gleydson kleber lopes de oliveira - apelação no processo civil

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  GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA APELAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL Doutorado em Direito PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2005

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GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA

APELAO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Doutorado em Direito

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO SO PAULO 2005

GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA

APELAO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Doutor em Direito, sob a orientao

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO SO PAULO 2005

Banca Examinadora

______________________________ ______________________________ ______________________________ ______________________________ ______________________________

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Larcio e Aldeza, a justa e inesgotvel homenagem pela educao e lio de vida;

companheirismo;

minha

esposa,

Themis,

pela

compreenso

e

Aos meus irmos, Gley e Karina, e cunhados, Gergia e Francisco, pelo convvio e amizade;

Ao meu pequeno sobrinho Enzo;

Aos mestres Arruda Alvim, Thereza Alvim, Nelson Nery Junior, Joo Batista Lopes, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Willis Santiago Guerra Filho, pela dedicao e exemplo na rdua tarefa do exerccio da academia do direito;

minha orientadora Teresa Arruda Alvim Wambier, pelo apoio, presteza, e, acima de tudo, simplicidade, desde o ingresso no Mestrado em 1999.

SUMRIO

INTRODUO.................................................................................................... 09 CAPTULO I SENTENA 1.1. Noes Gerais............................................................................................... 1.2. Requisitos de admissibilidade...................................................................... 1.3. Pressupostos processuais.............................................................................. 1.4. Condies da ao........................................................................................ 1.5. Mrito........................................................................................................... 1.6. Sentenas processuais................................................................................... 1.7. Sentenas de mrito...................................................................................... 1.8. Elementos..................................................................................................... 1.9. Classificao por sua eficcia....................................................................... 1.10. Congruncia entre sentena e pedido........................................................ 12 19 21 31 39 44 49 52 59 62

CAPTULO II APELAO NO DIREITO COMPARADO E ANTERIOR 2.1. Recursos........................................................................................................ 2.2. Antecedentes................................................................................................. 2.3. Direito comparado........................................................................................ 2.3.1. Direito Alemo................................................................................... 2.3.2. Direito Italiano.................................................................................... 2.3.3. Direito Portugus................................................................................ 2.3.4. Direito Argentino................................................................................ 2.3.5. Cdigo de Processo Civil Modelo para pases bero-Americanos..... 2.4. Direito anterior............................................................................................. 80 88 93 93 95 99 101 103 104

CAPTULO III REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE 3.1. Cabimento..................................................................................................... 111 3.2. Legitimidade recursal................................................................................... 3.3. Interesse recursal.......................................................................................... 124 143

3.4. Tempestividade............................................................................................. 157 3.5. Regularidade formal..................................................................................... 178

3.6. Preparo.......................................................................................................... 190 3.7. Inexistncia de fato impeditivo e extintivo do direito de recorrer................ 198 3.8. Apelao adesiva.......................................................................................... 210

CAPTULO IV EFEITOS 4.1. Efeito devolutivo.......................................................................................... 222

4.2. Nulidade processual em grau recursal.......................................................... 255 4.3. Questes novas de fato e documentos novos................................................ 264 4.4. Produo de prova em grau recursal............................................................. 268 4.5. Efeito suspensivo.......................................................................................... 279 4.6. Captulos da sentena................................................................................... 4.7. Agravo e sentena no recorrida.................................................................. 302 313

4.8. Sentena e a eficcia da tutela de urgncia................................................... 317 4.9. Tutela antecipada em grau recursal.............................................................. 321

4.10. Efeito translativo......................................................................................... 324 4.11. Efeito substitutivo....................................................................................... 327 4.12. Efeito regressivo......................................................................................... 330

CAPTULO V PROCEDIMENTO 5.1. Poderes do relator......................................................................................... 333

5.2. Tramitao nos juzos a quo e ad quem........................................................ 345

CAPTULO VI TENDNCIAS DO PROCESSO CIVIL CONTEMPORNEO 6.1. Busca pela efetividade.................................................................................. 357 6.2. Direito intertemporal.................................................................................... 6.3. Anteprojetos que visam alterar o CPC......................................................... 365 370

CONCLUSO..................................................................................................... 376

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................

390

RESUMO

A apelao um importante recurso no mbito do processo civil que visa a impugnar o pronunciamento decisrio intitulado sentena. A presente tese sistematiza estudo acerca do recurso de apelao no direito processual civil, com a anlise dos mltiplos aspectos relacionados com a matria, luz da legislao, da doutrina e da jurisprudncia. Na primeira parte do trabalho, aborda-se a sentena no mbito dos pronunciamentos judiciais. A sua segunda parte tem incio com o estudo sobre o recurso de apelao nos direitos comparado e anterior brasileiro, para, em seguida, examinar os requisitos de admissibilidade (cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, regularidade formal, ausncia de fato extintivo ou impeditivo do direito de recorrer, preparo e apelao adesiva); os efeitos (devolutivo, suspensivo, translativo, substitutivo e regressivo); alguns pontos polmicos (nulidade processual em grau recursal, questes novas de fato e documentos novos, captulos da sentena, produo de provas em grau recursal, agravo e sentena no recorrida e tutela antecipada em grau recursal). Ao final, so analisados os poderes do relator, o procedimento nos juzos de primeira e segunda instncias, as tendncias do processo civil, o direito intertemporal e os projetos em trmite no Congresso Nacional, propondo alterao no CPC, na parte referente apelao.

ABSTRACT

The appeal is an important resource in the scope of civil action that aims to impugn the decisive pronouncement entitled sentence. This study systemizes about the appeal in the civil procedural law, with the analysis of the multiple aspects related to the subject, under the light of legislation, doctrine and jurisprudence. The first part of this work copes with the sentence in the scope of judicial pronouncement. Its second part studies the appeal as a resource in the compared and previous Brazilian law, for then, examine the requirements of admission (suit, resourceful legitimacy, interest legitimacy, formal regularity, lack of extinctive or impeditive fact of the right to appeal, preparation and adhesion appeal), the effects (returnable, suspensive, transferable, substitute and regressive), and some polemic points (procedural nullity in a resourceful level, new questions and documents, chapters of the sentence, proof arrangements in a resourceful level, aggravation and not appealed sentence and anticipated guardianship in a resourceful level as well). Finally, the powers of the relator are analyzed, as well as the procedure in judgments of first and second instance, the trends of civil action, interpersonal law and the projects in process in the National Congress, proposing alteration of the CPC, from the appealing part.

9

INTRODUO

A apelao constitui um dos recursos mais importantes no direito processual civil, exigindo da doutrina estudo sobre os mltiplos aspectos da sua dinmica.

Trata-se de temtica de grande relevncia na vida forense, porquanto corresponde ao recurso que impugna a deciso judicial que pe fim ao procedimento de primeira instncia, apreciando a lide.

Apesar de existirem valiosos trabalhos sobre os recursos cveis, o exame da doutrina revela a inexistncia de trabalhos monogrficos que sistematizem a apelao no direito processual civil.

A presente tese tem por objetivo a anlise dos diversos aspectos relacionados com o recurso de apelao cvel, sistematizando matria to importante e abordando temas at ento no apreciados em trabalhos monogrficos, o que vem a configurar o ineditismo.

10

Nos primeiro e segundo captulos, examinam-se a sentena, que pronunciamento decisrio culminante do processo jurisdicional, e o recurso de apelao no mbito dos direitos comparado e anterior no Brasil.

Os requisitos de admissibilidade da apelao cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, regularidade formal, preparo, inexistncia de fato impeditivo e extintivo do direito de recorrer e apelao adesiva so analisados no captulo terceiro, com nfase na distino entre admissibilidade e mrito recursais.

No captulo quarto, enfocam-se os efeitos devolutivo, suspensivo, translativo e substitutivo, incluindo-se, ainda, a anlise de temas polmicos e novos, tais como as questes novas de fato e documentos novos, os captulos da sentena, agravo e sentena no recorrida, sentena e eficcia da tutela de urgncia, nulidade processual em grau recursal, produo de provas no mbito recursal, tutela antecipada em grau recursal, e efeito regressivo.

O fortalecimento dos poderes do relator e o procedimento nos juzos a quo e ad quem so abordados no quinto captulo, com exame das diversas regras procedimentais no processamento e julgamento da apelao.

11

No sexto captulo, registra-se a tendncia doutrinria da efetividade do processo jurisdicional, com referncia breve e meramente ilustrativa dos projetos de lei em trmite no Congresso Nacional, visando a alterar a sistemtica do recurso de apelao. Em face das constantes mudanas legislativas, torna-se imprescindvel o estudo sobre o direito intertemporal.

Na bibliografia, somente esto consignados os artigos e os livros citados ao longo desta tese, de modo que outros trabalhos eventualmente consultados, porm no citados, deixam de constar das referncias bibliogrficas.

12

CAPTULO I - SENTENA

1.1 - NOES GERAIS

A idia do processo judicial repousa na aplicao da lei por quem investido na funo judicante aos fatos trazidos a conhecimento pelas partes, com escopo de compor o litgio.

A sentena o ato processual culminante do processo jurisdicional, pelo qual o juiz emite uma resposta ao pedido das partes, aplicando o direito espcie, esgotando a funo jurisdicional.1

Numa poca em que as preocupaes dos estudiosos do direito esto voltadas, sobretudo, para a efetividade do processo de resultados, a prpria noo de tutela jurisdicional no mais corresponde simplesmente ao ato processual de sentenciar.

A noo moderna de tutela jurisdicional assenta-se nos resultados do processo em que a funo jurisdicional exercida, de sorte que, ao lado das normas jurdicas atributivas de direitos subjetivos, 1

Alfredo Rocco declara que Essa pertanto pu definirsi latto com cui lo Stato, a mezzo dellorgano della giurisdizione a cio destinato (giudice), aplicando la norma al caso concreto, accerta quale tutela giuridica il dirtto objettivo concede a un determinato interesse (La Sentenza Civile, p. 28).

13

imprescindvel que existam instrumentos processuais adequados e idneos que conduzam realizao prtica.2

Na doutrina italiana, Andra Proto Pisani declara queSi gi accennato nellintroduzione al carattere strumentale del processo rispetto al diritto sostanziale e si detto como il processo civile si ponga, allinterno dellordinamento giuridico, quale sorta di contrapartita Che lo Stato d ai cittadini a seguito della imposizione del divieto di farsi ragione da s: uma smile constatazione comprta che questa contrapartita per essere effettiva, deve tradursi nella predisposizione di mezzi di tutela giurisdizionale (di procedimenti, provvedimenti e misure coercitive) adeguati ai bisogni di tutela delle singole situazioni di diritto sostanziale.3

No direito brasileiro, a sentena conceituada como pronunciamento processual pelo qual o juiz pe fim ao processo, com ou sem julgamento do mrito (CPC, art. 162, 1).

