensino efetivo. (...) Pode ser possível alcançar alguma melhoria na eficiência ou qualidade da educação através de mudanças de políticas que não requerem investimentos específicos. (Tradução livre)

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modernização econômica de cunho neoliberal. A estratégia de desenvolvimento proposta pelo

Banco Mundial tem a Educação como alavanca para as transformações na esfera produtiva10.

Dessa forma, a pesquisa de mestrado realizada interrogou: quais seriam os

reflexos dessas mudanças no trabalho cotidiano dos professores? A noção de cotidiano

trabalhada na pesquisa é tomada de Agnes Heller (1989), segundo a qual

A vida cotidiana é a vida de todo o homem. Todos vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico. Ninguém consegue identificar-se com a atividade humano-genérica a ponto de desligar-se inteiramente da cotidianidade (Id. ibid. p. 17)

As pesquisas sobre as políticas públicas de educação11 têm apontado para uma

tentativa de controle político sobre o trabalho dos professores da escola pública, seja ela

estadual ou municipal. O fenômeno é observado a partir das reformas curriculares, as quais

deixam pouco espaço para o professor ou a professora decidir acerca do conteúdo de seu

trabalho; dos cursos de formação continuada – ou até mesmo de formação inicial – com

ênfase na técnica, na metodologia de ensino, isto é, ‘como dar aula’12. Não menos relevante

são as avaliações em larga escala realizadas nacionalmente13, já que, segundo Freitas (2004),

as avaliações externas expressam concepções que responsabilizam a escola pelos resultados

escolares dos estudantes, independentemente do nível socioeconômico dos mesmos.

Portanto, o controle incidiria sobre o produto (e não o processo) do trabalho

docente. As formas de controle e de responsabilização de professores determinaria o sentido

da formação da força de trabalho pela escola pública. Haveria, entretanto, uma aceitação ou

uma naturalização dessas novas formas de controle por parte dos professores e professoras na

educação básica? Como a categoria docente compreende e responde a essas tentativas de

controle?

10 Essa dimensão pode ser observada na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, Conferência Mundial sobre Educação, Jomtien. Assim como nos documentos da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) – Educação e Conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade. 11 Ver principalmente as coletâneas de estudos sobre as relações entre reformas neoliberais e trabalho docente na América Latina de Feldfeber, M. e Oliveira, D. A. (2006). 12 Relevante observar que os governos federais, pós LDB, realizaram reformas curriculares: Parâmetros Nacionais Curriculares, gestão Fernando Henrique Cardoso (1995-2003); Orientações Curriculares Nacionais, gestão Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011); Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica, gestão Dilma Rousseff (2011-2016). 13 O próprio Plano Nacional de Educação (2014-2024) fixa metas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA.

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Segundo Marilena Chauí (1986), há uma ambiguidade entre conformismo e

resistência, pois as relações sociais não “são” essencialmente, mas são construídas e

interpretadas dentro de práticas determinadas histórica e socialmente. Nas palavras da autora

Para que algo seja isto ou aquilo e isto e aquilo é preciso que seja assim posto ou constituído pelas práticas sociais. (...) Ambiguidade é a forma de existência dos objetos da percepção e da cultura sendo, elas também, ambíguas, constituídas não de elementos ou de partes separáveis, mas de dimensões simultâneas... (Id. Ibid. pág. 123)

É preciso, portanto, prestar atenção às lógicas contraditórias do jogo interno do

conformismo, consentimento, inconformismo e resistência.

Mancebo (2007) aponta para duas principais entradas teórico-metodológicas nas

análises recentes sobre o trabalho docente. A primeira articula as modificações no mundo do

trabalho com as novas demandas à educação, com efeitos diretos sobre o processo e o produto

do trabalho docente. Algumas dessas análises tendem, no entanto, à supervalorização do

controle, de modo que há pouco espaço para a resistência dos próprios trabalhadores, que

muitas vezes acaba apagada nessas pesquisas. A outra entrada metodológica parte de uma

análise em nível micro, que leva em conta as especificidades e relações locais, institucionais,

dos sujeitos históricos envolvidos no contexto.

No entanto, essas análises tendem à supervalorização do particular, da

singularidade, deixando de confrontar o contexto local com as dimensões estruturais e

relações sociais mais amplas nas quais estão inseridos. Dessa forma, a autora propõe,

revisitando Thompson (2002-2004), uma reflexão acerca do trabalho docente que parta da

observação empírica, mas que se articule à teoria das Ciências Sociais, compreendendo as

relações no campo articuladas ao processo histórico mais amplo, o qual, por outro lado, não

pode ser aplicado mecanicamente nos diferentes contextos. Pelo contrário, não se pode perder

a dimensão particular que se apropria, ressignifica e resiste às mudanças que lhe são impostas.

Na tentativa de apreender as duas dimensões apontadas por Mancebo (2007), esta

pesquisa se propôs a realizar um trabalho empírico em articulação com uma construção

teórica. Wolf (2003), pensando o lugar e a importância do trabalho de campo para estudar as

chamadas "sociedades complexas", aponta para a necessidade de compreender os nexos entre

as relações sociais mais amplas da sociedade com a população e o local da pesquisa. Nesse

sentido, o autor defende que os antropólogos, e poderíamos estender para todos os cientistas

sociais, incorporem a história social marxista como tentativa de "conectar os microssistemas

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que vemos no campo com a matriz ampla da organização social e do mercado que influi

nela." (WOLF, 2003, pág. 357)

Trabalhando com uma bibliografia proveniente da Antropologia, cabe também

uma breve reflexão sobre a noção de cultura. Primeiramente, cultura pode ser compreendida

como um termo vago, tal qual “sociedade”, “política” e “economia”. Entretanto, o termo pode

trazer uma noção de consenso, ocultando as contradições sociais e culturais. Nesse sentido,

cabe explicitar que:

[...] a cultura articula conflitos e volta e meia legitima, desloca ou controla a razão do mais forte. Ela se desenvolve no elemento de tensões, e muitas vezes de violências, a quem fornece equilíbrios simbólicos, contratos de compatibilidade e compromissos mais ou menos temporários. As táticas do consumo, as engenhosidades do fraco para tirar partido do forte, vão desembocar então em uma politização das práticas cotidianas. (CERTEAU, 2009, pág. 44)

Procuramos, dessa forma, compreender no cotidiano o que as ações banais e

costumeiras nos revelam sobre a relação de professoras e professores com seu trabalho e com

as mudanças políticas e econômicas mais amplas, as quais impõem novas formas de regulação

sobre o trabalho docente. Segundo Certeau (2009), o estudo das práticas ou “maneiras de

fazer” cotidianas remonta às pequenas astúcias – silenciosas e quase invisíveis – daqueles que

são, muitas vezes, compreendidos como passivos ou dóceis. Há uma lógica e uma

racionalidade específicas que configuram as “artes de fazer” isso ou aquilo, própria da

“cultura popular”, que revela uma “maneira de pensar investida numa maneira de agir (id.

ibid., p. 41)”.

Em consenância com essa perspectiva teórica, a investigação sobre o trabalho

docente foi desenvolvida a partir da observação do cotidiano e das atividades desenvolvidas

por professores e professoras em uma única escola estadual na Região Metropolitana de

Campinas (RMC), na qual foram realizadas entrevistas com aqueles e aquelas que atuam no

ensino médio, buscando desvelar as representações que estes constroem acerca de seu

trabalho.

(...) a representação (Vorstellung), significa, para Marx, a consciência (Bewu tsein) que os indivíduos têm, mediata e ou imediatamente, de si próprios e dos outros membros do meio social ao qual são partícipes. Esta consciência é sempre, em primeiro lugar, consciência daquilo que está mais próximo de si, de seu cotidiano. (Corso, 2016)

Assim, as representações são aqui compreendidas como elaborações construídas a

partir das relações concretas com o trabalho docente. São percepções constituídas a partir das

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experiências distintas que os docentes vivenciam, determinadas pelos contratos de trabalho,

trajetórias profissionais e de formação, relações de gênero, classe, étnicas ou raciais, entre

outras.

Desse modo, nessa pesquisa, buscou-se compreender como as mudanças recentes

nas políticas educacionais e concernentes ao emprego de professores se articulam com o

trabalho docente, partindo da perspectiva da escola enquanto local de trabalho, o que significa

olhar para a organização, o processo e as relações de trabalho14, levando-se em conta,

entretanto, sua especificidade como atividade da esfera reprodutiva e que se desenvolve sob o

domínio estatal. A análise partiu da perspectiva dos docentes, visando compreender qual o

sentido social das mudanças recentes, como essas afetam seu trabalho cotidiano e como

professores e professoras entendem e respondem às políticas de educação e de emprego

docente.

A hipótese que norteou a pesquisa foi de que haveria tensões entre os docentes e

as prescrições das políticas públicas, de forma que poderiam haver diversas respostas,

individuais ou coletivas, às mudanças no emprego e no trabalho docente. As tensões

apareceriam principalmente no que tange as concepções sobre o trabalho docente: o que é

parte do trabalho do professor e o que não é? O professor é um trabalhador individual

responsável pela própria aula ou está associado a uma escola, a um coletivo de trabalho? O

não comparecimento ao trabalho para cuidar da vida pessoal (saúde, falecimentos, casamento,

etc.) torna um professor ruim? Em outras palavras, é o sacrifício da vida pessoal em função do

trabalho que torna o professo bom, mesmo que isso lhe custe a saúde física ou mental e suas

relações com família e amigos? As possíveis respostas a essas perguntas poderiam levar a

construções de carreira e jornada de trabalho bastante diferenciadas, bem como a distintas

relações com o trabalho docente.

Organização da estrutura da dissertação

A presente dissertação está dividida em quatro capítulos, considerações finais e

anexos.

No capítulo I – Apresentando o trabalho de campo está a discussão metodológica

da pesquisa e a apresentação da escola onde foi realizado o trabalho de campo. São

apresentados também os professores e as professoras entrevistados/as.

14 Para uma sistematização dos debates e principais categorias desenvolvidas na literatura acerca da análise do processo de trabalho na escola ver Hypólito (1991 e 2011).

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No capítulo II – A carreira no magistério público em São Paulo é apresentada a

discussão sobre a carreira, partindo do ingresso e das possibilidades de desenvolvimento da

mesma como apresentado pela legislação e pelas condições concretas de sua realização.

Assim, a reflexão parte dos diversos sentidos que a carreira toma, buscando apreender as

diferenças e similitudes das experiências de professores e professoras em sua relação com a

carreira.

No capítulo III – A jornada de trabalho docente são apresentadas algumas

reflexões acerca das relações entre trabalho docente e jornada de trabalho. A partir de muitas

contradições, o encontro entre a legislação e o cotidiano dos docentes promove a

empregabilidade e determina suas condições de vida. Por isso, professores e professoras

confrontam-se de forma prática com as determinações estruturais e buscam construir uma

jornada de trabalho a partir de sua própria concepção sobre a jornada e as relações com a

escola, o trabalho doméstico, a família, a composição dos salários e as condições de trabalho

em geral.

No capítulo IV – Permanência e abandono no magistério a reflexão parte da

concepção dos docentes sobre o próprio trabalho, buscando compreender porque apesar de

todas as penosidades e humilhações enfrentadas por esses trabalhadores na construção de sua

carreira no magistério e na relação com o Estado, eles ainda permanecem.

Nas considerações finais são retomadas, brevemente, as principais reflexões

levantadas ao longo da dissertação. Em anexo são apresentados os seguintes documentos: (I)

sistematização da legislação; (II) roteiro das entrevistas; (III) lista dos temas das entrevistas;

(IV) planta da escola; e (V) Tabela de Vencimentos PEB II.

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CAPÍTULO I – APRESENTANDO O TRABALHO DE CAMPO

Os caminhos da pesquisa: discussão metodológica

Segundo definição de Oliveira (1998), método é um percurso escolhido pelo

pesquisador, entre outros possíveis, de forma a abranger e interpretar as questões sociais

propostas num determinado estudo da forma mais coerente e correta possível, respeitando as

premissas teóricas que norteiam seu pensamento. É impossível definir a priori todos os

procedimentos de uma pesquisa, sendo necessária a constante reflexão sobre seu

desenvolvimento, mantendo-se sempre uma postura de questionamento em relação à

metodologia escolhida. Dessa forma, análise e trabalho de campo devem sempre acontecer

simultaneamente (Lang, 2001).

O levantamento, a leitura e o estudo da bibliografia selecionada sobre as pesquisas

realizadas acerca das relações e condições de trabalho de professores em escolas públicas de

educação básica teve o intuito de compreender as tendências teórico-metodológicas com as

quais os pesquisadores vem trabalhando e permitiu entender as ambiguidades que a

bibliografia, conhecida até o momento, indica sobre a natureza e o processo de trabalho, a

condição de classe, entre outros. Nesse sentido, a revisão da bibliografia sobre a temática teve

também o intuito de construir um referencial teórico. A seleção e o estudo da bibliografia

acompanharam todo o desenvolvimento da pesquisa.

O chamado “trabalho de campo” tem sua origem entre as Ciências Sociais, em

especial a Antropologia. Com mais de um século de produções científicas e experiências

acumuladas, a disciplina nos traz uma série de lições metodológicas, segundo Caldeira (1991),

sobre como “olhar para o outro”. O “outro” é o grupo que se pretende estudar, no caso dessa

pesquisa um grupo de professores da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-

SP) que trabalham em uma mesma escola pública na Região Metropolitana de Campinas

(RMC).

O exercício antropológico se constitui em “afastar-se” do grupo estudado,

abordando-o como um universo desconhecido. No entanto, esse exercício de afastamento ou

estranhamento não significa ignorar o que se sabe sobre o grupo pesquisado, mas, ao

contrário, tornar claras as ideias e pré-noções que se tem sobre o “outro” e submetê-las à

crítica.

Caldeira (1991) pontua que a realização de entrevistas é uma técnica essencial no

processo de pesquisa, no entanto, não é suficiente para a apreensão da realidade social. Os

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antropólogos consideram que a cultura – seu objeto de estudo – é expressa em várias

dimensões: (a) o que as pessoas dizem, (b) o que as pessoas fazem e (3) o que as pessoas

dizem sobre o que elas fazem. Para abranger essas três dimensões, os antropólogos

desenvolveram métodos de pesquisa de campo que permitem observar o cotidiano do grupo

pesquisado. Nesse sentido,

Você tem que entrar no cotidiano das pessoas. Além disso, há que se fazer entrevistas, ouvir muito, mas apenas entrevistas não são suficientes como fonte de informação. Sem os dados da observação e da vivência não se consegue interpretar bem as entrevistas. É necessário acumular informações das fontes mais variadas, que incluem a observação e o ouvir, mas também a procura de documentos, o uso de dados estatísticos, enfim, de todo o tipo de fonte que se puder encontrar relacionado ao tema que se está pesquisando. (Id. Ibid., p. 70)

Tendo isso em vista, antes de iniciar o trabalho de campo, foi realizada uma

extensa revisão da legislação15: coleta e interpretação dos documentos produzidos pelos

governos (federal e estadual), pelos conselhos de educação (federal e estadual) e pelo

legislativo (nacional e estadual) que incidem sobre o trabalho docente. A leitura desses

documentos procurou considerar o contexto em que foi produzida a documentação, as

concepções de trabalho docente em discussão e as mudanças propostas. A seleção foi

realizada entre os documentos produzidos em nível federal e estadual (SP), com prioridade

para o período de governos democráticos mais recentes – a partir da Constituição Federal de

1988 -; no entanto, algumas leis e decretos do período histórico anterior (ditadura militar) são

ainda vigentes no estado de São Paulo e, por esse motivo, foram considerados para a pesquisa.

Conforme Queiroz (1991), na entrevista, a pesquisadora tem uma posição

dominante, pois são seus interesses de pesquisa que a levam a buscar o/a entrevistado/a, é ela

quem guia a entrevista e, no momento posterior à coleta de dados, cabe a mesma recortar e

selecionar as partes do relato de acordo com as finalidades de sua pesquisa. Nesse sentido, a

proposta para realização das entrevistas foi elaborar um roteiro semi-estrurado para cada

uma16, o qual trazia os principais pontos a serem abordados durante a mesma. O princípio

norteador da entrevista foi a compreensão de que essa se realiza como um momento singular

de troca e negociação entre a pesquisadora e a/o entrevistada/o. Por isso, procurou-se deixar a

pessoa entrevistada o mais à vontade possível para falar dos temas que surgissem, que ele ou

ela considerasse importantes, garantindo uma boa relação com a pessoa entrevistada e, dessa

forma, uma coleta significativa de informações.

15 Ver Anexo I 16 Ver Anexo II

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Identificam-se dois principais momentos da pesquisa: a coleta de dados e a análise

dos mesmos. Dados são as informações recolhidas de maneira sistemática e minuciosa que

são submetidas à decomposição de seus informes, o que permite encontrar os elementos que

os compõem (Lang, 2001). Tendo isso em vista, para que a análise das entrevistas fosse

possível, todas elas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. O texto produzido a partir

da transcrição de cada entrevista foi decomposto em assuntos posteriormente organizados em

temas. Tratou-se de assim proceder com as entrevistas para produzir uma nova síntese

temática, a qual permitiu comparações entre as pessoas entrevistadas.

A partir das entrevistas e observações de campo, chegamos a 11 temas: (a)

trajetória familiar e origem social; (b) trajetória de formação; (c) condições de

trabalho/infraestrutura da escola; (d) carreira; (e) remuneração; (f) contrato de trabalho; (g)

jornada de trabalho; (h) saúde e condições de trabalho; (i) relações de poder na escola; (j)

participação política e (k) representações sobre o trabalho docente. Esses, posteriormente,

foram reelaborados na construção da análise sobre as relações e condições de trabalho dos

professores do ensino médio da escola pública do estado de São Paulo, a qual compõe o texto

final da dissertação dessa pesquisa de mestrado17.

Podemos compreender, junto com Oliveira (1996), que a elaboração da “teoria

social” advém do exercício de três atos cognitivos, ou três etapas, de apreensão do fenômeno

social: olhar, ouvir e escrever. O olhar, quando se está no campo, é necessariamente

disciplinado – ou seja, o objeto é apreendido pelo esquema conceitual da disciplina de

formação da pesquisadora, sendo previamente construído, a partir das categorias trabalhadas

na tradição da disciplina e de análises precedentes, resultado do esforço dos pares.

O ouvir, por sua vez, é também direcionado. O autor argumenta que é essencial

que a entrevista – momento do ouvir por excelência – seja dialógica, podendo dessa forma

constituir-se como um encontro produtivo entre a pesquisadora e a pessoa entrevistada.

Oliveira (1996) está pensando a pesquisa etnográfica realizada com nativos, e coloca, por isso

mesmo, que a entrevista se dá em um contexto especialmente problemático, no qual o

etnólogo ou antropólogo exerce um poder extraordinário, intrínseco à relação com o nativo.

Podemos esperar que, com o grupo entrevistado, o “outro” dessa pesquisa, essa relação não

será tão problemática. Entretanto, é importante atentar-se às negociações – necessariamente

presentes no diálogo; principalmente no que tange os campos semânticos próprios da escola

17 Ver Anexo III

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ou da universidade, buscando não substituir o discurso do entrevistado pelo da disciplina e

vice-versa.

Olhar e ouvir se complementam, conforme discutido anteriormente, e fazem parte

do momento da coleta de informações, ainda no campo. Nas palavras de Geertz (2009), é o

trabalho de campo realizado “estando lá”. A escrita, por outro lado, é o trabalho de análise

das informações colhidas e é realizado afastado do campo, “estando aqui”, na universidade e

em diálogo com os pares. Configura-se como o momento de textualização do que foi

observado, da comunicação e construção do conhecimento, pois

é no processo de redação de um texto que nosso pensamento caminha, encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados provenientes da observação sistemática. [...] Pelo menos minha experiência indica que o ato de escrever e o de pensar são de tal forma solidários entre si que, juntos, formam praticamente um mesmo ato cognitivo. Isso significa que, nesse caso, o texto não espera que seu autor tenha primeiro todas as respostas para, só então, poder ser iniciado. [...] Não obstante, sendo o ato de escrever um ato igualmente cognitivo, esse ato tende a ser repetido quantas vezes for necessário: portanto, ele é escrito e reescrito repetidamente, não apenas para aperfeiçoar o texto do ponto de vista formal, quanto para melhorar a veracidade das descrições e da narrativa, aprofundar a análise e consolidar os argumentos. (Oliveira, 1996. p. 32)

Bourdieu (2004b) pontua o cuidado no momento da construção do objeto

pesquisado. É necessário extrair os aspectos sociais dos informantes a partir da teoria e da

linguagem sociológica, tomando o cuidado de não tomar o discurso das pessoas entrevistadas

como explicação do comportamento, pois, desse modo, a pesquisadora estaria apenas

substituindo suas pré-noções pelas da/o informante. Dessa forma, o objeto da pesquisa

sociológica passa sempre pelos procedimentos de desconstrução e reconstrução. Ou seja, sua

desconstrução tal qual o objeto se apresenta ao senso comum e sua reconstrução de acordo

com a teoria sociológica. Foi esse movimento que permitiu à pesquisadora construir a

tematização, ponto de partida para a reflexão sobre as hipóteses e a realidade social através da

operacionalização da teoria e das categorias de análise.

No momento de análise, outro pressuposto importante a ser considerado é a

localização das relações sociais estudadas no tempo e no espaço. São as condições históricas e

sociais que conferem sentido e especificidade às categorias utilizadas na pesquisa, sendo

necessário levá-las em conta no momento da análise. Dessa forma, é preciso lembrar que toda

fonte tem sua especificidade e os documentos e falas tem intencionalidade. Ou seja, no

momento da análise – e como parte dela – é necessário atentar para o porquê, como, quando,

onde e por quem o documento – ou a fala – em questão foi produzido.

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A escolha da escola pública de nível médio como lócus privilegiado da pesquisa

se justifica devido à especificidade de seus trabalhadores, contratados pelo Estado, seus

salários provêm de impostos pagos pelo conjunto da sociedade e são considerados, do ponto

de vista do capital, trabalhadores improdutivos e não-manuais. O debate marxista acerca

dessas categorias é extenso, e esse não será retomado aqui. Entretanto, sem a intenção de

esgotar o mesmo, são apresentadas a seguir as noções das quais partiu a realização desta

pesquisa18.

Consideramos, como ponto de partida, a educação escolar comocondição geral

para a produção e reprodução da força de trabalho. Um determinado nível de educação da

força de trabalho é demanda do capital para a acumulação.

No entendimento marxiano, o trabalho produtivo/improdutivo não se define pelo

conteúdo, mas pela relação que mantém com a geração de valor. Desse modo, o trabalho

produtivo

[...] não encerra de modo algum apenas uma relação entre atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital. (Marx, 1983. Pág. 105-06)

Dessa forma, dentro do capitalismo, o trabalho produtivo não é aquele que gera

um produto, mas um processo que absorve trabalho não pago. Em outras palavras ainda, é

produtivo todo trabalho que gera valor em seu processo de produção: gera mais-valia ou serve

à autovalorização do capital. Por outro lado, o trabalho improdutivo é aquele que não gera

diretamente valor. Ao contrário, gera anti-valor, de modo que a sociedade capitalista sempre

tenta se livrar do trabalho improdutivo.

Desse modo, um trabalho de conteúdo idêntico pode ser produtivo ou

improdutivo, pois a produtividade não se liga ao conteúdo do trabalho, mas a uma relação

socialmente determinada entre o vendedor e o comprador da força de trabalho.

O trabalho produtivo troca-se diretamente por dinheiro enquanto capital, isto é, por dinheiro que em si é capital, que está destinado a funcionar como capital e que como capital se contrapõe à capacidade de trabalho. (Marx, 2004. Pág. 114).

18 Abordo essa discussão em relatório de Iniciação Científica apresentado à FAPESP no item “3.4 Valorização dos Profissionais de Educação”, ver: SILVA, Gabriela M. Organização e condições de trabalho moderno: professores no plano nacional de educação. Iniciação Científica FAPESP (2011/12069-0).

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Marx (2004) afirma que o professor, trabalhando para uma escola-empresa, gera

mais-valia no sentido que extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. Ou seja, é um

trabalhador produtivo. Todavia, enquanto servidor público, o mesmo professor não serviria

diretamente ao processo de valorização do capital, podendo ser improdutivo, pois seu trabalho

não se realiza numa relação capitalista.

Dito isso, podemos concluir que o professor é um trabalhador se pensarmos a

classe trabalhadora em sentido amplo, conforme Antunes (2003). No entanto, o professor,

empregado pelo Estado, é um trabalhador improdutivo pois não geraria diretamente mais valia

– tendo em vista que o Estado não tem fins lucrativos com a atividade do professor e os

salários são provenientes de fundo público, impostos. O Estado, como organizador das

condições gerais de produção, encarrega-se da educação escolar, ainda que tenhamos que

levar em consideração algumas observações.

A primeira delas é que, desde a década de 1990, o Brasil tem passado por uma

série de reformas de cunho neoliberal, caracterizadas pelas privatizações, pela flexibilização

das relações salariais, tanto na esfera privada quanto na esfera pública, e por políticas de

controle do trabalho e do trabalhador. Observa-se a primazia da esfera privada se delinear no

interior do setor público em duplo sentido: na forma de gerir a administração pública – a

economia das receitas estatais, com novas formas de contratação (mais) precárias, a gestão

por resultados, metas etc.; ao mesmo tempo em que abre espaço para que o setor privado se

insira no setor público, criando novos nichos de mercado19 e produzindo mudanças nas

relações de trabalho na esfera pública.

Uma outra observação é que a Educação é uma atividade da esfera da reprodução.

Desse modo, as relações de trabalho na educação pública podem ser melhor elucidadas se

pensarmos junto com Catini (2016) a partir do produto do trabalho docente na escola

pública20: a formação de trabalhadores. Na leitura da autora, o trabalhador na sociedade

capitalista é força de trabalho na produção (objeto) e sujeito do direito na esfera da circulação;

a Escola deve realizar a socialização completa desses sujeitos-objetos. 19 Para uma discussão mais aprofundada sobre as mudanças nas relações entre público e privado na Educação no país ver Hypólito (2011). A dissertação de Luciana Galzerano (2016), produzida no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE)/Unicamp, traz um estudo de caso relevante na produção de material didático no Brasil e suas relações com o capital financeiro internacional. Ver: GALZERANO, L. S. Grupos empresariais e educação básica: estudo sobre a Somos Educação. Campinas. 2016. 167p. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNICAMP. 20 De acordo com Frigotto (1984) há uma dualidade no sistema escolar brasileiro, com a separação da formação da classe trabalhadora na escola pública esvaziada de conteúdo e a formação das elites em escolas privadas, essas sim conteudistas e que levam a longos anos de estudos em universidades conceituadas e para profissões valorizadas no mercado de trabalho, especialmente profissões liberais e altos cargos da hierarquia produtiva.

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Assim, segundo a autora, pensar a partir da relação força de trabalho/sujeito de

direito (objeto-sujeito) possibilita a leitura de que o Estado garante, em última instância, a

formação/reprodução da força de trabalho a partir dos interesses do mercado. Isso porque

permite compreender que a formação para a cidadania21 não seria antagônica à formação para

o mercado de trabalho, mas seu oposto complementar necessário para construção do consenso

da sociedade capitalista e seu pleno funcionamento. Tendo isso em vista, o controle sobre o

trabalho docente ganha nova dimensão.

A escolha dos professores de ensino médio baseou-se (a) no fato de seu trabalho

ser organizado por campo disciplinar, exigindo formação específica em nível universitário;

(b) na compreensão de que é nesse nível de ensino, a última etapa da educação básica, que se

desenvolve a formação de jovens seja para continuar os estudos seja para se inserirem no

mercado de trabalho; e (c) na hipótese de que a especificidade da formação e do trabalho do

professor de ensino médio por campo disciplinar, somado aos objetivos de formação do

ensino médio, possibilitariam uma perspectiva diferente quanto ao trabalho docente, que se

distanciasse da esfera do cuidado, perspectiva que marca o trabalho com os anos iniciais da

educação básica.

O trabalho de campo foi desenvolvido durante o primeiro semestre letivo do ano

de 2016. A coleta de dados deu-se através da observação do cotidiano da escola, com

acompanhamento de aulas, reuniões e demais atividades desenvolvidas pelos docentes; e

realização de entrevistas com professores e professoras que ministram aulas na escola, no

ensino médio.

O campo da pesquisa

O campo – observações e entrevistas – foi realizado em uma única escola pública

e estadual localizada na Região Metropolitana de Campinas-SP. A escola foi fundada em

1925, como Grupo Escolar, entretanto, em meados do século XX, teve seu prédio demolido e

substituído pelo prédio atual. A seleção da escola teve como critérios (1) a indicação de que a

21 Catini (2016) parte de uma discussão sobre o direito no capitalismo a partir de Pashukanis: “Em suma, o sujeito do direito é, portanto, a personificação da propriedade privada, seu duplo jurídico. A força de trabalho, essa forma mercantil, é base da ideologia do direito, uma qualidade do sujeito que se resume na “[...] capacidade jurídica de se pertencer a si mesmo, isto é, de ser proprietário de si”, o que ocorre na medida em que o indivíduo é considerado apto para relações sociais, tendo “consciência jurídica da livre propriedade de si próprio” (EDELMAN, 1976, 29). Sendo assim, a igualdade jurídica perante o Estado não entra em contradição com a forma capital. O capital, sendo esta relação social que se materializa em coisas, necessita do direito, pois este direito é imprescindível para a circulação de mercadorias e para a própria exploração do trabalho. (p. 16).” Ver também Catini (2013).

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escola seria objeto da reestruturação das escolas paulistas em 201622; (2) uma escola

considerada, na opinião de professores, como referência de escola estadual e que atende a

segunda etapa do Ensino Fundamental e o Ensino Médio; e, (3) a existência de coordenador

pedagógico altamente qualificado, isto é, trata-se de um doutorando com pesquisas em

educação. A escolha foi realizada após indicações de escolas similares e com possibilidades

de amplo acesso ao campo.

A escola, localizada próxima ao centro da cidade, atende a um público não

proveniente da região, mas de diversos bairros e mesmo de cidades próximas. Oferece ensino

médio nos períodos matutino e noturno e, no ano em que a pesquisa foi realizada, oferecia

também as aulas do primeiro ano do ensino médio no período da tarde.

Além de garantir as condições básicas de funcionamento (água e esgoto, energia

elétrica, coleta de lixo e acesso à Internet de banda larga), possui laboratório de informática;

laboratório de ciências; quadra de esportes coberta; sala de leitura; 2 salas multimídia e pátio

coberto. A escola é equipada com computadores, câmera fotográfica/filmadora, TVs

(inclusive em salas de aula), impressora e copiadora, equipamentos de reprodução de áudio e

vídeo/imagem.

Os ambientes de trabalho são divididos espacialmente na escola23. Uma das

entradas é destinada aos estudantes e se dá pelo pátio. A outra entrada é pela secretaria da

escola e, no mesmo hall de entrada, fica a sala da diretoria. Ao entrar pelo lado

administrativo, é necessário passar um portão para um corredor com as salas de aulas. A

primeira sala à direita é a de multimídia e, na sequência, encontra-se a sala de professores - à

esquerda. Seguindo pelo corredor obtém-se acesso ao pátio e ao andar superior, à direita, e as

salas de aulas – à esquerda – seguem o corredor até o final. No andar superior temos mais

salas de aulas e os laboratórios, a sala de leitura e a segunda sala de multimídia.

No total, são 13 salas de aulas que os professores revezam entre si, entre os

períodos. Essa escola possui as chamadas salas ambientes, ou seja, uma proposta de

organização do espaço escolar que permite a circulação dos estudantes entre as salas, que são

22 Em 2015 a SEE-SP anunciou uma proposta de reorganizar as escolas estaduais em ciclos únicos, de forma que algumas unidades teriam apenas o Ensino Fundamental I, outras receberiam os adolescentes no Ensino Fundamental II e outras seriam exclusivas do Ensino Médio, atendendo jovens entre 15 e 17 anos. Entretanto, a proposta enfrentou forte resistência, com ocupação, pelos próprios estudantes, de mais de 80 escolas no estado. Tendo isso em vista, o Governo do Estado, adiou o projeto de reorganização. Para mais informações: http://www.educacao.sp.gov.br/reorganizacao/. Acesso em 28 de novembro de 2016. 23 Para melhor visualização do espaço, ver a planta da escola no Anexo IV.

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organizadas por disciplina e possuem recursos didáticos e pedagógicos voltados para a

mesma.

Na área externa ficam o pátio, a quadra, o refeitório, a copa, o almoxarifado e os

banheiros dos estudantes. Os banheiros de funcionários e professores ficam na sala da

diretoria. As trabalhadoras da limpeza24 usam bastante o espaço externo, do almoxarifado e da

cozinha, mas no geral circulam pela escola, sendo, assim, 54 funcionários no total25.

A escola tem um aspecto vivo e alegre, sendo que a pintura das paredes é

composta pelas cores alaranjada e amarelo claro e o chão é acinzentado, o que difere

substancialmente das escolas públicas cinzas. A luz do sol é presente na maior parte do prédio

e a sala dos professores, os laboratórios e as salas multimídia são equipadas com ar-

condicionado.

As salas de aula, por sua vez, são equipadas com 2 ventiladores e possuem janelas

sem grades ao longo de toda a parede lateral, com cortinas. Apesar das instalações, as salas

são quentes e, especialmente no período da tarde, são bastante abafadas. As salas são

compridas e as carteiras, embora sejam mantidas as filas, são dispostas em duplas, formando

dois corredores. Essa disposição facilita circulação do/a docente. Não há mapa de sala, isto é,

os/as estudantes não têm lugares fixos na sala de aula. Entretanto, cada professor organiza a

sala segundo sua concepção de trabalho. Por exemplo, em um dia de prova, uma das

professoras de Matemática colocou os estudantes em carteiras separadas e o mais próximo de

sua mesa. Em um dia de aula (sem provas), uma das professoras de História manteve as

carteiras em duplas, mas também trouxe os alunos mais para a frente da sala e mudou alguns

pares de alunos; já a professora de Português não fez qualquer alteração na organização dos

alunos.

