giambattista vico: sua proposta sobre o começo das civilizações e
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UNIVERSIDADE de SO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
GIAMBATTISTA VICO:
sua proposta sobre o comeo das civilizaes e os
comentrios rabnicos sobre o dilvio universal.
Maria Angela Marini Esposito
Orientao: Profa. Dra. Vilma de K. Barreto de Souza
So Paulo
2007
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Maria Angela Marini Esposito
GIAMBATTISTA VICO:
sua proposta sobre o comeo das civilizaes e os
comentrios rabnicos sobre o dilvio universal.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps- Graduao
em Lngua e Literatura Italiana do departamento de
Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para
obteno do ttulo de mestre em Letras.
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Agradecimentos
Profa. Dout. Vilma de Katinszky Barreto de Souza que me aceitou como mestranda e, com
muito tato e inteligncia, indicou-me o caminho para que minhas idias e aspiraes se
transformassem num trabalho acadmico. E por ter me ensinado a amar a obra de
Giambattista Vico.
Ao Prof. Dout. Moacir Amncio por ter acreditado no meu projeto, acompanhando-me e
auxiliando-me nas pesquisas sobre literatura judaica.
querida amiga e colega Rosa Caporrino, pela doura e pelas indicaes precisas e teis nos
momentos de crise.
querida amiga Adriana Buarque que, no momento certo e com viso prtica e didtica,
posicionou-me para que eu no me perdesse em idias e divagaes.
aluna e amiga Renata Bulgheroni, pelo precioso auxlio de reviso, que me ajudou a no
cometer tantos italianismos.
Aos meus pais pelo incentivo, por terem me ensinado a levar a srio todo tipo de trabalho e
pelo precioso auxlio na administrao familiar.
Ao meu irmo por me achar mais competente do que realmente sou, fazendo-me acreditar que
valeria a pena seguir em frente.
s minhas amadas filhas, Gianna, Giulia e a pequena Luisa, pelo companheirismo, pela ajuda
e porque souberam ser pacientes e incentivadoras, respeitando minha ausncia e meu
confinamento durante o tempo de pesquisa.
E quele, a quem Vico reverenciou em seu trabalho acadmico e a quem os judeus
reverenciam em suas vidas.
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RESUMO
Esta pesquisa visa evidenciar as semelhanas existentes entre a proposta de Giambattista Vico
sobre o comeo das civilizaes gentlicas e as argumentaes rabnicas relativas ao episdio
do Dilvio Universal, narrado em Gnesis 6 e considerado um documento conservado pelas
tradies orais e verbais judaicas. Buscamos os fundamentos da literatura grego-romana e
judaica que levaram Vico a intuir um mtodo para a verificao das cincias humanas. Tal
mtodo difere do mtodo dedutivo, aclamado pelos intelectuais de sua poca, pois o filsofo
italiano acredita que a religio est presente na base do processo civilizatrio e coloca a
linguagem como o fenmeno que organiza o mundo. Levantamos - nos postulados viquianos
e nas argumentaes rabnicas relativas aos primeiros captulos de Gnesis - as observaes
que apresentam as caractersticas intrnsecas que condicionam os homens a instituir os trs
princpios eternos (religio, casamentos e sepulturas), identificveis na formao de todos os
povos; situamos as trs fases viquianas (divina, herica e humana) nos textos judaicos e
evidenciamos, na viso rabnica de mundo, os fundamentos usados como base para a
formao do conceito viquiano sobre a graa; tal conceito responsvel pela diviso da
humanidade entre hebreus e gentios e d margem s conjecturas relativas existncia de
gigantes no tempo do dilvio.
Palavras chave: Vico Dilvio - argumentaes rabnicas - processo civilizatrio -
Judeus
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GIAMBATTISTA VICO: its proposal of the civilization beginning and the rabbinical arguments about the Universal Flood.
ABSTRACT
This research aims to evidence the existing similarities between the proposal of Giambattista
Vico about the beginning of the heathen civilization and rabbinic arguments about the episode
of the Flood, in Genesis 6, considered a document conserved for Jewish oral and verbal
traditions. We searched for the beddings of literature Jewish and Greek-Roman that allowed
Vico to intuit a method for the verification of human beings sciences. Such method differs
from the deductive method, acclaimed for the intellectuals of its time: the Italian philosopher
believes that the religion is present in the base of the civilization process and places the
language as the phenomenon that organizes the world. We showed - in the vichian postulates
and the rabbinic arguments about the first chapters of Genesis - the comments that focus the
intrinsic characteristics which induce the men to institute the three perpetual principles
(religion, marriages and sepultures), identifiable in the formation of the nations everywhere;
we pointed the three vichian phases (divine, heroic and human being) in the Jewish texts and
we evidence, in the rabbinic view of world, the beddings used as base for the elaboration of
the vichian concept about the favour; such concept is responsible for the division of the
humanity between heathen and Hebrews allowing conjectures about the existence of giants in
the time of the Flood.
Keywords: Vico - Flood rabbinic arguments civilization process Jewish
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SUMRIO
INTRODUO 7
CAPTULO I Fundamentos tericos da teoria viquiana: a religio e a fantasia criadora na base do processo civilizatrio. 15
I. 1 A metafsica de Vico 15 I. 2 O Dicionrio Mental e os Poetas Telogos 23 I. 3 A poesia e a religio: a teoria da graa e o sentimento do
trgico 31
CAPTULO II Os pressupostos viquianos e a literatura judaica: o modelo Judaico de aculturao 35
II. 1 Um princpio civilizatrio comum identificado na mitologia dos povos 35
II. 2 Do resduo de textos sagrados 39 II. 3 A literatura judaica e as tradies Jawista e Elohista 41 II. 3.1 Da histria da literatura e da cultura judaica 42 II. 3.2 Tor , Talmude, Midrash 45 II. 3.3 O Midrash do dilvio 48 CAPTULO III A proposta viquiana sobre o comeo das civilizaes e os comnetrios rabnicos sobre o dilvio universal 51 III.1 O homem se relaciona com a divindade 53 III.2 Os pressupostos eternos ou caractersticas intrnsecas que
conduzem o homem a empreender um comeo civilizatrio por meio da religio 55
III. 2.1 A capacidade de se comunicar, o carter socivel, o livre-arbtrio e o senso comum 55
III.3 As civilizaes se estabelecem a partir dos trs princpios universais e eternos (religio,casamentos, sepulturas) 66 III. 4 A histria se desenvolve por fases 71 III.5 A linguagem o fenmeno que organiza o mundo 75 CONCLUSO 80
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ANEXO A G.Vico - La Scienza Nuova Idea dellopera pg 13/14/15 82 ANEXO B Bblia Sagrada - Gnesis 6: 1-12 59 84
ANEXO C Midrash Rab - Bereshit (Genesis) XXVI: 6:1 85
BIBLIOGRAFIA 86
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Giambattista Vico: sua proposta sobre o comeo das civilizaes e os comentrios
rabnicos sobre o dilvio universal
INTRODUO
Giambattista Vico1 reconhecido como um dos nomes mais representativos da
italianidade; sua obra mxima, A Cincia Nova2, o resultado de um trabalho pioneiro que
vincula conceitos filosficos, filolgicos, religiosos e jurdicos em funo da histria. Vico
investiu na pesquisa de documentos antigos, contrariando a expectativa de seu tempo,
fortemente voltada para as comprovaes cientficas de tipo matemtico: partindo de
pressupostos metafsicos e adotando critrios prprios para a validao das cincias humanas,
Vico prope inmeros temas que hoje so investigados e discutidos. 3
Nosso campo de atuao tem sido o ensino da lngua, arte e cultura italiana e
Giambattista Vico sempre foi um dos nossos objetivos de estudo. Nossa modesta experincia
limitava-se ao conhecimento de alguns aspectos da teoria viquiana e, ao ingressarmos no
curso de Ps-Graduao, sem ter ainda um projeto de pesquisa, optamos por mergulhar no
universo intelectual do filsofo napolitano. Estudar Vico leva a uma reflexo abrangente que
contempla diferentes frentes de trabalho4; o filsofo e fillogo napolitano entrelaa teorias e
conceitos importantes, diretamente voltados aos nossos focos de interesse.
1 Giambattista Vico, filsofo, jurista e lingista do sc. XVII/XVIII. Sua obra principal, A Cincia Nova, elabora um comeo para a histria da humanidade que caminha em direo oposta ao cientificismo de sua poca. Usaremos para indic-lo, daqui por diante, a sigla GV ou simplesmente Vico. 2 Utilizaremos as citaes viquianas do livro La Scienza Nuova giusta ed. Del 1744 - Ed.Laterza - 1974. Fizemos as tradues e colocamos os trechos originais nas notas de rodap. 3 Acessando a Internet, podemos encontrar os Centros de estudos viquianos, espalhados pelas capitais do mundo. 4 Durante o curso de especializao (1981/82) com o Professor Carlo Ludovico Ragghianti (1910-1987 - Professor e crtico de Arte, fundador da U.I.A. - Universit Internazionale dellArte em Florena) fomos motivados a conhecer as posies viquianas relativas esttica, sem, contudo visualizarmos o universo da Cincia Nova como um todo. As perguntas e incertezas desse perodo juvenil encontram respaldo nos dias de hoje, medida que aprofundamos nossos conhecimentos sobre histria da arte, sobre a Bblia e sobre lngua e cultura italiana.
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Durante o curso A Histria e o mito na potica de Giambattista Vico 5 chamou-nos
a ateno o fato de Vico colocar o mito e a palavra no cerne do fato histrico, elegendo,
dentre as obras de Plato, Aristteles, Santo Agostinho e outros, a Bblia como documento
fundamental para explicar o incio das civilizaes. O filsofo aceita o pressuposto de que na
terra paradisaca de Ado nunca chovera6 at que as guas torrenciais da catstrofe diluviana
inundaram a terra, ocasionando o aparecimento do raio, que Vico explica como materie
ignite, in aria, a ingenerarvisi i fulmini 7. O mito criado em torno do fenmeno eltrico
teria dado origem aos inmeros Joves8, presentes nas fbulas de diferentes povos antigos;
para Vico, a existncia de tantas fbulas antigas a respeito do dilvio no s demonstra que os
povos registram sua histria fsica como atestam que as guas teriam coberto toda a face da
terra. O relato bblico da catstrofe seria mais um dentre tantos registros, e nele Vico situa um
comeo para os gentios e uma continuao para os hebreus.
Vico acredita que todas as histrias gentlicas tm favolosi principi e que o povo
hebreu teria sido o nico a no ter inventado com le favole - isto , com as fbulas - seu
incio histrico.
