giovanni alves dimensoes da globalizacao

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  • Dimenses da GlobalizaoO Capital e Suas Contradies

  • Projeto Editorial Praxishttp://editorapraxis.cjb.net

    Trabalho e Mundializao do CapitalA Nova Degradao do Trabalho na Era da Globalizao

    Giovanni Alves

    Dimenses da GlobalizaoO Capital e Suas Contradies

    Giovanni Alves

    Srie Risco Radical

    1 - O Outro Virtual - Ensaios sobre a InternetGiovanni Alves, Vinicio Martinez , Marcos Alvarez, Paula Carolei

    2 - Democracia Virtual - O Nascimento do Cidado FractalVinicio Martinez

    3 - Leviat - Ensaios de Teoria PolticaMarcelo Fernandes de Oliveira

    4 - Trabalho e Globalizao - A Crise do Sindicalismo PropositivoAriovaldo de Oliveira Santos

    Pedidos atravs do e-mail [email protected]

  • Giovanni Alves

    Dimensesda

    Globalizao O Capital e Suas Contradies

    PraxisLondrina

    2001

  • Copyright do Autor, 2001

    ISBN 85-901933-1-4

    Capa e Diagramao: Giovanni Alves

    2 Tiragem

    Dados de Catalogao na Publicao (CIP) InternacionalBibliotecria Responsvel: Ilza Almeida de Andrade CRB 9/882

    A474d Alves, GiovanniDimenses da globalizao : o capital e suas contradies

    / Giovanni Alves. Londrina : G. A. P. Alves, 2001.220p. ; 21cm

    ISBN 85-901933-1-4

    1. Globalizao. 2. Capital (Economia). 3. Trabalho. I. Ttulo.

    CDU 339.9

    PraxisFree edition

    home-page: http://editorapraxis.cjb.net

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    2001

  • Sumrio

    APRESENTAO

    PARTE 1Dimenses da Globalizao

    Captulo 1Introduo

    Captulo 2Globalizao Como Ideologia

    Captulo 3Globalizao Como Mundializao do Capital

    Captulo 4Globalizao Como Processo CivilizatrioHumano-Genrico

    Parte 2Sociologia da Globalizao

    Captulo 5A Globalizao Na Perspectiva dosClssicos da Sociologia

    Captulo 6Weber e a Globalizao ComoRacionalizao do Mundo

  • Captulo 7Durkheim e a Globalizao comoFonte de Solidariedade Social

    Captulo 8Marx e a Globalizao comoLgica do Capital

    Parte IIIGlobalizao e Trabalho

    Captulo 9Toyotismo Como Ideologia Orgnica daProduo Capitalista

    Captulo 10Toyotismo e Neocorporativismo Sindicalno Sculo XXI

    Captulo 11Dimenses do Proletariado Tardio

    Bibliografia

  • Apresentao

    7

    Apresentao

    O livro Dimenses da Globalizao um resultado terico-prtico de um percurso de reflexo intelectual buscando compreender, numa perspectivadialtica, um tema maldito: o problema da globalizao. umlivro de ensaios, o que significa que possui ainda um carterinicitico e inacabado, sugerindo algumas linhas de reflexes queprocuram sair do lugar-comum sobre a discusso daglobalizao. Procuramos organizar o livro em 3 partes aprimeira, que d ttulo ao livro : Dimenses da Globalizao; asegunda, Sociologia da Globalizao e a terceira, Globalizaoe Trabalho.

    A primeira parte do livro procura desenvolver umainterpretao original do processo de globalizao, procurandoapreender seu carter dialtico e amplamente contraditrio.Buscamos evitar as unilaterialidades perenes dos apologistas daglobalizao e dos seus crticos vorazes. Procuramos ensaiaruma crtica mordaz da globalizao como mundializao docapital, mas sem deixar de perceber que, na medida em querepresenta o desenvolvimento amplo e contraditrio do capitalismomoderno, a globalizao um processo civilizatrio humano-genrico prenhe de promessas de uma nova civilizao humano-genrica, profundamente frustradas pelo sistema orgnico docapital.

    Portanto, a globalizao, , ao mesmo tempo, a promessa e afrustrao de uma realizao histrico-social do gnero humano e aprova cabal de que o sistema do capital, com sua sanha incontrolvelno oferece nenhuma perspectiva de futuro para a humanidade.

  • 8Dimenses da Globalizao

    A tarefa intelectual suprema, na virado do sculo XXI, resgatar, mais do que nunca, a crtica radical do capital. Naverdade, o capital e sua incontrolvel globalizao que nosoferece a oportunidade histrica de atualizarmos a sua crticasocial radical numa perspectiva histrico-materialista e dialtica.

    Na segunda parte, intitulada Sociologia da Globalizao,procuramos reunir alguns ensaios que tratam de abordagenssociolgicas sobre o tema da globalizao. Nesse caso,salientamos leituras de um dos socilogos brasileiros mais prolficosno tratamento do tema globalizao Octvio Ianni.Procuramos resgatar em sua obra, particularmente no livroTeorias da Globalizao, a contribuio de Marx e Weber parauma interpretao da globalizao. O ensaio sobre Durkheim,um dos autores clssicos da sociologia, pouco utilizado por Ianniem suas reflexes sociolgicas sobre o tema globalizao,procura resgatar alguma contribuio do socilogo francs parauma interpretao da globalizao.

    lgico que, ao tratarmos dos clssicos da sociologia, aodizermos globalizao, dizemos desenvolvimento docapitalismo moderno. Nesse caso, a globalizao aparece comoum momento tardio de desenvolvimento do capitalismo moderno.Na medida em que os clssicos da sociologia tratam dodesenvolvimento do capitalismo moderno, eles tm alguma coisaa nos dizer sobre a globalizao, mesmo sabendo que, para ns,em sua particularidade histrico-concreta, a globalizao mundializao do capital no sentido dado por Chesnais.

    Finalmente, na parte 3, Globalizao e Trabalho, reunimosalguns ensaios sobre um objeto de estudo que temos tratado nosltimos anos (em 1999, publicamos pela Editora Prxis o livroTrabalho e Mundializao do Capital, e em 2000, pela EditoraBoitempo, publicamos o livro O Novo (e Precrio) Mundo doTrabalho). Estamos, portanto, em nossa rea de especializao.Na verdade, so ensaios publicados em algumas revistas e quetrazem reflexes sobre a nova lgica de organizao capitalista

  • Apresentao

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    (s compreensvel a partir da mundializao do capital) e seusimpactos na objetividade e subjetividade do mundo do trabalho.

    O primeiro ensaio, Toyotismo Como Ideologia Orgnica daProduo Capitalista, saiu publicado na Revista Organizaese Democracia, em 2000; o segundo ensaio, Toyotismo eNeocorporativismo no Sindicalismo do Sculo XXI saiu publicadona Revista Outubro, em 2001; o ltimo ensaio, Dimenses doProletariado Tardio, saiu publicado na Revista Debate Sindical,em 2000.

    Mais uma vez, ressaltamos o carter ensastico do livro,totalmente aberto a crticas e sugestes. No poderamos deixarde abrir discusso pblica alguns resultados tericos aindapreliminares de nossa pesquisa sobre as dimenses daglobalizao. um resultado, portanto, de leituras de vriosautores, economistas, socilogos e politicologos nacionais eestrangeiros, que tratam de questes pertinentes nova lgicado capitalismo mundial. Agradecemos, portanto, a todos aquelesque contriburam, de algum modo, para a nossa reflexo crtica.Procuramos nos apropriar de tais reflexes crticas e constituiruma interpretao dialtica da globalizao que procureresgata-la em sua dimenso contraditria plena.

    Marlia, 21 de abril de 2001

  • 10

    Dimenses da Globalizao

    [A integrao dos indivduos conflitantes, atravs do trabalhoabstrato e da troca], estabelece, pois um vasto sistema comunitrioe de mutua interdependncia, uma vida ativa de mortos. Este sistemamove-se daqui para l, de modo cego e elementar e, tal como umanimal selvagem, exige rigoroso e permanente controle e represso

    Hegel

    Hoje em dia tudo parece levar em seu seio sua prpria contradio.Vemos que as mquinas, dotadas da propriedade maravilhosa dereduzir e tornar mais frutfero o trabalho humano, provocam a fome eo esgotamento do trabalhador. As fontes de riqueza recm-descobertasse convertem por artes de um estranho malefcio, em fontes deprivaes. Os triunfos da arte parecem adquiridos ao preo dequalidades morais. O domnio do homem sobre a natureza cada vezmaior; mas ao mesmo tempo, o homem se transforma em escravo deoutros homens ou da sua prpria infmia.

    Karl Marx

  • Dimenses da

    Globalizao

    1

  • Introduo

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    1Introduo

    do nosso interesse demonstrar que a globalizao umfenmeno scio-histrico intrinsecamente contraditrio ecomplexo que caracteriza, em nossa perspectiva, uma nova etapade desenvolvimento do capitalismo moderno.

    Procuraremos salientar que o fenmeno da globalizao resultado de mltiplas determinaes scio-histricas (eideolgicas), isto , destacaremos as trs dimenses daglobalizao que no podem ser separadas e que compem umatotalidade concreta scio-histrica, completa e integral. So elas:

    1. A globalizao como ideologia2. A globalizao como mundializao do capital3. A globalizao como processo civilizatrio humano-genrico

    Portanto, o fenmeno da globalizao tende a constituir novasdeterminaes scio-histricas no (1) plano da ideologia e dapoltica; (2) no plano da economia e da sociedade e (3) no planodo processo civilizatrio humano-genrico, vinculado aodesenvolvimento das foras produtivas humanas.

    O que significa dizermos que tais dimenses da globalizaocompem uma totalidade histrico-social intrinsecamentecontraditria?

    As dimenses da globalizao so contraditrias entre si, tendoem vista que, como iremos salientar, a ideologia (e a poltica)da globalizao tende a ocultar e legitimar a lgica desigual eexcludente da mundializao do capital e a mundializao

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    Globalizao Como Ideologia

    do capital tende a impulsionar, em si, o processo civilizatriohumano-genrico, isto , o desenvolvimento das forasprodutivas humanas, que so limitadas (ou obstaculizadas)- peloprprio contedo da mundializao (ser a mundializao docapital).

    Qualquer leitura (ou anlise) do fenmeno da globalizaoque no procure apreender o seu sentido dialtico e portanto,contraditrio - tende a ser unilateral, no sendo capaz de ver ofenmeno da globalizao tanto como algo progressivo, quantoregressivo, tanto como um processo civilizatrio, quanto comoum avano da barbrie, e tanto como a constituio de um globona mesma medida em que tente a contribuir para a sedimentaode particularismo locais e regionais.