A mesa do professor fica na direção da porta, no centro da sala e há, de cada lado,

um armário, sendo um para o material didático e outro para os eletrônicos. O quadro negro

(lousa de giz) fica atrás da mesa do professor, de frente para os alunos e na parede da porta, na

lateral da sala, há um quadro branco (lousa de caneta) sem utilização. Algumas salas de aula

possuem TV, de acordo com o pedido dos professores responsáveis pela sala e o que ocupa as

paredes também varia de acordo com os professores que ocupam a sala. Das aulas que

acompanhei pude perceber que na sala de português há cartazes sobre os livros do vestibular,

24 São concursadas. 25 Dados do Censo/2016. Segundo os dados do Censo/2014, eram 112 funcionários.

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na sala de geografia e de história há mapas e na sala de matemática não havia nada nas

paredes.

Na avaliação dos docentes, a infraestrutura oferecida e as condições de trabalho,

em geral, são boas, especialmente quando colocadas em comparação com as demais escolas

públicas. Eles não só apreciam bastante o acesso que tem ao uso de tecnologias em aula, com

salas multimídia prontas para uso e a possibilidade de ter uma TV na própria sala de aula,

como também associam a qualidade do trabalho docente às condições nas quais esse trabalho

se realiza.

Os depoimentos abaixo, ao comparar escolas, apontam para as excepcionalidades

das condições de trabalho da escola estudada.

Olha, eu percebi que nessa escola a gente tem grandes vantagens. Nós temos essas salas multimídias que hoje no mundo que a gente tá é favorável, com certeza! Trabalhar com as redes, toda essa tecnologia acho que é muito importante e é de fácil aprendizado pros alunos. É um mundo que eles conhecem, é um mundo que é mais próximo deles e eu acredito que isso contribui muito pra eles. [Professor 12] Ai... Porque assim eu comecei em escolas que não tinham estrutura nenhuma. Então, por exemplo, quando eu cheguei e eu vi a impressora lá como a gente tinha conversado, aquilo pra mim foi um choque! Que eu podia tocar na impressora e tirar quantas cópias porque eu vim de escola ou que não tinham ou que essa impressora ficava dentro da diretoria. Então se você precisasse de uma cópia quem tiravam eram eles. [Professora 04]

Algumas professoras atribuíram também as boas condições de trabalho à

localização da escola, às características do alunado e à relação com estudantes e pais que

apoiam e compreendem como importante a escolarização.

Aqui é bom, eu gosto de trabalhar aqui. Aqui eu ainda vejo interesse dos alunos, aqui você propõe uma atividade eles fazem, eles questionam, eles pesquisam, eles vão muito assim procurar vídeo-aula quando não entende no Youtube, acho lindo isso! Eles meus alunos costumam fazer isso! E depois eles retornam tirando dúvida comigo, isso é muito bom. E é difícil você ter isso em outras escolas, os alunos querem saber mal faz atividades que você propõe né? E aqui eles fazem tudo, entregam tudo direitinho. É, tem um diferencial sim. Eu acho que o fato de ser no centro. Esses alunos já sentem a necessidade do estudo. Eles tão trabalhando, eles tão no centro, eles tão já interagindo com outro nível social, com outros meios, então eles sentem essa necessidade. Então eu acho isso bacana, eles não são tão agitados como alunos de uma periferia, digamos assim. Eu vejo essa diferença. [Professora 14]

Como essa é uma escola... uma escola modelo, uma escola central eu diria que as condições de trabalho não são ruins. [...] Os alunos vem pra escola, o material funciona, eu vou no multimídia eu consigo passar matéria da aula no multimídia tranquilo. [...] eu não tenho material aqui sobrando, mas assim também é questão de saber aproveitar o que você tem, a gente tem livro didático, a gente tem o caderninho do aluno... dá pra mesclar, entendeu? Dá pra preparar algum material antes e pedir pra eles tirarem [cópias], eles tiram. Não dá pra tirar tudo, não dá, não dá pra eu achar uma coisa maravilhosa e querer pra amanhã, não tem condições! Mas assim tem muito material, tem muito espaço, tem como trabalhar, os alunos

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daqui eles não são como a maioria dos alunos do estado, a gente tem um público bem diferenciado até por ser uma clientela mais central é diferente o nosso público. [Professora 19]

A importância das relações com a direção e a coordenação da escola também é

levantada pelos professores como um diferencial nas relações de trabalho em diferentes

escolas, ainda que todas sejam públicas.

Essa escola ela é especial. É uma escola bem diferente das outras porque aqui nós temos condições de discussão. Então a gente tem planejamento no começo do ano, é tudo muito aberto, muito discutido. Os coordenadores são assim pessoas muito prestativas [...] eles não têm aquela situação de mau tempo de não poder fazer aquilo, eles tão sempre abertos a uma reivindicação, um acontecimento, uma reclamação. Eles aceitam crítica, isso é muito interessante, isso é muito bom! Porque quando a pessoa tá aberta à crítica significa que ela consegue, vamos dizer assim, encarar. Ver o que ela precisa melhorar e tudo e... então aqui a gente tem bastante apoio. Eu sinto isso. Se você precisa de alguma coisa você vai e pede pra eles, eles tentam realmente ir atrás do que seja necessário. [Professora 02]

Então... essa escola que nós estamos hoje aqui falando dela é diferente a realidade, é diferente. Eu não sei se foram anos de trabalho porque a diretora que eu comecei aqui ela ficou 12 anos como diretora. E depois quem veio foi uma cria dela! Aí depois quem veio foi cria dela também! Aí depois quem veio foi também uma cria dela! Então a gente percebe que a escola ficou muito tempo na mão de uma diretora só que ela tinha um objetivo. Então ela não via a escola como a casa dela, embora tinha uma postura muito difícil, mas ela não via a escola como a casa dela. A escola não é casa do diretor! [Professor 16]

Ainda que os professores e professoras ressaltem as condições de trabalho como

adequadas, a falta de recursos e os problemas de gestão desses aparecem nos depoimentos. A

escola teve, durante cerca de uma década, uma direção bastante estável que conseguiu

administrar e garantir condições de trabalho consideradas adequados pelos entrevistados. Com

a saída dessa diretora, as condições de trabalho se modificaram e foi justamente nesse período

de mudança de direção que a pesquisa foi realizada. Durante essa mudança, o grupo que já

trabalhava na escola garantiu a transição para a nova gestão da escola. Essa nova direção viera

de outra escola com códigos culturais e valores distintos, desestabilizando os professores.

Bom, eu acho que se a gente for partir pra comparação com outras escolas a realidade dessa escola ela é completamente diferente. [...] Mas se a gente não for pensar só em comparação, ressaltando pontos positivos e negativos pensando de forma fechada dentro dessa escola eu também acho que é boa de forma geral, em todos os aspectos. Então a gente tem uma estrutura boa, a gente tem um prédio bom, bem conservado, tem os seus problemas, então a gente tem carteiras antigas que quebram que os alunos – a gente tem salas com carteiras novas e antigas e a gente vê a diferença de conservação que os próprios alunos tem com esse material, é claro você não vai riscar uma carteira nova, mas riscar uma carteira antiga você risca sem perceber, então tem essas questões. A gente tem uma boa administração eu acho, uma boa gestão, que o investimento, o dinheiro que a gente recebe é bem investido. Então a gente tem a maioria das salas com televisão, com recurso midiático, tem a sala de multimídia. A gente é uma escola muito grande e alguns espaços são pequenos pensando em termos de infraestrutura, então problema de infraestrutura, então o laboratório é pequeno, o laboratório de informática é

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pequeno, o pátio mesmo se você for lá no intervalo você vai ver que ele é pequeno pra quantidade de alunos, mas como é uma escola central, construída há muito tempo, com muita demanda também é compreensível, não tem muito pra onde ela expandir. Seria essa questão de tamanho então diminuir o número de alunos por sala de aula por exemplo, mas que tem uma determinação do estado a quantidade de alunos, também tem um controle aqui na escola, a gente opera no máximo mínimo e não no máximo máximo, então Ensino Médio não passa de 40 alunos, uma vez que ele poderia chegar até 45 numa situação extrema, a gestão não deixa passar de 40, então isso é bom, é que menos é difícil conseguir que o estado permita, que ele deixe com menos. [Professora 07]

A principal queixa de professores e professoras em relação às condições de

trabalho na escola pública é o número de alunos por sala de aula.

Então uma coisa que eu acho que o estado faz por economia é juntar muito aluno em sala. Eu acho que o ideal, perfeito e muito sonhador também, seria vinte alunos por sala. Nós hoje temos quarenta alunos por sala, se caísse pra trinta já era uma coisa maravilhosa! Então essa é uma condição que eu acho que é ruim. Mas assim a questão de multimídia, por exemplo, aqui na nossa escola ela é relativamente boa, mas se a gente olha pra sala de informática ela tem os computadores, é organizadinho, tudo bonitinho, os alunos podem vir aí só que são dois alunos por computador o que numa sala de quarenta são vinte computadores, não é legal pra uma aula, não é legal, poderia ser melhor. Então essas pequenas coisas poderiam ser melhoradas, sabe? [Professora 01]

Então é difícil as condições de trabalho são bastante são difíceis. Eh... a gente poderia tá trabalhando muito melhor com outros materiais. Dando uma aula muito melhor... algumas escolas têm mais condição do que outras em termos de material, de infraestrutura, de apoio, de espaço físico. Mas a única coisa que eu acho melhoraria e muito a qualidade de aula é se reduzisse o número de alunos. Porque se você trabalhar com 40 alunos, uma professora só em Educação Física é muito difícil! [...] Então se reduzisse o número de alunos eu acho que a aula ficaria com uma qualidade muito melhor. Então assim material a gente tem, se vira com o que tem, não é acho que a coisa mais importante, têm muitas atividades que não usam material entendeu? O mais complicado pra mim é o número de alunos. [Professora 06]

O número de alunos por sala de aula é definido por legislação e colocado em

prática nessa escola sem considerar as penosidades assinaladas pelos depoimentos e

provocadas pela quantidade de estudantes. A legislação26 prevê que as classes sejam formadas

do seguinte modo:

Artigo 2º - As classes de alunos serão constituídas, de acordo com os recursos físicos disponíveis e na conformidade dos seguintes referenciais numéricos: I - 30 alunos, para as classes dos anos iniciais do ensino fundamental; II - 35 alunos, para as classes dos anos/séries finais do ensino fundamental; III - 40 alunos, para as classes de ensino médio; IV - 45 alunos, para as turmas de educação de jovens e adultos, nos níveis fundamental e médio. ............................................................................. § 2º – Excepcionalmente, quando a demanda, devidamente justificada, assim o exigir, poderão ser acrescidos até 10% aos referenciais estabelecidos nos incisos de I ao IV deste artigo.

26 Resolução SE Nº 2, de 8 de janeiro de 2016, que estabelece diretrizes e critérios para a formação de classes de alunos, nas unidades escolares da rede estadual de ensino.

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Artigo 3° - A Diretoria de Ensino deverá acompanhar o atendimento à demanda escolar, nas unidades escolares sob sua circunscrição, assegurando a inserção e a atualização, pelos responsáveis, das informações no Sistema de Cadastro da Secretaria de Estado da Educação. Artigo 4° - Se, ao final de cada bimestre, constatar-se aumento ou diminuição da demanda escolar, a Diretoria de Ensino deverá reavaliá-la e proceder ao devido redimensionamento das classes e aos ajustes decorrentes das alterações efetuadas.

O texto, ainda que tenha sido publicado depois da tentativa de reestruturação das

escolas estaduais em 2015, não alterou a configuração das salas de aula. A proposta de

reorganização das escolas públicas era dividi-las por ciclos e níveis de ensino, assim haveria

algumas destinadas ao ensino fundamental e outras destinadas ao ensino médio. Houve forte

rejeição estudantil ao projeto, a resistência foi marcada por ocupações de escolas em todo o

estado. Havia, por parte dos estudantes, a compreensão de que a melhoria da gestão dos

recursos públicos expressava uma racionalização dos “serviços” educacionais públicos e se

concretizava em fechamento de salas de aula, deslocamentos de estudante e professores e

forte controle sobre as atividades educacionais. A resposta estatal foi um processo de

reestruturação silenciosa que flexibiliza a organização de classes, fecha salas e remaneja

estudantes ao longo do ano.

Evidências desse processo é o fato de que, na escola estudada, as salas de aula dos

primeiros anos do ensino fundamental II não tiveram vagas abertas no início do ano. Dessa

forma, a escola iria progressivamente fechando as salas de ensino fundamental, passando a

atender somente o ensino médio.

A flexibilidade na organização de salas e turmas, por sua vez, implica uma

flexibilização na jornada de trabalho docente, uma vez que, sendo remanejadas as turmas, os

docentes com aulas atribuídas poderiam ser também remanejados para outras escolas. Aqueles

que tivessem contratos temporários poderiam ser demitidos e os docentes estáveis ou

estatutários poderiam ter nova atribuição de aulas em outra escola ou completar a jornada em

outras atividades, ficando, nesse último caso, à disposição da diretoria de ensino.

Na escola, trabalhavam aproximadamente27 40 professores no ensino médio nos

três períodos. Com o intuito de contemplar um universo diverso de experiências profissionais,

os critérios de seleção dos professores a serem entrevistados foram: professores e professoras

27 Acompanhando o funcionamento cotidiano da escola, encontrei com alguns professores eventuais, trabalhando em substituição de faltas, no entanto, não consegui entrevistas com estes docentes. Eram mais recorrentes no período noturno e eram chamados somente quando os professores temporários com aulas atribuídas na escola não podiam comparecer.

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que atuassem no ensino médio, sem distinção de períodos (manhã, tarde e noite); de diferentes

disciplinas, buscando contemplar todas as áreas do conhecimento; com diversos contratos de

trabalho (efetivos, temporários, estáveis, substitutos, etc.), independente da escola a qual o

cargo ou o contrato era vinculado; e de distintos momentos da carreira docente (iniciantes até

os próximos da aposentadoria).

Dessa forma, foram realizadas 19 entrevistas, entretanto duas delas não puderam

ser analisadas devido ao fato de que os professores solicitaram a retirada de suas entrevistas

na íntegra e, por esse motivo, os quadros 1 e 2, a seguir, possuem duas lacunas, os números 8

e 15. Assim, a dissertação trabalha 17 entrevistas realizadas com 12 mulheres e 5 homens.

Esse número, portanto, expressa aqueles que se dispuseram a participar, assinaram o Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE e não solicitaram a retirada da entrevista na

íntegra durante o desenvolvimento da pesquisa.

Abaixo, apresento algumas das características sociais dos/as entrevistados/as.

Quadro 1 - Características sociodemográficas dos/as entrevistados/as

ENTREVISTA SEXO RAÇA/COR IDADE ESTADO CIVIL

PROFESSORA 01 F INDÍGENA De 40 a 49 anos DIVORCIADA PROFESSORA 02 F BRANCA De 50 a 59 anos DIVORCIADA PROFESSORA 03 F BRANCA De 50 a 59 anos CASADA PROFESSORA 04 F NEGRA De 30 a 39 anos CASADA PROFESSOR 05 M BRANCO De 30 a 39 anos CASADO PROFESSORA 06 F BRANCA De 40 a 49 anos CASADA PROFESSORA 07 F BRANCA De 20 a 29 anos CASADA PROFESSORA 09 F BRANCA De 40 a 49 anos CASADA PROFESSORA 10 F BRANCA De 40 a 49 anos CASADA PROFESSORA 11 F BRANCA De 40 a 49 anos DIVORCIADA PROFESSOR 12 M NEGRO De 30 a 39 anos SOLTEIRO PROFESSOR 13 M BRANCO De 20 a 29 anos CASADO PROFESSORA 14 F AMARELA De 50 a 59 anos DIVORCIADA PROFESSOR 16 M NEGRO De 40 a 49 anos CASADO PROFESSOR 17 M BRANCO De 30 a 39 anos CASADO PROFESSORA 18 F BRANCA De 40 a 49 anos CASADA PROFESSORA 19 F BRANCA De 20 a 29 anos SOLTEIRA

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No grupo de entrevistados, apenas 2 professores e 1 professora se autodeclararam

negro/a28 e, observando a sala de professores, é perceptível a – praticamente – ausência de

negros e negras entre os docentes.

Segundo as análises de Biderman e Guimarães (2004), a partir de dados da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD de 1989 e 1999, os homens negros

apresentam menor grau de educação formal e concentram-se majoritariamente entre os

empregados manuais, ao passo que as mulheres negras possuem mais anos de estudo formais

que os homens negros, mas concentram-se também entre as ocupações manuais. As mulheres

brancas são o grupo que apresentam maior grau de educação formal e que mais concentra as

ocupações não-manuais, apesar de grande parte estar em ocupações manuais. Os homens

brancos, grupo que detém os maiores rendimentos, são o grupo que concentra as posições de

proprietários e empresários por conta própria e grau de educação formal superior a homens

negros e mulheres negras.

Tendo isso em vista, podemos levantar a hipótese de que negros e negras que

estão na docência tem inserção em escolas periféricas e, talvez, em contratos precários. Dessa

forma, haveria poucos negros ou negras em uma escola central, considerada de altíssima

qualidade e com quadro docente altamente qualificado e estável. A CGRH não disponibiliza

dados com recorte racial, de modo que não é possível conhecer estatística e oficialmente a

presença de negros e negras no magistério público em SP ou a distribuição de brancos/negros

nas escolas da SEE-SP.

A declaração do estado civil é importante para melhor elucidar a relação com a

remuneração. As professoras casadas relataram poder contar com apoio financeiro do

companheiro, de forma que a soma dos salários da família é suficiente; o professor e a

professora que se declararam solteiros contam com apoio dos pais.

Entre os professores casados apareceu a preocupação com o rendimento

percebido, pois relataram que a companheira não tem rendimento ou esse é muito baixo, de

forma que as despesas da família parecem ser de responsabilidade, principalmente, deles. As

professoras divorciadas, por sua vez, são as responsáveis sozinhas pelo rendimento da família,

28 Há diversas formas de compreender a identidade racial dos sujeitos. Nesta pesquisa, que não tem o intuito de estudar as relações étnico-raciais, optou-se pela auto declaração ou auto atribuição. As respostas foram agrupadas de acordo com a classificação de raça/cor utilizada pelo IBGE (Branca, Preta, Parda, Amarela e Indígena), com a qual coincidiam no geral – exceto uma professora que respondeu ser mulata e um professor que se recusou a usar a referência de cor (pardo/preto) e autodeclarou-se negro. O grupo de professores que se autodeclarou pardo ou negro foi reagrupado na categoria “Negro/a”.

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de forma que todas ressaltaram a preocupação com o valor da remuneração, especialmente no

que tange a responsabilidade com dependentes.

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Quadro 2 - Características sociodemográficas dos/as entrevistados/as ENTREVISTA ÁREA DE

ATUAÇÃO29 CONTRATO DE TRABALHO

TEMPO DE MAGISTÉRIO

PROFESSORA 01 Ciências da Natureza e Matemática

EFETIVO De 10 a 20 anos

PROFESSORA 02 Ciências da Natureza e Matemática

EFETIVO Mais de 30 anos

PROFESSORA 03 Linguagens e Códigos EFETIVO De 20 a 30 anos PROFESSORA 04 Ciências Humanas EFETIVO Até 10 anos

PROFESSOR 05 Ciências da Natureza e Matemática

EFETIVO Até 10 anos

PROFESSORA 06 Linguagens e Códigos EFETIVO De 20 a 30 anos PROFESSORA 07 Ciências Humanas EFETIVO Até 10 anos PROFESSORA 09 Linguagens e Códigos EFETIVO De 20 a 30 anos PROFESSORA 10 Linguagens e Códigos EFETIVO De 20 a 30 anos

PROFESSORA 11 Ciências da Natureza e Matemática

EFETIVO De 10 a 20 anos

PROFESSOR 12 Ciências Humanas TEMPORÁRIO Até 10 anos

PROFESSOR 13 Ciências da Natureza e Matemática

EFETIVO Até 10 anos

PROFESSORA 14 Ciências da Natureza e Matemática

TEMPORÁRIO Até 10 anos

PROFESSOR 16 Ciências Humanas EFETIVO De 20 a 30 anos PROFESSOR 17 Ciências Humanas EFETIVO De 10 a 20 anos PROFESSORA 18 Linguagens e Códigos EFETIVO De 20 a 30 anos PROFESSORA 19 Linguagens e Códigos TEMPORÁRIO Até 10 anos

A amostra de professores entrevistados acompanha as características do conjunto

de professores da escola. A maioria do quadro docente na escola é efetivo30, sendo que há

alguns professores em contrato temporário31. Dos 17 entrevistados, há 7 professores com até

10 anos de magistério, composto pelos três professores que tem contrato de trabalho

temporário e quatro professores efetivos aprovados no último concurso público, realizado pela

SEE-SP em 2013. Há 6 professores que estão no magistério há mais de 20 anos; 3 há mais de

10 anos; e uma professora há mais de 30 anos, o que evidencia um quadro de docentes com

experiência na profissão.

O quadro docente da escola é altamente qualificado. Entre os/as 17

entrevistados/as, apenas duas fizeram o Magistério no Ensino Médio e todos/as são

29 Áreas definidas a partir do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. 30 Nos termos da Lei nº 10.261/1968. 31 Conforme a LC no 10.093 /2009 e a Lei no 500/1974.

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formados/as em licenciatura em nível superior32 - alguns com complementação pedagógica,

pois a primeira graduação foi bacharelado. Além disso, são 5 professoras e 1 professor que

têm pós-graduação (lato ou strito sensu) e vários citaram os cursos de formação continuada

oferecidos pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP).

A partir da reestruturação produtiva, com a diminuição estrutural do emprego e a

responsabilização, aumentaram as demandas do mercado de trabalho por escolarização mais

longa, mesmo para empregos pouco qualificados e de salários baixos, além da constante

requalificação dos trabalhadores. Dessa forma, Romanelli (2000), estudando a relação

família/escola, demonstra que a educação formal é uma dimensão importante na estratégia de

famílias das camadas médias, que se mobilizam para a garantir a obtenção do diploma de

curso superior para seus filhos, pois esse qualificaria o trabalhador para o mercado de

trabalho.

A concepção de estratégia é desenvolvida especialmente por Bourdieu (2004a) e

visa romper com as noções de ação sem agente de um programa inconsciente e de escolha

racional resultante de um cálculo. Nesse sentido, o autor compreende estratégia como

[...] um produto do senso prático como sentido do jogo, de um jogo social particular, historicamente definido, que se adquire desde a infância participando das atividades sociais [...]. O bom jogador, que é de algum modo o jogo feito homem, faz a todo instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige. Isso supõe uma invenção permanente, indispensável para se adaptar às situações indefinidamente variadas, nunca perfeitamente idênticas. O que não garante a obediência mecânica à regra explícita, codificada (quando ela existe). (Id. Ibid., p. 81)

Visando compreender as diferentes estratégias mobilizadas, cabe observar a

origem social dos/as entrevistados/as a partir da formação e das ocupações de pais e mães.

De 17 professoras e professores entrevistados/as, 16 responderam sobre o pai ou a

mãe. Como pode ser observado na tabela abaixo, dentre as 16 respostas sobre a formação dos

pais e das mães, fica nítida a divisão entre dois grupos: mães e pais com baixa escolaridade –

até o Ensino Fundamental (14); e mães e pais com mais anos de escolaridade – Ensino

32Os professores e professoras que atuam no Ensino Médio são classificados como Professor Educação Básica II (PEB II). Segundo dados da Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos (CGRH) de agosto de 2016, os PEB II compõem a maior parte dos docentes no estado (77%) e são, em sua maioria (67%), cargos de provimento efetivo, ou seja, contratados a partir de concurso público e com estabilidade e outros direitos estatutários garantidos. A esses docentes é requerida formação em licenciatura plena (nível superior) na área em que atua. Para mais dados sobre o quadro do magistério no estado de SP ver: http://www.educacao.sp.gov.br/cgrh/consultas/

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Médio/Técnico e Superior (19). Há mais pais com Ensino Superior do que mães, o que, a

princípio, contrasta com as estatísticas nacionais33.

Tabela 1 - Formação de mães e pais dos/as entrevistados/as

Formação Mães Pais Total Ensino Fundamental Incompleto 5 5 10 Ensino Fundamental Completo 3 1 4

Ensino Médio/ Técnico 6 5 12 Ensino Superior 2 5 7

Fonte: tabela elaborada a partir das respostas às entrevistas realizadas durante o trabalho de campo.

Ao observar o Quadro 3, é possível perceber que as ocupações das mães se

concentram no setor de serviços, ao passo que as ocupações dos pais estão distribuídas entre

os três setores (agricultura, indústria e serviços). A ocupação “dona-de-casa” é,

evidentemente, citada apenas para as mães e é bastante recorrente (6).

Quadro 3 - Ocupações de mães e pais dos/as entrevistados/as

Ocupações Mães Pais

Campo Agricultora. Lavrador; Sitiante; Agricultor

Indústria Mecânico de manutenção; Torneiro e Ferramenteiro; Indústria.

Serviços

Doméstica; Costureira; Cabeleireira; Comerciante; Dona de escola; empresária/vendedora; Enfermeira-padrão; Professora.

Comerciante; Pedreiro; Vendedor; Vigilante; Diretor; Professor; Funcionário Público; Vendas; Gerente de vendas.

Outras Dona de casa. Fonte: quadro elaborado a partir das respostas às entrevistas realizadas durante o trabalho de campo.

A presença de filhos de trabalhadores do campo com baixa escolaridade entre os

professores entrevistados indica um rompimento com a vida no campo e a vinda da família

para a cidade, o que pode ser interpretado como uma estratégia de ascensão social – a

mudança para a vida urbana e maior escolarização – ou como estratégia de sobrevivência,

33 As mulheres brasileiras costumam ter mais anos de escolaridade do que os homens, ainda que ocupem cargos mais baixos na hierarquia e recebam salários menores. Ver Biderman e Guimarães (2004).

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pois, pelas entrevistas, tratavam-se de famílias de pequenos proprietários ou de trabalhadores

subordinados no campo34. A forte presença de pais e mães mais escolarizados e empregados

no setor de serviços, por outro lado, aponta para trajetórias de manutenção da posição social

da família.

Professores filhos de trabalhadores da indústria, por sua vez, dizem encontrar no

trabalho docente algo diferente do que o trabalho na indústria oferecia. Sentem-se mais

realizados, apesar de receber remuneração inferior como docentes; já a professora que é filha

de um trabalhador da indústria não citou na entrevista a possibilidade de trabalhar no setor.

O que nos remete ao momento da escolha da carreira docente, cujo ingresso não é

uma trajetória linear. Há algumas professoras que sempre quiseram atuar na docência, dessa

forma fizeram o magistério e/ou se formaram em licenciatura plena diretamente. O esforço e a

determinação delas são notáveis: a primeira, filha de um trabalhador da indústria e de uma

enfermeira-padrão, narra uma trajetória cheia de idas e vindas e que, a despeito de todos os

contratempos, conseguiu um diploma de licenciatura plena na disciplina que sempre quis

lecionar e ingressou no magistério, ainda que não tivesse apoio da mãe no qual ainda

permanece – apesar do desencantamento com o descaso dos governos para com a formação

dos jovens na escola pública.

“O que você vai ser quando crescer?” Sempre disse que eu seria tia de números! Então em momento algum eu desviei do caminho. Fiz Magistério escondida da minha mãe, minha mãe não queria que eu fosse professora e eu fiz o Magistério, ela ficou sabendo que eu estava fazendo o Magistério quando eu fui pro 4º ano do Magistério, quando eu fiz eram 4 anos e meu pai que assinou escondido dela a autorização pra eu fazer Magistério. Então só no 4º ano, aí ela teve que concordar porque eu já tinha estudado 3 e só faltava 1 pra eu me formar, aí ela concordou. Mas ela não queria. Então assim, sempre eu busquei isso. Então a minha faculdade de Matemática eu fiz sozinha, minha turma inteira desistiu. Só tinha eu de aluna no curso de Matemática. Então era assim eu queria muito aquilo! Estudava com crédito educativo, porque não podia pagar a faculdade [Professora 11]

Outra professora, que se sente muito realizada na docência, relata que já tinha um

destino certo na indústria, entretanto, mudou o curso de sua trajetória na escolha do curso

superior. Ingressou no magistério ainda durante a faculdade como temporária para obter

renda, e permaneceu como professora.

34 As entrevistas não possuem elementos suficientes para aprofundar as análises de origem social.

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Ingressei no magistério em 1991, quando ainda cursava Letras. Trabalhei com a disciplina de Português, no ensino fundamental e médio. Dava o máximo de aulas permitido ao professor: 32. [...] Antes de ingressar na faculdade, fiquei 4 anos trabalhando em um laboratório farmacêutico até que senti a necessidade e o desejo de fazer um curso superior. Então pensei em fazer algo que não tivesse Matemática no currículo, já que exatas é o meu ponto fraco. Optei por Letras e logo fui demitida do laboratório que exigiam que eu cursasse Química, é claro! [Professora 03]

A escolha do curso superior direciona a carreira, ao mesmo tempo que o fato de

ser mulher também. Segundo Hirata e Kérgoat (2003), a divisão sexual do trabalho implica

numa dupla clivagem: horizontal, que coloca a separação entre os trabalhos de homens e de

mulheres – as mulheres são associadas à esfera da reprodução, à esfera privada, ao trabalho

doméstico e não-pago, enquanto os homens são associados à vida pública e ao trabalho

assalariado, à esfera da produção. E também vertical, segundo a qual o trabalho do homem

vale mais do que o trabalho da mulher, induzindo, dessa forma, uma hierarquia social -

relação social assimétrica de dominação e opressão dos homens sobre as mulheres.

Dessa forma, existiriam conhecimentos para os quais as mulheres teriam

“aptidão” e, consequentemente, trabalhos de mulheres – associados à reprodução. Esses

“valendo menos” que o trabalho dos homens. Assim, as relações de dominação e opressão

criam espaços próprios para mulheres na sociedade, subalternos aos homens. Em alguns

casos, as marcas das relações de gênero são mais explícitas, como narra uma professora, hoje

próxima da aposentadoria.

A minha opção era no vestibular fazer Medicina, fui aprovada, minha mãe infelizmente não permitiu que a filha temporã saísse de casa pra estudar na sua santa ignorância e achava que não devia morar fora. E a única faculdade perto de casa ela só trabalhava com Pedagogia e Licenciatura em Matemática, Ciências, Letras. Todos os professores da escola que eu estudava que era pública também foram em casa conversar com a minha mãe pra eu fazer Medicina tudo e ela não permitiu de jeito nenhum! E aí todo mundo puxava sardinha pro lado da disciplina que trabalhava dando aula, então “você vai fazer isso, você vai fazer aquilo” e por fim eu escolhi Letras, eu acho que eu me identificava mais, eu gosto muito de trabalhar com a língua pátria, com a língua materna. Então foi assim uma segunda opção, não foi assim aquilo que eu desejava mesmo. Mas me encontro na profissão. [Professora 10]

No entanto, essas determinações podem ser menos perceptíveis sem um olhar

mais amplo para a estrutura social e a organização do trabalho a partir da divisão sexual.

Algumas professoras não necessariamente desejavam ingressar na docência a princípio, mas

acabaram se vendo forçadas pelo mercado de trabalho a fazer isso. Dessa forma, uma

professora (04) relata que, mesmo tentando emprego em outros lugares, não conseguia nada.

Viu-se forçada aos contratos temporários na sala de aula. Aprendeu a gostar da docência pelas

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contingências impostas pelo mercado de trabalho e, sem outras possibilidades de inserção no

mesmo, acabou participando do último concurso público, em 2013, e permaneceu como

professora.

Eu comecei em 2010, forçada, de verdade. Eu venho de uma família que tem muitos professores, minha mãe é professora então sempre foi um choque porque aquela coisa: trabalhava o dia inteiro, chegava em casa tava cansada, ganhava pouco. Então eu sempre gostei, mas eu sempre falei que eu não ia ser. E quando chegou na hora de escolher a profissão não tinha outra coisa, porque era o que eu gostava. Ou eu queria fazer história ou eu queria fazer geografia. Aí minha mãe falou assim: “ah faz, aí depois você vai pra outra área, você não precisa ser professora.”[...] Então aí eu terminei a faculdade, eu não queria ser professora, aí eu fui morar fora, tudo, quando eu voltei eu me deparei com isso, que era isso que eu tinha pra fazer no momento, era uma coisa que era pra ser momentânea. E aí realmente eu entendi que era uma coisa que eu gostava. Em menos de um ano eu entendi que eu sabia fazer isso e era uma coisa que eu gostava. [Professora 04]

Moriconi (2008) fez um estudo sobre a atratividade da carreira do magistério

público de educação básica, sob o aspecto da remuneração, quando comparada (a) às demais

ocupações do setor público, (b) aos professores do setor privado e (c) às demais ocupações do

setor privado, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD,

para o período de 1995 a 2006.

A análise dos diferenciais de salário por gênero e formação demonstrou que

mulheres receberam menos do que homens para todos os grupos ocupacionais, sendo que a

carreira do magistério público apresentou os menores diferenciais (-11.5% para nível superior

e -10.2% para nível médio). Nos anos mais recentes do período estudado, as mulheres com

formação de nível superior somente receberam salários maiores quando em outras ocupações

do setor público e as mulheres com formação em nível médio receberam os melhores salários

enquanto professoras.

No que tange os homens, a remuneração do magistério público foi quase sempre

inferior à remuneração de todos os demais grupos de comparação, exceto das demais

ocupações do setor privado para formação de nível médio. Dessa forma, conclui a autora:

Consequentemente, podemos perceber que é a remuneração em oportunidades alternativas, a base de comparação escolhida para este trabalho – a qual é diferenciada para homens e mulheres – que determina que a profissão do magistério seja menos atrativa para os trabalhadores do sexo masculino. Ou seja, os homens são realmente mais valorizados nas demais ocupações dos setores público e privado que as mulheres. (Id. Ibid., p. 61)

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Por conseguinte, a carreira do magistério público constituiu-se como a ocupação

mais atrativa para as mulheres no período analisado pela autora, não por suas condições

intrínsecas, mas por sua relação com a divisão sexual do trabalho na sociedade brasileira.