[...] e para contemplar com razes tambm humanas todo o crvel cristo, que parte
do seguinte princpio: que o primeiro povo do mundo foi o hebreu e seu prncipe foi
Ado, o qual foi criado pelo Deus verdadeiro. 9
5 Ps-graduao Letras Modernas Lngua e Literatura italiana USP 2002 ministrado pela Profa. Dout. Vilma de K.B. de Souza. 6 Gen 2:5: ... porque ainda o Senhor no tinha feito chover sobre a terra... um vapor, porm, subia da terra...- ALMEIDA, Joo Ferreira de - Bblia Sagrada Florida, Ed. Vida, l990. Utilizaremos as citaes bblicas dessa edio. 7 Isto , material advindo de exalaes secas que pudessem gerar o fenmeno gnio do raio, que B.Franklin, em 1752 explicaria como descarga eltrica. La Scienza Nuova - Lib. I - Sez II Degli Elementi pag. 109
8 175 Varro teve a diligncia de recolher trinta mil nomes de deuses (e outros tantos foram encontrados entre os gregos) nomeados de acordo com cada necessidade da vida natural, moral, economica ou civil dos primeiros tempos La Scienza Nuova Livro I. Sez. II- Degli Elementi - pag. 105.
9 51 [...] e per assistere con ragioni anco umane a tutto il credibile cristiano, il quale tutto incomincia da cio: che l primo popolo del mondo fu egli lebreo, di cui fu principe Adamo, il quale fu creato dal vero Dio con la criazione del mondo. La Scienza Nuova - Lib. I Sez. I - Annotazioni alla tavola cronologica nelle quali si fa l'apparecchio delle materie pag. 51
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Na teoria viquiana, a criao da terra e da humanidade est vinculada existncia de
um Deus verdadeiro, identificado na Tor, o livro sagrado dos judeus.
Estas so as origens dos cus e da terra, quando foram criados; no dia em que o
Senhor Deus fez a terra e os cus, e soprou em suas narinas o flego da vida; e o
homem foi feito alma vivente.
E plantou o Senhor Deus um jardim no den, do lado oriental; e ps ali o homem
que tinha formado. 10
Vico situa nos captulos anteriores ao Gnesis 6 os pressupostos universais e eternos
com os quais Deus teria capacitado a humanidade representada em Ado: a habilidade de se
comunicar e de se relacionar com a divindade por meio de leis so requisitos do primeiro
homem e a histria dos incios, contada no relato bblico mediante caracteres poticos,
serve de base para que o filsofo elabore sua teoria sobre a graa 11, na qual o Deus da
criao no um mito ou um deus inventado; na histria das civilizaes gentlicas, que
aparecem depois do dilvio, a escolha dos descendentes de No de viverem num esquema
fora da graa d incio a novas religies: no exerccio do livre arbtrio (um dos
pressupostos eternos e universais da teoria viquiana12 os homens puderam optar por uma
organizao diferente daquela proposta pelo Deus de Ado:
[...] num longo espao de anos as raas mpias dos trs filhos de No prosseguiram
num estado ferino e divagando se afastaram e espalharam-se pela grande selva da
10 Gnesis 2 : 7-8 - Bblia Sagrada . 11 Durante sua estadia em Vatolla, Vico aprofunda seus conhecimentos sobre leis e direito cannico, relacionando-os graa; a meditao viquiana relativa aos conceitos filosficos e teolgicos em torno da graa divina o conduz a desenvolver uma suspeita, porm admirvel, pesquisa filolgica, que culmina com a elaborao de sua teoria sobre o direito natural das gentes. Seus estudos tomam por base a teoria da graa meditada sobre o texto de Gnesis, possivelmente enriquecida com anlises rabnicas e midrashicas. 12 No captulo I deste trabalho falaremos dos pressupostos eternos a que se refere GV.
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terra, e com a educao ferina (selvagem) puderam desenvolver-se, tornando-se
gigantes, no tempo em que o primeiro raio fulminou o cu depois do dilvio. 13
O captulo 6 do Gnesis contm o relato do dilvio universal e apresenta os efeitos da
escolha de uma vida dentro e fora da graa num ambiente pr-diluviano:
Viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que toda a
imaginao dos pensamentos de seu corao era m continuamente. Ento o Senhor
arrependeu-se de haver feito o homem sobre a terra e isso lhe pesou no corao.
Disse o Senhor: Destruirei de sobre a face da terra o homem que criei, tanto o homem
como o animal, os rpteis e as aves do cu; pois me arrependo de hav-los feito.
No porm achou graa aos olhos o Senhor. 14
GV considera diferentes princpios que incluem o sobrenatural, a natureza fsica e o
universo de pensamentos e crenas que povoam a mente dos homens em todos os tempos e
os rene num nico princpio: o verum et factum convertutur "15; com ele, Vico cria um
vnculo inexorvel entre a verdade dos fatos - que produzem a histria - e a criao de Deus -
que se faz continuamente. Deus onisciente e onipotente enquanto criador do ser, mas a
histria objeto de conhecimento do homem porque ele quem a faz16; e a faz com idias,
registros e palavras. assim que a Cincia Nova aparece como a primeira cincia a garantir a
autoridade da filosofia com a filologia e vice-versa.
13 195 [...] dentro tal lunghissimo corso d'anni le razze empie degli tre figliuoli di No fussero andate in uno stato ferino, e con un ferino divagamento si fussero sparse e disperse per la gran selva della terra, e con l'educazione ferina vi fussero provenuti e ritruovati giganti nel tempo che la prima volta ful min il cielo dopo il diluvio. - La Scienza Nuova Livro I. Sez. II- Degli Elementi - pag. 109.
14 Gnesis cap. 6:5-8 - Biblia Sagrada 15 Trata-se do princpio viquiano que valida todo o conhecimento humano: o verum et factum convertutur, ou o verdadeiro o prprio feito - A antiqussima sabedoria dos itlicos - G.Gentile e F.Nicolini, Bari, Laterza, 1914, pag.131 16 Postulado citado e traduzido na pg. 20 deste trabalho, nota 38 - La Scienza nuova - De principi Lib. I Sez. III - pag 143
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A filosofia contempla a razo, de onde vem a cincia do verdadeiro (do que
realmente aconteceu); a filologia observa a autoridade do arbtrio humano, de onde
verificao do certo... Este mesmo axioma demonstra que aos filsofos faltou uma
metade de conhecimento por no terem se certificado com a autoridade dos fillogos
assim como os fillogos no tiveram o cuidado de tornar verdadeiras as suas
colocaes com a razo dos filsofos; e se ambos o tivessem feito teriam sido mais
teis s republicas e seramos poupados de meditar esta Cincia. 17
Vico recolhe e digere as informaes obtidas empreendendo um estudo aprofundado
de lendas e fbulas, num tipo de trabalho que combina hermenutica e filologia; essas
ferramentas, nas mos de exegetas da qualidade de GV, permitem que se imprima um nvel de
ateno leitura que mais tarde poder ser equiparado ao dos tradutores de textos
considerados sagrados. O mesmo nvel de ateno encontrado nas argumentaes rabnicas
em torno da Tor, um dos livros sagrados ao qual Vico atribuiu valor de documento. Sua obra
revela o esforo em visualizar a dinmica dos fatos num perodo atemporal e, nesse tipo de
trabalho, enxergamos uma semelhana com o modo de argumentar dos rabinos. Os
comentrios viquianos e rabnicos relativos catstrofe diluviana (objeto de dissertao do
captulo III deste trabalho) apresentam um modo de investigar que parte de um exerccio de
cincia pura: as palavras criam o contexto filosfico e fsico, fazendo com que as idias
fluam de modo a ampliar os conceitos que consideram apenas os princpios naturais para
explicar os incios da humanidade. As informaes contidas no Midrash Rab18 captulo
XXVI, que comenta o episdio bblico do dilvio, permitem supor que Vico, assim como os
rabinos, adotou o livro sagrado como uma fonte inesgotvel de discusso: temas mitolgicos,
literrios, histricos, jurdicos e religiosos so abordados, harmonizados e interpretados de
17 138 La filosofia contempla la ragione, onde viene la scienza del vero; la filologia osserva lautorit dellumano arbitrio, onde viene la comienza del certo..Questa medesima degnit dimostra aver mancato per met cos i filosofi che non accertarono le loro ragioni con lautori de filologi, come il filologi che non curarono davverare le loro autorit con la ragio de filosofi; lo che se avessero fato, sarebbero stati pi utili alle reppubliche e ci avvrebbero prevenuto nel meditare questa Scienza. - Scienza Nuova Livro I. Sez.II - Degli Elementi - pag. 95 18 O captulo II deste trabalho fornece os dados de nossa pesquisa sobre literatura judaica, estudados durante os cursos: Introduo viso talmdica do mundo, ministrado para a Ps-Graduao USP pelo prof. Dout. Moacir Amncio e Histria dos tempos bblicos, ministrado pela prof dout. Ruth Leftel (Letras Orientais 2003 e 2006).
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modo a corroborar o texto bblico. Vico e os mestres da literatura rabnica no se concentram
no fato, mas em como ocorre o fato e, para tanto, procuram il vero (a verdade) na filosofia
e il certo (a certeza) que o processo lingstico pode fornecer atravs da pesquisa filolgica.
Neste trabalho apresentaremos nossa pesquisa referente aos critrios usados por
Giambattista Vico para eleger o captulo 6 do Gnesis como o marco que d incio s
civilizaes gentlicas. Evidenciaremos a postura metafsica e cientfica de Vico com relao
religio e aos registros lendrios conservados desde os tempos por ele considerados
obscuros e avaliaremos a histria e os mecanismos de conservao da memria do povo
hebreu que, de acordo com Vico, possui a mais antiga das tradies e uma teofania
privilegiada com relao dos outros povos. Nossa pesquisa levanta as colocaes viquianas
e rabnicas que apresentam a religio e a linguagem como fatores de aculturao e evidencia a
semelhana entre o mtodo de argumentao do filsofo italiano e o mtodo perpetuado pelos
mestres da literatura rabnica, apresentando tambm a semelhana de contedo existente entre
os postulados viquianos e talmdicos, relativos formao das civilizaes, existncia de
um Deus revelado e criao de deuses inventados.