Deciso interlocutria vem a ser o pronunciamento decisrio proferido no curso do processo (CPC, art. 162, 2), enquanto que o despacho consiste no pronunciamento jurisdicional desprovido de cunho decisrio, destinado a dar impulso ao processo (CPC, art. 162, 3).

2 3

Cf. Jos Roberto dos Santos Bedaque, Direito e Processo, p. 30-33. Lezioni di diritto processuale civile, p. 32.

14

O legislador adotou o critrio topolgico para definir os pronunciamentos judiciais; isto , o pronunciamento judicial definido de acordo com a finalidade para a qual se presta.4

Assim, se tem o condo de colocar termo ao processo, denotase que o pronunciamento judicial definido como sentena.

A doutrina no empresta uma definio clara e precisa do que vm a ser o processo e o procedimento. bastante comum a afirmativa de que o processo corresponde ao instrumento da jurisdio, entendida esta como a atuao estatal em substituio s partes, voltada composio dos conflitos, por meio da aplicao do direito.5

A noo de processo reflete a relao jurdica travada entre as partes e o juiz, e tem que ser acompanhada pelos objetivos social, poltico e jurdico que visam a ser alcanados pelo Estado.

Nesse contexto, Cndido Rangel Dinamarco assevera que vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmao de que ele um instrumento, enquanto no acompanhada da indicao dos objetivos a serem alcanados

Cf., por todos, Nelson Nery Junior, Teoria Geral dos Recursos, p. 238. Sobre as caractersticas da jurisdio, ver Arruda Alvim, Tratado de Direito Processual Civil, vol. 1, p. 61.5

4

15 mediante o seu emprego. Todo instrumento, como tal, meio; e todo meio s tal e se legitima, em funo dos fins a que se destina. O raciocnio teleolgico h de incluir ento, necessariamente, a fixao dos escopos do processo, ou seja, dos propsitos norteadores da sua instituio e das condutas dos agentes estatais que o utilizam. Assim que se poder conferir um contedo substancial a essa usual assertiva da doutrina, mediante a investigao do escopo, ou escopos em razo dos quais toda ordem jurdica inclui um sistema processual.6

O processo visa, portanto, consecuo de escopos jurdico, social e poltico.

A justa aplicao da lei aos fatos trazidos pelas partes, ao conhecimento do Poder Judicirio, o objetivo jurdico da jurisdio.

A pacificao social e a proibio da autotutela, por meio da aplicao do direito, correspondem aos escopos sociais da jurisdio.

A afirmao do poder de o Estado impor as suas decises, a proteo das liberdades pblicas e a participao popular nos destinos da sociedade so os escopos polticos da jurisdio.

6

A instrumentalidade do processo, p. 149.

16

Na lio de Elio Fazzalari, o processo conceituado como um procedimento em que participam, com a incidncia do contraditrio, as partes envolvidas no litgio.

Segundo o citado autor italiano,Come ripetuto, il processo um procedimento in cui partecipano (sono abilitari a partecipare) coloro nella cui sfera giuridica latto finale destinato a svolgere effetti: in contraddittorio, e in modo Che lautore dellatto non possa oblitare le loro attivit. Non basta, per distinguere il processo dal procedimento, il rilievo che nel processo vi la partecipazione di pi soggetti, Che cio gli atti lo costituiscono sono posti in essere non dal solo autore dellatto finale, ma anche da altri soggetti. Como rilevato, quando si parla di procedimento plurisoggettivo ci si riferisce allo schema di attivit in sequenza, poste in essere da pi soggetti, ma lo si distingue dallo schema del vero e proprio processo. 7

A rigor, a insero do que se denomina relao jurdica no conceito de processo justifica-se, sobretudo, pela incidncia ampla e irrestrita do princpio do contraditrio imposto pela Constituio Federal (art. 5, inc. LV).

J o procedimento vem a ser a exteriorizao, o modo pelo qual se desenvolvem os atos processuais; isto , trata-se do aspecto exterior

7

Istituzioni di diritto processuale, p. 82.

17

da emisso, do desenvolvimento e da concatenao dos atos processuais e da prpria relao jurdica travada entre as partes e o juiz.

O processo vem a ser o procedimento com contraditrio voltado para consecuo de objetivos social, poltico e jurdico da jurisdio. Enquanto que o procedimento vem a ser o trao exterior da emisso e desenvolvimento dos atos processuais.

A sentena ato intelectual deduzido de forma lgica que impe ao magistrado a anlise dos fatos trazidos pelas partes e a identificao da norma jurdica incidente sobre a controvrsia.8

Segundo um difundido entendimento na doutrina, a sentena vem a ser considerada um ato processual lgico, o qual resultado de um silogismo ou de uma srie de silogismos sobre a norma, os fatos e a concluso derivada da subsuno dos fatos norma.9

A atuao do juiz visualizada em um esquema de silogismo. A norma jurdica abstrata constitui a premissa maior, os fatos representam a premissa menor, e a parte dispositiva seria a concluso.Cf. Nagib Slaibi Filho, Sentena cvel, p. 216 e ss. Segundo Antonio Palermo, Ora, secondo uma diffusa tendenza della douttrina, la sentenza viene considerata come um giudizio logico, il quale risultato di un comune sillogismo o di una serie di sllogismi tra loro collegati e espressi dal giudice in maniera esplicita o sottintesi (Il processo di formazione della sentenza civile, p. 6).9 8

18

No entanto, esse silogismo apenas o retrato lgico do julgamento, a partir da verificao da sua motivao. A atividade do juiz revela-se muito mais complexa e compreende momentos que no se resumem simples deduo lgica.10

Michele Taruffo averbaChe la motivazione della sentenza non consista di um sillogismo o di una serie di sillogismi, e che sia priva di forme particolari, non significa che essa equivalga o sai paragonabile ad uma tranche di discorso comune, nella quale il giudice esprime liberamente ed informalmente le ragioni della decisione. Al contrario, la motivazione possiede solitamente unapparenza di rigore lgico nel passagio dalle premesse di fatto e di diritto alle conclusioni, e nellarticolazione di tale passagio quando esso implica etappe intermedie. Se protrebbe anzi dire che il modello fondamentale, al qual ela maggior parte di giudici si ispira, quello in cui la decisione appare come um prodotto conseguinete e necessitato dalle premesse e dalle inferenze che ne vengono tratte, ossia come lnica decisione logicamente e giuridicamente valida nel caso di specie. 11

O ato de inteligncia consubstanciado na anlise, no exame das alegaes, das provas, enfim das questes de fato e de direito, denominado de cognio. 12

Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Controle das decises judiciais por meio de recurso de estrito direito e de ao rescisrio, p. 100 e ss. 11 La fisionomia della sentenza in Itlia, La sentenza in Europa, p. 194-195. 12 Cf. Kazuo Watanabe, Da cognio no processo civil, p. 41. Ver da nossa autoria Aes possessrias: enfoque sobre a cognio, p. 81-86.

10

19

Para decidir a demanda, o juiz forado a efetuar uma atividade intelectual investigativa e valorativa acerca das questes de fato e de direito, com o propsito de se manifestar sobre o pedido deduzido na petio inicial.

No direito brasileiro, em que h a distino entre admissibilidade e mrito, o juiz deve examinar trs ordens de matria, a saber: os pressupostos processuais, as condies da ao e o mrito.13

1.2 - REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

O CPC de 1973, adotando a teoria ecltica de Enrico Tullio Liebman, impe a presena de pressupostos processuais e das condies da ao, para que o mrito da ao possa ser examinado pelo juiz.

Deve-se a Oskar von Bllow o entendimento de que, no processo judicial, h uma relao jurdica formada pelas partes e o juiz, distinta da relao jurdica de direito substancial.14

Segundo Jos Carlos Barbosa Moreira, Na perspectiva da lei brasileira, so dois os planos preliminares que a cognio judicial tem de atravessar para atingir seu alvo final, o mrito da causa. E pode-se considerar definitivamente incorporada nossa tradio doutrinria essa distribuio, em trs patamares sucessivos, da matria sujeita ao exame do juiz (Sobre os pressupostos processuais, Temas de direito processual, quarta srie, p. 83). 14 Cf. La teoria de ls excepciones procesales y los presupuestos procesales, passim.

13

20

A legislao processual impe aos atos postulatrios o preenchimento de requisitos de admissibilidade do julgamento de mrito.

Numa perspectiva instrumental, o legislador imps o preenchimento das condies da ao e dos pressupostos processuais como medida condizente com a economia processual.

Marcelo admissibilidade

Navarro

Ribeiro

Dantas

ressalta

que

a

impe-se como uma espcie de mecanismo de filtragem, separando, dentre os pedidos que batem s portas do Judicirio, aqueles que se apresentam como possveis de exame substancial do que podem, de pronto, ser descartados, j por questes respeitantes existncia e validade do processo, apenas, atravs do qual se desenvolve a ao, j por motivos que prenunciam ser esta mesma insusceptvel de levar a uma deciso de fundo sobre o direito invocado. 15

A matria afeta admissibilidade da demanda uma questo prvia de mrito, visto que, no plano lgico, aquela deve ser decidida antes deste.

15

Admissibilidade e mrito na execuo, RePro, n. 47, p. 25.

21

sabido que a questo prvia ao exame do mrito pode ser preliminar ou prejudicial. Diz-se preliminar a questo prvia que, conforme a apreciao possibilita ou no a anlise da questo posterior. Enquanto que a prejudicial uma questo prvia ao exame do mrito que, uma vez acolhida, condiciona o teor da questo posterior.16

luz da definio, as condies da ao e os pressupostos processuais so questes preliminares. De sorte que, constatada a ausncia de requisito de admissibilidade do julgamento de mrito, o juiz deve extinguir o processo sem exame do mrito.

Por serem requisitos do julgamento de mrito, o CPC, nos termos do art. 267, 3, e 301, 4, estabelece que o juiz pode examinar de ofcio, a qualquer tempo, e em qualquer grau de jurisdio, as matrias afetas s condies da ao e aos pressupostos processuais.

1.3 - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Os pressupostos processuais so requisitos impostos pela lei, para que a relao jurdica processual exista e se desenvolva validamente.

Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, Questes Prejudiciais e Coisa Julgada, p. 22; Thereza Alvim, Questes prvias e os limites objetivos da coisa julgada, p. 15.

16

22

Adotando-se uma das vrias classificaes, so assim classificados os pressupostos processuais: de existncia, de validade e negativos.17

Os pressupostos processuais de existncia so a petio inicial, a jurisdio, a citao e a capacidade postulatria.