Em contrapartida, nenhum dos professores entrevistados iniciou diretamente na

carreira docente ou cursou licenciatura como primeira opção. Eles vieram de carreiras na

indústria, ou fizeram outras formações e trabalharam em outras ocupações antes de ingressar

no magistério. Relatam que se identificam com a docência e, mesmo ganhando um salário

inferior ao que receberiam em outras ocupações, optam por permanecerem professores.

Olha, eu acho que se eu não fosse professor eu ia tá na indústria até hoje, trabalhando no caso eu trabalhava com manutenção elétrica. É possivelmente o que eu ia tá trabalhando hoje, não ia tá gostando, eu ia tá frustrado profissionalmente, eu ia tá ganhando mais com certeza, isso sem dúvida. Mas apesar do salário eu ia tá mais infeliz digamos assim porque é o que eu gosto de fazer é dar aula, é ser professor. [Professor 17] Outro professor (12), antigo porteiro, a despeito de ter salário menor, informa que a docência o realiza pois lhe possibilitou mobilidade social Não pretendo mudar de emprego, não tenho vontade de fazer outra coisa. Hoje se me perguntassem se eu quero voltar pro seminário, não quero voltar pro seminário, não quero ser porteiro mais. Porque eu ganho menos. Ganho menos do que eu ganharia lá se eu estivesse trabalhando lá hoje, mas eu me sinto realizado no que eu faço. Então assim não tenho uma carreira enorme de trabalhos, mas sabe aquele negócio de você ter encontrado o seu canto? E eu acho que eu encontrei na Educação, eu gosto demais. [Professor 12] O prazer no trabalho docente é dado pelo reconhecimento social dos estudantes para o professor cujo depoimento segue abaixo. Eu amo! Eu amo ser professor! É isso que eu te falei, eu tenho uma banda muito legal, faz 30 anos que eu sou músico, eu sou muito bem tratado aonde vou tocar, sabe? Mas eu consigo largar a carreira? Eu não consigo largar a carreira docente porque eu amo ser professor! E os alunos gostam muito de mim! [Professor 16]

Entretanto, o magistério não aparece sempre como trabalho perene. Dois dos

entrevistados disseram que se encontram na docência ainda que haja incertezas sobre o futuro.

Olha, se eu não fosse professor... olha não sei, se eu não fosse professor eu não tenho ideia hoje o que eu seria. É o que eu falei, professor foi ao acaso, eu nunca olhei o lado da licenciatura pra vir trabalhar. Apareceu o concurso público eu falei “olha, eu vou prestar”. Eu saí da indústria por opção, eu queria dar um tempo pra mim, fui escolher outro curso, tava fazendo Ciência da Computação, eu ia na área da Informática, eu gosto muito da área de Informática. Talvez se eu não tivesse licenciando hoje eu teria terminado meu curso. Eu tô terminando Ciência da Computação e taria na área da Informática, ou trabalhando por conta, ou de novo em alguma empresa, alguma indústria. [Professor 05] Pergunta difícil. Quando eu entrei na universidade eu entrei com a pretensão de ir pra Física Médica. Então assim acho que o mais próximo do que eu faria se eu não fosse professor seria ter ingressado pra essa parte de Física Médica e indo pruma área um pouco mais de desenvolvimento tecnológico. Mas assim pensando o que eu faria se eu não fosse professor

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com a minha formação, a minha pretensão seria talvez trabalhar no INEP35. Pelo tipo de formação que eu tô tendo na pós-graduação, fazer pesquisa com os dados do ENEM36, então uma outra possibilidade de atuação seria trabalhar no INEP, fazer análise de dados do ENEM ou mesmo das outras provas que são feitas por lá. [...] E você acha que se aposentará professor? Sim, mas talvez não nesse nível. Minha pretensão é que não seja nesse nível de Educação, minha pretensão é que seja no nível superior [Professor 13]

O que pode ser observado, portanto, é que para os homens as portas aparecem

todas abertas, há opções. Entrar ou sair do magistério se configura como uma “escolha”. Para

as mulheres, ao contrário, o magistério aparece quase sempre como a única opção.

Souza (2008), em seu estudo sobre as trajetórias de professores e professoras no

ensino técnico no Brasil e na França, mostra como as vivências das relações e condições de

trabalho informam e constroem as noções de pertencimento ao grupo profissional e diferentes

concepções de trabalho docente, assim como a construção da carreira.

No caso brasileiro, em uma das escolas pesquisadas, a autora observa que as

professoras consideram o ensino em escolas técnicas como profissão, mas os professores

compreendem o ensino como uma atividade complementar. Dessa forma, na escola onde as

condições de trabalho são mais precarizadas, as professoras construíram uma carreira como

docentes. A autora analisa que as condições socioeconômicas - desemprego e precarização do

trabalho resultantes da reestruturação do processo produtivo nas décadas de 1980 e 1990 –

levaram ao ingresso na docência, como possibilidade de recomposição da trajetória

profissional de engenheiros e outros que se encontram fora do mercado de trabalho e de sua

área de formação. No entanto, quando essas condições não são superadas, professores e

professoras constroem estratégias de permanência no ofício:

A afirmação de que as motivações para a escolha profissional foi o gosto pelo campo de conhecimento ou o desejo de se relacionar com os jovens é uma das estratégias construídas para ocultar as contradições que se apresentam no desenvolvimento de carreiras no campo de ensino. (Id. Ibid. p. 368)

Duas professoras entrevistadas colocaram como projeto possível trabalhar fora da

docência. A primeira considera a possibilidade de mudar de país e, com isso, em sua leitura,

assumiria a posição de imigrante, trabalhando em empregos de baixa qualificação. A segunda

professora gostaria de trabalhar ainda na área de Educação, entretanto, sairia da escola, da sala

de aula, passando a trabalhar em museus e espaços de educação não formal. Essas mudanças 35 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. É uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cujo propósito é subsidiar a formulação de políticas educacionais do governo nos diferentes níveis. Para mais informações acessar: http://inep.gov.br/web/guest/inicio. Acesso em 18/09/2017. 36 Exame Nacional do Ensino Médio.

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poderiam significar a eventual saída do magistério, entretanto, caso elas viessem a se

concretizar, seria ainda necessário avaliar as condições concretas para a realização desses

projetos e o que representaria essa saída do magistério.

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CAPÍTULO II – A CARREIRA NO MAGISTÉRIO PÚBLICO NO ESTADO DE SÃO PAULO

A noção de carreira docente é polissêmica e assume diferentes significados no plano

das ideias e dos projetos. Não obstante, aparece como garantia do emprego e como

determinada pelas condições de trabalho e, diferentemente da jornada de trabalho, que se

relaciona com o cotidiano ou o mais imediato, a carreira diz respeito às perspectivas do direito

e de contrato de trabalho.

As carreiras na legislação, no estado de São Paulo, são consideradas percursos

profissionais associados aos salários e cargos (empregos e funções) públicos; aos regimes

jurídicos (regime celetista e/ou regime estatutário); à formação profissional para a docência

(portador de licenciatura, cursos de especialização, aperfeiçoamento e pós-graduação); e, às

jornadas de trabalho. Elas se organizam burocraticamente em faixas e níveis, a mobilidade na

carreira pode ocorrer mediante promoção para uma faixa superior e progressão para um nível

superior.

A concepção do trabalho docente como ensino, bastante presente nas entrevistas,

entra em contradição com a estruturação da carreira, que tem no mérito seu principal elemento

organizador. As tensões entre a legislação e sua concretização evidenciam as relações de

opressão e, assim, as possibilidades e os limites na construção de uma carreira. Dessa forma, a

relação que os docentes estabelecem com a carreira é bem mais opaca e a fragmentação da

categoria docente aparece de forma bastante evidente.

Nesse capítulo, será discutida a carreira no magistério público em São Paulo, a

partir do ingresso e das possibilidades de desenvolvimento da mesma. Partiremos dos

diversos sentidos que a carreira toma e que se apresentam de forma contraditória e

diferenciada na experiência de professores e professoras.

Ingresso na carreira do magistério: a fragmentação do trabalho docente

Atualmente, é possível ingressar na carreira docente de duas formas: via concurso

público de provas e títulos para cargos de provimento efetivo e através de processo seletivo

ministrado pela Secretaria de Educação (SEE-SP) para contrato de trabalho temporário37.

Existem, entretanto, professores com contratos de trabalho variados, pois a SEE-SP permitiu

37 Nos termos da LC 1.093/2009, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado de que trata o inciso X do artigo 115 da Constituição Estadual.

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diversas formas de contratação ao longo dos anos, com uma série de modificações na

legislação sobre emprego docente.

Desse modo, encontramos basicamente três formas de contratos de trabalho no estado

de São Paulo: estatutário (efetivo, estável, temporário), celetista38 e empregado público. Em

1974, a Lei 500 denominou todos os professores temporários como Admitidos em Caráter

Temporários (ACT). Em 1978, os temporários foram considerados ocupantes de função-

atividade (OFA) e tal nomenclatura foi consolidada no Estatuto do Magistério de 1985. Até

2007, o processo seletivo para contratos temporários era classificatório mediante tempo de

trabalho no magistério, na área e na disciplina. A partir de 2008, o processo seletivo passou a

ser composto pelo tempo de trabalho e avaliação de mérito.

Por reivindicação dos docentes, estabeleceu-se dois processos que conferiram

estabilidade aos professores, o primeiro decorrente da Constituição Federal de 1988 (e seu

desdobramento na constituição paulista de 1989) e outro pela lei estadual 1.010/2007. A

Constituição Federal de 1988 garantiu estabilidade a todo servidor público civil que contasse

com pelo menos 5 anos de exercício na data de sua publicação. Dessa forma, professores e

professoras contratados como ACT na época, e que cumpriam os requisitos, são considerados

estáveis pela constituição. A Lei Complementar nº 1.010/200739, cujo § 2º do artigo 2º

conferiu estabilidade no emprego aos docentes temporários, conhecidos como Categoria F.

Seguem abaixo os diferentes contratos laborais atualmente existentes no magistério paulista:

o Categoria A – Professores “efetivos” contratados por aprovação em concursos

públicos, portanto, detentores de cargos públicos;

o Categoria P – Professores não concursados (OFA) que adquiriram estabilidade

pela Constituição Federal de 1988;

o Categoria F - Professores não concursados (OFA) admitidos até 2007 e que

conquistaram estabilidade, de até 12 aulas, pela lei 1.010/2007;

o Categoria L - extinta em 2011. Os professores não concursados (OFA) em 2009,

pela lei 1093, tiveram contratos temporários transformados por tempo

determinado por dois anos. 38 A Constituição de 1988, em seu texto original, estabeleceu o regime jurídico único no serviço público, no entanto, a Constituição de 1967 permitia a contratação pelo regime trabalhista, ou seja, a partir da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Essa categoria é, portanto, residual. 39 Dispõe sobre a criação da SÃO PAULO PREVIDÊNCIA - SPPREV, entidade gestora do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos - RPPS e do Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de São Paulo – RPPM.

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o Categoria O – Professores não concursados (OFA) com contrato por tempo

determinado, admitidos pela Lei 1.093/2009. É chamado de categoria “O” o

professor contratado nos termos da L.C.1.093/2009. A contratação é feita após a

aprovação do candidato em processo seletivo simplificado; é uma contratação

bastante precária (Manual do Professor, Apeoesp, 2015, p. 14).

o Professor eventual.

O Decreto nº 24.948/86, em seu artigo 10, trata da substituição docente nos impedimentos eventuais de titular de cargo ou ocupante de função atividade, por período de 1 (um) até 15 (quinze) dias. Estas disposições aplicam-se aos admitidos como substitutos eventuais nos termos da Lei nº 500/74 até 15 de julho de 2009. Após essa data, o docente eventual vincula-se ao serviço público nos termos do regime jurídico instituído pela LC nº 1.093/2009 (Manual do Professor, Apeoesp, 2015, p. 57, grifo nosso).

A partir de 2009, os professores temporários passaram a ser contratados em um

novo regime jurídico, como empregados públicos40, compondo a Categoria O. Esses docentes

são admitidos em atribuições em contratos temporários de substituição aos professores

afastados em licenças superiores a 15 dias, por prazo determinado até o fim do ano letivo e

podem, além disso, substituir outras licenças ou realizar substituições eventuais (como faltas,

por exemplo) ao longo do período letivo41.

Segundo os dados oficiais da SEE-SP42 referentes a 2015, estavam presentes as

seguintes categorias docentes:

40 EC 19/1998. Dessa forma, os contratos temporários não estão mais previstos no estatuto do magistério, de modo que os professores e professoras temporários não tem acesso aos direitos previstos no estatuto. Seu contrato também não se realiza pela CLT, é um contrato à parte. Discutiremos melhor suas condições de trabalho mais adiante. 41 Dentre os professores contratados por essa Lei, existiram ainda os docentes da categoria V, que foram contratados para substituições de caráter eventual. Além desta, existiram também as categorias de eventuais S (vinculado até a publicação da LC 1.010/2007) e I (vinculado após a LC 1.010/2007 e antes da LC 1.093/2009). Entretanto, estas categorias docentes eventuais foram oficialmente extintas a partir de dezembro de 2009, ainda que seja possível a contratação de docente por cadastro emergencial. Retomaremos essa discussão no capítulo II dessa dissertação, que trata da jornada de trabalho. 42 Dados disponibilizados pela Coordenadora de Geral Recursos Humanos - CGRH em: http://www.educacao.sp.gov.br/cgrh/consultas/

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Tabela 2 - Número de professores por região e situação funcional, 2015

(1) Estabilidade Constituição 1988. (2) Estabilidade Lei 1.010/07. (3) Extinta em 2011.

Fonte: PEREIRA, Gislaine dos Santos. Relações de trabalho flexíveis nas escolas estaduais paulistas: professores interinos, extranumerários, temporários (1930-2015). Campinas. 2015. 276p. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNICAMP.

A presença de formas de contrato de trabalho distintos para a mesma função –

qual seja, professor – sugere, a princípio, um movimento de fragmentação entre os docentes.

Outrossim, ao observar as condições de emprego e de trabalho que os variados contratos

determinam, essa fragmentação fica evidente, além de um claro processo de precarização dos

contratos de professores temporários. Rodrigues (2017), ao analisar as leis que tratam da

contratação temporária de docentes no estado durante o governo José Serra (2007-2011),

observa que historicamente os professores não-efetivos compõem parte significativa do

quadro do magistério no estado de São Paulo, de forma que muitos professores chegavam à

aposentadoria como ACTs. Abaixo, reproduzo tabela elaborada pelo autor e atualizada por

mim.

Tabela 3 - Percentual de docentes efetivos e não efetivos no Estado de São Paulo – médias anuais

(1999-2017) Ano Total Efetivo Não efetivo 1999 195454 29,5% 70,5% 2000 182644 45,1% 54,9% 2001 178841 45,6% 54,4% 2002 187641 42,9% 57,1% 2003 199347 42,1% 57,9% 2004 196305 42,8% 57,2% 2005 203388 49,9% 50,1% 2006 210719 56,8% 43,2% 2007 214001 56,1% 43,9% 2008 209329 60,6% 39,4% 2009 208981 58,9% 41,1% 2010 217700 54,1% 45,9%

Região Efetivos Estável¹ CLT Categoria F²

Categoria L³

Categoria O

Total

Capital 33.166 102 0 14.343 2 9.371 56.984

Grande São Paulo

31.667 85 1 12.795 2 8.062 52.612

Interior 67.878 257 1 24.771 1 22.017 114.925

Órgãos Centrais

185 0 0 0 0 0 185

Total Geral

132.896 444 2 51.909 5 39.450 224.706

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2011 222119 53,2% 46,8% 2012 231245 52,1% 47,9% 2013 232723 50,8% 49,2% 2014 249209 55,6% 44,4% 2015 224706 59,1% 40,9%

Fonte: CGRH/SEE - Elaboração: Diego Vilanova Rodrigues. Atualização: Gabriela Marino Silva.

Portanto, a Lei Complementar 1.010/2007 foi uma resposta às reformas

previdenciárias de âmbito nacional do final da década de 1990 e início dos anos 2000 e

regulamentou o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos Estaduais do Estado

de São Paulo – RPPS, que alterou a previdência para os professores efetivos, abrangendo

também os professores estáveis em exercício (Categoria F).

Desse modo, os professores da Categoria F encontram-se vinculados ao RPPS e

tem algumas outras garantias estatutárias, como remuneração nos períodos de recesso, férias

remuneradas, décimo terceiro salário e vinculação ao Instituto de Assistência Médica do

Servidor Público Estadual – IAMSPE. A vinculação a esses direitos é garantida mediante

contrato de trabalho, ou seja, atribuição de aulas livres ou em substituição no início do ano em

uma escola (a chamada sede de frequência do professor). Ou também mediante a condição de

que professores não retornem de licença ou não sejam chamados novos concursados. Muitos

professores dessa categoria conseguiram se manter com vínculo – alguns até a aposentadoria

– por conta dos longos períodos sem concursos públicos para professores e, por conseguinte, a

existência de muitas aulas livres, o que explicava a presença de números elevados de

professores temporários (permanentemente vinculados ao estado) no magistério paulista43.

A Lei Complementar 1.093/2009 regulamentou os contratos temporários no

serviço público do estado de São Paulo e o processo seletivo simplificado para admissão de

temporários44. Os docentes são contratados pelo Regime Geral de Previdência Social – INSS,

sem registro em carteira – portanto sem garantias básicas da CLT, como Fundo de Garantia

do Tempo de Serviço – FGTS – estando assegurados apenas o 13º salário proporcional aos

43 Após anos de luta dos docentes, hoje os professores da categoria F tem a jornada mínima de 12h assegurada em uma escola e atribuem aulas diretamente na Unidade Escolar; entretanto, Rodrigues (2017) ressalta que essa jornada garante uma “meia estabilidade”, pois a remuneração para as horas trabalhadas é muito baixa (menos de 1 salário mínimo) e os professores dessa categoria, em geral, tem anos de magistério e já percebiam salários muito superiores. 44 Entre a LC 1.010/2007 e a promulgação dessa lei os professores temporários eram os chamados categoria L (em extinção), contratados pelo Regime Geral de Previdência (INSS), num contrato diferente dos efetivos e da categoria F, sem amparo no Estatuto do Magistério, e atribuíam aulas depois dos professores da Categoria F.

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meses trabalhados e a remuneração das férias – desde que completados 12 meses de

trabalho45.

Durante as férias entre um período letivo e outro, o trabalhador nada recebe e nem

tem acesso aos poucos direitos que seu contrato assegura, pois esse fica “suspenso”. Isso pode

ocorrer também durante o ano letivo, sendo que a atividade/suspensão do contrato é regida

pela existência, ou não, de aulas atribuídas. Além disso, o docente precisa cumprir um período

de 200 dias letivos (duzentena) entre o término de um contrato e a instituição de outro46.

Essa forma de contrato flexível assemelha-se ao de trabalho intermitente,

reconhecido e regulamentado pela atual Reforma Trabalhista47 nos seguintes termos:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente. .................................................................................... § 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (NR) (...) Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. (...) § 5o O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. § 6o Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: I - remuneração; II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais. (...) § 8o O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações. § 9o A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.

Com essa flexibilidade, acontece o que Rodrigues (2017) chamou de “efeito

sanfona”: há um cenário de aumento dos contratos temporários ao longo do ano, devido a

45 Contratado em fevereiro, digamos que o docente consiga chegar com as aulas atribuídas até dezembro, pois o professor que ele está substituindo não retornou da licença, ele ainda não consegue receber as férias, necessitando de mais dois meses de trabalho no ano letivo subsequente para completar os 12 meses exigidos. 46 Para qualquer função no serviço público estadual. 47 Lei 13.467 de julho de 2017, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), adequando a legislação às novas relações de trabalho.

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licenças médicas e exoneração, e diminuição dos mesmos no começo do ano. O autor

exemplifica que essa forma de contratação temporária híbrida entre condições previstas no

regime jurídico dos servidores públicos e no regime geral (CLT), só no ano de 2010, fez com

que cerca de 160 mil salários deixassem de ser pagos, além de despesas com direitos que

docentes da categoria O não têm acesso.

Essa “economia” de recursos estatais mantém os professores temporários

contratados a partir de 2009 num ciclo constante de subemprego (instável, podendo perder

aulas e o salário a qualquer momento, e sem acesso a todos os diretos da CLT ou do Estatuto

do Magistério) e desemprego (com o fim ou a suspensão do contrato).

Além do processo de precarização das condições de emprego e de trabalho de

docentes temporários; no estado de São Paulo, podemos observar a diferenciação do acesso

aos direitos trabalhistas a partir da forma de contratação, determinada principalmente pelo

momento histórico em que o/a docente foi contratado/a. Observando as categorias mais

numerosas no magistério, Rodrigues (2017) sintetizou essa desigualdade em quadro que

reproduzo abaixo.

Quadro 4 - Quadro comparativo entre os direitos e condições de trabalho dos docentes estaduais de São Paulo por forma de vínculo/contrato

Direitos e condições de trabalho

Categoria A – Efetivo de cargo (Lei 10.261/68)

Categoria F – Contratado pela Lei 500/74 e estável pela Lei 1.010/07

Categoria O – Contratado pela Lei 1.093/09

Licença nojo 8 dias para parentes próximos e 2 para outros graus de parentesco

8 dias para parentes próximos e 2 para outros graus de parentesco

2 dias para parentes próximos

Licença Gala 8 dias 8 dias 2 dias Faltas Médicas 6 ao ano máximo 1

por mês 6 ao ano máximo 1 por mês

6 ao ano máximo 1 por mês

Licença maternidade 180 dias 180 dias 120 dias Faltas Abonadas 6 ao ano máximo 1

por mês 6 ao ano máximo 1 por mês

2 por ano máximo 1 por mês

Faltas Justificadas* 24 - (12 pela direção da UE e 12 pela DE)

24 - (12 pela direção da UE e 12 pela DE)

3 - pela direção da UE

Faltas injustificadas\ abandono de cargo ou ruptura de contrato*

45 interpoladas ou 30 consecutivas

30 interpoladas ou 15 consecutivas

1

Jornada de trabalho garantida

A de opção (12h somente ingresso, 24h, 30h e 40 h)

12hs somente Nenhuma

13º salário Proporcional aos Proporcional aos Proporcional aos

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meses trabalhados meses trabalhados meses trabalhados Férias remuneradas Integral com

pagamento de 1\3 Integral com pagamento de 1\3

Somente quando completados 12 meses

Assistência Médica IAMSPE ** IAMSPE ** Não tem Previdência SPPREV\RPPS SPPREV\RPPS INSS/RGPS Estabilidade no Emprego

Sim Sim/parcialmente com jornada reduzida e processo seletivo simplificado

Não/cumprimento de duzentena entre um contrato e outro e processo seletivo simplificado

Fonte: Legislação Estadual de São Paulo (Leis 10261/1968, 444/1985, 836/1997, 1010/2007, 1041/2008, 1093/2009, e 1094/2009; Decretos 51.654/2007, 54.682/2009 e 55.078/2009; Resoluções SE 67/2009, SE 68/2009 e SE 87/2009. Elaboração: Diego Vilanova Rodrigues * com prejuízo do salário ** Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual

Entretanto, o trabalho é exatamente o mesmo para todos os professores,

independente do contrato. Isso se expressa não só nas aulas, mas também na participação em

atividades da escola e na constituição da jornada de trabalho, que prevê participação

obrigatória em ATPC, de acordo com o número de aulas atribuídas, até mesmo para os

docentes temporários (Categoria O).

[ATPC] É obrigatório para todos. A categoria O é só uma categoria dentro do magistério, mas ele não perde em nada para os outros professores, ele mantém todas as mesmas regras. [Professor 12, temporário] Bom, eu sou da categoria O, nós somos contratados pelo governo e a gente, por ser categoria O, a gente [não] tem todos os benefícios que a categoria F e os efetivos tem. Em outras palavras a gente é curinga na mão do nosso ((risada)) governador. Quando ele precisa ele vai lá [e] chama, quando ele não precisa, ele pega [e] desliga a gente, simples assim! E a gente não tem essa estabilidade de uma categoria F ou de uma categoria A, infelizmente! Mas a gente trabalha igual, o nosso compromisso é o mesmo, a visão que a gente tem na formação de uma criança, a preocupação, tudo. Só não a estabilidade no trabalho, infelizmente. [Professora 14, temporária]

É possível perceber que historicamente houve um processo de precarização do

emprego de professores temporários, que representam (e sempre representaram) uma parcela

significativa da categoria docente, submetendo-os a contratos instáveis e a ciclos de

desemprego e subemprego. As exigências de trabalho, no entanto, são as mesmas para todos

os professores, ainda que o acesso aos direitos trabalhistas (inclusive os mais básicos) seja

diferenciado pelo contrato de trabalho.

Cabe ponderar qual a relação que um docente contratado de maneira tão precária

desenvolve com seu trabalho. O compromisso com o ensino e com os alunos aparece em

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primeiro lugar, como deixa clara a fala de uma professora que em menos de cinco anos de

docência já passou por 4 escolas estaduais e uma privada.

Bom, em primeiro lugar eu acho que... a proibição de novos professores isso de uma certa forma me prejudicou, porque às vezes eu trabalho sei lá por 3! Sabe? Eu poderia assumir só as minhas aulas, mas como falta o professor de Física é difícil falar pra escola “não, não vou” porque faltou o professor de Física, e vocês não tem como contratar outra pessoa e tá proibido contratação de novos da categoria O [...]. Então assim me prejudica um pouco, porque às vezes eu faço outras coisas além de trabalhar, eu estudo. Então pra mim é meio complicado. Desorganiza totalmente a minha agenda! Mas eu também não posso deixar eles na mão [...]. [Professora 19, temporária]

Ela não pretende continuar ministrando aulas pela SEE-SP como professora de

língua portuguesa, mas pretende trabalhar com literatura, seja como professora em escolas

privadas, seja no ensino superior. Por isso, participa de cursos de pós-graduação e está

procurando construir a carreira na área.

A percepção dessa instabilidade não é unânime por parte dos docentes

temporários e há diferentes reflexões de como se relacionar com a escola a partir desse lugar.

Uma professora, aposentada, que trabalha com contrato temporário, para complementar a

renda, informa que o foco de seu trabalho é prestar um serviço: o ensino.

Simplesmente eu entro na escola e eu sei que eu tenho um dever a cumprir. Qual que é a minha função? Dar aula, nada mais. Então eu procuro não me envolver com nada porque faço só a minha parte. Eu acho que assim: se direção é a parte administrativa e o nosso apoio, coordenação é a parte pedagógica e professor vai lidar é com aluno. [...] Eu não tô sendo egoísta, mas eu sempre procuro me pôr no meu lugar e fazer exatamente aquilo que eu fui contratada, executar aquilo pra que eu fui chamada, não mais que isso. [...] Agora se a pessoa chegar e falar “por favor, eu preciso da sua ajuda pra organizar tal coisa você pode me ajudar?” vou ajudar, vou colaborar. [Professora 14, temporária]

Estaria, portanto, a secretaria de educação ignorando uma dimensão do trabalho

docente? Pois, se parte dos docentes é sempre instável, muda de escola várias vezes durante o

ano e alguns, ainda que estáveis, mudam de escola todos os anos, quais as relações

concretamente possíveis de serem desenvolvidas? Essa percepção de que o trabalho docente

se restringe à relação com os alunos e a sala de aula, de forma que um docente pode estar em

uma escola em um dia e em outra no dia seguinte, ignora as dimensões concretas do trabalho

docente48.

48 Essa discussão sobre a concepção do trabalho docente será desenvolvida no capítulo II, sobre a jornada de trabalho, mais adiante nessa dissertação.

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Por outro lado, um professor temporário, que está há quase 10 anos no magistério

público, permaneceu por 8 anos na escola em que iniciou seu contrato, mudando-se para a

escola estudada porque um professor – provavelmente do último concurso – assumiu as aulas

de sua disciplina no começo do ano. Esse caso, ainda que represente uma exceção, é

emblemático para pensarmos como a experiência produz leituras distintas da realidade. Em

seu entendimento, o que mais afetou seu trabalho é o fato de ser novo na escola, ainda estar

conhecendo os alunos e o funcionamento da escola. Essa percepção aparece quando comenta

da reunião de pais:

Como eu não conhecia todos os alunos eu nem tinha o direito de dizer qualquer coisa aos pais, eu tinha que dizer só do regimento da escola que era a pauta da vez, mas eu não os conheço. Até por não fazer parte da comunidade fica mais difícil de conhecê-los. [Professor 12, temporário]

E quando fala sobre a escola:

Olha eu percebi que nessa escola a gente tem grandes vantagens. Nós temos essas salas multimídias que hoje no mundo que a gente tá é favorável com certeza! Trabalhar com as redes, toda essa tecnologia acho que é muito importante e é de fácil aprendizado pros alunos. É um mundo que eles conhecem, é um mundo que é mais próximo deles e eu acredito que isso contribui muito pra eles. Uma outra coisa: essa escola nos deixa muito livres pra trabalhar, é claro que a gente segue o currículo como [ ] São Paulo nos pede, mas mesmo assim eu acredito ainda que a escola nos dá muita liberdade de trabalho e acho isso faz com que o professor consiga desenvolver uma aula, fazer com que os alunos se envolvam cada vez mais. Então eu acredito que isso é muito bom. [Professor 12, temporário]

Não há uma relação de distanciamento, mas de “novo lugar de trabalho”. Há uma

noção de pertencimento. É provável que essa relação tenha se desenvolvido porque foi a

primeira mudança desse professor e, como ele teve mais de 20 aulas atribuídas, tem uma

jornada de trabalho e salas que são suas, em uma única escola.

Desenvolvimento na carreira: limites e possibilidades

A legislação apresenta a Carreira do Magistério como composição do conjunto de

cargos de provimento efetivo do Quadro do Magistério e organizada em escalas de

vencimentos por classe docente. A Escala de Vencimentos (EV) das Classes Docentes (CD)

aplicável aos PEB II é chamada Estrutura II e constituída de 8 (oito) faixas e 8 (oito) níveis,

sendo que a organização atualmente vigente da carreira é dada pela redação da LC 1.143 de

2011, que previa os reajustes salariais até 2014. A escala apresentada abaixo é vigente desde

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julho de 2014 e é referente ao valor conferido pelo último reajuste, de 2013, que realizou um

pequeno aumento no salário-base em relação aos valores previstos em 2011.

Tabela 4 – Escala de Vencimentos PEB II (referente à jornada de 40 horas) 49

Fonte: Anexo II a que se refere o inciso II do artigo 1º da Lei Complementar no 1.204, de 1º de julho de 2013.

Tabela 5 - Escala de Vencimentos PEB II em relação ao salário mínimo50

FAIXA/NÍVEL I II III IV V VI VII VIII 1 2,7 2,9 3,0 3,2 3,3 3,5 3,7 3,9 2 3,0 3,2 3,3 3,5 3,7 3,9 4,1 4,3 3 3,4 3,5 3,7 3,9 4,1 4,3 4,5 4,7 4 3,7 3,9 4,1 4,3 4,5 4,7 5,0 5,2 5 4,1 4,3 4,5 4,7 5,0 5,2 5,5 5,8 6 4,5 4,8 5,0 5,2 5,5 5,8 6,1 6,4 7 5,0 5,2 5,5 4,6 6,1 6,4 6,7 7,0 8 5,5 5,8 6,1 6,4 6,7 7,0 7,4 7,8

Além dos vencimentos da Jornada de Trabalho, os docentes efetivos e OFAs têm

direito às chamadas “vantagens” pecuniárias:

a) Adicional por tempo de serviço: a cada cinco anos, contínuos ou não, de efetivo

exercício (de acordo com as normas de contagem de tempo) o servidor ganha um

adicional equivalente a 5% (cinco por cento) dos vencimentos ou proventos

calculados nos termos da regra do inciso XIV do artigo 37 da Constituição Federal;

49 Para tabela completa, ver Anexo V. 50 Calculado a partir da jornada de 40 horas e do valor de R$880, referente ao salário mínimo nacional em 2016. Decreto no 8.618 de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8618.htm Acesso em 01/12/2016.

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b) Sexta-parte dos vencimentos integrais (soma do vencimento e do adicional por

tempo de serviço)51;

c) Décimo-terceiro salário; salário-família; salário-esposa; gratificação por trabalho

no curso noturno; adicional por local de exercício; auxílio-alimentação; auxílio-

transporte; gratificação mensal pro labore; gratificação pela prestação de serviços

extraordinários; ajuda de custo; e diárias52.

A progressão na carreira é chamada “evolução funcional”53 e compreendida pela

legislação como a passagem do docente para nível superior de remuneração na respectiva

classe. É prevista para ocorrer de duas formas: pela via acadêmica, o docente deve apresentar

certificado de conclusão de mestrado ou doutorado, sendo enquadrado nos níveis IV e V,

respectivamente; ou pela via não acadêmica, por indicadores de qualidade e produtividade do

trabalho docente, que geram um sistema de pontuação dos docentes:

a) Fator Atualização e Fator Aperfeiçoamento: estágios e cursos de formação

complementar, no respectivo campo de atuação, de duração igual ou superior a 30

(trinta) horas, realizados pela Secretaria da Educação, através de seus órgãos

competentes, ou por outras instituições reconhecidas;

b) Fator Produção Profissional: documentos, projetos curriculares e materiais de

natureza educacional, individuais ou coletivos e atividade docente na sala de aula;

atividades no ambiente de trabalho; atividades diversificadas; atividades

educacionais, institucionais e da sociedade civil organizada (conselhos, colegiados,

fóruns e outros).

Além disso, a Lei Complementar no 1143, de 11 de julho de 2011, regulamenta os

seguintes interstícios mínimos de efetivo exercício de magistério54 para a evolução funcional

pela via não acadêmica:

51 O adicional por tempo de serviço e a sexta-parte incidem sobre o valor correspondente à carga suplementar de trabalho docente. 52 Para mais informações ver manual do Professor – 2015, elaborado pela APEOESP. Disponível em: http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/manual-do-professor/manual-do-professor-2015/ Acesso em 01/12/2016. 53 Toda “evolução funcional” é feita a partir de solicitação dos docentes. Professores e professoras entregam os documentos comprobatórios para a escola e essa encaminha esses documentos e o controle de frequência para a respectiva Diretoria de Ensino. 54 De acordo com o Decreto no59.850, de 28 de novembro de 2013, além do tempo de efetivo exercício de magistério são contabilizados a frequência e a permanência na mesma escola combinadas à formação continuada.

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x do Nível I para o Nível II - 4 (quatro) anos;

x do Nível II para o Nível III - 4 (quatro) anos;

x do Nível III para o Nível IV - 5 (cinco) anos;

x do Nível IV para o Nível V - 5 (cinco) anos;

x do Nível V para o Nível VI - 4 (quatro) anos;

x do Nível VI para o Nível VII - 4 (quatro) anos;

x do Nível VII para o Nível VIII - 4 (quatro) anos.

Dessa forma, um professor ou uma professora que inicia sua carreira no

magistério público do estado de São Paulo a partir de ingresso através de concurso público em

2016 na Faixa 1/Nível I, com salário base de aproximadamente 2,7 salários mínimos,

demorará no mínimo 30 anos e terá que realizar diversos cursos de 30 horas ou mais

oferecidos pela SEE-SP e somar pontuação pelo Fator Produção Profissional (pela frequência

e tempo de atuação em sala de aula ou também envolvendo-se em projetos e afins) para

chegar na Faixa 8/Nível VIII e ter um salário-base equivalente a aproximadamente 7,8

salários mínimos.

A carreira é organizada, portanto, a partir de uma racionalidade do cálculo. Tudo é

medido: o tempo, a formação, o desenvolvimento de projetos, materiais, etc. ou a participação

em organizações; tudo é transformado em uma unidade equivalente comum, qual seja, a

pontuação. A soma da pontuação é então materializada na carreira através do aumento da

remuneração.

Além disso, a carreira aparece como uma construção individual. Cada docente

possui uma quantidade de produtos ou horas que equivalem a pontos, os quais são

materializados na faixa salarial, contudo, professores e professoras não podem imprimir o

próprio ritmo de progressão na carreira, pois há um interstício obrigatório. Ou seja, a carreira

é uma construção individual, no entanto, deve ser construída dentro de um ritmo determinado

externamente.

Na leitura de Gaulejac (2007), a racionalização presente nos modelos de gestão

não é uma questão técnica, mas uma operação ideológica, pois oferece um sistema de

interpretação do mundo social, no qual a experiência humana pode ser traduzida em

indicadores meritocráticos e não é normal ser limitado. Parte de um pressuposto da

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objetividade numérica, neutra e inquestionável, segundo a qual todos são avaliados de

maneira igualitária, possuindo as mesmas chances.

Dessa forma, os conflitos e os problemas sociais são colocados no plano

individual e o fracasso e a avaliação negativa aparecem, assim, como resultado de uma

inadequação ou insuficiência do trabalhador. A internalização da gestão leva a uma certa

quantofrenia55, transformando-a na própria forma de se relacionar com o mundo e consigo

mesmo, através da busca constante de racionalização e otimização do tempo, do corpo, da

mente, da subjetividade, das relações, etc., de modo a tornar a vida mais rentável.

Tendo em vista as diferentes formas que o Estado propõe para a construção da

carreira, ou seja, o aumento salarial ao mudar de faixa/nível, ao ler as entrevistas foi possível

perceber que os docentes constroem diferentes concepções de carreira. Quando indagados

sobre o nível que se encontravam na carreira e as perspectivas para a mesma, um grupo de

professores/as respondeu sobre a formação:

Então, eu tenho só graduação. Eu queria fazer uma pós porque eu fiz um curso de extensão universitária em parasitologia, mas não fiz pós-graduação, infelizmente! Eu ainda vou fazer. Na área de biologia? Na área de biologia, eu gostaria. Mais na área de biologia. Mesmo que isso não possa ser utilizado muito na carreira, mas eu gostaria de fazer. ((risos)) [Professora 02] Eu tenho mestrado. Fiz até o mestrado e daí parei. [Professora 06] Eu tenho curso superior, só. [Professora 18] Eu tenho formação em Letras, Pedagogia e pós-graduação em Língua Inglesa. [Professora 09] Eu estou fazendo doutorado, estou doutorando. [Professora 07] Eu acho que ainda estou no nível 1, tentando mudar de nível com o Mestrado, mas por enquanto eu acho que no nível 1, no nível 1 ainda. [Professor 13]

Nota-se que a via acadêmica, pela forma como está organizada a carreira pelo

Estado, é compreendida como a obtenção do diploma, da titulação de Mestrado e/ou

Doutorado. Isso porque a única relação material com a formação reconhecida pelo Estado na

estruturação da carreira é relação direta entre a diplomação e a remuneração; nada muda no

trabalho docente, em termos de atribuição de funções ou tarefas, apenas a remuneração. Desse

modo, a dimensão qualitativa da formação perderia o sentido56.

55 O autor procura introduzir a ideia da gestão como uma doença social. O termo originalmente desenvolvido pelo sociólogo americano P. Sorokin ironiza a introdução da quantificação e da medição nas ciências do espírito. 56 Essa relação não foi explorada mais a fundo ao longo das entrevistas. Cabe ressaltar, no entanto, que há elementos que indicam que a busca dos docentes pela formação de pós-graduação strito sensu tem mais relação com projetos pessoais, os quais muitas vezes indicam possibilidades de saída do magistério. Isso pode estar relacionado com a falta de perspectiva para a carreira em dois sentidos: (1) a formação não é associada a

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Um segundo grupo respondeu sobre o nível e as possibilidades de mobilidade pela

via não acadêmica:

Acho que no primeiro cargo, que é o cargo mais antigo, acho que eu estou com 3. O cargo mais recente é 1 – eu não sei se é 3 ou 4, se já teve evolução, preciso ver isso direito. [Professora 11] Acho que é nível 3 indo pro 4, eu acho que é isso, eu não tenho certeza. Mas eu não tenho Mestrado, eu só tenho... eu tenho alguns cursos da Diretoria de Ensino que isso conta pra evolução funcional. Quando eu era coordenador eu fiz alguns cursos, mas também eu não me preocupo com isso não porque o aumento é tão pouco que... [Professor 16] Porque o nível é pelas aprovações que a gente tem em provas, concursos e progressão por... Por tempo? Não, por curso que a gente faz, a via não acadêmica. Então eu acho que sou a única aqui que tenho 2 aprovações no mérito e tenho todas as mudanças de curso/nível que pode ter durante a carreira, agora não posso ter mais que eu me aposento esse ano. [Professora 10] Meu nível? Olha, eu tenho uma pós-graduação como especialista, eu tenho uma especialização. Eu fiz e assim eu vou aposentar com uma faixa alta até. Porque você vai evoluindo na carreira de acordo com os cursos que você faz e de acordo com o mérito agora. Então como eu consegui o mérito, o maior mérito que teve a prova dos 25%, por exemplo, e aí a faixa também vai subindo [...] E os quinquênios57? Tenho todos, tenho todos quinquênios... a sexta parte também. Então agora como eu completo 25 anos no final do ano, acho que entra o último quinquênio. [Professora 03] [...] quinquênio: a cada cinco anos a gente sobe a pontuação e recebe um aumento no salário. Eu tenho um quinquênio, que é equivalente a cinco anos trabalhados e a cada – mas é assim: é os cinco anos contínuos, não posso ter interrupção. Como pra trás eu tive interrupções, então, obviamente, o tempo pra trás eu não conto como quinquênio. Então cinco anos ininterruptos eu tenho que é um quinquênio, um só. [Professora 01]

A impressão é de que há uma corrida pela pontuação, no entanto, o ritmo dessa

corrida não pode ser definido pelos próprios corredores. Essa corrida é por pontos por tempo

de atuação, por cursos realizados e “por mérito” – que une as duas anteriores.

A formação como caminho possível para a progressão na carreira sob a forma de

pontuação, aparece, especialmente, em formações de curta duração, como as oferecidas pela

própria diretoria de ensino. No entanto, os docentes reconhecem a importância da chamada

formação continuada para seu trabalho. Uma professora de Linguagens e Códigos que atua no

magistério há 20 anos reitera ao longo da entrevista essa relação.

qualquer alteração nas funções e tarefas desempenhadas pelo docente e (2) a remuneração aumenta muito pouco – em torno de R$373 (16%) com Mestrado e R$510 (22%) com Doutorado. 57 Adicional por tempo de serviço.

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Então sempre tudo aquilo que o Estado propôs durante o período que eu estava na rede eu fiz, eu achava importante pro meu conhecimento e pra sala de aula também, pra saber que eu estava fazendo correto aquilo que eu estava fazendo, que eu não estava sendo ultrapassada, vamos dizer assim. [Professora 09]

Considera essencial essa dimensão, ponderando de forma crítica

Eu acho importante a questão da formação continuada. Não acredito que aquilo que a gente aprende na faculdade, dependendo da faculdade que a gente fez na verdade, depende a formação, eu acho que o professor deve estar em constante aprendizagem, ele deve estar se atualizando sempre, porque as coisas mudam e a gente não tem que ficar naquela época passada, como era vista a Educação. Não que eu acho que deva jogar tudo fora. É a mesma forma no sentido da alfabetização: eu devo descartar tudo aquilo que achava que dava certo pelo novo? Não, eu devo utilizar aquilo que dava certo junto com o novo. É nesse sentido.

E a professora reflete sobre o sentido das políticas de formação e as possibilidades

e limites que essa coloca.

Mas eu gostaria de ter oportunidade, por exemplo, há cursos eu sei que o estado tem dado pra professor se aperfeiçoar fora do país, porém você tem de ter o inglês fluente, no meu caso eu fiz – eu iniciei o avançado, porém eu não dei continuidade e quando você para você acaba perdendo, aí você volta no intermediário. Então eu acho que eles deveriam dar mais oportunidades pra quem quer. [...] Mesmo, por exemplo, que eu não tenho o inglês avançado, eu poderia fazer parte do grupo que quer participar de um projeto fora do país, por que não? Pra eu melhorar. Eu penso assim.

As experiências em diferentes cursos oferecidos pelas políticas de formação da

SEE-SP ao longo de sua trajetória no magistério e a importância que ela atribui a essa

dimensão contribuem para sua reflexão. Assim, o sentido da formação para essa professora

está para além da soma de pontuação.

O estado dava uma formação continuada chamada PEC pela PUC, porém eles deram essa formação e não utilizou o certificado, não aceitava esse certificado pra contar pontos pra gente pra evolução. Mas foi super interessante, eu gostei. Foi a partir daí que eu comecei a ter uma outra visão da sala de aula, em relação a trabalhar com textos que eu achei super legal!

A promoção por mérito, citada em duas das entrevistas reproduzidas acima,

refere-se à promoção instituída no estado de São Paulo a partir da Lei Complementar no

1.097, de 27 de outubro de 2009. Essa, conhecida como “Prova do Mérito”, diz respeito à

passagem para faixa imediatamente superior à qual o docente está enquadrado, mediante

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aprovação em processo de avaliação, realizado anualmente. Para participar da prova, o

docente precisa cumprir alguns requisitos como interstícios mínimos entre as faixas (4 anos na

faixa inicial e 3 anos nas faixas subsequentes) – sendo 80% desse tempo cumprido na mesma

unidade escolar – e assiduidade.

Os professores e professoras com contrato temporário, categoria O, não podem

participar da prova, pois não tem carreira no magistério público. Além disso, o critério de

permanência de 80% do interstício cumprido na mesma unidade escolar impossibilitou que

grande parte de professores da categoria F participassem da promoção por mérito. Ou seja,

temos uma configuração em que uma parcela historicamente considerável da categoria

docente (não-efetiva) não pode sequer ter a possibilidade de tentar a promoção por mérito a

princípio.

Os docentes efetivos e não-efetivos que cumprem com o tempo de atuação

contínuo na mesma unidade escolar precisam cumprir também com o critério de assiduidade.

Atualmente, a pontuação por assiduidade é feita de acordo com os dias de efetivo exercício58,

de forma que o docente não pode ter mais de 18 ausências durante os 4 anos para realizar a

prova. O pressuposto é que o docente que merece a chance de realizar a “prova do mérito”

não pode apresentar “absenteísmo”, ou seja, não pode se afastar para cursar pós-graduação;

em caso de adoecimento, não pode se afastar para tratamento; não pode se casar e gozar de

licença gala; não pode gozar da licença nojo no caso de algum falecimento na família, entre

outros direitos estatutários.

Assim sendo, o “mérito” que permite a progressão salarial se relaciona pouco com

o trabalho desenvolvido pelos docentes e muito com o controle sobre as faltas e a

responsabilização de professores e professoras pelos baixos salários que recebem.

Lima (2015) discute as relações entre a política instituída no estado de promoção

por mérito e a hegemonia neoliberal, que se opõe fortemente aos direitos trabalhistas59. Em

reflexão sobre o critério de assiduidade exigido para participar da prova, o autor pondera:

Esse mecanismo criado no Estado de São Paulo inova, ao forçar que os próprios professores abram mão de seus direitos, como condição para cumprirem os

58 A princípio, toda e qualquer ausência era considerada para a contagem de pontos da tabela de assiduidade. Após anos de pressão do movimento sindical, o Decreto 60.650/2014 do governo Alckmin estabeleceu que seriam considerados dias efetivos de exercício: férias, licença à gestante, licença paternidade, licença adoção, serviços obrigatórios por lei, licença por acidente de trabalho, faltas abonadas e participação em eventos sindicais (até dez anuais). 59 Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema ver: LIMA, Potiguara M. P. de. Concepção e valorização do trabalho docente: políticas meritocráticas na educação pública. Campinas. 2015. 175p. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNICAMP.

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requisitos necessários à realização da prova. Não são poucos os casos de professores paulistas que adoecem devido às condições hostis de trabalho e vida (particularmente dificultadas por salários reduzidos). Os critérios para estabelecimento de assiduidade para a realização da Prova do Mérito, assim como a restrição das faltas médicas, foram mecanismos que a SEE-SP desenvolveu para esconder esses problemas. Muitos professores passaram a “se esforçar mais” e evitar consultas, tratamentos e afastamentos ligados à saúde para não comprometerem seus índices de assiduidade. (Id. Ibid., p. 155)

Todavia, mesmo entre os docentes que puderam ao menos realizar a prova, os

requisitos para efetivação da promoção por mérito, caso fossem aprovados na mesma60,

colocavam ainda mais barreiras à promoção efetiva. Foram realizadas seis edições da “Prova

do Mérito” (2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015). Nas primeiras edições, a prova tinha

caráter classificatório, 20% dos integrantes de cada faixa puderam ser promovidos para a

faixa subsequente e o aumento salarial foi de 25%. A partir de sua 3a edição, com as

alterações da LC 1.143/2011, a prova passou a ser eliminatória e garantir um aumento de

10,5%. Essas mudanças acarretaram que porcentagens menores que 20% dos professores de

cada faixa fossem aprovados, instituindo uma política salarial altamente seletiva.

A política mais recente de “promoção” na carreira por mérito vem no bojo do

processo de precarização dos contratos de trabalho temporários e acentua ainda mais a

fragmentação entre os docentes ao selecionar os “merecedores” de aumento salarial,

excluindo os demais a partir de critérios que se relacionam pouco com a realidade do trabalho

docente.

Por fim, dois professores – ambos trabalharam durante muitos anos no setor

privado – apresentaram ainda uma concepção distinta de carreira, ligada a “galgar postos de

trabalho”. Entretanto, há uma diferença importante na fala dos dois professores, uma

professora é temporária, por isso não vê perspectiva para a carreira, ao passo que o outro

docente é concursado e, por isso mesmo, compreende que há possibilidades de “ascensão”

dentro da educação pública.

Ah, perspectivas pra carreira? O que eu posso dizer de uma carreira de professor, meu bem? ((risadas)) É complicado. Não tenho nenhuma perspectiva. Acho que a gente quando ingressa nessa carreira, a gente sabe que vai dar aula, dar aula, dar aula, dar aula, dar aula e aposentar dando aula. A não ser que você consiga um cargo administrativo. Aí você vai estar mudando,

60 De acordo com o Artigo 5º da LC 1143/2011, “[...] observada a escala de 0 (zero) a 10 (dez) pontos, será exigido desempenho mínimo para promoção, na seguinte conformidade: )I da faixa 1 para a faixa 2: 6 (seis) pontos; II) da faixa 2 para a faixa 3: 7 (sete) pontos; III) da faixa 3 para a faixa 4: 7 (sete) pontos; IV) da faixa 4 para a faixa 5: 8 (oito) pontos; V) da faixa 5 para a faixa 6: 8 (oito) pontos; VI) da faixa 6 para a faixa 7: 9 (nove) pontos; VII) da faixa 7 para faixa 8: 9 (nove) pontos.”

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mas não deixa de ser professor. Não é como uma empresa que você começa como office-boy ou então como secretária e vai pro chefe de seção e tal tal tal tal, vai galgando postos. Acho que uma vez que você escolheu professor é professor até o fim. Não vejo perspectiva. Que mais que eu vou ser? Diretor? Impossível! [ ] Não, é professor, é professor! Porque a profissão de professor é estar com os alunos, é estar junto com eles, é estar no meio, estar na sala de aula, você passar o conhecimento. Que mais que você vai poder chegar a ser? Fazer diferente? Não tem perspectiva nesse sentido de você conseguir algo. Eu penso assim, sabe? Professor é professor. [Professora 14, temporária] Na escola eu acho que eu também, por exemplo, se eu investir nessa área educacional eu acho que é uma carreira promissora também, é uma carreira que estão dando oportunidade porque eu fiz um ano de trabalho, daí no outro ano me ofertaram várias disciplinas que os professores vão saindo eles procuraram “ah, você quer dar aula?” Então vejo nisso que a escola, a diretoria, não sei o que, está tendo uma retribuição, olhando meu serviço. Depois ofertaram professor mediador, coordenação, e agora nesse último – e eu gosto dentro da sala de aula, então eu fiquei dentro da sala de aula. E agora não tem nem um mês ofertaram para mim, por exemplo, para eu assumir a vice direção, a diretora ia afastar, a vice-diretora ia subir e a vice-diretora veio conversar comigo para ver se eu queria ficar na vice direção. Porém, precisava de Pedagogia e ela não sabia “ah, você não tem Pedagogia? Que pena!” Então eu vejo que se eu investir do jeito que eu fiz dentro do sistema privado, eu obtenho um retorno, eu obtenho – as pessoas têm consideração, eles estão enxergando meu esforço. [Professor 05, efetivo]

As percepções acerca da carreira do magistério são muito diversas e desenvolvem-

se a partir das distintas trajetórias de professores e professoras. Como a única relação material

com a carreira no estado é a contrapartida salarial, o trabalho do professor é sempre o mesmo

do ponto de vista do estado, independentemente do tempo de magistério e da formação. Dessa

maneira, cursar pós-graduação, participar de cursos de formação da secretaria de educação,

permanecer em um mesmo cargo por anos, realizar provas e demais exigências que levam à

“evolução funcional” se tornam formas de melhorar a remuneração. Um tanto

contraditoriamente, as possibilidades de reconhecimento do trabalho dentro da escola passam

pela mudança de função (coordenação, mediação, vice direção, direção), conduzindo à saída

da sala de aula.

Nesse contexto em que a carreira está esvaziada de sentido e torna-se apenas uma

forma de melhorar a remuneração, homens e mulheres se relacionam de maneira diferenciada

com a mesma. São recorrentes na carreira de professoras os pedidos de remoção ou mesmo de

exoneração de cargos para acompanhar os maridos em mudanças de cidade por conta do

emprego.

[...] Eu morava no Rio de Janeiro e eu sou de uma família de 5 mulheres, 5 irmãs, e todas são professoras pelo fato de minha mãe não deixar ninguém morar fora pra estudar, então a gente fazia a faculdade que era mais próxima de casa. E a minha irmã mais velha que na época era diretora da escola de [Cidade] falou pra mim “vai ter concurso”, eu já tinha passado num concurso, pedi exoneração pra acompanhar meu marido no trabalho, mudando pro Rio de

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Janeiro e ela falou “vai ter concurso, vem prestar” aí eu prestei de Inglês e de Português, aí... quando passei, a gente voltou pra São Paulo de mudança por conta do emprego de novo do meu marido e dia 6 de novembro eu tinha que escolher [a escola]. E a gente veio morar aqui na região de Campinas, veio morar em Campinas mesmo. [Professora 10] Como que eu escolhi? Na verdade, meu marido já trabalhava em [cidade] desde 2000 e sempre ele queria mudar pra [cidade]. Porém eu não queria porque ele queria vir pra morar em casa e eu, como ele trabalha à noite, eu não gostaria de vir pra [cidade] porque eu tinha medo. Aí como eu estava afastada para a coordenação eu disse que eu ia tentar a remoção para cá, isso foi em 2010, depois de 10 anos, que se tivesse que vir a gente viria. E por acaso uma professora havia aposentado, eu fiz a indicação das escolas que tinham vaga e eu vim pra essa, eu consegui pra essa porque havia ocorrido uma aposentadoria anterior. Eu não a conhecia. [Professora 09]

Ao passo que nenhum homem entrevistado citou a possibilidade de deixar o cargo

para acompanhar a mulher. Os motivos que aparecem nas entrevistas que poderiam levar a

deixar o magistério são estritamente relacionados às condições de trabalho.

E você acha que se aposentará professor? Do jeito que tá indo acho que não. Não porque eu tô prestando outros concursos públicos em outras áreas. Pode ser que eu venha a passar no município e a gratificação o retorno financeiro é um pouco melhor. Eu gosto de dar aula. Eu me dedico, eu achei interessante – uma das minhas atribuições na indústria era na parte de instrução técnica, eu tinha essa parte de você ensinar – mas é o que falo, o retorno financeiro pra você ter uma família hoje em dia, sustentar filhos, uma casa não dá! Infelizmente não dá. [Professor 05] Quais são as perspectivas pra carreira? Na escola pública é atuar como coordenador até eu conseguir ingressar em uma universidade pública. [...] então eu não veria problema em, por exemplo, trabalhar menos aqui na escola e sei lá, talvez ingressar em um outro lugar se eu perceber que uma questão de estresse, por exemplo, tá me afetando ou mesmo minha vida pessoal. Mas a princípio é trabalhar na universidade pública [Professor 13]

As trajetórias de homens e mulheres são bastante diferenciadas no magistério. As

“escolhas” realizadas por conta da família, como mudança de cidade para acompanhar o

marido e a opção pela maternidade, alteram os planos de carreira inicialmente idealizados por

elas. Uma entrevistada relata bem essa trajetória de determinações que foram minando seu

projeto de ser professora universitária.

Fiz até o Mestrado e daí parei. Parei porque a minha filha nasceu e aí eu tive que abandonar a Prefeitura e a Faculdade pra tomar conta dela. E outra que na época eu tive que me mudar pra Belo Horizonte. Meu marido foi transferido pra lá, aí eu fui, tive que me mudar pra lá. Eu tive que pedir exoneração dos meus 2 cargos, da Prefeitura e da Faculdade, e consegui afastamento sem remuneração pelo estado. A Prefeitura não me deu afastamento sem remuneração, você tinha que exonerar, não tinha jeito! Eles não davam afastamento temporário. Infelizmente. E aí eu pedi afastamento pelo estado e quando saiu eu fui pra BH, Belo Horizonte e aí lá eu fiquei 1

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ano e meio e depois, quando eu voltei, eu fiquei só no estado. Então, é uma pena [Professora 06]

Somente dentro de uma estrutura social em que o trabalho de reprodução é visto

como responsabilidade da mulher, e quando essa trabalha “fora” sua renda é compreendida

como complementar, faz sentido uma mulher abrir mão de todas as suas conquistas

profissionais para cuidar da família, seja acompanhando o marido na mudança por conta do

emprego, seja para cuidar de filhos ou idosos.

Considerações de final de capítulo

A carreira do magistério público como prevista na legislação não é atrativa,

exceto, talvez, pela estabilidade do cargo público. Além disso, as possibilidades concretas de

acessá-la colocam em evidência a fragmentação da categoria docente no estado de São Paulo

em diferentes contratos e regimes de trabalho. Os direitos básicos do trabalho, no setor

público, constituem os direitos básicos das relações de trabalho assalariadas, entretanto

aparecem como privilégios que poucos têm acesso, pois, de forma geral, o Brasil é

caracterizado pela informalidade, isto é ausência de contratos, de garantia de remuneração

todos os meses e de perspectiva de férias remuneradas. A principal determinação de quem

acessa ou deixa de acessar esses é o vínculo empregatício.

A política de carreira no estado de São Paulo, em primeiro lugar, não é para todos,

pois desconsidera uma parcela historicamente significativa de seus trabalhadores docentes

(com contratos por tempo determinado). Mesmo entre aqueles que poderia abranger, é uma

trajetória bastante seletiva pelos critérios de progressão e pelos interstícios, de forma que

apenas alguns conseguem acessar os direitos básicos, tais como o acesso à carreira

concretizada em aumento salarial. A carreira docente segue uma lógica de responsabilização,

centrando-se nos indivíduos e seu desempenho, em detrimento do coletivo. Não há uma

construção coletiva da carreira, com docentes ingressantes assistidos por docentes com mais

experiência, funções diferenciadas que não exijam a saída da sala de aula, perspectivas de

orientação e/ou formação coletivas, etc.

Nesse sentido, a “evolução funcional” apresenta-se como a soma de bens

quantificáveis que cada professor amealha individualmente – a quantidade de tempo de

trabalho no magistério e na escola, o número de cursos de especialização e aperfeiçoamento,

aprovações em provas de mérito, etc. – e que lhe permite determinados valores salariais. Há

uma corrida por pontos, mas os próprios corredores não ditam o ritmo dessa, uma vez que

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devem obedecer a interstícios mínimos. Além disso, os requisitos para participar da corrida

determinam, também, o seu ritmo e independem, muitas vezes, do docente, como por

exemplo o adoecimento do próprio ou de filhos que o leva a se afastar temporariamente do

trabalho. A carreira aparece, portanto, como possibilidade de melhorar a remuneração, sendo

completamente esvaziada de sentido social para o trabalho docente.

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CAPÍTULO III – A JORNADA DE TRABALHO DOCENTE

Tomando por base a teoria do valor, a jornada de trabalho relaciona-se

diretamente à produção da mais-valia. Isso porque se os trabalhadores produzem em x horas o

valor do salário, ou seja, o equivalente ao que seria o necessário para sua sobrevivência61, as

demais horas da jornada de trabalho são apropriadas pelo capitalista. O capital se valoriza na

medida em que se apropria do valor criado pelo trabalho e não o remunera por isso e é essa

capacidade de gerar valor que torna o trabalho imprescindível ao capital. Desse modo, a

jornada de trabalho é uma categoria central para a teoria do valor.

Marx (1983) identifica duas formas de apropriação do excedente: mais-valia

absoluta e mais-valia relativa. A primeira dá-se pela extensão da jornada de trabalho, típica

da subsunção formal do trabalho ao capital. O modo de produção já é capitalista pois o

processo produtivo já se desenvolve a partir de um coletivo de trabalhadores assalariados sob

a ordem de um capitalista com os fatores do processo de produção do capitalista e com a

finalidade de gerar lucro. A subsunção do trabalho ao capital, no entanto, é apenas formal pois

o processo de produção depende ainda da destreza e das capacidades do trabalhador, que se

sobrepõe a ferramenta.

A segunda forma de extração de valor é possível somente no modo de produção

especificamente capitalista, no qual a subsunção do trabalho ao capital é real. Com a grande

indústria, a máquina-ferramenta é que dita o tempo do trabalho, ele vira um apêndice da

máquina, a qual revoluciona alterando a forma de produção e o controle sobre o trabalho. O

conjunto dos trabalhadores passa a produzir mais em menos tempo, ou seja, numa jornada

com o mesmo número de horas, o que faz a quantidade de produtos aumentar, disso se

constitui a mais-valia extraordinária. Com o passar do tempo, as demais empresas capitalistas

adaptam a produção aos novos imperativos, de modo que essa mais-valia é medida

relativamente.

De acordo com Dal Rosso (1998), o progresso técnico e/ou organizativo do

trabalho possibilita a extração da mais-valia relativa na medida em que alteram não só a

produtividade, mas também a intensidade do trabalho. O autor observa que historicamente a

redução da jornada é, em geral, acompanhada da intensificação do trabalho. Isso porque ela é

61 O “necessário para sobrevivência” é definido pela força política das classes, ou seja, a capacidade organizativa do trabalho para se defender das afrontas do capital, que sempre tenta reduzir seus gastos, inclusive – ou principalmente – com a força de trabalho.

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determinada socialmente, pela relação entre as classes antagônicas, e o Estado sintetiza essas

disputas na forma da lei.

Por um lado, a jornada, em sua extensão e intensidade, determina as horas que o

trabalhador fica à disposição da produção capitalista, ou seja, como força de trabalho e,

portanto, valorização do capital. Por outro lado, determina o tempo, bem como a energia, que

o trabalhador terá para a reprodução; para o lazer e o descanso; para ficar com a família, com

os amigos, etc. Enfim, para realizar as atividades para além do trabalho.

O trabalho dos docentes contratados pelo Estado não se realiza mediante uma

relação de conteúdo capitalista strito sensu e é improdutivo62. Entretanto, todo o trabalho

realizado na sociedade capitalista é, em alguma medida, análogo às relações capitalistas de

produção, uma vez que a forma da mercadoria impregna todas as relações sociais63. Desse

modo, é possível a leitura de que os professores e professoras são subsumidos formalmente

em seu contrato de trabalho, no sentido de que vendem sua força de trabalho em troca de

salário e desenvolvem seu trabalho dentro de um coletivo de assalariados, organizados a partir

da divisão técnica do trabalho, em um espaço e com ferramentas que não lhes pertencem.

Seu trabalho não tem o fim de gerar lucro para o contratante, o Estado, mas

formar a classe trabalhadora, o que possibilita a reprodução do sistema capitalista e a

valorização do capital. Há então um controle sobre o trabalho docente, especialmente no que

tange os resultados do trabalho, bem como do seu processo, para que seja adequado à lógica

capitalista. A divisão social do trabalho aparece na determinação heterônoma do conteúdo do

trabalho e da formação desses trabalhadores docentes.

O encontro entre a legislação e o cotidiano dos docentes promove a

empregabilidade e determina suas condições de vida. Por isso, professores e professoras

confrontam-se de forma prática com as determinações estruturais e buscam construir uma

jornada de trabalho a partir de sua própria concepção sobre a jornada e as relações com a

escola, o trabalho doméstico, a família, a composição dos salários e as condições de trabalho

em geral. Nesse capítulo, apresento algumas reflexões acerca das relações entre trabalho

docente e jornada de trabalho.

62 Essa discussão é apresentada de maneira breve na introdução dessa dissertação. 63 Para uma discussão sobre a mercadoria como “protótipo” das relações sociais ver LUKÁCS, G. Reificação e consciência do proletariado. In: História e Consciência de Classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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Atribuição de aulas: distribuindo a empregabilidade

A cada ano, no momento de atribuição de aulas, professores e professoras com

cargos efetivos podem optar por uma jornada de trabalho, indicando no momento de inscrição

se desejam manter, ampliar ou reduzir sua jornada. No estado de SP, cada aula tem duração de

50 minutos e, dessa forma, as jornadas são assim organizadas64:

I) Jornada Integral de Trabalho Docente (40 horas): a) 32 (trinta e duas) aulas em atividades com os alunos; b) 3 (três) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 13 (treze) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha;

II) Jornada Básica de Trabalho Docente (30 horas): a) 24 (vinte e quatro) aulas em atividades com os alunos; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 10 (dez) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha;

III) Jornada Inicial de Trabalho Docente (24 horas): a) 19 (dezenove) aulas em atividades com os alunos; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 7 (sete) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha;

IV) Jornada Reduzida de Trabalho Docente (12 horas): a) 9 (nove) aulas em atividades com os alunos; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 3 (três) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha.

Para além da jornada de trabalho, os docentes efetivos podem somar uma carga

suplementar de trabalho65, inclusive em área diferente de atuação – desde que tenha formação

para isso66 – com aulas livres e respeitando os limites máximos de:

I) 8 (oito) horas em atividades com alunos, quando em Jornada Básica de

Trabalho Docente;

II) 13 (treze) horas em atividades com alunos, quando em Jornada Inicial de

Trabalho Docente;

III) 23 (vinte e três) horas em atividades com alunos, quando em Jornada Reduzida

de Trabalho Docente.

64 Resolução SE nº 08, de 19 de janeiro de 2012. 65 Prevista no Decreto n° 55.078, de 25 de novembro de 2009. 66 Somente o docente com licenciatura plena na área de atuação recebe como PEB II.

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Dessa forma, observamos no estado de SP uma concepção de jornada de trabalho

completamente celular, baseada nas horas trabalhadas em sala de aula. Essa organização

informa uma concepção de trabalho docente segundo a qual o trabalho do professor está

reduzido ao ensino: são as horas em sala de aula que determinam a jornada de trabalho.

Mesmo as atividades realizadas fora da sala de aula (como preparação de aulas, correção de

provas e exercícios, atribuição de notas, etc.), ainda que remuneradas67 e, portanto,

reconhecidas oficialmente como constituintes do trabalho docente, são compreendidas apenas

como complementares ao trabalho – realizado em sala de aula – ou seja, são resíduos do

mesmo.