    Conceitos

    Seria importante recuperar o significado de alguns conceitostais como globalitarismo, globalismo, globalidade eglocalizao. So expresses utilizadas por alguns autores nodebate da globalizao. De certo modo, procuraremos ver, emcada um dos conceitos acima, as dimenses da globalizao queprocuraremos salientar (a globalizao como ideologia, aglobalizao como mundializao do capital e a globalizao comoprocesso civilizatrio humano-genrico).Globalitarismo

    A idia de regimes globalitrios, utilizada por IgncioRamonet no seu livro Geopoltica do caos (1997), procuraressaltar o prprio sentido ideolgico (e poltico) da globalizao. uma noo que diz respeito, principalmente, a globalizao comoideologia. Na verdade, um termo cunhado para ser utilizadocomo uma contra-ideologia da globalizao, ou melhor, contrapor-se (ou justapor-se) idia de globalizao. Ela explicita overdadeiro contedo da globalizao como mundializao docapital: o totalitarismo do mercado.

  • Introduo

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    Portanto, a idia de globalitarismo expressa uma crticavisceral globalizao como ideologia do imprio universal doOcidente (Del Roio, 1998). Ela surge para se contrapor (ou expor)a globalizao como a ideologia e a poltica de um novototalitarismo. No o totalitarismo do Estado, que caracterizouos regimes fascistas dos anos 30, mas um totalitarismo domercado, do pensamento nico, expresso utilizada paracaracterizar o pensamento neoliberal, que divulgado pelosaparatos de mdia e pelas polticas levadas a cabo pelos governosliberais (o jornal Le Monde Diplomatique, onde Ramonet jornalista, um dos principais rgos de crtica da globalizao).

    Vejamos com ateno a idia de um totalitarismo de mercado,implcita no conceito de regimes globalitrios. Diz Ramonet:

    H pouco tempo, denominava-se regimes totalitrios osque tinham partido nico, no admitiam qualquer oposioorganizada e, em nome da razo de Estado, negligenciavamos direitos da pessoa; alm disso, neles, o poder polticodirigia soberanamente a totalidade das atividades dasociedade dominada. A esses regimes, caractersticos dosanos 30, sucede, neste final de sculo, um outro tipo detotalitarismo, o dos regimes globalitrios. Apoiando-senos dogmas da globalizao e do pensamento nico, noadmitem qualquer outra poltica econmica, negligenciamos direitos sociais do cidado em nome da razo competitivae abandonam aos mercados financeiros direo total dasatividades da sociedade dominada (Ramonet, 1998)

    A longa citao serviu para expor, com clareza, a idia deglobalitarismo como sendo o totalitarismo do mercado quesucede ou se justape a um outro tipo de totalitarismo, o deEstado.

    Numa poca em que se dissemina pelo Ocidente a idia dedemocracia poltica, de que todos ns vivemos em regimesdemocrticos, plenamente legitimados pelo sufrgio universal, aidia de um novo totalitarismo talvez possa soar como algo

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    Globalizao Como Ideologia

    estranho.Mas o totalitarismo da globalizao no se d mais soba direo do Estado, mas sim da economia:

    O Estado deixou de ser totalitrio, enquanto, na era damundializao, a economia tende cada vez vir a s-lo(Ramonet, 1998)

    Deste modo, para ele, a globalizao oculta o totalitarismo daeconomia, o que no novidade, tendo em vista que prprio domodo de produo capitalista o primado da economia sobrequaisquer outras esferas da vida social.

    S que, talvez seja isto que Ramonet queira destacar, sob aglobalizao, o primado da economia aparece com mais vigor, talcomo um totalitarismo de mercado que neutraliza os prpriosavanos da democracia no Ocidente.

    A idia de globalitarismo supe a debilidade estrutural dosEstados. Sob o regime globalitrio, os Estados no tm meios dese opor aos mercados. A globalizao liquidou o mercadonacional, que um dos fundamentos do poder do Estado-nao.

    A globalizao, sustentada por regimes globalitrios, isto ,governos que promulgaram o monetarismo, a desregulamentao,o livre-comrcio, o livre fluxo de capitais e as privatizaesmacias, tenderam a diminuir o papel dos poderes pblicos.

    Veja bem: a globalizao , portanto, resultado, nessaperspectiva, de regimes globalitrios, de dirigentes polticos quepermitiram, atravs de atos polticos, a transferncia de decisescapitais (em matria de investimento, emprego, sade, educao,cultura, proteo do meio ambiente) da esfera pblica para aesfera privada.

    Foram os polticos liberais e conservadores que permitiram aprivatizao da coisa pblica, contribuindo para que algumasdecises importantes para a vida social passasem para as mosda economia privada.

    Quando dizemos economia privada, dizemos mercado, que representado (e determinado) pelas empresas, conglomerados e

  • Introduo

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    corporaes transnacionais. A vida social, deste modo, passa aser mais determinada ainda pela esfera privada que no possuenenhum compromisso social, nem preocupao com a qualidadedo emprego, sade, educao, cultura e meio ambiente, masapenas com a quantidade de riqueza abstrata, ou dinheiro, que acumulada por tal atividade de negcio.

    Ramonet destaca o poder das corporaes transnacionais queso, para ele, as principais beneficirias dos regimes globalitrios.Por exemplo: atualmente, entre as duzentas primeiras economias domundo, mais da metade no so pases, mas empresas:

    O volume de negcios da General Motors mais elevado doque o produto nacional bruto (PNB) da Dinamarca; o daFord mais importante do que o PNB da frica do Sul; e oda Toyota supera o PNB da Noruega (Ramonet, 1998)

    Ramonet ressalta algo que iremos desenvolver mais adiante,ao tratarmos da globalizao como mundializao do capital. Dizele que uma Ford, Toyota ou General Motors, por exemplo,pertencem ao campo da economia real, isto , produz e trocabens e servios concretos. Mas, nos ltimos trinta anos, os novossenhores da globalizao so os gestores do mercado financeiro,os fundos de penso e os fundos comuns de investimentos quedominam os mercados financeiros e que movimentam, por dia,trilhes de dlares. Na verdade so eles que, em linguagem deespecialista, a imprensa econmica denomina os mercados:

    Do mesmo modo que os grandes bancos ditaram, no sculoXIX, qual deveria ser a atitude de numerosos pases, oucomo as empresas multinacionais procederam entre os anos60 e 80, daqui em diante os fundos privados dos mercadosfinanceiros detm em seu poder o destino de muitos pases.E, em certa medida, o destino econmico do mundo.

    Ramonet continua destacando (em 1997, portanto, poucoantes da crise asitica):

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    Globalizao Como Ideologia

    Que, amanh, [os fundos privados dos mercadosfinanceiros] cessem de ter confiana na China (onde osinvestimentos estrangeiros diretos atingiram, em 1994, US$32 bilhes) e, como se fossem peas de domin, os pasesmais expostos (Hungria, Argentina, Brasil, Turquia, Tailndia,Indonsia...) veriam os capitais se retirar sob o impacto dopnico, provocando sua falncia e a falncia do sistema(Ramonet, 1998)

    Ao apresentarmos a globalizao como mundializao docapital iremos nos aprofundar no aspecto da mundializaofinanceira, que, pode ser considerada um trao fundamental (efundante) da globalizao.

    Deste modo, regimes globalitrios so regimes polticos queassasinaram a poltica, concebida como gesto da coisa pblica,em prol do poder do mercado, dos grupos multinacionais quedominam setores importantes da economia dos Estados do Sul tais como o Brasil e, inclusive, do Norte.

    A globalizao e a desregulamentao da economia, levadaa cabo pelos regimes globalitrios, favoreceram a emergnciade novos poderes que, com a ajuda das novas tecnologias dainformtica e da telemtica, transbordam e transgridem,incessantemente, as estruturas estatais.

    Para Ramonet, portanto, a idia de globalitarismo diz respeitoa um regime poltico que contribui para a dissoluo do poder doEstado e da esfera pblica (em prol do mercado e da esferaprivada). O que se denomina mercado corresponde sempresas, conglomerados e corporaes transnacionais e,principalmente, o mercado financeiro que possui como principalgestor no apenas os bancos, mas os fundos de penso e osfundos mtuos de investimentos, americanos e japoneses.

    A idia de globalitarismo diz respeito a um regime polticoque incentiva o livre comrcio um dos dogmas neoliberais,sustentados pelas polticas da OMC. Ao dizer livre-comrcio,

  • Introduo

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    queremos dizer o livre fluxo de capitais, de investimentos e debens e servios (a trindade neoliberal) (Cassen,1999).

    Ao tratarmos da ideologia (e da poltica) neoliberal no tpicoda globalizao como ideologia, iremos nos aprofundar nessacaracterizao do globalitarismo. O que precisa ser ressaltado que, para os crticos da globalizao neoliberal (termocomumente utilizado) o livre-comrcio de dinheiro e mercadoriasdissolve no apenas o Estado-nao, mas, como iremos destacarlogo mais, a cultura dos povos.

    claro que a multiplicao incrvel das trocas e dos fluxoscomerciais e financeiros que ocorreu nos ltimos trinta anos teveo apoio decisivo das revolues tecnolgicas nas comunicaese transportes, principalmente a informtica e telemtica. Tudoisso contribuiu para a interpenetrao dos mercados industriais,comerciais e financeiros (o que coloca, segundo Ramonet,problemas para a prpria natureza da empresa capitalista global).

    Portanto, alm do assassinato da poltica e da dissoluoda democracia republicana e do Estado-nao em prol dototalitarismo dos mercados, a idia (e a realidade) da globalizaooculta o assassinato da diversidade cultural, tendo em vistaque a ideologia da globalizao tende a dizer respeito a umprocesso de mercantilizao universal que homogeneza tudo o libi da modernidade serve para dobrar tudo sob o implacvelnvel de uma estril uniformidade (Ramonet, 1998:47).

    Deste modo, sob o globalitarismo tende-se a constituir umacultura global sedimentada pelo livre-comrcio. O principalresponsvel, se poderamos dizer assim, pela dissoluo culturaldos povos numa world culture , na perspectiva dos crticosrepublicanos da globalizao cultural, o livre-comrcio:

    Um estilo de vida semelhante se impe de um extremo aooutro do planeta, divulgado pela mdia e prescrito pelaintoxicao da cultura de massa. De La Paz a Ouagadougou,de Hyoto a So Petersburgo, de Oran a Amsterdam, mesmofilmes, mesmas sries de televiso, mesmas informaes,mesmas canes, mesmos slogans publicitrios, mesmos

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    Globalizao Como Ideologia

    objetos, mesmas roupas, mesmos carros, mesmo urbanismo,mesma arquitetura, mesmo tipo de apartamentos, muitasvezes, mobiliados e decorados de maneira idntica...

    E destaca o outro sentido do globalitarismo:

    Nos quarteires abastados das grandes cidades do mundo, orequinte da diversidade cede o lugar a fulminante ofensiva dapadronizao, da homogeneizao, da uniformizao. Por todaparte, triunfa a world culture, a cultura global (Ramonet, 1998)

    claro que algum poderia contra-argumentar que em outraspocas histricas, como durante o Imprio Romano, ou ainda,durante os vrios imprios do Ocidente, at o sculo XIX,inclusive sob o imprio Otomano no Oriente, a disseminao dacultura imperial pelas bordas dominadas era algo comum.