Em conformidade com o princpio da inrcia da jurisdio, o Poder Judicirio somente age aps a provocao da parte (CPC, art. 2), no podendo, portanto, agir ex officio. Proposta a demanda, vige o princpio do impulso oficial, devendo o juiz dar andamento ao feito.

A petio inicial deve ser proposta perante a autoridade judiciria, isto , o pedido deve ser deduzido perante um rgo judicirio. A autoridade perante quem proposta a ao h que estar, pois, investida na funo judicante.

O processo retrata uma relao jurdica formada entre autor, juiz e ru, isto , a relao processual trilateral. A citao vem a ser o ato de comunicao processual por meio do qual se d conhecimento acerca da propositura de uma demanda, oportunizando o direito de defesa (CPC, art.

17

Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentena, p. 49-50.

23

213). Somente com a citao do ru, que se forma a relao jurdica processual.

Equipara-se inexistncia de citao, quando no processo a referida comunicao nula, e o ru revel. Nessa situao, a rigor o ru no foi instado a participar da relao processual, j que a citao viciada no atingiu a finalidade para a qual imposta pela lei.18-19

A capacidade postulatria vem a ser a exigncia de o autor pleitear em juzo por meio de advogado, salvo as excees legais. O CPC, a teor do art. 36, estabelece que os atos postulatrios devem ser feitos por advogado, cuja atuao pressupe a juntada aos autos do instrumento do mandato.

O art. 37 do CPC permite que o advogado proponha ao e realize atos processuais urgentes sem o instrumento do mandato, conquanto que promova a juntada da procurao no prazo de 15 dias, prorrogvel por igual perodo mediante despacho do juiz.

Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentena, p. 356. RESCISRIA VCIO DE CITAO NO PROCESSO DE CONHECIMENTO ART. 741 DO CPC. Para a hiptese prevista no art. 741, I, do atual CPC que a da falta ou nulidade de citao, havendo revelia -, persiste, no direito positivo brasileiro, a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade, nesse caso, pode ser declarada em ao declaratria de nulidade, independentemente do prazo para a propositura da ao rescisria que, em rigor, no a cabvel (STF-2 Turma, RE 96.374-0-GO, rel. Min. Moreira Alves, v.u., DJU 11.11.1983).19

18

24

A urgncia do ato processual comprovada com a afirmao do advogado, nos termos do art. 5, 1, da Lei n 8.906/94.20-21 No tocante aos recursos extraordinrios, a smula 115 do STJ firma o entendimento de que Na instncia especial inexistente recurso interposto por advogado sem procurao nos autos.

J o pargrafo nico do art. 37 do CPC impe que, no havendo a ratificao no prazo, os atos processuais consideram-se inexistentes. A capacidade postulatria no exigida ao ru como pressuposto processual de existncia, j que, com a citao, em tese se forma a relao jurdica processual.

defesa do ru a legislao processual impe a capacidade postulatria, isto , a defesa do ru para ser vlida deve ser subscrita por advogado legalmente habilitado.

Os pressupostos processuais de validade consistem na petio inicial apta, na citao vlida, no juzo competente, no juiz imparcial, na capacidade processual e na legitimidade processual.

Cf. Paulo Luiz Netto Lbo, Comentrios ao Estatuto da Advocacia, p. 39. Contra: A interposio de recurso no passvel de enquadramento entre os atos reputados urgentes. que concorre, sempre, a possibilidade de o provimento judicial ser contrrio aos interesses sustentados no processo, cabendo parte precatar-se (STF, RE 184.642-9-SP, rel. Min. Marco Aurlio, j. 08.11.1994, DJU 24.11.1994, p. 32.196).21

20

25

por meio da petio inicial que o autor insta a mquina do Poder Judicirio que inerte (CPC, art. 2), e leva ao conhecimento do juiz a pretenso insatisfeita ou resistida, narrando os fatos que conduzem concluso.

Sobreleva a importncia da petio inicial, em virtude da incidncia do princpio da congruncia entre pedido e sentena, segundo o qual o juiz deve decidir de acordo com o que foi pleiteado pelo autor, sendo defeso decidir fora (extra), acima (ultra) ou abaixo do pedido (citra ou infra), nos termos dos arts. 128 e 460 do CPC.

Prescreve o CPC, no art. 282, que a petio inicial deve conter: do juzo, a que dirigida; nomes e qualificao das partes; fatos e fundamentos jurdicos do pedido; pedido com as suas especificaes; valor da causa; as provas e o requerimento de citao.

A petio inicial deve indiciar o juzo a que dirigida, cabendo observar as regras de direito processual sobre competncia (CPC, arts. 86 a 124).

A petio inicial dirigida a juzo incompetente no conduz extino do feito, uma vez que, verificada a incompetncia absoluta, o juiz

26

deve

remeter

os

autos

ao

juzo

competente,

sendo

nulos

os

pronunciamentos decisrios, a teor do que estabelece o art. 113, 2, do CPC.

Na petio inicial, deve haver a indicao das partes e da respectiva qualificao. Compete ao autor noticiar os fatos e fundamentos do pedido, vale dizer, a demonstrao de que os fatos descritos na petio inicial e os seus respectivos fundamentos jurdicos conduzem concluso pleiteada.

O objeto litigioso do processo, que corresponde ao mrito, delimitado pelo pedido formulado na petio inicial, sobre o qual recair a sentena (CPC, arts. 128 e 460).

Para Karl H. Schab,El litigio gira alrededor del contenido de sentencia solicitado por el actor. La clase de tutela jurdica pedida, su forma, no debe separarse de su contenido. La autorizacin de la tutela jurdica, dada bajo forma de una sentencia de prestacin [condena], declaracin o constitucin, forma partge de la resolucine solicitada por el actor. (...) El contenido de sentencia peticionado por el actor determina el alcance del objeto litigioso.22

22

El objeto litigioso en el proceso civil, p. 242-243.

27

A causa de pedir composta pelos fatos e fundamentos jurdicos do pedido, e corresponde aos fatos jurdicos em razo dos quais o autor postula em juzo uma pretenso de direito material.

O CPC adotou a teoria da substanciao, segundo a qual os fatos e os respectivos fundamentos jurdicos correspondem ao fundamento jurdico da demanda. A causa de pedir , pois, composta pelos fatos que so juridicamente aptos a justificar a concluso formulada na petio inicial.23

A causa de pedir dividida em remota e em prxima. A primeira diz respeito aos fatos jurdicos, enquanto que a segunda refere-se repercusso jurdica dos fatos.24

O autor deduz, na petio inicial, o pedido que o bem jurdico da vida solicitado. O pedido, que pode ser imediato (providncia jurisdicional solicitada) e mediato (bem da vida), delimita o objeto litigioso do processo e corresponde ao mrito.

A toda causa deve ser atribudo um valor que corresponde ao benefcio econmico imediato ou mediato visado pelo autor. Nos casos em23 24

Cf. Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, tomo II, p. 42-43. Cf. Araken de Assis, Cumulao de aes, p. 149-150.

28

que h critrio legal fixado, lcito ao juiz alterar de ofcio o valor da causa, uma vez que se trata de matria de ordem pblica consubstanciada em um requisito da petio inicial (pressuposto processual).25-26

No tocante comprovao dos fatos, o autor deve indicar as provas com que pretende demonstrar a veracidade dos fatos. Apesar da regra estatuda no art. 283 do CPC, lcito ao autor proceder juntada de documentos no decorrer do processo.27

A partir da noo de que a relao processual somente se forma com a citao do r, o autor deve requerer a referida comunicao processual. A teor do princpio dispositivo, o ato de requerimento de citao do ru deve provir do autor, sendo vedado ao juiz agir ex officio.

Constatado que a petio inicial no preenche os requisitos estabelecidos em lei, e em sendo possvel a correo do vcio, o CPC, em seu art. 284, preceitua que o juiz deve oportunizar ao autor emendar a petio inicial.28 Caso o autor se mantenha inerte, a petio inicial deve ser

Cf. Moniz de Arago, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, v. II, p. 355. Nos casos em que h critrio fixado em lei, pode o juiz alterar de ofcio o valor da causa (VI ENTA 66). 27 Cf. Luiz Guilherme Marinoni e Srgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, p. 388389. 28 Em situao anloga, cumpre transcrever a lio de Jos Carlos Barbosa Moreira: No sistema do Cdigo, a eventual infrao do art. 283 no d ensejo ao indeferimento da inicial sem a prvia concesso ao demandante de oportunidade para suprir a falha. (...) Essa disciplina aplicvel, sem dvida, s hipteses em que, apesar de deferida a inicial, vem o Juzo, posteriormente, a extinguir o processo sem26

25

29

indeferida, com a conseqente extino do processo sem julgamento do mrito.

citao entendida como a comunicao processual feita ao ru, noticiando a propositura de uma ao e oportunizando o nus da defesa o CPC prescreve a observncia de requisitos formais. , pois, nula a comunicao processual, quando feita em inobservncia das prescries legais (CPC, art. 247).

A competncia, definida como a medida ou a delimitao da jurisdio, o atributo do rgo do Poder Judicirio para exercer parcela da jurisdio, nos termos da legislao vigente. Na competncia interna, o legislador adotou alguns critrios de repartio da competncia, a saber: valor da causa, matria, funcional e territrio.29

A partir do critrio de sofrer ou no alteraes, a competncia interna classifica-se em absoluta e relativa. A competncia absoluta, insusceptvel de prorrogao, definida pelos critrios material e funcional.

exame do mrito, com base nalgum motivo que poderia ter justificado o indeferimento (Decises no fundamentadas: nulidade. Indeferimento de petio inicial. Condenao em honorrios de advogado, Direito Aplicado II, p. 307). 29 Cf. Patrcia Miranda Pizzol, A competncia no processo civil, passim.

30

O Juzo h de ser absolutamente competente, para que a relao jurdica processual possa validamente se desenvolver. Reconhecida a incompetncia absoluta, os autos devem ser enviados ao juzo competente, sendo nulos os pronunciamentos decisrios, nos termos do art. 113, 2, do CPC.

O juiz h de ser imparcial, no devendo subsistir qualquer motivo de ordem objetiva descrito no art. 134 do CPC.

Detm capacidade processual aquele que est no exerccio dos seus direitos. O CPC incorporou os critrios adotados na legislao civil, de sorte que todos aqueles que estejam no exerccio dos seus direitos detm a capacidade processual.

J a legitimao processual a manifestao da capacidade de exerccio no plano do direito processual. Os absoluta e relativamente incapazes podem ser parte, mas so impedidos de praticar atos processuais.

Os pressupostos processuais negativos so a coisa julgada, a litispendncia e a clusula compromissria.

31

A litispendncia resta configurada, quando esto pendentes aes idnticas (identidade de partes, causa de pedir e pedido).