O filsofo avalia, ao longo de sua obra, a origem das religies, das falas e das leis,
considerando a fase admica e estabelecendo, a partir da, as diferenas entre a viso judaica e
a gentlica, que se formaria numa fase ps-diluviana. Vico vincula o judasmo a um tipo de
viso de mundo que se apia na graa e nas leis da Tor, enquanto a cultura ocidental seria
plasmada por um tipo de viso fatalista: no incio das civilizaes que se formariam a partir
de Sem, Cam e Jafet, o filsofo identifica os princpios fisiolgicos e metafsicos que regem a
humanidade desde sempre e os princpios religiosos e jurdicos que separam o povo hebreu
dos demais povos que se formaram na terra. Ao adotar livros sagrados como documento,
identificando nos mitos e nas lendas o fundo de verdade no qual se apia o fato histrico,
Vico traz luz os critrios de estudo que seriam adotados para as disciplinas humanas que
fariam parte do universo de matrias tais como as conhecemos hoje.
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A distribuio do trabalho
Dispomos nosso trabalho em trs captulos, procurando evidenciar os pontos do
pensamento viquiano e rabnico que revelam afinidades, no que se refere proposta sobre o
incio da humanidade e o incio das civilizaes.
O captulo I ter como tema principal os fundamentos da teoria viquiana que situam a
religio e o fenmeno lingstico na base do processo civilizatrio, focalizando o aspecto
metafsico de sua proposta e a importncia que as tradies orais e verbais judaicas exerceram
na formao do pensamento viquiano. Citaremos as colocaes de Umberto Eco19 e Walter
Benjamin20 para a base terica que explica o criacionismo cientfico de Vico e a funo da
linguagem no processo civilizatrio da humanidade desde a fase admica, na qual o filsofo
identifica a sabedoria potica e a lgica potica. Apresentaremos os postulados viquianos
referentes formao da linguagem dos homens nas diferentes idades (divina, herica e
humana) e sua teoria sobre o aparecimento dos poetas telogos, para relacion-los com os
registros histricos que revelam o mais antigo mtodo de conservao da memria fundado
pelos hebreus. Focalizaremos as vises judaica e trgica do mundo sob a tica de George
Steiner21, vinculando-as ao conceito viquiano e rabnico de graa - que estabelece a
diferena fundamental entre a civilizao hebraica e a gentlica.
No captulo II deste trabalho o tema fundamental versar sobre os aspectos da
literatura judaica, que identificam a Tor e o Talmude como seus livros fundamentais e o
Midrash como a expresso potica ou espiritual do pensamento judaico. Apresentaremos
nossa pesquisa relativa ao mtodo de conservao da memria, consagrado pelos judeus22,
cujos registros (relativos catstrofe diluviana), avaliados sob a tica histrica e midrashica, 19 Umberto Eco ( 1932- ). Doutor em semitica, a esttica medieval, a comunicao de massa, a lingstica e a filosofia. Consideraremos as citaes do livro Teorie contemporanee della traduzione Siri Nergaard,l995 20 Walter Benjamin (Berlim 1892 -1940). Filsofo crtico das tcnicas de reproduo em massa da obra de arte. Consideraremos as citaes do livro Teorie contemporanee della traduzione Siri Nergaard,l995
21 George Steiner (1929 - ), atualmente professor de literatura comparativa ( Oxford); ensinou em Harvard e Cambridge. Consideraremos as citaes do livro A morte da tragdia - Faber e Faber, 1961.
22 Para essa pesquisa nos servimos dos conceitos e da bibliografia fornecida durante os cursos feitos junto ao Centro de estudos judaicos da USP.
20
http://pt.wikipedia.org/wiki/Semi%C3%B3ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_M%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ling%C3%BC%C3%ADsticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arte
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serviram de base para que Vico adotasse o episdio como um marco para o incio da
civilizao gentlica. Apresentaremos os critrios lingsticos para a verificao cientfica de
textos antigos e sagrados, avaliando as teorias de Eugne Nida23 sobre o outro cultural e
resduo da mensagem que se preserva no tempo. Falaremos do modus operandi de Vico,
que difere daquele adotado pelos dotti di sapienza riposta24 por ser centrado na reavaliao
da mensagem residual de textos antigos e na adoo da filologia como instrumento de
certificao, com o qual rabinos e tradutores de textos sagrados e antigos tambm
trabalharam.
No captulo III apresentaremos como tema fundamental as evidncias que
encontramos na proposta de Vico para o incio da humanidade e as anlises rabnicas
presentes no Midrash Rab XXVI relativas ao Gnesis 6: 1-11. Indicaremos as colocaes
metafsicas de Vico, que apresentam semelhanas com o contedo cosmogolgico judaico,
expresso nos textos da Tor e nos comentrios talmdicos25. Confrontaremos os postulados
viquianos que falam das caractersticas intrnsecas do homem, que culminam com a proposta
da diviso da humanidade entre hebreus e gentios; de tais caractersticas (que Vico chama de
pressupostos) surgem os princpios que conduzem o homem a empreender um comeo
civilizatrio por meio da religio. Situaremos os princpios viquianos (religio, matrimnios e
sepulturas) e as fases viquianas (divina, herica e humana) nos textos judaicos, evidenciando
a importncia da linguagem como fenmeno desencadeante da histria.
Tendo como base as colocaes viquianas relativas ao incio das civilizaes, o relato
bblico que narra a catstrofe diluviana em Gnesis 6 e as relativas interpretaes midrashicas,
levantaremos algumas evidncias que mostram as afinidades existentes entre a filosofia de
Giambattista Vico e a viso talmdica de mundo.
23 Eugne Nida - lingista-antroplogo-missionrio-tradutlogo dos anos 50. Consideraremos a bibliografia sugerida durante o curso de Teoria da traduo Ps-Graduo USP 2002 ministrado pela Prof. Dout. Lucia Watagin. 24 Expresso viquiana usada para classificar os doutos de sabedoria re-elaborada. 25 Confrontaremos os postulados viquianos com alguns versculos do Gnesis e as relativas citaes do Midrash Habbad. Nossos comentrios sero enriquecidos com artigos e estudos pesquisados, tais como a metodologia de Bacon e artigos de especialistas como a Prof. Dout. Tiziana Portera.
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CAPTULO I
Fundamentos tericos da teoria viquiana: a religio e a
fantasia criadora na base do processo civilizatrio.
I. 1 A metafsica de Vico
O interesse de GV por conceitos universais aparece desde sua juventude26 e sua obra
como um todo se reveste de metafsica. A metafsica de Vico convive com um tipo de
racionalismo diferente daquele pregado por seus contemporneos: dos estudos filosficos,
religiosos e mitolgicos, extrai o comportamento padro do ser humano frente divindade e
intui uma metafsica della mente, presente nos homens de todos os tempos e todas as raas.
Para encontrar tais naturezas das coisas (primitivas) procede esta Cincia com uma
sria anlise dos pensamentos humanos referentes s necessidades humanas ou
utilidades desta vida, que so duas fontes perenes do direito natural das gentes, como
j se disse nos axiomas. Portanto, outro principal aspecto desta Cincia ser uma
histria das idias humanas sobre a qual deve proceder a metafsica da mente
humana. 27
Vico acredita que, desde aquilo que ele prprio chama de primeira barbrie - um
momento em que o ser humano vive num ambiente selvagem e num estgio incivilizado- o
homem seja induzido a se comunicar com a divindade; assim sendo, conhecer a metafisica
della mente significa ter acesso s idias desses homens. O filsofo afirma que a religio
estaria base do processo civilizatrio, no sendo, portanto, um fenmeno presente apenas
nas sociedades desenvolvidas. Para Vico, todos os povos apresentam um comeo civilizatrio
e nele existe a concepo de uma divindade: essa a base ontolgica que conduz o filsofo a
definir sua cincia como uma teologia civile ragionata della provvedenza divina:
26 Opere reviso de Fausto Nicolini - Milo, l953 pginas iniciais da Autobiografia . 27 347 Per andar a truovare tali nature di cose umane procede questa Scienza con una severa analisi de' pensieri umani d'intorno all'umane necessit o utilit della vita socievole, che sono i due fonti perenni del diritto natural delle genti, come pure nelle Degnit si avvisato. Onde, per quest'altro principale suo aspetto, questa Scienza una storia dell'umane idee, sulla quale sembra dover procedere la metafisica della mente umana.- La Scienza Nuova Lib. I Sez. VI - Del mtodo lib I . sez. IV pg 150
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Portanto esta Cincia, por um de seus aspectos principais, deve ser uma teologia
civil raciocinada da providncia divina, a qual parece ter faltado at agora, porque
os filsofos ou a desconheciam, como os esticos e epicuristas que dizem ser um
concurso cego de tomos ou uma cadeia de causas e efeitos que conduzem as atitudes
dos homens, considerando assim somente a ordem natural das coisas, onde teologia
natural eles chamam de metafsica e com ela contemplam os atributos de Deus,
confirmando-as com somente a ordem fsica... 28
GV acredita que, movido por uma curiosidade inata, o homem procura entender os
fenmenos circunstantes e, no anseio de comunicar as imagens e sensaes que povoam sua
mente, pe em ato a provvedenza divina que procede do verbo divinare ou adivinhar. O
processo mental desprezado pelos naturalistas - s se concretiza quando o ser humano se
expressa, e quando o faz deixa indcios ou sinais sensveis, que comprovam sua capacidade de
pensar falando. Vico elabora seu estudo cientfico avaliando as marcas deixadas pelos
homens e identifica pressupostos eternos e universais num ser ferino que se relaciona com as
entidades que mitifica; os seres humanos, interagindo com seus mitos, do seus primeiros
passos em direo a algum tipo de organizao social e por essa razo que o filsofo define
sua teologia como teologia civil. Empreendendo o caminho oposto ao de seus
contemporneos basicamente esticos e epicuristas, que encaravam, sobretudo, o aspecto
natural da teologia - a nova arte crtica, a Cincia Nova, passa a ser a prpria histria, que
vem luz a partir do estudo exegtico de livros sagrados e antigos. Os fatos reais embutidos
na maneira com a qual os homens deram forma s suas idias falando - podem ser extrados
nas lendas e mitos da antiguidade e, no mais antigo dos relatos - a Tor -, o filsofo encontra
o momento no qual Ado teria se expressado pela primeira vez num tipo de comunicao
espiritual que no necessita de sinais sensveis, conhecido como linguagem santa:
28 342 Perci questa Scienza, per uno de' suoi principali aspetti, dev'essere una teologia civile ragionata della provvedenza divina. La quale sembra aver mancato finora, perch i filosofi o l'hanno sconosciuta affatto, come gli stoici e gli epicurei, de' quali questi dicono che un concorso cieco d'atomi agita, quelli che una sorda catena di cagioni e d'effetti strascina le faccende degli uomini; o l'hanno considerata solamente sull'ordine delle naturali cose, onde teologia naturale essi chiamano la metafisica, nella quale contemplano questo attributo di Dio, e l confermano con lordine fsico[...].La Scienza Nuova Lib. I Sez. I - Annotazioni alla tavola cronologica nelle quali si fa l'apparecchio delle materie pg 150
23
-
Lgica que deriva de logos e que antes e apropriadamente significou fbula,
que deu origem palavra favella no italiano (que significa falar) - e a fbula para
os gregos diz-se tambm mthos, que para os latinos mutus - tal lgica nos
tempos iniciais , quando a linguagem era muda, nasceu mental....em que logos
significa tanto idia como palavra[...] e essa primeira forma de falar dos poetas
telogos no foi segundo a natureza das coisas (como deve ter sido a lngua santa de
Ado, a quem Deus concedeu a divina onomathesia , isto , a imposio de nomes s
coisas segundo a natureza de cada uma) mas foi um falar fantstico (fantasiado) por
substncias animadas, a maior parte delas imaginadas divinas. 29
Para Vico, o ato de se comunicar teve um comeo admico sobrenatural, no qual as
coisas no precisavam ser imaginadas divinas; no momento seguinte, em que o homem tenta
adivinhar, a comunicao considerada natural, porque se baseia na formulao das idias e
comea com gestos - maneira dos mudos, desenhos na forma de ideogramas - e gemidos
isto , cantando30:
Os mudos se explicam por atos do corpo que possuem relaes naturais com as
idias que querem significar.