    Mas, o que perceptvel com a globalizao neoliberal, queassume propores inditas e ocorre numa velocidadeimpressionante, o carter totalitrio da imposio cultural (eno apenas cultural, mas poltica, tendo em vista que a idia deglobalitarismo intrinsecamente poltica):

    Na histria da humanidade, nunca prticas caractersticas deuma cultura tinham chegado a se impor, de uma forma to rpida,como modelos universais. Modelos que so tambm polticose econmicos; a democracia parlamentar e a economia demercado frmulas que esto sendo aceitas, quase por todaparte, como atitudes racionais, naturais participam, defato, da ocidentalizao do mundo (Ramonet, 1998:48)

    Na medida em que a globalizao tende a reduzir tudo lgicamercantil, a tornar o mundo (e o pensamento) unidimensional,instaura-se um novo totalitarismo, que, inclusive, inibe opensamento a pensar em alternativas para alm do mercado.

  • Introduo

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    No toa que se proclamou no incio da dcada de 1990 o fimda histria e at o fim das utopias. Tais manifestaes ideolgicasso expresses do globalitarismo que destila, no plano das prticas epensamentos, a ditadura e tirania do mercado, que aparece comoum deus ex machina, todo-poderoso, nico capaz de contribuir parao progresso dos povos rumo modernidade.

    por ser produto ideolgico de regimes globalitrios que aidia de globalizao aparece para o senso comum como algo aqual todos nos devemos nos submeter e nos adaptar e noimpor resistncia ou buscar alternativas. Este o sentido dodiscurso do globalitarismo que se inscreve nas falas de polticos,empresrios, jornalistas e intelectuais dos mais diversos espectrospoltico-ideolgicos.

    Deste modo, o que apresentamos atravs da idia deglobalitarismo uma vertente da crtica da globalizao comoideologia (e principalmente como poltica). uma crticarepublicano-democrtica radical, muito arraigada na inteligentsiafrancesa de esquerda, que tende a salientar o livre-comrcio comoa expresso do mal que atinge a civilizao moderna. o livre-comrcio que degrada a coeso social, moral e poltica dos povosocidentais, tendo em vista que os regimes globalitrios atentamcontra o Estado-nao, o mundo do trabalho, a ecologia e o sistemacultural-nacional.

    Algum poderia perguntar: o que , portanto, o globalitarismo?Diremos: o globalitarismo a viso negativa da globalizao, a globalizao como ideologia negativa, como totalitarismo domercado. Mas qual seria a viso positiva da globalizao, asua ideologia positiva?

    Um termo utilizado para caracterizar a ideologia positivada globalizao globalismo. Ele sintetizaria o que a globalizaodiz ser e como ela abordada pelo pensamento neoliberal.

    Nos interessa apresentar aqui, um concepo da idia deglobalismo apresentada pelo socilogo alemo Ulrich Beck. Depois,apresentaremos uma outra viso da idia de globalismo que totalmente diversa da apresentada por Beck (a idia de globalismo

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    Globalizao Como Ideologia

    apresentada pelo socilogo brasileiro Octvio Ianni). So aspectosdiversos do globalismo como iremos ver, Beck destila o carterapologtico da idia de globalismo, o carter positivo da globalizaocomo ideologia; enquanto Ianni nos apresenta o carter sociolgicoe fenomenolgico do conceito de globalismo.

    Globalismo

    A idia de globalismo, segundo Beck, entre outros, diz respeito ideologia da globalizao. No possui o sentido crtico (e negativo)da noo de globalitarismo. Traduz apenas a idia de ideologia (oupoltica) da globalizao, uma ideologia positiva da globalizao.

    Globalismo possui um significado totalmente diferente dasidias de globalizao ou globalidade. Globalismo diz respeitoa ideologia do imprio do mercado mundial, a ideologia doneoliberalismo. A idia de globalismo, segundo Beck, umaconcepo ideolgica da globalizao e da globalidade que tendea reconhecer a morte da poltica diante da nova situao domundo global (nesse caso, s cabe a ns nos adaptarmos globalizao). O mercado mundial bane ou substitui, ele mesmo,a ao poltica. A poltica no possue mais local ou sujeito e asua tarefa primordial se perdeu de vista.

    O encanto despolitizado do globalismo, expresso utilizadapor Beck, tende a ver a globalizao e a globalidade como algorestrito ao aspecto econmico, reduzindo sua pluridimensionalidadea uma nica dimenso: a econmica.

    A globalizao e a globalidade so pensadas de forma lineare deixa todas as outras dimenses (relativas ecologia, s culturas, poltica e sociedade civil) sob o domnio subordinador domercado mundial (Beck, 1999) .

    Na verdade, a viso do globalismo liquida uma distinofundamental, a distino entre economia e poltica. Para Beck, apoltica, sob a primeira modernidade, teve (e ainda tem) umpapel primordial:

  • Introduo

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    ... delimita e estabelece as condies para os espaosjurdicos, sociais e ecolgicos, dos quais a atuao daeconomia depende para ser socializada e tornar-se legtima(Beck, 1999).

    Ao dizermos que a poltica para Beck ainda tem um papelprimordial, precisamos dizer que, com a globalidade e aglobalizao, como iremos ver mais adiante, a poltica precisaser reinventada e reformulada. Antes de mais nada, Beckdistingue dois momentos da modernidade a primeiramodernidade, que parece ter o seu clmax sob o Estado socialdo ps-guerra, e a segunda modernidade, que surge a partir dacrise capitalista dos anos 70 e que alguns crticos da modernidadeacusam como sendo a ps-modernidade.

    Portanto, no que Beck exclua a poltica na segundamodernidade, como faz o globalismo, mas ele concebe que ela,tal como se constituiu na primeira modernidade, sob os auspciosdo Estado nacional e territorial, perdeu seu lugar. Suas respostass questes da segunda modernidade, diz ele, tornaram-secontraditrias e inadequadas.

    Na segunda modernidade, por outro lado, sob as condiesda globalizao e da globalidade, impm-se o imperialismo daeconomia. Beck salienta que a economia de atuao global tendea derreter a soberania do Estado nacional e a excluir a polticado quadro categorial do Estado nacional e at mesmo excluir opapel esquemtico daquilo que se entende por ao poltica ouno-poltica.

    O Estado nacional e o sistema poltico perdem seus recursos.Por exemplo, o recolhimento de impostos e sua autoridade. MasBeck salienta que isto no diz respeito apenas a dimenso econmica:

    ...uma imensa variedade de lugares conectados entre si cruzasuas fronteiras territoriais, estabelecendo novos crculos

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    Globalizao Como Ideologia

    sociais, redes de comunicao, relaes de mercado e formasde convivncia (Beck, 1999)

    A crise do Estado nacional uma condio da globalizaoe da globalidade. S que a ideologia do globalismo tende a reduziresta nova situao em que est o mundo (que ele tende acaracterizar como sendo uma sociedade mundial), apenas dimenso econmica, reduzi-la, portanto, apenas a uma dimenso:a da tica do mercado mundial. A partir da, o globalismo reduzas lgicas particulares da globalizao da ecologia, da cultura eda sociedade civil, lgica da economia de mercado. Perde-sede vista a pluridimensionalidade da globalidade.

    Por outro lado, a idia de globalismo assume um outro sentidosociolgico na viso de Octvio Ianni. Para ele, globalismo umconceito sociolgico para caracterizar

    uma configurao histrico-social no mbito da qual semovem os indivduos e as coletividades, ou as naes e asnacionalidades, compreendendo grupos sociais, classessociais, povos, tribos, cls e etnias, com as suas formassociais de vida e trabalho, com as suas instituies, os seuspadres e os seus valores (Ianni, 1996)

    Portanto, o globalismo uma configurao histrico-socialabrangente, surpreendente e determinante, uma totalidadehistrica e terica complexa, contraditria, problemtica e aberta,uma totalidade heterognea, simultaneamente integrada efragmentria, um novo ciclo da histria quando esta semovimenta como histria universal, uma

    configurao geo-histrica original, dotada depeculiaridades especiais e de movimentos prprios, que sepode denominar de global, globalizante, globalizada ouglobalismo (Ianni, 1997).

  • Introduo

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    O globalismo inaugura um novo ciclo da histria porque, comosalientamos, a histria passa a se movimentar como histriauniversal:

    No passado, inclusive, nos tempos do Iluminismo e por todoo sculo XIX, a histria universal podia ser vistaprincipalmente como idia, fico ou utopia. No sculo XX,e cada vez mais ao longo desse sculo, a histria universalse revela real, um imesno e impressionante cenrio, aindaque como Babel e labirinto (Ianni, 1997)

    Apesar de dizer que o globalismo se constitui ao longo dosculo XX, Ianni salienta que ele, o globalismo, subsume histricae teoricamente o imperialismo.

    Trata-se de duas configuraes histrica e terica distintas.Podem ser vistas como duas totalidades diferentes, sendoque uma mais abrangente que a outra. O globalismo podeconter vrios imperialismos, assim como distintosregionalismos, muito nacionalismos e uma infinidade delocalismos. Trata-se de uma totalidade mais ampla eabrangente, tanto histrica como lgica (Ianni, 1997).

    Para Ianni, o globalismo no se reduz ao neoliberalismo emuito menos se expressa apenas nessa ideologia. O globalismotanto compreende o neoliberalismo como o socialismo. Destemodo , Ianni resgata o globalismo como o resultado scio-histricodo processo de globalizao que modifica mais ou menosradicalmente realidades conhecidas e conceitos estabelecidos.

    O globalismo, tal como o mercantilismo, o colonialismo e oimperialismo, uma histria que acompanha o desenvolvimentodesigual e combinado do capitalismo pelo mundo afora, comomodo de produo e processo civilizatrio.

    Trata-de de uma realidade social, econmica, poltica e culturalde mbito transnacional, que em geral modifica o lugar e osignificado do que preexiste: Tudo que local, nacional e regional

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    Globalizao Como Ideologia

    recebe o impacto da transnacionalizao. Com o globalismopassa-se a se desenvolver a sociedade global, um cenrio nos problemtico, mas contraditrio (Ianni, 1997).

    Globalidade

    Como vimos, a idia de globalismo para Beck totalmentenegativa e no pode ser confundida com a globalizao eglobalidade. A idia de globalidade, utilizada por Beck, no seulivro O Que Globalizao, diz respeito a prpria condio daglobalizao, ou seja, quilo que denominamos no apenas demundializao do capital, mas de processo civilizatrio humano-genrico, um processo scio-histrico contraditrio e avassalador,de instaurao de uma nova economia e sociedade modernas .

    claro que Beck amplia o prprio sentido da globalidade,abrangendo no apenas a dimenso da economia global, masprincipalmente as dimenses da cultura, da ecologia, da polticae da sociedade civil. Para Beck, globalidade a situao do mundosob a segunda modernidade, onde tende a se constituir umasociedade mundial, o conjunto de relaes sociais, que no estointegradas poltica do Estado nacional ou que no sodeterminadas (ou determinveis) por ela. Beck diria maisadiante: a vida e a ao cotidiana ultrapassam as fronteiras doEstado nacional com o auxilio de redes de comunicao interativase interdependentes(Beck, 1999).