A coisa julgada material vem a ser a qualidade que se agrega parte dispositiva da sentena que a torna imutvel e imodificvel. Assim, proposta uma ao, cujos elementos coincidem com uma outra j trnsita em julgado, mostra-se que a legislao processual impede a prolao de sentena de mrito.

A clusula compromissria vem a ser um ajuste feito pelas partes no corpo de um contrato, com o propsito de submeter o eventual litgio dele decorrente a um rbitro (ver Lei n 9.306/97).

1.4 - CONDIES DA AO

O CPC de 1973 adotou a teoria ecltica formulada por Liebman, segundo a qual o direito de ao autnomo, distinto do direito material. Porm, vislumbrou-o como direito ao processo e ao julgamento do mrito. O direito de suscitar a prestao jurisdicional reconhecido a todos. Contudo, faz-se necessrio configurar o titular do direito, bem como demonstrar a necessidade do provimento solicitado.

32

O processo, luz da doutrina de Liebman, dividido em trs etapas ou crculos concntricos: os pressupostos processuais, as condies da ao e o mrito da causa.30

Dever o autor preencher determinadas condies para que haja direito de ao, quais sejam: legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurdica do pedido.31

A legitimidade ad causam a atribuio, pela lei ou pelo sistema, do direito de ao ao autor, possvel titular ativo de uma dada relao ou situao jurdica, bem como a sujeio do ru aos efeitos da providncia solicitada.

Para no se confundir com a relao de direito material, deve a legitimidade ad causam ser auferida a partir da simples narrao dos fatos constante na pea vestibular, independentemente de qualquer investigao probatria.32

A legitimidade ad causam corresponde coincidncia entre a situao jurdica de uma pessoa e a situao legitimante prevista na lei paraCf. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condies da ao, p. 75 e ss. O doutrinador, nas edies 3 e 4 do seu Manual de Direito Processual Civil, suprimiu a possibilidade jurdica do pedido como uma das condies da ao. 32 Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, Legitimao passiva: critrio de aferio. Mrito, Direito Aplicado II, p. 377.31 30

33

a posio processual.33 Aquele que afirma ser titular do direito material tem legitimidade para discuti-lo em juzo.34

Quer-se com isto dizer que a legitimao ad causam apenas a titularidade meramente afirmada do direito subjetivo relao ou estado jurdico cuja existncia ou inexistncia se pretende tutelar no processo, abstraindo-se, portanto, da efetiva existncia ou inexistncia desse mesmo direito.35

O interesse de agir o elemento material do direito de ao e consiste no binmio necessidade-utilidade do provimento jurisdicional solicitado.36

A necessidade consiste na obteno, atravs do processo, de proteo do interesse substancial. A utilidade a relao de adequao entre a afirmada leso de um direito e o provimento jurisdicional solicitado.37

Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, Apontamentos para um estudo sistemtico da legitimao extraordinria, in Direito Processual Civil (Ensaios e Pareceres), p. 59. 34 Cf. Nelson Nery Junior, Condies da ao, RePro n. 64, p. 35. 35 Legitimao para a causa Mrito. Afirmando o autor ser titular de uma relao jurdica, de que sujeito passivo o ru, a deciso que o negue, recusando sua pretenso, ter decidido a lide, julgado o mrito. Nada importa, para isso, que se considere outro o devedor. Releva, para o processo, unicamente a lide a ele trazida. Admissibilidade, em tese, da rescisria, nada obstando tenha-se dado pela carncia de ao, quando o julgamento foi de mrito (STJ-3 Turma, REsp 21.544-8-MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 4/263). 36 Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, Ao declaratria e interesse, Direito Processual Civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 17. 37 Cf. Thereza Alvim, O direito processual de estar em juzo, p. 57.

33

34

A exemplo do que ocorre com a legitimidade ad causam, o magistrado controla o interesse de agir do autor a partir da anlise dos fatos constantes na pea vestibular, independentemente de investigao probatria.38

Por

possibilidade

jurdica

do

pedido

entende-se

a

previsibilidade, em abstrato, do pedido. A pretenso h de ser admitida, explcita ou implicitamente, pela ordem jurdica, ou seja, o pedido somente ser impossvel, quando houver vedao explcita na ordem legal.

A apreciao desta condio ao contrrio das demais envolve matria de mrito, pois, ocorre, inequivocamente, pronunciamento acerca do pleito.39-40

A principal crtica apontada teoria ecltica de Liebman a de que as condies da ao no passam de aspectos da relao de direito material.Interesse processual Condio da ao reveladora pela utilidade e necessidade do processo, a serem analisadas em face da exposio ftica trazida pela parte Irrelevncia do nome dado a ao Carncia da ao afastada (TAPR-4 Grupo de C. Cveis, EI 30680701, rel. Juiz Rotoli de Macedo, deram provimento, v.u., DJ 06.05.94). 39 Cf. J. J. Calmon de Passos, Em torno das condies da ao A possibilidade jurdica, Revista de Direito Processual Civil. So Paulo: Saraiva, 1961, v. 4, p. 63. 40 Processo Extino Carncia de ao Impossibilidade jurdica do pedido Equiparao a sentena de improcedncia. Dizer que determinado pedido no pode ser conhecido por fora de expressa vedao legal, dando-se pela carncia de ao, significa reconhecer que inexiste o direito subjetivo, da mesma forma que a sentena de improcedncia. A distino estaria apenas no grau de evidncia. Enquanto nos casos de improcedncia o reconhecimento de ausncia do direito depende de apreciao menos sumria, as hipteses de impossibilidade jurdica apresentam to patente inexistncia do direito material que autorizam a declarao liminar (2TACivSP, RT 599/139).38

35

H a alegao de que, se for adotada a ao como um direito a uma sentena de mrito, como defende Liebman, reconhecer-se- que no cabe o exame das condies da ao seno na relao de mrito, para s ento concluir-se se a sentena deve ou no ser favorvel.41

de bom alvitre consignar que o prprio Liebman no desconhece a relao entre as condies da ao e o direito material. Assenta o processualista italiano que a ao tem por garantia constitucional o genrico poder de agir, mas que em si mesma nada tem de genrico: ao contrrio, guarda relao com uma situao concreta, decorrente de uma alegada leso a direito ou a interesse jurdico do seu titular.42

O exame da legitimidade ad causam e do interesse de agir no induz ao exame do mrito, porquanto inocorre pronunciamento acerca do pedido com base no acervo probatrio.

A aferio , pois, estritamente superficial, tendo como parmetro a mera afirmao, que tida como verdadeira (juzo meramente hipottico). Ao contrrio, pois, da impossibilidade jurdica do pedido ante o pronunciamento acerca do pedido.

41 42

Cf. Galeno Lacerda, Despacho Saneador, p. 57-58. Ob. cit., p. 151.

36

O contedo objeto do exame cinge-se, portanto, ao direito substancial meramente afirmado, independentemente da sua efetiva ocorrncia, constituindo em tcnica destinada a abortar, logo no incio do processo, o exame da relao material em ateno ao princpio da economia processual.

O decreto de carncia do direito de ao somente ocorrer quando, inequivocamente, estiver ausente a legitimidade ad causam ou interesse de agir; ou seja, se houver dvida, deve o magistrado passar anlise do mrito.

A aferio efetiva e real das chamadas condies da ao implica o exame de pontos que se encontram no mbito da relao de direito material posta apreciao do juiz e, por via de conseqncia, ao julgamento do pedido, que se consubstancia no mrito.43

inegvel a importncia do direito de ao, autnomo e desvinculado do direito substancial, para o surgimento e embasamento do direito processual enquanto cincia, mxime diante da constatao de uma

de improcedncia da ao possessria, e no de carncia, a sentena que, aps saneamento, tomada de volumosa prova e exame da mesma, denega ao autor a tutela por ele postulada, particularmente quando essa concluso extrada justamente da anlise da prova (TARGS, Ap. Civ. 25.521, rel. Juiz Adroaldo Furtado Fabrcio, DOU de 10.11.81).

43

37

relao jurdica de direito pblico travada em face do Estado, distinta do direito substancial.

Oskar von Blow, autor de obra que o verdadeiro marco do direito processual, declara queel tribunal no slo debe decidir sobre la existencia de la pretensin jurdica en pleito, sino que, para poder hacerlo, tambin debe cercio rarse si concurren las condiciones de existencia del proceso mismo.44

O extraordinrio avano cientfico do direito processual nas ltimas dcadas no teve o condo de aniquilar ou, ao menos, elidir a insatisfao com a no efetividade do processo; pelo contrrio, proporcionou a desconfigurao do processo enquanto instrumento concebido realizao do direito substancial, em face da exacerbao do formalismo da tcnica processual.

A supremacia do processo sobre o direito substancial, em ltima anlise a supremacia da forma sobre a substncia, fez com que os doutrinadores defendessem a ligao do processo com o direito material em prol da efetividade.

44

La Teora de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales, p. 6.

38

A influncia do direito substancial sobre o direito processual efeito lgico do carter instrumental do direito processual, pois, tratando-se de cincia instrumental, no possvel conceb-la sem a perfeita identificao dos problemas existentes na sua rea de atuao.

O excesso de formalismo e a utilizao da tcnica processual como se constitussem fim em si mesmos - constituem um mal, pois desconsideram o objeto na construo do instrumento.

Na lio de Proto Pisani,la tutela giurisdizionale non una forma astratta, indifferente alle caratteristiche della situaziones sostanziales bisogna de tutela, ma allopposto un quid di estremamente concreto che si modella spesso in modo estremamente articolato sulle particolarit e sulle esigenze di tutela della situaziones sostanziale dedotta in giudizio. 45

Nessa ordem de idias, abandonou-se o entendimento de que o direito de ao significa apenas direito sentena de mrito, pois essa concepo no mais se coaduna com as novas realidades, as quais exigem do Estado tutela efetiva das situaes conflitivas concretas, nos termos do inc. XXXV do art. 5 da Constituio Federal.46

Tutela giurisdizionale differenziata e nuovo processo del lavoro, Studi di diritto processuale del lavoro, p. 101-102. 46 Cf. Jos Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada, p. 62.

45

39

O direito de ao implica, pois, o dever do Estado em dar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito, de forma eficaz e temporalmente adequada.47

O preceito constitucional da inafastabilidade da jurisdio (art. 5, inc. XXXV) no exprime, somente, a idia de acesso formal ao Poder Judicirio, mas, sim, do acesso ordem jurdica justa e efetiva, conquanto a efetividade do processo constitui condio sine qua non para a garantia real e concreta de qualquer interesse individual ou coletivo assegurado pelo ordenamento jurdico, vinculando o operador do direito em geral, e obrigando-o leitura das normas infraconstitucionais, luz do citado princpio constitucional.

1.5 - MRITO

Na petio inicial, o autor traz ao conhecimento do Poder Judicirio uma situao de direito substancial geralmente um conflito de interesses -, e postula uma providncia jurisdicional, mediante a aplicao do direito espcie.

47

Rogrio Lauria Tucci e Jos Rogrio Cruz e Tucci, Devido processo legal e tutela jurisdicional, p. 106107.

40

Em conformidade com os princpios dispositivo e da congruncia (CPC, arts. 2, 128 e 460), a sentena judicial emitida, obedecendo aos limites e aos parmetros postos na petio inicial.

Os trs elementos da ao servem como limites ao pronunciamento decisrio pelo qual o juiz pe fim ao procedimento de primeiro grau de jurisdio, uma vez que identificam a sua natureza (cautelar, execuo e conhecimento), delimitam o objeto (pedido) e os fundamentos de fato e jurdicos (causa de pedir remota e prxima), e indicam o alcance subjetivo almejado (partes).

Mrito no processo civil vem a ser o pedido, isto , a pretenso deduzida pela parte na petio inicial. O objeto litigioso do processo, que coincide com o mrito, corresponde ao pedido formulado na petio inicial, sobre o qual recair a sentena.48

Ultrapassada a fase de admissibilidade do processo, o juiz deve emitir pronunciamento decisrio sobre o mrito, acolhendo ou rejeitando o pedido formulado pelo autor.

cf. Cndido Rangel Dinamarco, O conceito de mrito em processo civil, Fundamentos do processo civil moderno, tomo I, p. 254-255.

48

41

O mrito da ao fixado pelo autor na petio inicial, no instante em que formulada a pretenso. Na petio inicial, o autor deve noticiar ao juiz os fatos em razo dos quais se impe a concluso pleiteada, ou seja, necessrio que se opere uma relao de causa e efeito entre os fatos e a pretenso.49

Na contestao, compete ao ru impugnar, especificamente, os fatos e a pretenso deduzida na petio inicial, fixando os pontos controvertidos, ou aduzindo fatos novos, extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor. No h, portanto, uma ampliao do objeto litigioso.50

Nesse contexto, o objeto litigioso delimitado pelo autor, ao formular o pedido na petio inicial. De outro lado, o ru fixa os pontos controvertidos, suscita questes de fato e de direito, mas no aumenta o objeto litigioso, salvo se formular pedido por meio da reconveno ou de ao declaratria incidental.51

Cf. Cndido Rangel Dinamarco, Causa de pedir e nus de afirmar, Fundamentos do processo civil moderno, tomo II, p. 933. 50 Cf. Kazuo Watanabe, Da cognio no processo civil, p. 81. 51 Cf. Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol. 1, p. 484.

49

42

Ponto, no direito processual civil, vem a ser alegao do fundamento de fato ou de direito suscitado pela parte que, existindo controvrsia, surge a questo.52

No decorrer da relao jurdica processual, o juiz deve examinar os pontos relevantes suscitados pelas partes e resolver as questes de fato e de direito.

Na formao da sentena, o juiz ter que efetuar o exame dos fatos e do direito, a fim de que, subsumindo os fatos norma jurdica, extraia a concluso.53

Elio Fazallari afirma quenel processo di cognizione si svolgono attivit dirette ad allegare fatti, a raccogliere le relative prove, a inquadrare i fatti nelle norme sostaziali, cosicch il giudice possa conoscere qual , nel caso concreto, la situazione sostanziale: cito rendersi conto se sussista la fattispecie da cui la norma fa sorgere um obbligo e il corrispondente diritto soggettivo; se questo obblito stato violato e il diritto rimasto insoddisfatto. In base alla convinzione cosi formata, il giudice civile sapr se deveCf. Francesco Carnelluti, Instituies do Processo Civil, vol. 1, p. 86. Segundo Enrico Tullio Liebman, Ridotta alla sua struttura elementare, la decisione del giudice consta dellaplicazione di una norma a um fatto. Per decidir ela causa dunque necessrio individuar ela norma e pervenire ad uma rappresentazione quanto pi esatta del fatto. Le questioni, pi o meno numerose, secondo i casi, che il giudice deve risolvere confluiscono perci in due ricerche fondamentali: la ricostruzione storiografica di uma vicenda del passato com rifereimento ai fatti affermati dalle parti e secondo i risultati dellistruzione probatria; e uma ricerca e interpretazione della regola giuridica astratta applicabile a quei fatti, ricavata da uma esplorazione e uno studio del diritto vigente (Manuale di diritto processuale civile, II, p. 236).53 52

43 emettere la sentenza di accoglimento della domanda (e, quindi, di condanna, o di accertamento, o costitutiva), oppure rifiutarla (sentenza di rigetto).54

A despeito de distribuir o nus da prova, o CPC, em seu art. 130, confere ao juiz amplos poderes instrutrios, devendo participar ativamente do conjunto probatrio, a fim de efetuar, nos limites da lide, a justa aplicao do direito.55

Jos Carlos Barbosa Moreira ressalta queEm matria de instruo, prevalece igualmente nas leis contemporneas a tendncia a confiar papel ativo ao juiz, deferindo-lhe ampla iniciativa na verificao dos fatos relevantes para a soluo do litgio, tal como submetido a sua cognio, isto , nos limites do pedido e da causa de pedir. Nada mais natural: intuitivo, em linha de princpio, que um bom julgamento descansa na correta aplicao da norma a fatos reconstitudos com a maior exatido possvel; e julgar bem preocupao que no pode ser estranha ao rgo judicial. Nessa perspectiva, ao contrrio do que insinuam certas frmulas tradicionais, recusar-lhe a possibilidade de comprovar

espontaneamente os fatos parece to pouco razovel, afinal de

Istituzioni di diritto processuale, p. 121. Recurso Especial. Processual Civil. Prova. Produo. Iniciativa. Princpio dispositivo. Igualdade das partes. Ordem de oitiva das testemunhas. Admite-se no processo moderno a iniciativa probatria do juiz, pois a efetividade do processo e a absoro do conflito no plano social depende de uma deciso cunhada a partir do princpio da verdade real dos fatos. Tal poder, entretanto, deve ser exercido, sem que o julgador desmerea dos demais princpios que norteiam o processo civil. A dispensa da prova oral pelo juiz, como conseqncia sancionatria ausncia do advogado do autor audincia de instruo e julgamento do rito sumrio, o impede de, mais tarde, determinar a inquirio das mesmas testemunhas. Violao aos princpios da imparcialidade do julgamento, do nus da prova, da ordem de oitiva de testemunhas e do tratamento igualitrio que deve conferir s partes. Recurso especial provido (STJ-3 Turma, REsp 151.924-PR, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19.06.2001, v.u., DJ 08.10.2001, p. 210).55

54

44 contas, quanto negar-lhe a de procurar por si mesmo a norma aplicvel: o conhecimento daqueles no lhe menos necessrio que o desta para cumprir sua funo essencial de modo satisfatrio. 56

Na sentena, o juiz compelido a apreciar os pontos suscitados pelas partes e a decidir sobre todas as questes surgidas no processo, devendo a concluso recair sobre o objeto litigioso.

1.6 - SENTENAS PROCESSUAIS

Constatada a ausncia de algum requisito do julgamento de mrito da demanda condies da ao e pressupostos processuais -, a sentena coloca fim ao procedimento de primeiro grau de jurisdio sem julgamento do mrito.

As sentenas processuais tm o condo de propiciar coisa julgada formal, no impedindo que, com a correo do defeito processual, o conflito possa ser novamente examinado pelo Poder Judicirio.

Os poderes do juiz na direo e na instruo do processo, Temas de direito processual, Quarta Srie, p. 47.

56

45

Entretanto, as hipteses de sentenas processuais no se resumem ausncia das condies da ao ou dos pressupostos processuais. H, ainda, outros motivos que conduzem extino do feito sem exame do mrito.

Esto previstas no art. 267 do CPC as hipteses em que o juiz deve emitir sentena pondo fim ao procedimento sem exame do mrito. Vejamos os incisos do art. 267 do CPC.

De acordo com o inc. I, o processo deve ser extinto sem julgamento do mrito, quando o juiz indeferir a petio inicial. Trata-se de vcio que afeta um dos pressupostos processuais de validade (petio inicial apta) e impede a formao vlida da relao jurdica processual.

Deferida a petio inicial, nada obsta a que o juiz possa extinguir o feito sem julgamento do mrito, uma vez que inocorre precluso quanto ao exame das matrias afetas admissibilidade da demanda (CPC, arts. 267, 3, e 301, 4), isto , em relao s matrias de ordem pblica no h precluso pro judicato.57

A circunstncia de no ter o juiz indeferido liminarmente a inicial no o impede de extinguir posteriormente o processo (IV ENTA-concl. 23, un.).

57

46

Preceitua o art. 295 do CPC que a petio inicial deve ser indeferida, na hiptese de: inpcia (falta de pedido ou causa de pedir, inexistncia de relao de causa e efeito entre os fatos e o pedido, pedido juridicamente impossvel e pedidos incompatveis); ausncia de condies da ao (ilegitimidade de parte e ausncia de interesse processual); inadequao do procedimento; e falta de requisitos formais (arts. 39, par. nico, e 284).

Registre-se que de mrito a sentena que indefere a petio inicial, em virtude da configurao de decadncia ou prescrio.58

O inc. II prescreve que deve ser extinto sem julgamento do mrito o processo que, em virtude da contumcia das partes, permanecer sem andamento durante mais de 1 ano. A paralisao do processo por tal perodo tem que advir da inrcia das partes, para que possa o feito ser extinto sem exame do mrito.

lcito ao juiz de ofcio extinguir o feito sem julgamento de mrito na hiptese do inc. II do art. 267 do CPC, ressalvada a providncia

Quando o juiz indefere a petio inicial por motivo de decadncia ou prescrio, h encerramento do processo com julgamento do mrito (SIMP-concl. XXVI, RT 482/271).

58

47

de intimao pessoal da parte para suprir a omisso ( 1 do citado preceito legal).59

O inc. III dispe que, havendo abandono da causa pelo autor por mais de 30 dias, o processo deve ser extinto sem julgamento do mrito, se o juiz for instado a se pronunciar pelo ru, nos termos da smula 240 do STJ: A extino do processo, por abandono da causa pelo autor, depende de requerimento do ru.60

Estabelece o CPC, no art. 267, 1, que somente haver a extino do processo sem julgamento do mrito pelos motivos descritos nos incs. II e III, se a parte, instada a se pronunciar por meio de intimao pessoal, permanecer inerte.

A extino do processo, sem julgamento do mrito, poder ser decretada de ofcio, na hiptese do item II do art. 267 (SIMP-concl. XIV, RT 482/271); Execuo. Extino do processo com base no art. 267, II e III, do Cdigo de Processo Civil. Smula n 240 da Corte. 1. Extinto o processo tambm com fundamento no inciso II do art. 267 do Cdigo de Processo Civil, no se aplica a Smula n 240 da Corte, que alcana, apenas, a extino por abandono da causa pelo autor, objeto do inciso III do mesmo artigo. 2. Recurso especial no conhecido (STJ-3 Turma, REsp 554.773-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 04.05.2004, v.u., DJ 21.06.2004, p. 218). 60 PROCESSUAL CIVIL. EXTINO DO PROCESSO POR ABANDONO (ART. 267, III, 1, CPC). IMPOSSIBILIDADE DE EXTINO DE OFCIO. ENUNCIADO N 240 DA SMULA/STJ. AUSNCIA DE CITAO. INTERESSE DO RU NA SOLUO DO CONFLITO. INEXISTNCIA. POSSIBILIDADE DE EXTINO DE OFCIO. DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO DESACOLHIDO. I No dado ao juiz, na hiptese do inciso III do art. 267, CPC, extinguir o processo de ofcio, sendo imprescindvel o requerimento do ru, dado ser inadmissvel presumir-se desinteresse do ru no prosseguimento e soluo da causa. II Diversa a situao, no entanto, quando se trata de ao na qual no tenha ocorrido a citao. Nesse caso, no h como presumir eventual interesse do ru na continuidade do processo. III Na linha de precedente da Turma, o processo, em sua viso contempornea, instrumento de realizao do direito material e de efetivao da tutela jurisdicional, sendo de feio predominantemente pblica, que no deve prestar obsquios aos caprichos de litigantes desidiosos ou de m-f"(REsp n. 261.789-MG, DJ 16/10/2000) (STJ-4 Turma, REsp 439.309-MG, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. 20.03.2003, v.u., DJ 14.04.2003, p. 228).

59

48

Os incs. IV, V e VII estabelecem que, ausente algum dos pressupostos de existncia, validade ou negativo, o processo deve ser extinto sem julgamento do mrito. Inclui tambm a perempo, que vem a ser a perda do direito de ao pela desdia do autor que deu motivo por 3 vezes extino do processo sem julgamento do mrito (art. 268 do CPC).

O inc. VI prescreve que, ausente alguma das condies da ao (legitimidade para a causa, interesse de agir e possibilidade jurdica do pedido), o processo deve ser extinto sem julgamento do mrito.

O inc. VIII dispe que, em o autor requerendo a desistncia da ao, o processo deve ser extinto sem anlise do mrito. Pelo princpio do contraditrio, impende destacar que, aps a citao, o ru tem que anuir ao pedido de desistncia formulado pelo autor, para que o feito seja extinto sem anlise do mrito. A impugnao do ru quanto ao pedido de desistncia tem que ser motivada, no obstando a extino a negativa genrica.

O inc. IX estipula que, quando o direito de ao for intransmissvel, o feito deve ser extinto sem exame do mrito. A rigor, a extino do processo sem julgamento do mrito se impe, quando o direito

49

material discutido em processo judicial for intransmissvel por disposio legal.

O inc. X prescreve que, ocorrendo confuso entre autor e ru, o processo deve ser extinto sem julgamento do mrito. Nos termos do art. 1.049 do CC, extingue-se a obrigao quando se confundem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor.

1.7 - SENTENAS DE MRITO

Presentes os requisitos de admissibilidade do processo condies da ao e pressupostos processuais -, o juiz passa a examinar o mrito, isto , dever prestar a tutela jurisdicional nos limites da demanda (CPC, arts. 2, 128 e 460).

No processo civil, mrito vem a ser o pedido formulado na demanda, de sorte que a sentena de mrito aprecia o objeto litigioso da demanda.

50

Por isso , a rigor, de mrito a sentena que, a despeito de se pronunciar sobre o pedido, pe fim ao feito sem julgamento de mrito.61

A sentena de mrito, ao contrrio da processual, tem o condo de formar coisa julgada material, de sorte que o comando ou parte dispositivo do referido pronunciamento decisrio torna-se, em regra, imutvel e imodificvel.

Nos incisos do art. 269, o CPC enumera as hipteses em que a sentena extingue o processo com o exame do mrito.

O inc. I estabelece que de mrito a sentena que acolhe ou rejeita o pedido formulado na demanda. Nesta hiptese, o juiz analisa o mrito, julgando procedente ou improcedente o pedido, nos limites da demanda e da contestao.

O inc. II prescreve que, havendo o reconhecimento jurdico do pedido pelo ru, a sentena pe fim ao processo com julgamento de mrito. O reconhecimento jurdico do pedido consiste num ato processual praticado pelo ru que admite, total ou parcialmente, a procedncia do pedidoPara verificar se houve exame do mrito, h que pesquisar se a pretenso formulada foi decidida. Isso tendo ocorrido, no importa que a sentena haja, equivocadamente, afirmado que o autor era carecedor da ao. Fica o tribunal, no julgamento da apelao, autorizado a examinar todas as questes pertinentes ao merecimento (STJ-3 Turma, REsp 31.766-0-RS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 25.04.1994, v.u., DJU 30.05.1994, p. 13.480).61

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formulado na demanda, e recai sobre o direito in casu, disponvel -, ao contrrio do que ocorre com a confisso que vem a ser admisso da veracidade de um fato que lhe desfavorvel.

O inc. III dispe que a transao vem a ser uma das modalidades de extino das obrigaes, pela qual as partes em concesses recprocas pem fim ao litgio. A exemplo do que ocorre com o reconhecimento jurdico do pedido, a transao pressupe direitos disponveis, isto , somente os direitos passveis de renncia que podem ser objeto de transao. A transao pode ser firmada judicial ou extrajudicialmente e produz efeitos imediatos (CPC, art. 158), sendo a coisa julgada material condicionada sua homologao.

O inc. IV prescreve que, em havendo declarao de prescrio ou decadncia, a sentena examina o mrito da demanda. A rigor, como sabido, a prescrio e a decadncia so questes prvias da espcie prejudicial ao mrito. Nada obstante, o legislador brasileiro optou por equiparar a pronunciamento de mrito a declarao de prescrio ou decadncia.

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Por fim, o inc. V reza que de mrito a sentena, na hiptese de o autor renunciar ao direito material em que se funda a ao. Trata-se de ato jurdico, pelo qual o autor abre mo de direitos disponveis.

1.8 - ELEMENTOS

O CPC, no art. 458, estabelece os elementos que devem estar presentes nas sentenas judiciais. Vale dizer, a lei disps sobre as partes componentes e essenciais da sentena, para que sejam produzidos os efeitos jurdicos.62

Faltante um dos elementos, a rigor o ato processual inexistir, j que a ausncia de um requisito essencial implica inexistir parte da prpria essncia.63

Por ser a sentena o ato culminante do processo, pelo qual o juiz define, por meio da aplicao da lei ao caso concreto, a norma jurdica individual que efetua a justa composio do conflito, o legislador houveGiuseppe Tarzia assinala que In questordine di idee si perspicuamente osservato che regolare la forma de in atto vuol dire indicarne i caratteri giuridicamente rilevanti, nel senso che solo in quanto il singolo atto li possieda, lo effeto giuridico se ne produca, e che, pertanto, la determinazione delleffetto giuridico avuto di mira non pu mai mancare (Profili della sentenza civile impugnabilie, p. 17). 63 Cf. Arruda Alvim, Sentena no processo civil as diversas formas de terminao do processo em primeiro grau, Estudos e pareceres 2, p. 334.62

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por bem inserir elementos essenciais, sem os quais o pronunciamento padece de grave vcio.

Imps o legislador que a sentena conter o relatrio, a motivao ou fundamentao e o dispositivo.

O relatrio vem a ser o resumo dos atos processuais praticados no processo, com a exposio dos fatos, dos fundamentos jurdicos da demanda, do pedido, dos fatos e dos fundamentos de defesa. No relatrio, o juiz efetua a exposio da histria relevante do processo e o registro dos atos processuais nele praticados.

Feito o relatrio, no qual no h emisso de juzo de valor, o juiz passa a expor a fundamentao ou motivao da sentena, examinando as alegaes de fato e de direito, os pontos controvertidos, as questes prvias e aquelas propriamente de mrito.

Pela Constituio Federal de 1988 (art. 93, inc. IX), a motivao foi erigida em princpio constitucional, em razo do qual os pronunciamentos decisrios emanados do Poder Judicirio devem ser obrigatoriamente motivados, sob pena de nulidade.

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Esta regra posta na Constituio Federal implica que todas as decises judiciais devem ser explcitas e motivadas. Inexiste, no direito brasileiro, deciso implcita.64

Motivar significa expor as razes de fato e de direito que convenceram o juiz a proferir o pronunciamento decisrio, devendo ter implicao substancial acerca dos fatos, dos fundamentos e dos requerimentos postos na demanda e na defesa.65

A cognio do juiz recai sobre os fatos, as provas produzidas em juzo e os fundamentos jurdicos suscitados pelas partes.

Elio Fazzalari assenta queIl giudice deve, innanzitutto, ricostruire la situazione di fatto (che struttura la situazione giuridica sostanziale, oggetto di questione) in base alle allegazioni ed alle prove. Questa parte del giudizio si suole indicare labbiamo rilevato como giudizio di fatto: essa mette capo all affermazione o negazione, da parte del giudice, della esistenza dei fatti rilevanti nella specie, i quali si possono chiamare, perci, fatti principali... Il giudizio di diritto, cio la valutazione dei fatti in base alle norme sostanziali, lulteriore addendo del giudizio.66

64 65

Cf. Joo Batista Lopes, Breves consideraes sobre o instituto da precluso, RePro, n. 23, p. 53. Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, A motivao das decises judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito, Temas de direito processual civil, segunda srie, p. 86-87. 66 Istituzioni di diritto processuale, p. 382.

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A motivao do pronunciamento decisrio envolve uma operao complexa, em que o juiz exerce esforo intelectual na anlise e na valorizao da verdade jurdica que emana das provas produzidas em juzo, para, em seguida, efetuar a justa aplicao da norma jurdica.67

assente, no direito brasileiro, que os atos postulatrios podem exigir do juiz a anlise da admissibilidade e do mrito.

As condies da ao e dos pressupostos processuais consistem em matria prvia da espcie preliminar ao exame do mrito, isto , o juiz somente analisa o mrito, desde que estejam presentes os mencionados requisitos de admissibilidade. Ausente um dos requisitos, o juiz sequer passa ao exame do mrito.

Assim, antes de analisar o mrito, o juiz, independentemente de manifestao das partes, deve examinar se esto presentes as condies da ao e dos pressupostos processuais (CPC, arts. 267, 3, e 301, 4).

Segundo Jos Augusto Delgado, A atividade desenvolvida pelos Juzes de entregar a prestao jurisdicional tem caractersticas de finalidade pblica e sentido de colaborao para apresentar o processo de desenvolvimento e de criao do Direito. Em conseqncia, isso obriga a que a autoridade judiciria exera maior esforo intelectual para intensificar o grau de racionalidade na descoberta da verdade jurdica que se exige seja sempre objetiva. Em assim ocorrendo, o Juiz h de se conscientizar de que o seu julgamento deve conter motivao suficiente, de modo que se apresente de forma lgica e com compreenso ao nvel da capacidade de entendimento dos jurisdicionados (A sentena judicial e a Constituio Federal de 1988, RePro, n. 61, p. 58).

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H, ainda, as matrias prvias da espcie prejudicial que, se acolhida, tem o condo de condicionar o contedo do mrito. Os exemplos tpicos de matria prejudicial so a prescrio e a decadncia, as quais, se acatadas, tm o condo de condicionar o mrito da demanda.

Ultrapassada a admissibilidade da demanda, passa o juiz a examinar os fatos e fundamentos jurdicos suscitados pelas partes na petio inicial e na contestao.

O exame dos fatos e dos fundamentos jurdicos suscitados pelas partes e a resoluo das questes de mrito se situam nos fundamentos ou motivos da deciso.68

A palavra questo utilizada como sinnimo de ponto controvertido, isto , a matria a respeito da qual as partes se controvertem. Na legislao processual, questo tambm pode ser entendida como o tema objeto da deciso. Veja a lio de Jos Carlos Barbosa Moreira: oportuno, a esta altura, um esclarecimento de ordem no s terminolgica, mas sobretudo conceptual. A palavra questo v-se empregada em dois sentidos diversos na linguagem da lei. Ela serve, primeiro, para designar o teor do pronunciamento judicial. Nessa acepo, dir-se- com propriedade que a soluo das questes o meio de que se vale o Juiz para julgar: a questo no constitui, em si, objeto de julgamento, mas, uma vez resolvida, insere-se entre os fundamentos da deciso, entre as razes de decidir. Assim, por exemplo, a questo consistente em saber se ocorreu ou no o fato constitutivo alegado pelo autor, ou o fato extintivo alegado pelo ru: a questo relativa vigncia ou a constitucionalidade da regra jurdica cuja incidncia se afirma etc. com tal significado que o vocbulo questo aparece no texto do art. 458, II, do atual CPC, onde se incluem, entre outros requisitos (rectius: elementos) essenciais da sentena, os fundamentos, em que o juiz analisar as questes de fato e de direito, assentando as premissas de que extrair a concluso. Outras vezes, questo o prprio thema decidendum, ou ao menos cada uma das partes em que ele se fraciona. Se algum, v.g., pleiteia a resoluo da promessa de compra e venda e a reintegrao na posse do imvel, dir-se-, neste outro sentido, que o juiz deve julgar duas questes, a da resoluo contratual e a possessria. Existe a manifesta correspondncia entre questo e pedido, havendo mais de um pedido, ou o que afinal o mesmo compondo-se o pedido de mais de um item, estaro subpostas cognio judicial tantas questes quantos forem os pedidos, ou os itens do pedido (Do pedido sobre o qual no houve deciso. Possibilidade de reiterao em outro processo, Temas de direito processual civil, p. 243).

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imprescindvel, pois, a anlise da causa de pedir descrita na petio inicial e os fundamentos suscitados na contestao pelo ru, sob pena de nulidade da sentena. Isso porque a causa de pedir, a despeito de no integrar o mrito, identifica e individualiza o pedido.69-70

Impende destacar que assente na jurisprudncia o entendimento de que o juiz no compelido a analisar todos os pontos do processo, sendo suficiente uma motivao idnea que sustente a concluso.71

Quando se tratar de extino do feito sem exame do mrito, o CPC prev que o juiz emitir a sentena de forma concisa, nos termos do art. 459. Mesmo na sentena processual de rigor a presena dos elementos estabelecidos no art. 458 do CPC.72

Cf. Arruda Alvim, Ao de indenizao por ter havido sonegao de bens na partilha e porque a partilha, em si mesma, foi prejudicial autora. Necessidade de o juiz decidir ambos os pedidos relativos s duas causas de pedir, RePro, n. 59, p. 210-211. 70 Se o pedido est desdobrado em dois fundamentos e apenas um deles foi apreciado na sentena, nula essa deciso (RT 600/163). 71 PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS EXECUO. SENTENA. NULIDADE DECLARADA PELO TRIBUNAL DE JUSTIA. INOCORRNCIA. CPC, ARTS. 458, II E 515, 1. I. No se configura nulidade na sentena que se manifestou sobre a matria objeto da discusso, ainda que no tenha enfrentado especificamente todos os argumentos suscitados pela parte. II. Incidncia da regra do art. 515, pargrafo primeiro, do CPC. III. Recurso especial conhecido e provido (STJ-4 Turma, REsp 239.737-RN, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 21.03.2002, v.u., DJ 29.04.2002, p. 246). 72 A sentena que encerra o processo sem julgamento do mrito dever conter o suficiente sua conformao como ato decisrio final (SIMP-concl. XXXVII, RT 482/271); PROCESSUAL CIVIL. SENTENA EXTINTIVA. FUNDAMENTAO CONCISA. POSSIBILIDADE. INPCIA DA INICIAL. MOMENTO DE APRECIAO. 1. No nula a sentena suficientemente concisa que, sem indicar expressamente o dispositivo legal no qual se embasa, extingue o processo sem julgamento de mrito, dado o no cumprimento de determinao judicial para sanar irregularidade constante no processo. 2. A inpcia da inicial pode ser apreciada e declarada at o momento do despacho saneador. 3. Recurso conhecido e provido (STJ-5 Turma, REsp 202.998-RJ, rel. Min. Edson Vidigal, j. 27.04.1999, v.u., DJ 31.05.1999, p. 186).

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Na motivao, o juiz, examinando as matrias de fato e de direito e resolvendo as questes processuais e de mrito, fixa as premissas fundamentais da concluso.

Na parte dispositiva, o juiz deve emitir pronunciamento sobre o pedido formulado na petio inicial. O dispositivo da sentena delimitada pelo objeto litigioso, ou seja, acerca do pedido formulado na petio inicial que a concluso da sentena se pronuncia.

A incongruncia entre o pedido e a concluso do ato decisrio acarreta a configurao de vcio processual que torna o pronunciamento judicial invlido.

O termo questes previsto no art. 458, III, do CPC equiparase a mrito ou ao objeto litigioso, porquanto na parte dispositiva que o juiz se pronuncia sobre o pedido.

a parte dispositiva da sentena que tem a aptido de fazer coisa julgada formal e material. Ausente a parte dispositiva, resta configurado um gravssimo vcio processual inexistncia jurdica - que

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tem o condo de macular a sentena, em razo da falta da prpria atividade jurisdicional.73

1.9 - CLASSIFICAO POR SUA EFICCIA

Adotando classificao de Pontes de Miranda, pela eficcia preponderante as sentenas podem ser declaratria, constitutiva,

condenatria, mandamental ou executiva.74

A sentena declaratria tem como finalidade a declarao da existncia ou inexistncia de relao jurdica, dissipando o estado de incerteza jurdica.75-76

O interesse do autor na ao declaratria pode se limitar declarao de existncia ou de inexistncia de relao jurdica, ou de autenticidade ou falsidade de documento (CPC, art. 4).

Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, Do pedido sobre o qual no houve deciso. Possibilidade de reiterao em outro processo, Temas de direito processual civil, p. 243. 74 No h nenhuma ao, nenhuma sentena, que seja pura. Nenhuma somente declarativa. Nenhuma somente constitutiva. Nenhuma somente condenatria. Nenhuma somente mandamental. Nenhuma somente executiva (Tratado das aes, v. 1, p. 137). 75 Cf. Joo Batista Lopes, Ao declaratria, p.31-33. 76 Ao declaratria. Objeto. Trata-se de ao que no se presta para atender a mera pretenso interpretao da lei em tese, mas a afastar estado de incerteza objetiva acerca da existncia, ou no, de relao jurdica (STJ-RT 672/228).

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A sentena declaratria no d ensejo propositura posterior de ao de execuo, j que o comando emergente da parte dispositiva j satisfaz o autor, com a dissipao da incerteza jurdica. Isto , a sentena declaratria no proporciona a formao de ttulo executivo judicial, ressalvando a eficcia condenatria decorrente do nus da sucumbncia.

A sentena constitutiva pressupe a declarao de direito, mas visa criao, extino ou modificao de um estado ou relao jurdica. A sentena constitutiva produz efeitos no prprio processo de conhecimento, tornando-se dispensvel posterior processo de execuo. No h que se cogitar, portanto, de ttulo executivo judicial, ressalvando a eficcia condenatria remanescente decorrente do nus da sucumbncia.

A sentena condenatria dispe de duplo contedo e dupla funo, a saber: de incio declara o direito existente e, em seguida, aplica a regra de sano concreta. Com o trnsito em julgado da sentena condenatria, forma-se, portanto, o ttulo executivo judicial, possibilitando, em caso de inadimplemento, a propositura de ao de execuo por quantia certa.

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Em caso de inadimplemento do devedor, a satisfao da sano imposta na sentena condenatria pressupe a propositura da ao de execuo, o que um fato decisivo para a sua ineficcia.77

Nas sentenas declaratria e constitutiva, no remanesce qualquer necessidade de a parte vencida tomar alguma atitude para que o direito reconhecido na sentena seja satisfeito.78

Na sentena mandamental h uma ordem para coagir o ru, a cumprir o direito declarado, proporcionando uma tutela independentemente de instaurao de processo de execuo.

Destaca-se a distino entre condenar e ordenar: com a sentena condenatria, h a formao de um ttulo executivo judicial, cujo descumprimento enseja um novo processo intitulado de execuo; enquanto, com a ordem, h a determinao efetiva de cumprimento especfico do comando do juiz.79

Marcelo Lima Guerra assinala que a insuficincia apontada da sentena condenatria postula que o ordenamento predisponha os meios jurdicos necessrios a que se possa atingir o resultado material igual ou equivalente prestao que essa sentena impe ao ru, em reparao ao direito lesionado do autor, na hiptese de o mesmo ru no realizar espontaneamente, a prestao devida. Tais meios correspondem, precisamente, tutela executiva prestada atravs do processo de execuo (Execuo forada, p. 22). 78 Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira, Tendncias na execuo das sentenas, Temas de direito processual civil, 1 srie, p. 38-39. 79 Cf. Ovdio A. Batista da Silva, Curso de processo civil, vol. II, p. 348-351.

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Para que a deciso seja cumprida, a legislao coloca disposio do juiz uma srie de medidas coercitivas com a finalidade de impor o cumprimento especfico da obrigao, tais como a multa ou astreintes e a priso civil. H, ainda, as medidas subrogatrias destinadas a conduzir ao resultado prtico equivalente ao adimplemento (CPC, art. 461, 5).80

J as sentenas executivas lato sensu so tambm cumpridas no prprio processo em que proferidas, independentemente de ser instaurado processo de execuo. Diferem das sentenas mandamentais pelo seu contedo principal, que no uma ordem para o ru cumprir, mas a autorizao para o rgo judicial executar, independentemente da vontade do demandado, nos prprios autos do processo de conhecimento.

1.10 - CONGRUNCIA ENTRE A SENTENA E O PEDIDO

Consectrio do princpio dispositivo, a correlao entre a deciso e o pedido foi expressamente consagrada nos arts. 128 e 460 do CPC.

80

Cf. Joaquim Felipe Spadoni, Ao inibitria, p. 195 e ss.

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Os trs elementos da ao servem como parmetros e delimitam a sentena judicial, uma vez que identificam a sua natureza (cautelar, execuo e conhecimento), fixam o objeto (pedido) e os fundamentos de fato e de direito (causa de pedir remota e prxima), e indicam o alcance subjetivo almejado (partes).

A causa de pedir identifica e individualiza o pedido, de forma que a parte dispositiva da sentena emitida a partir da anlise e da valorao dos fundamentos de fato e de direito suscitados pelo autor na petio inicial e pelo ru na contestao.81

Na sentena, defeso ao juiz apreciar fatos que no estejam includos na causa de pedir enunciada na petio inicial.82

A reformulao narrativa de circunstncias acidentais dos fatos litigiosos suscitados no processo, a alterao da qualificao jurdica dos

AR (AI) - PROCESSUAL CIVIL - AO - A causa petendi e o pedido delimitam a extenso da sentena, pena de deciso ultra, citra, ou extra petita (STJ-6 Turma, AgRg no AG 198.751-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 15.12.1998, v.u., DJ 01.03.1999, p. 430); Recurso especial. Processo civil. Previdencirio. Julgamento extra-petita. - A sentena deve ater-se s questes postas pelas partes. Indispensvel vincular a causa de pedir ao pedido, caso contrrio, ser citra, ultra ou extra-petita (STJ-5 Turma, REsp 61.714-SP, rel. Min. Jos Arnaldo da Fonseca, j. 22.10.1996, v.u., DJ 02.12.1996, p. 47.696). 82 Causa de pedir Impossibilidade de o julgamento considerar fatos outros que no os apontados na inicial como fundamento do pedido (STJ-3 Turma, Resp 86.279-SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 18.02.1997, v.u., DJ 19.05.1997, p. 20.631).

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fatos ou alterao do amparo legal no implica alterao de causa de pedir.83-84

Impende assinalar a distino entre fundamento jurdico e legal. O primeiro refere-se aos fatos e s respectivas qualificaes jurdicas que fundamentam o pedido, ao passo que o segundo diz respeito ao dispositivo legal que ampara o pedido.

O juiz no se encontra vinculado aos fundamentos legais invocados pelas partes, mas, sim, ao pedido e aos fundamentos jurdicos suscitados no processo.

Sobre o assunto, enuncia Jos Augusto Delgado queUma outra regra que incide no momento de sentenciar e que se liga ao dever de motivar a de que o Juiz no est vinculado ao dispositivo ou dispositivos legais invocados pelas partes. Na verdade, o Magistrado desenvolve as suas atividades segundo a regra que pode fundar-se em argumentao jurdica no vinda para os autos. Prevalece, assim, o contedo do brocardo latino da mihi factum, dabo tibi ius d-me os fatos, que dar-te-ei o direito. O que o julgador no poder alterar a causa de pedir,

83 84

Cf. Jos Rogrio Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil, p. 198. A narrativa de circunstncias acidentais feita aps a contestao com intuito de esclarecer a petio inicial, sem modificao dos fatos e fundamentos jurdicos delineados na pea de ingresso, no importa alterao de causa de pedir (STJ-4 Turma, REsp 55.083-SP, rel. Min. Slvio de Figueiredo); Decidindo o Magistrado na audincia de conciliao deferir prazo para que a parte autora descreva a mecnica do evento, no h falar em alterao da causa de pedir, ainda mais quando o acrdo recorrido reconheceu que a pea vestibular est bem redigida e fundamentada, afastando a inpcia da inicial (STJ-3 Turma, REsp 231.751-RJ).

65 pois, conforme adverte Celso Agrcola Barbi, in Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, v. I, p. 536, se isso ocorresse, estaria ele decidindo, em verdade, demanda diversa daquela que fora ajuizada.85

No h bice a que a sentena se afaste dos fundamentos legais suscitados pelas partes, desde que respeitados os limites da demanda.86 Trata-se de aplicao do conhecido adgio iuria novit curia.87

Alm da relao com o dispositivo, a congruncia entre o pedido e a sentena encontra fundamento no princpio constitucional do contraditrio e da ampla defesa.

Quando contemplou a mencionada regra da correspondncia, o legislador procurou preservar o contraditrio e a ampla defesa, na medida

A sentena judicial e a Constituio Federal de 1988, RePro, n. 61, p. 59. Processual Civil. Causa de Pedir e Pedido. Julgamento Extra ou Ultra Petita. 1. Identificar a causa petendi a identificao do fato ou dos fatos capazes de produzirem o pretendido efeito jurdico. No h julgamento extra ou ultra petita quando o julgador aprecia os fatos e decide adstrito aos fundamentos legais, exercitando atividade que lhe est reservada e no parte interessada em obter resultado diferente. 2. Recurso provido (STJ-1 Turma, REsp 273.797-SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 06.08.2002, v.u., DJ 30.09.2002, p. 197); RECURSO ESPECIAL. AO DECLARATRIA REVISIONAL DE CONTRATO. NOMEN IURIS. CAUSA DE PEDIR E PEDIDO. No importa o nome jurdico dado pelo autor ao, devendo o magistrado atentar para a causa de pedir e para o pedido, aspectos que definem a natureza jurdica da ao (STJ-3 Turma, REsp 169.404-RS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 13.03.1999, v.u., DJ 24.05.1999, p. 163). 87 Cf. Fritz Baur, Da importncia da dico iuria novit curia, RePro, n. 3, p. 169-177. Declara Cndido Rangel Dinamarco que se o autor narra determinados fatos na petio inicial e com fundamento neles pede a anulao do contrato por erro, nada o impede e nada impede o juiz tambm de alterar essa capitulao e considerar que os fatos narrados integram a figura da coao e no do erro. O resultado prtico ser o mesmo, porque qualquer um desses vcios do consentimento conduz anulabilidade do negcio jurdico e, portanto, autoriza a sua anulao (CC, art. 147, inc. II). Mas os fatos o autor no pode alterar, nem pode o juiz apoiar-se em outros para fazer o seu julgamento. claro que, se a nova capitulao jurdica atribuda aos fatos narrados no conduzir ao resultado postulado, a pretenso do autor no poder obter sucesso (Instituies de direito processual civil, v. 2, p. 127-128).86

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em que o ru tem a cincia acerca de qual a pretenso foi deduzida pelo autor e quais os fatos que a amparam.

Jos Carlos Barbosa Moreira observa a relao entre o princpio da congruncia e o contraditrio:a meu ver, a que apresenta maiores credenciais a que relaciona esta problemtica com a garantia do contraditrio. O que se tem em vista, sobretudo, preservar o contraditrio e o direito de defesa do ru. (...) O exerccio amplo do direito de defesa implica necessariamente para o ru um mnimo de previsibilidade. preciso que ele saiba, ao ser convocado a juzo, ou possa verificar os com os dados de que dispe, quais so as suas chances, tanto para o melhor, quanto para o pior. preciso que ele possa avaliar desde logo qual a pior coisa que lhe pode acontecer na hiptese de derrota. 88

H tambm implicaes para o autor, uma vez que deve formular o pedido de modo completo, ressalvada a hiptese de aditar a petio inicial at a citao (CPC, art.294).

Nessa temtica, faz-se imprescindvel examinar, ainda que de forma sucinta, algumas regras previstas no CPC sobre o pedido.

O pedido tem de ser em regra certo e determinado, nos termos do art. 286, caput, do CPC. Compete, pois, ao autor discriminar, na petio88

Correlao entre o pedido e a sentena, RePro, n. 83, p. 209.

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inicial, a pretenso quanto natureza do provimento jurisdicional, espcie, qualidade e quantidade do bem jurdico solicitado.89

O CPC, em seu art. 288, prev a possibilidade de o autor formular pedidos alternativos, quando, pela natureza ou da obrigao, o devedor puder cumprir a prestao de mais de um modo. Qualquer um dos pedidos satisfaz o autor, de forma que as prestaes so disjuntivas.

Permite o CPC, no art. 289, que o autor formule mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conhea do posterior, em no podendo acolher o anterior. Nos pedidos sucessivos -, a rigor h um pedido principal e um ou vrios subsidirios, os quais somente sero apreciados, caso o primeiro no seja acolhido.

O CPC estabelece, ainda, ser possvel a cumulao de pedidos, por meio da qual, em uma nica petio inicial, o autor formula mais de um pedido em face do mesmo ou diferentes rus.

Quando os pedidos so formulados simultaneamente em uma petio inicial, a rigor h cumulao de aes, com a identificao especfica dos elementos da demanda (partes, causa de pedir e pedido).89

Cf. Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, p. 103.

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A cumulao de pedidos pode ser simples ou sucessiva. Na primeira, a deciso sobre um pedido no tem o condo de afetar o outro, ao passo que, na segunda, o acolhimento de um pedido pressupe o do pedido anterior.90

Na cumulao de aes em face de um mesmo ru, o art. 292 do CPC exige a presena de certos requisitos: compatibilidade dos pedidos; competncia do juzo; e adequao do procedimento.

luz do princpio dispositivo, impe o CPC, no art. 293, que os pedidos sero interpretados restritivamente. No entanto, o prprio preceito legal admite pedido implcito, ao encerrar regra de que os juros esto compreendidos no pedido principal.

Ainda que a sentena seja omissa, lcita a incluso de juros moratrios, quando da liquidao ou execuo do crdito. Nesse sentido, o contedo da smula 254 do STF, segundo a qu