Esta dignidade (axioma) 31 o principio dos hierglifos e verificou-se que todas as
naes os usaram para falar na sua primeira barbrie.
Este o princpio do falar natural que conjetural Plato no Crtilo em depois dele
Giamblico, De mysteriis aegyptiorum ter-se falado no mundo. 32
29 Logica vien detta dalla voce lgos, che prima e propiamente signific "favola", che si trasport in italiano "favella" - e la favola da' greci si disse anco mthos, onde vien a' latini "mutus", - la quale ne' tempi mutoli nacque mentale ..... onde lgos significa e "idea" e "parola"......perch cotal primo parlare, che fu de' poeti teologi, non fu un parlare secondo la natura di esse cose (quale dovett'esser la lingua santa ritruovata da Adamo, a cui Iddio concedette la divina onomathesia ovvero imposizione de' nomi alle cose secondo la natura di ciascheduna), ma fu un parlare fantastico per sostanze animate, la maggior parte immaginate divine.- La Scienza nuova - Libro Secondo Cap I - Lgica potica pag 188
30 230 Estes dois supostos axiomas (fazem suspeitar) que os autores das naes gentlicas, uma vez que foram levados a um estado ferino de selvagens mudos e privos de lgica, foram empurrados por violentas paixes e assim formaram as suas primeiras linguas cantando.- La Scienza nuova Lib.I Sez II Degli Elementi pag 116
31 Vico chama seus postulados de degnit ( dignidade ) ; para maior compreenso, usaremos axioma ou postulado para as degnit viquianas.
24
-
As idias e as imagens que nascem num momento infantil (fanciullo33) da humanidade
tendem a ser mitificadas e por meio da linguagem que o homem procura entender o mundo
sua volta: o fenmeno religioso aparece ento como fator desencadeante de cultura. Na
metafsica della mente, o mito responsvel pelo eclodir de um tipo de sabedoria - a
sapienza poetica - que acontece numa linguagem muta (muda) e se utiliza de gestos, imagens
e gritos.
Vico apresenta um ser humano que, mesmo brbaro, cultua, buscando entender os
auspcios da divindade que o atemoriza; de acordo com sua teoria, o homem passa por
diferentes etapas, no s no arco de sua prpria vida como tambm no curso da histria e em
cada uma delas apresenta diferentes modos de expresso; numa primeira fase, atravs da
fantasia criadora, a poesia ou a linguagem comovida se faz mediante gestos e sons
representativos de emoes que anseiam revelar o mito. Numa segunda etapa, h um registro
potico fantstico e finalmente, em tempos de reflexo, os registros sero feitos numa
linguagem articulada.
Os homens primeiro sentem sem se aperceber, depois se apercebem com esprito
perturbado e comovido e finalmente refletem com mente pura. 34
As caractersticas potenciais do ser humano aparecem desde a fase admica e
compem aquilo que na teoria viquiana chamado de metafsica della mente: na mente dos
seres humanos h um depsito de idias e reside um universo de expresses que Vico define
como vocabolario mentale:
32 225 I mutoli si spiegano per atti di corpo channo naturali rapporti allidee chessi vogliono significare . 226 Questa degnit l principio de geroglifici, co quali si truovano aver parlato tutte l nazioni nella loro prima barbrie. 227 Quest'istessa 'l principio del parlar naturale, che congettur Platone nel Cratilo, e, dopo di lui, Giamblico, De mysteriis aegyptiorum, essersi una volta parlato nel mondo. - Vico faz referncia a Cratilo; o filsofo grego pregava que no se deveria nem mesmo falar, devido impossibilidade de se nominar as coisas: no momento em que o fazemos j so outra coisa e, na impossibilidade de nomin-las, melhor mover apenas o dedo. (Metafisica, IV 5, 1010A). - La Scienza nuova Lib. II Cap I - Lgica potica pag 188
33 187 Esta dignidade filolgico-filosofica prova que os homens do mundo infantil, por natureza, foram sublimes poetas. - La Scienza nuova - Lib. I Sez.II - Degli elementi-pag107 34 218 Gli uomini prima sentono senz'avvertire, dappoi avvertiscono con animo perturbato e commosso, finalmente riflettono con mente pura. La Scienza Nuova - Libro I Sez.II Degli elementi - pag114
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necessrio que exista, na natureza das coisas humanas, uma lngua mental,
comum a todas as naes, a qual, de maneira uniforme, contenha a substncia das
coisas e atos da vida humana em sociedade, e a explique com diferentes modificaes
de acordo com os diversos aspectos das coisas; assim que experimentamos serem
verdadeiros os provrbios, que so mximas de sabedoria popular que utilizam
aspectos significantes diferentes para expressar a mesma substncia, e possuem o
mesmo significado entendido por todas as naes, sejam elas antigas ou modernas. 35
Na concepo de Vico, o homem pr-histrico (ou o selvagem de tribos extintas ou
ainda existentes) apresenta caractersticas comuns - no que se refere ao universo de idias -,
podendo manifest-las, express-las e classific-las de maneiras diferentes. O filsofo afirma
ainda que todos os idiomas desenvolvem-se, apresentando estgios de evoluo; ou seja, as
falas vo se adaptando s fases vividas pelo homem e cada fase indica um estgio de
apreenso e compreenso do mundo sua volta. medida que o esprito se torna menos
perturbado, a criatividade, que proporcionalmente maior quanto menor for o raciocnio36,
vai dando lugar razo; nesse processo de desenvolvimento mental, a linguagem assume um
papel de facilitadora e as fases evolutivas podem ser identificadas no modo como os
homens se expressaram. Vico classifica, ento, a passagem da linguagem emocionada para a
articulada em trs fases ou idades que acontecem no momento seguinte ao da linguagem
santa; no relato da criao (registrado no livro de Gnesis da Tor), ao lado das noes e leis
prescritas por Deus, o filsofo teria encontrado as tais caractersticas comuns ou os
pressupostos universais e eternos, um dos quais aponta para a capacidade de comunicao,
que acompanhar os homens nas fases divina, herica e humana.
No incio sem tempo, o relato mosaico sugere que o Criador teria estabelecido um
padro eterno de comportamento humano, que na metafsica viquiana parece como ordens da 35161 E' necessario che vi sia nella natura delle cose umane una lingua mentale comune a tutte le nazioni, la quale uniformemente intenda la sostanza delle cose agibili nell'umana vita socievole, e la spieghi con tante diverse modificazioni per quanti diversi aspetti possan aver esse cose; siccome lo sperimentiamo vero ne' proverbi, che sono massime di sapienza volgare, l'istesse in sostanza intese da tutte le nazioni antiche e moderne, quante elleno sono, per tanti diversi aspetti significate. La Scienza Nuova - Libro I Sez.II Degli elementi- pag 101
36 185 La fantasia tanto pi robusta quanto pi debole il raziocinio La Scienza Nuova - Libro I Sez.II Degli elementi - pag107
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providncia:
Onde tal cincia deve ser uma demonstrao, por assim dizer, de fato histrico da
ico situa os pressupostos eternos e universais, sugeridos na Tor, nos relatos
mitolg
[...] este mundo civil foi certamente feito pelos homens, onde podem e devem ser
Vico a m padro, derivado de um
providncia, porque deve ser uma histria das ordens que ela (a providncia), sem tomar discernimento e conselho e muitas vezes contra as proposies humanas, deu a todo o gnero humano e, mesmo que este mundo tenha sido criado em tempo e
situaes diferentes, as ordens que a providncia colocou so universais e eternas. 37
V
icos que deram origem civilizao ocidental; no relato bblico esto expressos os
pressupostos ou caractersticas intrnsecas do ser humano na figura de Ado e GV analisa de
que forma o povo hebraico estabeleceu suas noes e leis a partir das prescries divinas
admicas. O livro do Gnesis expe a criao do universo como um ato divino e a instituio
das leis como uma decorrncia de usos e costumes humanos. A Tor passa a ser, ento, o
documento oficial, no qual Vico localiza no s a divindade que d origem e capacita o
homem, como tambm a humanidade que responsvel pela criao e cristalizao dos
costumes que fazem a histria.
encontrados os princpios dentro das modificaes da nossa prpria mente humana.