    Globalidade uma situao do mundo em que todas asdescobertas, triunfos e catstrofes afetam a todo o planeta, eque devemos redirecionar e reorganizar nossas vidas e nossasaes em torno de um eixo global-local. Se globalidade anova condio humana, globalizao seria

    os processos, em cujo andamento os Estados nacionaisvem a sua soberania, sua identidade, suas redes decomunicao, suas chances de poder e suas orientaessofrerem a interferncia cruzada de atores transnacionais.

  • Introduo

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    um processo irreversvel e dialtico que

    produz conexes e os espaos transnacionais e sociais, querevalorizam culturas locais e pem em cena terceirasculturas...(Beck,1999)

    um processo que possui uma especificidade histrica, oque significa que o que ocorre hoje no o mesmo o que ocorreuna Europa desde o sculo XVI. A globalizao que est em curso,diz Beck,

    ... consiste na extenso, na densidade e na estabilidaderecproca que ainda est por ser comprovada empiricamente das redes relacionais regionais globais e sua autodefiniodos meios de comunicao de massa, bem como do espaosocial e das correntes icnicas nos domnios culturais,poltico, econmico e militar (Beck, 1999).

    A constituio de uma sociedade mundial decorre daglobalizao, uma sociedade mundial que um horizonte que secaracteriza pela multiplicidade e pela no-integrao, diversidadesem unidade, sociedade mundial sem Estado mundial e semgoverno mundial. Pelo visto, Beck tende a opor, de um lado, aidia de globalismo e de outro, as idias de globalidade eglobalizao. Poderamos at dizer que, para ele, o globalismo a prpria ideologia do neoliberais (os desmontadores doOcidente).

    Glocalizao

    O conceito de glocalizao, utilizado por socilogos, dizrespeito a uma nova forma de ver a globalizao, compreendidamais em suas articulaes entre o local e o global e no apenasna dimenso global.

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    Globalizao Como Ideologia

    Na verdade, glocalizao um conceito-alternativo noo deglobalizao, tendo em vista que discorda da idia de globalizaocomo um processo de negao do local pelo global (o conceito deglocalizao articula as noes de local e global). O local e o globalno se excluem. Pelo contrrio: o local deve ser compreendidocomo um aspecto do global (Robertson, 1999).

    De certo modo, a utilizao do conceito de glocalizao tendea ocorrer nas anlises da cultura diante das transformaes docapitalismo mundial. Por isso, observa Beck, comentando oconceito de glocalizao:

    Globalizao quer tambm dizer: a conjuno e o encontrode culturas locais que devero ainda ser conceitualmenteredefinidas em meio a este clash of localities (Beck, 95)

    A importncia do conceito de glocalizao promover umarenovao metodolgico-pragmtica da compreenso do processode globalizao apreendido em seus aspectos contingentes edialticos, contraditrios em sua prpria unidade. Deste modo,seriam indissociveis, por um lado, a generalizao e a unificaode instituies, simbolos e modos de vida (por exemplo,McDonalds, blue jeans, democracia, tecnologia de informtica,bancos, direitos humanos, etc) e, por outro lado, a redescobertae a valorizao, e mesmo a defesa das culturas e das identidadeslocais (islamizao, pop alemo e rai norte-africano, o carnavalafricano em Londres ou a salsicha branca do Hava). Comoobserva Beck, utilizando o exemplo dos direitos humanos,

    ...estas culturas [locais - G.A.], bem como todas as outras,esto em primeiro lugar representando direitos universais eque, em segundo lugar, so representadas e postas em cenadiferentemente conforme cada contexto (Beck, 96)

    Nesse sentido, pode-se falar de paradoxos de culturas glocais,onde mesclam-se como unidades contraditrias universalismo e

  • Introduo

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    particularismo, conexo e fragmentao, centralizao edescentralizao, conflito e compensao.

    O conceito de glocalizao recupera a contraditoriedadeintrnseca prpria globalizao, criticando, portanto, umaideologia da globalizao que tende a concebe-la meramentecomo um processo scio-histrico globalista e homogneo.

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    Dimenses da Globalizao

    2A Globalizao Como Ideologia

    A ideologia da globalizao, tal como ns aconhecemos hoje, surgiu (e se impulsionou) apartir da mundializao do capital ocorrida a partirda dcada de 1980. s a partir de uma nova etapa dedesenvolvimento do capitalismo mundial, que a idia deglobalizao, com todos seus aspectos impressionistas, porexemplo, as idias de aldeia global ou de sociedade global,tendeu a adquirir um contedo scio-histrico concreto maisdesenvolvido e a constituir uma ideologia orgnica elaborada.

    Com o desenvolvimento da mundializao do capital, o quepodemos denominar de cones impressionistas da globalizaodeixaram de ser uma mera projeo ideolgica contingente eresidual, para assumir um substrato concreto efetivo.

    O que procuraremos ressaltar que a globalizao se constituiuatravs de uma operao ideolgica que tendeu a ocultar a suanatureza histrica e poltica de mundializao do capital.

    O nexo essencial da ideologia da globalizao apresentar umprocesso scio-histrico concreto constituido atravs da luta declasses, como um processo natural, de uma segunda natureza, aqual todos ns, inclusive governos, somos obrigados a nos submeter.

    De certo modo, a globalizao tende a ser apresentada como umprocesso homogneo e homogeneizador que conduz ao progressoe ao bem-estar universal, globalizao da democracia e desapario progressiva do Estado-nao.Tais caracteristicasda globalizao, dissiminadas atravs dos aparatos miditicos do

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    sistema orgnico do capital, so meras incrustaes do queconsideramos a ideologia da globalizao.

    Em primeiro lugar, a globalizao no um processo homogneoe homogeneizador. Pelo contrrio, desigual e combinado, seletivoe excludente, o que significa que ela no conduz ao progresso e aobem-estar universal. Na verdade, tende a acentuar a desigualdade,a explorao e a excluso universal.

    Em segundo lugar, se a globalizao tende a dissiminar atravsdo globo uma forma andina de democracia poltica, reduzida aseus protocolos jurdico-institucionais restritos, essa forma polticade democracia oculta, sob um poderoso aparato estatal-miditico,a espoliao de direitos sociais e o desmonte do Estado-nao.Sob as condies adversas da presso social das massas excludase exploradas, a forma poltica da democracia global tende aexpressar seu contedo autocrtico-burgus.

    A globalizao da democracia segue, pari passu, oaprofundamento da crise de legitimidade (e no apenas degovernabilidade) do Estado capitalismo sob as condies damundializao do capital.

    Finalmente, ao contrrio do mero desaparecimento do Estado-nao, o que observamos sua metamorfose politico-institucional,num aparato burocrtico-centralizado de dominao (ereproduo) do capital global concentrado. A globalizao tendea criar um Estado mnimo para as necessidades das massaspopulares excluidas e exploradas e constituir um Estado mximopara os interesses de reproduo e acumulao do capitalfinanceiro global.

    Deve-se falar no meramente de um Estado-nao burgus,principalmente para os pases capitalistas subalternos, mas deum sistema mundial inter-estatal capitalista cada vez maisorgnico tendo em vista que, com a mundializao do capital,surge um nova elite capitalista desterritorializada - uma burguesiatransnacional comprometida com os interesses do novo sistemamundial do capital financeiro.

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    Dimenses da Globalizao

    O sistema mundial inter-estatal capitalista, que poderia serapreendido como um rudimentar Estado global do capital financeiro,com seus tentculos tecnocrtico-institucionais (tais como FMI, BancoMundial, OMC, etc), a expresso poltico-institucional do queChesnais veio a denominar de oligoplio mundial. Na verdade, aglobalizao como mundializao do capital um construto polticode polticas estatais-nacionais servio dos interesses das empresas,conglomerados e corporaes transnacionais, a espinha-dorsal dooligoplio mundial (Chesnais, 1995).

    Alm das caracteristicas principais da ideologia da globalizao,apresentadas logo acima, importante salientar alguns de seustraos essenciais:

    1. Possui uma srie de cones impressionistas, ligadas aoprprio desenvolvimento do capitalismo e de suas foras produtivas( o que observamos com as idias de aldeia global ou mesmo desociedade global e cultura global) e que marcaram a pr-histriada ideologia da globalizao.

    2. A ocultao de seu carter scio-histrico, o que implicana operao linguistico-conceitual de toda e qualquer ideologia (des-historizar e ocultar o carter de classe e de luta de classe intrinsecoa todo o processo scio-histrico moderno).

    3. A impresso de um contedo economicista/naturalista,que permite apreender a globalizao meramente como um resultadoda evoluo civilizatria, a qual todos ns devemos nos submeter eapenas nos adaptar.

    cones impressionistas do novo capitalismo mundial

    possivel dizer que antes do surgimento e desenvolvimento daideologia da globalizao propriamente dita, ocorrida em meadosdos anos 80, tendeu a se disseminar sob o capitalismo mundial dops-guerra, uma srie de impresses conceituais que indicavam apossibilidade de constituio de um um mundo s ou de um

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    globo. Surgem, de certo modo, as idias de aldeia global e mesmode sociedade global e cultura global:

    A partir dos anos 80, o anglicismo globalizao domina odiscurso de marketlogos da economia e da poltica, apesar deque essa inveno data do final dos anos 60 (Castro, 1999)

    Por exemplo, de 1968 o livro Guerra e paz na aldeia global,de Marshall McLuhan, um dos profetas da telemtica. Os avanosdas transmisses ao vivo pelas redes de TV nos Estados Unidos,tendeu a anunciar para Mcluhan o surgimento de uma aldeia global. a realidade dos novos meios de comunicao, que tendiam a criarpara milhes de espectadores, uma nova realidade virtual, queimpressionou McLuhan a sugerir a idia de umaaldeia global,expresso que veio a se dissiminar e caracterizar uma possibilidadeconcreta posta pelo desenvolvimento da telemtica e dastelecomunicaes a partir dos anos 70.

    Um outro autor que contribuiu para dissiminar mais um coneimpressionista da globalizao, na pr-histria da ideologia daglobalizao, o politlogo, diretor do Instituto de Pesquisa sobreo Comunismo, da Universidade de Columbia, conselheiro deSegurana Nacional do Governo Carter e que criou a ComissoTrilateral: Zbigniew Brzezinski, autor de A revoluotecnotrnica (de 1969). de Brzezinski a utilizao das idiasde sociedade global e cidade global para designar um novotipo de habit humano permeado pelas redes tecnotrnicas (aconjugao de computador, TV e computadores) (Castro, 1999).

    O modelo de sociedade global, para Brzezinski, so osEstados Unidos, a principal fora propulsora da revoluotecnotrnica mundial:

    isso porque, primeiro, so o ponto de partida de 65% detodas as comunicaes mundiais; segundo, porque com avenda de produtos das suas indstrias culturais, junto exportao de tecnologias, de procedimentos e de sistemas

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    Dimenses da Globalizao

    organizacionais, os EUA oferecem ao mundo o nico modeloglobal de modernidade com os correspondentes padres decomportamento e valores universais (Castro, 1999).