A ideia de que o trabalho docente está reduzido ao ensino permite certas

configurações da jornada nas quais um professor tenha que se deslocar entre diferentes

escolas. Uma vez que sua relação com o trabalho está reduzida à relação de ensino-

aprendizagem, ou seja, à relação com os alunos e a sala de aula, não importa o trabalho

desenvolvido com a escola e o conjunto de professores, mas somente com as diferentes

células que cada professor transita ao longo de sua jornada. Um professor, com mais de 20

anos de magistério, exemplifica muito bem essa configuração e também questiona a forma

como o Estado organiza essa jornada de trabalho:

Eu não sei quantas horas eu trabalho por dia, mas eu trabalho bastante. Porque eu acho que eu estando no carro esperando chegar na outra escola pra eu trabalhar eu estou trabalhando. Então eu trabalho muito viu?! Eu trabalho muito. Eu acho que professor do estado ele trabalha muito. Por esse fato de você ter muitas janelas, por esse fato de você tentar conciliar o seu horário entre duas escolas, porque nunca tem a sua carga completa, mesmo eu com 20 anos de labuta, nunca tem as 32 aulas numa escola só! Sempre eu tenho que picar. Então está sendo mal gerido, não a escola, mas a lei do governo, ela deveria pensar nisso: em deixar o professor na escola de verdade, não brincar disso! Que dizem que a intenção é essa, mas eu nunca vi. [Professor 16]

Tendo isso em vista, vamos dar uma olhada na atribuição de aulas de 201668. O

processo ocorreu em duas fases: 1) na unidade escolar (UE) e 2) na Diretoria de Ensino (DE);

a atribuição, realizada ao longo de 7 dias, foi feita de acordo com a classificação dos docentes,

67 A conquista da remuneração do trabalho docente realizado extraclasse – como correção de atividades e preparação de aulas – traduziu-se na Lei do Piso Salarial Profissional Nacional (Lei no 11.738/2008), que prevê um valor mínimo de remuneração para os docentes em nível nacional e a garantia de um terço da jornada de trabalho para as atividades extraclasse. Entretanto, além de o valor não ser compatível com o salário mínimo necessário para a sobrevivência no país calculado pelo DIEESE, muitos estados não preveem o terço da jornada de trabalho para atividades extraclasse. 68 A atribuição de aula de 2016 seguiu a Resolução SE 75/2013, alterada pela Resolução SE 70/2014 e Resolução SE 5/2016.

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por meio de pontuação obtida, através do tempo de serviço prestado ao magistério público

estadual e dos títulos69, e foi precedida de inscrição70.

O primeiro dia de atribuição correspondeu à fase 171, quando os titulares de

cargo72 fizeram a constituição e a composição da jornada de trabalho nas respectivas escolas

sedes de controle de frequência73. Como dito anteriormente, estes professores optaram, no

momento da inscrição, por um número de horas para sua jornada, entretanto não

necessariamente a escola onde seu o cargo está vinculado possui o número de horas-aula

suficiente para todos seus professores e para todas as disciplinas. Dessa forma, como a

atribuição é feita a partir da classificação dos docentes, cada um assume as aulas disponíveis

de acordo com sua pontuação, de modo que o primeiro professor de cada disciplina pode de

fato escolher as turmas que gostaria de assumir e o último colocado pode conseguir assumir

poucas turmas ou nenhuma – ficando na condição de adido74.

Os titulares de cargo que não conseguiram completar a jornada na unidade

escolar, ou que estão na condição de adidos, compareceram – obrigatoriamente – no dia

seguinte, fase 2, para completar a jornada com as aulas livres75, que poderiam ser em qualquer

escola da respectiva DE. Os professores que quisessem ampliar a jornada, ou atribuir carga

suplementar76 e não tiveram aulas disponíveis nas respectivas UEs, também compareceram

nesse dia. As aulas de professores em licença e/ou afastados ficaram disponíveis para os

professores substitutos77, que foram os próximos a participar do processo.

69 Certificado de aprovação em concurso público, diplomas de Mestrado e Doutorado, e, no caso dos OFAs, aproveitamento de 50% na Prova do Mérito, participação em processo de avaliação anual e nota da prova do processo seletivo simplificado. 70 Seguindo a Portaria CGRH-7, de 25 de agosto de 2015, que dispõe sobre as inscrições do Processo de Atribuição de Classes e Aulas para o ano letivo de 2016. 71 Como eu ainda não havia entrado no campo, por questões burocráticas com o Comitê de Ética, não consegui acompanhar essa primeira fase. 72 São os docentes efetivos, que ingressaram na carreira do magistério a partir de concurso de provas e títulos. 73 Todo docente tem o cargo associado a uma escola, chamada sede de controle de frequência, na qual ele computa a frequência e o tempo de serviço. 74 O docente que não constituir jornada na unidade escolar e não declarar que poderá atribuir aulas em outra disciplina para a qual é habilitado, tem redução compulsória para a Jornada Inicial de Trabalho Docente devendo participar, obrigatoriamente, das atribuições na Diretoria de Ensino, para descaracterizar esta condição, assumindo toda e qualquer substituição que venha a surgir e para a qual esteja habilitado, na própria escola ou em outra unidade escolar do mesmo município. 75 São aulas que não foram atribuídas a nenhum docente. 76 As aulas atribuídas aos docentes para além de sua jornada são consideradas carga suplementar e são atribuídas no momento de complementação de carga. Por não pertencerem à jornada do docente, podem ser atribuídas a outros docentes pela SEE-SP a qualquer momento. 77 Nos termos do art. 22 da Lei Complementar 444/1985, que regulamenta as substituições.

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A fase 2 que acompanhei ocorreu efetivamente no espaço de uma das escolas da

DE, no pátio: professores e professoras78 conversavam sobre seus planos, os motivos e as

dificuldades de estarem ali naquele momento, torcendo para que fosse rápida a atribuição,

enquanto aguardavam, no pátio, serem chamados. Havia pessoas com camisetas, bandeiras e

flyers do sindicato, a maioria eram conselheiros, que estavam próximos à entrada do pátio e

abordavam os presentes, principalmente em seu caminho de entrada ou saída, apresentando

sindicato e convidando-os a participar.

A atribuição começou pontualmente no horário estabelecido e os funcionários da

DE ficavam nos primeiros degraus da escada, que levava do pátio para as salas de aula no

andar superior, com a lista de nomes em mãos, chamando os professores em ordem alfabética

e direcionando para a sala onde seria realizada a atribuição. Os PEB I foram chamados

primeiro, todos de uma só vez. Em sequência, os PEB II foram sendo chamados por área de

conhecimento – Exatas, Humanas e Biológicas -; os docentes subiam, então, as escadas e iam

para as respectivas salas de aula dispostas ao longo do corredor do andar superior, sendo cada

uma destinada a uma área do conhecimento. Em 15 ou 20 minutos, o pátio havia esvaziado.

Ao chegar na sala, professores e professoras se sentavam nas carteiras de

estudante e aguardavam serem chamados na ordem de sua classificação para assumir as aulas

disponíveis. Para tal, o docente precisava passar por cinco pessoas sentadas em uma longa

mesa de costas para a lousa: com a primeira pessoa escolhia as aulas, em sequência tinha que

fazer algumas assinaturas, entregar documentos e, depois da conferência dos documentos,

mais algumas assinaturas.

Como a mesa era sequencial, era necessário que o docente passasse para a pessoa

seguinte sentada à mesa para que um novo docente fosse chamado a participar da atribuição.

Nessa configuração, os professores acabavam conversando bastante com o primeiro membro

da mesa, pois era ele quem informava as aulas disponíveis e, juntamente com o membro

sentado imediatamente ao seu lado, auxiliava o docente na escolha, pois muitas vezes

precisavam saber melhor a localidade das escolas com aulas disponíveis, o acesso, entre

outras informações, muitas vezes determinantes, para a escolha. Às vezes havia alguma

interrupção no processo, pois funcionários da DE estavam circulando e tratando assuntos com

os membros da mesa.

78 Havia relativamente poucos, pois com a atribuição primeiro na escola, uma parte dos docentes não precisa ir até a DE para participar da fase 2.

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Após passar pelos cinco membros e realizar todas as assinaturas, os docentes

desciam as escadas de volta ao pátio e deixavam a escola com as aulas atribuídas para o ano79.

Após essa fase na DE, ainda havia um clima de incerteza entre os docentes, pois alguns

tinham uma configuração de jornada completamente nova e muitos nem conheciam a(s)

escola(s) onde iriam trabalhar naquele ano.

Finalizadas as fases 1 e 2 dos professores efetivos, deu-se início à atribuição de

aulas e classes dos professores não-efetivos80. Os docentes estáveis, os celetistas e os

ocupantes de função-atividade (OFAs), nessa ordem, participaram da atribuição, na primeira

fase na UE e, aqueles que ficaram adidos ou queriam ampliar a jornada ou pegar carga

suplementar e não tinham aulas disponíveis nas respectivas UEs, participaram, em sequência,

da fase 2, na DE, de acordo com a área do conhecimento (Humanas, Exatas e Biológicas).

Depois dos estáveis, celetistas e OFAs, os professores da Categoria O

habilitados81 e com contrato vigente em 2014/2015 é que escolheram suas aulas, também de

acordo com a área do conhecimento. No dia seguinte, esses professores deram continuidade

ao processo de atribuição e aqueles que se encontravam na Categoria O, como qualificados82

e com contrato vigente em 2014/2015, puderam participar também.

Finalizada a atribuição inicial de aulas, teve início a fase de atribuição de aulas

durante o ano – aulas remanescentes da atribuição inicial ou que aparecem por faltas, licenças

e afastamentos dos docentes com aulas atribuídas. Essas são oferecidas primeiramente na

Unidade Escolar (UE) para os efetivos e, em sequência, aos efetivos na Diretoria de Ensino

(DE). Caso as aulas continuem vagas, são atribuídas novamente na UE para efetivos de outra

unidade, mas que tenham aulas na respectiva escola; aos docentes não-efetivos ou contratados

na UE e aos docentes não-efetivos ou contratados de outra unidade que tenham aulas

atribuídas na escola83. Entretanto, quando não há docente disponível para essas aulas, a DE

79 O processo completo de atribuição, até o último professor sair com aulas atribuídas – mesmo que tenha que retornar outro dia - durou em torno de uma hora e meia. 80 O estado de SP permitiu uma série de contratos de trabalho não-efetivos ao longo dos anos, com mudanças constantes na legislação e nos direitos desses diversos contratados. Para mais detalhes ver o capítulo I, sobre carreira, dessa dissertação. 81 Os docentes habilitados são aqueles que possuem formação superior em licenciatura plena. 82 Os docentes qualificados são alunos do último ano de cursos de licenciatura plena, bacharéis ou tecnólogos formados, alunos de licenciatura plena com 50% do curso concluído, alunos de último ano de curso de bacharelado ou tecnológico e alunos de qualquer semestre da licenciatura plena – em ordem de preferência para contratação. 83 No entanto, a partir de 1º de dezembro é vedada a atribuição de aulas, exceto se em caráter eventual, constituição obrigatória, atendimento de jornada de efetivo ou de carga horária mínima de não efetivo.

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realiza um cadastro emergencial84, o qual garante que o docente cadastrado poderá ministrar

as aulas e receber por elas, mas não é celebrado contrato de trabalho e não há registro em

carteira de trabalho. Caso as aulas que o docente cadastrado substitui tenham duração superior

a 15 dias de exercício, o docente pode celebrar contrato como Categoria O.

Tendo em vista o exposto acima, a atribuição de aulas é um processo muito

relevante para professores e professoras, pois é o momento em que o trabalho é distribuído e,

portanto, determinante para a remuneração dos/as docentes naquele ano. Ou seja, a atribuição

de aulas está diretamente associada ao trabalho da perspectiva da sobrevivência.

Os professores admitidos no último concurso (2013) tiveram problemas com a

carga horária e a composição da jornada, de forma que muitos deles optaram pela jornada

disponível nas escolas e completaram a jornada com carga suplementar, como relata uma

professora de Ciências Humanas

[...] a carga suplementar é assim: você pode ter uma carga reduzida, que são 10 aulas; carga básica, que são 20 e a total que são 32. Eu, aqui na casa não tem pra mim, só tem 10 aulas. Se eu tentar ampliar minha jornada, eu vou ter que ir pra outra escola. Então eu deixo nessa reduzida e aí eu posso pegar a suplementar, que aí eu completo as 32. Só que nessa situação. Por exemplo, eu completei com as aulas de geografia, aí são aulas livres, não tem professor nenhum. Mas se ele [o governador] resolver chamar o pessoal do concurso e eles resolverem escolher aqui, eles podem pegar, porque minha carga é suplementar, não é minha. [Professora 04]

Entretanto, a forma como está organizada a carga suplementar, além de partir do

pressuposto de uma flexibilidade quanto ao conteúdo do trabalho docente, entendido aqui

como o campo disciplinar de formação superior, tem consequências e atinge diretamente a

remuneração dos docentes, conforme relataram dois professores do último concurso:

Só que é um problema essa carga suplementar porque você ganha menos. Ah, ela tem um valor diferenciado? Ela tem um valor diferenciado85. Só que pra mim não compensa, porque eu fui lá, eu vi que não... não tem vaga! Não tem vaga! Se eu resolver ampliar a minha jornada, eu vou acabar – sei lá, eu vou lá pra Campinas não sei quantos 35 40 quilômetros da minha casa, não compensa. Então é melhor eu ganhar menos, mas estar aqui perto e poder ficar mais fácil de escolher. [Professora 04]

84 As DEs organizam, nos termos da Resolução SE no 23/2012, o cadastro de candidatos à contratação por tempo determinado – habilitados ou qualificados; mesmo que estes não tenham participado de nenhum processo seletivo. Ou seja, o afigura do professor “eventual” ainda está presente no magistério público. 85 O valor da hora/aula a título de carga suplementar corresponde a 1/120 do valor fixado para a Jornada Inicial de Trabalho Docente e de acordo com o nível em que estiver enquadrado o docente.

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Eu estava vindo o ano passado com uma carga horária de 32 horas/aulas no final de ano e chegou lá pro dia 15 de dezembro, que eu estava assumindo várias aulas como substituição, então porque lá na frente um diretor volta a assumir o cargo dele, então o vice-diretor volta pro lugar dele, daí o professor que estava assumindo volta pra dentro da sala de aula. Então você estava vindo com todas aquelas salas, daí chega no seu décimo terceiro, nas suas férias, tudo isso você perde. Ou seja, eu estava com 32 aulas, de repente você cai pra 10 aulas. Você só tem as suas aulas, de uma hora pra outra. E isso, isso que desmotiva, porque você vem – na hora que você vai entrar de férias, que vai receber pelas aulas que deu o ano todo, de repente seu salário vai e cai pro mínimo: 700 reais, é o que eu recebi em janeiro, o que eu recebi em fevereiro. E quem paga suas contas com 700 reais hoje em dia? Ninguém. [Professor 05]

Essa forma de organização da jornada implica, portanto, no salário dos docentes

ser flexível – de forma que, para a mesma aula, os docentes podem receber remuneração

diferenciada – bem como sua jornada de trabalho. Se, dadas as configurações da jornada, a

professora opta por permanecer na escola com carga suplementar, essa opção implica em uma

incerteza: a qualquer momento, sua jornada de trabalho pode ser reduzida e essa decisão cabe

ao Estado. Sua decisão sobre a amplitude da jornada, no caso de 12 horas, está vinculada ao

local de trabalho, que também é flexível, pois se ela optar por ampliar a jornada, deve mudar

de escola. A flexibilidade quanto ao local de trabalho aparece também em outras entrevistas.

No ano em que a pesquisa de campo foi realizada86, além dos docentes admitidos

no último concurso, os docentes efetivos e estáveis também tiveram dificuldades com a

composição da jornada. Uma professora compara o começo de sua carreira no início de 1990,

quando era Admitida em Caráter Temporário (ACT)87, com o momento atual:

[...] não tinha professor, então eu ficava com aulas o ano inteiro, eram aulas livres mesmo! Não era licença, não era aula temporária, tinha que pegar pro ano inteiro. Tinha que garantir meu ano! ((risadas)) Então naquela época tinham essas aulas o ano inteiro, tinham menos professores acho que efetivos, então sobravam meio picadinho, mas sobravam: um pouco aqui, um pouco ali e hoje está voltando a ficar assim picadinho. Hoje está faltando aula, está diminuindo o número de aula então o que acontece? A gente está começando a pegar picado de novo. [Professora 06]

A professora remete a uma época em que havia poucos efetivos, dessa forma, os

ACTs conseguiam atribuir aulas livres, ou seja, aquelas que não haviam sido atribuídas a

nenhum professor, diferente das aulas temporárias, que são relativas a licenças (curtas ou

longas) ou faltas. Mas o que poderia ter causado essa diminuição de aulas livres? Na presente

pesquisa, parte-se da hipótese de que há três fatores para isso: (a) os próprios concursos

86 Seria algo específico desse ano ou haveria um movimento de oscilação constante? Ou, ainda, seria algo novo que está se delineando? 87 Docentes OFAs contratados pela Lei no 500/1974, que instituiu o regime jurídico dos servidores na época.

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realizados nas duas últimas décadas pois, com mais professores efetivos, é esperado que haja

menos aulas livres; (b) a criação do Programa de Ensino Integral – PEI, do qual nem todos os

professores podem ou desejam participar88; (c) o que pode ser chamado de “reestruturação

silenciosa”, ou seja, a redução de turmas e o fechamento de salas de aulas nas escolas da SEE-

SP.

Mais adiante na entrevista, a professora relata como teve suas aulas atribuídas na

escola estudada, pois sua “sede” é outra escola. Como está em terceiro lugar na pontuação,

precisou completar a jornada em outras escolas, de modo que essa estava dividida entre três

locais de trabalho durante o ano:

Então eu tive que picar de novo. E se você vai na atribuição, veja eu sou efetiva, eu estou quase me aposentando e tive que pegar em 3 escolas! E a minha sorte é que tinha esse bloco aqui com 24 aulas porque senão, se não tivesse essa escola eu ia estar dando aula em 5 escolas! Porque tinha um pouquinho numa escola, um pouquinho em outra escola, tudo picadinho assim! Ia ficar muito mais complicado. [Professora 06]

Dessa forma, podemos observar que, além de determinar o valor percebido por

professores e professoras, a atribuição de aulas também determina, nitidamente, as condições

de trabalho e de vida dos/as docentes. Um outro professor também relata a organização da

atribuição de aulas e as incertezas que o processo, da forma como acontece, traz:

Então eu sou um professor que estou dentro dessa escola, eu sou o quarto professor da lista, então é o último que atribui as aulas, então você tem que esperar passar o rodízio para todo mundo, então você não sabe se você vai ter aula, se você não vai ter aula, que escola que você vai dar aula. Então você nunca sabe o dia de amanhã. Então isso é angustiante pro professor. Então você se dedica muito na escola, dentro daqueles alunos, então chega no final do ano, você não sabe como que vai ser seu ano pro ano seguinte. E você passa Natal, Réveillon, todas as festas de final de ano e janeiro inteiro ansioso para saber o que que vai acontecer. Então isso trava também, por exemplo, eu gostaria de voltar a fazer o curso de Ciência da Computação, mas você tem uma inscrição num período totalmente diferente do ano. Então eu não posso simplesmente chegar na Unicamp “ah, vou estudar de terça e quinta”, vai levando o curso porque lá você tem essa possibilidade... daí de repente você tem aula aqui [na escola] terça-feira à noite, então daí você tem que trancar. Então você fica travado. Então a escola pública trava o professor, isso é angustiante. [Professor 05]

88 Há um processo seletivo em duas etapas: (a) inscrição, momento no qual o docente responde um questionário avaliado para a classificação, e (b) entrevista, com avaliação do comprometimento profissional – mensurado a partir da assiduidade (sendo descontada toda e qualquer ausência, exceto férias, licença à gestante, licença-maternidade, licença-adoção, licença prêmio, serviço obrigatório por lei e convocações para ações formativas) -; e da compatibilidade do perfil do candidato com o programa e o regime de dedicação integral – avaliadas as competências definidas a partir das premissas que embasam o PEI. Os requisitos para poder se inscrever no programa são: (I) estar em efetivo exercício; (II) possuir experiência mínima de 3 (três) anos no magistério público estadual; (III) expressar adesão voluntária ao Regime de Dedicação Plena e Integral (RDPI) e (IV) ser portador de diploma licenciatura plena.

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A organização flexível da jornada de trabalho deixa professores e professoras “à

deriva”. Mesmo aqueles que podem optar por uma jornada para a atribuição de aulas do ano

seguinte não têm certeza que existirá o número mínimo de aulas na escola em que trabalham,

tendo muitas vezes de mudar de local de trabalho ou trabalhar em várias escolas. Essa

flexibilidade determina as condições de trabalho docente e incide diretamente sobre a

remuneração, desse modo, o planejamento da vida desses docentes fica, portanto, “à deriva”.

As relações entre flexibilidade e a sensação de estar à deriva já haviam sido

discutidas por Sennett (2006). No primeiro capítulo de seu livro, o autor nos conta a

experiência de um jovem casal que concretizara o “Sonho Americano” e cuja vida repleta de

mudanças por conta do trabalho fazia surgir a preocupação de que “as medidas que precisava

tomar e a maneira como tinha de viver para sobreviver na economia moderna houvessem

posto sua vida emocional, interior, à deriva (p. 19).” Isso porque o mercado global e as novas

tecnologias, características distintivas do capitalismo atual, articulam “novas maneiras de

organizar o tempo, sobretudo o tempo de trabalho (p. 21).” E essa nova organização –

imediatista e em constante mudança – leva à “experiência com a deriva no tempo, de lugar em

lugar, de emprego em emprego (p. 27).”

A concepção celular e individual que organiza o trabalho docente do ponto de

vista do Estado implica em flexibilidade. O professor não é associado a um local de trabalho,

no qual ocupa um posto de trabalho e cumpre sua jornada. Pelo contrário, seu trabalho é

reduzido à relação de ensino e, portanto, à célula: a sala de aula. Seu trabalho é ensinar

determinada disciplina, é individual, não se relaciona com as disciplinas dos colegas de

trabalho e não há projeto de educação mais amplo, construído por um coletivo de

trabalhadores na escola.

Assim, a escola é compreendida como uma soma simples das várias células, que

funcionam individualmente. A educação, por sua vez, é uma soma de conteúdos que não se

relacionam entre si. Se o projeto educacional é entendido dessa forma, faz sentido os

professores transitarem entre as salas de aula, abstraídas de qualquer relação concreta com o

espaço social em que estão inseridas e equivalentes ao salário, de forma que independe onde o

trabalho real acontece.

Essa concepção celular e individual é funcional para abrir e fechar salas de aulas

ou escolas e realocar os professores a qualquer momento. Ou seja, do ponto de vista do

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Estado, permite flexibilidade na gestão da Educação; do ponto de vista docente, significa ficar

“à deriva”.

Nas entrevistas, fica claro que os professores e professoras compreendem muito

bem a atribuição de aulas e constroem diferentes estratégias para se organizar em relação a

esse processo, pois ele diz respeito diretamente ao cotidiano. No que tange a carreira, por

outro lado, a discussão é bem mais obscura e incerta para os/as docentes entrevistados/as.

A vida cotidiana, conforme a compreensão de Agnes Heller (1970), é a vida do

homem inteiro; é, portanto, onde o professor experiencia as relações de trabalho a partir do

ponto de vista do indivíduo, com suas expectativas e projetos. Entretanto, nenhum homem

pode viver inteiramente na cotidianidade, ainda que essa seja preponderante na vida da

maioria dos homens. As contradições entre os projetos individuais e a organização do trabalho

pelo Estado, coloca o professor diante de sua relação com o trabalho enquanto pertencente à

classe trabalhadora.

A concepção celular e individual do trabalho docente também aparece nas

entrevistas com os docentes. Quando perguntados quantas horas trabalham por dia, a maioria

das respostas foi com relação às horas em sala de aula, sendo que, em sequência, faziam

referência às Atividades de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPCs)89 e à jornada de trabalho

oficialmente estabelecida.

Hoje? Semanalmente 49, É, tem mais os ATPCs dá um total de 53 horas-aula na escola. [Professora 11] Eu estou com 32 aulas... em sala de aula 32, mas dando um total de 40 [horas]. Tenho 2 ATPCs coletivos e um ATPC que eu faço individualmente, mas no total dá 40 [horas]. [Professora 02]

Entretanto, cabe ressaltar que alguns ponderaram sobre o significado de horas

trabalhadas, pois consideram o trabalho realizado fora da sala de aula e também o

deslocamento entre as escolas, como podemos ver nas falas reproduzidas abaixo de um

professor e uma professora.

89 Na escola estudada, os coordenadores do Ensino Fundamental e Médio realizavam três reuniões semanais com os docentes, cada uma com a duração de 2 horas-aula para cumprir o período de trabalho coletivo na escola. Os professores deveriam comparecer uma vez por semana em uma dessas reuniões e ficar uma hora-aula na escola por semana para cumprir o chamado “terceiro ATPC”, o qual, por um acordo, poderia ser cumprido individualmente. Para a jornada de 40 horas, é necessário cumprir 3 horas-aula de trabalho coletivo na escola.

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Olha, eu trabalho bastante. Eu tenho as aulas aqui atribuídas na escola, [mas] eu me dedico muito fora da escola! É muito desgastante porque eu procuro – como eu estou muito no início, eu não tenho aulas prontas, eu não tenho nada! Então estou correndo atrás de todo o assunto, conteúdo, procuro fazer apresentação de slides ou elaborar provas, elaborar uma coisa diversificada. Eu me dedico bastante, então eu não sei, eu chego a trabalhar fácil em aula dentro da escola e fora da escola 40 horas semanais. Eu tenho me dedicado bastante ao ensino. [Professor 05] O que é trabalhar? Estar dentro de aula? Então, se é estar dentro de aula eu trabalho umas seis horas por dia. Mas se você for ver eu trabalho muito mais do que isso porque tem que corrigir coisas, tem que preparar aula, às vezes separar algumas coisas, material e isso leva tempo! Então se você for ver... a gente está trabalhando o tempo inteiro, no fundo! Porque às vezes eu estou em um lugar, num ambiente onde alguém fala alguma coisa e eu falo “isso dá pra aproveitar na minha aula! Espera aí, deixa eu anotar”. Aí você já pega o papel e já anota e já fala “nossa, ótima ideia, maravilhosa!” Então o tempo inteiro eu estou observando tudo ao meu redor e eu não sei o que se pode contar como tempo de trabalho, mas dentro de sala de aula são pelo menos seis horas por dia, no mínimo! Tem dia que é mais. [Professora 01]

Ainda que compreendam seu trabalho para além das horas em sala de aula, ele é

sempre apresentado a partir da perspectiva individual; ou seja, a concepção celular e

individual do trabalho docente permanece: são as atividades e os deslocamentos do indivíduo

professor, realizados em função das aulas.

A referência a “trabalhar o tempo todo” também foi recorrente na pesquisa, com

uma professora que inclusive disse que não “se desligava” da sala de aula nem para dormir.

Outros professores entrevistados também citaram que iam para casa pensando no caso de

um/a estudante ou de uma turma e com isso ficavam trabalhando o tempo todo, não

conseguiam se desligar do ambiente de trabalho. Mais entrevistados citaram também que

durante as próprias atividades de lazer pensam em trabalho90.

Ferreira e Hypólito (2013) analisam que, apesar dos avanços na pesquisa sobre

trabalho docente nos últimos anos, ainda há a necessidade de aprofundamento sobre o tema

estudando os processos de trabalho e a escola como local de trabalho. Ao analisar trabalhos

apresentados em dois seminários da Rede Latino Americana de Estudos sobre o Trabalho

Docente - REDESTRADO, os autores evidenciaram a falta de definição nas concepções

utilizadas para tratar do trabalho dos professores.

Expressões como “trabalho docente” e “trabalho pedagógico” aparecem como

intercambiáveis, uso que é questionado pelos mesmos. Apontam também concepções distintas

do trabalho dos professores, que ora se restringe à atividade pedagógica em sala de aula e, em

outros momentos, aparece como uma atividade social e política, que inclui os processos de

90 Seria esse “não se desligar” uma marca do trabalho intelectual?

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gestão escolar e de relação com a comunidade; não há uma definição clara da distinção entre

o tempo de ensino e o tempo do trabalho docente. Ou seja, as pesquisas ainda precisariam

esclarecer o que constitui o trabalho dos professores, a partir da análise das atividades

cotidianas em contraste com as representações que os próprios docentes elaboram acerca de

seu trabalho.

Amigues (2004) propõe olhar para o trabalho docente a partir da atividade,

compreendida como a concepção e a organização do meio de trabalho para realizar as tarefas

prescritas pela hierarquia, sendo que

A tarefa refere-se ao que deve ser feito e pode ser objetivamente descrita em termos de condições e de objetivo, de meios (materiais, técnicos...) utilizados pelo sujeito. A atividade corresponde ao que o sujeito faz mentalmente para realizar essa tarefa, não sendo, portanto, diretamente observável, mas inferida a partir da ação concretamente realizada pelo sujeito. (Pág. 39)

Compreende, assim, atividade como uma relação entre diversos objetos

(prescrições, coletivos, regras do ofício e ferramentas) realizada por um sujeito histórica e

socialmente constituído. Ela é orientada para os alunos, mas também para a escola, para os

pais e para o executor da mesma, isto é, o próprio professor ou a própria professora. Nesse

sentido, o resultado da atividade docente não seria a aprendizagem dos/as estudantes, mas a

constituição dos meios de trabalho para que ensino e aprendizagem91 possam acontecer; dessa

forma as atividades residuais de preparação, avaliação, reelaboração, etc., constituíram-se no

cerne do trabalho docente, e não em “resíduos” do trabalho.

Esse olhar permite elucidar a relação entre tempo de ensino (trabalho em sala de

aula) e tempo de trabalho docente, colocando professores e professoras no centro da

perspectiva de análise, de modo a possibilitar perceber as contradições entre as múltiplas

determinações do trabalho docente e a síntese que professores e professoras realizam

cotidianamente em sua atividade. Para essa dissertação, focaremos na contradição entre o

trabalho prescrito (exigido pela hierarquia/imposto pelo Estado através da norma e de outras

formas) e o trabalho real, que os docentes consideram como constituinte de seu trabalho.

91 O autor chama a atenção que os processos de ensino e de aprendizagem são distintos e tem temporalidades próprias. O professor organiza os meios de trabalho coletivos para que os alunos tenham contato com o objeto de conhecimento, ferramentas e etc. dentro do tempo de ensino que ele dispõe. A elaboração e reelaboração do conhecimento é um processo do aluno, que está para além do tempo do ensino.

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Relações de determinação no trabalho docente

De forma geral, o trabalho docente é compreendido como somente aquele que se

destina, estrito senso, às atividades de ensino face à classe. Sua jornada é organizada, no

estado de São Paulo, em três blocos: o primeiro, as aulas propriamente ditas; o segundo, as

Atividades de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC) coletivas realizadas na escola e o

terceiro de Atividades de Trabalho Pedagógico individual realizado em local de livre escolha,

como pode ser observado na página 72 deste capítulo. Além desse trabalho, que poderia ser

considerado como reconhecido pela sua remuneração - ainda que seja insuficiente, de difícil

mensuração e considerado “residual” - os/as docentes realizam uma série de tarefas que não

consideram como constituintes de seu trabalho – e que muitas vezes negam como sendo parte

do trabalho – mas que o Estado lhes impõe. De que forma?

Na escola onde realizei a pesquisa de campo, o horário de trabalho coletivo

(ATPC) acontecia como um encontro de formação entre docentes e coordenação. A

coordenação organizava a reunião e propunha a temática a partir dos cursos de formação

(obrigatórios) da SEE-SP. Nos encontros, foram discutidos diversos temas, como o

desenvolvimento de projetos multidisciplinares; fatores extraclasse que influenciam a

aprendizagem (especialmente as condições socioeconômicas) e aplicação de questionário para

conhecer o perfil e interesse dos alunos; formas de avaliação; adaptação curricular, levando

em conta alunos de inclusão no planejamento de aulas; o uso de Tecnologias de Informação e

Comunicação (TICs) em sala de aula; diversidade, etc.

Todos os temas discutidos em ATPCs apontam para uma tentativa de influenciar o

processo de trabalho docente, por exemplo, buscando determinar do ponto de vista técnico

como os/as docentes devem avaliar seus/suas estudantes; do ponto de vista teórico, como

professores e professoras devem compreender seus/suas estudantes. Entretanto, no aspecto

formativo, esse é um trabalho de convencimento dos professores e das professoras da escola,

ou seja, a autonomia relativa dos/as docentes é perceptível. É evidente que há uma relação de

poder em questão quando a coordenação da escola coloca as possibilidades de como os/as

docentes poderiam e, até certo ponto, deveriam realizar suas avaliações, como preparar aulas,

etc.; porém não há uma perspectiva de controle de como os/as docentes efetivamente o fazem.

No entanto, em uma outra reunião de ATPC, o coordenador estava discutindo com

os professores para que eles entregassem no início de cada bimestre um planejamento de

aulas, para que se pudesse verificar, ao final de cada bimestre, se o docente cumpriu com o

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planejado. Era o reforço de um pedido anterior que não estava sendo cumprido. Os docentes

estavam claramente incomodados com a perspectiva, questionavam o que aconteceria se eles

não cumprissem o planejamento proposto, se houvesse mudanças ao longo do bimestre, etc.;

pois o trabalho é bastante imprevisível.

O coordenador pareceu desistir de receber os planejamentos de todos os docentes,

mas, ao passar para o próximo tópico da reunião, o clima não melhorou. Foi pedido que os

coordenadores assistissem algumas aulas de cada professor ou professora e produzissem um

relatório para a diretoria de ensino. Novamente foi possível perceber resistência por parte dos

professores, ao mesmo tempo em que foram mais facilmente convencidos a permitir a entrada

dos coordenadores, pois pareciam confiar mais na própria aula e, portanto, não pareceu tão

problemático o pedido.