Assim sendo, qualquer um que reflita sobre isso, ficar maravilhado como todos os
filsofos estudaram seriamente para conseguir ter a cincia deste mundo natural, que
por ter sido feito por Deus, s Ele possui a cincia. 38
credita que desde a gnese da humanidade exista u
37 342 Laonde cotale Scienza dee essere una dimostrazione, per cos dire, di fatto istorico della provvedenza, perch dee essere una storia degli ordini che quella, senza verun umano scorgimento o consiglio, e sovente contro essi proponi-menti degli uomini, ha dato a questa gran citt del gener umano, ch, quantunque questo mondo sia stato criato in tempo e particolare, per gli ordini ch'ella v'ha posto sono universali ed eterni.La scienza nuova Lib. I Sez. IV -Del mtodo pg 150 38 331[...] questo mondo civile egli certamente stato fatto dagli uomini, onde se ne possono, perch se ne debbono, ritruovare i princpi dentro le modificazioni della nostra medesima mente umana. Lo che, a chiunque vi rifletta, dee recar maraviglia come tutti i filosofi seriosamente si studiarono di conseguire la scienza di questo mondo naturale, del quale, perch Iddio egli il fece, esso solo ne ha la scienza- La Scienza nuova - De principi Lib. I Sez. III - pag 143
27
-
fenme
[...] os egpcios reduziam todo o tempo do mundo passado em trs idades, que foram
A fase divina do homem ps-diluviano descrita na Cincia Nova como um perodo
solitri
no que engloba a religio, a linguagem e as leis, do qual no escapam Ado e o
bestione ps-diluviano, pois ambos apresentam um esquema mental que os conduz a um
relacionamento com a divindade. Tanto o homem admico como o bestione teriam passado
por uma fase que Vico chama de divina, na qual a origem de uma civilizao vincula-se
criao de mitos e deuses39; a fase seguinte desenvolve a anterior, enriquecendo-a de
conceitos morais; por fim, o homem na sua plena humanidade - explora suas capacidades e
vive um momento mais elaborado.
a idade dos deuses, idade dos heris e idade dos homens. [...] e nelas falaram-se trs
lnguas, que foram: a lngua hieroglfica ou sagrada, a lngua simblica ou por
semelhanas que a herica e a epistolar ou popular, expressa por sinais
convencionados, para que se realizasse a comunicao necessria s necessidades da
vida 40
o e errante, impregnado de fbulas, mitos e poesia; esse preldio barbrico prepara as
bases para a fase herica, em que vemos a formao das cidades e das instituies; o terceiro
e ltimo perodo, progressista e intelectual, prepara um novo comeo. Os corsi e ricorsi so
a proposta viquiana para a continuidade da histria, que recomea sempre com as
caractersticas da primeira fase divina, mas carrega consigo os germes do ciclo que se
extinguiu. A cada recomeo, o homem apresenta um momento divinatrio que parece querer
resgatar a atmosfera potica perdida: nesse novo corso histrico, aparecem novos mitos que
precisam ser revelados, dando origem a novos poetas-telogos 41, com as mesmas
caractersticas do poeta telogo admico; mas as novas fases so elevadas a um plano mais
39 Toda vez que aparece uma fase divinatria no decurso da histria, Vico a define como barbrie ricorsa, ou
173 Ci sono pur giunti due gran rottami dell'egiziache antichit, che si sono sopra osservati. De' quali uno
Assunto do prximo item deste captulo.
barbrie retomada. 40
che gli egizi riducevano tutto il tempo del mondo scorso loro dinanzi a tre et, che furono : et degli di, et degli eroi ed et degli uomini. L'altro, che per tutte queste tre et si fussero parlate tre lingue, nell'ordine corrispondenti a dette tre et, che furono: la lingua geroglifica ovvero sagra, la lingua simbolica o per somiglianze, qual l'eroica, e la pistolare o sia volgare degli uomini, per segni convenuti da comunicare le volgari bisogne della lor vita.- La Scienza Nuova Lib. I Sez II Degli Elementi pg 104 41
28
-
alto porque se beneficiam das conquistas das fases anteriores.
Vico acredita num Deus Criador que teria idealizado um padro humano, identificado
em cad
esconde um conceito que deriva
de um
a uma das idades metafsica ou divina, herica e humana. O esprito idealizador que,
na opinio do filsofo, concebe uma histria ideal eterna 42, pode ser verificado tambm
na viso talmdica de mundo: Vico e os rabinos encontram na Tor, escrita ou comentada, os
fundamentos que imprimiram o carter de todos os seres humanos de todas as pocas; nos
pressupostos universais e eternos do ser humano e da natureza imperam as leis divinas, mas
os usos e costumes geram as leis que governam a histria.
Na viso talmdica de mundo, cada palavra da Tor
princpio legislador que rege o universo; na viso viquiana, o mesmo princpio
legislador dita o comportamento que leva o homem a se relacionar com a divindade
inventada ou no numa fase primitiva que Vico chama de ferina. A concepo talmdica
e a viquiana no se apiam numa organizao a partir do caos: as observaes de carter
naturalstico no excluem a mente e as idias dos seres humanos desde os tempos mais
remotos, que s podem ser resgatados pelo estudo das mais antigas tradies registradas nas
fbulas e lendas. Vico considera um momento barbrico diferente daquele que apresenta um
possvel ancestral simiesco: o bestione viquiano um descendente de No, que por sua vez
um descendente de Ado. Tais proposies so colocadas na Cincia Nova, obedecendo a um
critrio de anlise crtica das tradies literrias (verbal e escrita) antigas e clssicas e abrem
espao para uma suspeita, porm intrigante imagem do que teria sido o homem primitivo. E
porque partem de pressupostos menos exatos, revestem de importncia os estudos
lingsticos e literrios.
42 245 E este axioma com o precedente compem uma parte da historia ideal eterna, sobre a qual correm em tempo todas as naes nos seus surgimentos, progressos, estados, decadncias e fins. La Scienza Nuova - Lib. I Sez II Degli Elementi pg 119
29
-
I. 2 O Dicionrio Mental e os Poetas Telogos
Na Cincia Nova, a histria civil dos hebreus e dos gentios se d a partir de um
fenmeno religioso, no qual o homem se relaciona com a divindade, mas a discusso
filosfica e filolgica, proposta por Vico, vai alm das costumeiras especulaes religiosas43
referentes s origens da humanidade: ao bater de frente com as teorias naturalistas de seus
contemporneos, o filsofo italiano estabelece uma linha de investigao em que a expresso
- que d forma s idias embrionrias dos seres ferinos que povoavam a selva ps-diluviana
assume um papel preponderante no processo civilizatrio da humanidade e coloca em
evidncia um tipo de sabedoria que prepara o raciocnio e a reflexo. Sua empresa, no sentido
de atribuir valor de documento aos relatos sagrados e antigos (at ento considerados apenas
como lendas) fornece um elemento novo e catalisador, que imprime um carter indito e
indiscutvel fantasia criadora.
O trabalho mais sublime da poesia dar sentido e paixo s coisas insensatas. 44
A fantasia criadora que busca revelar o mito o desconhecido , para Vico,
decorrente do carter socivel e religioso do homem. Vico acredita que antes mesmo de viver
em comunidade, o homem - que quer se comunicar - capta a divindade; a religio o primeiro
princpio da sua cincia e os matrimnios solenes e o sepultamento dos mortos completam os
trs princpios sobre os quais o filsofo elabora um estudo filosfico e filolgico.
43 Os estudos sobre a origem da humanidade sempre deram margem a especulaes, pois tudo o que se deseja investigar e teorizar a respeito de tempos longnquos tende a orientar-se segundo possveis evidncias que nem sempre podem beneficiar-se de documentos historiogrficos ou epigrficos. Uma possvel evidncia passa a ser avaliada de acordo com propostas e sugestes que se apiam em dois plos divergentes: um de carter evolucionista e outro de carter criacionista. Contudo, embora ambos permaneam at hoje no mbito da teoria, as investigaes a respeto das origens oferecem dados importantes para a anlise do comportamento humano de todos os tempos, em todos os aspectos. nesse contexto que a obra de Vico aparece, no como uma simples anlise ou conjectura relativa origem da humanidade, porque apresenta uma incontestvel contribuio para o progresso do pensamento cientfico ao estabelecer o conceito de histria e esttica a partir da expresso humana fundamental que a palavra.
44 186 Il pi sublime lavoro della poesia alle cose insensate dare senso e passione- La Scienza Nuova Lib. I Sez II Degli Elementi - pag 107
30
-
Conclumos tudo o que se exps com relao ao estabelecimento dos princpios
desta cincia, que so providencia divina, moderao das paixes com matrimnios e
imortalidade das almas com as sepulturas; e os homens praticam isso como regra de
vida social; e nisso concordam os legistas e os estudiosos, isto , que esses so os
confins da razo humana e todos que acham que podem ficar fora disso, correm o
risco de no serem considerados humanos. 45
As tradies histricas se desenvolvem baseadas nesses trs princpios, provando que
o carter social do homem uma constante e se faz por meio do uso da linguagem. No relato
bblico, o livro de Gnesis apresenta o relacionamento entre Ado e Deus:
[...] ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela virao do dia 46
O texto sugere um tipo de relacionamento ideal com a divindade e coloca o momento
em que dado a Ado o dom da onomathesia:
Havendo pois o Senhor Deus formado da terra e todo o animal do campo, e toda a
ave dos cus, os trouxe a Ado, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Ado
chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome. 47
O poeta ainda no nascera, pois no existia nada a ser revelado; o poeta s nasce
quando existe algo a ser captado e nasce, portanto, quando morre a linguagem pura que
nomeava as coisas segundo a natureza de cada uma; o trabalho da poesia de dar sentido e
paixo s coisas insensatas viria num momento seguinte.
45 360 Conchiudiamo tutto ci che generalmente si divisato d'intorno allo stabilimento de' princpi di questa Scienza: che, poich i di lei princpi sono provvedenza divina, moderazione di passioni co' matrimoni e immortalit dell'anime umane con le seppolture; e 'I criterio che usa che ci che si sente giusto da tutti o la maggior par te degli uomini debba essere la regola della vita socievole (ne' quali princpi e criterio conviene la sapienza volgare di tutti i legislatori e la sapienza riposta degli pi riputati filosofi): questi deon esser i confini dell'umana ragione. E chiunque se ne voglia trar fuori, egli veda di non trarsi fuori da tutta l'umanit La Scienza nuova - .Lib.I Sez.IV Del Mtodo pag 157 46 Gen 3:8 Bblia Sagrada 47 Gen 2:19 Bblia Sagrada
31
-
porque tal primeiro falar, que foi o dos poetas telogos, no foi um falar segundo a
natureza dessas coisas (como deve ter sido a lngua sagrada criada por Ado, a quem
Deus concedeu a divina onomathesia, ou seja, a imposio dos nomes s coisas,
segundo a natureza de cada uma) 48
A idia de uma linguagem admica foi compartilhada pelo jesuta Ludovico Bertoni 49
que com a obra publicada em 1603, a "Arte de lengua Aymara", descreve uma lngua ainda
falada hoje na regio limtrofe entre a Bolvia e o Peru; trata-se de um idioma de imensa
flexibilidade, capaz de uma incrvel vitalidade para se criar neologismos, particularmente
adequado a expressar abstraes, a ponto de levantar suspeitas de que se trate do efeito de
um artifcio. Emeterio Villamil de Rada50, j no sc. IX, fala de uma lngua admica,
expresso daquele parentesco natural entre as palavras e as coisas, em que existiria "uma
idia anterior formao da lngua", fundamentada nas "idias necessrias e imutveis, a que
Vico chamaria de pensamento universal que s pode ser transmitido por caracteres poticos.