    Portanto, como podemos observar, os cones impressionistasda globalizao, que se disseminaram a partir dos anos 60, tenderama ter como substrato concreto imediato, a III Revoluo Tecnolgica,cujo epicentro so os EUA e que impulsionou o desenvolvimentodas redes de telecomunicaes e da telemtica. A exuberncia domundo scio-tcnico ocorrida no sculo XX tendeu a criar seuscones impressionistas, alm de determinar as possibilidades concretasde desenvolvimento do processo civilizatrio humano-genrico.

    Entretanto, cabe salientar que a globalizao em-si possui comoprprio contedo scio-histrico, o americanismo (o esprito dadominao dos EUA no sculo XX). atravs dele que podemosapreender o contedo dos cones impressionistas (e pr-histricos)da ideologia da globalizao propriamente dita.

    Foi atravs da poltica de hegemonia cultural americana,principalmente com a presena da indstria cultural americanadissiminada atrves das redes teletrnicas e da constituio dasempresas multinacionais globais americanas, que disseminou-sea idia de uma sociedade global ou de uma cultura global,antes mesmo que a ideologia da globalizao propriamente ditaviesse a se constituir.

    Alm disso, a idia de uma poltica global, levada a cabopelo Departamento de Estado americano nas circunstncias daGuerra Fria contribuiu sobremaneira, em vrios aspectos, para aconstruo de uma idia impressionista (e rudimentar) deglobalizao. No apenas enquanto realizao da polticaimperial do EUA no Ocidente atravs da suas articulaes polticas,ideolgicas e militares anti-comunistas na Amrica Latina, fricae sia, mas inclusive no sentido tecnolgico, tendo em vista quefoi atravs do apoio do Departamento de Estado americano queocorreram avanos significativos na telemtica e na teletrnica

  • Globalizao Como Ideologia

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    (por exemplo, a Internet, que veio a se disseminar sob aglobalizao, originou-se de um projeto militar americano) queiriam constituir o substrato tecnolgico-material da globalizaopropriamnete dita.

    Portanto, por um lado, ocorre, a partir dos anos 60, aconstituio de uma economia mundial, atravs da expansodas multinacionais globais, no apenas americanas, masjaponesas e europias. Por outro lado, uma poltica mundialassumia dimenses histrico-concretas atravs das diversasarticulaes militares, polticas e ideolgicas anti-comunistas.

    Ela mesma, a nova poltica do capitalismo mundial do ps-guerratendeu a anunciar a sociedade global bem antes, a partir dos anos40, com a constituio, naquela poca, dos cones institucionaisda globalizao propriamente dita, tais como ONU, FMI, BancoMundial e mais tarde, OTAN e todos os aparatos de poltica eeconomia global.

    Alm disso, cabe salientar os resultados, ainda imaturos, da IIIRevoluo Cientfico e Tecnolgica at os anos 60, principalmenteno campo da comunicao e dos transportes, imprescindiveis paraacelerar o fluxo de comrcio e de informaes no globo (a idia dealdeia global). Todos essas mltiplas determinaes contribuirampara constituir os icones impressionistas de um discurso originrioda globalizao.

    At os anos 1980, o anglicismo globalizao ainda no erautilizado para caracterizar uma srie de cones impressionistasde um globo que se constituiu na poltica, na economia e na cultura,atingindo os mais diversos pases capitalistas (e socialistas) emmaior ou menor proporo, dependendo de sua insero nomercado mundial. No se dizia globalizao, mas se dizia ONU,FMI, Banco Mundial, OTAN, Pacto de Varsvia, Operaco Condor,aldeia global, sociedade global, multinacionais etc.

    Ora, tais cones impressionistas no so arbitrrios, maspossuem como lastro histrico concreto, como salientamos,realidades polticas scio-histricas e tecnolgicas de um

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    Dimenses da Globalizao

    capitalismo mundial em constituio no ps-II Guerra Mundial.At os anos de 1980, a ideologia da globalizao propriamente

    dita no surgia ainda como uma realidade scio-histrica que seimpunha, tal como ocorre nos nossos dias, tendo em vista que aprpria globalizao como mundializao do capital, ainda notinha se constituido plenamente.

    At fins dos anos de 1970, vive-se um processo scio-poltico deintensas lutas de classes, de percursos ainda sinuosos dereestruturao capitalista, principalmente a reeestruturao produtiva,num bojo de crise da economia capitalistas central.

    A idia de uma globalizao apenas transparecia atravsde seus cones impressionistas originrios, no tendo aindadominado o discurso da mdia e dos interesses discursivos doOcidente, o que ocorreria com maior vigor nos anos 80.

    Como iremos verificar, s nos anos de 1980 que a globalizaocomo mundializao do capital iria assumir um novo sentido scio-histrico. A ofensiva do capital na produo adquire um cartersistmico e o avano das polticas neoliberais nos principais pasescapitalistas indica um novo padro da acumulao capitalista mundial.

    Constituem-se para a prtica reprodutiva capitalista uma sriede constrangimentos estruturais, no campo da gesto poltica daeconomia dos Estados-Nao, criando amplamente as condiespara o discurso (e a ideologia orgnica) de uma globalizaoinexorvel a qual todos - individuos, classes, empresas e governos -tm que se submeter, sob pena de irem ruina no mercado mundial.

    A construo do cenrio da globalizao, onde o discurso daresignao liberal tendeu a adquirir um maior poder ideolgico, antes de tudo um construto poltico (a vitria de coligaespolticas conservadoras em fins dos anos de 1970 e no decorrerda dcada de 1980) e um construto econmico (resultado deuma srie de decises empresariais das multinacionais globais,sedentas em recuperar um novo patamar de acumulaocapitalista).

    A crise do capital, a partir de meados dos anos de 1970, umdado objetivo, intrinseco a prpria lgica de desenvolvimento

  • Globalizao Como Ideologia

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    capitalista no ps-guerra. So determinadas respostas polticas eempresariais crise do capital que constituiu o ambiente naturalpara o surgimento e desenvolvimento de uma determinada ideologiada globalizao, a partir de seus cones impressionistas quesalientamos acima.

    O que procuramos caracterizar como sendo a ideologia daglobalizao assume um carter orgnico, a partir dos anos de1980, porque emerge um complexo scio-histrico constituidopelas polticas neoliberais, com o mito do mercado auto-regulador e otimizador, e pela reestruturao produtiva, quearticularam atravs do anglicismo globalizao, ouglobalization, o sentido da nova ocidentalizao do mundo.

    A partir da, todos aqueles cones impressionstas daglobalizao, consituidos, principalmente, no ps-guerra, passarama ter um novo sentido scio-histrico.

    A III Revoluo Tecnolgica, com o mito do primado datecnologia ou da modernidade informacional e o mito da realidadevirtual ou da suposta unificao do tempo e do espao na aldeiaglobal, atravs da telemtica ou teletrnica, deu o substratoconcreto originrio a tal processo de constituio da ideologia daglobalizao propriamente dita.

    A Negao da Histria (e da Luta de Classes)

    Apesar de ter uma origem scio-histrica e ser um resultadoda luta de classes, a globalizao como mundializao docapital tende a ocultar suas origens. Na verdade, umacaracteristica essencial de qualquer construto ideolgico ocultarsuas origens scio-histricas concretas. No poderia ser diferentecom a ideologia da globalizao. deste modo que ela - a ideologiada globalizao - contribui para o desenvolvimento e legitimaopoltica do prprio processo scio-histrico (e poltco) da qual seoriginou.

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    Dimenses da Globalizao

    Como ideologia, a globalizao aparece como resultado daevoluo natural da civilizao. Como proceso natural einexorvel, a globalizao s poderia ser assim e seria ociosidadee insensatez lutar contra ela, ou melhor, querer que as coisassejam de outro modo. por isso que a ideologia da globalizaosupe apenas que devemos nos adaptar e no resistir mundializao do capital tal como ela .

    Na medida em que a idia de globalizao aparece comouma ideologia, ela ideologia orgnica de um amplo processode reestruturao capitalista. um poderoso recurso ideolgico-lingustico que instrumentaliza (e mistifica) um novo processoscio-histrico instaurado pela mundializao do capital. Comoobservou Batista, o poder mistificador da palavra globalizao

    se alimenta da percepo de processos reais que dominam aeconomia mundial: progresso das telecomunicaes einformtica, crescente integrao comercial e financeira,internacionalizao de muitos processos de produo, etc.(Batista Jr, 1996).

    Tais recursos de instrumentalizao e mistificao prpriode todo e qualquer construto ideolgico-orgnico. Mas, se aideologia da globalizao oculta e mistifica (e aindainstrumentaliza) porque existe um processo scio-histrico denovo tipo, uma nova dimenso civilizatria mundial que no podeser negado e que est pressuposto como substrato scio-histricoconcreto.

    A globalizao no meramente uma ideologia, apesar de quepossua uma ideologia, ou seja, um arcabouo de crenas e prticaspolticas (e culturais) inscritas nos discursos da mdia, de polticos eempresrios e intelectuais, cujo objetivo latente (ou manifesto) legitimar o novo regime de acumulao mundial do capital.

    Portanto, a ideologia da globalizao articula-se, mas nopode se reduzir, ideologia neoliberal. No pode se reduzirporque a ideologia da globalizao propriamente dita muita mais

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    ampla e diz respeito a um processo scio-histrico de maiorenvergadura civilizatria. Diz respeito a uma percepoideolgica de novos processos civilizatrios inscritos nodesenvolvimento capitalista. Tais processos scio-histricosobjetivos, claro, tendem a ser recuperados (e incorporados) poruma ideologia (o neoliberalismo) e sua classe dominante - aburguesia transnacional emergente.

    Desde os anos de 1940, as crenas neoliberais existiam nocenrio intelectual do establishment, s que, naquela poca deexpanso capitalista, o arcabouo ideolgico da reproduoorgnica do capital era totalmente outro. Em decorrncia dacorrelao poltica da luta de classes no ps-guerra (e a situaode Guerra Fria) tendia a predominar a ideologia estatista decariz social-democrata (Anderson, 1994).

    Foi preciso a crise capitalista nos anos de 1970, colocandonovas exigncias para a reproduo orgnica do capital, e a derrotapoltica (e sindical) do bloco social-democrata, para que o idarioneoliberal surgisse como a ideologia organica do sistema docapital.

    A ideologia neoliberal a ideologia poltica hegemnica daglobalizao originria, que tenta impor uma nova ordem capitalistamundial centrado no mercado. Na verdade, o neoliberalismo um discurso, uma crena e uma prtica de economia polticado capital que se desenvolve (e se potencializa e se auto-reproduz)nos perodos histricos de maior expanso capitalista mundial. a crosta ideolgica do prprio projeto expansionista do capitalpelo mundo ou pelo globo.

    Entretanto, a ideologia neoliberal no pode ser reduzido, comotemos salientado, seu contedo scio-histrico, o prpriomovimento de expanso e desenvolvimento do capital, que,em outros momentos histricos, se apropriou, para a suareproduo orgnica, do Estado e de outra ideologia orgnica (aideologia estatista de cariz social-democrata).