Há, portanto, políticas que procuram controlar o trabalho docente e que impõem

tarefas aos mesmos. Foi proposto, durante uma das primeiras reuniões de ATPC que

acompanhei, que os professores desenvolvessem um planejamento de aulas

multidisciplinares: deveriam juntar-se com colegas de disciplinas distintas para desenvolver

tal planejamento. O primeiro impasse foi que os professores não teriam tempo ou espaço para

um planejamento conjunto, de forma que ficou decidido que eles fariam isso durante as

reuniões de ATPC dessa semana e da seguinte. Como são muitos docentes na escola, as

reuniões de ATPC acontecem em três horários durante a semana, de modo que os docentes

estão distribuídos entre eles. Assim, alguns docentes juntaram-se ali mesmo para realizar o

planejamento e outros iniciaram o trabalho sozinhos e discutiriam o planejamento em outro

momento com um/a colega que não estava presente. Uns pareceram empolgados com o

planejamento de aulas multidisciplinares e logo começaram a trabalhar, enquanto ficou clara a

resistência de outros.

A proposta tinha por objetivo melhorar o desempenho dos estudantes da escola

nas habilidades e nos conteúdos da Avaliação de Aprendizagem em Processo92, de modo que

alguns professores não viam ligação entre sua disciplina e a participação no projeto. Assim, o

coordenador passou uma parte da reunião apresentando a plataforma digital na qual está

registrado o desempenho dos/as estudantes nas últimas edições dessa avaliação para que os/as

docentes pudessem então realizar o planejamento de aulas multidisciplinares tendo em vista a

92 É uma prova diagnóstica aplicada duas vezes ao longo do ano letivo, em fevereiro e agosto, para alunos a partir do 2º Ano do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental e todos os anos do Ensino Médio. O caderno de perguntas é formado por uma redação e questões dissertativas e de múltipla escolha de Língua Portuguesa e Matemática, tendo como base o conteúdo do Currículo Oficial do Estado de São Paulo.

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melhora desse desempenho. Durante a apresentação, o coordenador foi questionado, passando

parte dela argumentando que as habilidades exigidas (como interpretação de texto, resolução

de problemas e etc.) poderiam ser trabalhadas em várias disciplinas para além de Língua

Portuguesa e Matemática. Não obstante, uma das professoras de Matemática questionou a

relação entre as habilidades averiguadas pela avaliação e o próprio conteúdo da disciplina.

De acordo com PEROSA e ALMEIDA (1998), a literatura que estuda o “fracasso

escolar” construiu ao longo do século XX distintas explicações para o fenômeno. Nas décadas

de 1960 e 1970, anos de universalização da oferta de vagas na escola pública no Brasil, era

dominante na literatura a ideia de que a educação pública básica estaria com índices ruins

(especialmente com altas taxas de evasão e defasagem idade-série) por conta de

características sociais ou psicobiologias dos alunos. Na década de 1980, entretanto, as autoras

observam um deslocamento do eixo explicativo do “fracasso escolar” como resultado da

prática docente: a percepção de que a escola excluía sistemicamente estudantes advindos das

classes populares levou à ideia de que os professores excluíam esses estudantes em sua prática

e sua relação com os mesmos.

A compreensão dessa literatura era de que os novos professores, em sua grande

maioria oriundos de classes populares e com formação nas escolas públicas e, em seguida, em

instituições de ensino superior privadas, não teriam a formação adequada para a prática

docente na escola pública universalizada. Partindo desse pressuposto, a SEE-SP promoveu – e

ainda promove – políticas de formação continuada para professores e professoras da educação

básica93, visando “compensar” a má formação inicial94. Além disso, realizou, em 2007, uma

reforma curricular, instituindo o programa São Paulo Faz Escola, que tem por objetivo

unificar o currículo escolar através da implantação do Currículo Oficial do Estado de São

Paulo. Visando garantir uma base comum de conhecimento e competências para todos os

professores e alunos, o programa distribui um material didático estilo cartilha, conhecido

como “caderninho”, de modo que os professores que não têm a “formação adequada” podem

ministrar aulas a partir deste material95.

93 Nos anos do escopo da pesquisa – 1983 a 1997 – as políticas de formação continuada contavam com linhas especiais de financiamento do Banco Mundial, além de parcerias com universidades públicas e instituições privadas de ensino (de todos os níveis) tanto na formulação como na implementação das políticas. 94 As políticas de formação continuada pautam-se também na suposta necessidade de atualização constante em um mundo em que as técnicas e os conhecimentos desenvolvem-se muito rapidamente. 95 Cabe ressaltar que parte significativa do quadro do magistério é composta por docentes em contratos temporários, os quais ministram aulas de diversas disciplinas, inclusive fora da área de formação. Além disso, podem ser contratados professores em processo de formação em licenciatura ou não.

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Os docentes, no geral, reconhecem a importância de ter disponível um material

didático, como o “caderninho”, pois já trabalharam sem material nenhum. No entanto, uma

professora avaliou negativamente a forma como foi implementado, sentindo-se desrespeitada.

Eu considero que a gente saiu de um modelo muito tradicional, aquele até que eu fui formada e que eu iniciei minha carreira e a gente teve que se adequar a um monte de coisa. Eh... é outra aula hoje, é outra! Esse material mesmo, esses cadernos do aluno [...] eles vieram assim, caíram na nossa cabeça eu acho uma falha muito grande, nós não tivemos um treinamento, um nada! [Professora 18]

E mais adiante na entrevista, a professora reflete sobre o material.

Eu gosto do material, eu considero um bom material, eu acho que é bem de acordo com o momento mesmo, de uma aula mais dinâmica, deles produzirem muito mais do que ficarem ouvindo uma aula expositiva, eh... tem um eixo de trabalho muito bom. Mas foi difícil aceitar a proposta, até mesmo por não ter recebido nenhum treinamento [...]. Eu gostaria que ele tivesse mais conteúdo, eu preciso muito eh complementar, eu acho que ele podia ter mais conteúdo, mas eu acho a proposta boa, eu gosto dele. [Professora 18]

Uma outra professora, por sua vez, questiona o material e sua intencionalidade.

Então eu acho que não tem nenhum interesse das políticas de melhorar a Educação. Eles têm que melhorar os índices né? Então aí melhora os índices como? Manda umas provas que é pra verificar se os professores usam o caderninho! Olha que ridículo isso! Não é? Olha que ridículo! Oh o ponto que eles chegam: fazer uma prova pra ver se o professor tá seguindo o material que ele [governo do estado] julga que é importante! Eu queria ver um professor de Matemática usar o caderninho! Então parece que o interesse é esse, então usa o caderninho e deixa um baita de um buraco no aprendizado dos alunos. Porque se você seguir o caderninho você vai deixar várias lacunas ali de conhecimentos Matemáticos que seriam necessários. [Professora 11]

Desde 2011, foi instituída a política de avaliação em processo, delineando-se,

assim, uma perspectiva de controlar o trabalho docente: verificar se os professores estão

cumprindo o conteúdo do material didático (estilo cartilha) fornecido pela SEE-SP. Isso

visando melhorar o desempenho dos alunos em exames de avaliação externa96, melhorando os

96 Ao longo das décadas de 1990 e 2000 novos índices para medir a qualidade da educação foram desenvolvidos; para além das convencionais taxas de evasão e defasagem idade-série, as avaliações externas de desempenho de estudantes, especialmente em Matemática e Língua Portuguesa, instituíram-se como protagonistas da avaliação da qualidade educacional e, por conseguinte, consolidaram-se como os principais norteadores das políticas públicas em educação. No estado de São Paulo foi criado, em 1996, o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Para aprofundar a discussão acerca das políticas de avaliação ver FREITAS (2004).

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índices educacionais da escola – o que pode trazer recursos para a escola e para os professores

na forma de bônus – e da SEE-SP.

Essa perspectiva reforça a noção de cumprimento de metas, cobrança de

resultados, mensuração do aprendizado e de mérito, através de políticas de

punição/recompensa. LAVAL (2009) observa que a influência dos valores da esfera privada

foi grande nas décadas finais do século passado e, em consonância com eles, as políticas

educacionais foram desenvolvidas a partir de critérios desta esfera: desempenho em avaliação

externa, possibilidades de comparação, competitividade, cumprimento de metas, mensuração

e quantificação do conhecimento e definição de importância de certas áreas do conhecimento

em detrimento de outras.

Um último exemplo, por sua vez, causou um embate direto com os gestores da

escola. A Resolução da Secretaria Escolar Digital97 instituiu uma plataforma online na qual os

professores deveriam inserir as notas e as frequências do/as estudantes ao final de cada

bimestre. Nas reuniões de ATPC que se seguiram ao informe da resolução, os professores

questionaram e pressionaram a coordenação, sendo necessário até que a direção da escola

participasse. A discussão entre os docentes era de que eles não deveriam fazer esse trabalho

de inserção digital das notas, pois já registravam tudo nos diários de classe, sendo que caberia

a um funcionário/a da escola fazê-lo. A direção argumentava que a falta de funcionários

impedia que o trabalho fosse realizado pelos mesmos e que, portanto, caberia aos próprios

docentes fazê-lo. Os professores questionavam em que momento deveriam fazê-lo, pois

também tinham muito trabalho. A postura final foi de que não aceitariam levar mais trabalho

para casa, sendo que deveriam então usar os horários de ATPC para a inserção das notas na

plataforma, acordo que foi acatado pela direção e pela coordenação.

Dessa forma, na escola estudada, o ATPC era um espaço de trabalho, com ênfase

na formação, no qual professores inseriam as notas no novo sistema, corrigiam atividades e

atribuíam notas no final do bimestre, entre outras tarefas que podemos associar às atividades

“residuais” do trabalho docente. Além disso, a Avaliação de Aprendizagem em Processo foi

aplicada e corrigida por eles. No final, as notas também foram inseridas na plataforma digital

pelos mesmos, durante o horário de ATPC, pois, devido ao número de alunos da escola, não

97 Resolução SE 36, de 25 de março de 2016. Institui, no âmbito dos sistemas informatizados da Secretaria da Educação, a plataforma “Secretaria Escolar Digital”, onde deverão constar os dados de avaliação e frequência dos alunos, atualizados bimestralmente, disponíveis para o acompanhamento dos quadros gestores e dos pais ou responsáveis.

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haveria tempo hábil para que os dois coordenadores inserissem todas as notas na plataforma

digital nos prazos estabelecidos pela SEE-SP.

Dal Rosso (2008) analisa o processo histórico de intensificação do trabalho,

considerando que o grau de intensidade, constituinte do trabalho concreto, é definido pelo

conflito entre capital e trabalho. No contexto neoliberal de flexibilização das leis trabalhistas,

com redução do poder sindical e dos acordos coletivos seguindo os novos princípios de

organização do trabalho, o autor observa a intensificação do trabalho e aponta para a

necessidade de mais estudos tratando do tema, pois cada setor da economia apresenta graus

diferentes de intensificação e dinâmica própria. O autor diferencia a produtividade, que seria

o aumento de resultados do trabalho no mesmo tempo, da intensidade, referente ao aumento

ou redução de dispêndio de energia no trabalho. Ou seja, a intensidade do trabalho diz

respeito ao trabalho concreto, que mobiliza força física, emocional, psíquica e intelectual no

processo de trabalho.

Ao analisar a intensificação do trabalho no início do século XXI, o autor define

alguns principais instrumentos de intensificação: (1) o alongamento da jornada de trabalho,

(2) ritmo e velocidade, (3) acúmulo de atividades, (4) polivalência, versatilidade e

flexibilidade e (5) gestão por resultados. Esses não são observáveis em todos os setores da

economia com a mesma relevância, pois, a intensificação do trabalho é um processo altamente

heterogêneo, sendo que os setores capitalistas mais recentes (bancos, comunicação,

transportes, serviços privados de saúde e educação, etc.) são aqueles em que o processo é

mais perceptível, seguidos dos serviços públicos; nos setores mais tradicionais (construção

civil, emprego doméstico, comércio, etc.) lentamente a intensificação começa a ser percebida.

O alongamento da jornada é explicado principalmente a partir das horas extras no

setor privado, de acordo com o autor, levando em consideração que ainda havia alterações nas

leis trabalhistas. Entretanto, entre os professores da escola pública em São Paulo, o

alongamento da jornada se dá mediante possibilidade legal de acúmulo de cargos98 e o

trabalho realizado pelo professor fora da escola.

Segundo a pesquisa do autor, a educação foi o setor que apresentou maior

resistência às medidas de intensificação de ritmo e velocidade, especialmente por sua

dinâmica própria no que tange ao tempo do ensino. Entretanto, todas as atividades para além

98 Decreto n° 55.078/2009, regulamenta a acumulação remunerada de dois cargos docentes ou de um cargo de suporte pedagógico com um cargo docente com o limite de 64 (sessenta e quatro) horas semanais para a carga horária total do acúmulo.

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da sala de aula são perfeitamente passíveis de intensificação de ritmo e velocidade. Além

disso, podemos observar também um grau de intensidade altíssimo de trabalho imposto no

que tange o número de alunos. Se compreendemos o trabalho docente como a atividade

realizada por eles, transitando entre as prescrições e sua relativa autonomia para lidar com as

mesmas, é possível perceber o movimento de sua intensificação também, conforme descrito

nas tarefas exigidas de professores e professoras acima, como a digitação de notas. Isso

porque as novas tarefas impostas só podem ser realizadas pelos docentes através do

alongamento da jornada de trabalho, levando o trabalho para casa, e do aumento do ritmo e

velocidade da realização das tarefas na mesma jornada.

Além disso, conforme Dal Rosso (2008), a não contratação de novos funcionários

leva ao acúmulo de atividades e tarefas daqueles que estão empregados. Na escola, a falta de

trabalhadores técnico-burocráticos conduz a práticas de acúmulo de tarefas por parte dos

trabalhadores que estão ativos e, consequentemente, também, à polivalência99. Os docentes

realizam, então, tarefas que não são suas, de acordo da divisão do trabalho tradicionalmente

praticada na escola. Dessa forma, o governo economiza recursos com contratação e as tarefas

continuam sendo cumpridas através da intensificação do trabalho.

Na escola, há ainda um calendário de atividades culturais a serem cumpridas. Ao

final do segundo bimestre acontece a festa junina da escola, voltada somente para a

comunidade interna (estudantes, docentes e funcionários). A festa ocorre nos três períodos

que a escola tem aula (manhã, tarde e noite), mas não ocupa o período completo. Quem

organiza é a própria comunidade, ou seja, é parte do trabalho dos professores.

Estava sendo discutido, também nas reuniões de ATPCs, a organização da Feira

Cultural e Científica, que acontece no segundo semestre letivo. O projeto da feira foi

discutido na reunião de planejamento no início do ano e será discutido novamente na reunião

de replanejamento; os temas são do tratado de paz da Organização das Nações Unidas –

ONU. Cada professor é coordenador de uma sala, pela qual é responsável, e deverá

desenvolver o projeto com a respectiva turma. O coordenador entregou, então, uma lista para

que os/as docentes preenchessem com o tema e a proposta de projeto que desenvolveriam

para a feira. Professores e professoras começaram a conversar entre si para ver os temas e

trocaram experiências e estratégias para lidar com o acúmulo de trabalho. Uma das sugestões

99 Polivalência é, para o autor, a capacidade de realizar diversos trabalhos dentro do mesmo tempo, ou seja, mais trabalho dentro da mesma jornada.

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era escolher um tema que permitisse aproveitar algum projeto já em desenvolvimento com a

turma para apresentar na feira.

Por fim, Dal Rosso (2008) compreende que a cobrança por resultados impõe uma

pressão interna e/ou externa para o trabalhador por mais trabalho, sendo, portanto, uma forma

de intensificação. Em geral, o cumprimento de metas é atrelado a formas flexíveis de

remuneração, como o bônus. Coloca-se assim a perspectiva de punição/premiação como

princípios da gestão.

Segundo Hypólito (2011), as novas formas de gerenciamento trouxeram várias

mudanças para a Educação pública, modificando-a em diferentes aspectos: a formação, o

processo de trabalho, a organização escolar, a gestão, o currículo. Ao submeter as escolas ao

mercado, precarizou-se e intensificou-se o trabalho docente. Entretanto, ao se observarem os

índices educacionais, a melhoria é pouco significativa e dificilmente justifica todas as onerações

que o Estado assumiu. A única lógica explicativa é a redefinição do controle, o qual, segundo o

autor,

[...] não é mais realizado com supervisoras cotidianamente fiscalizando o trabalho docente, mas é efetivado na escola com uma vigilância externa, via controle curricular e gerencial. Os exames padronizados, os sistemas de avaliação e os índices de desempenho regulam o que deve ser ensinado e como deve ser ensinado. Os livros didáticos, os PCN, as grades de competências e outros materiais são o guia distante, mas efetivo, para orientar todas as práticas de ensino no cotidiano escolar. No entanto, isso não seria suficiente se não houvesse alguma estratégia para melhor avaliar o professorado. Para isso, além das reformulações curriculares nos cursos de formação, mais voltadas para a construção de currículos práticos, tem havido tentativas – até agora fracassadas – de criar provas para avaliação e certificação da docência. Por outro caminho, isso pode ser obtido via avaliação docente nos próprios sistemas, com estágios probatórios e modelos de carreira mais flexíveis, sem estabilidade, com contratação temporária. (Id. ibid. p. 15)

Há, portanto, um esvaziamento de sentido do trabalho docente, transformando-o

em protocolo burocrático e tirando a capacidade de decisão do próprio docente acerca do

conteúdo e da forma de seu trabalho, o que ele considera importante ser trabalhado, ou não, a

forma de avaliar, etc.

A última reforma curricular realizada pelo governo de São Paulo, com a

distribuição do material estilo cartilha, justificado oficialmente pela inadequação da formação

de seus trabalhadores docentes, somada à falta de funcionários técnico-administrativos,

delineia um processo de intensificação e alienação desse trabalho. Os docentes procuram

resistir, individualmente, e enquanto um pequeno coletivo na escola: opõe-se a realizar as

tarefas burocráticas, negociam o horário de trabalho, não entregam os planejamentos, fazem

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de conta que estão realizando os trabalhos multidisciplinares, as feiras culturais-científicas,

entre outros projetos que, muitas vezes, não têm sentido para eles.

Ao mesmo tempo em que a jornada de trabalho é organizada a partir de uma

concepção celular e individual do trabalho docente, tomando como base a sala de aula e o

ensino, o trabalho realizado por professores e professoras durante essa jornada ultrapassa, e

muito, essa perspectiva. É quando essas contradições aparecem que a dimensão da subsunção

formal coloca em evidência a relação mediada pelo pertencimento à classe. No cotidiano,

professores e professoras realizam seu trabalho docente enquanto atividade relativamente

autônoma; no entanto, em sua relação com o Estado, nas horas em que está “disponível” para

o trabalho, deve realizar aquilo que lhe é demandado.

Desse modo, a autonomia docente esbarra em seus limites estruturais: as

determinações do conteúdo do trabalho vêm – ou parecem vir – através do Estado (norma),

ainda que a sua determinação real esteja na relação capital-trabalho.

Diferentemente de considerar a esfera dos direitos como momento livre de determinações do modo de produção – ou até como uma oposição ao capital, como é tomado em alguns casos –, a apresentação das relações entre trabalho e educação exige enfrentar suas próprias contradições. Ou seja, a forma de relação social estabelecida entre o Estado e o direito não como o “outro do capital”, mas como forma derivada de suas relações de propriedade, e que, ao mesmo tempo, implica em resistências para a realização plena do capital. (CATINI, 2016, pág. 279)

Assim, ainda que a Escola enquanto forma de educar capitalista coloque uma

formalidade das relações que

[...] impõe uma abstração das diferenças, uma homogeinzação de práticas dirigidas universalmente para todos, sem consideração para a qualidade das relações. É sobre esta igualdade formal que se dão as relações educativas concretas, que são particulares e se distinguem como processos educativos atomizados, mas que devem mover-se em um quadro pré-definido que implica numa continuidade de tais relações, socialmente determinadas. (CATINI, 2013, pág. 8)

A compreensão do professor como trabalhador pressupõe uma leitura de relação

social dinâmica: as imposições do Estado, resultados de disputas e determinações “para além

dos muros da escola”, encontram ainda resistência, não só de forma organizada, mas também

no cotidiano, nas práticas e costumes, e nos “modos de fazer”100 dos docentes.

Thompson (1998) adota uma concepção de costume, no singular, que pode ser

compreendido como uma categoria sui generis; o costume como um campo de disputa no qual

100 Referência a Certeau (2009).

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se apresentam reivindicações conflitantes, como um espaço para a mudança. O autor discute

que na Inglaterra da Revolução Industrial (século XVIII), a cultura tradicional da plebe se

constituiu também como forma de resistência à racionalização e às inovações da economia

capitalista em formação. No capítulo “Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial”,

o autor demonstra como se deu a mudança do tempo orientado pela tarefa para o tempo

orientado pelo relógio, necessário ao trabalho no capitalismo, devido à subdivisão complexa

dos processos produtivos e do grau de sincronização impostos pela nova forma de produção

social.

O que estamos examinando neste ponto não são apenas mudanças na técnica de manufatura que exigem maior sincronização de trabalho e maior exatidão nas rotinas do tempo em qualquer sociedade, mas essas mudanças como são experienciadas na sociedade capitalista industrial nascente. Estamos preocupados simultaneamente com a percepção do tempo em seu condicionamento tecnológico e com a medição do tempo como meio de exploração da mão-de-obra. (Id. Ibid., p. 289)

Entretanto, a cultura tradicional da plebe apresenta-se em sua contradição, como é

característico dos séculos da revolução industrial: em nome do costume, resiste às inovações

da economia; para legitimar seus protestos e se contrapor à modernização, retoma os

costumes da sociedade autoritária e paternalista em transformação. E o que é específico da

resistência em nome do costume da plebe, observa o autor, é seu caráter não sistemático e sem

apelo à “razão”; no lugar do discurso, aparecem as sanções por meio da força, da

ridicularização, da intimidação, etc. A cultura hegemônica, imposta pelos governantes através

da lei, encontra seus limites no funcionamento cotidiano, dentro e fora da fábrica.

O autor demonstra como os trabalhadores resistiram ao ritmo de trabalho imposto

pela indústria, contrário à alternância de momentos de atividade intensa e de ociosidade de

quando estes detinham o controle sobre a vida produtiva. Um exemplo emblemático da

Inglaterra do século XIX é a “Santa Segunda-Feira”, normalmente seguida pela terça-feira,

dias nos quais os artesãos não trabalhavam, ficavam bebendo nos bares da cidade, o que

causava indignação por parte dos capitalistas e cobranças das mulheres – já que a divisão de

trabalho instituída pela sociedade em formação não dava opção, as mulheres precisavam do

dinheiro para comprar roupa, comida, etc. Somente com a introdução das máquinas à vapor e

a institucionalização da lógica de consumo, é que essas formas de resistência foram sendo

quebradas. No entanto, sabemos que o que se seguiu historicamente foram novas formas de

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resistência, com ações contra as máquinas, como o ludismo, o cartismo e a constituição do

movimento sindical101.

A escola estudada é considerada de excelência do ponto de vista dos docentes.

Eles mantiveram durante anos um coletivo de trabalho relativamente coeso e que realizava

discussões acerca do sentido do trabalho na escola e do projeto político-pedagógico. Nas

entrevistas, fica claro que um novo momento está se delineando.

Assusta um pouco pra quem estava aqui e via uma outra escola, entende? E agora assim as mudanças acontecem, a gente tenta segurar um pouco algumas coisas que acreditamos ser ainda válido, importante. [Professora 18] Então é uma leva de professoras que também tá há bastante tempo na escola, que estão mais desanimadas agora por ver toda essa trajetória que tá acontecendo assim, essa mudança muito radical da escola. [...] Quando a Diretora saiu, quem ficou no lugar dela foram os professores que vinham vindo dessa situação. [...] Ela [a diretora] tentou segurar algumas coisas, mas ali ela já perdeu o nosso momento pedagógico que era o encontro que nós tínhamos todos os dias, que era uma reunião diária entre os professores que eram 15 minutinhos, mas que eram 15 minutos preciosos! Já ali tentar resolver o problema pra não adiar muito, então na perda desse momento pedagógico foi quando a escola começou a perder muitas coisas. [Professora 11]

Por conta de uma série de políticas da SEE-SP e da organização do trabalho

docente, a antiga diretora e as coordenadoras, que estavam há anos na escola construindo uma

política que garantia essa excelência, deixaram os cargos. As mudanças que ocorreram com a

saída dessa diretora são avaliadas, em geral, como ruins. A reorganização do coletivo de

trabalho é experienciada, entretanto, de maneira distinta pelos docentes. O grupo de docentes

mais antigo na escola parece ser o que sente mais essas mudanças, pois para além da falta de

recursos, eles sentem muita diferença no respaldo que tinham com a diretora antiga.

Eu acho que a escola tá ganhando muita liberdade e eu já vivi aqui – eu sei que os tempos são outros, o perfil dos alunos mudou, as pessoas estão cada vez mais informadas e lutam pelos seus direitos e eu acho isso muito legal, muito bom! Mas eu ainda acho que o próprio sistema devia ser um pouco mais rigoroso, atender mais a essas necessidades que depois eles serão cobrados lá fora. Como por exemplo, pode parecer bobo e principalmente pra você que está aí entrando nesse meio eu acho que pode chocar um pouco, mas eu ainda – eu faço parte de uma outra geração, tô aposentando, mas eu ainda acho muito válido essa questão do boné, essa questão do uniforme, do respeito aos horários, eu acho que são coisas tão pequenas e que é o começo de tudo, é segurando nessas coisas, eu acredito nisso! Não sou dona da verdade não, eu acho que tem pessoas com outras visões e que também eu procuro entender, mas que... eu acho que nessas pequenas coisas você segura um monte de outras sabe? Como eu digo pra eles eu me sinto desrespeitada se o aluno está de boné! Não que ele vai aprender mais, aprender menos, eu sei que não interfere absolutamente em nada, mas me incomoda. Me incomoda

101 Ver THOMPSON, E. P. A Formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002-2004.

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porque eu acho que isso aqui é uma repartição pública, e nem que não fosse que fosse particular no meu caso me incomodaria não sei se eu teria tanta autonomia pra lidar como eu lido aqui. [...] Mas eu peço pra eles tirarem o boné ao entrar na sala, porque se ele for falar com o juiz ele não vai de chinelo de dedo, de bermuda e boné na cabeça e chamando o juiz de mano! Ou “véio”! Então eu acho que isso é preparar mesmo pra vida do mais global possível. [Professora 18] Então essa escola ela é... ela é um pouco diferenciada. Então assim, eu que tô aqui há 11 anos tô muito sentida hoje com o rumo que a escola tá pegando. Então, porque eu venho de uma geração onde 90, 95% dos professores falavam a mesma linguagem. Então todo mundo se comunicava da mesma maneira. Então a escola tinha regras muito rígidas, éramos todo mundo, um corpo docente extremamente comprometido, então uma diretora que era realmente muito séria, muito responsável com a Educação e aquela coisa da disciplina, eu preciso de disciplina para que as coisas aconteçam, pra que o aluno aprenda. Então era muito rígida essa coisa da disciplina. Então assim, há sim a necessidade das coisas se tornarem um pouco mais maleáveis, então você cede um pouco, só que agora você começou a ceder um pouco, cedeu, cedeu, daí agora você cedeu demais! [ ...] Só que pra mim eu acho que a parte da disciplina hoje tá deixando muito a desejar, porque querendo ou não escola você ainda tá ligado a uma disciplina porque você tem 40 dentro de uma sala, se eles não tiverem uma disciplina, o respeito àquele ambiente, as coisas ficam como terra de ninguém! Cada um faz aquilo que quer, o que pode, e assim vai, não é? Então essa parte pra mim... [Professora 11]

Por outro lado, o grupo de docentes mais novos na escola – e grande parte dele

com menos tempo de magistério – avalia de forma bastante positiva a postura da nova

administração, sendo considerada um diferencial.

Uma outra coisa: essa escola nos deixa muito livres pra trabalhar, é claro que a gente segue o currículo como [o estado de] São Paulo nos pede, mas mesmo assim eu acredito ainda que a escola nos dá muita liberdade de trabalho e acho isso faz com que o professor consiga desenvolver uma aula, fazer com que os alunos se envolvam cada vez mais. Então eu acredito que isso é muito bom [Professor 12]

Mesmo entre os que estão há mais tempo, há contradições, eles entendem que a

postura da diretora garantia a qualidade de suas aulas, mas admitem a falta de abertura e a

necessidade de um diálogo maior com os docentes. No entanto, sentem-se inseguros em

relação a nova postura da equipe gestora.

Estamos com gestão nova, tanto a diretora quanto os coordenadores. Isso exige de nós um pouco de paciência e tolerância às mudanças, pois são liberais demais para o padrão “linha dura” em que estávamos acostumados. [Professora 03]

A escola está passando por um momento de transição e essa experiência é diversa

para os professores e as professoras. Negociações estão sendo feitas no sentido de

(re)construir o coletivo de trabalho docente.

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Considerações de final de capítulo

A organização da jornada de trabalho pelo Estado constroi uma concepção de

trabalho docente celular e individual. É reduzida à relação com a sala de aula e ao ensino, sem

relação com o local de trabalho. Dessa forma, fica esvaziada qualquer possibilidade de sentido

coletivo do trabalho docente e não há visão de totalidade.

Essa forma de organização deixa os docentes “à deriva”, uma vez que seu salário

é flexível, o número de horas de trabalho é flexível, a jornada é flexível, o local de trabalho é

flexível, o período de trabalho é flexível e o conteúdo do trabalho é flexível.

Professores e professoras relacionam-se com a jornada de trabalho do ponto de

vista individual e, dessa forma, não veem possibilidades de ser de outra forma. Constroem

estratégias variadas para lidar com as incertezas a qual são submetidos, mas sua forma de

atuação aparece limitada a uma auto-organização do tempo e de escolhas individuais. Cada

um lida com possibilidades diferentes de constituir a jornada de trabalho de acordo com o seu

contrato e de desempenho meritocrático, de modo que é encarada como resultado do esforço

individual e, portanto, não se trata de uma organização coletiva.

Assim, há uma naturalização da forma de contratação e, portanto, da subsunção

formal, no que tange a jornada de trabalho. No entanto, no tocante às relações de trabalho

concretas e às contradições entre o trabalho real e o prescrito, a resistência aparece, mesmo

que muitas vezes com caráter conservador, partindo da divisão do trabalho na escola e das

práticas estabelecidas.

A nova direção ela é muito de lei, entendeu? A antiga direção era naquilo que ela achava correto [...] então todas as regras que nós tínhamos na escola era tudo muito bem pautado. [...] Hoje a direção não tem essa postura de ter essas situações de compromisso [...] então a gente até brinca “antes não podia, agora pode” [Professora 11]

Há, então, um contraste entre a administração anterior, considerada “linha dura”,

que se pautava no compromisso e na disciplina, com a administração atual, que se pauta na

legislação. A administração “linha dura” conseguia fazer resistência institucionalmente às

mudanças nas políticas educacionais, mas ao mesmo tempo era conservadora na condução da

escola e os próprios professores sentiam que não tinham espaço de negociação. A nova

administração é mais aberta às demandas dos docentes, entretanto, alguns não se sentem

respaldados como se sentiam com a forma de administrar anteriormente. Além disso, não há

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resistência institucional às políticas educacionais praticadas pela SEE-SP, essa fica restrita à

negociação com os docentes na escola.

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CAPÍTULO IV– PERMANÊNCIA E ABANDONO NO MAGISTÉRIO

Lapo e Bueno (2003), em seu estudo sobre o abandono do magistério público

paulista102, evidenciaram que os baixos salários constituíram o fator preponderante na decisão

de saída da docência, no entanto, não apareceu como um fator isolado na maioria dos casos;

as precárias situações, a insatisfação no trabalho e o desprestígio profissional – combinados à

baixa remuneração – apareceram como os principais fatores que levaram os docentes a

deixarem a ocupação.

Segundo a maioria dos depoimentos coletados pelas autoras, professores e

professoras não escolheram a docência, mas era a ocupação possível e, nos primeiros anos,

parece haver um encantamento pelo magistério, em seus aspectos sociais e econômicos: os

docentes empenham-se em realizar seu trabalho da melhor forma possível, apesar das

adversidades. O abandono acontece quando as relações com a organização do sistema

educacional, especialmente com a escola como local de trabalho, a relação com o contexto

social da escola e as relações com os colegas de trabalho, pais, alunos e direção colocam-se

como impedimento para a realização do trabalho docente.

Por exemplo, eu acho que eu estou ainda porque eu estou numa escola em que eu consigo fazer meu trabalho. Porque se fosse pra eu chegar aqui, sentar e falar “olha pessoal, fica quieto. Faz aí, mas fica -” eu já tinha saído! Eu não sei trabalhar de outro jeito. Eu já entrei em escolas que eu não conseguia trabalhar e foi o ano que eu pensei que eu ia desistir. Então quando eu falo que eu acho que eu não sei se eu vou estar aqui é porque se eu me deparar com essa situação que eu não seja mais uma professora, eu prefiro sair. Fazer qualquer coisa. [Professora 04]

Todavia, o abandono não acontece repentinamente, mas a partir de muitas etapas e

conflitos até que o professor ou a professora decida, de fato, abandonar a escola pública ou a

própria docência. Até que o abandono definitivo aconteça, os professores e as professoras

utilizam uma série de mecanismos de afastamento físico ou psicológico do local de trabalho,

que as autoras nomearam como abandonos temporários e abandonos especiais. Os abandonos

temporários caracterizam-se por faltas, licenças curtas e licenças sem vencimento, que

permitem o afastamento físico do local de trabalho para que o professor ou a professora possa

melhorar suas condições de saúde física e mental.

102 O estudo abrange o período de 1990-1995, quando houve um aumento de 300% nos pedidos de exoneração no magistério público em São Paulo, com destaque para os índices da capital.

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As autoras discutem então dois tipos de abandono especiais. Por vezes, os

docentes podem optar pela remoção103, para tentar melhorar as condições de trabalho,

afastando-se de um determinado ambiente nocivo ou para reduzir a distância entre a casa e o

local de trabalho. No entanto, se a remoção traz a possibilidade de melhorar as condições de

trabalho, também traz a possibilidade de que novas dificuldades se apresentem. Como os

problemas diariamente enfrentados pelos docentes não são resolvidos, quando o professor não

podia recorrer à remoção ou aos abandonos temporários, mas também não podia deixar a

ocupação por uma série de constrangimentos psicológicos e socioeconômicos, recorria ao que

as autoras denominaram acomodação. O professor ou a professora comparece à escola,

ministra suas aulas e cumpre suas obrigações burocráticas, porém dentro de um limite que

assegure apenas que não perderá o emprego, apresentando condutas de indiferença ao que

ocorre na escola, com um mínimo envolvimento com o trabalho e as questões cotidianas.

É somente quando todos os abandonos temporários e especiais foram

insuficientes, atingindo um certo limite, que os professores abandonavam definitivamente a

escola estadual. Alguns foram para o município ou para a escola privada, não necessariamente

abandonando a docência.

Tendo isso em vista, a proposta aqui é compreender, a partir do texto de Lapo e

Bueno (2003), os motivos que poderiam levar os docentes a deixarem o magistério,

entretanto, não trabalharemos com o abandono, mas com a permanência na ocupação. Ou

seja, considerados esses fatores, quais as estratégias que os docentes constroem para

permanecerem professores na escola pública?

Estratégias de permanência

A partir das entrevistas, evidenciou-se que os docentes constroem diferentes

estratégias para permanecer no magistério público melhorando a remuneração. Professoras e

professores procuram formação: no caso da categoria O, buscam os cursos de licenciatura

plena para receber como PEB II104; docentes efetivos e estáveis procuram fazer pós-graduação

lato ou strito sensu e participar de cursos oferecidos pela SEE-SP; procuram, também, fazer

curso superior de Pedagogia, para poder exercer outros cargos e funções, como direção e vice-

direção – que além da formação específica, exigem anos de experiência na docência.

103 Termo utilizado pela SEE-SP para designar o concurso público que permite a integrantes do magistério público transferirem de escola sem perder o vínculo empregatício com o estado. 104 Caso não tenham licenciatura plena na disciplina em que lecionam, docentes da categoria O recebem como PEB I, aproximadamente 2,33 salários mínimos para jornada de 40 horas semanais, cuja remuneração é ainda inferior à Faixa I/Nível I do PEB II. (2,69 salários mínimos para jornada de 40 horas semanais).

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Se tiver a oportunidade eu gostaria de ir pro Município, eu pretendo estudar mais e ir pro Município. Ou até mesmo tentar concursos de direção, mas não sei se compensa nesse momento, não sei como vai ficar a questão da aposentadoria. Gostaria, mas não sei, pra mim não compensa ir pra direção de escola porque eu teria que trabalhar mais, porque não é aposentadoria especial diretor. [Professora 09] Eu ganho 2 mil reais, sempre ganhei isso. O governador, desde que eu entrei ele falou que aumentou 2%, nunca mudou. Eu efetivei, eu achei que eu ia ganhar mais, mas não mudou nada. Não mudou nada, eu ganho isso desde quando eu entrei. 2 mil reais. E quais as perspectivas pra carreira? Olha, eu estava pensando de verdade, eu estava pensando nisso semana passada, como eu estacionei, honestamente. Quando eu comecei eu tinha muitos planos: “Eu vou fazer uma pós, porque eu quero me preparar pro mestrado.” E o tempo foi passando e eu percebi como eu estacionei. Porque eu estou sempre cansada, eu estou sempre desanimada, hora que eu estou em casa eu não quero pensar... “ah, eu vou me preparar um pouco mais, vou fazer uma pós no sábado” eu não sei explicar, eu parei para pensar que eu tinha muitos objetivos profissionais e desde quando eu comecei a dar aula eu estacionei. Parece que eu parei. Então eu vou ser bem honesta, hoje eu venho pensando num curso de pedagogia pra talvez ir pra parte administrativa, não porque eu não gosto de dar aula, eu gosto muito de dar aula. Mas eu gosto muito também dessa parte. [Professora 04] [...] não é muito por causa do salário, porque eu acho que se eu for atrás de um Mestrado, de um Doutorado, ou talvez de um sistema privado, eu vou ganhar mais, eu sei disso. Mas... eu tenho um lado muito social. Eu poderia muito bem, ano passado, ter abandonado, largado de vez o estado, ido pro privado que pagaria o dobro daqui. Mas eu tenho esse lado de querer que a juventude, que os adolescentes, os estudantes do sistema público, [que] eu possa ter contribuído. Então às vezes isso é desgastante também. Que você quer mudar uma coisa às vezes que parece imutável. Eu vim do estado, eu cresci no estado, então eu quero passar que eles também conseguem entrar numa faculdade, ter uma boa formação, ser valorizado. Eu vejo muito esse lado social. Então por isso que eu não gostaria de sair do estado. Mas o salário pesa, mas eu sei também que tem a possibilidade de ganhar mais. [Professora 05]

Uma professora, já próxima da aposentadoria, ao descrever sua trajetória de

formação, avalia que a formação não é a melhor estratégia para continuar trabalhando na

escola estadual. Dessa forma, ela procurou as escolas privadas por um tempo para

complementar a renda, como fica claro em sua fala.

[...] Pedagogia mesmo é uma coisa que eu nunca quis fazer porque... eu nunca tive aspirações com direção, coordenação nada disso, queria sala de aula mesmo, mas eu acho que faltou ter feito alguma coisa mais - mas eu sempre também, lamentavelmente, mas é a realidade, pensei assim que o retorno é muito pequeno, sabe? Não vale a pena você investir muito não pra continuar no estado, se eu tivesse investido mais eu teria partido pra outra, pra uma escola particular, pra uma outra, embora eu fiquei com um pé aqui e outro lá, com o SESI, com o Objetivo aí no meio do caminho [Professora 18]

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É uma estratégia comum conciliar a escola pública com outros empregos, sendo

que, muitas vezes, atuam como docentes no município ou na esfera privada – na educação

básica ou no ensino superior. Alguns chegam a acumular, por um período, dois ou mais

empregos, como é o caso de uma professora:

[...] em 2000 também, me efetivei na Prefeitura. Então eu tinha a Faculdade, a Prefeitura e o estado. E aí eu dava aula na Prefeitura de segunda-feira, eu tinha poucas aulas na Prefeitura no começo porque eu já tinha bastante no estado e ainda tinha a Faculdade. Então eu tinha acho que 10 aulas por aí... então eu tinha 10 aulas na Prefeitura, 30 no estado, mais ou menos 30, e mais a Faculdade. É muita aula! ((risadas)) É muita aula! Dava até pra ganhar bem nessa época! [Professora 06]

Além disso, a partir do Decreto n° 55.078, de 25 de novembro de 2009, é

permitida a acumulação remunerada de dois cargos docentes ou de um cargo de suporte

pedagógico com um cargo docente com o limite de 64 (sessenta e quatro) horas semanais para

a carga horária total do acúmulo.

[...] meu ex-marido pediu transferência pra região de Campinas. [...] eu pedi remoção pra cá e já vim, já vim na primeira remoção com o cargo pra cá e depois eu prestei um outro concurso, já estava aqui em Campinas e ingressei em outro cargo numa escola em Campinas e aí eu pedi remoção há 3 anos atrás, agora eu estou com os dois cargos aqui na escola. [...] E quantas aulas você dá atualmente? Hoje? Semanalmente 49. Com o acúmulo dos 2 cargos? É, tem mais os 4 ATPCs dá um total de 53 horas-aulas na escola. [Professora 11] E quantas aulas você dá atualmente? Eu tenho 30 aqui e tenho 10 na outra escola, são 2 cargos. 2 cargos diferentes? De Língua Inglesa. Quais períodos você trabalha? Eu trabalho lá 2 manhãs e eu tenho aqui 3 manhãs e tarde e noite. Os 3 períodos? Os 3 períodos. Porém alternados! [Professora 09]

Na mesma lógica, é também permitido a professores e professoras com cargos de

provimento efetivo prestarem o processo seletivo e se inscrever na atribuição de aulas por

contrato temporário. Assim, uma professora, divorciada, com um filho e uma casa para

sustentar, aproveitou a oportunidade para melhorar a remuneração em um período

financeiramente conturbado de sua vida.

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Até ano passado eu estava trabalhando em 2 escolas porque eu estava com dois cargos: de O que é também sistema de substituição e o efetivo. Eu estava com duas, agora esse ano eu larguei o outro cargo. [...] Outra coisa que ano passado eu estava com dois cargos por questões financeiras eu precisava do dinheiro e aí é outro problema porque como o professor precisa muito do dinheiro ele trabalha além daquilo que ele aguenta, igual ao médico, médico também costuma fazer esse tipo de coisa, enfermeiro, fazer vários turnos em hospitais diferentes e acaba não dormindo bem, não comendo bem que era o meu caso. Então eu saía de casa todo dia às seis e meia da manhã e voltava às onze horas da noite. Sendo que no horário de almoço eu tinha vinte minutos entre uma escola e outra que eu usava pra me deslocar e não comer. Então o que eu fazia? Eu colocava um shake na bolsa e meu almoço era um shake porque pelo menos lá tem um monte de vitamina, proteína, vitamina não sei, que eu podia dirigir e beber ao mesmo tempo, o shake era a única coisa que eu conseguia fazer: era beber o shake e dirigir em direção à escola. Óbvio que isso prejudicou minha saúde! Tratamento de anemia constantemente fazendo por conta de estar dando aulas demais, entende? [Professora 01]

Esse decreto possibilita que professores e professoras possam melhorar a

remuneração, ao mesmo tempo em que a extensão da jornada de trabalho é necessária para

garantir a própria sobrevivência dos docentes e de sua família, visto que os salários estão

muito aquém do necessário para garantir as condições de vida dos docentes. Dessa forma, o

que é observado, claramente, é o processo de intensificação do trabalho docente. Além de ser

necessário, o excesso de trabalho prejudica a saúde, devido à configuração da jornada,

transitando entre várias escolas, como relatado pela professora.

Ela também relata que se identifica com a docência, entretanto, a relação com o

salário é complicada. Por isso sua perspectiva, para permanecer na docência, seria procurar

trabalho em uma escola privada.

Então quando eu comecei a lecionar eu disse ao meu marido que eu tinha essa vontade de fazer o bem pela sociedade, que era muito mais do que trabalhar, eu não queria simplesmente trabalhar, eu queria fazer algo que fosse realmente expressivo, que fosse ajudar na Educação ou na área da Saúde o que fosse, mas que eu pudesse tá ajudando a sociedade e aí ele mesmo me apoiou, ele mesmo falou assim “é, realmente a gente sabe que no estado o salário é muito baixo mas se você tem essa vontade e é isso que a sociedade precisa então vai, faz e as contas você não se preocupa que não é um foco nosso ter dinheiro”. Então foi assim que eu decidi enfiar de cabeça na área da Educação, foi quando eu peguei as aulas há oito anos atrás e fiquei direto, foi por causa dessa decisão. Mas hoje eu vivo uma outra realidade porque eu me separei e quem sustenta a casa sou eu, hoje eu já não tenho mais alguém que possa estar me sustentando, isso já muda um pouco minha visão. [Professora 01]

O conflito entre a necessidade de aumentar a remuneração e o sentido do trabalho

se expressa na noção de que o professor tem relativa autonomia no trabalho no setor público.

A escola pública, se comparada com a escola privada, é considerada um espaço de liberdade,

de menor pressão e de garantia de emprego, mesmo que os salários sejam baixos.

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O perfil da escola pública é totalmente diferente do perfil da escola particular. O quanto você quer pagar o preço de ter uma estabilidade no emprego? É isso que você tem que pensar: tem uma estabilidade de emprego e tem a questão de como você trabalha, porque na escola pública você tem alguma liberdade, dentro, claro, de uma caixinha de leis, você tem alguma liberdade pra ensinar. Na escola particular não, você tem apostila e você não pode sair daquilo, você não pode discutir, por exemplo, de uma forma humana aquela questão. Eu dou aula de Matemática, mas de repente eu queira puxar algum conteúdo pra algum conceito que esteja ligado à área de Filosofia! E essa ligação entre todas as áreas que é o que hoje a Educação tá querendo plantar, eu vejo como algo necessário que a escola particular não está ainda nessa visão, sabe? Então eu fico conflitando isso dentro de mim, o quanto eu quero me adequar a regras que eu não acredito ser o melhor pra Educação em prol de um salário melhor? Pior ainda o nível de instabilidade, porque a qualquer momento podem te mandar embora, também me faz pensar muito. [Professora 01]

Dessa forma, observamos que a solução apresentada pelo Estado para as

condições precárias de trabalho é ainda mais precarização, com jornadas muito extensas,

professores dando aulas em mais de uma escola, com mais turmas, mais alunos, etc.

Contraditoriamente, na contramão das condições concretas de trabalho docente, é oferecida

uma política salarial meritocrática, portanto, individualizada e seletiva; e uma jornada de

trabalho flexível e também organizada do ponto de vista individual. Sem visão de coletivo, a

totalidade na educação aparece como a soma das partes, sem relação nenhuma.

Além disso, a configuração da jornada de trabalho, em vários turnos, mesmo que

em um único cargo, também prejudica a saúde dos docentes, devido à carga emocional e ao

estresse acumulado, sem tempo suficiente para descansar entre um dia e outro de trabalho,

como relata esse outro professor, ao comparar sua relação com o horário de trabalho na

indústria e na escola.

Isso é desgastante porque você pega uma aula até as onze horas da noite, até você chegar na sua casa, desligar pra você poder dormir e vir dar aula sete horas da manhã, você tem um período assim diferente. Na indústria você sai em torno de cinco, seis horas da tarde, você tem um período de ir desligando seu emocional, pra você ir desligando e começar às seis horas da manhã no dia seguinte. Você dar aula, terminar sua aula onze horas da noite num pique total, numa energia e você voltar na escola sete horas da manhã é desgastante [...] [Professor 05]

Esse professor está no início da carreira no magistério e deixou seu trabalho na

indústria em busca de melhores condições de vida. Dessa forma, como era de se esperar, ao

perceber que essa configuração da jornada afetava sua saúde, dentro das possibilidades, ele

procurou evitar aulas até tarde da noite de um dia seguida de aulas cedo pela manhã,

conforme relata abaixo:

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Eu tentei evitar o máximo possível, [...] então eu vejo que a escola tenta conciliar isso, eu sei que tem empecilhos também, é difícil você conciliar o horário porque são vários professores, várias disciplinas então às vezes é necessário você pegar essas aulas. [Professor 05]

No entanto, há uma preocupação constante com a remuneração, que ele relata

afetar sua saúde, os depoimentos abaixo evidenciam a intensificação e extensificação do

trabalho que produz fadiga e penosidades.

Então eu vejo que financeiramente não é viável. A dedicação que você tem e o retorno financeiro não dá pra pagar suas contas. Eu acho que é muito puxado pra um professor hoje em dia. [...] Olha, a minha dedicação ao trabalho sim, essa preocupação constante do lado financeiro ultimamente tem afetado [a saúde] sim. Porque o que me mantém dando aula com os custos que eu tenho, eu tenho um aluguel, então o que mantém pra eu não ir procurar outro trabalho, outra área é o aluguel que eu tenho. Só que o aluguel não é uma coisa que você pode ficar dependendo. Então o que acontece? Eu tô indo atrás de mais aula. [Professor 05]

Desse modo, sua estratégia possível para melhorar a remuneração dentro da

carreira do magistério acaba sendo a atribuição de novas aulas. Entretanto,

Então agora uma professora tá deixando [e] vão sobrar quatro aulas de física que eles já vieram me oferecer. Só que daí de novo, é o mesmo caso, eu termino na quarta onze horas da noite e essas aulas vão aparecer na quinta-feira sete horas da manhã. Então será mais um dia que eu vou dar aula até as onze horas da noite e sete horas da manhã eu tô dando aula de novo. Isso é cansativo. [Professor 05]

Mas por que professores e professoras permanecem no magistério apesar de toda a

precariedade, das incertezas e das condições de trabalho, em geral, desfavoráveis?

Os sentidos do trabalho docente

Na sociedade capitalista, entre a natureza, o trabalho humano e a produção de

coisas úteis, interpõe-se outra natureza – o dinheiro. Dessa forma, os trabalhadores têm que

produzir para gerar mais dinheiro, para valorizar o capital. Ao mesmo tempo em que, livres de

todos os meios de produção, os trabalhadores devem empregar sua força de trabalho em troca

de remuneração, ou seja, para sobreviver.

O dinheiro é o símbolo do intercâmbio entre as mercadorias, é o equivalente geral.

A mercadoria é o bem que é trocado no mercado por dinheiro. Ela possui um duplo caráter:

valor de uso e valor de troca. O valor de uso é qualitativo e se liga às propriedades da

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mercadoria; seu uso, consumo. Através do trabalho, o homem transforma a natureza gerando

novos valores de uso. O valor de troca, ao contrário, é quantitativo, podendo ser equivalido ao

dinheiro.

O trabalho é gerador de valor e, por esse motivo, imprescindível ao capital. Sem

outra forma de produção da subsistência, o trabalhador necessita empregar sua força de

trabalho para poder trocar no mercado o dinheiro pelas mercadorias necessárias – ou não –

para a sobrevivência. Nesse movimento, a força de trabalho se torna mercadoria, trocada pelo

seu valor de uso e valor de troca pelo equivalente geral, o dinheiro, para que o sujeito possa

participar da sociedade na posição que lhe cabe: como consumidor.

As relações concretamente estabelecidas no cotidiano, entretanto, podem

ultrapassar os limites da sociedade capitalista. Nem sempre nos relacionamos como

portadores-consumidores de mercadorias. Ainda que as determinações mais gerais procurem

limitar o conteúdo do trabalho docente e haja uma tendência alienante, burocratizante e

reducionista, os professores continuam realizando seu trabalho.

Na leitura de Antunes (2003), a centralidade do trabalho ocorre pois a produção e

a reprodução da sociedade e sua transformação se dão a partir do mesmo. O trabalho é, dessa

forma, a maneira primordial de humanização do homem; é a partir dele que o homem se

constrói enquanto ser social. Por outro lado, a necessidade é determinada pelo metabolismo

societal dominante. Nesse sentido, o trabalho, na sociedade capitalista produtora de valor,

deve ser entendido a partir de seu caráter duplo: é martírio, mas é catarse; é liberação e

sujeição; criação e escravidão. Assim, é possível pensar em um pêndulo do trabalho105, não

sendo ele o que pendula entre um polo e outro, mas sim onde o pêndulo se insere. Não pode,

portanto, ser entendido de maneira unilateral.

Gosto muito da minha profissão. Já parei para pensar sobre o que faria se não fosse professora. Poderia fazer muitas coisas, mas não me vejo em outro lugar que não seja a sala de aula. Muitas vezes os alunos me perguntam porque escolhi essa profissão sentindo pena e eu digo que não estou sofrendo, que sou feliz com a profissão que escolhi. [Professora 03]

Do ponto de vista do trabalho, como labor, para a sobrevivência, compreendido

como as horas de trabalho dispendidas em troca de remuneração, não parece viável continuar.

Ao mesmo tempo em que fica a pergunta: para onde ir? Além de analisar as possibilidades

concretas para além do magistério, que, como já discutido anteriormente, são distintas para 105 Metáfora utilizada por Antunes em aulas baseadas em sua tese desenvolvida no livro citado.

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homens e mulheres, é preciso compreender que os docentes atribuem sentido ao trabalho que

realizam. Eles constroem concretamente relações com os alunos, o conhecimento e a escola,

de modo que vivenciam o trabalho docente em sua contradição de ser ao mesmo tempo forma

de sobrevivência e possibilidade de realização.

[...] Valorize o professor. Se o cara tem um professor de 20 anos, ele não está ali à toa. Ele não está ali à toa. Então eu ganho muito pouco. Então tirando o empréstimo eu ganho 1600. Certo. E quais são as perspectivas pra carreira? Nenhuma! Nenhuma! Nenhuma! A única perspectiva que eu tenho é de poder daqui uns 15 anos quando eu estiver aposentado e eu for comer cachorro-quente eu ver um aluno falar “pô professor, graças a Deus você passou na minha vida cara!” Agora perspectiva de melhora? Eu passei por LDB, eu passei por muito secretário. Nenhuma, nenhuma. Infelizmente. [Professor 16]

Os professores permanecem porque veem na docência a possibilidade de serem

úteis socialmente, de “fazerem diferença” na vida dos alunos.

Ah eu me considero [boa professora] e vou te falar porque! Até ontem que eu não tava bem de saúde, faltei. Na escola particular foram alunos procurar por mim pra me dar um abraço e me contar o que fizeram da vida. Fiquei tão feliz quando a diretora me passou por WhatsApp perguntando se eu tava melhor e que a aluna [nome] tinha ido me ver e ficou triste que eu não estava e que volta outro dia pra me ver. Isso é muito importante! Eu tava na sala de aula aqui um dia e pelo som me chamaram, aí eu desci correndo falei “ah, aconteceu alguma coisa” eu não gosto de usar celular, então eu sempre peço pra minha família: aconteceu alguma coisa, tem o telefone da escola, liga, eles me chamam pra eu ficar sabendo o que tá acontecendo. Aí eu achei “poxa, aconteceu alguma coisa na minha família”. Desceram 3 alunas que rapidinho queriam me ver da turma no ano passado de 3º ano de Ensino Médio pra contar que uma tá fazendo Direito, outra tá fazendo Educação Física na UNICAMP, fiquei tão contente com isso! E a outra resolveu fazer Jornalismo. Eu falei “poxa que bom!” Eu senti aí que tem uma pitadinha da Língua Portuguesa, porque são disciplinas que envolvem muito leitura, escrita, trabalham com a expressão corporal, falei “ah tenho uma participação aí!” Eu fico feliz! Eu me considero uma professora realizada! [Professora 10]

É possível perceber a partir das entrevistas que as possibilidades de realização não

têm sentido único. Há uma relação com a disciplina, mas a relação ensino-aprendizagem

parece estar para além do conteúdo disciplinar.

Desculpe-me a falta de modéstia, mas me considero boa professora sim. Sinto que poderia ser melhor, mas pelo feedback que recebo de alunos atuais e de ex-alunos contando como fui importante em suas vidas, sobre o quanto aprenderam comigo e sobre nossas relações interpessoais, acredito que seja sim. Além do mais, preparo minhas aulas com empenho e carinho e procuro estar sempre utilizando a tecnologia para atrai-los. [Professora 03]

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O resultado do trabalho docente, entendido como a formação dos jovens, assume

diversos sentidos que aparecem nos diferentes projetos realizados por professores e

professoras da escola. Serão apresentadas a seguir um pouco da trajetória de três docentes que

permitem estabelecer relações entre os sentidos atribuídos ao trabalho docente e as

possibilidades de trabalho nessa escola, em particular, levando em consideração as discussões

apresentadas nos capítulos anteriores.

A primeira professora trabalha no magistério há quase 20 anos, na área de ciências

naturais e exatas. Sua jornada de trabalho oficial soma um total de aproximadamente 53

horas-aula.

Quanto ganho? Somando os dois cargos. Somando os 2 cargos líquido dá 3 e 600. Muito pouco, muito pouco. Quais são as perspectivas pra carreira? Pra carreira? Nenhuma! Agora é me aposentar porque não... não tem perspectiva no magistério. Isso é muito triste, você trabalhar sem perspectiva de melhora, sem perspectiva de crescimento. Eu acho que o governo já deixou bem claro que a Educação “fica do jeito que tá porque quanto mais pessoas ignorantes eu tiver numa sociedade mais fácil manipular na hora da eleição”, então não há interesse de investir na Educação, de ter jovens críticos que queiram participar do cenário político, defender causas. Então por isso que eu acho que não tem perspectiva, mas assim eu ainda continuo entrando em sala de aula com vontade de ensinar e por ser muito chata eu ainda consigo fazer isso, eu ainda consigo dar aula, eu ainda consigo tirar alguma coisa dos meus alunos. Então a minha perspectiva com o magistério é mínima, agora a minha, pessoal, enquanto eu ainda conseguir fazer o meu trabalho eu ainda continuo porque está cada vez mais difícil. [Professora 11]

Em consonância com essa pesquisa, ela não vê perspectiva de construções

coletivas na Educação: não há projeto de carreira e nem de Educação crítica. No entanto,

apesar de as condições de trabalho se deteriorarem e perceber a destruição do projeto da

escola, ela ainda consegue exercer a docência, ensinando o conteúdo disciplinar a seus alunos

e desenvolvendo seu projeto de solidariedade e cidadania junto a eles.

Tenho um projeto na escola que chama União ao Quadrado Igual a Solidariedade que a gente monta kit de higiene pessoal, isso eu faço todos os meses. Já agora em dia 28 de agosto o projeto completa 6 anos. A gente monta 120, 150 kits de higiene, eu levo na última sexta-feira do mês às 10 horas da noite pra pessoas em situação de rua. [...] É doação dos alunos. Eles vão trazendo. Então teve a Gincana da Matemática, uma das provas da Gincana de Matemática era a arrecadação de itens do projeto, que é sabonete, pasta, escova e aparelho de barbear. Então eu arrecadei mais de 4.500 itens! Então a semana que vem eu vou montar o projeto com os alunos. Então eles montam, põem uma mensagem no projeto, é bem bonitinho! [Professora 11]

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A realização do projeto contou com o apoio integral da direção, coordenação e

colegas de trabalho.

Então assim em matéria de infraestrutura a escola é muito boa. Então assim o que você requisitar de material, você vai ter acesso. Eu fiz a Gincana de Matemática, tudo que eu solicitei me foi oferecido. [Professora 11]

Esse “tudo” merece ser melhor explicitado, pois está para além do fornecimento

de material. Os alunos foram liberados para participar das atividades e os professores

realizaram as tarefas da gincana com as salas pelas quais eram responsáveis. As professoras

de Matemática, que organizam a Gincana, puderam usar o espaço de ATPCs para discutir

com os colegas as questões relacionadas à atividade, as regras, o funcionamento, etc. Em uma

das reuniões, os professores votaram pelo desenho que seria o emblema da gincana daquele

ano, sendo que os alunos haviam desenhado as opções para a votação.

A segunda professora, também da área de ciências naturais e exatas, está há mais

de 30 anos no magistério público. Aposentada do primeiro cargo, ela explicou durante a

entrevista porque não pode aposentar do segundo cargo e por isso continua na carreira

docente.

Eu acho que não sei quando que agora eu vou me aposentar desse segundo cargo. Porque esse segundo cargo aqui eles fazem uma média do... vamos dizer do quanto eu trabalhei. Vamos dizer, não vai ser como no primeiro cargo que eu recebo integral, é o meu tempo que eu estou trabalhando nesse segundo cargo. E... então eles fazem um cálculo. Eles fazem um cálculo pra ver mais ou menos. Eu ainda, realmente, não pretendo parar porque eu preciso realmente bastante desse dinheiro entende? Eu sou arrimo da família e então eu não posso parar porque aí vai cair muito o meu... entende? O meu rendimento. E eu não posso, então por isso que eu continuo na ativa. Além de, não só financeiramente pensando, mas o fato de me sentir útil também. Eu não consigo enxergar ainda... vamos dizer eu não estando na escola, eu não consigo ainda, sabe assim? É muito interessante! Claro que a gente gosta de feriado! Quer descansar, precisa descansar final de semana e tudo, mas sempre tendo aquela perspectiva de você voltar à escola, dar aula. [Professora 02]

É possível perceber que há uma questão latente de sobrevivência: a professora

necessita da remuneração para cuidar da família. Se aposentar, o valor percebido diminuirá e,

como ela cuida da mãe idosa, com problemas de saúde e que, portanto, precisa de cuidado,

atenção e remédios, isso se torna inviável. Dessa forma ela descreve a rotina.

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Segunda eu tenho aula das 7 até as 10e40 aí após saída daqui eu vou lidar com toda a parte de casa. Então fui ao mercado na segunda-feira, fui resolver problemas de banco, fui em farmácia comprei os remédios que eu moro junto com a minha mãe e ela como eu falei tem 83 anos aí no período da tarde eu fico em casa fazendo as os as tarefas domésticas na segunda depois eu tenho aula das às 19 horas, volto pra escola, dou aula até uma 9 e 20, saio chego em casa umas 10 horas em casa, mas antes eu passei na padaria e fui comprar pão e tudo então eu chego em casa umas 10 e 15. Até não consigo dormir muito facilmente porque como eu dei aula a gente fica elétrica então eu não consigo dormir antes da meia-noite de forma alguma e depois eu me canso bastante porque depois eu tenho que acordar eu acordo 5 e meia ou quando eu tomei banho na noite anterior eu acordo 5 e meia quando não eu acordo 5 horas, é. E daí eu fico até meio-dia e vinte na terça aqui só que normalmente como é meio-dia e vinte o horário de aula, mas eu tenho ATPC e daí eu fico até as 2 e vinte. Às 2 e vinte daí é que eu vou pra casa ver o almoço e tudo aí o período da tarde eu fico, a noite eu também fico. Minha mãe tem uma atividade na terça à noite aí eu tenho que ficar em casa mesmo a noite porque eu tenho cachorros também ((risos)) e aí eu tenho que tomar conta. Na quarta eu tenho só aula de manhã e fico o resto do tempo fazendo as atividades, só que eu sempre levo coisas de escola pra fazer. Então preenchimento de diário, correção de exercício, correção de prova fazer prova né, elaborar atividades, então eu misturo tudo isso com as tarefas domésticas. Então um pedaço fazendo comida, um pedaço eu fico no computador fazendo alguma coisa né? E é assim. Na quinta também é a mesma coisa, no período da manhã, a tarde a noite não. Na sexta é o período da manhã na escola, a tarde fazer as coisas e a noite eu volto pra escola, eu tenho aula também a noite na escola. E aí final de semana não ((risadas)). Final de semana geralmente eu durmo ((rindo)). Apesar de que geralmente tem coisas de casa pra fazer também eu, vamos dizer assim, ponho como prioridade dormir. [Professora 02]

Apesar da rotina pesada, ela não consegue se ver aposentando, não só pelo lado

financeiro que representa seu trabalho, mas também porque não consegue se ver fora da

escola, como aparece no trecho acima. A professora se sente útil como docente e sua relação

com os/as estudantes é, em sua leitura, bastante enriquecedora pois há troca, ao mesmo tempo

em que ensina, aprende com eles/as.

Eu sempre acreditei na comunicação entre as pessoas... no toque, no olhar. E... eu acredito assim que o magistério não seja simplesmente uma passagem de conteúdo daquilo específico da disciplina. Sempre acreditei que existe um relacionamento entre professor e aluno. Primeiro o respeito. O respeito como ser humano, o respeito em relação a tudo, a gênero, a etnia, a cultura... e... sempre acreditei que se você respeita é o caminho já pra ser respeitado. Aquela troca de sentimentos, de pensamentos. Então, toda vez que acontece essa empatia entre professor e aluno, eu acredito que fica bem mais fácil transmitir algo, porque eu não acredito que eu esteja ensinando, sabe assim? Eu acredito que eu transmita algo. Mas porque depende deles, se eles estão receptivos, se eles querem recebem aquilo, se eles estão propensos a aprender e com isso eu aprendo muito! Tenho aprendido muito com eles! Principalmente tecnologia ((risadas)) pela minha idade e tudo, realmente, na minha época não tinha a tecnologia de hoje e eles dão de dez a zero em mim com relação à tecnologia, com relação a usar o WhatsApp e tudo, fazer vídeo. Então existe uma troca muito grande... eu acredito que quando ocorre essa empatia, esse respeito acontece uma boa aprendizagem. [Professora 02]

Dessa forma, a escola e a relação com os/as estudantes têm um significado de

humanização para ela.

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Mas eu sinceramente não me realizaria como pessoa se não fosse no magistério, se eu ficasse só num laboratório eu acho que eu não teria essa comunicação com tubos de ensaio, microscópio ((risadas)) como eu tenho com gente! E eu preciso disso, sabe? Desse contato assim, isso faz muita diferença pra mim. Eh... e principalmente na escola que eu tô agora. Eu sempre gostei de todos os meus alunos. Sempre me dei bem com eles e tudo, mas nessa escola tem uma coisa assim muito especial pra mim. É uma energia, não sei te explicar assim, que dá certo comigo, sabe assim? E eles são muito, os alunos são muito especiais pra mim e acho que pra todos os professores. [Professora 02]

A escola onde foi realizada a pesquisa de campo, como apontado anteriormente,

tem boas condições de trabalho. E as relações ali construídas, conforme ela descreve,

possibilitam que ela desenvolva seu trabalho com mais plenitude, como ela mesma

exemplifica.

Eu tenho apoio, toda vez que pedi algo pros pais tudo eles me apoiaram. Eu tenho, por exemplo, um projeto de educação sexual no primeiro ano e nunca tive problema com relação a isso a palestra que é dada aqui na escola pelos próprios alunos que agora do terceiro ano que dão para os primeiros anos nunca tive reclamação de pais discutindo né o fato porque já aconteceu isso em outras escolas de pais que vinham me perguntar o porquê de certos assuntos, principalmente relacionados a parte de sexualidade, que ainda infelizmente é tabu. Então eles pediam pros filhos não participarem das aulas, eu já tive isso em outras escolas, aqui não. Graças a deus não, porque isso eu acho um retrocesso porque imagina, faz parte de nós, do nosso organismo. É como se eu tivesse falando do nosso sistema digestório né reprodutor da mesma forma. Mas infelizmente por causa de tabus né mitos a parte de religião né em outras escolas no caso eu tive problema, mas aqui não. Mesmo com a parte de religião não, nunca tive problema. [Professora 02]

A última trajetória apresentada é a de um professor de ciências humanas.

Começou trabalhando na indústria, pois fez ensino médio técnico, no entanto não gostava do

trabalho. Ele relata que, espelhando-se em seus professores, gostaria de se tornar um.

E aí trabalhando na indústria eu não gostava e... eu sempre gostei de adolescente e trabalhar com adolescente. E aí eu me espelhava muito em alguns professores que eu tive no ensino Médio, principalmente, apesar de ter feito técnico, e eu queria isso pra minha vida. Trabalhar com adolescente, trabalhar com ensino, sendo professor mesmo. [Professor 17]

A escolha pela área de ciências humanas, mesmo com formação técnica industrial,

veio de sua relação com o sindicato.

Então quando eu tava na indústria eu comecei a participar politicamente de sindicato, de política mesmo, que até então eu não tinha tanto conhecimento. Porque, por exemplo, no

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Ensino Médio eu fiz técnico, não tive Sociologia, não tive Filosofia, mal tive História, por exemplo. Então foi muito precária a parte de humanas. Então eu fui aprender mesmo essa parte de Filosofia, de Política, de humanas em geral, na sindicância mesmo. E aí foi quando eu quis fazer Ciências Sociais pra dar aula de Sociologia e assim por diante. [Professor 17]

Ele então cursou ensino superior em outra cidade e logo começou a lecionar. Há

10 anos ele trabalha na SEE-SP e, ao longo de sua trajetória, afastou-se do movimento

sindical. Ele avalia que seu trabalho é mais útil na Educação. Trata-se de um trabalho árduo,

que se expressa como um dever em si mesmo, e, portanto, útil.

Eu acho que eu sou muito mais importante e muito mais útil mesmo na sala de aula, não na questão de doutrinação de aluno, muito pelo contrário! Mas na questão da discussão da política, do trabalho da tolerância, como eu já falei, da empatia, das questões que a escola tem que trabalhar. Às vezes há uma resistência muito forte a isso, mas se não for tratado agora com a adolescência eles vão se tornar adultos extremamente intolerantes, agressivos, homofóbicos, como acontece em muitos casos e até de violência extrema como assassinatos como muitas vezes a gente vê por aí, ou mesmo qualquer tipo de agressão! Não precisa chegar a esse extremo, mas eu acho que a tolerância deve sim ser ensinada na escola! E a parte da Sociologia assim é um conteúdo, você tem que aprender de certa a forma a ser tolerante, aprender a empatia. Eu acho que assim como a Matemática tem o seu currículo, enfim, você tem que aprender algumas coisas e todas as disciplinas tem, essa é a questão da Sociologia. Então eu acho que eu sou mais útil, por exemplo, me sinto melhor mais realizado na sala de aula por causa disso aí. [Professor 17]

Como o conteúdo da disciplina gera muitos questionamentos, inclusive de pais de

alunos, o professor entende que é importante o apoio que recebe da coordenação para poder

desenvolver seu trabalho.

A coordenação eu tenho mais liberdade pra conversar, pra debater, pra falar dos problemas com pai de aluno, ou com aluno, ou... enfim no geral da profissão. Então há uma liberdade maior e uma ajuda deles pra solucionar muitos desses conflitos. [Professor 17]

Por tratar da disciplina de Sociologia, o professor avalia que as condições de

trabalho são ruins, não só em relação à carreira, à remuneração e à jornada, mas também em

relação à disciplina. Há uma desvalorização da área de humanas e os próprios colegas de

trabalho desrespeitam.

E enfim tem questão de a disciplina de Sociologia como faz parte de humanas e ainda a Sociologia como a Filosofia, muitas vezes não é levada a sério, às vezes nem mesmo pelos outros professores, então tem muita dificuldade nessa questão. [Professor 17]

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Não obstante, a competição entre as disciplinas, institucionalizada pelas

avaliações externas, acaba minando as possibilidades de construção de trabalho coletivo nas

escolas e dificultando a troca de experiências entre professores e professoras.

E aí você ouve até de professor que a sua disciplina, no caso Sociologia ou Filosofia, ou até vice-versa reclama que Matemática ou Português, não tem importância! Então isso é muito difícil! Então talvez as questões mais difíceis sejam essas, porque quando eu comecei a dar aula eu me espelhava em outros professores, eu não imaginava que fosse assim, até quando você começa a dar aula. Um dos lugares mais frustrantes na escola pra mim é a sala dos professores, tanto que eu evito ficar na sala dos professores porque é um desânimo, é falar mal de aluno, é falar mal de salário, é falar mal das condições de trabalho e - não que muitas partes não sejam reais –e essa questão de picuinhas e briga de ego porque "ah, minha disciplina é mais importante do que a sua e isso e aquilo" então é muito difícil. [Professor 17]

O professor vê, então, sentido na docência, especialmente na disciplina que

trabalha. No entanto, as condições de trabalho na escola, de maneira geral, são muito ruins.

Dessa forma, ele divide sua jornada de trabalho entre a escola e um cursinho pré-vestibular,

que ele havia começado junto com colegas professores no ano da pesquisa.

Ah, são 24 horas por semana aqui no caso no estado. Aí no cursinho acaba sendo até mais porque de certa forma eu ajudo na coordenação, eu acabo ficando as noites que eu não tô aqui eu acabo ficando no cursinho. Mas no estado esse ano eu peguei menos aulas por causa do cursinho mesmo, pra poder me dedicar mais lá. [Professor 17]

O trabalho no cursinho, desenvolvido em condições diferenciadas da escola,

segundo ele, ressignifica o trabalho docente.

Tem um cursinho que eu dou aula, que eu também ajudei a formar. Que é a partir da ONG que a gente fundou. A gente dá aula de forma voluntária, mas assim... eu não sei, eu não digo que seria algo voluntário, porque assim, eu me sinto mais útil lá. Não tem interferência negativa no nosso trabalho. Então, por exemplo, lá eu consigo dar aula realmente, eu consigo porque não tem secretaria da educação, não tem direção que atrapalha. Então lá eu consigo realmente exercer o meu trabalho. E isso, o retorno pra mim é muito bom, porque eu me sinto realmente importante. Então como eu disse muitas vezes dentro do estado por n dificuldades a gente não consegue realizar nosso trabalho adequadamente, a gente sai frustrado. Então assim, nesse cursinho, por exemplo, eu não sinto isso, frustração alguma! Então assim, eu não digo que eu tô fazendo bem pra esses alunos, muito pelo contrário é eles que tão fazendo o bem de certa forma pra mim. [Professor 17]

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Assim, a possibilidade de desenvolver projetos educacionais relevantes passa pela

saída da escola formal, devido às condições de trabalho e da valorização de determinadas

áreas de conhecimento em detrimento de outras.

Eu trabalho num cursinho popular pré-universitário que a gente abriu esse ano. E aí eu dou aula de História e de Ética e Cidadania, que são Sociologia, Filosofia, debater assuntos de redação e tem o projeto de Cinema que eu trabalho lá, que passo um filme que eu discuto que é aberto pra sociedade e tudo isso. [Professor 17]

Através do diálogo com a experiência dos decentes que trabalham na escola

estudada, especialmente dos três selecionados para finalizar esse capítulo, esperamos ter

demonstrado que as disputas por um trabalho pleno de sentido na Educação pública

possibilitam respostas individuais distintas por parte dos docentes. O sentido que

institucionalmente essa escola colocava para a formação dos jovens perdeu hegemonia,

abrindo espaço para outros sentidos disputarem – também – no cotidiano com as

determinações estatais – sempre compreendidas aqui como resultado da dinâmica do conflito

entre capital e trabalho.

Considerações de final de capítulo

Analogamente à falta de totalidade na Educação e sua organização pautada na

individualização, o sentido do trabalho docente aparece fragmentado, como projeto individual

de cada professor. A fragmentação econômica e política dos docentes não é capaz de destruir

completamente o sentido do trabalho, mas o atomiza.

Apesar de toda a lógica alienante e burocratizante, professores e professoras

continuam, em seu cotidiano, desenvolvendo seu trabalho da forma como acreditam ser a

melhor possível. É evidente que as condições de trabalho são primordiais para isso, prova

disso é que a infraestrutura garantida pela escola e o apoio dos coordenadores são

reiteradamente citados e permitem o desenvolvimento do trabalho docente.

Verifica-se também que a presença de um corpo docente e administrativo

relativamente estável propiciou a construção de melhores condições de trabalho, com

participação e alinhamento do coletivo de trabalhadores. A mudança desse quadro significou

perdas para o desenvolvimento do trabalho coletivo e as possibilidades de construção de

resistência. No entanto, colocou também a possibilidade de trabalho para outros grupos de

professores, com formação diferente e, especialmente, mais recente. Os contrastes entre os

grupos não se deram sem conflitos e negociações estão sendo feitas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa dissertação, procuramos compreender as relações e condições de trabalho

docente em uma escola pública de ensino médio no estado de São Paulo. Partindo da

perspectiva dos docentes, nossa tentativa foi encontrar nexos entre o sentido social das

mudanças recentes no mundo do trabalho e o trabalho cotidiano de professores e professoras

contratados pelo Estado, procurando iluminar como os professores entendem e respondem às

políticas de educação e de emprego docente.

Dessa forma, nossa interrogação inicial poderia ser assim sintetizada: quais seriam

os reflexos das mudanças recentes no mundo do trabalho – observadas por vasta literatura –

no trabalho cotidiano dos professores?

Os estudos sobre o trabalho docente – e a pesquisa de campo realizada confirmou

isso – elucidaram que as mudanças se davam especialmente nas formas de controle, incidindo

sobre o produto do trabalho docente – a formação da força de trabalho pela escola pública. Há

uma especificidade no trabalho docente, a escola é um local de trabalho com relações de

trabalho assalariadas e um espaço de produção e circulação de conhecimento e saberes. Os

professores estão submetidos à forma capitalista do trabalho independentemente de seu

resultado (ser ou não produção material). As políticas educacionais, como pudemos observar

na escola, buscam determinar o conteúdo do trabalho através do currículo, a forma de

trabalhar através da formação e do material didático e da avaliação externa.

No entanto, para além disso, há políticas de controle dos docentes, atreladas a

formas de remuneração (ou bonificação) individual – expressas principalmente na construção

da carreira e na atribuição de aulas, ambas mensuradas. A quantificação indica os percursos a

serem percorridos pelos professores. Na mesma direção, os indicadores e as metas se

transformam em medidas de “mérito” e se concretizam em prêmios, como o bônus concedido

a escolas que tem bons índices educacionais. Contraditoriamente, os concursos públicos de

provas e títulos, como aferição do mérito, são escassos, como pode ser verificado pelo alto

contingente de professores temporários.

A política de carreira construída pelo Estado enfatiza a individualização do

sentido do trabalho docente, marcado pela responsabilização. Dessa forma, o não

comparecimento ao trabalho para cuidar da vida pessoal (saúde, falecimentos, casamento,

etc.) torna, aos olhos dos governos e da mídia, um professor preguiçoso, portanto ruim.

Assim, é o sacrifício da vida pessoal em função do trabalho que torna o professor bom,

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mesmo que isso lhe custe a saúde física e/ou mental e suas relações com família e amigos.

Dessa forma, a política de carreira está associada à mobilização das subjetividades, ao

envolvimento, engajamento do professor ao trabalho na escola que institui uma disciplina e

um controle sobre o trabalho.

Apesar disso, o Estado estrutura o trabalho docente baseado nas horas em sala de

aula. Professores e professoras compreendem e manejam muito bem a atribuição de aulas, do

ponto de vista individual, pois há uma naturalização da forma de contratação, da subsunção

formal, e, assim, a jornada de trabalho é compreendida como resultado do esforço individual,

não se tratando, portanto, de uma organização coletiva. Assim, o professor é um trabalhador

individual responsável pela própria aula, e, do ponto de vista do Estado, não está associado a

uma escola, a um coletivo de trabalho.

Compreendido dessa forma, poderíamos concluir que o trabalho docente concerne

apenas ao que é relativo à atividade de ensino. Todavia, o que a pesquisa evidenciou foi que

as atividades realizadas por professores e professoras durante sua jornada de trabalho está

para além da relação ensino-aprendizagem da sala de aula e seus “resíduos”, centrando-se,

muitas vezes, em trabalhos burocráticos. Essas contradições evidenciam as relações de

determinação mais amplas da sociedade capitalista.

A constituição da jornada de trabalho – atribuição de aulas – é, por um lado,

determinante da remuneração e das condições de trabalho e de vida de todos os docentes; por

outro lado, representa também a garantia de emprego, no caso de professores temporários

(categorias O e F). No entanto, ainda que os professores efetivos tenham garantido o emprego,

as condições de trabalho são absolutamente incertas.

Desse modo, apesar de o trabalho no setor público aparecer associado à

estabilidade no emprego e garantias de condições de trabalho “privilegiadas” em relação ao

demais setores, a realidade do trabalho docente no estado de São Paulo constitui-se em

diversas realidades, construídas a partir das experiências diversas que os professores

vivenciam de acordo com contrato de trabalho, classe social e gênero. Assim, os professores e

professoras que trabalham para a SEE-SP vivenciam condições flexíveis de trabalho: sua

jornada é flexível, seu contrato é flexível, o local de trabalho é flexível, o horário de trabalho

é flexível, o salário é flexível. É evidente que o grau de instabilidade e flexibilidade é

diferente de acordo com o contrato de trabalho e as possibilidades para lidar com essa

realidade são determinadas a partir das relações de gênero, classe e raça/etnia. O que se

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verifica como um todo, no entanto, é que, pela forma como o Estado compreende e organiza o

trabalho docente, mesmo os professores efetivos, como é o caso da maior parte do corpo

docente estudado, ficam “à deriva”.

Estaria o Estado ignorando uma dimensão do trabalho docente? Pois, se parte dos

docentes é sempre instável, muda de escola várias vezes durante o ano e alguns, ainda que

estáveis, mudam de escola todos os anos, quais as relações concretamente possíveis de serem

desenvolvidas? Essas questões ficaram em aberto nessa dissertação, que tratou de uma escola

central e com um corpo docente estável.

Tendo em vista o exposto acima, a presente investigação buscou compreender no

trabalho de campo como a categoria docente interpretava e respondia às tentativas de

controle, interrogando se haveria uma aceitação ou uma naturalização por parte de professores

e professoras em seu trabalho cotidiano.

Há uma representação generalizada de que a carreira e a constituição da jornada

são resultados do mérito individual. Dessa forma, professores e professoras da escola

estudada organizavam-se dentro das condições dadas para garantir emprego (no caso das

categorias O e F), remuneração minimamente aceitável para suas condições de vida e

condições de trabalho, em geral. Assim, há certo consentimento em participar da “corrida”

por pontos colocada pelo Estado.

Por outro lado, as determinações sobre o que “faz parte” do trabalho docente,

pensando as tarefas cotidianas, iluminam contradições entre o trabalho real e o prescrito. A

resistência individual e enquanto um coletivo de trabalhadores aparece, muitas vezes com

caráter conservador, partindo da divisão do trabalho na escola e valendo-se das práticas

estabelecidas.

Considerando as condições de trabalho que colocam o professor “à deriva” e as

ambiguidades da resistência e conformação quanto às mudanças, questionamos: quais as

estratégias que os docentes constroem para permanecerem professores na escola pública?

Eles constroem diferentes estratégias, a partir de suas necessidades e realidades

distintas. A principal causa do abandono do magistério é a remuneração baixíssima para

enfrentar condições de trabalho bastante adversas. Foi recorrente na fala dos entrevistados a

permanência na docência por estarem na escola estudada, que, como relatado acima, possui

condições diferenciadas de trabalho. Para além disso, dadas as possibilidades legais,

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professores e professoras, em geral, acumulam vínculos empregatícios e cargos em

instituições diversas de ensino, trabalhando só em sala de aula muito além de 40 horas.

E, por fim, indagamos: por que professores e professoras permanecem no

magistério apesar de toda a precariedade, das incertezas e das condições de trabalho, em geral,

desfavoráveis?

As professoras permanecem, em geral, porque não fariam outra coisa,

profissionalmente. Entretanto, homens e mulheres atribuem sentido ao trabalho que realizam e

se sentem realizados na docência, ainda que os diferentes sentidos apareçam do ponto de vista

individual e não como uma construção coletiva da categoria.

Percebemos, contudo, que a dimensão do trabalho docente como relacional e a

dimensão do cuidado estavam marcadamente presentes na construção dos sentidos do trabalho

docente. Dessa forma, nossa hipótese inicial de que a especificidade da formação e do

trabalho do professor de ensino médio por campo disciplinar, somado aos objetivos de

formação do ensino médio, possibilitariam uma perspectiva diferente quanto ao trabalho

docente, que se distanciasse da esfera do cuidado, perspectiva que marca o trabalho com os

anos iniciais da educação básica, foi desmanchada.

A título de conclusão dessa dissertação, mas não de encerramento o debate acerca

do trabalho docente, esperamos que essas considerações finais ajudem a sintetizar os limites e

possibilidades desse trabalho. Pensando principalmente nas questões para continuidade da

investigação sobre a temática, gostaríamos de retomar os temas elaborados a partir das

entrevistas e observações de campo: (a) trajetória familiar e origem social; (b) trajetória de

formação; (c) condições de trabalho/infraestrutura da escola; (d) carreira; (e) remuneração; (f)

contrato de trabalho; (g) jornada de trabalho; (h) saúde e condições de trabalho; (i) relações de

poder na escola; (j) participação política e (k) representações sobre o trabalho docente.

Durante o processo de desenvolvimento da pesquisa, optamos por nos deter nos

temas carreira e jornada de trabalho. Dessa forma buscamos articular nas análises sobre

esses temas suas relações com as condições de trabalho, contrato de trabalho, remuneração,

saúde, relações de poder na escola e representações sobre o trabalho docente. Entretanto,

não analisamos profundamente cada um dos temas citados, eles apenas emergem na medida

em que se relacionam, necessariamente, com a carreira e a jornada.

Os temas trajetória familiar e origem social, bem como trajetória de formação,

auxiliaram na compreensão da trajetória dos docentes entrevistados, mas não foram

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articulados diretamente nas análises sobre jornada e carreira posteriores. Por sua vez, o tema

da participação política não chegou a ser trabalhado, nem pensando em sua – aparente –

ausência.

Assim, a partir das entrevistas já realizadas, ou partindo de novo campo, seria

possível aprofundar a discussão acerca desses temas. Além disso, apareceram algumas

questões ao longo de nossa pesquisa que não necessariamente se relacionavam diretamente

aos seus objetivos de investigação, mas que podem trazer pistas para outros debates.

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SÃO PAULO (Estado). Resolução SE nº 5, de 15 de janeiro de 2016. Altera a Resolução SE 75, de 28 de novembro de 2013, que dispõe sobre o processo anual de atribuição de classes e aulas ao pessoal docente do Quadro do Magistério. Disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/detresol.asp?strAto=20160115005 Acesso em: 29/11/2016.

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ANEXOS

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130

130

AN

EXO

I – Legislação

Nível

Legislação/ Norm

a A

no C

onteúdo Tem

a

SP Resolução SE nº 75 de 28 de novem

bro de 2013. 2013

Dispõe sobre o processo anual de atribuição de classes e aulas ao pessoal

docente do Quadro do M

agistério. A

tribuição

SP Resolução SE nº 70, de 29 de dezem

bro de 2014. 2014

Altera dispositivos da Resolução SE 75, de 28-12-2013, que dispõe sobre o

processo anual de atribuição de classes e aulas. A

tribuição

SP Portaria CG

RH-8, de 23 de

outubro de 2015. 2015

Estabelece cronograma para a divulgação da classificação dos inscritos no

processo inicial de atribuição de classes e aulas de 2016. A

tribuição

SP Portaria CG

RH-7, de 25 de

agosto de 2015. 2015

Dispõe sobre as inscrições do Processo de A

tribuição de Classes e Aulas

para o ano letivo de 2016. A

tribuição

SP Resolução SE nº 5, de 15 de janeiro de 2016.

2016 A

ltera a Resolução SE 75, de 28 de novembro de 2013, que dispõe sobre o

processo anual de atribuição de classes e aulas ao pessoal docente do Quadro

do Magistério.

Atribuição

SP Lei Com

plementar nº 836,

de 30 de dezembro de

1997. 1997

Institui o Plano de Carreira, Vencim

entos e Salários para os integrantes do Q

uadro do Magistério da Secretaria da Educação e dá outras providências

correlatas. Carreira

BRA

SIL Lei nº 9.801, de 14 de junho de 1999.

1999 D

ispõe sobre as normas gerais para perda de cargo público por excesso de

despesa, e dá outras providências. Carreira

SP D

ecreto nº 53.037, de 28 de m

aio de 2008. 2008

Dispõe sobre a regionalização dos concursos públicos para provim

ento de cargos do Q

uadro do Magistério, da Secretaria da Educação, define norm

as relativas a rem

oção, a substituição e a contratação temporária de docentes.

Carreira

SP D

ecreto nº 53.161 de 24 de junho de 2008.

2008 A

ltera dispositivos do Decreto nº 53.037, de 2008

Carreira

SP Lei Com

plementar nº 1097

de 27 de outubro de 2009. 2009

Institui o sistema de prom

oção para os integrantes do Quadro do M

agistério da Secretaria da Educação e dá outras providências.

Carreira

SP D

ecreto nº 55.217, de 21 de dezem

bro de 2009. 2009

Regulamenta a Lei Com

plementar nº 1.097/09.

Carreira

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131

131 SP

Decreto nº 55.144 de 10

de dezembro de 2009.

2009 A

ltera e insere dispositivos no Decreto nº 53.037, de 2008.

Carreira

SP D

ecreto nº 57.379 de 29 de setem

bro de 2011. 2011

Dá nova redação ao artigo 7º do D

ecreto nº 53.037, de 2008. Carreira

SP D

ecreto nº 59.850, de 28 de novem

bro de 2013. 2013

Altera dispositivos do D

ecreto nº 49.394, de 2005, que regulamenta a

Evolução Funcional, pela via não-acadêmica, dos integrantes do Q

uadro do M

agistério

Carreira

SP D

ecreto nº 59.447 de 19 de agosto de 2013

2013 A

ltera dispositivos do Decreto nº 53.037, de 2008.

Carreira

SP Lei Com

plementar nº

1.207, de 05 de julho de 2013.

2013 D

ispõe sobre os Concursos públicos regionalizados para os integrantes do Q

uadro do Magistério da Secretaria da Educação, e dá providências

correlatas. Carreira

SP Resolução SE nº 52, de 14 de agosto 2013.

2013

Dispõe sobre os perfis, com

petências e habilidades requeridos dos Profissionais da Educação da rede estadual de ensino, os referenciais bibliográficos e de legislação, que fundam

entam e orientam

a organização de exam

es, concursos e processos seletivos, e dá providências correlatas.

Carreira

SP Resolução SE nº 30, de 30 de m

aio de 2014. 2014

Dispõe sobre os referenciais bibliográficos e de legislação que fundam

entam

o processo de avaliação no sistema de Prom

oção dos integrantes do Quadro

do Magistério.

Carreira

SP Resolução SE nº 36, de 1º de julho de 2014.

2014 D

ispõe sobre a Evolução Funcional, pela via não acadêmica, dos integrantes

do Quadro do M

agistério. Carreira

SP D

ecreto nº 60.650 de 15 de julho de 2014.

2014 A

ltera o Decreto n° 55.217, de 21 de dezem

bro de 2009, que regulamenta

a Lei Complem

entar n° 1.097, de 27 de outubro de 2009. Carreira

BRA

SIL Decreto-Lei nº 5.452, de 1º

de maio de 1943.

1943 A

prova a Consolidação das Leis do Trabalho CLT

BRA

SIL Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017.

2017 A

ltera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a fim de adequar a

legislação às novas relações de trabalho. CLT

SP D

ecreto nº 57.571, de 02 de dezem

bro de 2011.

2011 Institui, junto à Secretaria da Educação, o Program

a Educação - Com

promisso de S. Paulo e dá providências correlatas.

Comprom

isso

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132

132 BR

ASIL Constituição da República

Federativa do Brasil, 1988. 1988

Constituição

SP Constituição Estadual, 1989.

1989

Constituição

BRA

SIL Emenda Constitucional no

19 de 19 de junho de 1998 1998

Modifica o regim

e e dispõe sobre princípios e normas da A

dministração

Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do D

istrito Federal, e dá outras providências.

Constituição

SP Resolução SE nº 81, de 16 de dezem

bro de 2011. 2011

Estabelece diretrizes para a organização curricular do ensino fundamental e

do ensino médio nas escolas estaduais.

Currículo

SP Currículo do Estado de São Paulo

2012 Constitui orientação básica para o trabalho do professor na aula.

Currículo

SP Resolução SE nº 03, de 16 de janeiro de 2014.

2014 A

ltera a Resolução SE 81, de 16 de dezembro de 2011.

Currículo

SP Resolução SE nº 73, de 29 de dezem

bro de 2014. 2014

Dispõe sobre a reorganização do Ensino Fundam

ental em Regim

e de Progressão Continuada e sobre os M

ecanismos de A

poio Escolar aos alunos dos Ensinos Fundam

ental e Médio das escolas estaduais.

Ensino M

édio

SP Resolução SE nº 27, 26 de m

aio de 2015. 2015

Altera dispositivo da Resolução SE 73/14.

Ensino M

édio

SP Resolução SE nº 2, de 8 de janeiro de 2016.

2016 Estabelece diretrizes e critérios para a form

ação de classes de alunos, nas unidades escolares da rede estadual de ensino.

Ensino M

édio

SP Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968.

1968 D

ispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado. Estatuto

SP Lei Com

plementar nº 444,

de 27 de dezembro de

1985. 1985

Dispõe sobre o Estatuto do M

agistério Paulista e dá providências correlatas. Estatuto

BRA

SIL Decreto nº 3.276, de 6 de

dezembro de 1999.

1999 D

ispõe sobre a formação em

nível superior de professores para atuar na educação básica, e dá outras providências.

Formação

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133

133 SP

Lei Complem

entar nº 1094, de 16 de julho de 2009

2009

Institui a Jornada Integral de Trabalho Docente e a Jornada Reduzida de

Trabalho Docente para os integrantes do Q

uadro do Magistério da Secretaria

da Educação, cria cargos de docente que especifica e dá outras providências correlatas.

Jornada

SP D

ecreto nº 55.078, de 25 de novem

bro de 2009. 2009

Dispõe sobre as jornadas de trabalho do pessoal docente do Q

uadro do M

agistério e dá providências correlatas. Jornada

SP Resolução SE nº 08, de 19 de janeiro de 2012.

2012 D

ispõe sobre a carga horária dos docentes da rede estadual de ensino. Jornada

SP D

ecreto nº 59.448, de 19 de agosto de 2013.

2013 A

ltera e acrescenta dispositivos ao Decreto nº 55.078, de 2009

Jornada

BRA

SIL Lei nº 9.394, de 20 de dezem

bro de 1996. 1996

Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação N

acional LD

B

BRA

SIL Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.

2014 A

prova o Plano Nacional de Educação - PN

E e dá outras providências. PN

E

SP Lei Com

plementar nº

1010, de 1º de junho de 2007.

2007

Dispõe sobre a criação da SÃ

O PA

ULO

PREVID

ÊNCIA

– SPPREV,

entidade gestora do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos

– RPSP e do Regime Próprio de Previdência dos M

ilitares do Estado de São Paulo – RPPM

, e dá providências correlatas.

Previdência

BRA

SIL Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.

2007 Regulam

enta o Fundo de Manutenção e D

esenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FU

ND

EB. Rem

uneração

BRA

SIL Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008.

2008

Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do A

to das D

isposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do m

agistério público da educação básica.

Remuneração

SP Lei com

plementar nº 1078,

de 18 de dezembro de

2008. 2008

Institui Bonificação por Resultados –BR, no âmbito da Secretaria da

Educação, e dá providências correlatas. Rem

uneração

SP Lei Com

plementar nº

1143, de 11 de julho de 2011

Dispõe sobre a reclassificação de vencim

entos e salários dos integrantes do Q

uadro do Magistério da Secretaria da Educação, e dá providências

Remuneração

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134

134

2011. correlatas.

BRA

SIL Decreto nº 8.618 de 2015.

2015 Regulam

enta a Lei nº 13.152, de 29 de julho de 2015, que dispõe sobre o valor do salário m

ínimo e a sua política de valorização de longo prazo

Remuneração

SP Lei nº 500, de 13 de novem

bro de 1974. 1974

Institui o regime jurídico dos servidores adm

itidos em caráter tem

porário e dá providências correlatas.

Temporários

SP Lei Com

plementar nº 706,

de 4 de janeiro de 1993. 1993

Dispõe sobre a situação funcional dos servidores docentes da Secretaria da

Educação declarados estáveis nos termos do artigo 19, do A

to das D

isposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal, e altera a Lei Com

plementar n. 444, de 27 de dezem

bro de 1985.

Temporários

SP Lei Com

plementar nº 1093

de 16 de julho de 2009. 2009

Dispõe sobre a contratação por tem

po determinado de que trata o inciso X

do artigo 115 da Constituição Estadual e dá outras providências correlatas.

Temporários

SP D

ecreto nº 54.682, de 13 de agosto de 2009.

2009 Regulam

enta a Lei Complem

entar no 1.093, de 16 de julho de 2009, que dispõe sobre a contratação por tem

po determinado de que trata o inciso X

do artigo 115 da Constituição Estadual, e dá providências correlatas.

Temporários

SP Resolução SE nº 67, de 1 de outubro de 2009.

2009 D

elega competência para celebração de contratações por tem

po determinado,

de que trata a Lei Complem

entar nº 1.093, de 16 de julho de 2009. Tem

porários

SP Resolução SE nº 68, de 1 de outubro de 2009.

2009 D

ispõe sobre a contratação de docentes por tempo determ

inado, de que trata a Lei Com

plementar nº 1.093, de 16 de julho de 2009, e dá providências

correlatas. Tem

porários

SP Resolução SE nº 26, de 5 de m

arço de 2010. 2010

Dispõe sobre o exercício de docentes abrangidos pelo disposto no § 2º do

artigo 2º da Lei Complem

entar nº 1.010/2007. Tem

porários

SP Resolução SE nº 29, de 19 de m

arço de 2010. 2010

Dispõe sobre a atuação de docentes nas funções que especifica.

Temporários

SP Resolução SE nº 23, de 23 de fevereiro 2012.

2012 D

ispõe sobre o cadastro de candidatos à contratação por tempo determ

inado para docência nas escolas da rede estadual de ensino

Temporários

SP Lei Com

plementar nº

1.215, de 30 de outubro de 2013.

2013 A

ltera a Lei Complem

entar n. 1.093, de 2009 Tem

porários

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135

135 SP

Resolução SE nº 36, de 25 de m

arço de 2016. 2016

Institui, no âmbito dos sistem

as informatizados da Secretaria da Educação, a

plataforma “Secretaria Escolar D

igital”, onde deverão constar os dados de avaliação e frequência dos alunos, atualizados bim

estralmente, disponíveis

para o acompanham

ento dos quadros gestores e dos pais ou responsáveis.

Trabalho

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136

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ANEXO II – Roteiro de Entrevista (semi-estruturada)

Trabalho:

x Como ingressou no magistério? Qual foi a primeira escola que trabalhou? Qual era a disciplina? Quantidade de aulas? Qual contrato de trabalho? (efetivo, temporário, eventual)

x Trabalha nesta escola há quanto tempo? Como escolheu esta escola? Quantidade de aulas? Disciplinas? Períodos? Contrato de trabalho?

x Trabalha na escola pública há quanto tempo? Em quantas escolas já trabalhou? Com quais disciplinas?

x Além desta escola trabalha em mais alguma? Pública? Privada? Disciplinas? Quantidade de aulas?

x Quantas horas trabalha por dia? x Qual é o seu nível na carreira? Poderia dizer quanto ganha? (somando todos os

trabalhos). Quais as perspectivas para carreira? x Quanto tempo falta para a aposentadoria? Você acha que se aposentará

professor? x Gosta de ser professora/professor? Se não fosse professor/a o que seria? x O que é ser professor/a para você? x O que é um/a bom/boa professor/a para você? Considera-se um/a bom/boa

professor/a? O que falta para ser um/a bom/boa professor/a? (se respondeu que não é)

x Você poderia falar um pouco sobre as condições de trabalho na escola. E sobre as relações com colegas, pais, alunos, direção.

x Do tempo que está no magistério, de que forma as mudanças na escola, na carreira, as políticas da SEE, no geral, afetaram o seu trabalho?

Saúde: Você considera que o trabalho tem afetado sua saúde? Por exemplo, se o trabalho te tira o sono, ou se te deixa muito estressado, ou você se sente sempre cansada/o.

Formação: Você poderia descrever sua trajetória de formação profissional?

Relação com sindicato e participação política:

x Participa de algum sindicato? Qual? x Qual é a participação? (somente como associado ou tem alguma representação –

conselheiro? Direção?) x Participa das reuniões, assembleias, encontros? Com que periodicidade? x Já utilizou algum serviço oferecido pelo sindicato (colônia de férias, convênio

médico, serviço jurídico). x Participa de paralisações e/ou greves? Aderiu à greve do ano passado? x Como participou? Assembleia regional, assembleia geral, passeatas, piquetes? x Participa em alguma outra associação, grupo, instância, partido?

Perfil:

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x Nome x Gênero/sexo x Raça/cor/etnia x Faixa etária/geracional - idade x Estado civil

Origem:

x Qual a formação do cônjuge? Qual sua profissão? x Qual o trabalho dos pais? x Qual a formação dos pais?

x Para finalizar, eu gostaria de saber um pouco da sua rotina. Você poderia me

descrever a semana passada?

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ANEXO III – Temas das Entrevistas

x ORIGEM SOCIAL E TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO

o Formação e ocupação da mãe e do pai

o Instituição e nível de formação

o Estratégias familiares de mobilidade social

x CARREIRA E REMUNERAÇÃO

o Ingresso na carreira

o Desenvolvimento da carreira

o Tempo de magistério

o Perspectivas

o Condições de emprego

o Remuneração

x CONDIÇÕES DE TRABALHO

o Infraestrutura

o Jornada de Trabalho

o Saúde

o Rotina

o Relações de Trabalho na Escola

� Colegas professores

� Funcionários

� Alunos e Pais

� Direção e Coordenação

x PARTICIPAÇÃO

o Relação com sindicato

o Participação em greves/paralisações

o Participação em outros coletivos

x REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE

o Bom professor

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ANEXO IV – Planta da Escola

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ANEXO V – Escala Vigente de Vencimentos PEB II

ANEXO II a que se refere o inciso II do artigo 1º da Lei Complementar no 1.204, de 1º de julho de 2013.

VIGÊNCIA 01/07/2014 Subanexo 3

ESCALA DE VENCIMENTOS – CLASSES DOCENTES

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