[...] as crianas, com idias e nomes de homens, mulheres e coisas que olham pela
primeira vez, aprendem e chamam todos os homens, mulheres, coisas que aparecem
em seguida, com nomes que tm com as primeiras alguma semelhana ou relao - e
esta a primeira fonte dos caracteres poticos, com os quais naturalmente pensaram
os primeiros povos. 51
48 La Scienza nuova Lib.II Sez.II. Cap I Logica Poetica - pg 189 49 Teorie contemporanee della traduzione Siri Nergaard, l995 (Nossa traduo). Ludovico Bertoni: Vocabulario de la lengua aimara - Teubner, Leipzig,1879 .
50 Villamil de Rada - em 1860 - pode ter se baseado na obra do linguista alemao Schlegel (quem, em 1808, publicou seu "Uber die Sprache und Weisheit der Inder" ("Sobre a linguagem e sabedoria hindu"), um livro que revolucionou as teorias linguisticas. Karl Wilhelm Friedrich von Schlegel ( 1772 - 1829.Linguista, crtico literario, filsofo, especializado em lngua espanhola e poeta alemao, um dos fundadores do Romantismo, irmo tambm do fillogo August Wilhelm Schlegel. Valendo-se das observaes de Sir William Jones (1746-1794) sobre as semelhanas entre o sanscrito e as outras lnguas latim, grego e persa Schlegel afirmou que a India era o bero da civilizao ocidental. Disponvel em: www.aymara.org/biblio/igr/igr1.html. Acesso out/2006.
51 412[...] i fanciulli con l'idee e nomi d'uomini, femmine, cose, c'hanno la prima volta vedute, apprendono ed appellano tutti gli uomini, femmine, cose appresso, c'hanno con le prime alcuna simiglianza o rapporto", e che questo era il naturale gran fonte de' caratteri poetici, co' quali naturalmente pensarono e parlarono i primi popoli. La scienza Nuova - lib II.sez II. Ap. I - Logica potica pg 196
32
http://es.wikipedia.org/wiki/1772http://es.wikipedia.org/wiki/1829http://es.wikipedia.org/wiki/Romanticismohttp://es.wikipedia.org/wiki/August_Wilhelm_Schlegelhttp://es.wikipedia.org/w/index.php?title=William_Jones&action=edithttp://www.aymara.org/biblio/igr/igr1.html
-
Essa idia anterior formao da lngua outra verso para aquilo que Vico chama de
dizionrio mentale. Por meio de complicadas tramas de gramtica histrica e de filologia,
Vico explica a origem de certos termos que conhecemos e consolidamos hoje e que teriam
partido dos "grunhidos" gerados pelas emoes do homem ps-diluviano na tentativa de
conhecer o mundo sua volta. Vico justifica suas teorias estabelecendo uma "lgica potica",
que ser o fundamento terico-cientfico para a elaborao de seu pensamento esttico-
filosfico.
GV apresenta o dizionario mentale como um depsito de idias no qual reside a
lngua perfeita. Umberto Eco52, nas suas "Reflexes terico-prticas sobre a traduo", nos
revela o segredo para uma anlise de textos desta natureza : "encontrar no digo a inteno do
autor, mas a inteno do texto, aquilo que o texto diz com relao lngua com a qual foi
expresso e com relao ao contexto cultural no qual nasceu. Eco intuiu uma "lingua
perfetta":
Talvez exista um senso que vive alm da obra. E se existe e de alguma maneira o
tradutor dever presumi-lo teria de ser expresso numa terceira linguagem que
constitui o parmetro com o qual se adequam ou tentam se adequar tanto a lingua de
partida como a lingua de chegada. Essa terceria lngua pode ser equiparada lingua
perfeita da mente, isto , a lingua Pura, uma lingua que ningum jamais falou ou
talvez somente Deus e os Anjos a tenham falado, mas que pode ser atingvel no
esforo da traduo. 53
O esforo de Vico e dos tradutores pode ser tomado como uma tentativa de decifrar a
essncia da mensagem que, na verdade, o prprio dicionrio mental viquiano. No mesmo
texto, Eco coloca o parecer de Walter Benjamim54:
Sendo impossvel reproduzir na lngua de chegada os significados da lngua de
52 Umberto Eco ( 1932- ) Doutor em semitica, a esttica medieval, a comunicao de massa, lingstica e filosofia. 53 "Teorie contemporanee della traduzione Siri Nergaard,l995 (Nossa traduo).
54 Walter Benjamin (Berlim 1892 -1940). Filsofo crtico das tcnicas de reproduo em massa da obra de arte.
33
http://pt.wikipedia.org/wiki/Semi%C3%B3ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_M%C3%A9diahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ling%C3%BC%C3%ADsticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofiahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Arte
-
partida, necessrio confiar no sentido de convergncia entre todas as lnguas,
enquanto em cada uma delas tomada como um todo entende-se uma nica coisa
que todavia no acessivel a nenhuma delas em particular, mas s na totalidade da
inteno de todas, que se complementam: a lngua Pura. Mas essa "reine Sprache" ou
essncia da linguagem no uma lngua. Se considerarmos as fontes cabalsticas do
pensamento de Benjamim, podemos captar aquilo que se conhece como lnguas santas algo semelhante ao uso, muito cabvel, das lnguas pentecostais e da Lngua dos
pssaros de que devaneava Cyrano di Bergerac; a traduo ou o desejo de traduo
no possvel sem essa correspondncia com o pensamento de Deus.. 55
Portanto, a lngua pura, a lngua admica e o "vocabolario mentale de Vico, seriam a
fonte das lnguas articuladas. De tal vocabulrio (ou dizionario), os diversos povos e tribos
teriam extrado, de maneira mais ou menos semelhante, c e acol, em diferentes tempos
histricos, os conceitos de religio, filosofia, economia, direito etc. que fizeram e fazem a
histria. Dessa mesma fonte Moiss tambm teria bebido para escrever os textos da Tor. As
verdades histrico-sociolgicas, psico-antropolgicas, sacro-filosficas da Tor so captadas
por Moiss, que aparece como o compilador dos resduos comunicados pelas geraes
anteriores; nas atividades e no repertrio de Ado - e assim para os bestioni ps-diluvianos
estavam implcitos os conceitos universais que geram cultura. Tais conceitos so fruto do
esforo criativo do homem que quer comunicar o contedo do dicionrio mental.
O primeiro homem, ao longo do processo de diluio da linguagem santa - uma forma
pura e ideal de comunicao - teria iniciado um momento no qual a comunicao se d por
imagens. quilo que conduz Ado a exercitar sua capacidade expressiva, o filsofo chama de
sabedoria potica, de onde deriva a lgica potica que d forma ao mundo visvel e
intelectual da humanidade.56
Tanto a fase admica como a diluviana referem-se a um perodo atemporal que no
pode se beneficiar de indcios ou documentos epigrficos; contudo, a tradio judaica repassa
a idia de que No e seu filho Sem teriam perpetuado os ensinamentos passados pelo poeta- 55 Teorie contemporanee della traduzione Siri Nergaard,l995 La lingua perfetta - pag 134 56 No livro II Cap I Della sapienza generalmente, Vico define o homem como mente e alma, isto , intelecto e vontade; com a potica, isto , com a capacidade de se expressar, o homem consegue pensar e definir o mundo. O livro II, como um todo, mostra como o homem foi definindo as diferentes reas da vida falando.
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telogo Ado. Os hebreus aparecem como os autores de uma civilizao baseada nos registros
das tradies que deram origem ao relato mosaico. Flavio Josefo, escritor judeu do sc. I, diz
no seu livro A histria dos hebreus:
Seria demasiado longo falar de todos os filhos de Ado; contentar-me-ei em dizer
alguma coisa de um deles, de nome Sete. Foi educado junto de seu pai e deu-se com
afeto virtude [...]. Deve-se ao seu esprito e ao seu trabalho a cincia dos astros.
Como eles tinham sabido de Ado que o mundo pereceria pela gua e pelo fogo, o
medo que tiveram de que essa cincia se perdesse - antes que os homens a aprendesse
- levou-os a construir duas colunas, uma de tijolos outra de pedras, sobre as quais
gravaram os conhecimentos que possuam, a fim de que, se acontecesse que um
dilvio destrusse a coluna de tijolos ficasse a de pedra, para conservar a posteridade
a memria daquilo que eles tinham escrito. Sua previdncia deu bom resultado e
afirma-se que essa coluna de pedras pode ser vista ainda hoje na Sria. 57
Josefo escreveu, tomando por base a Tor e provavelmente tudo o que sempre ouviu
nas sinagogas, acedendo, portanto, metafsica della mente de seus antepassados. Vico
registra um perodo atemporal, tomando por base a Tor e outros livros antigos, inferindo a
existncia de uma metafsica da mente humana que contm as especificaes que redundaro
num comportamento padro, que notadamente religioso, numa primeira fase civilizatria.
Na Tor esto registradas as idias do povo hebreu com relao ao seu Deus, que Vico coloca
como Ottimo Massimo 58 e nas outras tradies, os registros apontam para deuses
inventados; mas o comeo divinatrio o mesmo.
No comeo, que Vico classifica como divinatrio, h sempre a presena de uma
divindade que o homem almeja conhecer; na Tor, a ordem divina de no comer da rvore do
conhecimento do bem e do mal ilustra uma forma de relacionamento entre a criatura e seu
criador e os primeiros conceitos jurdicos so estabelecidos a partir de uma ordem, um delito e
uma sentena:
57 JOSEFO, Flavio - Histria dos hebreus pg. 16 58 A expresso viquiana Ottimo Massimo significa o mais forte, o maior, embora Vico se refira ao Deus dos hebreus como verdadeiro.
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De toda rvore do jardim comers livremente, mas da rvore do conhecimento do
bem e do mal, dela no comers; porque no dia em que dela comeres, certamente
morrers. 59
No texto, Ado escolhe conhecer o bem e o mal, exercitando seu livre-arbtrio - um
pressuposto eterno e universal - sem a interferncia divina e a transgresso o condiciona a
viver debaixo da sentena de morte. Porm, mesmo vivendo numa contingncia de morte
fsica, a salvao (para a morte espiritual) acontecer mediante um novo relacionamento que
inaugura a cosmogonia judaico-crist e prev uma dramtica tentativa de conhecer o bem e o
mal interpretando os auspcios divinos, o que no aconteceria mais por meio da vera
narratio60. A comunicao entre a criatura e o criador, inicialmente ntima e espiritual, agora
se servir de cdigos e sinais, isto , ser feita por caracteres poticos (sinais que os
estudiosos reconhecem analisando os substratos da Tor, isto , as tradies Elohista e Jawista
- de que falaremos no prximo captulo). A descendncia de Ado pde desfrutar da condio
santa de viver debaixo da graa, que se traduz pela crena e obedincia ao Deus verdadeiro,
descrito na Tor. Na fase ps-diluviana, o fenmeno da fala - que acontece como uma
exploso potica do homem primitivo diante do deus de quem quer entender os auspcios -
explicado por Vico por meio do vocbulo ius.