    Outro aspecto a ser salientado que a ideologia da globalizaoexacerba o pensamento positivo destilado sob o capitalismo

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    Dimenses da Globalizao

    industrial desenvolvido. o pensamento unidimensional,caracterizado por Marcuse (em meados dos anos de 1960), quetende a ocultar a negatividade intrinseca do real, negatividadedecorrente dos interesses antagnicos de classe e que est naorigem das lutas sociais e polticas do sculo XX.

    Entretanto, sua capacidade de sustentao ideolgica deveras dbil, pois, o verdadeiro contedo da mundializao docapital, tende a exacerbar a desigualdade, a explorao e aexcluso social no globo. Por isso, ocorrem novas determinaesda ideologia da globalizao e principalmente na ideologianeoliberal, que tende a incorporar um verniz social-democrata. apresso dos resultados sociais da globalizao, que desvela o seucontedo real, que cria (e recria) a ideologia da globalizao.

    O Novo Economicismo

    A ideologia da globalizao incorpora um novo economicismocomo senso comum. Na medida em que nega o processo scio-histrico e de luta de classes, constitui um construto de pensamentoe de idias apropriada pelo neoliberalismo e que se impe ao sensocomum.

    J discutimos a idia de globalismo e de globalitarismo comorecursos ligados ideologia da globalizao, seja num aspectopositivo ou negativo. Ao dizermos o novo economicismoqueremos dizer que a mundializao do capital tende a apresentaro mercado como o deus ex-machina que se torna a refernciauniversal dos processos decisrios polticos.

    Beck critica o globalismo que reduz a globalizao aconcepo de que o mercado mundial bane ou substitui, ele mesmoa ao poltica. Para ele, como j salientamos, o globalismo tendea ser a expresso da ideologia da globalizao na medida em quereduz a globalidade ideologia do mercado mundial, a ideologiado neoliberalismo:

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    O procedimento monocausal, restrito ao aspecto econmico,e reduz a pluridimensionalidade da globalizao a uma nicadimenso a econmica -, que, por sua vez, pensada de formalinear e deixa todas as outras dimenses relativas ecologia, cultura e sociedade civil sob o dominio subordinador domercado mundial (Beck, 1998)

    Mas, o que Beck apresenta como um excrescncia expresso contraditria daquilo que ele prprio denomina deglobalidade ou globalizao. A ideologia da globalizao comonovo economicismo se origina do prprio modo de ser essencialda globalizao como mundializao do capital. o capitalque se explicita como sujeito de um processo scio-histrico amplo,de mltiplas determinaes ecolgicas, culturais e sociais.

    Se predomina o aspecto econommico em detrimento dapluridimensionalidade da globalizao (o novo economicismo) porque a globalizao, antes de ser um processo civilizatrio, amundializao do capital. processo civilizatrio,mas , acimadisso, mundializao do capital.

    Por isso, a ideologia da globalizao, com seu novo economicismo,tende a ocultar o carter scio-histrico e poltico do processos deglobalizao, ligado a interesses de classe e imposto a partir deprocessos de luta poltica, e expressa a realidade concreta da lgicada globalizao como mundializao do capital, que submete asociedade em suas mais diversas instncias lgica da rentabilidadeuniversal.

    Ao analisarmos a globalizao como mundializao do capitaliremos verificar que o novo economicismo que surge com aglobalizao expressa to-somente a prpria natureza daglobalizao em-si: ser o imprio universal do capital, representadospelas empresas, conglomerados e corporaes transnacionais e pelosfundos de penso e fundos mtuos de investimentos, centralizadoresde uma imensa massa monetria sedenta de valorizao.

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    Dimenses da Globalizao

    Ao discutirmos o novo economicismo importante salientarmosque, o economicismo pode ser considerado, em suas diversasexpresses scio-culturais e ideolgicas, a ideologia do sculo XX.Isso sintomtico da prpria natureza do processo de modernizaocapitalista. Sob as condies do capitalismo desenvolvido, oeconomicismo penetra no apenas a ideologia hegemnica docapitalismo moderno, com a globalizao sendo a sua expressomais desenvolvida, mas inclusive a ideologia contra-hegemnica daesquerda, que, em algumas percepes analticas, pode negar osprocessos scio-histricos e polticos da luta de classses naconstituio do em-si da globalizao.

    A ideologia do economicismo o prprio ter da modernizaocapitalista, que possui tanto mais eficcia ideolgica na medida emque o capitalismo como modo de vida social se desenvolve. oque Weber salientou como um processo de desencantamento domundo, de reduo do mundo humano-social processos tcnicose economicos que tendem a serem fetichizados.

    Mas, antes dele, Marx salientou o fetichismo da mercadoriacomo a prpria caracteristica da estrutura da sociabilidade capitalista.O que significa que o novo economicismo, expresso pela ideologiada globalizao, a prpria expresso imanente do fetichismo dasmercadorias, que se desenvolve cada vez mais na medida em queo prprio capitalismo, no apenas como modo de produo, masprincipalmente como modo de civilizao, com suas relaes sociais,institucionais, polticas e culturais, se dissimina pelo globo.

    Portanto, a crtica do globalismo, ensaiada por Beck, ressaltabastante o carter de novo economicismo da ideologia da globalizao.A crtica do globalitarismo, salientada por Ramonet, ressalta bastanteo carter natural e totalitrio da ideologia da globalizao. Taisabordagens criticam uma ideologia constituida e amadurecida nosanos 80.

    Mas importante salientar que, a globalizao como processoscio-histrico concreto (como mundializao do capital e, aomesmo tempo, processo civilizatrio humano-genrico, conduzido

  • pelo capital) exala uma ideologia orgnica, que tende a surgire se desenvolver nos anos de 1980. uma ideologia que possuibases concretas scio-histricas reais (Gramsci, 1985).

    Antes tinhamos apenas cones impressionistas que apontavampara o que hoje criticamos como globalismo e globalitarismo. Nosanos de 1960, tais cones impressionistas no se impunham comoideologia orgnica pela prpria imaturidade da mundializao docapital. Contm gros de verdade sem constituir ainda a verdadeque apenas iria se consolidar e se desenvolver a partir dos anos de1980, em virtude de processos scio-histricos e luta de classes.

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    3Globalizao Como

    Mundializao do Capital

    Ao abordarmos a globalizao como mun-dializao do capital procuraremos trat-la comoum processo scio-histrico concreto que sedesenvolve a partir das ltimas dcadas do sculo XX. umanova etapa de desenvolvimento do capitalismo mundial que surgecom a crise do capital em meados da dcada de 1970. nessapoca que ocorre um complexo de fenomnos scio-histricosde novo tipo, com a mdia tendendo, mais tarde, a apreende-loscomo a globalizao. Entretanto, do nosso interesse investigara lgica essencial de tal fenomno scio-histrico, apreendendosuas mltiplas determinaes.

    Existe uma vastssima literatura nas cincias sociais que tratada globalizao. Na verdade, tornou-se um tema da modaintelectual do Ocidente no fin-du-sicle, uma palavra vadia queprocura traduzir a sensao ntima da profunda mudana scio-histrica que vivemos, de uma suposta ruptura com um passadoque nos parece distante. Sobre a globalizao, ou a pretexto dela,disseminaram-se, principalmente a partir da dcada de 1990, livros,ensaios e artigos de revistas e jornais em diversos idiomas,principalmente o ingls. Foi a partir dos anos 70 que dissiminou-se uma vasta literatura das cincias sociais procurando discutir anova constelao do capitalismo mundial, buscando descobriras novas significaes de um capitalismo criticamente emexpanso (a idia de crtica intrinseca a de expanso/desenvolvimento do sistema mundial do capital).

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    Em sua maioria, as reflexes sobre a globalizao tenderama sucumbir a uma perspectiva impressionista, isto , meramentedescritiva e muitas vezes no-crtica. Como permanecemvinculadas a um horizonte metodolgico positivista, tendem a noelaborar o conceito e se rendem ideologia da globalizao,desrespeitando, portanto, seu contedo intrinsecamente histrico-dialtico.

    O nosso intuito to-somente indicar alguns elementos parauma teoria dialtica da globalizao, que reconhea, como seunexo essencial, a contradio scio-histrica em processo.Estamos nos utilizando de autores do campo histrico-dialticopara construir uma proposta de investigao da globalizao queseja capaz de incorporar as mais diversas contribuies dascincias sociais.

    Existe um debate acirrado sobre a globalizao. Por um lado,o debate circunscreve-se em torno da questo de saber se aglobalizao representa ou no uma nova dimenso scio-histrica do capitalismo mundial, uma nova poca histrico-socialdo processo civilizatrio. Por outro lado, discute-se a prprianatureza da globalizao, se ela representa uma nova etapa dedesenvolvimento do capitalismo mundial, ou seja, uma rupturacom o dinamismo capitalista do passado, como podemoscaracterizar suas conexes essenciais.

    Para alguns autores, no haveria nada de novo com aglobalizao. Ela apenas reproduziria dinmicas de expansocapitalista do passado, tais como as que ocorreram na virada dosculo XIX para o sculo XX (Hirst e Thompson, 1998; NogueiraBatista Jr, 2000).

    Mas no do nosso interesse abordar as nuances - no apenasterico-metodolgicas, mas inclusive de carter nacional, dodebate sobre a globalizao. Nossa pretenso to-somenteapresentar uma breve interpretao ensastica sobre a naturezada globalizao que respeite sua legalidade histrico-dialtica.

    claro que argumentos, sendo alguns de carter emprico, contraa idia da globalizao como uma ruptura com o dinamismo

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    capitalista do passado so sustentveis. o que encontramos, porexemplo, em Hirst e Thompson. Entretanto, tais autores tendem, nogeral, a desprezar, de certo modo, primeiro, a natureza essencial dodesenvolvimento capitalismo moderno e, segundo, a importncia (esignificado qualitativamente novo) de alguns fenomnos daproduo (e reproduo) do capitalismo mundial a partir da crisecapitalista de meados dos anos 1970 (para uma crtica ponderadade Hirst e Thompson, ver Chesnais, 1997).

    Ora, o desenvolvimento capitalista mundial intrinsecamentedialtico, e, portanto, contraditrio. comum presenciarmos nodecorrer do processo de desenvolvimento scio-histrico docapitalismo, momentos de superao de formas dedesenvolvimento do capital (utilizamos a palavra superao, nosentido da palavra alem aufhaben, que significa superao/conservao).

    Desde o sculo XVI, o sistema mundial do capital tevediversas formas de desenvolvimento, todas caracterizadas comomodos de expanso do mercado mundial e de disseminaocontraditria do modo de produo (e de reproduo) capitalista.Elas articularam um complexo de determinaes polticas,culturais e tecnolgicas de dominao e poder a servio dosinteresses de avano da lgica da modernizao. Mercantilismo,colonialismo, imperialismo, neocolonialismo so termos quecaracterizam, desde o sculo XVI o avano da expansocapitalista mundial, sob a hegemonia (e supremacia) de impriose de Estados-nao (Arrighi, 1998).

    O que veio a ser denominado de globalizao um novomodo de expanso capitalista a partir de um novo regime deacumulao capitalista. A globalizao poderia ser consideradao desenvolvimento mais avanado de apresentao do sistemamundial do capital (que passaria a assumir um carter realmenteorgnico). A partir dessa nova forma de desenvolvimentocapitalista instaurou-se, em meados dos anos de 1970, o quepoderiamos chamar de uma descontinuidade no interior deuma continuidade plena (Alves, 1999).

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    claro que a economia da globalizao conserva aindahoje, num sentido ampliado e intensivo, relaes, processos eestruturas de produo e troca oriundos da passagem docapitalismo liberal para o capitalismo monopolista. Por isso, algunsargumentos empiricos de Hirst e Thompson, e de outros, podemser sustentveis. A globalizao at poderia ser identificada comoum momento mais avanado do imperialismo (termo utilizadopor Lnin para caracterizar, em 1905, a nova etapa do capitalismomonopolista). Mas o conceito de imperialismo no seria maiscapaz de, por si s, expressar as novas significaes do sistemaorgnico do capital, apesar de ser uma determinao originria(e essencial) da nova ordem mundial.

    Existem novas determinaes postas na totalidade concretada economia mundial que nos permitem apreend-la com novassignificaes - uma delas, por exemplo, a III RevoluoTecnolgica; uma outra, a nova estrutura do capitalfinanceiro, e ainda, the last but not the least, a derrota e a criseradical da poltica da social-democracia clssica e do movimenooperrio de esquerda (Castells, 2000; Chesnais, 1996; Bihr, 1998).

    O que procuramos salientar que a crise capitalista mundial,a partir de meados dos anos 1970, tendeu a constituir uma novadinmica de produo capitalista (a discusso sobre a crise docapital pode ser vista em Mandel,1997 e de modo mais acabado,em Brenner, 1998). Subjacente a uma continuidade plena da lgicaexpansionista do capital, que impulsionou processos de expansoem vrios perodos da histria do capitalismo moderno (desde osculo XVI), instaurou-se, mais uma vez, uma descontinuidadeno tocante dinmica do sistema mundial do capital.

    Mas no uma mera descontinuidade scio-histrica, massim um momento de desenvolvimento mais avanado do sistemamundial do capital, qualitativamente novo. por isso quepoderamos dizer que presenciamos a constituio real - e nomeramente formal - de um sistema orgnico do capital.

    deveras perceptivel, principalmente a partir dos anos 1980,a ocorrncia de alteraes qualitativas, e no meramente

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    quantitativas , no sistema mundial do capital. Ao dizermos sistemamundial do capital procuramos caracterizar o capitalismomundial como uma totalidade concreta (Kosik, 1977). Somudanas complexas e interrelacionadas nos mltiplos camposda produo e reproduo do ser social capitalista, da ordemprodutiva, tecnolgica e cultural, ordem poltica, militar e social,que atingem, em maior ou menor proporo, com impactosdiversos e particulares, o conjunto dos pases capitalistas, sejameles centrais ou subalternos Triade (EUA, Japo e EuropaOcidental).

    Esse determinado complexo de mudanas scio-histricas,que se desenvolve com vigor nos anos de 1960, e assumiria seupice a partir da crise capitalista dos anos 1970, instigou, e continuainstigando, o pensamento e a ao scio-humana. Por exemplo,alguns autores do campo dialtico - e inclusive, no-dialtico - nosanos 60 procuraram tratar da nova dinmica capitalista, antevendo,em alguns casos, novas determinaes que s assumiriam seudesenvolvimento pleno mais tarde. o caso de Andr Gorz, com oconceito de neocapitalismo e Herbert Marcuse, com o debate sobrea sociedade unidimensional e inclusive, os tericos do ps-industrialismo, como Daniel Bell, entre outros.

    Entretanto, o que todos eles no puderam vislumbrar que anova dinmica expansionista do capitalismo do ps-guerratenderia a ser conduzida, em termos hegemnicos, com aglobalizao dos anos 80, pelo capital financeiro (o queimprimiria uma marca determinada no prprio desenvolvimentodo sistema mundial do capital).

    Como procuramos demonstrar, a globalizao possui, antes detudo, uma ideologia que oculta seu verdadeiro significado histrico:a mundializao do capital, que significa uma nova estrutura daeconomia (e da poltica) mundial que d uma nova dinmica naproduo (e reproduo) do sujeito da modernizao (o capital).

    Mas, na medida em que compreendemos a globalizao comomundializao do capital, somos obrigados a apreende-la comoum processo scio-histrico intrinsecamente dialtico. dialticoporque contraditrio e o capital, como salientou Marx, a prpria

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    contradio viva (Marx, 1985). por isso devemos considerara globalizao no apenas como ideologia ou ento comomundializao do capital, mas como um processo civilizatriohumano-genrico (o que iremos tratar mais adiante).

    Globalizao como Mundializao do Capital

    A utilizao do conceito de mundializao do capital paracaracterizar a globalizao vincula-se a percepo analtica deChesnais, desenvolvida no livro A Mundializao do Capital(edio original de 1994) e depois, em A MundializaoFinanceira (edio original de 1996).

    Como constatamos, so obras delineadas no pice de umprocesso de desenvolvimento capitalista que assumiu na ltimadcada do sculo XX, o seu mais pleno (e perverso)desenvolvimento. O prprio desenrolar da conjuntura da economiae da poltica dos anos de 1990, a dcada da globalizao, iriaconduzir Chesnais a apurar sua percepo da centralidade plenado capital financeiro, como ele iria reconhecer no livro de 1996:

    A interpretao do movimento de conjunto do capitalismomundial proposta por mim em 1994 (ver o ltimo captulo deA mundializao do capital) tomava ainda como ponto departida as operaes do capital engajadas na produomanufatureira e nos servios. No referido captulo,salientava-se o papel das elevadas taxas de juros, assimcomo a capacidade do capital financeiro (entendido aquicomo aquele que se valoriza conservando a forma dinheiro)em imprimir sua marca no conjunto das operaes docapitalismo contemporneo. A esse respeito, o livro coletivosobre a mundializao financeira [A MundializaoFinanceira, coordenado por Chesnais, de 1996 - G.A.]apresenta uma mudana, que mais do que a simplesconsequncia do fato de que o referido volume trata damundializao financeira como tal (Chesnais, 1997).

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    Portanto, a globalizao , antes de mais nada, uma novaetapa do desenvolvimento do capitalismo mundial, que possuicaracteristicas particulares em relao s etapas scio-histricasanteriores do desenvolvimento capitalista. Ela se caracteriza,principalmente, pela predominncia do capital financeiro noprocesso de acumulao capitalista em detrimento das demaisfraes do capital a industrial e a comercial. o que Chesnaisdenomina de regime de acumulao financeirizada mundial.

    Se antes, sob o fordismo, o regime de regulao e o regimede acumulao era amplamente centrado no setor industrial e noinvestimento em capital produtivo, isto , o processo deacumulao capitalista ocorria sob a direo hegemnica docapital produtivo de valor, a partir de meados da dcada de 1970,e principalmente a partir da dcada seguinte, uma srie deacontecimentos no campo da economia e da poltica docapitalismo mundial, contribuiram para uma mudana de direo:a frao do capital financeiro tornou-se hegemnica.

    Para Chesnais, o capital financeiro aquele que se valorizaconservando a forma dinheiro - uma conceituao clssica decapital financeiro, muito mais prxima da de Marx, apesar deque em nenhum momento Marx utilize a expresso capitalfinanceiro, mas apenas capital a juros ou ainda capital ficticio.

    A hegemonia do capital financeiro seria perceptivel atravsda incorporao, pelas demais fraes do capital (a frao docapital industrial e a do capital comercial) da lgica do capitalfinanceiro que poderia ser traduzida atravs de uma expresso- short-termismo (expresso utilizada nos EUA para caracterizaro predomnio das politicas de curto prazo) e que tende apredominar nas decises de investimentos produtivos:

    Imposto pelos mercados financeiros e frequentemente agravadopelo ingresso massivo de fundos de penso na propriedade docapital, esse horizonte de curto prazo se impe quase quesistematicamente s custas do emprego, mas tambm do

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    investimento, assim como da pesquisa industrial nos setoresmenos rentveis (Chesnais, 1997: 27).

    Horizontes de valorizao muito curtos, ditados por imperativosdo mercado financeiro, tendem, portanto, a alterar a prprianatureza do investimento produtivo, que constituiu o core dodesenvolvimento do capitalismo moderno.

    Uma anedota, relatada pelo antigo ministro das Finanas doJapo, Toyoo Gyohteno, talvez possa ilustrar os imperativos domercado financeiro que tendem a se incrustrar (e constituir) aprpria lgica do capital industrial. Diz ele:

    H pouco falei com um operador de divisas. Perguntei-lhequais os fatores que levava em conta ao comprar e vender.Ele respondeu: Muitos fatores, a maioria de curtissimo prazo,alguns de mdio prazo e outros de longo prazo. Achei muitointeressante o fato de que pensasse tambm a longo prazo equis saber o que ele entendia por isso. No sem hesitar poruns instantes, disse-me com toda seriedade: Talvez 10minutos. nesse compasso que se move hoje o mercado.(Apud Kurz, 1997:220).

    Com a globalizao, presenciamos uma verdadeira rupturado sentido de reproduo social, mais do que nunca ameaadapela lgica parasitria e rentista do capital financeiro:

    As caractersticas do investimento produtivo, considerado doponto de vista de seu ritmo, seu montante e sua orientaosetorial (afora os semicondutores e a informtica, so priorizadasas empresas de telecomunicaes, o transporte areo, asindstrias de mdia, as indstrias de lazer de massa para osaposentados da classe mdia, etc.) levam a formular a hiptesede que, pela primeira vez na histria do capitalismo, a acumulaodo capital industrial no est mais orientada, no centro dosistema, para a reproduo ampliada (Chesnais, 1997:27-28).

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    Os horizontes de valorizao muito curtos construdos pelocapitalismo-cassino (Kurz), tendem a imprimir a sua marca noapenas sobre a natureza dos investimentos produtivos, mas sobrea prpria sociabilidade capitalista.

    Acumulao flexvel e mundializao do capital

    Em seu livro de 1989, David Harvey constatou a compressodo tempo-espao, com impactos decisivos nas prticas poltico-econmicas, no equilibrio do poder de classe, bem como sobre avida social e cultural. Harvey vincula tais mudanas nos usos esignificados do espao e tempo transio do fordismo acumulao flexvel.

    Inclusive, poderamos dizer que, para David Harvey, aglobalizao seria caracterizada principalmente pela transiodo fordismo para a acumulao flexvel, um novo regime deacumulao e modo de regulao social e poltica a ele associado.A globalizao seria para ele - e cabe ressaltar que Harvey noutiliza em seu livro A Condio Ps-Moderna tal noo - oprocesso de constituio de um novo mundo capitalista apoiadona flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados detrabalho, dos produtos e padres de consumo:

    A acumulao flexvel [...] caracteriza-se pelo surgimento desetores de produo inteiramente novos, novas maneiras deservios financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxasaltamente intensificadas de inovao comercial, tecnolgica eorganizacional. A acumulao flexvel envolve rpidas mudanasdos padres do desenvolvimento desigual, tanto entre setorescomo entre regies geogrficas, criando, por exemplo, um vastomovimento no emprego no chamado setor de servios, bemcomo conjuntos industriais completamente novos em regiesat ento subdesenvolvidas (tais como a Terceira Itlia,Flandres, os vrios vales e gargantas do silcio, para no falarda vasta profuso de atividades dos pases recm-industrializados). Ela tambm envolve um novo movimento quechamarei de compresso do espao-tempo no mundo

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    capitalista - os horizontes temporais da tomada de decisesprivada e pblica se estreitaram, enquanto a comunicao viasatlite e a queda dos custos de transportes possibilitaramcada vez mais a difuso imediata dessas decises num espaocada vez mais amplo e variegado (Harvey, 1992: 140).

    Como observamos, uma percepo analtica que,contrastando com a de Chesnais, prende-se dimensoprodutiva do sistema mundial do capital. Salienta-se o capitalindustrial como dando a direo de tais processos de flexibilidadee de mobilidade do capital, apesar de Harvey reconheer que ocapital industrial, mercantil e imobilirio se integram de tal maneiras estruturas e operaes financeiras que se torna cada vez maisdifcil dizer onde comeam os interesses comerciais e industriaise terminam os interesses estritamente financeiros. E maisadiante: A acumulao flexvel evidentemente procura o capitalfinanceiro como poder coordenador mais do que o fordismo ofazia. (Harvey, 1992: 154)

    Na verdade, Harvey reconhece que o colapso do fordismo-keynesianismo - como regime de acumulao e modo de regulaosocial e poltico do sistema mundial do capital - sem dvidasignificou fazer a balana pender para o fortalecimento do capitalfinanceiro, tendo em vista que o abandono das taxas de cmbiofixas e a adoo do sistema de taxa de cmbio flexivel em 1973,com a completa abolio de Bretton Woods (o marco da passagemdo fordismo acumulao flexivel, segundo ele), significou quetodas as naes-Estados passasem a depender do disciplinamentofinanceiro, adotando medidas institucionais e polticas voltadaspara a abolio dos controles sobre os fluxos de capitais. Osoperadores financeiros privados passaram a desempenhar umpapel decisivo na determinao dos preos relativos das moedas(as taxas de cmbio). Foi o primeiro passo na formao de ummercado financeiro mundializado.

    Portanto, surgem algumas interrogaes: a predominnciado capital financeiro no seio do sistema orgnico do capital eno meramente um novo regime de acumulao do capital

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    industrial (a acumulao flexvel), no seria a verdadeiraexplicao para a exacerbada fragmentao, fluidez e caospatente da vida moderna? No seria o novo regime de acumulaomundial financeirizada, o verdadeiro esprito da acumulaoflexvel e, portanto, da prpria globalizao ?

    Numa breve passagem, ao tratar do capital financeiro comosendo um poder coordenador da acumulao flexvel, Harveyprev (em 1989, portanto pouco depois do crash financeiro de1987), uma maior potencialidade, muito maior do que antes, deformao de crises financeiras e monetrias autnomas eindependentes,

    apesar de o sistema financeiro ter mais condies deminimizar os riscos atravs da diversificao e da rpidatransferncia de fundos de empresas, regies e setores emdecadncia para empresas, regies e setores lucrativos(Harvey, 1992: 155).

    E observa:

    Boa parte da fluidez, da instabilidade e do frenesi pode seratribuda diretamente ao aumento dessa capacidade de dirigiros fluxos de capital para l e para c de maneiras que quaseparecem desprezar as restries de tempo e de espao quecostumam ter efeito sobre as atividades materiais deproduo e de consumo. (Harvey, 1992: 155)

    O que a dcada de 1990 iria demonstrar era o poderexacerbado do capital financeiro como o coordenador daacumulao flexivel. O conceito de mundializao financeiracomo sendo o ncleo orgnico da mundializao do capital iriatraduzir tal percepo heurstica.

    Se uma das caracteristicas do capital em processo tornar omundo a sua imagem e semelhana, o mundo capitalista que surgecom a globalizao como mundializao do capital um mundocapitalista particularssimo, imagem e semelhana das

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    peculiaridades ontolgicas de uma frao do capital que expressacom maior desenvoltura a prpria forma de ser do sujeito capital(o capital financeiro).

    claro que a flexibildade o ser-precisamente-assim docapital em geral. Mas o capital financeiro que expressa commais desenvoltura - e negatividade - essa flexibilidade do capitalem geral, acentuando, como ressaltou Harvey, o novo, o fugidio,o efmero, o fugaz e o contingente da vida moderna, em vez dosvalores mais slidos implantados na vigncia do fordismo.(Harvey, 1992:161).

    O Que o Capital: Um Excurso Onto-Metodolgico

    Ao dizermos lgica do capital no salientamos apenas adimenso da economia, como alguns interpretes liberais podemapreender. Na viso liberal, a ciso entre economia e poltica (eoutros dimenses do ser social) que impede de apreender overdadeiro sentido do capital como sujeito do processo demodernizao.

    Ora, o capital , antes de tudo, uma relao social deproduo (e reproduo) da vida material, complexa e articulada,voltada para a valorizao do valor (ou seja, a acumulaoperptua de riqueza abstrata) . um modus vivendi, o quesignifica considerar a srie de dimenses reprodutivas scio-metablicas voltadas para sustentar a lgica do sujeitoautomtico, insacivel, da acumulao de riqueza atravs daproduo de mercadoria (Marx, 1985).

    Depois, o capital um modo de controle social, capaz deconstituir (e reconstituir), de modo particular, a totalidade socialconcreta, seja a economia, a poltica, a cultura, etc., na perspectivade uma sustentao orgnica de seu objetivo essencial - aextrao de sobretrabalho. Por isso que, ao dizermos capital,pressupomos como sua contraparte orgnica e seu elo ntimo, oEstado poltico e sua superestrutura jurdico-ideolgica)(Mszros, 1995).

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    Ao salientarmos o capital como o nexo orgnico articuladorda sociabilidade moderna, procuramos apreender o capital comouma totalidade concreta e a globalizao como expresso dedesenvolvimento tardio e complexo, com novas mltiplasdeterminaes, desta totalidade concreta que o capital comosujeito da modernizao (Kosik, 1977).

    por isso que os processos da globalizao s podem serapreendidos como a interconexo essencial da economia eda poltica (e dizemos mais: da ideologia e da cultura, pois soeles que sedimentam a nova totalidade concreta do capitalismomundial). Os movimentos da economia so intrinsecamentepolticos e os movimentos da poltica possuem uma dimensomaterial-objetiva intrinsecamente vinculada lgica daacumulao do capital. Ou sendo mais rigoroso - no apenasvinculados, no sentido de uma exterioridade, masverdadeiramente orgnicos. O capital e o Estado poltico, comoforma coesiva e abrangente que sedimentam as condies davalorizao do capital, so elementos profundamenteindissociveis (uma verdade obnubilada pela ideologia liberal, comsua estadofobia).

    Deste modo, ver a globalizao como o desenvolvimento dalgica do capital exige apreender o capital como uma totalidadeconcreta, com seus momentos predominantes e subordinados,mas numa relao dialtica, onde no podemos reduzirmeramente uma determinao a outra.

    comum, numa anlise impressionista da globalizao, noapreende-la como um sistema orgnico do capital, possuindo,inclusive, em sua forma-Estado poltico, o componente essencialda prpria fenomenologia da globalizao. E mais ainda: noapreender como ncleo determinante do sistema orgnico docapital hoje, o capital financeiro. Muitas vezes perde-se suasconexes essenciais e concretas (o concreto como sntese demltiplas determinaes, como diria Marx) e tende-se a dissolve-las num catico emaranhado de fatos e acontecimentos. Por

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    isso que a apreenso do sentido verdadeiro da globalizao exige,como condio prvia de uma elaborao heurstica rigorosa,uma discusso ontolgica (e metodolgica), o que a maioriados analistas - sociologos, geogrfos, politicolgos e economistasse recusam, tendo em vista que so, em sua maioria, presasindolentes do neopositivismo vicejante.

    O Conceito de Capital Financeiro

    preciso salientar que o conceito de capital financeiro, osujeito da globalizao como mundializao do capital, assumeuma nova densidade ontolgica nas ltimas dcadas do sculoXX (nos primrdios do sculo XX ele j despontava com algumasdeterminaes concretas). Na verdade, ele atingido pormutaes qualitativas, decorrente de alteraes quantitativasdo sistema do capital.

    Para apreender a particularidade concreta do desenvolvimentodo conceito de capital financeiro, devemos compreende-lo noapenas como sendo a fuso do capital industrial e do capitalbancrio (tal como apresentado por Hilferding e Lenin), mas comoaquele que se valoriza conservando a forma dinheiro eassume a forma essencial no apenas de capital a juros, mas,principalmente de capital fictcio ou ainda de capitalespeculativo parasitrio.

    Por exemplo, segundo Carcanholo e Nakatami, o capitalespeculativo parasitrio, que ns identificamos com o capitalfinanceiro, resultaria da converso da forma autonomizada docapital a juros quando este ultrapassa os limites do que necessrio para o funcionamento normal do capital industrial.

    Numa leitura atenta de Marx, os autores observam que tanto ocapital produtivo - o nico capaz de produzir diretamente a mais-valia, quanto o capital comercial e o capital a juros so formasfuncionais autonomizadas do capital industrial. Ao tratar do capitalcomercial e do capital a juros observam que, sem a existncia destesdois, a magnitude de valor constituda pelo capital produtivo no seriacapaz de produzir a mais-valia na mesma medida. A diviso de

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    tarefas, ao especializar-se cada um em funes especficas, os fazmais produtivos, ou melhor, mais eficientes:

    O volume total de valor resultante da soma dos trs capitaisautonomizados no seria capaz de produzir e se apropriar damesma magnitude de mais-valia se funcionassem sem adiviso de tarefas; se cada uma das empresas tivesse quecumprir todas as funes necessrias ao capital industrial.

    E logo a seguir:

    Apesar do capital a juros (tambm o capital comercial) seapropriar de parte da mais-valia sem produzi-la, ele no parasitrio uma vez que contribui para que o capital produtivoo faa. Permite at que o capital, em seu conjunto, seja maiseficiente. O capital a juros se subordina lgica do capitalindustrial. Durante determinado estgio de desenvolvimentodo capital, o capital produtivo o dominante, subordinado sua lgica tanto o capital a juros como o capital comercial.Esse o estgio da existncia e do predomnio do capitalindustrial no qual o plo dominante o capital produtivo(Carcanholo e Nakatami, 1999).

    Portanto, tanto o capital comercial quanto o capital a juros,em determinado estgio de desenvolvimento capitalista,apareceram como formas funcionais autonomizadas do capitalindustrial. Nessa perspectiva, existe uma relao defuncionalidade entre as formas autonomizadas do capitalindustrial.

    Por exemplo, os bancos, portadores institucionais do capitala juros, atravs da concesso de crditos a outros, particularesou empresas - crditos ou emprestimos a pr