Com o nascimento dos caracteres poticos e das lnguas, nasceu a gius, ou dito ious
para os latinos, e para os gregos diain que mais adiante poder ser explicado
como "celeste", ou dito de Dis;... Porque universalmente, por todas as naes
gentlicas o cu foi observado da mesma maneira, ou seja, com o aspecto de Jove de
quem se recebem as leis e comandos, tidos como auspcios; o que demonstra que
todas as naes nasceram sobre a persuaso da divina providncia. 61
59 Genesis 2: 16-17 Bblia Sagrada
60 e mthos chegou-nos como "vera narratio", ou seja "falar verdadeiro", que foi o falar natural que antes Plato e depois Giamblico disseram que ter-se falado no passado. Nossa traduo - La Scienza nuova Lib.II Sez. II Cap I - Lgica potica pag 188
61 473 Con tal primo nascere de' caratteri e delle lingue nacque il gius, detto "ious" da' latini, e dagli antichi greci diain - che noi sopra spiegammo "celeste", detto da Dis; onde a' latini vennero "sub dio" egualmente e "sub Iove" per dir "a ciel aperto" - e, come dice Platone nel Cratilo, che poi per leggiadria di favella fu detto dkaion. Perch universalmente da tutte le nazioni gentili fu osservato il cielo con l'aspetto di Giove, per
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A ius, segundo Vico, surge do deslumbramento do homem, disperso pela selva
verdejante e exuberante em decorrncia da umidade provocada pela inundao catastrfica: ao
deparar-se com o raio - um fenmeno at ento desconhecido - esse brbaro e solitrio ser
humano se expressa de maneira instintiva, emitindo grunhidos e, tambm de maneira
instintiva, cria um mito, a partir de um fenmeno da natureza. De acordo com a teoria
viquiana, o monosslabo ius seria a exclamao emocionada, e, portanto potica, do homem
perante o raio; ius personifica Jpiter, presente na mitologia de diferentes povos e , de
acordo com Vico, a criao de um poeta-telogo ferino que se expressa na lngua latina.
Exclamaes semelhantes teriam dado origem a outras lnguas e outros mitos; o
germe desencadeador e criador do mito, porm, universal, pois provm da psique humana.
A uma primeira aproximao deslumbrada com o mito criado segue-se a tentativa, instintiva,
de captar os auspcios divinos, de onde deriva a manifestao jurdica primitiva que processa
alguns conceitos normativos. As sociedades se formam livremente, no decorrer do
desenvolvimento das faculdades e manifestaes do homem; o mundo social, porm, s existe
por obra e vontade de uma Inteligncia Superior que Vico chama de Dio Ottimo Massimo ou
Provvedenza, a qual no fora os homens com leis, mas os governa por meio das leis geradas
a partir dos seus usos e costumes. Assim como a religio e a poesia, o direito no resultado
de um processo civilizatrio: uma manifestao primria da qual deriva a civilizao.
E, na distino que Vico faz entre Direito Talmdico (presente nas leis da Tora) e
Direito natural das gentes (que dar origem ao Direito Romano), est implcita a qualidade
do deus do qual derivam os auspcios:
Este mesmo postulado estabelece a diferena entre direto natural dos hebreus e direito
natural das gentes e direito natural dos filsofos. Porque as gentes (de gentios) tiveram
somente a ajuda ordinria da providncia; os hebreus tiveram tambm ajudas extraordinrias
do Deus verdadeiro e por isso, o mundo das naes era dividido entre hebreus e gentes. 62
riceverne le leggi ne' di lui divini avvisi o comandi, che credevan esser gli auspci; lo che dimostra tutte le nazioni esser nate sulla persuasione della provvedenza divina La Scienza Nuova - Lib II Sez.II Cap VI Logica poetica - pag 234 62 313 Questa stessa stabilisce la differenza del diritto natural degli ebrei, del diritto natural delle genti e diritto natural de' filosofi. Perch le genti n'ebbero i soli ordinari aiuti dalla provvedenza; gli ebrei n'ebbero anco aiuti estraordinari dal vero Dio, per lo che tutto, il mondo delle nazioni era da essi diviso tra ebrei e genti;- La Scienza Nuova Lib.I Sez.II Degli Elementi pag 137
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De acordo com Vico as religies que advm do judasmo podem usufruir da ajuda
extraordinria de Deus, desde que se atenham s prescries divinas: a figura de No como
precursor da tradio do Deus verdadeiro s pode ser entendida a partir de um comeo
admico no qual o conhecimento do bem e do mal63 e a noo de transgresso j teriam sido,
de alguma maneira, transmitidos. Aps a transgresso ou desobedincia (o pecado original),
Ado tambm teria passado por uma fase na qual a poesia se presta a desvendar o mito e, por
meio da poesia, os homens admicos teriam deixado suas marcas e sinais. pela poesia que
as emoes encontram o canal para descobrir o desconhecido; medida que aprende a falar, o
homem vai, aos poucos, articulando as idias que o ajudaro num momento seguinte a
refletir com mente pura.
I. 3 A poesia e a religio: a teoria da graa e o sentimento do trgico
E aconteceu ao cabo de dia que Caim trouxe dos frutos da terra uma oferta ao Senhor. E
Abel tambm trouxe dos primognitos das suas ovelhas e da sua gordura. 64
O relato bblico apresenta os filhos de Ado cultuando e aspirando comunicar-se com
a divindade; seus descendentes desenvolvem suas falas poticas ferramentas para revelar o
mito num ambiente no mais paradisaco. Os filhos de Ado e Eva teriam aprendido com seus
pais a oferecer sacrifcios e puderam exercitar o livre-arbtrio, escolhendo entre o bem e o
mal. Com a morte de Abel, Set, o terceiro filho de Ado e Eva, gera Enos e, com ele, inicia-se
um tempo civilizatrio pleno, no qual a atitude de cultuar evidente por um de seus aspectos
lingsticos principais: a invocao.
ento se comeou a invocar o Senhor 65
63 Os poetas telogos, ou sbios que se entendiam do falar dos deuses advindo dos auspcios de Jove, foram chamados de divinos no sentido de adivinhadores ou aqueles que podiam pr-dizer ou profetizar. Da Omero definir a "musa", como a ciencia do conhecimento do bem e do mal e sobre essa cincia Deus colocou a proibio a Ado. La Scienza Nuova Lib.II. Cap.I Della Sapienza generalmente pag 163 64 Gnesis 4: 3,4 Bblia Sagrada 65 Gnesis 4:26 Bblia Sagrada
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Os descendentes de Ado iniciam uma civilizao baseada nas prescries divinas: a
verdadeira religio e o culto ao Deus verdadeiro, segundo Vico, so uma herana admica
que subsiste aps o dilvio atravs de Sem. O recomeo a partir do dilvio teria determinado
dois caminhos distintos para a humanidade: a histria do povo hebreu e a histria dos outros
povos. De acordo com a teoria viquiana, os hebreus, descendentes de Sem, possuem um incio
e uma histria ligados verdadeira religio. Os gentios - descendentes de Cam e Jafet, filhos
mpios de No - instituem novas religies e uma continuidade histrica em que os mitos so
desvendados num ambiente em que o caso e a fatalidade predominam.
Vico considera os judeus salvos das peripcias do destino, pois podem usufruir da
graa divina, na medida em que obedecem e plasmam suas vidas dentro de uma sociedade
teocrtica; por outro lado, os descendentes de Cam e Jafet teriam apostado em suas prprias
convices, adotando um comportamento considerado idlatra e humanista, ao qual se deve a
formao da cultura ocidental, alimentada por um sentimento do trgico que pode ser
entendido como uma viso de mundo fora da graa.
George Steiner66 afirma que todos os homens tm conscincia da tragdia da vida e
parece concordar com Vico quando diz que a tragdia alheia ao sentido judaico do
mundo. Por meio da redeno, da compensao e da justia divina, o judeu acredita que a
ordem do universo e da condio humana acessvel razo e se traduz num comportamento
de obedincia e temor a Deus. No sentido judaico da vida, no h nenhum tipo de germe ou
herana que pressuponha a fatalidade, o destino e a tragdia; os sentimentos, as emoes e os
fatos esto subordinados a Deus. Na gentilidade, de onde deriva a cultura ocidental, os fatos
esto sujeitos aos sentimentos e s emoes, gerando um desequilbrio no qual se instala a
tragdia. Vico toma o conceito de pecado ou transgresso e de graa divina do relato de
Gnesis e empreende um caminho semelhante quele percorrido pelos que condenam a
hybris67; porm vincula a linguagem e o decorrente processo civilizatrio transgresso
cometida contra o Deus verdadeiro dos hebreus.
66 George Steiner - A morte da tragdia - pg 9
67 Hybris, conhecida como o sentimento de orgulho desmedido que leva os heris da tragdia a perpetrar uma violao ordem estabelecida, atravs de uma ao que se constitui como um desafio aos poderes e ordem divinos. Incorre num erro, hamartia, que provoca a nmesis, indignao divina que se consubstancia numa
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Segundo o texto do Gnesis 2 68, Ado transgride ao querer conhecer o bem e o mal
sem a interferncia divina e exatamente a tendncia intelectual que insiste em rejeitar a fonte
de vida (o prprio Deus) que gera a morte; inaugura-se ento a histria. Num tempo eterno,ou
num incio sem tempo e sem morte, a linguagem santa; na cronologia do tempo, a
linguagem se servir de cdigos e sinais. A tradio judaica sustenta o comando que probe a
adivinhao, fazendo com que a comunicao com Deus seja o mais prximo possvel
daquela santa dos incios.
Na fase admica, encontramos um momento sem histria, no qual a fala ideal e a
eternidade no abrem espao para a poesia e a histria. O pai comum Ado - no pertence a
nenhuma idade viquiana ainda e s funda a primeira fase divinatria aps a queda: com
ela, entra em cena a graa e o tempo cronolgico que gera a histria ideal eterna. Ado, assim
como o bestione da idade ferina, passa tambm a captar os auspcios divinos numa lngua
nascente e profana, que Vico definiria como pr-potica: a poesia a ferramenta com a qual o
homem expressar suas emoes e angstias num mundo hostil no paradisaco.
O livro do Gnesis transcreve a trgica herana potica de Ado, que teria sido
transmitida oralmente aos primeiros homens que povoaram a terra; e as tradies geradas at
a compilao do relato mosaico serviram-se de poetas-telogos desconhecidos at que, em
Moiss, identificamos um poeta-telogo que conhece o nome da divindade - o Eu sou 69,
por meio de um fenmeno conhecido como sara ardente. Moiss recolhe, numa linguagem
articulada e certamente imbudo de conhecimentos re-elaborados, os resduos da mensagem
transmitida de gerao em gerao e rene, no Pentateuco, aquilo que pode ser considerada a
cartilha da tradio judaico-crist. Os rabinos acedem ao texto compilado da Tor
comportando-se como os tradutores de textos sagrados que pretendem resgatar a histria
original, buscando os elementos que deram corpo ao dicionrio mental dos homens que
geraram as tradies e lendas mais antigas. Vico adota um comportamento semelhante ao
apresentar a mitologia grega como o resultado escrito da histria do comeo gentlico, em que
punio ou desgraa que sobre eles se abate. Disponvel em: faroldasletras.no.sapo.pt/glossario.htm.Acesso em mar 2006 68 De toda rvore do jardim comers livremente, mas da rvore do conhecimento do bem e do mal, dela no comers; porque no dia em que dela comeres, certamente morrers. - Genesis 2: 16-17 Bblia Sagrada 69 Eu sou uma verso para o tetragrama YWTH, impronuncivel para os judeus. - xodo 3 Bblia Sagrada.
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http://www.google.com.br/url?sa=X&start=9&oi=define&q=http://faroldasletras.no.sapo.pt/glossario.htm
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o modelo mitolgico grego faz parte de um proceder universal que teria comeado com os
hebreus.
O conjunto das tradies analisado na Cincia Nova como o resultado escrito das
tradies orais dos povos antigos, em que Moiss e Homero so caracteres poticos- figuras
que podem no ter existido e que aparecem como autores de uma histria residual. Do mesmo
modo, as lendas e fbulas dos gentios, teriam sido transmitidas e transcritas seguindo o
modelo judaico, utilizando a poesia como ferramenta para desvendar o mito. As sucessivas
descendncias, que prosseguiram por meio de um peregrinar ferino desviado da graa,
obedecem aos seus prprios sentimentos e paixes e exercitam a poiesy 70 de mltiplas
formas, tambm escritas. A essas descendncias devemos a existncia de registros e
documentos - imagens palpveis e escritos decodificveis que compem o acervo histrico-
artstico da humanidade. Recorremos a eles para aceder , de maneira um pouco mais segura,
ao universo de idias do homem. Vico pretendeu resgatar o passado sem registros, apoiando-
se nas imagens da Tor e em outros livros sagrados e antigos; decifrando a histria embutida
no falar fantstico (fantasioso), os mitos vo sendo revelados e a histria antiga toma forma.
Para o filsofo, a poesia que traduz as imagens e conceitos do homem que vive numa
fase divinatria, revela a capacidade de um bestione que cria antes mesmo de pensar: o
universo de idias e sensaes que constituem o dicionrio mental faz parte da essncia
humana e opera antes do cgito 71. Vico considera o homem dotado da capacidade de pensar
falando e coloca a linguagem no centro de suas especulaes de carter metafsico, que
oferecem argumentos diferentes daqueles propostos pela teoria da evoluo: a existncia de
uma mente legisladora e de uma metafsica della mente define o carter criacionista da teoria
viquiana sobre o incio das civilizaes, em que sentimentos, falas e leis constituem a matria
prima que d forma histria da humanidade; com eles, Vico e os rabinos fazem cincia.
70 Vico adota o conceito aristotlico: [...] os primeiros homens das naes gentlicas, como crianas do gnero humano[...] .de sua idias criavam as coisas[...] fingindo, criavam-nas, razo pela qual foram chamados poetas, que o mesmo em grego soa como criadores A Cincia Nova trad. Marco Lucchesi A metafsica potica - pag. 154. 71 Enquanto Descartes coloca a existncia humana no ato de cogitar, Vico apresenta a fantasia criadora como a primeira forma de sabedoria com a qual o homem aprende a refletir.
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CAPTULO II
Os pressupostos viquianos e a literatura judaica: o modelo
judaico de aculturao
II. 1 Um princpio civilizatrio comum identificado na mitologia dos povos
Para Vico, cada povo, guiado por um instinto natural, cria seus prprios deuses e
fbulas, em tempos e lugares diferentes, poesia e religio so manifestaes de uma fase
primitiva da humanidade. Para raciocinar o mundo sua volta, o homem advinha falando e a
desenvolve com a voz a capacidade de divinare, isto , a capacidade de entender o que
est escondido aos homens, o porvir, ou aquilo que est escondido dentro de sua prpria
conscincia.72 No incominciamento 73, o homem vive um momento divino, no qual a
expresso humana se faz pela poesia.
Primeiro que, sobre as coisas que meditaremos, convm s nossas mitologias, no
foradas ou distorcidas, mas diretas, fceis e naturais, e se demonstrar que so
historias civis dos primeiros povos que, como se pode verificar por toda a parte,
foram poetas. 74
Considerar a mitologia como a real histria civil dos primeiros povos mrito de
72 [...] E tambm sobre a economia das coisas civis deviam raciocinar com toda a propriedade da voz, com a qual a providncia foi chamada divindade, que provm de divinari, advinhar, isto entender aquilo que est escondido aos homens, que o porvir, o escondido dos homens, que a conscincia - La scienza nuova Lib.I.Sez IV Del Mtodo pag 151
73 Com a palavra incominciamento Vico se refere ao comeo da humanidade e das civilizaes Vico. O vocbulo no traz referncia direta s diversas teorias a respeito da formao do universo e do aparecimento do homem na terra, embora Vico, catlico convicto, compartilhe da teoria da criao. Do mesmo modo, Vico relaciona o vocbulo divino com divinare algo muito mais prximo da capacidade de falar, sem aluso a conceitos msticos ou religiosos.
74 352 Primo, che sulle cose le quali si meditano vi convengono le nostre mitologie, non isforzate e contorte, ma diritte, facili e naturali, che si vedranno essere istorie civili de' primi popoli, i quali si truovano dappertutto essere stati naturalmente poeti. - La Scienza Nuova Lib.I Sez. IV- Del mtodo pag. 156
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Vico. Os acontecimentos reais do passado longnquo foram classificados como mitologias e
lendas devido s convenes e parmetros criados pelas sociedades que refletem com mente
pura. As imagens, tidas como fbulas, foram retratadas poeticamente numa linguagem que
usa caracteres prprios e nascentes. A atitude de Vico, ao analisar o mito e a histria que o
cerca, pode ser comparada dos tradutores que, procurando abster-se de vises etnocntricas,
estabelecem o vnculo real existente entre a linguagem e a cultura, mantendo-se vigilantes
para no se comportarem como os doutos de sabedoria re-elaborada.75
Vico considera a dinmica da linguagem no tempo (a filologia), procurando visualizar
a prtica civil dos povos antigos e constata que a religio, os matrimnios solenes e o
sepultamento dos mortos so prticas comuns, tanto em povos brbaros como desenvolvidos;
analisando a mitologia dos povos, Vico prope que, na mente do ser humano, tenha sido
ditado um senso comum, isto , algo de instintivo e consensual:
Observamos que todas as naes, sejam brbaras ou humanas (desenvolvidas), por
longos perodos de tempo e distantes entre si, fundadas isoladamente, adotam estes
trs costumes: todas tm alguma religio, todas contraem matrimnios solenes e
todas sepultam seus mortos; entre as naes, as mais selvagens ou cruas, celebram
com solenidades at mais ricas e detalhadas as religies, os matrimnios e as
sepulturas. Portanto, o postulado idias uniformes nascidas entre povos
desconhecidos entre si, devem ter um principio comum de verdade deve ter sido
ditado a todas (as naes); dessas trs coisas comeou toda a humanidade e acabam
sendo preservadas e mantidas por todas como coisas santas, a fim de que o mundo
no se torne selvagem de novo. Sendo assim, destacamos os trs costumes eternos e
universais como sendo os trs princpios desta Cincia. 76
75 363 E por todo este livro se mostrar que muito cedo os poetas sentiram e manifestaram sua sabedoria popular para que depois entendessem de fato os filsofos com sua sabedoria re-elaborada ( riposta ); e pode-se dizer que os primeiros foram o senso e os segundos o intelecto do gnero humano. La Scienza Nuova - Lib. II Della sapienza poetica Prolegomeni. pg 162
76 333 Osserviamo tutte le nazioni cos barbare come umane, quantunque, per immensi spazi di luoghi e tempi tra loro lontane, divisamente fondate, custodire questi tre umani costumi: che tutte hanno qualche religione, tutte contraggono matrimoni solenni, tutte seppelliscono i loro morti; n tra nazioni, quantunque selvagge e crude, si celebrano azioni umane con pi ricercate cerimonie e pi consagrate solennit che religioni, matrimoni e seppolture. Ch, per la degnit che idee uniformi nate tra popoli sconosciuti tra loro, debbon aver un principio comune di vero, dee essere stato dettato a tutte: che da queste tre cose incominci appo tutte
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Vico apresenta as caractersticas intrnsecas (fisiolgicas e metafsicas) do ser humano
como pressupostos eternos, uma espcie de instinto natural responsvel pelo
estabelecimento de ulteriores princpios eternos que ditam os usos e costumes. Pressupostos
como o livre arbtrio, que caminha lado a lado com o bom senso, operam na mente coletiva
dos povos e definem as escolhas que, por sua vez, definem os usos e costumes dos povos.
Embora variem na forma apresentando linguagens e rituais especficos os princpios que
geram as civilizaes derivam de caractersticas comuns. medida que prticas recorrentes
vo sendo verificadas nas lendas e relatos dos povos da antiguidade, Vico emite seus
postulados relativos aos pressupostos eternos e sua pesquisa, obviamente, comea pela Bblia,
j que os judeus registraram suas memrias desde o princpio.
No caso da memria dos latinos, por exemplo, o resgate de fatos perdidos (ou mal
interpretados ao longo do tempo) praticamente dependeu do trabalho de Vico. Os judeus
mantiveram e mantm suas memrias e a prova disso a existncia da Tor e o incansvel
trabalho literrio gerado a partir dela. A Cincia Nova surge do trabalho de Vico como a
compilao rabnica daquilo que fora um amontoado de lendas: