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Governo do Estado da Bahia César Borges Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia Luiz Carreira Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia Cesar Vaz de Carvalho Júnior BAHIA ANÁLISE & DADOS é uma publi- cação trimestral da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEI, autarquia vinculada à Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia da Ba- hia. Divulga a produção regular dos téc- nicos da SEI e de colaboradores externos. As opiniões emitidas nos textos assinados são de total responsabilidade dos autores. Conselho Editorial Cesar Vaz de Carvalho Júnior Paulo Hermida Gonzalez Edmundo Figueroa Ângela Franco Carlota Gottschall Conceição Cunha Renata Proserpio Coordenação Editorial Carlota Gottschall José Sérgio Gabrielli de Azevêdo Ubiratan Castro de Araújo Normalização Gerência de Documentação e Biblioteca GEBI Editoração Designers Associados Tiragem: 1.000 exemplares Av. Luiz Viana Filho, 435, 4ª Avenida CEP: 41.750-300 Salvador - Bahia Fone: (0** 71) 370-4823/370-4704 Fax: (0** 71) 371-1853 http://www.sei.ba.gov.br e-mail: [email protected] Bahia Análise e Dados, v.1 (1991- ) Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2000. Trimestral ISSN 0103 8117 CDD 338.91 CDU 338.984 CEPO: 0110

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Page 1: Governo do Estado da Bahia - SEI - PrincipalO artigo de Passos Cunha chama a atenção para a interpretação que os dirigentes da Bahia de-ram às “causas da decadência” e para

Governo do Estado da BahiaCésar Borges

Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia

Luiz Carreira

Superintendência de EstudosEconômicos e Sociais da Bahia

Cesar Vaz de Carvalho Júnior

BAHIA ANÁLISE & DADOS é uma publi-cação trimestral da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEI, autarquia vinculada à Secretaria do Planejamento Ciência e Tecnologia da Ba-hia. Divulga a produção regular dos téc-nicos da SEI e de colaboradores externos. As opiniões emitidas nos textos assinados são de total responsabilidade dos autores.

Conselho EditorialCesar Vaz de Carvalho Júnior

Paulo Hermida GonzalezEdmundo Figueroa

Ângela FrancoCarlota GottschallConceição CunhaRenata Proserpio

Coordenação EditorialCarlota Gottschall

José Sérgio Gabrielli de AzevêdoUbiratan Castro de Araújo

NormalizaçãoGerência de Documentação

e Biblioteca GEBI

EditoraçãoDesigners Associados

Tiragem: 1.000 exemplares

Av. Luiz Viana Filho, 435, 4ª Avenida CEP: 41.750-300 Salvador - Bahia Fone: (0** 71) 370-4823/370-4704

Fax: (0** 71) 371-1853

http://www.sei.ba.gov.bre-mail: [email protected]

Bahia Análise e Dados, v.1 (1991- ) Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2000.

TrimestralISSN 0103 8117 CDD 338.91 CDU 338.984

CEPO: 0110

Page 2: Governo do Estado da Bahia - SEI - PrincipalO artigo de Passos Cunha chama a atenção para a interpretação que os dirigentes da Bahia de-ram às “causas da decadência” e para

SUMÁRIOApresentação

Introdução

Sociedade escravista e mercado de trabalho: Salvador, 1850 – 1868......................... 12

Kátia M. de Queirós Mattoso

Resolve-me ou te devoro! Uma discussão sobre a falta de braços do

Recôncavo baiano.......................................................................................................... 21

Sílvio Humberto dos Passos Cunha

Mudanças na dinâmica demográfica de Salvador e sua Região Metropolitana

na segunda setade do século XX ................................................................................ 35

Ana Lúcia B. de Carvalho / Mário André Soares de Freitas / Paulo Campanário

Economia e mercado de trabalho na Bahia e RMS:

uma abordagem de longo prazo.................................................................................... 49

José Sérgio Gabrielli de Azevêdo

Passado e futuro dos serviços: o caso da RMS............................................................ 68

Paulo Henrique de Almeida

50 Anos da industrialização baiana: do enigma a uma dinâmica

exógena e espasmódica................................................................................................ 87.

Francisco Teixeira / Oswaldo Guerra

Fotografias da Bahia.......................................................................................................100

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APRESENTAÇÃO

A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da

Bahia - SEI, instituição vinculada à Secretaria de Planeja-

mento Ciência e Tecnologia da Bahia, apresenta, nas 39a e

40a edições da Bahia Análise e Dados, dois números especiais:

Leitura da Bahia I e II. Atendendo ao seu compromisso social de

produzir e divulgar informações sobre o Estado da Bahia, a SEI

promove um debate diversificado sobre os principais elementos que

hoje configuram a sociedade baiana e amplia aquele relativo a seu

passado, com a inclusão de estudos de cunho histórico. Emerge

destes textos um retrato polêmico da atualidade, com abordagens

temáticas que abrangem desde o perfil histórico que contribuiu para

dar forma ao mercado de trabalho na RMS, passando pela

conformação de uma territorialidade espacial, cultural e demográfica,

até o traçado dos caminhos que estabeleceram os marcos setoriais

que balizam a economia estadual neste final de século.

Os artigos publicados nesta edição — Leituras da Bahia I e II —

constituem-se, desse modo, não somente em instrumentos de

consulta e referência mais imediata, de efetiva importância para o

planejamento governamental, como também em fontes de reflexão,

que, esperamos, possam nutrir novos estudos com vistas a

responder sempre mais precisas e operantes às questões postas

pela nossa realidade em face aos desafios da atualidade global,

ágil, informatizada, perpassada por fluxos, imagens, mas ainda

comportando instâncias que exigem soluções locais e cotidianas.

Para a realização destes números especiais foram convidados

alguns dos principais pensadores da nossa sociedade. Cumpre-nos

expressar-lhes aqui o nosso agradecimento, sobretudo à

historiadora Kátia Mattoso, que nos autorizou a publicação do seu

artigo ‘Sociedade Escravista e Mercado de Trabalho: Salvador,

1850 – 1868’. Cabe-nos também agradecer as instituições que nos

concederam direito de uso das fotos que ilustram as publicações.

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INTRODUÇÃO

P ode parecer estranho, na metade do últimoano do século XX, a investigação sobre oque acontecia na economia baiana no sé-

culo XIX. Poderia ser mais interessante prospectarsobre o que será a economia da Bahia no próximoséculo XXI, a começar no ano seguinte a este2000. Poderia parecer estranho, se fosse possívelprojetar o futuro da economia sem levar em conta oque já aconteceu no passado. Na Economia, comonas Ciências Sociais, os exercícios de futurologiadevem incorporar quebras com padrões anteriores,mas não podem ser totalmente desvinculados doque ocorreu na formação do presente.

Por outro lado, fenômenos recorrentes e situa-ções semelhantes iluminam as rotas do futuro, per-mitindo a antecipação de alguns resultados ou aproblematização de certos caminhos. Nos últimoscem anos, alguns temas se renovam e outros per-manecem na economia baiana. Seu crescimentorelativamente ao brasileiro, sua enorme concentra-ção de renda, suas fases de estagnação e as ra-zões para seus “enigmas”. Nos últimos cem anos,as formas dessas questões se modificaram, masmuito da sua essência permanece. Blocos de in-vestimento impactam concentradamente a econo-mia, que reage localizadamente, sem espalhar osmecanismos de sua dinamização. O governo temum papel fundamental nestes espasmos de cresci-mento, em associação com capitais exógenos. Fin-dos os incentivos, nova fase de estagnação sesegue e novas buscas de apoio governamental sãoimplementadas.

A relação Estado, crescimento econômico e se-tor privado, na Bahia, vem sendo problemática des-de os tempos da primeira capitania, retomada pela

Coroa Portuguesa por incapacidade do donatáriode tocar os negócios por aqui, onde deveria se ins-talar o primeiro Governo-Geral do novo país. Issoocorreu lá pelo início dos anos 1500.

A História, no entanto, deve apenas iluminar ofuturo, que é construído por decisões no presente.A repetição de resultados semelhantes em situa-ções conjunturais distintas pode indicar algumatendência estrutural de ajuste dessa economia par-ticular, sugerindo alternativas de caminhos para asdecisões tomadas.

Neste volume da Bahia Análise e Dados sãoapresentados vários artigos, com uma visão de lon-go prazo, que procuram lançar algumas luzes so-bre as tendências mais permanentes dos agenteseconômicos que se movem em conjunturas de cur-to prazo, dentro de estruturas constituídas no longoprazo e que impõem limites para os ciclos conjuntu-rais. Mattoso, combinando os detalhes com a totali-dade, como só os historiadores sabem fazer, des-creve o que teria sido o funcionamento do mercadode trabalho em Salvador durante os últimos anosda escravidão, explicitando as diferenças entre ostrabalhadores livres e escravos, mas que realiza-vam atividades semelhantes.

Passos Cunha segue avaliando as mudançasno mercado de trabalho na transição do trabalhoescravo para o assalariado e identificando as per-cepções das causas da crise baiana. Teixeira eGuerra mostram os espasmos dos investimentosindustriais nos últimos cinqüenta anos, ao passoque Almeida busca enfatizar a importância da dinâ-mica do setor serviços como empregador e estrutu-rador da nova economia da RMS, nos finais doséculo XX. Campanário, Carvalho e Freitas de-

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monstram a reversão demográfica de Salvador esua Região Metropolitana nos anos 90, saindo-sede uma situação de altas taxas de crescimento po-pulacional, tanto vegetativo como por migração,para uma outra, de envelhecimento crescente dapopulação e de baixas taxas migratórias. Finalmen-te, Gabrielli de Azevedo busca identificar as dife-renças dos movimentos dos principais indicadoresdo mercado de trabalho entre as principais regiõesmetropolitanas do País, constatando o pouco dina-mismo da geração de postos de trabalho em Salva-dor, o que também reflete a enorme estabilidade daprodução baiana em relação à brasileira. Apesardas políticas de incentivos, os momentos de cresci-mento são fugazes.

Mattoso destaca que, em meados do séculopassado, a economia de Salvador e do Recôncavo,fundamentalmente dependentes da lavoura açuca-reira, apresentava um mercado de trabalho em quecompetiam trabalhadores livres e escravos, emmuitas ocupações. Intensiva em trabalho, a culturada cana-de-açúcar sustentava-se no trabalho es-cravo, porém, nas etapas de comercialização e nasáreas urbanas que se constituíam, os trabalhado-res livres concorriam com os escravos na presta-ção de serviços. Em Salvador os escravos corres-pondiam a cerca de 15% da população, de acordocom o Censo de 1782, chegando a 12% no Censode 1872; dessa forma a população livre era majori-tária e poderia constituir-se em mão-de-obra assa-lariada. Os serviços e a construção civil, pública eresidencial, eram as principais fontes de postos detrabalho, ainda que, segundo Mattoso, não se co-nheçam adequadamente as relações entre patrõese empregados nestas atividades, organizadas emtorno de mestres e aprendizes.

No interior e nas áreas de expansão do cacau edo fumo, a produção familiar predominava, eramcomuns os processos de ocupação de terras devo-lutas e os sistemas de meação em áreas de con-centração da propriedade. A figura dos “agregadosrurais”, como famílias dependentes da ação dos

proprietários de terras, semelhantes aos agrega-dos urbanos das famílias abastadas, aumenta suapresença, sendo a principal ocupação dos “pobres”da época — escravos libertos, imigrantes inadapta-dos e brancos sem propriedade.

Na cidade, o trabalho doméstico e os “ganhado-res” — escravos e ex-escravos disponibilizadospara serviços eventuais — criam um mercado detrabalho em que a presença dos escravos inibe aelevação dos rendimentos e desloca as relaçõesde negociação entre os demandantes dos serviçose os ofertantes. Negociações entre pessoas livres eaquelas que envolvem o escravo ocorrem de manei-ra distinta, reservando para este as piores condiçõese os mais baixos rendimentos, além de proibir-lhe aentrada em certos segmentos ocupacionais. Daí re-sulta o aprofundamento das diferenciações econô-micas entre brancos e negros, também com baseem dimensões raciais.

Apesar disso, nas ocupações em que concor-rem trabalhadores livres e escravos, como nas depedreiros e carpinteiros, os salários não eram mui-to distintos. A diferença era que o trabalho do es-cravo era acertado pelo seu proprietário com odemandante do serviço. Porém a segregação queocorre é principalmente ocupacional, uma vez quea concorrência é muito maior nos trabalhos despre-zados pelos homens livres, deslocando-se assim acompetição, que se intensifica entre os próprios es-cravos nessas ocupações.

No final do Império, a escravidão começava aser desmontada. A elite cafeeira do Centro-Sul re-solvia seus problemas de escassez de mão-de-obra com a imigração européia. A economia baianaestava também em crise. Mattoso enfatiza aindefinição das elites baianas em termos de estí-mulos à imigração européia ou de busca da mão-de-obra de origem chinesa, para suprir umadeclarada escassez de trabalhadores. Alguns con-sideravam esta uma das principais causas da crisede estagnação que veio a ser conhecida como o“enigma baiano”.

Page 6: Governo do Estado da Bahia - SEI - PrincipalO artigo de Passos Cunha chama a atenção para a interpretação que os dirigentes da Bahia de-ram às “causas da decadência” e para

O artigo de Passos Cunha chama a atençãopara a interpretação que os dirigentes da Bahia de-ram às “causas da decadência” e para as formasde combatê-las. Foi formada uma Comissão Exter-na pelo Senado baiano, em 1891, que consideravaque havia uma crise de escassez de oferta de tra-balho na lavoura da cana, que se estruturava emtorno do trabalho escravo. O fim da escravidão le-vava à falta de “braços” e o governo era identifica-do como o principal responsável pela crise, por nãoter adotado mecanismos de compensação para asperdas dos senhores de escravos.

Passos Cunha demonstra que estes argumen-tos não eram inteiramente verdadeiros. Havia umaabundância de ex-escravos disponíveis só queeles resistiam às condições de trabalho dos temposescravistas e não se adaptavam à lógica do “viverpara trabalhar”, preferindo “trabalhar para viver”.Os ex-escravos desenvolveram muitas atividadesde conta-própria e subsistência, por exemplo, nobaixo sul da Bahia, e pressionavam para ocupar asterras devolutas da área do cacau. Para as elitesbaianas esta atitude era tomada como uma “prefe-rência pelo ócio”, enquanto em relação aos euro-peus migrantes, que também não se adaptavam àscondições de trabalho então vigentes, a resistênciaao assalariamento e a preferência pelas atividadesde conta-própria eram vistos como “desejo de al-cançar fortuna”. Mattoso cita o caso de um rico se-nhor de engenho do Recôncavo, que trouxeimigrantes portugueses por sua conta e custo. Es-tes, aqui chegando deixaram a fazenda para torna-rem-se pequenos comerciantes e artesãos, damesma forma que outros ex-escravos. Passos Cu-nha identifica claramente as raízes racistas destadiferenciação de tratamento.

Ele chama a atenção para o deslocamentotemático da questão para a subjetividade do traba-lhador. A causa da resistência ao trabalho, à época,poderia ser uma oposição ao tipo de propriedadepreservado — a grande propriedade ex-escravista —quando, após o fim da escravidão, a economia baia-

na poderia ter caminhado para um outro sistema combase em menores propriedades e com maior diversifi-cação produtiva. A manutenção da grande proprie-dade, com as condições de trabalho extremamenteprecárias, servia para garantir o excedente concen-trado nas mãos dos proprietários, mas não incorpo-rava nem os recém-libertos, nem os imigrantes e amaioria dos trabalhadores livres.

A Comissão de Notáveis do Senado baiano de1891 explicava o “enigma” da inibição do cresci-mento da Bahia referindo a “falta de braços”, ainadequação tecnológica dos produtores locais e afalta de ação do governo. Como frente à esfinge, acomissão concluía seu relatório sobre o “enigmabaiano” com a frase: “decifra-me ou devoro-te”.

Passos Cunha problematiza a opção pelo “de-voro-te”. A alternativa pela grande propriedade ex-escravista e fundada em trabalho assalariado/parceirista em condições quase-escravas implica-va claramente a exclusão da maioria da populaçãonegra, assim como dificultava a absorção dosmigrantes europeus que aqui chegavam e se cons-tituíam como “pobres” urbanos.

Apesar dos enormes incentivos como isençãode impostos, financiamento de engenhos e usi-nas, construção de estradas de ferro e outras for-mas de intervenção direta do governo, durantetoda a Primeira República, em apoio à produçãode cana-de-açúcar, a economia do Recôncavonão se dinamiza.

Os primeiros cinqüenta anos do século XX sãoassim de estagnação do crescimento regional, coma consolidação do cultivo do cacau como principalproduto de exportação e organizador das ativida-des econômicas locais. Esta situação só vai modifi-car-se na década de 50.

Teixeira e Guerra, analisando a produção indus-trial na segunda metade do século XX, destacam ocaráter espasmódico dos investimentos, neste setor,em blocos concentrados no tempo, espacial esetorialmente. Chamam a atenção para a origemexógena destes movimentos e seu pequeno efeito-

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para-traz na economia, não criando uma dinâmicaendógena de encadeamentos intersetoriais que fos-se capaz de alimentar situações de sustentabilidadeinterna para o crescimento.

Nos anos 50 e 60 os investimentos da Petrobrase os incentivos para o Centro Industrial de Aratutrouxeram ondas de otimismo, em uma economiaainda fortemente dependente do comércio externo,especialmente das exportações de cacau. O co-mércio interno tinha seu desenvolvimento limitadopela alta concentração de renda. A onda de otimis-mo materializou-se em um conjunto de investimen-tos em projetos fundamentalmente voltados para aprodução de bens intermediários, em uma série deestabelecimentos industriais com altas taxas deturnover, refletindo o caráter rentista de muitos des-tes investimentos, que se aproveitaram do sistemade incentivos governamentais e das obras de infra-estrutura e que, depois, com a redução dos incenti-vos, desativaram os seus negócios.

Os anos 70 e 80 testemunharam a consolidaçãodo Pólo Petroquímico de Camaçari, também forte-mente dependente de incentivos e infra-estruturapública. As tentativas de expansão da metalurgiado cobre e do setor de papel e celulose, da mesmaforma, não criaram encadeamentos intersetoriaiscapazes de densificar a matriz industrial do Estado,apesar de terem impactos sobre o volume do PIBbaiano.

Teixeira e Guerra mostram que, ao longo de maisde 40 anos de política de incentivos, a indústria naBahia continua flutuando com os ciclos nacionais nasua produção, que é destinada ao consumo interme-diário, e que seus investimentos continuam sendoespasmódicos, baseados em poucos e grandes pro-jetos, fortemente influenciados por políticas de in-centivos.

Esses autores, apesar de otimistas em relação àpossível alteração deste quadro, com mais um gran-de projeto — a Ford — no final do século XX, desta-cam o fato de que os principais efeitos do penúltimoespasmo investidor — o Pólo Petroquímico — sobre

a economia local ocorreram através da moderniza-ção do comércio, dos serviços e da construçãoresidencial.

São os serviços o foco da análise do artigo deAlmeida, que os enquadra em uma perspectiva defuturo. Ele desconstrói a imagem da indústria comosetor empregador, destacando as especificidadesdo setor de serviços e sua importância na geraçãode emprego. Abandona a idéia de que a ocupaçãono setor serviços seria uma espécie de “colchãoamortecedor” para os ciclos e enfatiza o caráter es-trutural de sua expansão e seu papel estratégicona absorção de trabalhadores, tanto em paísesmais capitalizados, como em sociedades menosdesenvolvidas.

Almeida analisa os dados da década de 90 paraa RMS, revelando particularidades do crescimentoda ocupação neste setor, que absorve mais de trêsquartos dos ocupados. Ele chama a atenção para anecessidade de políticas econômicas que procu-rem ter uma visão menos passiva do setor de servi-ços e busquem estimulá-lo, tanto em seu potencialempregador como no seu papel estruturante emuma economia moderna, atraente para novos in-vestimentos.

Serviços sociais — saúde e educação — e servi-ços de consumo intermediário já apresentam extra-ordinário dinamismo nos anos 90 e deverãoconstituir-se em setores-chave em qualquer políticaque tenha a redução do desemprego como objetivo.

Campanário, Carvalho e Freitas fazem um exer-cício de simulação com dados demográficos ajus-tados por coortes geracionais para demonstrar asmudanças da dinâmica populacional da RMS nosúltimos cinqüenta anos. Constatam a explosão de-mográfica dos anos 1960 e 1970, com seus desdo-bramentos nos 1980, através do aumento da taxade fecundidade, da pequena queda da taxa demortalidade e dos saldos migratórios líquidos posi-tivos significativos.

Os autores destacam a completa reversão des-sas tendências, nos anos 90, com uma enorme re-

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dução das taxas de fecundidade e mortalidade, fe-nômenos irreversíveis no curto e médio prazo, quelevam a um envelhecimento rápido da população etêm grandes implicações para as políticas públicasalém de exercerem pressão sobre o mercado detrabalho.

Campanário, Carvalho e Freitas também identi-ficam o grande arrefecimento dos movimentos mi-gratórios em direção à RMS e até o fenômeno dotransbordamento populacional de Salvador para osmunicípios da periferia da RMS. Esta redução damigração, que era predominantemente constituídade jovens, está diretamente relacionada com as al-tas taxas de desemprego nesta faixa etária da po-pulação, que inibe os elementos atrativos dametropolização, levando as populações a se deslo-carem para outros destinos, em centros urbanosintermediários no Estado e fora dele.

Gabrielli de Azevedo comprova a perda de im-portância da pressão da oferta de trabalho na expli-cação das altas taxas de desemprego da RMS.Com a reversão da explosão demográfica dos1960-1980, os anos 1990 assistem a um aumentoda inatividade, do desemprego, e ao pouco dina-mismo na geração de postos de trabalho. Os ciclosdo mercado de trabalho refletem inflexões da políti-ca macroeconômica, porém os movimentos relati-

vos da RMS são distintos em relação aos de outrasregiões metropolitanas brasileiras. As diferençaspodem ser encontradas nos elementos estruturaisque condicionam a atividade econômica com altaconcentração de renda e pouca geração de cresci-mento endógeno.

O autor começa constatando que, de 1939 a1999, a participação relativa da Bahia na produçãonacional se manteve praticamente estável, apesardas distintas políticas de incentivos adotadas.Constata também que a melhor posição relativa doEstado ocorreu em momentos de crise brasileira,associadas à maturação de um ciclo prévio de in-vestimentos. A ação do governo tem sido o fatordeterminante da dinâmica do mercado de trabalhometropolitano, porém a estrutura da ocupação per-siste fortemente dependente do setor de serviços edos setores mais tradicionais da indústria, além doemprego na administração pública. Aliás como,mutatis mutandis, ocorria em meados do séculopassado.

José Sérgio Gabrielli de Azevedo

Professor Titular da Faculdade de Ciências EconômicasUniversidade Federal da Bahia

E-mail: [email protected]

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12 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.12-20 Julho 2000

Sociedade escravista

e mercado de trabalho:

Salvador - Bahia, 1850 - 1868(I)

Katia M. de Queirós Mattoso*

Só recentemente as relações de trabalhodos séculos passados começaram a despertar o interesse dos historiadores brasilei-

ros; quando eles falam de mão-de-obra, trata-se doseu potencial na oferta interna relativamente àsunidades produtivas do mercado de exportação.1

Sabemos que os produtores de açúcar queixavam-se amargamente da falta de mão-de-obra no perío-do subsequente ao fim do tráfico. Mas o governoprovincial, tal como os produtores de açúcar, nãofoi capaz de tomar decisões a respeito dos diferen-tes projetos que ora sugerem a introdução, na Bahia,de uma mão-de-obra chinesa, ora a de imigranteseuropeus. As poucas experiências com estes últi-mos revelaram-se verdadeiros fiascos.2 Complexo,o problema da mão-de-obra é, além de tudo, cheiode ambigüidades.

Mas quando se fala, aqui, de lavoura, trata-sesempre da cultura açucareira, as outras lavourasnão existiam. Certamente essa preocupação é jus-tificada: a cana de açúcar, por sua natureza e di-mensões, exige um contingente de mão-de-obra defato maior que as outras culturas, como o tabaco ocafé e o cacau. Mas se o tabaco e o cacau são, àépoca, normalmente produzidos em escala famili-ar,3 a produção de café também poderia ter sido fei-ta em áreas de dimensões comparáveis às do cen-tro do Brasil.

Tabaco, café e cacau são assim produzidos emexplorações do tipo familiar, a rigor exigindo umamão-de-obra suplementar, mas que se mantém sa-zonal. Essa é recrutada no próprio local, pois exis-

te, nas regiões distanciadas do Recôncavo, umapopulação flutuante, livre, não-proprietária de ter-ras, que forma essa vasta categoria de “agregadosrurais”;4 são famílias inteiras que passam de umproprietário a outro, oferecendo seus serviços porum tempo geralmente indeterminado, em troca dagarantia de um pedaço de terra e alojamento. Es-ses trabalhadores agrícolas podem, em condiçõesótimas, produzir um certo excedente e vendê-lonas feiras locais. Por vezes, se a sorte lhes sorri,podem, depois de alguns anos de ocupação, tor-nar-se verdadeiros proprietários de terra inculta –terras devolutas – em regiões nas quais os títulosde propriedade não existem.5 Além disso, a fragili-dade da rede urbana, a escassez de oportunida-des nos povoados dispersos em um vasto territó-rio, a falta de transportes, fixam essa população.Somente as grandes catástrofes devidas a umaseca prolongada ou a chuvas diluvianas podemfazer essa população mover-se na direção do lito-ral. Mas esses deslocamentos são raros no séculoXIX. Quando acontecem, são de curta duração; osflagelados voltam sempre para casa uma vez ter-minada a crise.

As atividades agrícolas dispõem assim de umamão-de-obra abundante, porquanto os poderes pú-blicos consideram que, deslocada para o litoral, elapoderá servir à produção açucareira.

No Recôncavo, ou seja, no interior mais próxi-mo da Cidade do Salvador, seria muito diferente asituação? Tentemos, com dados quantificáveis, apre-sentar o problema. Em 1782, o conjunto da popula-

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.12-20 Julho 2000 13

ção é de 385. 599 pessoas: 14,8 % da populaçãomasculina e 13,5% da feminina são escravos.6 Apopulação livre é majoritária, logo, suscetível defornecer mão-de-obra. Essa afirmação é inteiramen-te teórica. É certo que não se conta com dados re-lativos ao contingente populacional dessa regiãoprodutora de açúcar, segundo a cor e a idade. En-tretanto, tais indicadores encontram-se disponíveisno caso do conjunto da população da província. Seaceitamos a hipótese, bem plausível, de que os da-dos concernentes ao conjunto dapopulação são válidos também parao Recôncavo, a população ativa daprovíncia representa (11 a 60 anos),em média, 65% da população mas-culina livre e 69% da populaçãoescrava. No caso das mulheres,64,5% são livres e 70%, escravas.Por outro lado, na população livremasculina e feminina, os negros eos mulatos – que se supõe perten-cerem às camadas menos favore-cidas dessa região – representam71,2% da população masculina e73,7% da feminina. Além disso, sóos homens e mulheres negros jácompreendiam, separadamente, omesmo percentual de 23,6% dapopulação livre do Recôncavo. Assim, haveria aíuma reserva de mão-de-obra que não era utilizadanas atividades açucareiras.

Essa análise é largamente corroborada pela do-cumentação qualitativa da época. Em 1857, o pre-sidente da província, João Vieira Lins Cansançãode Sinimbu, declarava à Assembléia Provincial:“Ninguém ignora que, nas plantações de açúcar ounas suas proximidades, existem indivíduos ou fa-mílias pobres que, não possuindo terras, aí moramde graça ou pagam um aluguel insignificante, se-gundo a boa vontade do proprietário”. E dizia queessas famílias pobres, mesmo quando, casualmen-te, eram proprietárias de um pedaço de terra, viam-se muitas vezes obrigadas a vendê-las a senhoresde engenho mais poderosos e a ir embora em se-guida.7 Desse modo, existe uma mão-de-obra po-tencial, mas, para os senhores de engenho, empre-gá-la significava pagar salários. Na prática da época,um salário era constituído por uma soma em di-

nheiro, mas supunha também alimentar o trabalha-dor, o que aumentava consideravelmente as des-pesas, sobretudo em um período de insegurançana comercialização do produto. A solução foi recor-rer à meação das terras cultiváveis, sabendo-seque as plantações ocupavam menos de 10% des-sas. As terras, entretanto, constituíam-se em reser-vas, pois, logo que a produtividade da área cultiva-da diminuía, deslocavam-se as culturas. Por outrolado, a idéia de ver a plantação rodeada por um

maior ou menor número de peque-nos agricultores, não agradavamuito aos senhores de engenho,que tinham medo da concorrência.Medo tornado patente, quando sediscutia a eventual introdução deimigrantes europeus.

A produção só era vista no qua-dro de uma relação de trabalho es-cravista. A aversão do baiano pelotrabalho agrícola e sobretudo peloda cana de açúcar, deve-se muitoa esse tipo de relação. Assalaria-do ou meeiro, o agricultor, mesmose apenas longinquamente des-cendente de escravos, à força deestar lado a lado com estes aocumprir sua tarefa diária, sentia-se

escravizado uma segunda vez. Assim, as pessoaspreferiam a miséria a submeter-se a um patrão dementalidade escravista.

Ignoramos o montante dos salários dos traba-lhadores agrícolas, mas, antes da abolição, ne-nhum senhor de engenho parece ter recorrido àmão-de-obra assalariada. No conjunto da Provín-cia, na zona rural, o trabalho livre coexiste com otrabalho escravo, mas essa coexistência não ésempre simultânea: no Recôncavo predomina o es-cravismo, enquanto nas terras do sertão baiano asrelações estabelecem-se diversamente, mesmo emse tratando de economias pouco monetarizadas eem que as relações de trabalho sofrem grandespressões por parte dos pequenos chefes locais.

Na cidade, em Salvador, trata-se de um merca-do não-produtivo no sentido de que só a economiaagrícola domina a região e de que a indústria aindaencontra-se em estado nascente. Entretanto, mes-mo se o setor secundário é, de fato, pouco desen-

A produção só era vistano quadro de uma relação

de trabalho escravista.Assalariado ou meeiro,o agricultor, mesmo seapenas longinquamente

descendente de escravos,à força de estar lado a

lado com estes aocumprir sua tarefa diária,

sentia-se escravizadouma segunda vez. Assim,

as pessoas preferiama miséria a submeter-se

a um patrão dementalidade escravista.

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volvido do ponto de vista industrial, ele o é bastanteem uma área por demais esquecida, a da constru-ção – pública ou privada – que conheceu, na Salva-dor do século XIX, um impulso não-negligenciável.Além disso, Salvador é uma cidade essencialmentecomercial, especializada no comércio de exporta-ção e importação e na redistribuição regional dasmercadorias. Aí oferecem-se todos os serviços quese pode encontrar em uma capital administrativa –esse mercado de trabalho tem sua estrutura e seusmecanismos.

Como no campo, mas de umamaneira muito mais acentuada,existe na cidade um mercado detrabalho para os livres brancos,mulatos, negros e alforriados, e umoutro, reservado unicamente aosescravos.

Inicialmente, imaginamos que omercado de oferta de mão-de-obraescrava em Salvador funcionariado mesmo modo que um outro no qual não haveriao trabalho servil. De fato, aparentemente, livres eescravos oferecem igualmente sua força de traba-lho, seja individual, seja coletivamente. Eles nego-ciam contratos e são remunerados da mesma for-ma. Quase sempre trata-se, evidentemente, decontratos não-escritos, pois é somente no caso detrabalhos de importância ou de longas contrata-ções de serviços que se podem encontrar atos de-vidamente registrados nos cartórios ou em outrasinstâncias com essa atribuição. A diferença funda-mental entre o trabalho livre e o trabalho escravoreside no fato de que os escravos são obrigados aentregar a seus proprietários uma parte substancialdos seus ganhos.

Na realidade, as coisas não são tão simples. Sea concorrência dá-se entre um grupo de cavalhei-ros livres e um dono de escravos que os aluga,este último pode facilmente entender-se direta-mente com o empregador (convento, hospital, ad-ministração ou mesmo simples particular) em detri-mento de trabalhadores livres isolados ou dosescravos recentemente libertados. Ainda mais que,desde que se trate de trabalhos de uma certa en-vergadura, o proprietário de escravos pode ser, aomesmo tempo, um mestre-de-obras, mestre-mar-ceneiro, mestre-tanoeiro, etc. Por outro lado, al-

guns ofícios são proibidos aos escravos e, por ex-tensão, aos alforriados. São eles:

• Todas as funções administrativas ou públicas,mesmo as mais humildes, como as de policial ousoldado, embora tenha havido transgressões aesse princípio quando das guerras do Paraguai eda Independência da Bahia. Nesse caso, o serviçono Exército conduzia diretamente à alforria.

Em algumas épocas, e segundo a conjuntura,alguns ofícios também vão ser proibidos à mão-de-

obra escrava: em 1850, por exem-plo, é proibido a todos os brasileirosnão-livres e a todos os estrangei-ros possuir um saveiro, embarca-ção utilizada para a cabotagem,em que navegavam tanto marinhei-ros livres como escravos. Para tor-nar esse ofício realmente onerosoaos que contratassem mão-de-obraescrava, as autoridades provinci-ais impõem uma taxa de 100.000

reis anuais por escravo embarcado, o que repre-senta, na melhor das hipóteses, 10% do valor deum escravo, cujo aluguel renderia a seu dono cercade 360.000 reis por ano.

• Dessa forma, em 1861 os estivadores do portode Salvador levam ao presidente da Província seuprotesto contra o número crescente de escravosque entram na profissão. Esse setor vai, daí em di-ante, ser inteiramente reservado aos trabalhadoreslivres.8

Com efeito, ao longo do século as mudançasdão-se em um ritmo bastante lento.

O parco desenvolvimento do setor secundárioindustrial impede o mercado de absorver numerososassalariados, livres ou escravos, sobretudo consi-derando que as atividades industriais se reduzem aalgumas manufaturas têxteis e a umas poucas fá-bricas.

Nas manufaturas têxteis, o número de trabalha-dores é reduzido: emprega 478 pessoas entre1875-1876. Salvador possui manufaturas de taba-co nas quais se preparam rapé, cigarros e charu-tos; fábricas de calçados, de biscoitos, de espe-lhos, de móveis. Conta também com pequenasfundições de ferro e bronze, destilarias de álcool eprensas de óleo. Também fabricam-se pregos, an-zóis, velas, açúcar, sabões, chocolate, cerveja e

A diferença fundamentalentre o trabalho livree o trabalho escravoreside no fato de que

os escravos sãoobrigados a entregara seus proprietários

uma parte substancialdos seus ganhos.

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roupas, e fazem-se mesmo luvas, fósforos, massasalimentares; serra-se a madeira, esmalta-se, etc.9

Mas nós não temos nenhuma informação sobre onúmero de trabalhadores ocupados em todas es-sas atividades. Além disso, é provável que essegênero de indústria de transformação se tenha de-senvolvido e multiplicado com o aumento da popu-lação da cidade, sobretudo a partir da segundametade do século XIX. O Almanaque de 1860 for-nece a lista de 98 estabelecimentos. Admitindo-sea hipótese de que cada um dessesempregava, em média, 20 traba-lhadores, chega-se ao contingentede 1.920 pessoas nessas ativida-des, número ao qual é preciso so-mar umas mil pessoas trabalhandonos trapiches do tabaco. Desco-nhece-se a quantidade desse tipode empreendimento e de trabalha-dores empregados. Esses núme-ros, apresentados como hipótese,perfazem um total de 3.500 pesso-as. Finalmente, é bem claro que o número restritode atividades de tipo industrial oferece poucas pos-sibilidades de emprego.

A construção, tanto no setor público como noprivado, oferece não poucos empregos aos habi-tantes de Salvador. É sobretudo na segunda meta-de do século XIX que os poderes públicos empre-endem uma grande quantidade de trabalhos derecuperação.10 Mas a julgar pelas constantes recla-mações da população, parece que as ofertas deemprego na construção civil nunca satisfazem ademanda, principalmente a da população livre deSalvador, que enfrenta, nesse setor, a concorrênciada mão-de-obra escrava. Esta é respaldada pelosdonos de escravos, que lhes facilitam o acesso aomercado de trabalho, uma vez que, freqüentemente,exploram pequenas empresas ligadas à constru-ção. No Almanaque de 1860 figuram 47 mestres-artesãos. Trata-se, sem dúvida, dos mais importantes.Segundo os inventários, cada artesão possuiria en-tre cinco e dez escravos. Assim, para o conjuntodos ofícios relativos à construção, os mestres-arte-sãos citados no Almanaque teriam contado comuma mão-de-obra cativa de 235 a 470 escravos ar-tesãos. Número, em verdade, modesto, mas sufici-ente para influenciar a demanda de emprego nes-

sas áreas. O arsenal da Marinha, que emprega,até os anos 1830, uma numerosa mão-de-obra deartesãos livres – cerca de 300 pessoas – perdemuita da sua importância em 1860, empregandoapenas 11 oficiais-artesãos nos postos de chefia;entretanto, ignoramos o número de simples arte-sãos de que ainda dispunha.11 A decadência dessaconstrução naval, antes tão importante, secou umaboa fonte de empregos, sobretudo considerando-se que eram sempre artesãos livres os que traba-

lhavam nesses serviços.Dois quintos dos artesãos da

cidade exerciam atividades ligadasà construção civil ou naval e viviamdispersos em todas as suas paró-quias. Sabemos, além disso, que aaprendizagem de todos esses ofí-cios não era regulamentada, reali-zando-se, na prática, ao trabalharo aprendiz com um mestre. Na ver-dade, o que distingue o mestre dotrabalhador são os anos de expe-

riência, o dinheiro que ele pôde reservar para insta-lar-se e, sobretudo, o consenso popular, que nãohesita em chamar de “mestre” ao artesão de fatoexperiente, mesmo se ele ainda é escravo.12

Qual seria o número de artesãos em Salvadorem meados do século XIX? Nas listas eleitorais,encontram-se 2.597 artesãos entre as 6.929 pes-soas recenseadas, o que representa 37,4% doconjunto de votantes de nove das dez paróquias dacidade. Os ofícios em que se nota o maior númerode artesãos são os de alfaiate, carpinteiro, sapatei-ro, pedreiro e marceneiro. Entretanto, não temos onúmero de escravos artesãos.

Resta o setor terciário. Em uma cidade da im-portância administrativa de Salvador, os empregosligados à função pública e os postos nas adminis-trações privadas, já numerosos no início do século,vão se multiplicar.13 Mas para entrar nessas admi-nistrações é preciso um mínimo de instrução. Emais, é preciso ser livre.

A mão-de-obra livre compõe-se de brancos,mulatos e negros. A menos que estejam numacompleta miséria moral e espiritual, geralmente osbrancos têm a possibilidade de aproveitar as me-lhores colocações. Por outro lado, são mais instruí-dos e entram mais facilmente na função pública,

A mão-de-obra livrecompõe-se de brancos,

mulatos e negros.A menos que estejam

numa completa misériamoral e espiritual,

geralmente os brancostêm a possibilidade deaproveitar as melhores

colocações.

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desde que, evidentemente, sejam brasileiros. Elesnão encontram problemas para estabelecer-se nosnegócios, bancos, comércio, nas companhias, nasinstituições de caridade. Entretanto, são tambémnumerosos os brancos que exercem um ofício deartesão – pedreiros, pintores, talhadores, tapecei-ros, latoeiros, seleiros, etc. É entre estes que se re-crutam os contra-mestres e feitores. São tambémos brancos que, em geral, exercem certos ofícios ti-dos como “nobres”, como relojoeiro e ourives. E ésobretudo entre os proprietários(termo também usado no caso dosgrandes proprietários de imóveis,muitas vezes antigos comerciantesafastados dos negócios e senhoresde engenho), entre os grandes ne-gociantes, os profissionais liberais,os altos funcionários e os militaresde alta patente que se encontra amaior parte dos brancos.

Quanto às mulheres, geralmen-te as que pertencem à burguesianão trabalham. Assim, as que seencontram no setor comercial ouna direção de uma exploração agrí-cola são uma minoria. É especial-mente a viuvez e a falta de descendência masculi-na ou a existência desta, mas de menoridade, queleva as mulheres a dirigir um negócio ou uma fa-zenda. Essas mulheres administram sozinhas osseus negócios? É possível encontrar todos os tiposde arranjo, do gerenciamento pela própria mulher àdelegação do encargo, passando, evidentemente,por estruturas em que a mulher procura orientaçãoem um parente ou um padrinho que é, também, tu-tor dos filhos menores, caso existam. A imagem deuma mulher reclusa, unicamente ocupada com astarefas domésticas, deve ser nuançada, mesmo seela é a mais freqüente. Antes do fim do século XIXjá há mulheres diplomadas em medicina. Se a mai-or parte continua no lar, outras já podem ser profes-soras, desde 1830, diretoras de casas de Recolhi-mento, enfermeiras de instituições hospitalares oude caridade. Seu número é reduzido, mas essesofícios levam as mulheres brancas a sair da intimi-dade exclusivamente familiar.

As mulheres que ficam em casa são mais nu-merosas. Quando pertencem às classes médias,

ajudam, em caso de necessidade, a equilibrar o or-çamento doméstico, fazendo bordados e costurasou preparando alimentos, geralmente doces, quesão vendidos nas ruas por escravas “ganhadeiras”.Evidentemente, mulheres negras e mulatas tambémrealizam esses trabalhos artesanais, mas podemainda ser lavadeiras, engomadeiras e passadeiras.À exceção das professoras, diretoras e subdireto-ras de casas de repouso e de Recolhimento, enfer-meiras de instituições hospitalares ou de caridade,

que recebem um salário mensal,todas as outras mulheres que tra-balham são remuneradas por tare-fa. Dessa forma, é difícil falar deum verdadeiro trabalho assalaria-do no caso das mulheres livres.

Sabemos pouco sobre as rela-ções entre assalariados e patrões,salvo no caso dos empregados docomércio; estes gozam de uma situ-ação economicamente desejável,uma vez que, além do seu salário,têm moradia e alimentação pro-porcionada pelo empregador. Masessa prática, que localizamos so-bretudo nas relações entre comerci-

antes portugueses e seus empregados, também por-tugueses, era generalizada entre os empregados docomércio? É provável que esse tipo de relação sóexistisse no caso de o empregado ser estrangeiro e,ainda, que cessasse na medida em que este empre-gado constituísse família. Vivendo sob a vigilânciacontínua do empregador, o empregado podia sentir-se escravo do seu patrão. É o que acontece, porexemplo, com o pobre Bartolomeu Podesta, chapelei-ro italiano, que se vê obrigado a oferecer seus bons eprimorosos serviços a seu compatriota, ÂngeloPoggio, por um período de cinco anos, recebendo400.000 réis por ano, a fim de pagar os 2.000 réis queeste último lhe havia emprestado na Europa, parasocorrê-lo e ajudá-lo a alimentar sua família, que ain-da se encontrava na Itália.14

Entre os trabalhadores livres encontram-se tam-bém negros e mulatos nascidos livres ou alforria-dos. Os livres de cor gozavam dos mesmos direitosque os livres brancos, enquanto os alforriados nãoeram considerados totalmente cidadãos: não podi-am participar, por exemplo, da vida pública e não

Entre os trabalhadoreslivres encontram-se

também negros e mulatosnascidos livres ou

alforriados. Os livres decor gozavam dos mesmos

direitos que os livresbrancos, enquanto osalforriados não eram

considerados totalmentecidadãos: não podiam

participar, por exemplo,da vida pública e não

tinham direito de votar.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.12-20 Julho 2000 17

tinham direito de votar. Mas livres ou alforriados,geralmente são eles que exercem os ofícios maishumildes. Ainda assim, alguns dentre eles, mais nu-merosos do que se pode pensar, são barbeiros, al-faiates, compositores, professores de música, de lín-guas estrangeiras (particularmente do francês) e deprimeiras letras, ou podem empregar-se em postossubalternos na administração, se nasceram livres. Éentre eles que se recrutam os estivadores, os mari-nheiros, os pescadores e os trabalhadores rurais edas obras públicas, pois o governo os prefere aosescravos.15 Mas esses trabalhadores livres não gos-tavam de exercer ofícios que os alinhavam com osescravos, como pode testemunhá-lo o relatório a se-guir, datado de 1849, escrito por um dos membrosda direção das Obras Públicas do governo provinci-al: “A Bahia, que possue uma numerosa população,contudo há dificuldade de conseguir-se todos osobreiros livres, geralmente há queixa nisto. Existem,Exmo. Sr., em meo poder mais de 60 pedidos paralugares de feitores, apontadores, mas ninguém paratrabalhar, há repugnância pelo trabalho”.16

É evidente que essa população livre prefere, senão consegue obter uma sinecura ou uma boa re-muneração com a atividade que exerce, consagrar-se aos pequenos serviços do comércio ambulante,para não sofrer as duras imposições de horário e detrabalho dos ofícios oferecidos na construção.

Mas é justamente em todas essas atividades li-gadas ao pequeno comércio que os trabalhadoresencontram a concorrência ativa dos escravos. Es-tes, pouco a pouco vêem-se proibidos de exercer al-gumas tarefas e são obrigados a procurar os servi-ços de rua. Eles são, além de disso, movidos poruma tal vontade de adquirir sua liberdade, que ne-nhum trabalho os desencoraja. Nem por isso é me-nos verdadeiro que os homens e mulheres livrestêm mais possibilidades de empregos lucrativos eseguros que a população escrava.

Por volta de 1870, o número de trabalhadoresescravos, homens e mulheres, é ainda significativo.O recenseamento de 1872 mostra, efetivamente,que 11,6% da população da cidade é constituídapor escravos, o número de escravos do sexo femi-nino praticamente igualando o número de escravoshomens. Dessa massa, provavelmente dois terçossão homens e mulheres em idade de trabalhar paraseus donos, seja como escravos domésticos, seja

no mercado de trabalho.17 Essa categoria é formadade negros africanos, negros nascidos no Brasil emulatos. Ao que parece, um grande número empre-gava-se para os serviços domésticos, uma vez quea consideração social fundava-se sobre a quantida-de de escravos que se possuía – o fato é que mes-mo homens ou mulheres considerados pobres pelaAssembléia Provincial possuíam alguns. Numero-sos são os que trabalham no mercado de Salvador,nos serviços mais vis e mais exaustivos fisicamente,como carregadores ou simples serventes, por exem-plo. Entretanto, entre os trabalhadores há numero-sos artesãos.18 É verdade que, à época, as qualifi-cações profissionais não têm nenhum rigor: nãopoucos são os escravos com múltiplas qualifica-ções; o barbeiro é flautista, o sapateiro é tambémalfaiate, o pedreiro é pintor, etc. A qualificação é, fi-nalmente, função do mercado. O que importa é arentabilidade do escravo para seu proprietário.

Por outro lado, é difícil distinguir entre escravos deganho, os que vão para as ruas mercar, e escravosdomésticos, pois seus proprietários utilizam seus ser-viços ou os alugam de acordo com suas necessida-des do momento: um mesmo escravo pode, muitobem, ser ganhador e doméstico ao mesmo tempo.19

É essa a razão porque os trabalhadores cativos deSalvador dividem-se em dois tipos de mercado. Há omercado de escravos freqüentado por todos aquelesque precisam da mão-de-obra servil por um longo pe-ríodo20 e, um outro, de locação de serviços de curta du-ração. Esses contratos de serviço são geralmenteorais, porém, quando de mais de um ano, é feito umcontrato em que são registrados preço, período do alu-guel, qualidade dos serviços previstos e obrigaçõesdas duas partes. Quase sempre aquele que aluga secompromete a fornecer casa, alimentação, roupas eremédios ao escravo. Por sua vez, o escravo devetrabalhar um determinado número de dias, obrigan-do-se a cobrir aqueles em que se encontre doente.Os contratos de aluguel chegam mesmo a prever com-pensações pecuniárias precisas, para os casos emque o escravo venha a fugir, ser preso ou morrer.21

Assim, os contratos são realizados entre o donodo escravo e aquele que tem necessidade dos ser-viços dessa mão-de-obra. Mas em alguns casos éo próprio trabalhador alugado que assina o contra-to com seu empregador. Trata-se de escravos queacabam de se tornar livres, tendo sua alforria sido

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paga pelo novo patrão. O dinheiro assim adiantadocria para o alforriado uma obrigação que, na reali-dade, o transforma em um trabalhador de um tipomuito particular, sendo, ao mesmo tempo, um as-salariado – o pagamento da sua dívida é, muitasvezes, baseado em um salário mensal, teórico, de12 a 20 mil réis, entre 1850-1859, e de 20 a 30 milréis entre 1860-1870 – e um não-assalariado, por-quanto não dispõe pessoalmente desse salário.

O salário de um pedreiro ou de um carpinteiro,entre 1850 e 1859, é, em média,de 1.200 réis para o primeiro e1.400 para o segundo. Esses salá-rios são os mesmos, trate-se de li-vres ou escravos. Para seis dias detrabalho por semana, pagam-se,mensalmente, 28.000 réis no casodo pedreiro e 33.600 no do carpin-teiro, salários bem superiores aos12 e 20 mil réis de salário mensalque “ganharia” o escravo alugandoseus serviços. O locador encarre-ga-se do sustento do escravo. En-tre 1850-1859, essa despesa nãopode, em nenhum caso, ultrapas-sar 250 réis por dia. Desse modo,o locatário ganha em todos os as-pectos, pois, além de tudo, não de-sembolsa uma alta quantia paracomprar o escravo. Por outro lado, essa fórmula étambém vantajosa para o escravo, que tem não so-mente assegurado o seu sustento, mas pode ain-da, ao abrigo de maiores preocupações – como asque o exporiam à concorrência de outros escravos,de alforriados ou de homens livres – chegar a obtersua liberdade, mesmo se pagando-a bem caro.

O fato é que todas as outras categorias, seja o es-cravo simples ganhador ou alugado, competem coma mão-de-obra livre. Competição amortecida entre-tanto, uma vez que, freqüentemente, só é mais inten-sa nas atividades desprezadas pelos homens livres.Esse mercado mantém, apesar de tudo, um caráterfortemente competitivo: o jogo da concorrência esta-belece-se então entre os próprios escravos. Isso severifica sobretudo no caso dos escravos de ganho,que trabalham longe da casa dos seus donos e sãoobrigados a lhes trazer, cotidiana, semanal ou men-salmente, uma certa porcentagem do que recebem.

Vejamos um exemplo: em 1857, o africano César,ganhador – “porque não tem outro ofício” – alugaseus serviços a José Maria de Souza Castro por4.000 réis por semana, até que sua dívida, de450.000 réis, seja saldada. Está também registradono contrato que César pode pagar uma soma superi-or aos 4.000 estipulados, o que permite supor que umganhador era capaz de ganhar mais que isso. Por ou-tro lado, César, que não recebe nenhuma vantagemmaterial de seu credor, é obrigado a pagar aos cofres

do Estado 5.000 réis por mês parapoder trabalhar no mercado de Sal-vador. Assim, a rapidez com que elequitará sua dívida vai depender uni-camente de sua capacidade de tra-balho. Na pior das hipóteses, podeser necessário um pouco mais dedois anos. Mas quanto tempo é pre-ciso que ele trabalhe para, ao mes-mo tempo, viver e pagar o quedeve? Seguramente, um poucomais do dobro.22

É preciso não esquecer que,muitas vezes, a mão-de-obra servilconcorre vitoriosamente com a livre,na medida em que é sempre maisfácil para os proprietários, desdeque assim o queiram, colocar, prote-ger, impor sua mão-de-obra.

Entretanto, o alforriado não esquece nunca oescravo que até bem pouco foi e, se tem condiçõespara isso, ajuda aos que continuam escravos, sejaempregando-os, seja liberando os que ele possui,seja lhes emprestando o dinheiro necessário paraa compra de uma carta de alforria. Existia certa-mente uma “consciência do pobre”, mas seria ab-surdo falar de uma consciência de classe no seiodessas populações divididas por suas origens étni-cas e culturais e ainda próximas da servilidade.

As relações entre os proprietários e os escravosque trabalhavam fora da casa dos seus senhorespodiam tomar duas formas diferentes. Ou o escra-vo trabalhava por uma remuneração fixa ou recebiapor tarefa. No primeiro caso estavam, geralmente,os artesãos de todas as especialidades, mas so-bretudo os que trabalhavam na construção. Se oescravo não era alugado, o seu dono podia, porexemplo, lhe fornecer o teto e cuidados médicos,

Todas as outrascategorias, seja o escravo

simples ganhador oualugado, competem com

a mão-de-obra livre.Competição amortecidaentretanto, uma vez que,

freqüentemente, só émais intensa nas

atividades desprezadaspelos homens livres. Essemercado mantém, apesar

de tudo, um caráterfortemente competitivo:o jogo da concorrência

estabelece-se então entreos próprios escravos.

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mas não a alimentação; ou pode permitir que esteviva em plena independência, limitando-se a con-seguir-lhe um emprego, fórmula que parece ter sidobastante atraente para as duas partes. Evidente-mente, o escravo conserva, nesse caso, uma pe-quena parte do seu salário para o próprio sustento.Oscilava essa parte segundo o nível dos salários, opreço do aluguel, das roupas, dos alimentos bási-cos? Nós não o sabemos, como, aliás, ignoramoscomo se fixava essa soma quando se tratava deescravos pagos por tarefa (carregadores de merca-dorias, por exemplo, ou de cadeiras) ou, ainda, deescravos que participavam do pequeno comércioambulante. O escravo podia ser parcial ou total-mente mantido pelo seu senhor.

É nessa categoria de trabalhadores cativos quevamos encontrar o maior número de alforrias e depequenas fortunas, o que mostra ser o escravo ga-nhador aquele que, apesar das incertezas do merca-do, tem mais oportunidades de constituir um pecúliopara resgatar sua liberdade. Mas é preciso acrescen-tar que a alforria de um escravo sem qualificaçãocusta menos e que os proprietários, diante da pers-pectiva de uma rentabilidade aleatória, tenderiam alibertá-los mais facilmente que aos qualificados.

Quanto aos escravos domésticos, na medida emque pouco se distinguem dos que trabalham fora, sãoencontrados tanto em casa de ricos quanto na de po-bres, sua presença é generalizada. Em Salvador, édegradante fazer certos trabalhos considerados pe-nosos, como, por exemplo, carregar o lixo ou fazer afaxina pesada. Nas famílias ricas, uma grande quanti-dade de serviçais é distribuída segundo tarefas bemprecisas: cozinheiros e cozinheiras, criados, criadasde quarto, babás e amas de leite, cocheiros, meninode recados, bordadeiras, costureiras, lavadeiras, pas-sadeiras. As famílias de poucas posses possuemdois ou três escravos, em geral, do sexo feminino, eas que vivem no limite da pobreza, também têm umaescrava. Ao que parece esses escravos não recebemnenhuma remuneração. Se seus donos se lhes afei-çoam, podem receber legados ou ser liberados quan-do da morte dos senhores. Em muitos casos, têmpermissão para ocupar-se de pequenos negócios du-rante as horas de liberdade.

Mas dizer que os escravos domésticos são pri-vilegiados relativamente aos outros, é esquecer to-das as dificuldades, todos os constrangimentos de-

vidos à intimidade contínua com os donos. Talvezeles sejam mais protegidos materialmente, maslhes falta qualquer liberdade de movimento, tantoque é entre os escravos domésticos que nascem ese desenvolvem resistências e ódios explosivos.23

Considerar que os trabalhadores escravos erammais protegidos que os livres é, assim, cometer umduplo erro. Mesmo se seus donos responsabilizam-se por eles diante da sociedade, não se pode, maisuma vez, esquecer o doce sabor da liberdade sembarreiras legais, sonho de todo cativo. Se os gestosde solidariedade entre os escravos são numerosos,não chegam jamais a igualar aqueles estabelecidosentre os livres e os alforriados, protegidos por suasfamílias, favorecidos pelo seu estatuto de homens li-vres, rodeados de mil cumplicidades cujos liamessão tecidos pelo sentimento de pertencer à mesmaparóquia, ao mesmo batalhão da Guarda Nacional,ao mesmo grupo de eleitores. Na realidade, livre ouservil o trabalho em Salvador desenvolvia-se em umsistema ainda escravista, sem mercado real de salá-rios, uma vez que os setores secundários eterciários eram insignificantes para absorver umamassa importante de trabalhadores. Nessas condi-ções, o salário, quando existe, perde seu caráter dedado econômico e social fundamental.

Notas

1 FURTADO, C. Formation économique du Brésil. Paris:Mouton, 1972, p.101-106.

2 O caso mais típico é o de Tomás Pedreira Geremoabo, rico se-nhor de engenho do Recôncavo, que, em 1858-1859, com o sis-tema de meia, trouxe 105 colonos de Portugal. Ele os instalanuma das suas fazendas, a Engenho Novo. Entretanto, um anodepois, tendo arcado com as próprias despesas de viagem, oscolonos deixaram a fazenda e se refugiaram nos povoados doRecôncavo e em Salvador. Segundo a queixa apresentada porGeremoabo ao governador, a maior parte desses colonos eraconstituída por antigos comerciantes ou artesãos, que preferiamretomar seus ofícios de origem. LYRA, H.G.B. Colonos e colôni-as. Uma avaliação das experiências de colonização agrícola naBahia na segunda metade do século XIX. Salvador: UFBA (Dis-sertação de mestrado em História), 1982, p. 143-151.

3 Como no caso do tabaco, as primeiras plantações de cacau fo-ram introduzidas por unidades familiares que, geralmente, seinstalavam em terras sem proprietário, roçando-as e semean-do-as. Uma vez plantada, a terra adquire valor e seus primeirosexploradores, se são fortes o bastante, conservam-na; se fra-cos, vêem-se obrigados a cedê-la aos mais poderosos, sejamediante a venda, seja por pura e simples destituição — os

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20 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.12-20 Julho 2000

novos proprietários têm, então, o cuidado de registrar essaspropriedades, como se elas lhes pertencessem. MATTOSO, K.M. De Queirós, GARCEZ, A. N. R. Introdução aos mecanismosde formação da propriedade no eixo Ilhéus - Itabuna (1890-1930). In Anais do XII Simpósio dos professores universitáriosde História – Aracaju, 1975. São Paulo, 1976.

4 Os agregados rurais são o equivalente dos agregados en-contrados nas famílias baianas: negros, brancos ou mesti-ços livres ou alforriados, que vivem em estreita dependênciade família que os protege.

5 A figura do posseiro é tão antiga quanta a do morador e a doagregado rural. Apesar da Lei de 1850, que não reconheciaa propriedade no caso da aquisição de terras abandonadasnas novas regiões de exploração agrícola, pelo simples fatode que se tomasse posse e roçasse um terreno, assim seconstituiu a maior parte das propriedades, e não mediante acompra, como a lei o exigia. Lei n. 601 de 1850, artigo 2.

6 E. S. Pang. O Engenho Central de Bom Jardim na economiabaiana. Alguns aspectos de sua história. Rio de Janeiro: Ci-vilização Brasileira, 1979, p.52.

7 Fala do Presidente da Província (João Luis Cansanção deSinimbu), 1857, p. 88.

8 A. E. B. : série Presidência da Província: Viação e Obras Pú-blicas, 1847-1849.

9 F. M. de Goes Calmon. Vida econômica – financeira daBahia (elementos para a história) de 1808 a 1889. Salvador,CPE, 1978, p. 115-116.

10 K. M. de Queirós Mattoso. Bahia: a Cidade do Salvador e seumercado no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1978, p.276-282.

11 Almanach, 1860, p. 346-347.

12 M. H. Flexor. Oficiais mecânicos da Cidade do Salvador. Sal-vador, Prefeitura Municipal de Salvador, 1974.

13 Segundo os dados fornecidos por Vilhena, a burocracia do go-verno da capitania, em 1800, compreende um pouco menos de500 pessoas, que se dividem em militares (oficiais, 165), corpojurídico (81), funcionários nas diferentes repartições (123) e religi-osos (66). L. Dos S. Vilhena. A Bahia no século XVIII. Salvador:Itapuã, 3v. 1963, v. 1, p. 249-251, v. 2, p. 334-343 e p. 461-464.

14 A. M. S. : Série: Escritura de escravos, Livro 66.18 (1870), p.204. É curioso que esse contrato tenha sido registrado emuma série relativa aos escravos.

15 A. E. B.: Presidência da Província: Viação e Obras Públicas,1847-1849. Um documento dirigido aos mestres-de-obrasdas obras públicas recomendava-lhes que sempre dispen-sassem um cativo se um trabalhador livre se apresentassepara tomar seu lugar.

16 A. E. B.: Presidência da Província: Viação e Obras Públicas,1847-1849: Relatório da Junta Administrativa de Obras Pú-

blicas (1849). N.T. A citação concernente a essa nota não foitraduzida, mas literalmente transcrita do documento referido.

17 Na falta de dados precisos sobre a idade da população es-crava, tomamos como base os dados do recenseamento de1872 quanto à classificação por idade, sexo e cor de toda apopulação da província, formulando a hipótese de que a po-pulação escrava da Cidade do Salvador apresenta as mes-mas características que aquela da totalidade da província.Foram considerados como aptos para o trabalho os indivídu-os entre 16 e 60 anos. Os escravos de 60 a 70 anos – idadeem que ainda se pode trabalhar como ganhador – represen-tam 6,6% dos homens e 6% das mulheres, cujas idades es-tão entre 15 e 70 anos.

18 Até 1850, mulheres escravas eram empregadas como ser-ventes nos canteiros de construções públicas ou privadas.

19 Nos livros que compõem a série Escritura de escravos, dosArquivos Municipais de Salvador, encontram-se numerososregistros intitulados “atos de locação de serviços”.

20 Para uma análise mais apurada, é preciso considerar queexiste um mercado de compra de escravos de caráter pura-mente especulativo: compram-se escravos para revendê-losnas plantações de café do centro do Brasil. Para frear essaprática, mas também para impedir a venda dessa mão-de-obra indispensável aos trabalhos agrícolas, as autoridadesbaianas taxam as vendas de escravos fora da Província.

21 Para o período de 1865-1874 foram encontrados 22 contra-tos: AMS: Escritura de escravos. Livros n. 66.15, 66.16,66.21, 74.4, 82.15, 82.17 e 82.18.

22 AMS: Escritura de escravos. Livro 75.9 (1857), p. 9. A únicadespesa de que ficamos sabendo são os 60 mil réis queCésar deve pagar como taxa ao Estado, as demais (aluguel,alimentação, roupas) permanecendo desconhecidas. Se lheatribuímos uma despesa de 500 réis por dia, teria que gastar180 mil réis por ano. Para mudar de condição César deveria,assim, ganhar um mínimo de 460 mil réis por ano.

23 Para o conjunto das relações entre homens livre e escravos,ver nosso trabalho: Être esclave au Brésil. Paris:L’Harmattan, 1994, 2e éd., p. 165-195 e 229-274.

(I) O presente artigo foi traduzido do Société esclavagiste et

marché du travaill: Salvador de Bahia (Brésil), 1850-1868,

publicado em Les Entreprises et Leurs Réseaux: hommes,

capitaux, tecniques et pouvoir, XIXe - XXe Siècles. Org.

Michèle Merger e Dominique Barjot. Sua reprodução foi con-

cedida pela autora.

* Kátia M. de Queirós Mattoso é Professorada Universidade de Paris-Sorbonne (Paris IV)

Tradução: Regina da Matta

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000 21

Resolve-me ou eu te devoro!(I)

Uma discussão sobre a falta de braçosno Recôncavo Baiano.

Sílvio Humberto dos Passos Cunha *

O ano é 1891, marco de novos elementos

no cenário de crise generalizada no Esta-do da Bahia. Entra em cena a primeira

Constituição da República, instituindo uma nova or-ganização do Estado, uma nova ordem tributária, aautonomia federativa (gravando ainda mais a situa-ção de desprestígio da Bahia no quadro nacional),consagrando o princípio liberal nas relações traba-lhistas. Esse é o ano de maior número de grevesno período de 1890 a 1917: foram registradas noveocorrências, sendo oito por motivo de salário e umapor suspensão de multas.1 A seca continuava a as-solar os campos, arrasando plantações, provocan-do escassez de alimentos, flagelados, alta dos pre-ços dos gêneros alimentícios; persistem os déficitsorçamentários, a dívida externa e a tendência àqueda das exportações. É importante ressaltar quea situação econômico-financeira atravessada pelaBahia não pode ser dissociada da crise estruturalque atingiu as economias centrais a partir dos anos70 do século XIX.

O ano de 1891 também marca exatos 20 anosda promulgação da Lei do Ventre Livre que, paraalguns estudiosos,2 acelera a formação do merca-do de trabalho livre no Brasil, em face das inova-ções por ela trazida, entre as quais cite-se: o reco-nhecimento legal da possibilidade da formação depecúlio pelos escravos para compra da liberdade, apermissão para que se celebrassem contratos deprestação de serviços e a indenização dos senho-res pelo governo imperial. Na verdade, essa lei re-gulamentou uma situação surgida das negociações

e conflitos entre os sujeitos da escravidão (escra-vos, senhores, livres e libertos) sob a mediação doEstado Imperial.

Os debates ocorridos à época demonstravamclaramente maior preocupação com o destino daagricultura que com o destino dos ingênuos (filhoslivres de mulher escrava). O principal tema nessesdebates era a falta de braços que a Lei provocariae, reservadamente, o abalo que poderia ser causa-do nas finanças do Império se os senhores resol-vessem optar pela indenização, como facultava aLei, ao invés de pelos serviços prestados pelos in-gênuos mantidos sob a sua guarda. Veja-se o quediz José Vieira Cansanção de Sinimbu, Secretáriode Estado dos Negócios da Agricultura, Comércioe Obras Públicas, em documento reservado de30.11.1878, sobre a opção entre os serviços dosingênuos e a indenização garantida por lei aos se-nhores de escravos:

A carencia de braços de que padece a lavoura mais se

aggravará si, a troco daquela tardia indennização houver o

maior numero de senhores a entregar ao Estado os ingenu-

os quando forem chegando a idade legal... Por outro lado é

muito para atender como grave é o compromisso quando vai

pezar sobre o Estado, quer para indenizar os senhores, quer

para receber e educar os ingenuos quando hajam de ser-lhe

entregues.3

As previsões acerca do esvaziamento do mer-cado de trabalho se configuraram? Os braços su-miram ou foi apenas retórica das elites para “justifi-

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22 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000

car” a vinda dos imigrantes europeus? Essa foi umarealidade de norte a sul do país ou de certas regi-ões do Sul e do Norte, entre elas o nosso Recônca-vo? Quais foram as soluções propostas?

O objetivo deste artigo é pensar essas questõese seus desdobramentos, através da análise dospareceres dos membros da comissão externa no-meada pelo Senado da Bahia, em 1891, para avali-ar a situação da lavoura, e do relatório do núcleocolonial Gougogy, comarca do Rio de Contas, quese constituiu em um contraponto às soluções pro-postas pela comissão para soerguer a agriculturabaiana.4

A Discussão

A situação econômica na Bahia era de crise em1891 e, no Recôncavo, centro da produção açuca-reira do Estado, tornara-se mais acentuada. Comefeito, o estado de crise estava diretamente relaci-onado à letargia em que se encontrava mergulhadoo Recôncavo. A dependência crônica da economiabaiana ao desempenho do setor externo é um dosimportantes elementos deflagradores da crise, masa Bahia não estava sozinha. Os descalabros expe-rimentados pela economia brasileira durante a Re-pública Velha, graças aos (des)sabores do café,tipificam amplamente essa situação.

A partir da segunda metade do século XIX, o Re-côncavo apresentou sinais de declínio na produçãode açúcar. A Bahia, outrora responsável por cerca de40% da produção nacional do açúcar exportável, vêesse percentual cair em 1889 para 3% da média ex-portada na primeira metade da década de 1850.5 Asrazões para a decadência podem ser encontradas nofim do tráfico de escravos, no tráfico interprovincial,nas secas (1857-61;1888-91), na concorrência inter-nacional, na existência de outras alternativas econô-micas na região (café, fumo, gêneros alimentícios) ena falta de poder de reversão dos senhores de enge-nho,6 em que pese todo um jogo de poder ainda bas-tante favorável, como veremos a seguir.

Esta situação de penúria da agricultura baiana,de falta de perspectivas, leva, em 1891, o Senadodo Estado da Bahia, tendo à frente o ilustrado Dr.Manuel Victorino Pereira, a promover uma detidainvestigação acerca das causas da decadência dasatividades econômicas na Bahia, especialmente as

agrícolas. Em 23 de julho de 1891, o secretário, Ba-rão de Geremoabo, encaminhou os ofícios para anomeação de uma comissão externa com a in-cumbência de apresentar um diagnóstico sobre alavoura, viação, comércio e indústria, e apontarpossíveis soluções. Foram convocados o desem-bargador Júlio Cesar Berenguer de Bittencourt, oengenheiro civil Affonso Glycerio da Cunha Maciel,Jacome Martins Baggi, Dionizio Gonçalves Martins,Affonso Augusto Teixeira de Freitas, Antonio JoaquimGomes, Gustavo d’Utra e Manuel Gomes Costa.

Os membros da comissão foram instados a res-ponder a duas questões fundamentais:

1º - Quaes as causas de decadencia ou de moroso desenvol-

vimento dos diversos ramos da produção agricola e pastoril?

2º - Quaes os meios de corrigi-los?.7

Deter-me-ei, na presente análise, sobretudo nospareceres do Des. Júlio Cesar Berenguer de Bit-tencourt (apresentado em 2 de setembro de 1891)e de Gustavo d’Utra (apresentado em 6 de setem-bro de 1891) por trazerem elementos essenciais àdiscussão aqui proposta. A esse tempo vivia-se ummomento de vicissitudes devidas a uma transiçãoinacabada, do ponto vista político – a Repúblicaainda não se consolidara, a organização do Estadoestava em curso – estando ainda em construção asnormas com as quais o Estado se relacionaria coma sociedade: no ano de 1891 promulgava-se anova Constituição. Não obstante, a formalizaçãoinacabada dessas relações – o tempo não pára – omundo do trabalho segue seu curso.

Segundo o Des. Bittencourt, cultivavam-se nes-te Estado as principais culturas exportáveis do Bra-sil: algodão, açúcar, café , cacau, tabaco. Além disso,contava-se com uma pequena agricultura de sub-sistência, basicamente milho, feijão, arroz e mandio-ca, que nunca foram exportáveis nem supriam oconsumo interno, obrigando a Bahia a importar deoutros estados e do estrangeiro. Essa deficiênciacrônica, que vinha do período colonial, permanece-rá ao longo de toda a República Velha (1889-1930),ligando-se seja a fatores exógenos (a PrimeiraGuerra Mundial) seja à não-superação de problemasestruturais, e provocando a elevação do custo devida e tensões sociais, principalmente em Salvador,ao longo da Primeira República.8

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000 23

Para o Des. Bittencourt a decadência era umfato insofismável:

E’ um facto que nos salta aos olhos. O senado d’este esta-

do tanto a reconheceu, que impellido pela consciencia de

dever, deu-se pressa em estudar, e fazer estudar por uma

comissão externa e especial, as causas do seu declinio,

afim de que possa providenciar em ordem a levantal-a do

abatimento em que jaz, e fazel-a tomar a verdadeira via de

salvação.9

Discordando daqueles que consideravam a roti-na como a causa principal da morosidade agrícolabaiana, acreditava que as verdadeiras causas devi-am ser buscadas no processo que se iniciou com aLei do Ventre Livre:

Os graves sofrimentos da lavoura, com especialidade a da

canna de assucar, datão da lei de 28 de setembro de 1871,

porque foi esta lei, que podia ter produsido execelentes

fructos, mal comprehendida e pessimamente executada.10

Qual era o real significado das expressões malcompreendida e pessimamente executada? Qualo significado do processo de transição para o nos-so parecerista? Por que a lei não cumpriu seu pa-pel, e quais teriam sido seus resultados?

Se fosse lealmente executada como bem disse um distincto

agricultor do Rio de Janeiro, e seguida de medidas comple-

mentares, poderia graças a aquiescencia com que foi recebi-

da e a cooperação dos mais interessados na permanencia

do elemento servil, realisar em 30 anos a suppressao de

uma instituicção tres vezes secular, e fazer pacificamente a

melindrosa transição do trabalho escravo para o traba-

lho livre.11

A “contragosto” das expectativas, a transiçãonão se deu pacificamente e nem tão lentamente.Em grande medida tais fatos podem ser explicadospela ação/interação/reação entre os sujeitos da es-cravidão, que produziram sobre a estratégia daabolição progressiva uma catálise: através da inten-sificação das negociações e dos conflitos entre es-cravos e senhores, da ação dos libertos, da pres-são dos abolicionistas, da paulatina desaplicaçãoescravista do Estado Imperial12 e da dinâmica con-traditória da economia cafeeira.13

Havia uma tomada de consciência quanto aotérmino da escravidão, principalmente com o fim dotráfico. A questão era o “quando” fazê-lo. Uma dasproposições era retardá-la o máximo possível, vi-são compartilhada pelos senhores de escravos li-gados à grande lavoura de exportação, inclusivepelos senhores da Zona da Mata nordestina, quenão só resistiram até o último momento como en-grossaram as fileiras dos que atribuíam a ruína dassuas economias à extinção do elemento servil.Contrariando o argumento dos estudos clássicos,que consideram a transição para o trabalho livre nonordeste como fácil, devido sobretudo à estagna-ção da região, os estudos realizados por PassosSubrinho sobre a desagregação do escravismo emSergipe apresentam elementos importantes de crí-tica às teses generalizantes. Afirma esse autor que,mesmo dentro do Nordeste, é complexo se falarem um processo único: por exemplo, a Zona doAgreste no sertão se diferencia da Zona da Mata;considerem-se ainda os esforços da elite escravis-ta sergipana para preservar seus interesses duran-te a escravidão e no pós-abolição, e os projetosenviados à Câmara para impedir que o ex-escravo,agora trabalhador nacional, possa viver sobre si.

(...) havia a hipótese de uma importante drenagem de escra-

vos dos engenhos para a economia cafeeira e de uma fácil

substituição, semelhante ao fenômeno hidráulico dos vasos

comunicantes, desses escravos que saiam, morriam ou

eram alforriados por trabalhadores livres. (...) Sergipe, os

senhores de engenho, nos principais centros produtores,

não só não venderam seus escravos para proprietários de

outras regiões, como compraram escravos em outras regiões

da província e do país.14

Da mesma forma, Barickman, ao estudar o declínioda escravidão no Recôncavo no período (1850-1888), contrapõe-se às teses da transição fácil. Oseu estudo é baseado numa amostra de 64 do totalde 635 engenhos localizados no Recôncavo (Cen-so de 1872), nos inventários pos-mortem e nasmatrículas de escravos, que evidenciam a persis-tência do trabalho escravo entre os anos de 1850 e1888. Para esse autor, o processo de abolição naBahia não pode ser visto nem como gradual e fácil,nem como tendo causado um mínimo de inconve-niência aos senhores de engenho. No Recôncavo,

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24 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000

a transição deve ser vista muito mais pela formabrusca que marca a extinção do elemento servil epelos anos posteriores à abolição que pelo aspectode continuidade apontado pelos estudos clássicossobre o tema no Brasil.15

Retomando a discussão da precipitação, iden-tificada pelo parecerista Bittencourt como uma dascausas para as dificuldades enfrentadas pela la-voura baiana, sou levado a crer que esta “precipita-ção” tenha resultado fundamentalmente dos embatesentre os sujeitos da escravidão.Uma vez definida a estratégia daabolição gradual, entendida comotambém resultante desses emba-tes, cabia definir o seu ritmo. A“precipitação” vem do crescimentoda pressão das classes subalter-nas, e da quebra da unidade da es-cravidão entre as elites agro-expor-tadoras. Essa quebra de unidadeadvém em grande medida da dinâ-mica contraditória da economiacafeeira, que encontra na imigração européia a so-lução para o seu problema da mão-de-obra. Nessesentido, a Lei do Sexagenário é uma marco na con-versão dos fazendeiros do oeste paulista à soluçãoimigracionista.16

Segundo o Des. Bittencourt, nenhuma providên-cia foi tomada para cobrir “os claros do exército negrode trabalhadores do campo”,17 deixados pela Lei doVentre Livre. Seguiu-se a esta a Lei do Sexagenário,que marcou data e hora para extinguir a escravidão.

A propósito do 13 de maio de 1888, diz d’Utra:

(...) foi para a lavoura uma verdadeira catastrophe, porque

privando-a de uma propriedade legal sem prévia ou posterior

indennisação de todo a depauperou!... De todas as culturas

nenhuma há soffrido tanto quanto a da canna de assucar,

depois da abolição do elemento servil (...) como se o exercito

de um novo Atila os tivesse atravessado.18

Segundo a descrição acima, após a Abolição oestado do Recôncavo baiano era de terra arrasada.Para o parecerista, a culpa era do legislador brasi-leiro e da falta de atenção dada à agricultura, pois,sob o argumento de escassez de recursos, não lheproporcionara os capitais necessários ao seu soer-guimento. Apontar a rotina do agricultor como a

responsável pelo estado de inanição da agriculturanão expunha o verdadeiro responsável: “(...) o nos-so paternal governo”.

O que se observa ao longo da Primeira Repúbli-ca é a destinação de inúmeros recursos para a la-voura da cana, sob a forma de isenção de impostos,de financiamentos de engenhos centrais, usinas, es-trada de ferro (como a Santo Amaro), rubricas no or-çamento para imigração e, mesmo assim, não severificando o retorno à pujança econômica de outro-

ra, observando-se apenas brevesperíodos de recuperação. Vale sali-entar que a perda da hegemoniaeconômica não se traduz, na Bahia,em perda de hegemonia política daaristocracia canavieira nos gover-nos que se sucedem ao longo detoda a Primeira República.

O que propõe o Des. Bittencourtpara alavancar a agricultura baia-na? Braços, estações agronômi-cas e Banco Agrícola. Recorrendo

a um provérbio camponês para exaltar a importân-cia dos braços para a lavoura, pergunta o Des. Bit-tencourt: “Mas se não houver quem cultive, quevalor pode ter a terra? É o que infelizmente se dáentre nós. (...) salvar a industria assucareira e rea-nimar as outras culturas, de onde nos virão os bra-ços? That is the question...”19

Essa foi uma questão que preocupou as elitesnacionais, principalmente a partir da segunda me-tade do século XIX, e que persistiu durante toda aPrimeira República. Entretanto, a questão da mão-de-obra não se restringe tão-somente ao aspectoquantitativo, envolve também seu aspecto qualitati-vo, o perfil do trabalhador desejado (branco-euro-peu). Aqui vale registrar dois marcos importantesna organização do trabalho: um no início do séculoXIX, que foi a influência da revolução do Haiti, quefigurará como um “fantasma perigoso”, em termosdemográficos, no imaginário das elites no Brasil; eo outro, a proclamação da primeira ConstituiçãoRepublicana, na qual se instituiu o federalismo, ca-bendo doravante, a cada unidade da Federação, aorganização do trabalho. O problema da mão-de-obra não é mais uma questão nacional, cada Esta-do tem autonomia para criar a sua estratégia, istoé, cada unidade federada “resolva o seu Haiti”.

A perda dahegemonia econômica

não se traduz,na Bahia, em perda

de hegemonia políticada aristocracia canavieira

nos governosque se sucedemao longo de toda

a Primeira República.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000 25

A falta de braços era realmente a questão? Estavade fato vazio o mercado de trabalho? Qual era o proje-to presente no imaginário das elites baianas? Quaisas alternativas para resolver o problema da mão-de-obra? Por que a mão-de-obra se constituía num pro-blema, era ele de natureza quantitativa ou qualitativa?

Responde-nos o Des. Bittencourt:

Se o europeu recusa nos a prestação de seus serviços por

lhe ser nocivo o clima do norte do Brazil; se o liberto não

quer trabalhar, porque prefere fruir a li-

berdade – de nada fazer – so a vinda do

chim, único trabalhador capaz de dar ao

nosso sólo valor inestimavel, e transfor-

mar em explendidos jardins nossas en-

fezadas plantações.20

Podemos observar que tanto oaspecto qualitativo como quantita-tivo estão presentes na resposta.Como primeira solução apresenta-se o europeu – a farta documenta-ção comprova os esforços envida-dos para atraí-lo. Na falta do europeu,busca-se o liberto, mas ele prefereo ócio. Aqui vemos que o proble-ma de mão-de-obra não é quanti-tativo, isto é, o mercado de traba-lho não está vazio. Cabe a afirmativa:há uma ordem preferencial, com oeuropeu ocupando o primeiro lu-gar. Cabe a pergunta: por que osex-escravos e os já libertos não fo-ram imediatamente incorporados aos campos doRecôncavo? Ou ainda, por que optaram preferencial-mente por “fruir a liberdade” ?

O “fruir a liberdade” pode ser interpretado comoa migração das condições adversas existentes noRecôncavo, e a fuga, ainda que instintiva, dos luga-res em que se sofreram atrocidades, privações einfortúnios; é aproveitar a liberdade, exercitar a au-tonomia, ser e estar flâneur. Posso encontrar inú-meros motivos para os ex-escravos ali não perma-necerem, ainda se restringirmos a análise apenasao campo da subjetividade. Atravessando essafronteira e entrando nas condições materiais de so-brevivência, o oferecido ao escravo para garantir asua permanência – salários e parceria – era insufi-

ciente. É bem provável que muitos tenham saído doRecôncavo e vindo para a capital21 – em busca denovas oportunidades que garantissem a sua sobre-vivência – ou emigrado para o sul do Estado, ocu-pando o que é hoje conhecido como a região do an-tigo Baixo Sul (Valença, Nilo Peçanha, Maraú, Cairue outras localidades), aí plantando para a subsistên-cia e vivendo da pesca ou aproveitando as oportuni-dades da lavoura cacaueira, e não somente comojornaleiros, mas como proprietários de terras.

Veja-se a respeito o relato dojuiz comissário de Ilhéus, em cor-respondência dirigida ao Ministroda Agricultura, 11 dias após a Abo-lição:

(...) grande numero de libertos aos quaes

não convem trabalhar assalariados tem me

requerido posses de terrenos devolutos,

onde pretendem cultivar cacao lavoura úni-

ca a que se dedica o povo desta rica e fertil

comarca. Firmado no aviso de 24 de março

de 1886, desse Ministério, tenho indeferido

os seos requerimentos prometendo-lhes

consultar por telegrama a v.Exa., visto a

grande quantidade e impaciencia dos mes-

mos requerentes. É manifesta a tendencia

desses individuos pelo solo pela sua

posse e grande repugnancia pelo traba-

lho assalariado. Conta-me que alguns con-

trariados em suas pretenções começam a

derrubar e queimar as mattas. Aguardo res-

posta de V.Exa. de quem espero ordens no

sentido de proporcionar, quanto antes, aos requerentes o

trabalho honesto e evitar a pratica abusiva da invasão, der-

rubada e queima e posse illegal das terras devolutas que me

compete zelar. 22

O desejo de plantar cacau manifestado pelos li-bertos evidencia a sua visão econômica de mundo,traz mais uma vez o questionamento à tese de suainadequação às relações de trabalho no pós-escravi-dão. É também revelador do preconceito racial queestá na raiz da exclusão do liberto. O argumento do“fruir a liberdade de nada fazer”, sinônimo de autono-mia, vai ser transformado paulatinamente pelas elitesem uma pecha que sempre o acompanhará (sobretu-do ao homem liberto, em maior escala que para a

Por que os ex-escravose os já libertos não

foram imediatamenteincorporados aos campos

do Recôncavo?O oferecido ao escravo

para garantir a suapermanência – salários e

parceria – erainsuficiente. É bem

provável que muitostenham saído do

Recôncavo e vindo para acapital ou emigrado para

o sul do Estado,aproveitando as

oportunidades da lavouracacaueira, e não somente

como jornaleiros, mascomo proprietários

de terras.

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26 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000

mulher) e aos seus descendentes, na sua luta pelainserção no mercado de trabalho formal e na garantiadas condições de sobrevivência (mercado informal).

Diante da incompatibilidade entre os desejos doslibertos – traduzidos na resistência às condições desobrevivência existentes, especialmente ao regimede trabalho assalariado – e os dos proprietários ávi-dos pela manutenção do status quo, chega-se àidéia de que os negros são inadequados às novasexigências da lavoura. Não sendo possível atrair osimigrantes europeus, restaria comoúltima opção a vinda dos asiáticos,defende o Des. Bittencourt.

A opção pela imigração dos chi-neses precisava vencer os precon-ceitos dos agricultores baianos e deoutros setores da sociedade, queconsideravam a entrada dos chine-ses uma escravidão disfarçada.23 Ar-gumentava o desembargador que jáhavia submetido à apreciação do go-vernador uma representação, con-tendo mais de 40 assinaturas de agricultores dascomarcas de Santo Amaro e São Francisco, favorá-veis à importação do trabalhador chinês, consideradoapto às mais adversas condições de trabalho. No en-tanto, isso não significava que ele não comungasse detais preconceitos, não se considera um “chinophobos”,apresenta uma visão pragmática. Propôs que se to-masse o exemplo dos resultados obtidos naCalifórnia com a construção de estradas de ferro eagricultura: “Em que pese, pois, aos chinophobos,voto pela acquisição de trabalhadores de raçaamarela – como medida ao menos de transição”.24

Salienta Bittencourt que se seus argumentosnão fossem suficientes para convencer que o euro-peu e o negro não podiam servir à lavoura baiana,buscava no arrazoado do economista Jean BaptisteSay a sustentação para sua defesa da imigraçãochinesa. Ao analisar o caso das Antilhas, Say pro-pôs que se libertassem gradualmente os escravose se lhes dessem trabalho a dia ou por tarefa. Parao Des. Bittencourt, isso seria inviável, principalmen-te devido ao nosso clima. O europeu não resistiriae, o negro,

(...) não se prestará nunca voluntariamente a tal trabalho;

este tem poucas necessidades, e sob a zona torrida, em que

a terra é tão fecunda, uma hora de trabalho por dia basta a

um negro para satisfazer e nutrir sua família. Livre, trabalha-

ria ao levantar do sol durante uma hora e duas, e nenhuma

satisfação valeria para elle o encommodo que teria — traba-

lhando o resto do tempo. O plantador que quizesse occupal-

o como trabalhador livre seria constrangido a ver em

repouso os seus capitaes durante os nove decimo do dia.25

Reforçava, assim, a sua proposta de imigraçãoasiática.

Se retirarmos do nosso parece-rista a carga do preconceito racialcontra o negro, podemos perceberindícios do que seria a concepçãoafro-brasileira de trabalho, construídana experiência com a escravidão eem concepções africanas de tra-balho. O tempo de trabalho africa-no/afro-brasileiro entrava em cho-que com tempo de trabalho ob-jetivado pelo lucro, denotandocompreensões diferentes de “tem-

po” e de visão econômica de mundo. É o choqueentre o viver para trabalhar e o trabalhar para vi-ver.26 De onde, provavelmente, resulta o argumentoda inadequação do ex-escravo às relações capita-listas (tanto à época quanto posteriormente), utili-zado pelos defensores da imigração branca (euro-peus do norte, se possível), para justificar a suaexclusão. Ocultava-se, assim, a ideologia racialbrasileira na base de sustentação dessa exclusão.O liberto é excluído não só pela ação dos mecanis-mos produzidos pela ideologia racial brasileira,mas também pela concepção de trabalho/visão demundo de que era portador.

Dando seguimento à análise da situação da la-voura baiana, passemos agora ao parecer do Dr.Gustavo d’Utra. Argumentava este que, sem capi-tais, braços e vias de comunicação, e com a deficiên-cia do ensino agrícola e do espírito de iniciativa nãohaveria saída (esperança) para a lavoura da Bahia.Para ele, a crise era uma realidade de conseqüên-cias graves para o futuro do Estado.

Se, pela fraqueza dos poderes competentes e pela incuria

da propria classe interessada, prolongar-se por mais algum

tempo a temerosa crise economica que nos assoberba, bem

pode succeder que sejamos fatalmente arrastados ao triste

O liberto é excluídonão só pela açãodos mecanismos

produzidos pela ideologiaracial brasileira,

mas também pelaconcepção detrabalho/visão

de mundo de queera portador.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000 27

espetaculo de uma liquidação que attinja todas as nossas

fontes de renda, porque a actividade industrial tem seu ponto

de partida no solo e a causa da lavoura aqui, como em toda

parte, é a causa do estado.27

O estado em que se encontra a agricultura éatribuído à rotina agrícola “entregue a si mesma,sem incentivos, sem orientação nem arte, conside-rada mesmo por muitos como um simples offício,tem caminhado as tontas, tendo por guia o acaso epor norma o empirismo”.28 Analisando a indústriaaçucareira, Gustavo d’Utra sinaliza para a necessi-dade de promover-se a diversificação das exporta-ções, a substituição das importações e, com isso,dinamizar a indústria local, assim reduzindo a de-pendência às flutuações externas.

(...) as consequencias malfazejas do exclusivismo cultural

vão fazendo-nos comprehender já a necessidade de novas

culturas, que nos poupem o capital que as importações de

productos similares estrangeiros consommem em larga pro-

porção e em desfavor das industrias timidas e fracas, que

agora ensaião os primeiros passos; quando a organização

do trabalho que está por fazer-se, e o supprimento dos bra-

ços que desapparecerão, com abolição do elemento servil

ainda occupão a attenção dos nossos proprietarios, quando

as terras pingues e ferazes de outr´ora já não dão avantaja-

dos lucros e o condennado pousio se apresenta ainda aos

nossos lavradores como uma necessidade do systema cul-

tural adoptado: 29

Sobre as deficiências do ensino agrícola:

A grande necessidade do estado e do paiz depois de sua

nova Constituição é esta: crear escholas de agricultura prati-

cas por toda parte e fundar orphelinatos em que a nova gera-

ção rural, os meninos pobres e desamparados, que se vão

creando no entristecimento, que embota-lhe a intelligencia, e

no vicio que os avilta, aprendão, ao menos, algumas noções

de agricultura para mais tarde poderem agir em proveito

proprio e da propriedade geral.30

Ele via na melhoria do ensino agrícola um cami-nho para evitar a migração da população para ascidades.

Houve tempo em que, entre nós, se dizia que a ignorancia

em que vivião atufadas as populações do centro era uma

especie de mal necessario, para fixal-as ao solo, evitando-se

assim as migrações para as villas e cidades; hoje, porém,

que a escravidão já desapareceu e a lavoura não pode mais

arreceiar se de perder esses braços, que aliás já a abando-

narão, seu maior interesse deva ser vel-os restituidos, fortes,

activos e instruidos31

Gustavo d´Utra considerava que um dos proble-mas cruciais da lavoura baiana era a falta de braços:

(...) é hoje mais que nunca uma das grandes e indeclinaveis

necessidades da nossa primeira industria; principalmente na

Bahia, onde a grande cultura e designadamente a da canna

de assucar, que é sem contestação a mais importante (...)

reclama pessoal mais numeroso.32

Ele testemunhou o êxodo dos canaviais na bus-ca de melhores condições de trabalho, o que deno-ta mais uma vez as condições adversas existentesno Recôncavo, que deviam estar na base da saídados migrantes: não é de uma hora para outra quese muda a mentalidade dos senhores de enge-nhos, não só para a incorporação de novas técni-cas agrícolas, como para as novas relações detrabalho: salário, disciplina, patrão-empregado:

(...) a medida que os operarios se transportão para as villas e

cidades e até para a capital do estado, onde a vida lhes corre

menos precaria e para onde os attrahem mil ocupações sua-

ves e momentaneas, que lhes garantem, não obstante, qua-

se certo e elevado jornal.33

De um lado, o trecho acima permite extrair maisalguns indícios (ocupações suaves e momentâneas)para reforçar a construção dos nossos argumentosem termos de uma outra concepção de trabalho ouem termos de um possível tempo de trabalho afro-brasileiro, diferenciado do tempo de trabalho objeti-vado pelo lucro. Do outro lado, a situação de crisegeneralizada se contrapõe ao cenário de oportuni-dades e ocupações descritas. A Cidade de Salvadornão passou incólume, vivenciando ao longo da Pri-meira República crises de diversas ordens, financei-ra, habitacional, de abastecimento, epidemiológica,que importaram na deterioração dos meios de vidada população.34 Deve-se, no entanto, ressaltar osefeitos do encilhamento sobre as atividades econô-micas, impulsionando o surgimento de 123 fábricas

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entre 1890/1891; entretanto isso não resultou naindustrialização do Estado. Na verdade, a não-in-dustrialização, anos mais tarde, se transformariaem um grande debate, o chamado “enigma baia-no”: por que não se industrializou a Bahia?35

A necessidade de organizar o trabalho era pre-mente. Segundo o parecerista Gustavo d´Utra, nãohavia uma lei que obrigasse os ex-escravos a tra-balhar.

Na ausencia de uma lei, talvez impossi-

vel no regimem em que vivemos, que

coagisse a voltarem para o theatro de

suas antigas occupações os numerosos

braços já affeitos ao trabalho, mas agora

ociosos, sem occupação séria ou defini-

da, torna-se necessario á lavoura lançar

mão de outros recursos.36

O “lançar mão de outros recur-sos” significava recorrer a uma so-lução que vinha se consolidandonos estados do sul: a imigraçãoeuropéia. No entanto, os esforços envidados nãoforam suficientes para atrair a corrente imigratóriapara o norte, “e que há custado ao erario publicoAmazonas de dinheiro”, tendo sido desviada paraos estados meridionais, onde as condições climá-ticas e de vias de comunicação e de transporteeram melhores. E mais, “(...) o trabalho estáorganisado e são mais faceis e perfeitos os meiosde producção”. Para o norte, a imigração européia“é ainda uma vã esperança”. Os imigrantes quechegam não atendem às expectativas nem quali-tativa nem quantitativamente. Para Gustavo d’Utra,o imigrante deve ser o agente impulsionador dodesenvolvimento, deve introduzir novas técnicasde cultivo, fomentar o desenvolvimento de peque-nas industrias e “proporcionar a produção geralcom as crescentes necessidades do consumo eabrir aos nossos productos benificiados largo ca-minho a concurrencia com os similares de diferen-tes procedencias.”37

Nesse contexto, o imigrante que se desejavaatrair deveria deter características específicas:

Seria muito para desejar, realmente, que para a Bahia se

estabeleccesse uma corrente voluntaria de immigrantes eu-

ropeus, que demandando nossos ferteis, mas incultos terre-

nos, viesse agricultal-os de um modo mais racional e

economico do que fazem os nossos mestiços, trazendo-nos

certo concurso de conhecimentos o solido cabedal de pro-

cessos praticos que elles não possuem e com os quaes tan-

to teria a ganhar a nossa agricultura. Desgraçadamente,

porém, assim não tem acontecido.38

A Bahia não conseguiu atrair uma correnteimigratória significativa, porque os imigrantes que

aqui se aventuravam não buscavama lavoura como primeira opçãopara se estabelecer, criando séri-as dificuldades para se constituirna desejada mão-de-obra. Sem tra-dição na lavoura:

(...) muitos evitão o trabalho rural em que

alguns se mostrão desageitados, outros e

estes constituem a grande pluralidade, não

se querem submetter ao regimen das nos-

sas propriedades, porque se têm aspira-

ções de fazer fortuna pelo trabalho, não

querem trabalho senão por conta propria. (...) que o colono

europeu evita a grande lavoura e fal-o provavelmente para

fugir ao pequeno salario que os lavradores lhe podem abo-

nar principalmente no serviço do engenhos de assucar(...)

Elle sente por outro lado que, subordinando-se ao regimen

do salario, fica em uma posição obnoscia quando suas

vehementes aspirações vão muito além do nosso systema

de parceria...39

Se comparadas as descrições das atitudes dosex-escravos e dos imigrantes europeus frente aotrabalho, observa-se uma similitude: ambos rejeitama subordinação ao regime de trabalho assalariadodas grandes propriedades. Tal rejeição se deve,provavelmente, aos baixos salários e à naturezaestafante do trabalho, sobretudo nos engenhos.Observa-se também uma dissimilitude: no trata-mento dado pelo parecerista ao exercício da auto-nomia de ambos. A autonomia exercida pelo negroex-escravo, aqui traduzida pela não-subordinaçãoao regime assalariado, é vista como a ociosidadepela ociosidade, isto é, sem aspirações reais, defi-nidas e concretas – o “fruir da liberdade do nadafazer”. No entanto, para o branco imigrante euro-peu, a resistência ao assalariamento é interpretada

Se comparadas asdescrições das atitudesdos ex-escravos e dosimigrantes europeusfrente ao trabalho,

observa-se umasimilitude: ambos

rejeitam a subordinaçãoao regime de trabalho

assalariado das grandespropriedades.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000 29

como resultado do seu “desejo de alcançar a for-tuna”, é portadora de um sentido de objetividadeque ultrapassa a organização de trabalho aindaexistente nos engenhos.

Diante da inabilidade e insuficiência dos traba-lhadores nacionais e da inadaptabilidade do euro-peu às condições oferecidas pela lavoura canaviei-ra, mais uma vez os imigrantes asiáticos seriamapontados como a solução: “os únicos que podempresentemente corresponder as necessidades dalavoura de canna”. A despeito dessa orientação, vi-gia uma visão pragmática e preconceituosa contraos asiáticos, inclusive com um dispositivo legal(Decreto-Lei n. 528 de 28/06/1890) que vedava aimigração de negros e asiáticos.

Estudando-se o elemento chinez sob ponto de vista

philosofico, religioso e politico fica logo lavrada a sua

condemnação, (...) ,entretanto a organisação do estado não

se pode fazer sem que novos e talvez extraordinários

sacrificios nos sejão fatalmente impostos, (...) seria desacer-

to não recorrer ella aos unicos trabalhadores que se pudes-

se accomodar ás exigencias da industria assucareira40

Conclui o parecerista Gustavo d’Utra :

De uma cousa, porém, estamos plenamente convencidos: o

europeu nunca será jornaleiro nos nossos engenhos. (...) A

questão dos braços entre nós é uma das que pedem solução

mais prompta, e é preciso que se faça alguma cousa n’este

sentido. O tempo urge; e agora mais que nunca, quando

atravessamos uma crise sem precedentes nos annaes da

agricultura bahiana e que se pôde dizer que a questão da la-

voura se nos apresenta com toda a fatalidade do temível

enigma: resolve-me ou te devoro!.41

No trecho acima é visível a gravidade da situa-ção, e quanto era sensível a falta de braços paraesse integrante da comissão externa. A reversãodo quadro, na sua avaliação, passava por mudan-ças na rotina, incorporação de novas técnicas, me-canização agrícola para poupar braços, criação deinstituições de crédito rural, melhorias nas vias decomunicação e de transporte e imigração chinesa.Não é demais afirmar que as medidas, mesmoaquelas implementadas (isenções de impostos,melhoria nos meios de transportes – ferrovias – im-plantação de usinas, crédito) pelos governadores

baianos ao longo da Primeira República, necessari-amente não implicaram mudanças significativas namentalidade das elites agrárias, em particular daselites do Recôncavo, nem alterações na estruturasocial vigente.

Este não foi um fenômeno local. Ao analisar oprocesso de modernização nos engenhos de Per-nambuco, Peter Eisenberg já havia assinalado a“modernização sem mudança”.42

Há uma certa unidade nos pareceres apresen-tados pelos membros da comissão externa, nome-ada pelo Senado do Estado da Bahia, quanto aosproblemas da lavoura no Estado e às suas possí-veis soluções. O problema da falta de braços, porexemplo, foi diagnosticado como resultado do óciodo ex-escravo e da inadaptabilidade do imigranteeuropeu. A solução asiática foi apresentada comoa mais viável, apesar de todos os preconceitoscontra o chinês.

A saída chinesa, como se verá, não era unâni-me. No entanto, a resistência/discordância não sefundamentava tão somente no preconceito contra oasiático, mas também numa compreensão diferen-ciada da realidade vivida pela lavoura da Bahia, emparticular a falta de braços. Essa compreensãoaponta para a construção de possíveis outras solu-ções/cenários que, talvez, se levadas a cabo, impli-cassem a modernização com mudança.

Uma Alternativa

Com base no exame do relatório elaborado peloInspetor Geral de Terras Públicas e Colonização,Virgílio David, e encaminhado ao Presidente daProvíncia Luiz D’Almeida Couto, em 1892, verifica-se que uma alternativa foi construída e proposta.43

Essa documentação revela elementos que nospossibilitam, ainda que preliminarmente, montar estequebra-cabeça que era a Bahia à época. Ela traz àtona outras vozes/visões, que permitem apreendero problema da falta de braços sob outro aspecto.

O inspetor Virgílio David apresenta, inicialmen-te, uma crítica contumaz ao sistema de recruta-mento de imigrantes “estou mesmo convencido ecerto que os únicos culpados são os nossos agen-tes no estrangeiro”.44 Embora acreditasse que a co-lonização fosse o caminho para a salvação da la-voura, argumentava que não se devia confundir os

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30 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000

elementos atrativos que o Sul dispunha em relaçãoao Norte. A falta de um estudo mais aprofundado,que apontasse para essa diversidade de elemen-tos, se traduzia, para o inspetor, no “entorpeci-mento da realidade (...) esta falta de attenção emquestão desta naturesa, a ideia diz que o colonoque se estabelece no Sul pode residir no norte,provem de um defeito todo natural entre nós – aimitação”.45

Além disso, o inspetor Virgílio David assinalouas diferenças de mentalidade queexistiriam entre os lavradores dosul e os do norte: ambição versusindolência, atividade versus inér-cia. E indaga até que ponto a ne-cessidade de imigração estrangeirapara o Norte era conseqüência di-reta da extinção da escravidão.Para o inspetor, estabelecer essarelação era um erro:

(...) o certo que a agricultura ao qual fal-

taram-lhe os braços escravos, vinha a

necessidade de substituil-os por outros, e a imitação os leva

a procurar colono estrangeiro, porque elle não pensa que

possa haver outros .46

Qual é o significado do termo imitação? É fun-damental ir além do simples ato de imitar, é neces-sário apreender o significado ideológico, isso é,identificar a ideologia que norteia essa ação. As-sim como a escravidão era uma instituição nopaís, para muitos, responsável pela unidade naci-onal, a ideologia racial – parte da construção daidentidade nacional – objetivava transformar oBrasil em um país de brancos, negando todo oseu passado escravista. 47 Nesse sentido, devemser entendidas as manifestações/apelos/esforçospela vinda dos imigrantes europeus. A Bahia nãoera uma exceção, muito pelo contrário, aqui a situ-ação é agravada, tal o tamanho do passado a serapagado.

A imitação pode ser apreendida como uma ten-tativa de uniformização das atitudes no pós-aboli-ção – a concepção do imigrante civilizador, agentecatalisador do desenvolvimento e de melhoria dapopulação, portador de novas técnicas, o vencedorda inércia. Muito embora a ideologia racial brasilei-

ra não utilize seus mecanismos de exclusão unifor-memente no País, as expressões que ela assumevão depender do contingente populacional negro-mestiço e das suas reações. Para o inspetor VirgilioDavid, como doravante observaremos, a crítica diri-gida à imitação é a defesa da sua proposta de umasolução doméstica para a questão dos braços, istoé, utilizar a própria população egressa da escravi-dão.

Afirmava o inspetor:

Entretanto, se o lavrador fosse previdente e

cuidadoso dos seus interesses, teria

reflectido que desde o momento em que o

filho da mulher escrava era um homem li-

vre, (...) cumpria-lhe cuidar desde logo da

organisação de um novo pessoal agricola

habituado ao nosso clima, aos nossos cam-

pos e esse pessoal, elle o arregimentaria

no proprio filho da mulher escrava, sua es-

crava nascidas nas suas fazendas, não co-

nhecendo outros custumes além dos que

presidiram ao seu nascimento.48

Para ele, bastava seguir o espírito da lei, seguiro pensamento do legislador, mas isso não foi fei-to.49 O problema, naquele momento, não era de le-gislação e sim de mentalidade, era o projeto de fu-turo das oligarquias baianas, um projeto de futurosem o negro.

O inspetor Virgílio David salientava ainda os es-forços dos governos para estabelecer a correnteimigratória através de leis, regulamentos, tudo parasalvar a lavoura do Estado. A corrente migratóriase estabeleceu. Questionava o inspetor se os imi-grantes que para cá vieram foram os mais adequa-dos e se a qualidade de vida oferecida foi a maissalubre. Por certo que não. Segundo ele, os imi-grantes foram lançados num cenário de privações,tornando-se homens inúteis ao País, e isso se de-veu, primeiramente, à ação dos agentes recrutado-res, para quem era simplesmente um negócio; emsegundo lugar, à falta de entendimento do senti-mento do imigrante – “apposta em nossas terras nointuito de melhorar de sorte e de chegar a fazeruma pequena fortuna”. 50

Outra questão posta por Virgílio David refere-seà escolha do imigrante (se o imigrante devia ser

Muito emboraa ideologia racial

brasileira não utilizeseus mecanismos de

exclusão uniformementeno País, as expressões

que ela assumevão depender do

contingente populacionalnegro-mestiço e das

suas reações.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000 31

alemão ou chinês). O inspetor mostrou-se contrárioà imigração chinesa, reconheceu seu espírito tra-balhador, mas, também, que se tratava de um ele-mento semeador de discórdia, e cita as experiênci-as dos chineses em outras colônias, fora do Brasil,onde ele esteve: “foi necessária e urgente a repatri-ação desse elemento de discordia”.51E questiona-va: “E é esse povo que prefere-se para elementode melhoramento dos nossos campos e outroindustrias?”.52

Quanto aos europeus e à sua inadaptabilidade,afirmava que as turmas de colonos andavam pelasruas vagando e esmolando a caridade pública. Con-sidera que “não sáo elles os culpados por teremencontrado na Bahia a miseria e a fome. Somenteforam mal escolhidos, não convem ao nosso clima,não se habilitarão jamais aos nossos costumes”.53

Seguem os argumentos do inspetor Virgílio David:“(...)o allemão e o austríaco do norte, embora po-bres, mesmo miseraveis, tem um conforto relativo,não podem resistir ao clima do centro agricola daBahia, nem habituar-se aos seus custumes, se nãodepois de um longo tempo (...)”.54

Conhecedor dos costumes e da índole da popu-lação da Bahia, era como se auto-intitulava o nossoinspetor David. Para ele, o desenvolvimento rural ematerial do Estado não passavam somente pelaquestão da qualidade do imigrante, mas fundamen-talmente pelo regime da propriedade, precisamen-te pelo regime da grande agricultura – segundo eleincompatível com essa índole. Então, qual era a al-ternativa?

(...) A pequena agricultura, isto é, a subdivisão do solo, tor-

nado propriedade de muitos lavradores e explorado

systematicamente, com recursos limitados, mas na mesma

relação productiva, pode ser e é o único meio de levantar a

lavoura da Bahia.55

O interessante é que essa alternativa podia serconsiderada bastante avançada para a época, apro-ximando-se, quiçá, de uma proposta de reformaagrária. Vale ressaltar que ela parte de alguém queconhece os problemas da agricultura, pois é uminspetor de terras e os vivenciava cotidianamente.Na documentação não foi possível encontrar ele-mentos para investigar a que classe social perten-cia o inspetor. A sua proposta da pequena proprie-

dade vem reforçar a tese de que era possível umasolução doméstica para a falta de braços, dandopor certo que os campos não estavam desertos.

Afirmava, categoricamente, o inspetor, que osbraços para o soerguimento da lavoura, com basena pequena propriedade, se encontravam entre apopulação que habitava os campos, adaptados aoclima, aos costumes; aqui, um contraponto impor-tante às afirmações dos pareceristas Bittencourt eGustavo d’Utra, que tratavam os trabalhadores doscampos da Bahia como ociosos e sem iniciativa :

(...) o homem dos campos da Bahia sente as mesmas neces-

sidades que o europeo e como este procura satisfasel-as. O

centro em que elle vive é com certesa insufficiente, elle preci-

sa de estimulo e de exemplo, ao mesmo tempo de recursos

para desenvolver a sua actividade, e nem todos os meios

applicados até agora sáo de naturesa a ajudal-o. (fl.14)

Por que estes indivíduos não foram incorpora-dos de imediato? “(...) Não é, entretanto, difficil ob-ter dos nossos homens essas condições, emborapor um egoismo responsavel, e por imitação se pen-se e se diga que sáo preguiçosos e indolentes”.56 O“egoísmo responsável” pode ser interpretado comomais uma das representações da ideologia racial(baiana). A incorporação desses indivíduos na al-ternativa proposta, significaria muito mais que amudança de mentalidade das oligarquias, mas suaextinção – “que desaparecça a aristocracia da la-voura”, defendia David. Significaria, portanto, aconstrução de outro projeto político para a Bahia,com a subordinação da população negra e mestiçaa outro regime de controle e de incentivos alternati-vos aos herdados da escravidão ou, até, uma mu-dança estrutural na economia e sociedade.

Nesse sentido, é enfático sobre a falta de bra-ços:

(...) é um erro imaginar-se que não temos braços raccionaes

sufficientes nos campos da Bahia; e a melhor prova esta

nesse enorme numero de immigrantes do sertão que

abandonão seus lares, não somente pela falta de viveres

alimenticios, mas principalmente pela falta de meios de sub-

sistir-se.57

Insistiu que não havia necessidade de colonos es-trangeiros para explorar as imensas terras e sim, de:

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32 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000

(...) homens activos, inteligentes que mediante todas as ga-

rantias introduzam entre os camponeses a ideia de lucro e

do bem estar; mas o numero homens deve ser limitado, pois

só assim não haverá a ideia da volta ao seu paiz.58

Apesar do alcance social que poderia redundarna adoção dessa alternativa, o europeu ainda eravisto, mesmo com ressalvas, como elemento civili-zador/ou portador de cultura superior. Restava sa-ber se este europeu foi o que chegou ao país.

Uma discussão que não seencerra

Aqui estabelecemos o encontroentre duas visões sobre o estado dalavoura na Bahia, em particular so-bre a discussão em torno da falta debraços, encontro que nos permitiutecer algumas considerações sobrea formação do mercado de trabalho.A questão da falta de braços pareceser uma falsa questão, porque asevidências sugerem que o mercadonão estava vazio. Diversas passa-gens dos pareceres da comissãoexterna registram a migração para as vilas e cida-des, o que demonstra ser falacioso o argumento deque não havia população disponível no campo.

Há de fato uma escassez, mas daquele traba-lhador considerado ideal pelas elites: o imigrantebranco-europeu. Apesar das inúmeras tentativasdas elites baianas, não foi possível atrair para oEstado uma corrente imigratória significativa, nemde europeus, tampouco de asiáticos – estes últi-mos, também buscados, em que pese o preconcei-to racial existente contra eles.

Como não se tornou hegemônica a proposta dapequena propriedade59 – o que poderia resultar emum certo soerguimento econômico do Estado, cominclusão social – o projeto futuro da oligarquia baiana,que se tornou hegemônico no pós-abolição, tomoucomo via de regra manter a população negra e mesti-ça nos limites extremos da pobreza, dificultando assuas condições de sobrevivência, camuflando as de-sigualdades raciais e sociais, através das relações decompadrio, de clientelismo, na exacerbação das rela-ções patriarcais (analisadas por Gilberto Freyre – a

“rede de proteção” do complexo Casa Grande & Sen-zala – que, na Bahia, não foram totalmente dissolvi-das pelos Sobrados e Mucambos) herdadas da es-cravidão e posteriormente reelaboradas, tendo noanedotário um ditado bastante emblemático: “naBahia ninguém morre de fome”. Além disso, promo-veu-se um forte controle social sobre as manifesta-ções culturais da população negro-mestiça, a exem-plo da repressão à capoeira, ao candomblé e dastentativas de “desafricanizar” as ruas da capital. Da

mesma forma, impuseram-se forteslimites ao exercício da cidadania – ainterdição ao analfabeto do direitoao voto, consagrada pela Constitui-ção de 1891: segundo o censo de1920, no Estado da Bahia, 81,6%da população era composta poranalfabetos.

Entrementes, essa populaçãonão se manteve pacífica, fez seusmovimentos de resistência (ruido-sos, silenciosos) contra a carestia oupela preservação dos seus valoresreligiosos e culturais, provocandomudanças de orientação no projetodas elites, mas não o suficiente para

desencadear uma mudança estrutural a seu favor.Finalmente, sem os brancos europeus e sem os

asiáticos, como soerguer a lavoura? O que fazercom tamanha população negro-mestiça? Aqui resi-de o verdadeiro enigma. Como não foram devora-dos, conseguiram decifrá-lo. Cabe ainda questio-nar se é possível apreender os projetos políticosdas oligarquias baianas sem considerar o compo-nente racial, pois é esse um componente que tam-bém está na base da discussão da falta de braços.Não é somente o quanto e sim, também o quemserá considerado como trabalhador nacional. Vol-tando para o regional, admitir a interface entre o ra-cial e o econômico na construção desse projeto po-lítico futuro das oligarquias baianas, é propor umnovo olhar sobre as causas do “enigma baiano”.

Notas

1 Ver Mário Augusto da Silva Santos. Sobrevivência e tensõessociais. Salvador(1890-1930).USP(tese de doutorado),1982.p.355-355-A, 361.

O projeto da oligarquiabaiana, que se tornou

hegemônico nopós-abolição, tomou

como via de regra mantera população negra emestiça nos limites

extremos da pobreza,dificultando as suas

condições desobrevivência,camuflando as

desigualdades raciaise sociais.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000 33

2 Ver Ademir Gebara. O mercado de trabalho livre no Brasil.São Paulo,1986.

3 Arquivo Público do Estado da Bahia (doravante APEB), Se-ção Colonial. Maço 917 – Ministério da Justiça. AvisosRecebidos.1878,fl.159

4 APEB. Fundo: Senado do Estado da Bahia. Série: parece-res. nº86.Ano.1891. Seção Republicana. Secretaria daAgricultura. Caixa.nº2382. maço163.documento 622. Ano.1892.

5 Ver B.J.Barickman, Até a véspera: o trabalho escravo e aprodução de açúcar nos engenhos do Recôncavobaiano(1850-1881). Afro-Ásia,21-22(1998-1999).

6 “... Também não tiveram poder suficiente para conduzir aseu próprio gosto, e sem maiores transtornos, a passagemdo trabalho escravo ao trabalho livre dentro de suas proprie-dades” . (idem. p.233)

7 APEB. Fundo Senado do Estado da Bahia. Série: Parece-res, nº86,1891.p.1.

8 Ver sobre o assunto, Mário Augusto da Silva Santos. Sobre-vivência e tensões sociais. Salvador (1890-1930).USP. (tesede doutorado),1982.

9 APEB. Fundo: Senado do Estado da Bahia. Série –Pareceres.nº86.1891.p.1

10 Idem

11 Idem (grifo nosso)

12 O Estado Imperial vai progressivamente adotando medidasque sinalizam o seu desapego ao instituto da escravidão: asinovações constantes nas Leis do Ventre Livre, do Sexage-nário, as recomendações à Justiça nas ações movidas por li-bertos e escravos contra os senhores e até a própria LeiÁurea. No entanto, esse desapego não significou um “ape-go” ao ex-escravo ou preocupação com suas condições deexistência, pois não foram tomadas medidas que importas-sem em transformá-lo em cidadão nacional, ao não ser emcasos excepcionais (Guerra do Paraguai, Guarda Negra).Para cidadão nacional, o Estado Imperial desejava sim, oimigrante europeu, e talvez aqui resida o fulcro do desapegoao instituto da escravidão.

13 Ver João Manuel Cardoso de Mello. Capitalismo tardio.3ªªedição. São Paulo: Brasiliense,1984, e Sérgio Silva, Ex-pansão cafeeira e Origens da indústria no Brasil..7ªed.SãoPaulo: Ed.Alfa-Omega.1986.

14 Josué Modesto dos Passos Subrinho Reordenamento dotrabalho. Trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste Açu-careiro. Sergipe – 1850/1930. (Tese de doutoramento).UNICAMP. 1992. p.191.

15 Ver mais sobre assunto em B.J. Barickman., op.cit.

16 Ver Robert Conrad, Os últimos anos da escravidão no Brasil( 1850-1888) 2ªed. R.J.: Civilização Brasileira, 1978; PassosSubrinho, op.cit

17 APEB ibid. p.1

18 ibid.

19 ibid. (grifo no original)

20 ibid.

21 Ver sobre o assunto João José Reis, Os cantos na vésperada abolição. 2000 (mimeo)

22 Engenheiro Theodoro Augusto Cardoso, Juiz Commissariode Ilheus APEB. Seção Colonial . Avisos recebidos do Mi-nistério dos Negocios da Agricultura e Obras Publi-cas..24.5.1888. Maço 783. Doc.59-A . fl.90. (grifo nosso).

23 Efectuo-se ontem, no predio No. 50, à rua dos Capitães, areunião convocada pelo sr. Eduardo Carigé contra a idéia daemigração chineza.

Analysando o projecto do deputado Cruz Rios e censurando alembrança de introduzirem-se chineses neste estado o sr.Carigé firmou a sua opinião contrária em autoridades de valor.

Compareceu à reunião grande numero de cidadãos de todasas classes, notando-se a presença de socios das socieda-des abolicionistas José Bonifacio, Luiz Alvares, LibertadoraBahiana, Francisco do Nascimento e Rio Branco, de S. Felix,os presidentes dos clubes Luiz Gama desta capital e Carigéda cidade da Cachoeira.

O negociante Euclides Ribeiro Sales apresentou uma pro-posta para que fosse fundada imediatamente uma socieda-de com o fim de fazer propaganda contra a emigraçãochineza, proposta que foi aprovada, depois de usarem dapalavra os senhores Cerqueira Lima, João Moreira, EuclidesSalles, Cincinato Franca, Eloy da Costa e Argemiro Leão.Tendo sido largamente discutida a proposta ficou resolvida aconvocação de uma reunião para o dia 7 do corrente. “Imi-gração chineza”.Jornal de Notícias, 04/09/1891. p. 1

24 APEB. Fundo Senado do Estado da Bahia. SériePareceres.nº86.1891.p.2.

25 idem

26 De forma preliminar, podemos conjeturar que a(s) concep-ções de trabalho africano/afro-brasileira estão diretamenterelacionadas às condições que asseguram a sobrevivência.Podemos pensar, ainda que preliminarmente, na existênciade três modalidades:

O assalariamento, como uma completa inserção no mundocapitalista; a autonomia, como um meio termo, influenciadopelas necessidades de intercambiar as trocas; e o “ócio”que, no limite, é a não-sujeição à lógica capitalista.

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34 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.21-34 Julho 2000

27 APEB. ibid.., p.3

28 ibid.p.4

29 idem

30 idem

31 ibid.

32 ibid., p.7

33 idem

34 Ver sobre o assunto Mário Augusto da Silva Santos. op.cit.

35 Ver mais sobre o assunto, Rômulo Almeida, ClementeMariani, Manuel Pinto de Aguiar in Planejamento, Salvador,vol 5, nº4, out-dez.1977.

36 APEB. Fundo Senado do Estado da Bahia. SériePareceres.nº86.1891.p.7

37 idem.

38 Ibid., p.7

39 ibid.,p.8

40 ibid.

41 idem.p.9 (grifo nosso)

42 Ver. Peter L Eisenberg . Modernização sem Mudança. A in-dústria açucareira em Pernambuco (1840-1910). Rio de Ja-neiro: Paz e Terra; Campinas: Universidade Estadual deCampinas, 1977.

43 APEB. Caixa 2382.Maço 163. Doc.620. 24.01.1892.

44 ibid., fl.2

45 ibid., .fl.3 (grifo nosso)

46 idem

47 Ver, sobre o assunto, Thomas E. Skidmore. Preto no branco:raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. 2ª ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra,1976.

48 APEB. Caixa 2382.Maço 163. Doc.620. 24.01.1892,.fl.4

49 idem.

50 Ibid., fl.8.

51 ibid.,.fl.9

52 idbid.,.fl.10

53 idem

54 ibid., .fls10-11.

55 Ibid., fl.13

56 ibid.,.fl.14

57 ibid., fls 15-16

58 ibid., fl. 16

59 Não foi encontrado registro da apreciação dessa propostapelas instâncias de representação da sociedade.

(I) Esta expressão foi utilizada por Gustavo d’Utra,parecerista convocado pelo Senado

do Estado Federado da Bahia.

* Professor de Economia da Universidade Estadual deFeira de Santana UEFS-BA, da Faculdade de Ciências

Econômicas da UCSAL, doutorando em HistóriaEconômica pela UNICAMP.

Agradecimentos aos professores dr. João José Reis eWalter Fraga Filho pelos valiosos comentários ao texto.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000 35

Mudanças na dinâmica demográficade Salvador e sua Região Metropolitana

na segunda metade do século XX(I)

Ana Lúcia Borges de Carvalho*

Mário André Soares de Freitas**

Paulo Campanário***

Este trabalho confirma as tendências indica-das por outros estudos, sinalizando para aqueda rápida da fecundidade, o redirecio-

namento dos grandes fluxos migratórios e as mu-danças nos padrões de mortalidade e vida médiada população de Salvador e RMS. Esses aspectos,que configuram a atual dinâmica demográfica, con-formam uma situação dificilmente reversível a mé-dio prazo, consolidando um novo padrão de procri-ação (restrita), cujas descendências tendem aampliar os horizontes de sobrevivência. Compreen-der tais movimentos é importante para o entendi-mento dos novos padrões de reprodução e do ritmode crescimento da população de Salvador e de suaRegião Metropolitana.

A análise das mudanças dos padrões de dinâ-mica demográfica da RMS aqui apresentada é ilus-trada com dados extraídos do documento Tendên-cias demográficas e projeção da população poridade e sexo da Região Metropolitana de Salva-dor,1 levando-se em conta os ajuste dos indicado-res demográficos disponíveis.

Salvador viveu, entre 1940 e 1970, um processode intensa expansão demográfica e reordenamen-to das relações sociais de produção, com avançodo desenvolvimento econômico. Aquele período re-presentou um rejuvenescimento da população,resultado do aumento dos saldos líquidos de imi-gração, da melhoria das condições de sobrevivên-cia e do conseqüente aumento da taxa de fecundi-dade total. Já o período seguinte, iniciado nos anosde 1970/80, configura um outro movimento, carac-

terizado na área econômica pela reversão dos in-vestimentos nas relações de produção. Consoli-dam-se, contudo, melhorias nas condições de so-brevivência da população e surge o fenômeno daredução dos índices de reprodução demográfica; fe-nômeno responsável, atualmente, pelo equilíbrio en-tre o crescimento vegetativo e os saldos migratórios.

Objetiva-se mostrar que esses dois movimentoscontraditórios (aceleração e desaceleração do ritmode crescimento da população) são resultantes deprogressivas alterações, ocorridas nos últimos 50anos, na dinâmica da população da Região Metro-politana de Salvador. Essas alterações são perceptí-veis nos componentes demográficos da mortalidadee da fecundidade, configurando modificações noprocesso de reprodução e sucessão das gerações.

Este estudo, portanto, mostra-se importante eútil enquanto alternativa disponível para o planeja-mento socioeconômico da Região Metropolitana deSalvador, permitindo-se evoluir para hipóteses detendências futuras e estimativas de projeção depopulação.

Metodologia

A metodologia utilizada para este estudo parteda elaboração de cenários retrospectivos, obtidosmediante a confrontação entre os indicadores de-mográficos disponíveis2 e dados dos Censos De-mográficos do IBGE. A análise da evolução da po-pulação de Salvador entre 1940 e 1996 é realizadapelo método dos componentes demográficos por

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36 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000

coortes – que representa um procedimento maisadequado à conjuntura de mudanças nos compo-nentes da dinâmica demográfica.

Adotando-se um software que permitiu ajustardados de variáveis demográficas para o período1940-1996 (informações sobre fecundidade, mor-talidade e migração por sexo e grupos etários),inter-relacionaram-se e compatibilizaram-se os re-sultados obtidos com as informações dos CensosDemográficos a partir de 1940, até a Contagem dePopulação de 1996. Obteve-se, assim, uma “revi-são geral” das tendências demográficas para a Re-gião Metropolitana e, particularmente, para o muni-cípio de Salvador para o período analisado. Dessemodo, foi possível elaborar cenarizações retros-pectivas da dinâmica demográfica ao longo dos úl-timos 50 anos.

O modelo gerado por este software – denomina-do Modelo Evadan3 – possibilitou a criação de umaestrutura de população a partir dos componentesdemográficos específicos por coortes. Assim, tra-balhou-se com grupos qüinqüenais de idades emdiferentes anos, com variáveis de relações de so-brevivência, taxas específicas de fecundidade e mi-gração, e com a estrutura etária fornecida pelosCensos.

O programa demográfico adotado projetou, emuma primeira tentativa, uma populacão teóricapara 1950, através da aplicação de taxas relativa-mente confiáveis de mortalidade, e relativamenteaceitáveis de fecundidade e migrações para osperíodos 1940-45 e 1945-50. É válido ressaltarque, caso os níveis de fecundidade e de migraçãoadotados nesse modelo fossem muito diferentesdos realmente existentes em Salvador, a popula-ção gerada para o ano de 1950 tornar-se-ia muitodiferente da população do Censo Demográfico de1950, e isso não ocorreu, devido ao princípio deque, a um dado conjunto de taxas de mortalidade,fecundidade e saldos migratórios por gruposetários, corresponde uma e só uma estruturaetária de população. Através de outras tentativasde ajustes das variáveis (relações de sobrevivên-cia, fecundidade e saldos migratórios) o modelofoi gerando, paulatinamente, uma população cadavez mais próxima à do Censo Demográfico de1950. Assim, pode-se afirmar que os valores defecundidade e de saldos migratórios adotados

pelo modelo, para o período 1940-1950, estavammuito próximos aos valores reais.

Para o período 1950-1960, adotou-se o mesmoprocedimento e assim sucessivamente. É impor-tante dizer, ainda, que no programa demográficoadotado, a estrutura da população inicial (a de1940) encontra-se engendrando a estrutura da po-pulação atual em 1996 e vice versa. Por este moti-vo, a população estimada pelo programa é tão (oumais) confiável que a contagem dos Censos De-mográficos, uma vez que estes estão sujeitos aomissões nos grupos etários menores de cincoanos e a declarações de idade mal feitas.

As considerações metodológicas mais focaliza-das sobre os componentes demográficos são apre-sentadas mais adiante, quando do desenvolvimen-to de cada um deles.

As Transformações Demográficasna Região Metropolitana de Salvador

A Região Metropolitana de Salvador representaa extensão geográfica que interage diretamente coma Cidade de Salvador. Assim, os municípios locali-zados nos limites periféricos da capital do Estadopassam a assumir funções correlatas de expansãode suas relações sociais de produção, abrigandoparques petroquímicos, centros fabris, dormitóriospara o proletariado, parques, além de áreas verdes,de lazer e de veraneio – áreas para as quais, gra-dativamente, se processa o transbordamento da ci-dade maior. Ora, tudo o que há 50 anos estavacircunscrito ao município de Salvador ampliou-seem tal monta que, necessariamente, passou a ocu-par uma nova extensão territorial, transformandoas antigas funções pastoris e agrícolas em ummodo de vida predominantemente urbano, ao quese denominou Região Metropolitana de Salvador.

A RMS compõe-se de dez municípios: Camaçari,Candeias, Dias D’Ávila, Itaparica, Lauro de Freitas,Madre de Deus, Salvador, São Francisco do Con-de, Simões Filho e Vera Cruz. Segundo a Conta-gem Populacional realizada em 1996, pelo IBGE, eainda sem nenhuma correção, a região possuía2.709.084 habitantes, representando cerca de 22%do total da população do Estado da Bahia. Na Ta-bela 1, observa-se a série histórica da populaçãoda RM de Salvador, de 1940 a 1996, estando assi-

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000 37

nalados os municípios que foram desmembradosde Salvador durante esse período, com seus res-pectivos anos de emancipação.

Conforme dados totais da Tabela 1, o municípiode Salvador possuía, em 1940, uma participação de88,57% da população do conjunto dos municípiosque compõem a sua região metropolitana. Em 1996,segundo a Contagem Populacional, essa participa-ção passou a 81,63%. Esta diminuição de participa-ção da população de Salvador na da RMS, no en-tanto, confirma o fenômeno do transbordamento, namedida em que o incremento populacional total dacapital foi da ordem de 755% no período 1940-1996.Para melhor análise da dinâmica demográfica deSalvador e sua Região Metropolitana, considerou-sepertinente destacar as principais tendências nos ní-veis do crescimento demográfico da capital, uma vezque estas tendências atuaram como uma fonte pro-pulsora da dinâmica que, gradual e permanentemen-te, passou a permear toda a Região Metropolitana.

No Quadro l, é possível observar que a popula-ção na área correspondente à RMS – e em especial

no município de Sal-vador – apresentouaceleração do ritmode crescimento en-tre 1940-1960, comtaxas de cresci-mento da ordem de3,32% a 4,82% aoano.

Em um primeiromomento (1940 a1960), a Região deSalvador apresen-tou uma rápida ace-leração do ritmode crescimento de-mográfico. Entre

1940 e 50, a taxa de crescimento médio anualelevou-se para 3,32% ao ano, atingindo, na dé-cada de 1950-60, o nível máximo de 4,82% aoano. A partir daí a taxa declinou, embora aindamantendo um ritmo de crescimento bastante alto:4,57% ao ano, entre 1960 e 1970; na década de1970-1980, 4,41%. Essa maior aceleração ocor-reu devido à combinação do crescimento migrató-rio com o crescimento vegetativo (como será abor-dado adiante), configurado pela elevação dastaxas de sobrevivência e aumento da fecundidade,conseqüências também associadas ao saldo daimigração líquida, predominantemente de pessoasjovens.

A partir dos dados do Censo Demográfico de1980, observou-se na Região Metropolitana deSalvador uma tendência à desaceleração do ritmode crescimento demográfico, momento em que ataxa de crescimento médio anual caiu para 3,19%ao ano (1980-1991). Entre 1991-1996 a taxa desceainda mais, indo para 1,62% ao ano. Esta menoraceleração deve-se à diminuição do crescimento

vegetativo, configu-rado pelo fenôme-no da queda dafecundidade e peladesaceleração dastaxas de crescimentodos saldos médiosmigratórios anuaisdepois de 1980.

1alebaToipícinumropetnediseroãçalupoP

6991-0491-SMR

SMRadsoipícinuM 0491 0591 0691 0791 0891 1991 6991

iraçamaC 831.11 008.31 948.12 372.33 574.96 936.311 109.431

*)8591(saiednaC 363 691.7 484.81 591.43 180.45 149.76 305.96

alivÁ'DsaiD — — — — 307.91 062.13 619.73

acirapatI 969.4 939.6 277.7 193.8 778.01 550.51 579.71

*)2691(satierFed.L 873 494.7 568.9 700.01 003.53 072.96 912.79

*)9891(sueDed.M — — — — 392.8 381.9 169.9

rodavlaS 369.292 098.293 719.536 591.700.1 886.394.1 372.570.2 935.112.2

ednoCodocsicnarF.S 904.01 770.11 554.81 837.02 538.71 832.02 312.42

*)1691(ohliFseõmiS 784 556.9 359.9 910.22 875.34 625.27 922.87

zurCareV 550.01 084.9 187.11 300.21 347.31 631.22 926.72

SMR 267.033 135.854 670.437 128.741.1 375.667.1 125.694.2 480.907.2

.oãçalupoPedmegatnoCesocifárgomeDsosneC.EGBIodsodadedritrapaP&PalepodarobalE:etnoF.7991,seõçamrofniedleniaP.CETNALPES-REDNOCadritrapa,rodavlaSedotnemarbmemsedoaetnereferonA)*(:satoN

1ordauQlaunaoidémotnemicsercedaxaT

6991-0491-SMRerodavlaS

odoírePlaunAoidéMotnemicserCedaxaT

05-0491 06-0591 07-0691 08-0791 19-0891 69-1991

rodavlaS 89,2 39,4 17,4 20,4 30,3 62,1

SMR 23,3 28,4 75,4 14,4 91,3 26,1

.oãçalupoPedmegatnoCesocifárgomeDsosneC-EGBIodsodadedritrapaP&PalepodarobalE:etnoF

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38 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000

Estrutura da população de Salvadorpor idade e sexo

O programa (software) demográfico adotou osdados de população de Salvador, por idade e sexo,do IBGE, conforme as tabelas a seguir, que mos-tram a distribuição dessa para os anos de 1940, 1950,1960, 1970, 1980, 1991 e 1996. Após cada tabela,são apresentadas as respectivas figuras de pirâmi-des, que permitem ilustrar as alterações na estrutu-ra etária da população.

Deve-se registrar as considerações de que asgerações mais velhas geram um número de filhosmaior que seu próprio contingente. A população re-sultante terá, então, uma proporção relativamentemaior de jovens que de adultos e maior de adultosque de pessoas idosas. A população terá a formade uma pirâmide, conhecida como pirâmide popu-lacional. Assim, basta examinar a distribuição deuma população por idades para afirmar se as mu-lheres desta mesma população estão gerando umalto ou um baixo número de filhos; se a fecundida-de está ou não diminuindo e, inclusive, quais são

os níveis aproximados de fluxos migratórios, poistodos estes fenômenos provocam modificações es-pecíficas na distribuição etária da população.

Na pirâmide etária da população de Salvador parao ano de 1940, observa-se a dilatação das coortes de10 a 30 anos, indicando significativa imigração líqui-da; destaca-se que no sexo feminino o ganho migra-tório é mais acentuado. A pirâmide de populaçãopara 1950, por sua vez, demonstra uma significativoaumento do grupo etário de 0 a 4 anos; isto é, aquelacoorte nascida no período imediato ao Pós-Guerra.

A pirâmide etária para 1960 ilustra a estruturada população que ganhou com a imigração líquida,no período de 1950 a 1960, cerca de 37,6% de no-vos habitantes, distribuídos nos diversos gruposetários. Nota-se o alargamento da parte inferior dapirâmide e o preenchimento de vazios existentesna pirâmide de 1950, retratando o início do proces-so de rejuvenescimento da população. Para 1970,a pirâmide demonstra a continuidade deste processode rejuvenescimento, havendo um número cres-cente de pessoas em idade fértil e, consequente-mente, um número continuamente maior de nasci-

dos vivos. É válidonotar que, naqueleano, cerca de 28%da população totalpertencia à faixa de0 a 9 anos de idade;ou seja, tinha nasci-do entre 1960 e1970.

A pirâmide de1980 demonstra umacontinuidade no pro-cesso de rejuve-nescimento da po-pulação, com umnúmero crescentede mulheres emidade fértil e um nú-mero continuamen-te maior de nasci-dos vivos, apesarda diminuição daTFT que se acen-tua a partir desseano. A base da pi-

2alebaToxeseedadiedsopurgropoãçalupoP

0791-0491-rodavlaS

sedadI0491 0591 0691 0791

H M H M H M H M

4a0 317.61 443.61 417.52 754.52 377.44 996.34 865.57 545.37

9a5 545.51 320.61 810.91 072.91 241.73 221.73 737.86 513.86

41a01 910.51 696.61 009.81 688.02 134.33 803.63 381.75 947.16

91a51 743.41 148.61 200.02 413.42 045.23 795.93 534.15 603.36

42a02 699.31 484.71 097.02 594.52 560.23 400.83 219.74 384.55

92a52 017.21 041.61 106.71 946.02 147.52 271.03 350.63 620.34

43a03 134.01 206.21 032.31 092.51 624.02 092.32 626.03 418.43

93a53 707.8 153.01 158.11 205.41 457.71 423.12 836.52 095.03

44a04 921.7 665.8 686.9 330.11 687.41 747.61 288.12 709.42

94a54 796.5 710.7 995.7 873.9 757.11 769.31 686.71 382.02

45a05 144.4 678.5 036.5 112.7 927.8 948.01 760.31 849.51

95a55 272.3 876.4 779.3 082.5 592.6 071.8 806.9 264.21

46a06 301.2 735.3 643.3 569.4 859.4 250.7 750.7 556.9

96a56 582.1 375.2 118.1 430.3 000.3 848.4 628.4 136.7

47a07 957 527.1 320.1 582.2 287.1 625.3 180.3 883.5

97a57 083 041.1 155 162.1 010.1 071.2 347.1 8263

08> 153 752.1 334 814.1 317 071.2 571.1 881.3

latoT 588.231 058.851 261.181 827.112 209.692 510.933 772.374 819.335

lareGlatoT 537.192 098.293 719.536 691.700.1 — — — —

.0002-0491rodavlaSedacifárgomedoãçulovE,NALPECOe,EGBI:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000 39

râmide retrata a dinâmica da sucessão de gera-ções, uma vez que cerca de 14% da população to-tal encontrava-se na faixa de 0 a 4 anos de idade,tendo nascido, portanto, no período 1975-1980.

As pirâmides de 1991 e 1996 apresentam con-formações semelhantes entre si e são distintas da-quelas dos anos anteriores. A sua principal carac-terística é a presença de forte retraimento em suasbases (nos grupos etários de 0 a 4 anos), demons-trando o declínio da fecundidade. Esta tendênciacontribuirá para diminuir, em números absolutos, otamanho das novas gerações.

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40 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000

Mudanças nos Indicadores Específicospor Componentes

MortalidadePara se chegar ao padrão de mortalidade da

RMS, o procedimento utilizado pelo programa demo-gráfico adotado foi a comparação da seqüência dastaxas de mortalidade por grupos de idade dessa re-gião com as do denominado Modelo Brasil, modeloempírico de mortalidade adaptado a este País, de-senvolvido por pesquisadores4 do IBGE nos anos 80.

As informações de mortalidade foram deriva-das de tabelas de óbitos de Salvador e da RMS, apartir de dados das estatísticas do Registro Civildo IBGE e do Sistema de Informação de Mortes(SIM) do Ministério da Saúde/SESAB, sem que setenha efetuado nenhum tipo de correção. Estesdados são apresentados por grupos de sexo. Paracalcular as taxas de mortalidade por idades (ape-sar dessas serem subestimadas, devido à omis-são de óbitos no Registro Civil), buscou-se umaforma ou estrutura semelhante à das taxas encon-tradas nas tábuas do Modelo Brasil. Através doprocedimento de comparação – e com a ajuda dométodo matemático dos mínimos quadrados –chegou-se à tábua do Modelo Brasil mais próxi-ma, com o cálculo das taxas. Com a tábua encon-trada, pôde-se chegar à esperança de vida aonascer para Salvador e sua Região Metropolitana.

Por outro lado, pesquisou-se uma estrutura demortalidade que permitisse uma relação de sobre-vivência mais compatível com os dados empíricoscoletados. Constatou-se que a realidade em Salva-dor expressa algumas divergências em relação aosmodelos clássicos Um exemplo disso é a curva detaxas específicas de mortalidade masculina paraSalvador no ano 1991. Nessa curva, os grupos deidade de 15 a 30 anos apresentam uma elevaçãodas taxas de mortalidade diferente das curvas doModelo Brasil, devido talvez aos altos índices deóbitos por causas violentas, muito mais freqüentesentre o sexo masculino. Optou-se, contudo, por uti-lizar-se, no software, as relações de sobrevivênciacorrespondentes a este Modelo.

Para exemplificar a situação acima, apresenta-se o gráfico “Salvador – Padrão de MortalidadeMasculina, 1991”, no qual se compara a curva demortalidade masculina desse município com trêsestruturas padrões do Modelo Brasil, correspon-dentes às tábuas 19, 20 e 21, correlacionadas res-pectivamente com 61,21 anos, 63,61 anos e 66,03anos de esperança de vida ao nascer (eoo) 5. Essastábuas expressam a estrutura mais próxima do pa-drão empírico encontrado em Salvador, em 1991.

Em Salvador e em toda a Região Metropolitana,é grave o problema do sub-registro de óbitos, fatoque acaba por interferir no cálculo da esperança devida. Este é um problema antigo, mas só agora, com

o Sistema de Informaçãode Mortes (SIM), atual-mente sob os auspíciosda Secretaria Municipalde Saúde, começa-se avisualizar uma possibili-dade de melhoria no con-trole da notificação e tratoestatístico da mortalidadeem Salvador. Também nosdemais municípios, cujossistemas de saúde são fi-nanciados pelo Piso deAtenção Básica (PAB), oSIM tende a ser aperfei-çoado, pois é condiçãoexigida pelo Ministério daSaúde para o repasse derecursos.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000 41

Observam-se pequenas diferenças nos resulta-dos dos diversos estudos que efetuaram cálculosda esperança de vida ao nascer para Salvador, noperíodo 1940-1995. Assim, a OCEPLAN, 1976,6

apontou, para o período 1940-1950, a esperançade vida em torno de 40 anos na capital e um valorainda menor para o conjunto da RMS. Para o perío-do 1960-1980, os valores apresentados pelaOCEPLAN foram os seguintes: 51 anos em 1960;57 anos em 1970 e 62 anos em 1980. O estudo deCamarano7 apontou que, para a RMS, a expectati-va de vida ao nascer seria superior a 68 anos paraambos os sexos em 1995, tendo em vista os maio-res recursos de saúde em Salvador e o peso daparticipação da capital na RMS.

Considerando o problema de subcontagem, asdiferenças nos resultados de estudos e a ausênciade confiabilidade nos dados de mortalidade, utiliza-ram-se, no programa demográfico adotado, dadosdisponíveis na Secretaria Estadual de Saúde (SESAB)e nas Estatísticas de Registro Civil do IBGE, a fimde compor a estrutura de mortalidade por idade esexo para Salvador e sua Região Metropolitana.

Para entrada de dados no software, adotou-se,para o ano de 1940 (período em que a mortalidadeera dificilmente mensurada, com elevada incidên-cia de mortalidade infantil, na infância e na velhice),a estimativa de esperança de vida em Salvador de32,49 anos para homens e 37,38 anos para mulhe-res. Sabe-se, entretanto,que, ao longo dos anos,a esperança de vida dapopulação foi aumentan-do, chegando aos se-guintes valores, atravésdas relações de sobrevi-vência correspondentesao Modelo Brasil:

Aplicado o ModeloEvadan, chegou-se às se-guintes conclusões prin-cipais: a) em todos os anospara os quais se dispõede dados de mortalidadepor sexo, as taxas mas-culinas são sempre su-periores às femininas. Amortalidade em Salvador,

portanto, segue o padrão geral de sobremortalidademasculina, observado na maioria das populaçõesconhecidas no mundo; b) houve uma modificaçãono padrão de mortalidade ao longo do período de1940-96, com redução da mortalidade na infância etambém da mortalidade infantil, fatos que contribu-em para a elevação da esperança de vida ao nas-cer; c) embora os decréscimos de mortalidade te-nham propiciado “ganhos de vida” consideráveispara ambos os sexos, eles foram maiores, em ter-mos absolutos, para o sexo feminino; d) a esperan-ça de vida ao nascer, entre 1940-45 e 1990-95, au-mentou 1,8 vezes, tendo, ao longo do período,permanecido em constante elevação.

O gráfico a seguir representa a curva de mortali-dade em Salvador para 1940, 1960 e 1996 e ilustra a

2ordauQrecsanoaadivedaçnarepsE

5991-0491,rodavlaS

odoírePadived.psE

)ooe(odoíreP

adived.psE)ooe(

54-0491 09,63 57-0791 06,85

05-5491 03,93 08-5791 00,16

55-0591 01,24 58-0891 01,36

06-5591 07,74 09-5891 00,56

56-0691 05,25 59-0991 00,66

07-5691 08,55 — —

.nadavEoledoM.adtLP&P:etnoF

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42 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000

transformação do padrão de mortalidade. Estima-seque as melhorias ocasionadas pelos investimentosem saneamento, saúde, educação e as mudanças noâmbito das relações sociais, contribuíram para o au-mento da sobrevivência da população. O gráfico dascurvas de mortalidade, elaborado a partir das taxasespecíficas, apresenta uma situação caraterizadatanto pela redução da mortalidade na infância (1960),quanto pela redução da mortalidade infantil (1996). Oabatimento das curvas, representando taxas específi-cas sempre menores em todas as idades, sinaliza oprogressivo aumento da esperança de vida da popu-lação, configurando melhorias irreversíveis.

A diminuição da mortalidade infantil, que geraum aumento do número de crianças sobreviventes,causa um efeito que é identificado na estruturaetária de modo similar ao de um aumento na fecun-didade. Este fenômeno ocorreu em Salvador nosanos 40 e 50 e antecedeu a diminuição da fecundi-dade, cujo início se deu nos anos 70.

FecundidadeComo indicadores da fecundidade, selecionou-

se as TFT8 estimadas para a Região Nordeste,para a Bahia e para a Região Metropolitana de Sal-vador ao longo do período de 1940 a 1998,9 perío-do no qual se configura uma significativa alteraçãono padrão de reprodução biológica da população.

Na década iniciada em 1970, ocorreu na RMSum movimento contínuo e generalizado de reduçãoda fecundidade, acompanhando o movimento doEstado da Bahia como um todo, para o qual esti-mava-se que a taxa de fecundidade total estariaentre 3,1 e 2,8 filhos por mulher, para os períodos1980-1991, e 1991-1996 (Camarano et al., 1998).10

Essa tendência, na Bahia, deveu-se principal-mente à acentuada queda nos níveis de fecundida-de total, que passou de 6,2 filhos/mulher, em 1980,para 2,7 filhos/mulher, em 1991, fenômeno que vemocorrendo de forma mais rápida na área urbana e

que pode ser atribuído a fatores tais como a inten-sa difusão de práticas restritivas da procriação;maior inserção da mulher (de todas as classes so-ciais) no mercado de trabalho; mudanças culturaise difusão de ideologias de controle da natalidade.Tudo isso gerou a disseminação de um novo pa-drão de tamanho de família.

No período de 1980 a 1996, a taxa de fecundida-de total (TFT) sofre redução significativa. A quedado número médio de filhos nascidos vivos tidos aolongo da vida reprodutiva da mulher acelerou-se du-rante a década de 1980, constituindo-se em um fe-nômeno que vem ocorrendo de forma mais rápidana área urbana. Esse mesmo fenômeno vem sendoobservado para Salvador, para a Bahia e para a Re-gião Nordeste e constitui-se em tendência nacional.

O software da pesquisa retrospectiva utiliza es-truturas de fecundidade, considerando variáveis deidade média das mães e taxas específicas, correla-cionadas com os níveis de fecundidade represen-tados por TFT.

O gráfico 3 ilustra a queda da fecundidade noEstado da Bahia. O abatimento das curvas verifica-do após 1970 é bastante significativo, uma vez quesinaliza para a redução progressiva das taxas nosdiversos grupos de idade e para a redução da ida-de média das mães, caracterizando uma transfor-mação da estrutura de fecundidade das mulheresno Estado da Bahia (observado no deslocamentodo vértice superior para posições que representamgrupos mais jovens de mães).

Observa-se, ainda, a curva para a Região Nor-deste em 1940, que expressa a fecundidade deuma população eminentemente rural e com morta-lidade dificilmente calculável. A curva de Salvadorem 1995 expressa uma estimativa de padrão urba-no atual, com estrutura de fecundidade correspon-dente à taxa de fecundidade total (TFT) de 2,5filhos nascidos vivos por mulher, ao final de suavida reprodutiva.

3ordauQedadidnucefedsaxaT

1991-0491,etsedroNoãigeReaihaB

aerÁ 0491 0591 0691 0791 0891 1991

)1(aihaB 8,6 4,7 3,7 5,7 2,6 7,3

)2(etsedroN 2,7 6,7 4,7 5,7 1,6 7,3

.2991,SHD/MAFMEB)2(e;7891,azuoS)1(:etnoF

4ordauQedadidnucefedsaxaT

8991-1991,SMReaihaB

aerÁ 1991 2991 3991 4991 5991 6991 7991 8991

)3(aihaB 33,3 61,3 00,3 58,2 37,2 26,2 25,2 34,2

)4(SMR – 70,2 29,1 – 00,2 58,1 – –

.sDANP,EGBI)4(.9991siaicoSserodacidnIeoãçalupoPed.tpeD,EGBI)3(:etnoF

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5.3 MigraçãoA migração nos últimos 50 anos, em Salvador,

apresenta um saldo positivo, sendo que, no períodode 1940 a 1980, a imigração líquida deteve um pesosignificativo em sua expansão demográfica. Analisan-do-se os dados de população – e utilizando-se proce-dimentos de mensuração indireta – estimou-se a mi-gração por resíduo; ou seja, a diferença, entre doisCensos, comparando-se a população esperada (re-sultado do crescimento vegetativo, supondo-se o usocorreto de relações de sobrevivência)11 e a efetivamen-te observada (nas coortes de 10 anos e mais), resul-tado do crescimento vegetativo e saldo migratório.

Em 1940, o saldo migratório propiciou um ganhoque chegou a representar 71,40% do total do cres-cimento demográfico do município. Para estimar osaldo migratório na RMS e em Salvador, adotou-secomo procedimento um método indireto, através docálculo do incremento dos sobreviventes por gru-pos etários, em períodos intercensos. A compara-ção da estrutura etária da população entre dois cen-sos, permitiu obter resultados indiretos satisfatóriosquanto ao ganho de população nos grupos etáriosacima de 10 anos, observando-se que o cálculo con-siderou a população sobrevivente.

No gráfico 4, ilustra-se o incremento promovidopelos saldos migratórios em Salvador, por gruposde idade. Dispondo-se de pouca informação sobreo movimento migratório no município, o gráficocomposto a partir das curvas de população relacio-nadas aos grupos etários, objetiva focalizar o ex-pressivo volume de incremento nos grupos acimade 10 anos. Observa-se, em especial, o volume deimigrantes nas idades de 10 a 34 anos. O incre-mento de imigrantes é estimado (ver Quadro 5) emcerca de 268.837 pessoas, entre 1970 e 1980. Noperíodo de 1940 a 1991, o saldo migratório é res-ponsável por ganhos de população em proporçõesacima de 50% do crescimento demográfico. O volu-me populacional do saldo migratório correspondeu a24,7% na década de 40; a 37,6% na década de 50;a 30,9% na década de 60; 26,7% na década de 70;e, na década de 80, a 25,2%, sempre em relação aototal da população no início de cada década.

Para o período de 1991 a 1996, o IBGE realizou(em 1996) a contagem de pessoas que há mais decinco anos moravam em município diferente da-

quele em que residiamquando do momentoda contagem. Para Sal-vador, o número depessoas que estabele-ceram domicílio no pe-ríodo pesquisado foide 84.790 pessoas.Como não há referên-cia quanto ao númerode pessoas que deixa-ram Salvador, não épossível obter-se o sal-do migratório nesse

5ordauQoãçalupopadotnemicsercoerbosadiuqíloãçargimiadotcapmI

6991-0491-rodavlaS

odoíreP

oãçalupoPadotnemicserC edoãçroporPonsetnargimI)%(emuloVlatoTotnemercnI %

oãçargimIadiuqíL

%

05/04 551.101 76,43 422.27 4,17 7,42

06/05 720.342 68,16 487.741 8,06 6,73

07/06 872.173 83,85 715.691 9,25 9,03

08/07 744.484 01,84 738.862 4,55 7,62

19/08 136.385 31,93 803.673 4,46 2,52

69/19 662.631 75,6 705.21 2,9 6,0

0791a0491edsonasoarap,0002-0491-rodavlaSedacifárgomedoãçulovE,nalpecO:etnoF.6991a0891ed.adtLP&Palepodazilautae

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44 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000

período. Ao comparar o ganho absoluto de 136.266pessoas (nascimentos + saldo migratório) nessemesmo período, observa-se, grosso modo, uma re-lativa queda migratória no crescimento da popula-ção e a tendência ao equilíbrio entre imigração eemigração no município de Salvador. O resultado daContagem Populacional de 1996 apresenta, para oprimeiro qüinqüênio da década de 90, alteração nocomportamento do saldo migratório para Salvador,demonstrando um saldo dificilmente estimado que,contudo, configura uma alteração no ritmo do movi-mento migratório.

No quadro 6, apresenta-se o incremento popu-lacional e as estimativas de imigração líquida ocor-ridas na RM de Salvador no período de 1980 a1996. O incremento de 41,32% no período de 1980a 1991 ocorreu expressivamente nos municípiosde Camaçari, Lauro de Freitas e Simões Filho, esti-mando-se uma proporção de 27,37% desse incre-mento com imigração líquida.

Para o período de 1991 a 1996, ocorreu um in-cremento total de 8,51% na população da RM de

Salvador, estimando-seuma proporção de 6,18%de imigração líquida, oque corresponde, no mu-nicípio de Salvador, auma alteração do ritmode movimento migratório.

Com respeito à estru-tura da migração, ocomportamento diferen-cial dos migrantes poridades não se altera,ocorrendo de forma se-melhante ao de quasetodas as regiões, preva-lecendo uma tendênciade que os migrantes se-jam preponderantemen-

te jovens adultos, com um máximo no grupo 20-24anos; tal estrutura de migrantes influenciou no reju-venescimento da população de Salvador. Atual-mente, apesar de manter a mesma estrutura, pre-ferencialmente jovem, de migrantes, sua reduçãoem peso relativo à população total reduz a influên-cia do fluxo migratório.

Observa-se, na década de 90, uma alteraçãorelevante no ritmo do movimento migratório, dife-

6ordauQoãçalupopadotnemicserceadiuqíloãçargimI

69-1991e19-0891–rodavlaSedMR

SMR19-0891 69-1991

otulosbA % otulosbA %

latoTotnemercnI 939.927 23,14 365.212 15,8

adiuqíLoãçargimI 144.384 73,72 053.451 81,6

edsonasoarap,0002-0491-rodavlaSedacifárgomedoãçulovE,nalpecO:etnoF.6991a0891ed.adtLP&Palepodazilautae0791a0491

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.35-48 Julho 2000 45

rente do que vinha ocorrendo, sistematicamente,há 50 anos. Não se dispõem ainda de dados queavaliem alterações na estrutura etária da migração.Porém, avaliando dois aspectos da atual conjuntu-ra sociodemográfica, estima-se que a alteração dofluxo migratório seja irreversível a médio prazo.

A tendência atual de redução do saldo migrató-rio líquido em Salvador e em sua Região Metropoli-tana, pode ser justificada pelo aumento da taxa dedesemprego que é, no entanto, ainda mais elevadaentre os jovens – os mais propensos à migração.No início de 1998, por exemplo, mais de um terçodos jovens entre 18 a 24 anos, que estavam naPEA, se encontravam desempregados.

Na RMS continua havendo o atrativo de melho-res oportunidades de trabalho, porém a competiti-vidade e as condições de permanência neste mer-cado redirecionam o fluxo migratório oriundo dointerior do Estado da Bahia para centros urbanosintermediários, onde incentivos governamentais àformação de centros industriais e de serviço de mé-dio porte despontam, fixando parcelas da popula-ção que deixam a área rural. O fenômeno da quedada fecundidade, que vem ocorrendo em todo o Es-tado da Bahia nas últimas décadas, principalmentenas zonas urbanas interioranas, tem se constituído

em um outro redutor, a médio prazo, da migraçãodas coortes mais jovens do interior do Estado paraa Região Metropolitana de Salvador.

Conclusões

A análise realizada com o cruzamento das infor-mações disponibilizadas possibilitou a confecçãode alguns cenários demográficos retrospectivospara os últimos 50 anos. Assim, para o conjunto daRegião Metropolitana de Salvador, dadas as condi-ções especificas de fecundidade, mortalidade esaldos migratórios, a população por grupos etáriosqüinqüenais e por sexo resultante do estudo reali-zado é mostrada na tabela abaixo:

Ao comparar os valores apresentados pelo IBGEnos Censos Demográficos de 1940, 1950, 1960,1970, 1980 e 1991 e na Contagem Populacional de1996, com os valores encontrados através da apli-cação do programa demográfico adotado, percebe-se que os totais de população apresentam diferen-ças. O IBGE computou 1.766.573 habitantes em1980; 2.496.521 hab. em 1991; e 2.709.084 hab. em1996. Para 1980, o programa computou 1.857.628habitantes (91.055 a mais que o IBGE); já para1990, apesar da diferença de um ano a menos, o

4alebaTsoxessosobma,sianeüqniüqsoirátesopurgropoãçalupopadoãçiubirtsiD

0991-0491,SMRsedadI 0491 5491 0591 5591 0691 5691 0791 5791 0891 5891 0991

40-00 633.56 563.47 879.39 062.611 580.141 241.671 250.491 237.722 482.482 515.213 729.282

90-50 963.84 731.75 893.56 590.48 475.701 288.631 746.571 191.491 478.722 353.972 038.503

41-01 201.24 829.15 991.95 805.96 753.09 117.711 528.051 704.881 559.502 124.542 930.303

91-51 298.14 118.45 902.16 153.17 327.48 487.801 182.931 628.271 068.012 251.132 665.372

42-02 327.93 560.15 676.06 704.07 041.48 023.99 769.421 227.161 775.102 918.732 379.652

92-52 015.53 948.24 503.25 498.16 199.17 203.48 079.79 785.621 652.661 465.302 178.732

43-03 102.03 863.53 009.14 716.94 108.75 791.86 707.08 509.69 578.721 487.561 588.102

93-53 596.42 930.92 068.33 448.93 632.74 461.75 602.96 122.18 298.6 926.721 366.561

44-04 498.02 999.22 781.72 015.23 961.93 354.74 681.85 919.86 266.97 021.69 847.721

94-54 884.71 638.81 399.02 259.52 471.23 534.83 942.64 027.65 491.76 349.77 226.49

45-05 134.41 604.51 228.61 359.91 578.52 789.03 821.63 551.44 977.45 625.36 078.27

95-55 414.11 670.21 881.31 569.5 854.02 605.42 887.72 502.33 183.14 038.05 137.85

46-06 636.8 900.9 908.9 041.21 290.61 806.81 227.02 112.52 496.13 184.83 538.64

96-56 999.5 353.6 638.6 605.8 895.11 599.31 751.51 198.81 737.42 992.92 735.43

47-07 817.3 451.4 374.4 725.5 995.7 428.9 225.11 257.31 890.81 669.12 422.52

+e57 936.2 278.3 444.4 550.5 493.6 633.9 701.31 028.51 905.81 958.32 639.03

siatoT 840.314 762.984 872.275 585.886 762.448 546.140.1 515.162.1 362.625.1 826.758.1 062.502.2 552.915.2

.6991edoãçalupopedmegatnocade1991a0491edsocifárgomeDsosneCsodsodadedritrapa,)oiránapmaC.P(nadavEoledoM:etnoF

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modelo apresentou 22.734 habitantes a mais doque os valores do IBGE no Censo de 1991.

A análise da expansão da população de Salvadordemonstra que, no período 1940-1980, a dinâmicanão se deveu apenas à evolução da fecundidade,mas também à intensificação da imigração líquidae, embora em menor escala, à redução dos níveisde mortalidade. A tabela a seguir apresenta, demodo sintético, taxas de crescimento migratório ede crescimento vegetativo, as quais compõem ocrescimento da população. Observa-se que, na dé-cada de 40, o crescimento vegetativo da populaçãoficou estimado em 0,87% ao ano, evoluindo, na dé-cada de 60, para 2,22% ao ano. Na década de 70,o crescimento vegetativo passa a apresentar redu-ção, ficando em 1,41% ao ano, e expressa não umaumento na mortalidade, mas sim uma queda nafecundidade, conforme quadro a seguir:

No período analisado (1940-1996), a exemplode Salvador, a Região Metropolitana, apresentouuma tendência à aceleração do ritmo de cresci-mento demográfico até 1960. Essa maior acelera-ção ocorreu na combinação do crescimento migra-tório e do crescimento vegetativo (configurado pelamelhoria das taxas de sobrevivência e aumento dafecundidade). A análise da dinâmica da população,no período 1940-1980, mostra que essa não se de-veu apenas à evolução da fecundidade, mas tam-bém à intensificação da imigração líquida e, emboraem menor escala, à redução dos níveis de mortali-dade.

Nas últimas décadas, a população da RMS vemsendo submetida a rápidas transformações demo-gráficas, principalmente no que se refere à diminui-ção importante do ritmo de crescimento da popula-ção e à diminuição da proporção de pessoas jovens,

processo conhecido como envelhecimento da po-pulação. O gráfico a seguir ilustra a evolução daidade média da população da RMS, no perío-do1940-2000:

A diminuição da fecundidade tem sido o fatordeterminante (e, em menor proporção, a reduçãodos saldos migratórios) para a diminuição no ritmode crescimento da população. Sua ocorrência temcomo fator explicativo a modificação nos padrõesreprodutivos e familiares que vem ocorrendo desdeos anos 60, com intensificação a partir dos anos 80.

As quedas da fecundidade e da mortalidadecorrespondem a uma transformação estrutural napopulação de Salvador e de sua Região Metropoli-tana. No caso da primeira, configura-se como umatendência praticamente irreversível, pelo menos amédio prazo. Por outro lado, também o saldo mi-gratório vem decrescendo no conjunto da RMS. Apopulação de Salvador já passa a apresentar um“transbordamento” para os municípios vizinhos,ocorrendo uma mobilidade em busca de novos es-paços de moradia e trabalho.

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6991-0491,rodavlaS

odoírePotnemicserClaunaoidém

)onaoa%(

otnemicserCoãçargimrop)onaoa%(

otnemicserCovitategev)onaoa%(

105-0491 20,3 51,2 78,0

106-0591 39,4 00,3 39,1

107-0691 17,4 94,2 22,2

208-0791 80,4 76,2 14,1

319-0891 30,3 15,2 25,0

;)13:0791(.lateazuoS.1:etnoF.9991,.adtLP&PadavitamitsE.3;0891e0791edocifárgomeDosneC.2

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6991-1991,SMR–oirótargime

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69-1991 56,1 42,1 14,0

.0002me,.adtLP&PalepocifárgomedamargorponadazilaeravitamitsE:etnoF

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Duas observações merecem registro em rela-ção ao software (programa demográfico) adotado:

1) esse programa gera números de população apartir da evolução dos grupos qüinqüenais, segun-do as relações de sobrevivência e fluxos migratóri-os específicos, e traz como uma de suas grandesvantagens a possibilidade de avaliar a reproduçãodemográfica e seus indicadores e respectivas da-dos das estatísticas vitais;

2) esse programa prima menos pela sua origi-nalidade em termos técnicos e demográficos, e maispor sua originalidade quanto à introdução de rela-ções de sobrevivência por idades, taxa de fecundi-dade total (TFT) e saldos migratório, por gruposetários, no decorrer de um longo período (1940-1996), assim como pela busca de coerência des-ses dados com a estrutura de população apresen-tada nos Censos Demográficos.

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Notas

1 Estudo realizado pela P&P Ltda. para a SEPLAM – PDDUde Salvador, março/2000.

2 IBGE, ABEP, CONDER e SEI/SEPLANTEC, SEPLAM/PMS.

3 Esse modelo é de autoria de Paulo Campanário, foi aplicadonos Estudos Demográficos realizados pela P&P Ltda., em1999, para o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano –SEPLAM / Prefeitura Municipal de Salvador.

4 FRIAS, L. A. M., Rodrigues, P. Brasil: tábuas-modelo de mor-talidade e populações estáveis. IBGE, 1981 (Estudos e Pes-quisas, n. 10).

5 Ver Manual X, Indirect Techniques for DemographicEstimation, United Nations, NY 1983 e base de dados doSoftware de autoria de Paulo Campanário.

6 OCEPLAN, 1976 p. 71-80. SEI / CRH, 1998, p.19.

7 Camarano et alli., 1998, p.6.

8 A medida universalmente aceita para medir a fecundidade, aTaxa de Fecundidade Total (TFT), ou seja, o número total defilhos nascidos vivos tidos pelas mulheres no final de suavida reprodutiva, aos 50 anos.

9 Reúnem-se dados estimados por Carvalho e Wong (1996),período de 1940 a 1984, e dados estimados nas pesquisasrealizadas pela Bemfam (1992 e 1997), para a Região Nor-deste, abrangendo o Estado da Bahia.

10 CAMARANO, A. A., BELTRÃO, K.I., ARAÚJO , H. E.,MEDEIROS, M. A dinâmica demográfica recente na RegiãoNordeste. Rio de Janeiro: IPEIA, 1998 (não-public.)

11 A Relação de Sobrevivência adotada corresponde àquelaencontrada na tábua de vida do Modelo Brasil, selecionadano processo de comparação com as curvas de mortalidadeempíricas para Salvador.

(I) Este artigo foi elaborado a partir dos estudos e reflexões

realizados, entre 1999 e 2000, pela P&P – Planejamento,

Consultoria e Assessoria Ltda., visando atender à solicitação

da Seplam/PMS para integrar o Plano Diretor de Desenvolvi-

mento Urbano de Salvador– PDDU.

* Ana Lúcia Borges de Carvalho é Diretora da Planejamen-to, Pesquisa, Consultoria e Assessoramento.

** Mário André Soares de Freitas é Diretor da Planejamen-to, Pesquisa, Consultoria e Assessoramento.

*** Paulo Campanário é Consultor Sênior da P&P Ltda.

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Economia e Mercado de Trabalho

na Bahia e RMS: uma abordagem

de longo prazo.José Sérgio Gabrielli de Azevêdo*

Durante os primeiros 50 anos do século XXa Bahia cresceu muito pouco, caracterizan-do o que ficou conhecido na literatura como

o “enigma baiano”. Autores da década de 50 já es-peculavam sobre as inúmeras explicações do fenô-meno, que iam da atribuição da falta de crescimen-to econômico à:

(...) influência materna na constituição das famílias irregula-

res da sociedade baiana; ...ao escasso espírito empresário-

industrial de homens que visavam apenas elevados lucros

nas atividades mercantis; ...à alta rentabilidade das lavouras

de exportação; ...à Guerra do Paraguai; ...ao deslocamento

da população para Minas Gerais em busca do ouro; ...à falta

de capacidade de absorção das poupanças quando elas

existiam; ...à formação excessivamente jurídico-literária e ao

conceito de inferioridade das profissões mercantis ou indus-

triais; ...à concorrência do açúcar de beterraba e à do açúcar

proveniente das Antilhas; ...à instabilidade da economia; ao

desgaste no intercâmbio comercial interno e à escassa ca-

pacidade de poupança e paternalismo estatal.1

Essas múltiplas explicações não conseguemconstituir uma visão integrada e coerente do com-plexo problema da relativa estagnação da econo-mia estadual em relação à nacional.

Na segunda metade do século XX várias políti-cas de incentivos foram implementadas com o ob-jetivo de alavancar o crescimento estadual. Agora,em finais do século, quase 50 anos depois dessascontrovérsias, os analistas se surpreendem com aduradoura estabilidade da participação da renda

baiana na renda nacional, como se pode ver na Fi-gura 1, onde estão representados os movimentosda participação da renda gerada na economia baia-na em relação à brasileira, indicando sua relativaconstância em torno de 4,5%,2 ao longo dos últimos60 anos, desde 1939 até 1999.

Com metodologias distintas, foram medidas asrendas internas e os PIBs a preços correntes daBahia em relação ao nacional. Salvo flutuações di-vergentes dos níveis de preço em cada ano, no Es-tado e no País, e as composições diferenciadasdos produtos, essa relação mede o diferencial detaxas de crescimento dos dois níveis da economia.A manutenção da posição da economia baiana, nomesmo patamar, por tão longo tempo, demonstra agrande integração do crescimento estadual em re-lação aos movimentos cíclicos brasileiros. Essa in-tegração se aprofundou nos últimos anos, refletin-do as políticas de estímulos aos setores deprodutos intermediários e com pouca endogenia nodinamismo de seu mercado interno.

Essa extraordinária estabilidade da participaçãoda renda baiana foi acompanhada também de flu-tuações de maiores amplitudes da posição da ren-da per capita estadual em relação à nacional, ape-sar de a direção dos seus movimentos ter sidoconsistente com o conjunto da atividade econômi-ca. Destaque-se que na década de 80, de recessãonacional, a economia baiana cresceu em relação àbrasileira, atingindo seu patamar mais alto antes doPlano Cruzado (1986), quando inicia um processode perda de posição relativa, que continua até o

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Plano Real, em 1994, dando-se uma inflexão posi-tiva até 1998, e estagnação no último ano da série,em 1999.

Os movimentos dessas proporções da rendabaiana relativamente à brasileira refletiram-se tam-bém no mercado de trabalho da Região Metropoli-tana de Salvador, que representa a maior concen-tração de atividade econômica do PIB estadual. Háuma relação distinta entre os movimentos da eco-nomia estadual e nacional nas décadas de 80 e 90e o comportamento da taxa de desemprego naRMS. À relativa elevação da renda baiana em rela-ção à brasileira, nos primeiros anos da década de80, e sua ligeira perda de posição na segunda me-tade da década, seguiu-se uma elevação e depois

queda da taxa de de-semprego na RMS. Poroutro lado, a estabili-zação dessa posiçãorelativa da renda esta-dual e sua pequenarecuperação nos finaisdos 90 foram acompa-nhadas de movimentoscontinuamente crescen-tes e acelerados da taxade desemprego regio-nal, como se pode ob-servar na Figura 2.3

A Figura 2 mostratambém que o efeito ex-

pansionista do Plano Cruzado na Região Metropo-litana de Salvador foi inferior ao de outras regiões.O Plano Cruzado, com seu choque de demanda,reduziu as taxas de desemprego em todas as regi-ões metropolitanas, deslocando-as para um pata-mar inferior ao da taxa de Salvador, com exceçãode Recife. Nos primeiros anos dos 80, a taxa de de-semprego da RMS flutuou sua posição relativa,chegando a ser das menores entre as regiões me-tropolitanas, no pleno auge da recessão, 1981-1983.

Com exceção do Rio de Janeiro e Salvador, to-das as outras regiões metropolitanas aumentaramsuas taxas de desemprego aberto com a crise quese seguiu imediatamente após o Plano Cruzado,

em 1987. Pode-se, por-tanto, inferir-se que adinâmica do desempre-go de Salvador foi le-vemente distinta dosmovimentos dessa taxaem outras regiões me-tropolitanas.

Note-se também quenos momentos de in-tensificação do proces-so inflacionário, depoisdessa crise do PlanoCruzado, ao final dadécada de 80, há umanova tendência à que-da das taxas de de-

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semprego, menos acentuada nas regiões mais po-bres como Salvador e Recife.

Os anos 90, de relativa estabilização da participa-ção do PIB estadual no PIB nacional, foram acom-panhados de um intenso crescimento das taxas dedesemprego da RMS, em relação às outras regiõesmetropolitanas brasileiras.

Essa elevação relativa das taxas de desempre-go na RMS, que parece independer dos Planos deEstabilização, mas refletir alguns condicionantesde mais longo prazo, também foi acompanhada deuma perda de posição relativa no que se refere aosrendimentos médios dos ocupados destas regiõesmetropolitanas. A Figura 3 mostra como a relaçãoentre os rendimentos médios nominais dos ocupa-dos de Salvador vem caindo em relação aos mes-mos tipos de rendimentos da região mais capitali-zada do País (São Paulo). Note-se que nos últimosanos da década de 90, contemporaneamente aoaumento da taxa de desemprego, a RMS recuperaparte de sua posição relativa nos rendimentos mé-dios, refletindo a estagnação e queda desse indica-dor em São Paulo, que também vivencia aumentodo desemprego e declínio de rendas no períodopós-Plano Real.

Há de se destacar que os rendimentos médiosreais da Região Metropolitana de São Paulo cres-ceram na segunda metade da década de 80, man-

tendo-se estáveis com o patamar mais elevado noseu final, enquanto na década de 90 esses rendi-mentos se estagnaram no pós-Plano Real, come-çando a declinar no final desse período. Apesardos movimentos do rendimento referencial de SãoPaulo, a posição relativa dos rendas médias dosocupados da Região Metropolitana de Salvadorapresenta claramente uma tendência declinantenos 15 anos da série considerada. Os soteropolita-nos estão ganhando cada vez menos em relaçãoaos paulistas.

Tentar avaliar alguns aspectos desses movi-mentos da produção e do mercado de trabalho, emuma perspectiva de longo prazo, é o principal obje-tivo deste trabalho, que, desta forma, não enfatizaas flutuações de conjuntura de curto prazo, maiscorriqueira na literatura sobre taxas de desempre-go. Seguem-se quatro seções a esta introdução. Apróxima destaca os movimentos precursores dasgrandes mudanças dos anos 80 e 90, com ênfaseno papel direto do Estado, através da Petrobras,CHESF, BNB e BNDE, como transformador da eco-nomia local nos moldes que interessavam à econo-mia nacional da época.

A seção seguinte mostra como tais movimentosalteraram o funcionamento do mercado de trabalhoda RMS, especialmente durante a expansão destemercado nos anos 80, enquanto o Brasil se ajusta-

va a uma recessão na-cional, com o aumentoda heterogeneidade ecomplexidade do mundodo trabalho na RMS.

A próxima seção in-vestiga o papel da ofertade trabalho através dadinâmica demográfica,incluindo as migraçõescomo possível explica-ção para o aumento dataxa de desemprego naRMS e concluindo queos movimentos migrató-rios para essa regiãonão foram significativa-mente diferentes daque-les das outras regiõesmetropolitanas do País.

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A quarta seção aborda os ajustamentos queocorreram nas relações de trabalho nos anos 90,com a aceleração do desemprego e o crescimentodos postos de trabalho sem carteira assinada e dosautônomos por conta própria, ao mesmo tempo emque os rendimentos se reduzem. A última seção re-sume as conclusões do artigo.

O Início das Mudanças

Nos anos 40, a economia baia-na crescia menos que a nacional,com um mercado interno limitadopelos níveis de renda local, porémcom custos do trabalho atraentespara os empregadores – pois infe-riores aos do País como um todo– apesar do pequeno movimentoconvergente observado na relaçãoentre os salários médios da indús-tria baiana comparativamente aossalários industriais brasileiros.5 Aprodução que mais cresceu na dé-cada de 40 foi a de produtos alimentícios,6 de baixovalor agregado e mais adequada a um mercado lo-cal com alta concentração de renda.

O mercado de trabalho urbano não-agrícola eraportanto caracterizado pelo emprego em pequenosestabelecimentos, com baixo dinamismo. Nesse tipo

de mercado, se do lado da demanda havia a baixarenda inibindo a expansão da produção local, do ladoda oferta os custos do trabalho estimulavam o investi-mento, ainda que predominantemente em indústriaspequenas,7 principalmente nos setores voltados paraa produção de bens de consumo e que utilizavam in-tensivamente os insumos de origem regional.

Durante as décadas de 50 e 60 houve uma gran-de mudança no mercado de trabalho da Bahia, com aredução do emprego agrícola relativamente ao cres-

cimento do emprego industrial e deserviços, como se pode ver na Tabe-la 1. Os dados dessa tabela tambémrevelam a inversão do crescimentorelativo do emprego nos serviços ena indústria entre 1960 e 1970.

A tendência ao aumento doemprego da indústria captada nosCensos de 1940, 50 e 60 interrom-pe-se nos dados de 1970, quandoo grande salto ocupacional ocorrenos serviços, em um contexto deaceleração do emprego não-agrí-

cola sobre o emprego total, que passa de 25,2%,27,7% e 27,9% de 1940 a 1960, alcançando 37,5%no último recenseamento reportado na tabela.

Esse arrefecimento do crescimento do empregoindustrial explica-se pelo ciclo de expansão dos in-vestimentos no setor, especialmente da Petrobrás,

que ocorreu duranteos anos 50, e que seevidencia no cálculodas taxas de cresci-mento percentual entreos períodos intercensi-tários, como se obser-va na tabela 2.

Deve ser observadoo grande salto do em-prego na indústria extra-tiva na década de 50(400,2%) e a perda doseu dinamismo no perío-do posterior, substituídopelo crescimento do em-prego na construção civile nos serviços industriaisde utilidade pública.

Durante asdécadas de 50 e 60houve uma grande

mudança no mercadode trabalho da Bahia,

com a redução doemprego agrícola

relativamenteao crescimento doemprego industrial

e de serviços.

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oãçamrofsnarT %5,71 %7,61 %4,51 %0,21liviCoãçurtsnoC %8,8 %2,41 %9,21 %3,41

acilbúP.dilitU %6,0 %3,1 %1,1 %0,1soçivreS %9,76 %7,56 %2,46 %6,07oicrémoC %5,41 %3,61 ... %4,61

.zamrAesetropsnarT %5,9 %5,9 ... %2,7.cnaniF.mretnI %4,0 %7,0 ... %5,1

tnemilAegadepsoH %5,0 %4,1 ... %3,2siairtsudnIsoçivreS %4,02 %3,31 ... %7,9

laossePeneigiH %3,1 %2,1 ... %9,0siarebiLsianoissiforP %7,0 %7,0 ... %7,0

.geSeasefeD,acilbúP.mdA %2,5 %8,5 ... %9,5

ralucitraPeocilbúPonisnE %4,1 %3,2 ... %3,5

ralatipsoH-acidéMtsissA %4,0 %7,0 ... %4,1

siaicoS.dadivitA %4,0 %6,0 ... %8,1oãsiveleTeoidáR,oãsreviD %2,0 %3,0 ... %4,0

soçivreSsortuO %4,0 %3,1 ... %7,5soicífide.cni,acitsémoD %6,21 %4,11 ... %2,11

sodapucoedoremúnlatoT 862.354.1 068.515.1 319.600.2 796.103.2

alocírga-oãnoãçapucolatoT %2,52 %7,72 %9,72 %5,73

/.soluclácsossoN.5791,adiemlAdupa,EGBIsocifárgomeDsosneC:etnoF sievínopsidoãnsodaD...

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000 53

Para ilustrar o efeito da Petrobrás na economiabaiana durante os anos, note-se que seus investi-mentos chegaram a corresponder a 7,5% da rendainterna estadual, como se pode ver na Figura 4, aseguir.

O dinamismo provocado pela indústria do petró-leo concentrou-se espacialmente no Recôncavo,expandindo-se um pouco ao norte da atual RegiãoMetropolitana de Salvador, e resultou de uma ex-pansão das fronteiras da moderna economia doCentro-Sul para o Nordeste, aproveitando-se dadescoberta das jazidas de petróleo, da estrada Rio-Bahia (BR-116) e da produção de energia elétricada CHESF,8 reproduzindo muito mais uma dinâmi-ca de formação de mercados nacionais que umadiferenciação regional.

Os investimentos e, especialmente, os gastosde custeio da Petrobras tiveram um impacto bas-tante importante na expansão da economia urbanado Recôncavo e de Salvador, na década de 50 einício dos 60. Os dados da Tabela 3 mostram, noentanto, que a política de compras da empresa se

alterou na década de 60. Houve a redução siste-mática de suas aquisições na praça de Salvador ede seus gastos com construção de estradas, quetinham grandes efeitos indutores sobre as ativida-des econômicas fornecedoras locais, aumentandoa participação relativa dos salários. Estes, apesarde também estimularem a produção de bens deconsumo, dado o nível de renda da categoria, pro-vocavam um “vazamento” da demanda para forado Estado, através da estrutura da cesta de bensconsumidos, devido à diferente participação dosduráveis de consumo na composição dos orça-mentos familiares, levando parte do efeito-renda aoestímulo das suas regiões produtoras. Uma missãotécnica do Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID), visitando a Bahia no início dos anos70, chegou a concluir que, “na realidade, a ativida-de petrolífera se desenvolve em forma quase au-tárquica e com limitada integração com o resto daeconomia do Estado”.9

A expansão da economia brasileira, no contextodo Plano de Metas, possibilitava a complementari-dade da estrutura produtiva da indústria baiana,ampliando os subsetores de bens de capital e pro-dutos intermediários,10 como ilustrado na Figura 5,os quais se inseriam na dinâmica nacional de acu-mulação, capitaneada pela ação direta do Estado.A década de 50 pode portanto ser caracterizadapela montagem de um mercado de trabalho cres-centemente assalariado, ampliando os segmentosurbano-industriais, fundamentalmente dinamizadospela intervenção direta do Estado.

Esse padrão de crescimento foi determinadosobretudo pela dinâmica da economia nacional, po-rém, mesmo que menos importante, não há como

ogerpmeodlautnecrepotnemicserC-2alebaTsadacédroplairtsudni

seroteS 03/0491 04/0591 05/0691 06/0791

airtsúdnI 223.611 %8,321 %4,931 %6,621

savitartxE 279.81 %3,74 %2,004 %5,25

oãçamrofsnarT 222.36 %9,011 %3,321 %7,911

liviCoãçurtsnoC 359.13 %1,681 %5,121 %8,071

sacilbúPsedadilitU 571.2 %0,942 %6,111 %0,731

.soluclácsossoN.5791,adiemlAdupa,EGBIsocifárgomeDsosneC:etnoF

eoietsucodoãçisopmoC-3alebaTsotcapmisuesesárbortePadotnemitsevni

ovacnôceRodaimonocean

sonAmesarpmoC

ASSoãçurtsnoC

adartsEesoirálaSsodanedrO

latoT

8591 %5,12 %2,43 %3,44 %0,001

9591 %0,43 %4,71 %6,84 %0,001

0691 %5,72 %5,91 %0,35 %0,001

1691 %7,72 %4,71 %9,45 %0,001

2691 %4,82 %7,6 %8,46 %0,001

3691 %1,02 %1,6 %8,37 %0,001

4691 %0,81 %7,2 %3,97 %0,001

5691 %4,02 %0,01 %6,96 %0,001

6691 %4,41 %8,4 %8,08 %0,001

7691 %1,1 %5,1 %4,79 %0,001

8691 %6,9 %2,1 %2,98 %0,001

9691 – %9,1 %1,89 %0,001

.54.p,2791,ztiR:etnoF

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54 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000

desconhecer o papel desempenhado pela estrutu-ra de planejamento estadual, que se consolida emtorno da Comissão de Planejamento Econômico(CPE), na segunda metade dos anos 50, preceden-do inclusive a formalização de um sistema seme-lhante no plano federal.11

A história inicial da CPE foi marcada pela tenta-tiva de montagem de um sistema de planejamentoeficiente, porém cheia de dificuldades. O sistemaformulou um diagnóstico, na forma de um plano(Programa de Recuperação Econômica da Bahia),desenhou, mas não conseguiu implementar, o Pla-no de Desenvolvimento da Bahia (PLANDEB) e con-cebeu, mas não efetivou, o Plano Trienal. Depoisdisso a CPE e o sistema de planejamento estadualperdem força e abandonam as expectativas dereorientar tendências de investimento nacional einternacionalmente determinadas.12

Como já dito em trabalho anterior,13 os padrões decrescimento da estrutura industrial baiana, nos anos50, são bastante semelhantes aos padrões da mo-derna industrialização do período posterior aos incen-tivos fiscais, especialmente a partir da segunda meta-de da década de 60. Isso evidenciava que o ritmo decrescimento local atendia às necessidades da macro-dinâmica nacional, mais do que refletia os potenciaisefeitos de uma política regional, em um processo glo-bal de transformação de “uma economia nacional for-

mada por várias econo-mias regionais, para umaeconomia nacional loca-lizada em diversas par-tes do território nacio-nal”.14 Dessa forma, ocrescimento local refletiaa necessidade das in-dústrias “regionais-regi-onais”, na terminologiade Castro,15 que se ex-pandiam no Pós-Guerrae precisavam de maiorextroversão da economiado Centro-Sul. A econo-mia brasileira caminhavapara uma maior integra-ção de seu mercado emescala nacional.

Ainda que esse pro-cesso seja acompanhado de uma oligopolizaçãocrescente, os capitais locais também crescem, con-forme se pode comprovar, por exemplo, com o au-mento do número de firmas individuais e sociedadeslimitadas, típicas formas de organização empresari-al tradicional, que têm um incremento de, respecti-vamente, 49,2% e 88,9% de 1950 a 1960 entre osestabelecimentos industriais, enquanto as socieda-des anônimas, forma institucional mais adequadaàs novas empresas, reduzem seu número em qua-se 15% no mesmo período.

No que se refere ao tamanho dos estabeleci-mentos, essa tendência também pode ser observa-da, quando se verifica o grande aumento dos esta-belecimentos com menos de 20 empregados e aredução daqueles com mais de 500.16 No entanto,esse crescimento de pequenas empresas não foicontraditório com o dinamismo provocado pelasgrandes. Estas, impulsionadas pela ação estatal,impactaram de formas diferenciadas os mercadosde produto e de trabalho, como se pode ver na Ta-bela 4, onde se observa que as pequenas empre-sas aumentam sua participação em termos de pes-soal ocupado e do número de estabelecimentos,apresentando uma pequena redução dos salários,mas que, quando relacionadas com o Valor da Trans-formação Industrial, perdem posição em 1959, re-fletindo a maior oligopolização do setor.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000 55

Observe-se que, conforme os dados da Tabela5, no setor industrial houve crescimento, nos anos50 e 60, do emprego nos setores de Minerais Não-Metálicos, Químicas e Outros Setores Industriais,associado à perda de posição relativa dos setoresda indústria tradicional de bens-salário e domina-dos pelo capital local, como os Produtos Alimenta-res e Têxtil.

Nos serviços, o emprego nos setores de EnsinoPúblico e Particular e de Assistência Médica e Hos-pitalar apresentou um grande dinamismo nos anos60 e 70, passando de 2,8% e 0,7% da ocupaçãonão-agrícola, em 1949, para 5,3% e 1,4%, respecti-vamente, em 1969, como se mostra na Tabela 1.Destaque-se também a queda relativa dos postosde trabalho nos serviços industriais, que poderia es-tar refletindo a natureza do processo produtivo daindústria da época, com grande integração verticale baixa terceirização.

O emprego no comércio de mercadorias e nosserviços domésticos, incluindo a manutenção de edi-fícios, acompanhou o crescimento geral do merca-

do de trabalho estadual, mantendo suas posiçõesrelativas estáveis nos censos de 1950 e 1970.

A intervenção do Estado foi muito importante,tanto no que se refere ao emprego industrial, atra-vés da ação direta da Petrobras, CHESF, BNB eBNDE, como nos serviços, devido à expansão dosistema público de ensino e saúde. Apesar desseimpacto expansionista da atividade estatal durantea década de 50, segundo as elites empresariaisbaianas, a economia do Estado teve seu cresci-mento limitado pelo “confisco cambial” e pelo “fis-calismo estadual”. Esse referia-se à prioridade dofisco estadual em arrecadar impostos, mesmos quereduzindo a competitividade da produção na Bahiaem relação a outros estados, como no caso do tra-tamento do crédito fiscal incidente sobre as matéri-as-primas utilizadas nas mercadorias exportadas, oque aumentava a carga fiscal destes produtosquando fabricados na Bahia.

O “confisco cambial” resultava das diferençasentre as taxas médias de câmbio incidente sobreas exportações e importações,17 mantidas desde1954 e gradualmente reduzidas a partir de 1961, oque, para economias como a da Bahia, grande ex-portadora de cacau e açúcar, significava uma per-da importante para o principal setor do capital local.O posicionamento contra essa diferença de taxasde câmbio constava inclusive de um dos primeirosdocumentos do sistema estadual de planejamento– a carta do Governador Antonio Balbino ao Presi-dente da República – como base do argumentocontrário às transferências de recursos do Estadopara financiar a indústria paulista, justificando asreivindicações baianas para ações compensatóriasdo governo federal.18

Tais restrições ao crescimento do Estado po-dem explicar, parcialmente, porque, nos quase 30anos que separam os anos de 1939 e 1968, a parti-cipação da renda interna baiana na renda internabrasileira praticamente não se alterou, como se vêna Tabela 6.

Ao contrário, do ponto de vista setorial, observa-se que o setor industrial, principal alvo das políticasde incentivos e investimentos diretos,19 perde posi-ção relativa, caindo de 2,5% da renda interna do se-tor nacional, em 1939, para 1,3% em 1968.

Além dessa extraordinária estabilidade da posi-ção relativa da economia regional, também a renda

sotnemicelebatsesodoãçapicitraP-4alebaTairtsúdniansodagerpme02edsonemmoc

anaiabserodacidnI 9491 9591

sotnemicelebatsEedoremúN %6,29 %8,59

odapucOlaosseP %8,93 %2,24

soirálaSlatoT %0,32 %8,22

lairtsudnIoãçamrofsnarTadrolaV %8,72 %4,81

.5791,odevezAdupa,0591e0691siairtsudnIsosneC:etnoF

snuglaedogerpmeodoãçisopmoC-5alebaTsiairtsudniserotes

seroteS 9391 9491 9591 9691

airtsúdnIadlatoT 0,001 0,001 0,001 0,001

siairtsudniserotessortuO 9,7 9,01 9,21 2,61

acinâceM – 2,0 0,0 2,1

seratnemilAdorP 9,12 0,03 3,12 4,21

litxêT 4,72 5,91 8,11 9,21

acifárGelairotidE 4,3 1,4 8,3 3,3

omuF 8,62 5,21 8,11 4,21

selePesoruoC 5,3 7,3 4,4 5,3

acigrúlateM 2,1 6,1 5,2 1,5

sociláteM-oãNniM 7,5 9,41 7,02 4,51

oiráiliboM 3,1 3,1 2,4 6,2

acimíuQ 9,0 2,1 9,4 3,31

setropsnarTtaM – 1,0 7,1 7,1

.5791,adiemlAdupa,lairtsudnIoãçudorPesiairtsudnIsosneC:etnoF

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56 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000

per capita apresenta pouca movimentação, com ex-ceção de para o último período, quando os rendi-mentos médios dos baianos ultrapassam a metadeda renda média per capita dos brasileiros, como sevê na Tabela 7. Por outro lado, há uma mudança deposição relativa em relação à renda dos outros es-tados nordestinos, indicando que a Bahia teve, nosanos 60, um melhor desempenho que os outrosestados do Nordeste, porém ainda sem chegar àposição em que se encontrava em 1939.

Muda a ação do Estado

A ação do Estado modifica-se bastante ao finalda década de 60 e principalmente nos anos 70 e80. De uma ação direta, como produtor, Estadopassa também a ser um forte estimulador do inves-timento privado, principalmente por meio de incen-tivos fiscais, e adota, em certos períodos, inclusivepolíticas compensatórias importantes, como as fren-tes-de-trabalho,20 no início dos 80, que estimulam aeconomia do semi-árido, reduzindo os movimentosmigratórios por expulsão e alimentando algumaseconomias locais no interior do Estado. Os primei-ros anos da década de 70 constituem o período dematuração dos investimentos privados incentiva-dos, que reproduziam a estrutura setorial do Cen-tro-Sul e passam a adotar tecnologias ainda maisintensivas em capital que nos setores centrais,21 eem que os projetos de modernização das indústrias

já existentes passaram a ser mais importantes queos projetos de implantação de novas indústrias.22

Isso sinalizava que os novos investimentos se vol-tavam para fortalecer os grupos já inseridos nanova industrialização, ao invés de ampliar o núme-ro de novos empreendimentos na região.

Também há uma concentração setorial muitogrande dos investimentos, com a Bahia – e espe-cialmente a indústria química – absorvendo a maiorparte dos incentivos.23 Os anos 80 também presen-ciaram a modificação da estrutura da FormaçãoBruta de Capital Fixo do governo na região, com oaumento de obras e edificações e redução dos equi-pamentos e maquinário.24 Este último tipo de inves-timento rebatia fortemente sobre os produtores lo-calizados no Centro-Sul e no exterior, através doaumento da demanda desses produtos, enquantoas obras e edificações tinham um efeito multiplica-dor maior sobre o mercado regional. Estimativasdos impactos das Obras e Edificações do Pólo deCamaçari, por exemplo, calcularam a geração deemprego para cerca de 25,7 mil e 28,6 mil homens/ano em 1976/77, enquanto o emprego gerado pe-los investimentos em máquinas e equipamentos te-ria sido de 21,5 mil e 16,5 mil homens/ano de em-prego em 1977/78.25

Os dados da Tabela 8 confirmam a continuida-de, em início dos 80, da tendência da década de 70a aumentar a participação dos serviços no empre-go não-agrícola do Estado, ainda que tais dados se

adanretniadneradoãçapicitraP-6alebaTlisarBodanretniadneranaihaB

sonAadneRanretnI

arutlucirgA airtsúdnI soçivreS

9391 %6,4 %9,6 %5,2 %3,4

9491 %7,4 %5,6 %5,1 %0,4

9591 %7,4 %6,6 %2,2 %9,3

8691 %2,4 %7,8 %3,1 %3,4

.5791,adiemlAdupa,VGF:etnoF

adneradlautnecrepoãçapicitraP-7alebaTarielisarbàoãçalermeaihaBadatipacrep

anitsedronesonA EN/AB RB/AB

9391 6,55 4,44

8491 1,44 1,44

8591 4,83 3,54

8691 4,94 7,45

.5791,adiemlAdupa,VGF:etnoF

ogerpmeodoãçisopmoC-8alebaT4891-9791–aihaBanalocírga-oãn

salocírga-oãnseroteS 9791 4891

airtsúdnI %1,92 %3,22

savitartxE %4,1 %7,1

oãçamrofsnarT %3,61 %1,41

acimíuQ %7,2 %0,3

seratnemilAsotudorP %4,2 %3,2

liviCoãçurtsnoC %4,11 %6,6

soçivreS %9,07 %7,77

oicrémoC %6,81 %5,51

meganezamrAesetropsnarT %8,4 %4,5

soriecnaniFsoiráidemretnI %4,4 %3,5

oãçatnemilAemegadepsoH %5,3 %2,2

siaicremoCsoçivreS %7,7 %6,8

siaossePsoçivreS %4,4 %0,5

oãçacinumoCsoçivreS %0,2 %2,1

.geSeasefeD,acilbúP.mdA %4,52 %5,43

latoT %0,001 %0,001

.soluclácsossoN.32.p,6891,sednanreFdupa,SIAR:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000 57

refiram apenas ao setor formalizado de grandesempresas e do setor público na Bahia,26 não sendo,portanto, inteiramente comparáveis àqueles apre-sentados na Tabela 1.

Destaque-se o crescimento do emprego na Ad-ministração Pública, no início da década de 80, as-sim como a brutal queda do emprego na Constru-ção Civil formal. Apesar da pequena queda doComércio de Mercadorias nos registros da RAIS, arecessão desse período teve como um dos resulta-dos, na Bahia, a ampliação do se-tor Terciário entre os postos de tra-balho mais formais do Estado.

Estas mudanças do empregoformal ocorreram, no início da dé-cada de 80, com um quadro re-cessivo nacional, amenizado, noEstado, pela ação direta do gover-no em políticas compensatóriascomo as frentes-de-trabalho (1981-83), que, com um caráter clara-mente anticíclico, estimularam aeconomia rural no Nordeste e naBahia, principalmente nas cidadesmenores e longe da capital. Essaspolíticas compensatórias ocorre-ram simultaneamente à adoçãode políticas monetárias e fiscaisde natureza recessiva, em umprograma macroeconômico degeração de excedente para enfrentar as crises dabalança de pagamentos. Para o Nordeste, alémdo mais, a queda dos investimentos das estatais27

teve um impacto relativamente maior nas áreasurbanas, uma vez que nessa região eles desem-penham um papel mais importante que na econo-mia do Centro-Sul. Assim, do ponto de vista ma-croeconômico, a recessão reduzia os estímulos àprodução local, porém os efeitos das políticascompensatórias parecem ter sido, ao lado dapuesta em marcha dos grandes projetos industri-ais do Pólo Petroquímico e do CIA, os principaiselementos explicadores da melhoria relativa daeconomia baiana em relação à brasileira no inícioda década de 80. Esta melhoria do PIB estadualfoi acompanhada da queda da taxa de desempre-go que se torna relativamente constante no perío-do pós-Plano Cruzado.

As mudanças nas formas de intervenção do Es-tado na região afetaram especialmente a indústriade transformação, principal alvo da política de in-centivos regionais. Os empregos no setor declinamno período recessivo, mantendo-se estável apenaso subsetor químico, com a consolidação dos inves-timentos do Pólo.28 Esse desempenho deveu-sefundamentalmente à capacidade de vendas para omercado externo, com intensificação do compo-nente exportado na receita do subsetor, que permi-

tiu a manutenção dos seus níveisde emprego. Por outro lado, a di-nâmica da indústria baiana – pre-dominantemente constituída deprodutos intermediários – tornou-se mais dependente da dinâmicada produção nacional. Assim, a re-cessão nacional explicava a rever-são do ciclo expansivo prévio daindústria, que não conseguia se sus-tentar com poucos vínculos inter-setoriais e com a limitada possibi-lidade de fazer crescer os segmentosde bens-salário, já que o nível lo-cal de renda continuava baixo.Uma pesquisa domiciliar em finaisda década de 80 mostrava que omercado de trabalho da indústriada Região Metropolitana de Salvador,apesar de já indicar uma presença

razoável da Petroquímica (10,4% da ocupação in-dustrial),29 sugeria uma indústria ainda fundamen-talmente empregadora nos setores mais tradicio-nais e menos dinâmicos.30

É também nesse momento que se entrelaçammais claramente os segmentos formal e informal domercado de trabalho, com uma maior heterogenei-dade de relações que não poderiam ser captadaspelos dados da RAIS. Na década de 80, portanto, omercado de trabalho da RMS apresenta um au-mento de sua heterogeneidade interna, em que“convivem relações tradicionais semi-escravas dotrabalho doméstico, com uma miríade de formasparticulares de contratos de conta-própria, subem-preitadas, comércio ambulante e microempresas,com relações claramente assalariadas das grandesempresas”,31 ainda antes que esse processo segeneralizasse no conjunto do País, nos anos 90,

Na década de 80, omercado de trabalho

da RMS apresentaum aumento de sua

heterogeneidade interna,em que “convivem

relações tradicionaissemi-escravas do

trabalho doméstico,com uma miríade deformas particulares

de contratos de conta-própria, subempreitadas,

comércio ambulantee microempresas, com

relações claramenteassalariadas das

grandes empresas”.

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58 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000

como se verá em seções seguintes. Isso tambémpode ser percebido quando se verifica que a Re-gião Metropolitana de Salvador já tinha a posiçãode recordista nacional de subemprego,32 acompa-nhada proximamente por Recife, com as duas regi-ões nordestinas obtendo taxas correspondentes aquase o dobro das taxas nacionais, na primeirametade da década de 80.33

Do ponto de vista setorial, a primeira metade dadécada de 80 conviveu com uma queda da ocupa-ção no comércio de mercadorias e uma ligeira as-censão do trabalho em serviços, setores que ti-nham mais de dois terços dos ocupados.34 Essesmovimentos revelavam os processos de transfor-mações estruturais que passavam a ocorrer naeconomia, tanto em decorrência dos gastos e in-vestimentos governamentais, como de seus des-dobramentos no comportamento do setor privado.Nesses setores fortemente empregadores, o cres-cimento das relações informais de trabalho refletiaas mudanças que estavam ocorrendo, como con-seqüência da redução dos níveis de renda. Essaqueda era o resultado não só da recessão, comode deliberadas políticas salariais em um ambienteem que os processos de reestruturação produtiva,especialmente na área de gestão das relações detrabalho, era muito embrionário. Apesar dessa ten-dência à precarização e perda de dinamismo doterciário, também aí são identificados subsetoresque incrementaram o emprego na crise, como aadministração pública e intermediários financeiros,de acordo com a Tabela 8.

Por outro lado, no final de década, o arrefecimen-to do ciclo de investimentos, especialmente com aredução da instalação de novos projetos, leva à im-posição de limites no crescimento da ocupação nosetor de construção civil, também bastante hetero-gêneo em suas relações de trabalho. A queda daparticipação desse segmento na ocupação total daregião reflete tanto a diminuição das obras e edifica-ções públicas como a retração nos programas dehabitação e a própria expansão urbana da cidade.De novo, a ação dos governos é fundamental paradeterminar a dinâmica do mercado de trabalho.

O Plano Cruzado, em 1986, altera o comporta-mento do mercado de trabalho fazendo reduzir astaxas de desemprego nas regiões metropolitanasbrasileiras, principalmente através de seu choque

de renda que, com a estabilização dos preços, esti-mulou os setores comerciais e aqueles voltadospara o mercado interno. Como visto na Figura 2, ataxa de desemprego da RMS responde com menosintensidade que em outras regiões metropolitanasaos choques das políticas macroeconômicas, au-mentando sua posição relativa entre as regiõesmetropolitanas relativamente ao número de desem-pregados depois do Plano Cruzado. Uma provávelexplicação pode ser o alto grau de concentração derenda e poucos estímulos endógenos para a cria-ção de ocupações.

Essa reversão do posicionamento do mercadode trabalho metropolitano de Salvador em relaçãoaos demais brasileiros, no que se refere à taxa dedesemprego aberto,35 indica uma menor elasticida-de do mercado relativamente aos choques macroe-conômicos, ainda que seus movimentos tenham amesma direção dos outros mercados. Nos anos 90,com a abertura da economia atingindo fortementeos setores de produtos intermediários – caracterís-ticos da indústria baiana – e a expansão dos preçosdos bens não-comercializáveis no imediato pós-Pla-no Real – que estimula a produção em mercadoscom maiores níveis de renda – o crescimento dataxa de desemprego da RMS dispara e supera cla-ramente a de todas as outras regiões.

Movimentos populacionais

Uma das potenciais explicações para o alto de-semprego da RMS poderia ser um crescimento de-mográfico diferenciado daquele das outras regiões,que aumentaria a oferta de trabalho em ritmo supe-rior à criação de postos de trabalho. Esse cresci-mento da oferta de mão-de-obra poderia advir deuma taxa de natalidade mais alta que em outras re-giões ou dever-se a movimentos migratórios maisintensos. Não parecem ser essas as razões docrescimento do desemprego soteropolitano.

Durante as décadas de 50, 60 e 70 a migraçãopara Salvador foi um importante elemento expansi-onista do mercado de trabalho local. Na década de50, especialmente nos seus primeiros anos, a agri-cultura baiana sofreu os efeitos da forte seca de1951/52, com um intenso movimento migratóriopara fora do Estado, que se refletiu em grande per-da populacional, como se observa na Tabela 9.

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Nesse contexto, em que a Bahia apresenta omaior número de emigrantes dentre todas as uni-dades da Federação,36 Salvador cresce, dentro doEstado, como centro polarizador demográfico, con-centrando 13,5% da população estadual em 1970,como se pode ver na Tabela 10; aí evidencia-seque o aumento da participação da capital relativa-mente à população do Estado só se eleva significa-tivamente a partir dos anos 60. A mudança do des-tino da migração, reduzindo a saída do Estado eaumentando os movimentos intra-estaduais pareceter atingido o seu ponto máximo, no que se refere aSalvador, nos anos 90.

Esse é um fenômeno nacional. A tendência àmetropolização dos anos 60 e 70 perde ímpeto emtodas as regiões brasileiras nos 80 e 90 com o con-junto das oito regiões metropolitanas brasileirasapresentando um crescimento médio de 3,79%,2,25% e 1,5% nos períodos 70-80, 80-91, 91-96segundo o IBGE.37 Salvador cresce, nos anos 80,menos que Fortaleza e menos que a própria Forta-leza, Belém e Belo Horizonte, nos 90.

Apesar do aumento da concentração populacio-nal em Salvador, a abertura da rodovia Rio-Bahiatambém desenvolveu outros centros sub-regio-nais,38 que começaram a ser polarizados por outrasregiões. Já na década de 50 observava-se39 que oExtremo Sul passou a ligar-se comercialmente aVitória do Espírito Santo ou a Teófilo Ottoni, em Mi-nas Gerais; que o norte do Estado se aproximavade Aracaju; que o sertão do São Francisco passoupara a influência de Maceió, e que o médio SãoFrancisco mantinha intensas relações com BeloHorizonte. Nas décadas de 80 e 90, esses fluxosde rearticulação do mercado de trabalho intra-regi-onal se consolidaram a partir dos investimentos ematividades agro-pecuárias e novos projetos indus-triais no interior, reforçando o redirecionamento daexpansão demográfica para centros urbanos me-nores que Salvador.40

Esse processo impacta o mercado de trabalhode Salvador, uma vez que os movimentos migrató-rios para esta região passam a ser mais influencia-dos pelos fatores de atração dos migrantes que pe-los fatores expulsivos das suas regiões de origem.Os fatores atrativos decorrem principalmente dasvantagens de concentração metropolitana, do cres-cimento dos serviços e do aumento absoluto do ta-manho do mercado de trabalho. Esses movimentosconcentram em Salvador, de acordo com a Conta-gem Populacional de 1996, 17,6% da população doEstado da Bahia,41 apesar de, na década de 90,parecer que, “do ponto de vista da demografia eco-nômica, o poder de atração da capital já tenha atin-gido o seu máximo (...) que começa a ser divididocom outros centros urbanos e, especialmente comaqueles localizados nas áreas da fronteira econô-mica da Bahia”.42

Nas regiões metropolitanas, e também em Sal-vador, simultaneamente à redução do crescimentodemográfico, houve uma reconcentração populaci-onal nas periferias, como se nota ao se observar asdiferenças das taxas de crescimento demográficoentre os municípios componentes da Região Me-tropolitana de Salvador, na Tabela 11.

Essa periferização do crescimento demográficometropolitano, que também é um fenômeno nacio-nal,43 em Salvador foi reforçado pela concentraçãoespacial dos investimentos industriais e pela recen-te relocalização dos serviços, como se mostra na

sodiuqílsoirótargimsotnemivoM-9alebaTaihaBad

olavretnIoirátisneC

soremúNsodiuqíL

odoãçalupopad%odoírepodoicíni

0591-0491 215.531- 5,3-

0691-0591 561.605- 5,01-

0791-0691 367.663- 1,6-

.5791,adiemlAdupa,1791,ohliFemaharG:etnoF

rodavlaSedoãçalupoP-01alebaTodatsEodoãçalupopadoãçroporpe

sonA oãçalupoP oãçalupoPad%odatsEod

2781 901.921 %4,9

0981 214.471 %1,9

0091 318.502 %7,9

0291 224.382 %5,8

0491 344.092 %4,7

0591 532.714 %6,8

0691 537.556 %9,01

0791 241.720.1 %5,31

0891 189.105.1 )2( %8,51 )1(

1991 372.270.2 )2( %5.711 )1(

6991 935.112.2 %6,711 )1(

.1791,EGBI,lisarBodocitsítatsEoiráunA:etnoF)1( .8991,IES)2( .5991,IES

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60 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000

Tabela 12, deslocando migrantes pobres para umcerto “cinturão” em torno da Capital e movimentan-do parte da população do núcleo da região metro-politana para sua periferia.44

Note-se também que há uma razoável associa-ção entre a proporção de migrantes na ContagemPopulacional de 1996, maior nos municípios defora de Salvador, com a atração de migrantes dopróprio Estado. Salvador destaca-se diferencial-mente devido às suas economias de aglomeração,mas Lauro de Freitas e Camaçari podem ter seusatrativos relacionados com o dinamismo de suaseconomias, enquanto Vera Cruz e Itaparica podemrefletir movimentos expulsivos de Salvador.45

Além dessas mudanças na origem migratória ena localização intrametropolitana da população, asúltimas décadas também produziram importantesalterações na estrutura etária, resultado de um pro-cesso de envelhecimento46 e da chegada à idade

economicamente produtiva da “onda jovem” dosnascidos na década de 60 e 70.47 A população naidade de entrada na atividade econômica (15-24anos) mantém-se praticamente estável no períodoem Salvador, passando de 23,3% e 21,3% em1980 e 1991 para 22,5% em 1996.48

Em termos de mercado de trabalho, isso fazcom que na década de 90 haja um aumento relati-vo da PIA que deve ser avaliado também em rela-ção ao comportamento da População Economica-mente Ativa, uma vez que os movimentos entreatividade e inatividade econômica são fundamen-tais na dinâmica de longo prazo dos mercados detrabalho.

Cai a atividade econômica e aumenta aprecariedade nos anos 90

Novamente, na década de 90, há mudanças naforma de intervenção do Estado. As políticas de in-centivos perdem intensidade, as estatais são priva-tizadas, as políticas setoriais e regionais são desa-tivadas e a concorrência externa se intensifica coma queda das barreiras alfandegárias e manutençãoartificial de uma taxa de câmbio fortalecendo o real.Taxas de juros elevadas e concentração de rendainibem a criação de nova demanda de trabalho, re-duzindo o crescimento da ocupação, o que por sisó elevaria a taxa de desemprego. Porém, por ou-tro lado, parte do pessoal deslocado da produçãomovimenta-se para a inatividade econômica,49 di-minuindo a Taxa de Participação50 e, portanto, re-duzindo a pressão da oferta de trabalho sobre omercado.

Essa redução, na década de 90, indica que aproporção de inativos tem aumentado, com os pro-cessos de reestruturação produtiva e com os impac-tos dos ajustes macroeconômicos.51 A Figura 6 ilus-tra a tendência de queda da taxa de participação emtodas as Regiões Metropolitanas pesquisadas, aomesmo tempo que posiciona Salvador abaixo deBelo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, e eviden-cia sua proximidade das taxas do Rio de Janeiro,com Recife apresentando as menores proporçõesde pessoas economicamente ativas na PIA.

Na década de 80 essas taxas de participação semantiveram relativamente estáveis, com uma ligei-ra elevação, no ano do Plano Cruzado (1986), em

lanoicalupopotnemicsercedsaxaT-11alebaTSMRanoidém

07/0891 08/1991 19/6991

saiednaC 7,4 8,1 5,0

ohliFseõmiS 1,7 0,5 7,0

rodavlaS 1,4 8,2 3,1

SMR 4,4 0,3 6,1

sueDederdaM 6,1

iraçamaC 3,01 0,2 4,3

acirapatI 7,2 6,2 6,3

ednoCodocsicnarFoãS 1,2- 5,1 6,3

alivA'DsaiD 9,3

zurCareV 6,1 4,4 4,4

satierFedoruaL 3,31 0,6 8,6

6991edlanoicalupopmegatnoCe1991,0891edsocifárgomedsosneC:etnoF.EGBI

oesetnargimedoãçroporP-21alebaTanaiabmegiroedsetnargimsodlautnecrep

6991me

latoTad%aihaB

saiednaC 0,3 6,08

ednoCodocsicnarFoãS 8,3 2,86

SMR 1,5 1,57

sueDederdaM 4,5 8,28

rodavlaS 6,5 7,49

ohliFseõmiS 5,7 7,78

acirapatI 4,8 5,38

iraçamaC 8,9 1,38

zurCareV 0,11 2,78

alivA'DsaiD 2,61 4,48

satierFedoruaL 6,91 3,88

.EGBI6991edlanoicalupopmegatnoC:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000 61

Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Ja-neiro, o que sugere o grande aquecimento da ocu-pação nesse ano, uma vez que, apesar do aumen-to de pessoas na PEA, a taxa de desempregodeclinou, conforme visto na Figura 2. A redução daparticipação econômica diminuiu as pressões so-bre o mercado de trabalho, ainda que possa ter sig-nificado uma piora do bem-estar das famílias, jáque a transferencia de renda entre os membros dafamília52 trabalhando e os fora do mercado de tra-balho reduz a renda per capita familiar, em um me-canismo de solidariedade social que substitui o Es-tado, em situações de precárias redes de proteçãosocial, como um sistema de seguro desempregoinsuficiente.

A queda da Taxa de Participação53 poderia sina-lizar uma melhora de bem-estar social se ela seconcentrasse fundamentalmente entre os mais jo-vens e os mais velhos, uma vez que indicaria maistempo de formação prévia à entrada no mercadode trabalho, assim como uma aposentadoria maistranqüila, sem a necessidade de continuar traba-lhando. Se é verdade que nas faixas etárias dosextremos da PIA há uma redução da atividade eco-nômica, na faixa correspondente ao núcleo do mer-cado de trabalho (18-64 anos) essa taxa tem cres-cido. Isso pode indicar que as pessoas do núcleoprincipal do mercado de trabalho, permanecendoeconomicamente ativas, enfrentam mais dificulda-des para encontrar ocupações, especialmente emuma situação de extremadas taxas de desemprego.

Essa queda da taxade participação au-menta a proporção deinativos no mercado,que, se acompanhadade uma elevação dodesemprego, aumentaa carga de dependên-cia dos ocupados. Issorebate sobre a utiliza-ção da renda familiar,que passa a ser gera-da por menor númerode pessoas, reduzindoseu valor per capita eintensificando a perdade capacidade de con-

sumo, limitando o crescimento dos setores produto-res de bens-salário.

A Figura 7, a seguir, mostra que os fluxos entreatividade e inatividade em Salvador foram mais in-tensos que em todas as outras regiões metropolita-nas, da mesma forma que o índice do número deocupados apresentou desempenho inferior à criaçãode postos de trabalho em Belo Horizonte e PortoAlegre, no período 1991-1999. O crescimento donúmero de inativos, sem que a população tenhacrescido significativamente mais em Salvador quenas outras regiões metropolitanas, sugere que osbaianos têm prolongado sua decisão de entrar nomercado de trabalho, têm se aposentado maiscedo, têm desestimulado a inserção de novos mem-bros da família na busca da ocupação e têm dimi-nuído a intensidade da elevação da participação fe-minina na atividade econômica.

Todos esses mecanismos de reduzir a Taxa deAtividade,54 em situações de alto desemprego, fa-zem declinar os rendimentos médios familiares, pi-orando as condições de bem-estar e impondo novasrestrições ao crescimento endógeno do mercadode trabalho, pela ótica da renda.

Por outro lado, nesses dez anos, a variação daquantidade de desempregados de Salvador foi dasmais altas do País, inferior a Recife e Porto Alegre,antes do Plano Real, e a Porto Alegre e Belo Hori-zonte, nos anos posteriores a 1994. A explosão donúmero de desempregados é comum a todas asregiões metropolitanas, indicando a gênese macro-

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econômica do fenômeno, porém Salvador destaca-se pela intensidade dos movimentos, que se tor-nam mais dramáticos quando comparados com ainclinação negativa relativamente maior da Taxa deParticipação, que levaria a uma redução da pres-são de mais pessoas entrando no mercado de tra-balho. Essa é a principal causa da inclinação positi-va dominante da curva do número-índice de inativosdesta região em relação às outras, na Figura 7.

Por outro lado, o terceiro conjunto de curvas daFigura 7 mostra o medíocre desempenho da cria-ção de postos de trabalho na área metropolitana

brasileira na década de 90, com Salvador moven-do-se menos que Belo Horizonte e Porto Alegre.

Também do ponto de vista da renda média dosocupados, a renda média de Salvador vem se dete-riorando em relação ao conjunto das regiões me-tropolitanas. Os dados da Tabela 13 mostram Reci-fe e Salvador como regiões com rendimentos muitoinferiores, em relação à média dos rendimentos doconjunto de regiões metropolitanas. Em particular,Salvador, que já chegou a ter um rendimento médiocorrespondente a 76,2% do encontrado para o me-tropolitano em 1991, teve uma queda acentuada

nos primeiros anos doPlano Real, recuperan-do-se lentamente nosúltimos três anos e su-perando Recife nos úl-timos anos da década.

Essa queda do ren-dimento médio foi acom-panhada também deuma importante altera-ção na posição relativados rendimentos, deacordo com as formasde inserção dos traba-lhadores ocupados no

oãçalermeanatiloporteMoãigeRadacedaidémadneR-31alebaTsMRsasadotedaidémadnerà

JR PS AP HB ER AS

1991aidéM %3,88 %7,221 %5,78 %9,48 %7,75 %2,67

2991aidéM %1,98 %7,221 %4,48 %4,88 %1,85 %0,27

3991aidéM %7,58 %0,521 %1,48 %3,78 %4,85 %8,17

4991aidéM %8,28 %8,031 %1,88 %3,97 %3,25 %5,85

5991aidéM %7,58 %5,621 %8,59 %0,28 %3,55 %7,65

6991aidéM %7,09 %0,321 %1,39 %3,18 %2,95 %3,85

7991aidéM %8,19 %0,121 %5,49 %5,38 %0,26 %0,26

8991aidéM %4,09 %9,221 %3,49 %2,18 %1,95 %4,26

9991aidéM %9,19 %2,121 %8,29 %8,28 %1,16 %1,46

.0002,AEPI,dupA.EGBI/EMP:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000 63

mercado de trabalho. A década de 90 foi caracteri-zada por uma convergência dos rendimentos dostrabalhadores assalariados formais com carteira,que diminuíram drasticamente seus diferenciais deganhos em relação aos trabalhadores por contaprópria e os assalariados sem carteira. Tambémem relação a esse movimento, Salvador merecedestaque pela intensidade de seus ajustes, confor-me se ilustra na Figura 8.

Apesar da queda dos diferenciais entre os ren-dimentos médios dos trabalhado-res formais e informais em todasas regiões metropolitanas, Salva-dor termina a década ainda com amaior separação entre os dois ti-pos de vínculos trabalhistas, o quepode indicar um maior grau de se-gregação entre os dois tipos demercado na região, em relação aoutras regiões. Verifique-se tam-bém que o efeito redutor da discre-pância dos rendimentos diminui deintensidade depois da implantaçãodo Plano Real em 1994, apresen-tando novamente uma tendênciaao aprofundamento dessa cliva-gem nos últimos anos da década.

Esta convergência dos rendimentos também foiacompanhada de mudanças na proporção dos di-versos tipos de posições que os trabalhadores seencontram na ocupação. Salvador destaca-se pelo

maior crescimento da proporção dos conta-própriaentre os ocupados, só sendo superada por Recifenesse tipo de ocupação. Salvador e Recife caracte-rizam-se pelo pouco grau de assalariamento dessemercado de trabalho de baixa renda e pelas pou-cas oportunidades de emprego. Também no que serefere aos assalariados sem carteira – que cresce-ram enormemente em São Paulo e Porto Alegre,mercados mais consolidados e organizados de for-ma assalariada, refletindo o processo de precariza-

ção dos mercados formais com odeslocamento dos trabalhadoresde vínculos formais para os sem-carteira – há em Salvador um cres-cimento menor que em Recife eBelo Horizonte. Nos mercados an-teriormente mais formalizados hou-ve espaço para a substituição detrabalhadores com carteira parapostos de trabalho sem registroformal. Na RMS, em que as pro-porções de relações informais jáera alta, a possibilidade desseajuste foi mais limitada, intensifi-cando os movimentos de conver-gência dos rendimentos, mais do

que crescendo o número dos sem-carteira.Note-se, por outro lado, os movimentos diver-

gentes da Região Metropolitana de Salvador e asoutras no período posterior ao Plano Real, de 1995a 1999. Nesses anos, a proporção de trabalhado-

res sem carteira e porconta própria entre osocupados permanecepraticamente estável,em Salvador, enquan-to em outras regiões –São Paulo, Belo Hori-zonte e Recife para ossem-carteira, e Rio deJaneiro e São Paulopara os conta-própria– essa proporção con-tinua crescendo com aestabilidade da moeda.Isso parece indicar queo grau de flexibilizaçãodo mercado de traba-

A década de 90 foicaracterizada por uma

convergência dosrendimentos dos

trabalhadoresassalariados formais

com carteira,que diminuíram

drasticamente seusdiferenciais de ganhos,

em relação aostrabalhadores por conta

própria e aosassalariados sem carteira.

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64 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000

lho da RMS já atingiu um patamar difícil de ser supe-rado em aprofundamento da precariedade, comoparece estar ocorrendo em outras regiões que, nadécada de 90, estão aprofundando seus ajustes.

Conclusões

O mercado de trabalho da Região Metropolitanade Salvador vem respondendo de forma semelhan-te ao de outras regiões brasileiras aos choquesmacroeconômicos, no que se refere à direção dosseus ajustes. Políticas contracionistas aumentam odesemprego e a aceleração inflacionária conduz àdiminuição dos desempregados. No entanto, a elas-ticidade da resposta do mercado de trabalho da RMSé diferenciada em relação a outras regiões metro-politanas. As hipóteses referentes a uma maior mo-bilidade da oferta de trabalho não parecem encon-trar evidências significativas, uma vez que na RMSo crescimento da PIA não parece ser distinto do deoutras áreas. Por outro lado, a População Econo-micamente Ativa vem se reduzindo nos últimosanos em relação às pessoas em idade ativa naRMS, muito mais que em outras regiões, o que se-ria contraditório com a hipótese de um desempregoprovocado por excesso de oferta de trabalho.

O crescimento do desemprego parece estarmais associado a uma insuficiente criação de no-vos postos de trabalho para absorver aqueles des-locados do mercado e que não se movimentaramem direção à inatividade. A maior pressão não pa-

rece advir dos seg-mentos que estão en-trando pela primeiravez na ocupação nemdaqueles que deveriamestar saindo, mas simdos que perderam seusempregos e continuambuscando outros.

Essa problemáticada criação desses pos-tos de trabalho nãopode ser solucionadano longo prazo apenaspela redução do custodo trabalho. A quedados rendimentos médi-

os dos trabalhadores da RMS em relação aos ocu-pados de outras regiões não parece ter sido sufici-ente para viabilizar mudanças na demanda detrabalho, como seria esperado pela teoria econômi-ca tradicional. Ao contrário, em uma abordagemmais aproximada de um enfoque keynesiano, osbaixos níveis de rendimento dificultam a intensifica-ção das relações intersetoriais, que poderiam per-mitir uma maior internalização dos efeitos expansi-vos provocados pelos choques de investimentosque caracterizaram alguns momentos da economiaregional.

Esse fenômeno ocorreu nas décadas de 50 e 60em resposta à ação direta do Estado, com um au-mento da atividade econômica local que se inibe eperde intensidade com o fim dos ciclos de investi-mentos dessa fase. Nos anos 70, a política de in-centivos aos investimentos privados dá um novoboom na ocupação da RMS, reproduzindo no mer-cado de trabalho o perfil das transformações queocorreram na estrutura produtiva do Estado. Essesurto de crescimento atinge seu ponto máximo nadécada de 80, como resultado da maturação dosinvestimentos prévios, em uma conjuntura caracte-rizada pela proteção do mercado interno para ajus-tar-se a uma grande crise de balança de pagamen-tos, que estimula e favorece a exportação dossetores dinâmicos da economia baiana.

Os baixos níveis de rendimento da Região Me-tropolitana de Salvador dificultavam os ajustes viacontinuidade da diminuição dos pagamentos ao

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.49-67 Julho 2000 65

trabalho, já que eles partiam de patamares inferio-res aos de outras regiões do país. Por outro lado, amá distribuição dos rendimentos não possibilitava aintensificação dos laços intersetoriais com a dina-mização de segmentos destinados ao mercado lo-cal que possibilitassem o crescimento da ocupa-ção. O crescimento dos segmentos relacionados abens-salário e serviços pessoais que exigiam umamassa salário dos estratos médios da distribuiçãode rendimentos maior, ficava limitado pela grandeconcentração das pessoas nos estratos mais bai-xos e os rendimentos mais altos recebidos por pou-cas pessoas, nos estratos superiores. Como resul-tado deste movimento concentrador da massa derendimentos, a RMS perdeu posição, relativamenteao restante do Brasil metropolitano, no que se refe-re aos rendimentos médios dos ocupados, tem au-mentou o número de pessoas economicamenteinativas e viu explodir a proporção de desemprega-dos entre os economicamente ativos.

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SOUZA, A. do V. Política de industrialização, emprego e integra-ção regional: o caso do Nordeste do Brasil. Recife:SUDENE/Centro Josué de Castro, 1988. Dissertação(Mestrado em Economia e Sociologia) – Universidade Fede-ral de Pernambuco.

Notas

1 Aguiar, (1958), 1977, p. 124.

2 As médias das taxas de crescimento foram de 4,0%, 4,8% e4,3%, com um desvio-padrão de 0,36, 0,43, 0,12 respectiva-mente, nos períodos 1939-1968, 1975-89 e 1991-1999, ain-da que os dados não sejam inteiramente comparáveis.

3 As taxas de desemprego aberto das regiões metropolitanassão mensalmente calculadas pela Pesquisa Mensal de Em-prego, do IBGE. Aqui estão reportados os seus valores mé-dios entre os 12 meses de cada ano.

4 Implantada em janeiro de 1980 nas Regiões Metropolitanasdo Rio de Janeiro e São Paulo, a Pesquisa Mensal de Em-prego (PME) foi estendida às Regiões Metropolitanas dePorto Alegre e Belo Horizonte em abril e, em junho do mes-mo ano, iniciada nas Regiões Metropolitanas de Recife eSalvador. Os dados são uniformizados a partir de maio de1982 até agosto de 1988, quando há mudanças na amostra,perdendo cerca de 20% da precisão nos resultados.

5 A proporção dos salários médios da indústria baiana passa de59,8% da média nacional, em 1942, para 62,0% em 1948, de-pois de ter alcançado 67, 2% em 1945 (Azevedo, 1975, p. 49).

6 Tomando-se 1939 como base, o número índice da produçãode gêneros alimentícios em moeda corrente atinge 1832 naBahia, 522 em Pernambuco e 681 no Brasil, enquanto osvalores da indústria química eram de 187, 970 e 759 respec-tivamente, segundo os Anuários Estatísticos do IBGE de1948 e 1955.

7 Média de 7,9 empregados por estabelecimentos industriaisem 1950, quando essa proporção era de 13, 1 em 1940.

8 Azevêdo, 1975.

9 BID, 1970, p. 3.

10 A única exceção refere-se à elevada variação da produçãode Mobiliário, que tem uma classificação ambígua nestataxonomia de bens de consumo, intermediários e de capital.Deve-se ter em mente também que estas elevadas taxas decrescimento refletem movimentos a partir de valores iniciaismuito baixos.

11 Baptista, (1978), 1979, p. 97.

12 Baptista, (1978), 1979, p. 101, 108.

13 Azevêdo, 1975, p. 55.

14 Oliveira e Reichstul, 1973.

15 Castro, 1971, p. 145.

16 Dados comparativos dos Censos Industriais 1960 e 1950,apud Azêvedo, 1975.

17 Ritz, 1972, p. 66, estimou essa diferença como equivalente a20% das exportações do Estado e cerca de 3,5% da rendainterna estadual.

18 Baptista, (1978), 1979, p. 100.

19 Ainda que se devam levar em conta as observações deSampaio, 1974, p. 21, acerca da insensibilidade do Sistemade Contas Nacionais da época aos investimentos da Petro-bras e Chesf, por serem empresas federais.

20 Principal responsável pelo desempenho relativamente me-lhor da economia nordestina na recessão 81-83. Azevedo,1989, p. 254-255.

21 Almeida, 1981, apud Azevêdo, 1989, p. 255.

22 Até abril de 1970 os projetos de modernização correspondi-am a 20% do total dos investimentos aprovados. De maio de1970 a 1979 essa proporção passa para 55%. Souza, 1988,apud Azevêdo, 1989, p. 255.

23 De 1970 a 1979 a indústria química, principalmente a locali-zada na RMS, absorve cerca de 52% dos investimentos emprojetos novos incentivados pela SUDENE. Azevedo, 1989,p. 255.

24 De 1974 a 1977 a proporção de FBKf em equipamentos emaquinaria no NE passa de 30,6% para 40,4% dos investi-mentos totais. Entre 1982 e 1983 essa proporção cai para32,7% e 24,0%. SUDENE/DGP/PSE, 1987, apud Azevedo,1989, p. 256.

25 Souza, 1988, apud Azevêdo, 1989, p. 257.

26 A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) é um regis-tro administrativo que tem uma boa cobertura apenas dossegmentos mais formalizados do mercado, especialmentedas grandes empresas e do setor público.

27 Braga e Lima, 1987, apud Azevêdo, 1989, p. 251 calcularamos números-índices em valores reais, com base em 1980,dos investimentos estatais como 102,1, 71,7, 65,8 e 68,5respectivamente nos anos sucessivos de 1981 a 1984.

28 Fernandes, 1986, p.23, que também mostra que de 1982 a1986 a proporção de trabalhadores com carteira assinadaflutuou em torno de 51% dos ocupados da RMS, com os da-dos da PME.

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29 Incluindo, além dos ocupados da indústria, os ocupados dossetores de oficinas de reparação mecânica. Azevêdo, 1992.

30 Azevêdo, 1992, p. 11 utilizando uma subamostra dos dadosda PED de 1987 a 1989.

31 Azevêdo, 1992, p. 10.

32 No conceito da PME, que corresponde aos conta-própriaque receberam menos de um salário mínimo.

33 Fernandes, 1986, p. 25.

34 De acordo com os dados da PME, incluindo os formais e in-formais. Nos dados da RAIS, que se limitam ao vínculos for-mais da economia, correspondiam a 72% da ocupação total,de acordo com Fernandes, 1986, p. 31,32.

35 Pela PME, são aquelas pessoas sem qualquer tipo de ocu-pação de pelo menos 15 horas no período de referência dapesquisa.

36 Simões, 1978, p. 470.

37 Almeida, 1999, p. 8.

38 Ainda que a BR-116 tenha também estimulado, indepen-dentemente da Petrobras, outros centros sub-regionaiscomo Vitória da Conquista e Feira de Santana. Nas déca-das de 50 e 60 há uma grande expansão da rede de estra-das na Bahia, passando de 20.758 quilômetros em 1950 –sem nenhum pavimentado – para 72.047 Km – com 2.696quilômetros pavimentados – em 1970, integrando Salvadorcom outros centros sub-regionais e estes com o centro-sul.(Almeida, 1975).

39 Santos, 1958, p. 32.

41 Fernandes, 1986, p. 21.

42 A RMS concentrava 21,6% da população do Estado. IBGEapud Almeida, 1999, p. 12.

43 Mesmo que um megaprojeto de investimento possa vir a mu-dar essa tendência. Almeida, 1999, p. 14.

44 As taxas de crescimento das periferias das Regiões Me-tropolitanas foram de 5,11%, 3,65% e 2,59% respectiva-mente nos períodos 70-80, 80-91 e 91-96. Almeida, 1999,p. 8.

45 Almeida, 1999, p. 9.

46 A decomposição dessas taxas por faixas etárias reforça es-sas hipóteses. Lauro de Freitas, por exemplo, recebemigrantes de mais idade, provavelmente provenientes deSalvador. Azevêdo, 1999.

47 A proporção de pessoas com mais de 60 anos, em Salvador,passa de 4,8% e 5,5%, em 1980 e 1991, para 6,1% em1996. Almeida, 1999, p. 16.

48 A proporção de pessoas entre 15 e 64 anos passa de 59,8%e 62,7%, em 1980 e 1991, para 67,1% em 1996. Almeida,1999, p. 16.

49 Almeida, 1999, p. 16.

50 Entre os inativos encontram-se os aposentados, pensionis-tas, donas de casa, estudantes e todos aqueles que não es-tão ocupados nem estão procurando trabalho. Dessa forma,os desempregados diferem dos inativos pois estão pressio-nando o mercado de trabalho.

51 Relação entre a PEA e a PIA.

52 Decompondo-se essa taxa por sexo, verifica-se um aumen-to da participação das mulheres. Azevêdo, 1999.

53 Outros membros das famílias são as principais fontes deapoio para os desempregados.

54 Esse processo se dá com o retardamento da entrada naPEA, a diminuição do crescimento da PEA feminina, apo-sentadorias mais precoces, aumento do volume de trabalhoesporádico e envolvimento em atividade ilícitas. Azevedo,1996, p. 5.

* José Sérgio Gabrielli de Azevêdo é Professor titular daFCE/UFBa. E-mail: [email protected]

Agradeço os comentários do professor Andre Ghirardi(FCE/UFBa) e de Paulo Ferreira Silveira

(bolsista Unitrabalho/UFBa).

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Passado e Futuro dos Serviços:

O Caso da RMS

Paulo Henrique de Almeida *

Somente uma porcentagem minúscula da força de trabalhoexecuta tarefas da era industrial, embora nossa política,

nossa mídia, nossos recursos financeiros e nossa educa-ção persistam na mirabolante fantasia de que é necessário

criar empregos industriais.

Kevin Kelly,Novas regras para uma nova economia, 1998

Este artigo tem quatro objetivos. Primeiro, ques-tionar o preconceito com relação aos serviços quemarcou a análise econômica brasileira nas últimasdécadas. Segundo, defender a necessidade de umanova abordagem da produção de serviços, capazde lançar luz sobre as atuais relações entre a ex-pansão deste setor e o desenvolvimento regional.Terceiro, identificar os principais vetores de expan-são dos serviços na Região Metropolitana de Sal-vador. Quarto, propor uma reorientação da políticaeconômica regional no sentido de estimular o cres-cimento de alguns dos segmentos mais promisso-res da economia da RMS.1

O artigo enfrenta uma dificuldade básica, co-mum a todos os estudos de dinâmica econômicade longo prazo realizados atualmente no Brasil: aescassez de séries estatísticas contínuas e atuali-zadas. Como se sabe, os últimos censos econômi-cos do IBGE foram realizados em 1985. A estruturada economia de uma Região Metropolitana brasi-leira em 2000 tem pouco a ver com o quadro des-crito pelos levantamentos censitários de meadosda década passada. Salvo as estimativas dos gran-

des agregados da contabilidade nacional (PIB, co-mércio exterior etc.), existem poucas informaçõesque sustentem análises de economias regionaiscentradas na ótica do valor adicionado e do capital.O quadro ainda é mais difícil quando o objeto sãoos serviços, na medida em que a metodologia dacontabilidade nacional ainda está baseada noparadigma de Fisher e Clark dos anos 1930-1940 –“primário, secundário e terciário”. Como sublinhamCastells e muitos outros: “tal distinção tornou-seum obstáculo epistemológico ao entendimento denossas sociedades”.2

No estudo da dinâmica econômica regional, al-guns economistas têm procurado superar este pro-blema da falta de dados com uma análise centradanas mudanças que ocorreram na demografia e nomercado de trabalho. Particularmente, discute-se oque vem acontecendo com a distribuição da popu-lação ocupada entre os diversos setores e subseto-res da economia. Este artigo segue esse caminho,optando por analisar a expansão dos serviços naRMS pela ótica da ocupação. Além disso, tenta es-tabelecer comparações entre o que ocorreu naRMS e o que se verificou em outras regiões metro-politanas do País, bem como nas economias líde-res do planeta. A opção por esse tipo de aborda-gem se sustenta em pelo menos três argumentos:

a) existe disponibilidade de informações recen-tes sobre a força de trabalho da RMS, inclusive so-bre sua distribuição intersetorial, na PesquisaNacional por Amostragem de Domicílios (PNAD,IBGE), na Pesquisa Mensal de Emprego (PME,

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idem) e na Pesquisa de Emprego e Desemprego(PED, SEI/SEPLANTEC/SEADE/DIEESE/UFBA);

b) no final do século XX, no contexto de umaeconomia cada vez mais assentada em conheci-mento e informação, é indiscutível a importânciadecisiva e crescente do chamado capital humanopara o desenvolvimento regional; e

c) é também inquestionável que o principal pro-blema econômico e o mais grave drama social daRMS é o desemprego, que atinge, no conceitomais abrangente da PED, um em cada quatro inte-grantes da população economicamente ativa regio-nal; a análise de dinâmica econômica com eixo naocupação permite mais facilmente que se apontemsoluções alternativas para esse problema.

Ao optar por esse caminho, o autor está conscien-te da possibilidade de certas distorções nos resul-tados da análise. O óbice mais importante está napossibilidade de subestimação do crescimento (emtermos de valor agregado) de setores ou segmen-tos que já são intensivos em capital ou que devempassar a sê-lo em razão da atual revolução tecno-lógica. É necessário notar, entretanto, que a econo-mia da RMS, como de toda moderna metrópole, élargamente assentada na produção de serviços eque estes ainda são, em boa parte dos casos, pro-duzidos com base em técnicas intensivas em traba-lho. É preciso lembrar ainda que em alguns dos se-tores mais dinâmicos da economia regional –serviços de saúde e de educação, por exemplo – aexpansão do valor adicionado se dá com o empre-go crescente de força de trabalho, apesar (ou mes-mo por causa) da introdução de novas tecnologias.

Serviços e desenvolvimento: visõestradicionais

Nos países desenvolvidos, desde o apareci-mento do pós-industrialismo de Allan G. B. Fisher,Colin Clark, Jean Fourastié e Daniel Bell, a aborda-gem tradicional dos serviços tem associado o cres-cimento deste setor à expansão da renda percapita, vale dizer, ao crescimento econômico. Quan-to mais desenvolvido um país, maior o peso dosserviços no produto e na criação de empregos. Nospaíses subdesenvolvidos, entretanto, a interpreta-ção dominante da expansão dos serviços inverteessa lógica. Os teóricos do subdesenvolvimento,

sejam eles keynesianos, pós-keynesianos, cepalinosou marxistas, têm argumentado que uma presençasignificativa dos serviços em países periféricos nãopode ser correlacionada a um nível mais elevadode desenvolvimento econômico. Três tipos de óticase desdobram a partir desse posicionamento.3

Há, em primeiro lugar, o ponto de vista mais tra-dicional que associa uma “hipertrofia do terciário”nos países subdesenvolvidos ao êxodo rural numcontexto de industrialização intensiva em capital.Num certo sentido, o que está por trás desse tipode abordagem, também conhecida como modeloTodaro, é a idéia de que nos países subdesenvolvi-dos o “terciário” precede a indústria. A tese, queveio a ser associada às noções de dualismo, margi-nalidade econômica e setor informal, é de que sepode distinguir duas fases de transferência interse-torial de força de trabalho na ev olução das econo-mias atrasadas. Num primeiro momento, os traba-lhadores ocupados em atividades agrícolas abandonamas zonas rurais, em razão dos ganhos de produtivi-dade na agricultura, da concentração da proprieda-de da terra e da atração exercida pelas cidades.Esta migração para as zonas urbanas é interpreta-da como um período transitório, durante o qual osmigrantes só encontram trabalho no setor urbano“tradicional”, identificado como o setor da pequenaconstrução civil, do microcomércio varejista e daprestação de serviços. Só num segundo momentoé que os trabalhadores migrantes encontrariamocupação no setor “moderno”, vale dizer, na indús-tria. O “terciário inchado” apareceria, assim, comouma “esponja” que absorveria a mão-de-obra des-qualificada recém-chegada do campo.4

Existe, em segundo lugar, uma variante destaconcepção de “terciário-refúgio”, que é mais com-patível com a realidade do final do século, em quea variável êxodo rural tem perdido poder explicati-vo. O “terciário” teria a função de “esponja”, masnão para um excedente de mão-de-obra oriunda docampo e sim para a força de trabalho temporaria-mente demitida pela indústria. Ele seria uma espé-cie de reservatório de trabalho, que abasteceria osetor industrial moderno nos auges dos ciclos eco-nômicos, garantindo a sobrevivência dos trabalha-dores nos períodos de recessão. Esta concepçãode origem keynesiana e pós-keynesiana caiu nogosto dos marxistas, porque permite enxergar nes-

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te “terciário”, que funcionaria como um “colchãoamortecedor anticíclico”, o papel do clássico “exér-cito industrial de reserva”. Este tipo de enfoque foipensado originalmente para os países desenvolvi-dos, mas acabou sendo transplantado para a reali-dade dos países subdesenvolvidos.5

Há, finalmente, a ótica do industrialismo maisradical que afirma, com todas as letras, que os ser-viços não são apenas secundários e subordinados,mas também nocivos. Seu crescimento descontro-lado teria efeitos perniciosos até mesmo nos paí-ses desenvolvidos, pois implicaria queda das taxasde produtividade, progressão mais lenta do padrãode vida e desaceleração do crescimento. Os servi-ços, notadamente os financeiros, seriam atividadesparasitárias, caracterizadas, na maior parte dos ca-sos, por empregos mal remunerados (os McJobsem referência ao trabalho na rede de fast-foodMcDonald’s). Pior: seu crescimento, marcado pelaproliferação de atividades de intermediação, seriaresponsável pela alta dos custos dos bens reais,prejudicando o desenvolvimento dos setores “pro-dutivos”, isto é, da indústria. Um dos divulgadoresmais importantes desta visão absolutamente deli-rante em relação aos serviços foi o grande econo-mista pós-keynesiano Nicholas Kaldor, que proporia,em 1966, na Grã-Bretanha, um imposto sobre oemprego nos serviços, com o intuito de assegurar aprioridade ao desenvolvimento industrial.6

Kaldor, na verdade, retomou uma tradição inici-ada pelos marxistas do século XX. Por razões deordem histórica, os revolucionários russos de 1917e os chineses de 1949 optaram por um caminho dedesenvolvimento com eixo na indústria pesada. Oplanejamento centralizado sacrificou, por conseqüên-cia, a produção de bens de consumo e, sobretudo,os serviços. Este modo de ver o progresso econô-mico como sinônimo de industrialização em seusentido mais estrito se difundiu mundialmente emparalelo com a idéia de planejamento econômico.Através do keynesianismo e do marxismo, chegouaos países subdesenvolvidos a partir dos anos1940 e 1950.

Este industrialismo radical ganharia novo alentonas décadas de 1970 e 1980, quando anos derecessão nos EUA e na Grã-Bretanha fizeram-seacompanhar do rápido crescimento econômico naAlemanha Ocidental e no Japão. Lamentava-se en-

tão a “desindustrialização thatcheriana” e o declínioda indústria americana; a Inglaterra seria, confor-me uma anedota da época, o “único país em via desubdesenvolvimento do mundo”. Mas os anos 1990mostraram exatamente o contrário. A reafirmaçãoda hegemonia americana também se explicou peloavanço dos serviços financeiros, das telecomunica-ções, da informática, do turismo etc., nos EstadosUnidos. Na Grã-Bretanha, o governo Blair fez op-ção explícita por uma estratégia de crescimentocentrada nos serviços.

Crítica das visões tradicionais e necessidadede uma nova postura

São basicamente três as limitações impostaspela análise convencional dos serviços nos paísessubdesenvolvidos.

Primeiramente, as visões tradicionais, obceca-das pela necessidade de discutir a informalidade oua exclusão social, não enxergam as especificida-des dos serviços. Dito de modo mais claro, elas ne-gligenciam diferentes aspectos da dinâmica dosserviços, entre os quais: (a) o papel do Estado comoempregador essencial; (b) o papel fundamental dos“serviços sociais” (educação, saúde, comunitários);e (c) o papel mais que importante dos “serviços deconsumo intermediário” (ditos de produção ou em-presariais).7

Em segundo lugar, as visões convencionais semantêm presas a uma concepção dual da econo-mia, sugerindo a existência de um setor urbano“atrasado” (em geral identificado aos serviços) eum setor “moderno” (industrial). Ora, muitas ativi-dades de serviços se destinam também ao consu-mo intermediário empresarial e têm pouco ou nadaa ver com o “atraso” ou a informalidade (comunica-ções, bancos, transportes e outras). Além disso,existe muita indústria “tradicional” e informal nospaíses subdesenvolvidos.

Finalmente, as visões tradicionais tendem aanalisar os segmentos mais dinâmicos dos servi-ços como casos de exceção. Daí uma concentra-ção absoluta da análise na microprodução de servi-ços, caracterizada pela baixa produtividade e mercadolocal. No entanto, no final do século XX, o que sedestaca numa metrópole subdesenvolvida típica nãoé mais a explosão do comércio ambulante e da pres-

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tação de serviços pessoais (como nos anos 1960-1980). O que chama a atenção é a diversificação ea modernização dos serviços, em razão do desen-volvimento de novas necessidades sociais (e. g.entretenimento, segurança), uso de novas tecnolo-gias de produção, inclusive organizacionais (tele-comunicações, finanças, distribuição etc.), e expor-tação crescente de intangíveis (turismo, engenha-ria, consultoria etc.).

Abordagens mais recentes e mais positivas naanálise do papel dos serviços ten-tam superar as limitações das vi-sões tradicionais partindo de duasconstatações: (a) as atividades deserviços contribuem cada vez maispara o crescimento econômico e,sobretudo, para a criação de em-pregos, o que não é reflexo de umciclo, mas sim uma tendência es-trutural e de longo prazo; (b) écada vez maior a integração entreindústria e serviços e isso ocorreem dois sentidos; primeiro, a pro-dução industrial exige crescente-mente insumos intangíveis; segun-do, o produto industrial é cada vezmais envolvido com “pacotes de serviços” (financia-mento, assistência técnica etc.).

As tendências à maior participação dos serviçosno produto e no emprego e à maior integração en-tre indústria e serviços devem se acelerar com oaumento da importância das atividades baseadasno conhecimento, das tecnologias da informação edo consumo de produtos “inteligentes”.

Nos países da OCDE e segundo a metodologiaestatística convencional, os serviços já respondempor cerca de 60% da atividade econômica e 64%do emprego civil, chegando a mais de 70%, emambos os casos, nas economias mais desenvolvi-das. Enquanto isso, a participação da indústria sesitua, em média, nos 20% do produto nacional. NoBrasil, os serviços respondem por mais da metadedo PIB e por mais de dois terços do emprego nasprincipais regiões metropolitanas. Este tipo de dadoé questionável. Entre outros problemas, este tipode estatística ignora o efeito de mudanças nos pre-ços relativos sobre a participação dos setores noproduto (a preços constantes, a participação da in-

dústria é mais estável), ou o significado do incre-mento da ocupação tipicamente de serviços noseio da própria indústria. Não é exatamente estetipo de dado que demanda uma nova postura emrelação aos serviços, mas sim um fenômeno social-mente mais significativo: nas décadas de 1980 e1990, nos países desenvolvidos, praticamente sóhouve criação líquida de emprego nos serviços, oque aponta para um acelerado aumento da partici-pação destas atividades no emprego total.8

Por que a ocupação nosserviços cresce?

Existem várias explicações parao crescimento do peso socioeco-nômico dos serviços. Estas expli-cações são menos excludentes quecomplementares.

• Deslocamento da força de tra-balho tornada supérflua na agri-cultura e na indústria em razão doprogresso técnico e do conse-qüente aumento da produtividadenestes setores.

• Mercantilização de parte daantiga produção doméstica destinada ao autocon-sumo, sobretudo em razão da entrada maciça dasmulheres no mercado de trabalho, com expansãode creches, restauração fast-food etc.

• Mudança no perfil da demanda agregada emrazão do aumento da renda per capita, com quedarelativa do peso de bens “inferiores” (produtos agrí-colas e industriais tradicionais) e aumento da im-portância de bens “superiores” (produtos de altatecnologia e serviços).

• Complexidade crescente da vida econômica esocial associada à necessidade de maior controlesobre riscos, sendo estes, por sua vez, ampliadospela globalização, aceleração do progresso técnicoe desregulamentação de importantes mercados; es-tes fatores explicam, por exemplo, parte do cresci-mento dos serviços empresariais (consultoria, as-sessoria jurídica etc.) e financeiros (seguros, merca-dos de opções etc.).

• Reestruturação de empresas, com economiade custos e enfoque em competências essenciais,implicando terceirização de serviços anteriormente

As tendências à maiorparticipação dos serviçosno produto e no emprego

e à maior integraçãoentre indústria e serviços

devem se acelerarcom o aumento da

importância dasatividades baseadas

no conhecimento, dastecnologias da

informação e doconsumo de produtos

“inteligentes”.

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internalizados. Isso se torna possível graças às no-vas tecnologias, que permitem a redução dos custosde transação, a melhoria da qualidade nos serviçosproduzidos por terceiros e a eliminação da restriçãoda proximidade entre prestadores de serviços e con-sumidores (pessoas físicas ou instituições).

• Uso crescente de insumos intangíveis tanto naprodução e distribuição de bens industriais quantona própria produção de serviços: P&D, desenho in-dustrial, marketing, logística etc..

• Incremento do tempo livre edo tempo destinado ao lazer, o quepermite a expansão da indústria deentretenimento e de atividades comoo turismo.

• Envelhecimento relativo e ab-soluto da população, com forte au-mento da demanda por serviçosde saúde, assistência domiciliar,turismo e outros.

Serviços e desenvolvimento: nova ótica

As visões tradicionais reconhecem a necessida-de de uma “infra-estrutura de serviços”, basica-mente em transportes, armazenagem e comunica-ções. Este é o ponto de vista mais clássico: certostipos de serviços são necessários à decolagemeconômica, a industrialização exige uma base deserviços. Ir além desse tipo de ótica implica reco-nhecer que os serviços se destinam não só ao con-sumo final, mas também – e em proporções cres-centes – à demanda intermediária empresarial e aoatendimento de necessidades sociais fundamentais.Mais que isso, significa verificar que os serviçosnão são apenas uma condição necessária ao de-senvolvimento econômico, mas que podem se tor-nar a própria força motriz do desenvolvimento.Neste sentido, é possível listar pelo menos três pa-péis relevantes para os serviços: (a) suporte paraas atividades empresariais; (b) atratores de investi-mentos e (c) motores ou locomotivas da dinâmicaeconômica regional.

Como suporte para a atividade econômica, o lu-gar fundamental cabe aos serviços empresariais:produção de software, implantação e manutençãode sistemas, pesquisa e desenvolvimento, arquite-tura e engenharia, processamento de dados, assis-

tência técnica, manutenção preventiva, marketing,formação e treinamento de mão-de-obra, contabili-dade, consultoria em gestão e várias outras ativida-des. Os serviços empresariais constituem o seg-mento de serviços que mais cresce na economiamundial. Isso ocorre por algumas razões: (a) tercei-rização de atividades por parte de firmas já existen-tes; (b) multiplicação de pequenas empresas e pe-quenas unidades de produção, que por razões deescala são obrigadas a utilizar serviços externos

para complementar seus recursos;(c) necessidade de maior flexibilidadenos processos de produção, tendoem vista a crescente variabilidade dademanda e a aceleração do progres-so técnico; (d) importância crescenteda produção baseada no conheci-mento, que depende do suprimentode serviços especializados.9

O fornecimento de serviços em-presariais de qualidade tem sido considerado o fa-tor-chave para a melhoria da performance doconjunto da economia; eles são indispensáveispara a moderna indústria, para os outros serviços etambém para o agribusiness. Em países subdesen-volvidos ou em regiões atrasadas, onde são limita-das as relações intersetoriais, há baixo nível deexternalização de serviços e falta suporte às em-presas especializadas na produção de serviços in-termediários, é o próprio crescimento econômicoque tende a ser afetado.

De fato, a existência em uma região de umarede desenvolvida de serviços empresariais de quali-dade reforça a capacidade de atração de novos in-vestimentos e, ao mesmo tempo, reduz os atrativosdo deslocamento, do abandono do território, porparte das empresas e organizações já instaladas.Nas palavras dos economistas Pascal Ughetto eChristian du Tertre:

(...) os serviços constituem parte da contribuição do território

para a construção das performances das firmas que neles

estão localizadas. A tomada de consciência destes fenôme-

nos conduz a um deslocamento das análises, que tinham

por hábito considerar os serviços como ‘seguidores’ em rela-

ção à atividade industrial e que, por isso, tendiam a justificar

as orientações de política regional principalmente dirigidas

para o setor industrial (...). O reconhecimento do efeito do

Os serviçosnão são apenas umacondição necessáriaao desenvolvimento

econômico, mas podemse tornar a própria

força motrizdo desenvolvimento.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000 73

meio ambiente favorável, e mesmo atrator, exercido pelos

serviços empresariais de alto nível conduz assim a fazer do

desenvolvimento dos serviços um objetivo para as políticas

regionais.10

Finalmente, é preciso levantar a questão decisiva:os serviços só sustentam outras atividades ou sãotambém criadores de valor? Nas visões tradicionais,os serviços só agregam valor quando desempenhamo papel de insumos para a produção industrial, quan-do são serviços ditos “produtivos”.Numa ótica alternativa, mais atuale holística, é preciso reconhecerque a dependência entre serviçose indústria é mútua e de mão du-pla, que freqüentemente é a indús-tria que fornece os insumos paraos serviços, que os serviços po-dem transformar matéria-prima dediversas origens em produtos finais(inclusive exportáveis) e desempe-nhar, assim, o papel de “locomoti-va” que põe em movimento umaeconomia regional. O turismo as-sociado ao entretenimento é oexemplo evidente. Mas muitas eco-nomias exportam ainda serviços desaúde e educação, serviços de en-genharia e assistência técnica, servi-ços financeiros e seguros, transporte de passageirose de carga, telecomunicações e informação, assistên-cia jurídica, pesquisa e desenvolvimento, marketing,propaganda, publicidade etc, a lista é longa.

Serviços são exportáveis

O papel dos serviços no comércio exterior sem-pre foi reconhecido na medida em que eles consti-tuem o suporte indispensável para a importação eexportação de bens. Na ausência de transporte, ar-mazenagem, financiamento e outros insumos, nãohá comércio exterior. Melhor dito: o desenvolvimen-to dessa base de apoio é uma condição prévia paraa expansão do comércio externo. Mas a questãohoje é admitir que, além disso, os serviços são tam-bém objeto de comércio.

A parte dos serviços no comércio mundial temflutuado entre 20 % e 25% das trocas globais des-

de os anos 1980. Mais recentemente, as trocas deserviços de caráter comercial têm crescido mais ra-pidamente que o comércio de mercadorias. Essatendência deve se manter em razão dos avançosda telemática. Ao mesmo tempo, tem crescido tam-bém a participação dos serviços no investimento di-reto estrangeiro. O fato é bem conhecido no Brasil,uma vez que têm se multiplicado no País, em partepor causa das privatizações, os investimentos demultinacionais em áreas como serviços financeiros,

telecomunicações e comércio va-rejista (supermercados).11

Eis por que o comércio interna-cional de serviços e o investimentoestrangeiro em serviços se torna-ram a questão maior no antigo GATT(hoje Organização Mundial do Co-mércio) desde 1986, por ocasiãodas negociações do Uruguay Round.

Até o momento, os maiores par-ticipantes e beneficiários do comér-cio e do investimento externo emserviços são os países desenvolvi-dos e mais particularmente as glo-bal cities, que são antes de maisnada poderosos centros financeiros(Nova Iorque, Londres, Tóquio, SãoPaulo e outras), as gateway cities(cidades corredores ou portais de

entrada: São Francisco, Los Angeles, Rio de Janeiroetc.) e as cidades especializadas na exportação deserviços específicos como turismo e entretenimento(Orlando, Las Vegas) ou saúde (Houston, Cleveland),para ficar com exemplos norte-americanos. Salvador,que já vende turismo, entretenimento, engenharia,educação e outros produtos, será um centro aindamais importante de exportação de serviços?

Com freqüência, o ceticismo com relação às ex-portações de serviços está associado à dificuldadeem compreender como funciona o comércio exter-no de serviços. Os serviços são exportados, para oexterior, mas também para outros estados, regiõesou cidades, basicamente de cinco maneiras:12

• Caso 1: transações que não envolvem deslo-camento do prestador ou do usuário

Antes do desenvolvimento das telecomunica-ções, das tecnologias da informação e particularmen-te da Internet, esse tipo de transação ocorria numa

Numa ótica alternativa,mais atual e holística, épreciso reconhecer que

dependência entreserviços e indústria é

mútua e de mão dupla,que freqüentemente é aindústria que fornece os

insumos para os serviços,que os serviços podem

transformar matéria-primade diversas origens em

produtos finais edesempenhar, assim, opapel de “locomotiva”

que põe em movimentouma economia regional.

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74 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000

escala modesta. O quadro mudou radicalmente nosúltimos anos, na medida em que as novas tecnolo-gias permitem a expansão das trocas internacio-nais de serviços financeiros, consultoria, educaçãoà distância, telemedicina e muitos outros produtos.

• Caso 2: transações em que o prestador sedesloca temporariamente até o usuário

É o caso da exportação de serviços de consultoriae auditoria, engenharia, mas também de saúde e edu-cação, quando ocorre o deslocamento do provedor.

• Caso 3: transações em que o usuário se deslo-ca até a fonte do serviço

O exemplo clássico deste caso é o turismo re-creativo, de eventos (congressos, convenções) oude negócios. Mas é também possível, por exemplo,em saúde e educação, quando o consumidor é quese desloca.

• Caso 4: transações em que o provedor se des-loca com o usuário

É o caso clássico do transporte de passageiros:aéreo, marítimo ou rodoviário.

• Caso 5: transações em que o provedor se des-loca permanentemente até o usuário

É o caso do investimento estrangeiro direto emserviços. Neste caso a empresa abre uma subsidiá-

ria ou filial que presta serviços na região ou país“importador”, remetendo a remuneração pelos ser-viços (inclusive royalties, lucros etc.) para a regiãoou país de origem.

A evolução da estrutura da economia da RMS

Na população ocupada da Região Metropolita-na de Salvador, a proporção empregada pela in-dústria cai de 11,7% em janeiro de 1991, para 9,5%em janeiro de 2000, segundo a PME. Nos anos1990, trata-se de um processo comum a todas asmais importantes regiões metropolitanas do País, oque a Tabela 1 mostra com clareza. Suas causassão conhecidas: reestruturação produtiva (desem-prego tecnológico) e abertura para importações (re-dução da fração de mercado dos produtos nacio-nais), dois processos que se iniciam com o governoCollor e se intensificam ao longo da década de1990. A queda do emprego industrial foi até menorem Salvador que nas regiões metropolitanas maisindustrializadas. A tendência geral à “desindustriali-zação” do emprego é mais claramente visível noscasos das RMs de São Paulo, Rio de Janeiro, PortoAlegre e Belo Horizonte.

Na RMS, o declíniodo emprego industrialé comprovado tambémpela PED, no períodoentre 1987-88 a 1996-99. A primeira amostraregistra uma proporçãode 12,2% de ocupadosna indústria de trans-formação. Esta propor-ção cai para 8,2% naamostra de 1996-99(Tabela 2).

O que ainda chamaa atenção na análisedo emprego industrialna RMS é a pequenaproporção da força detrabalho ocupada no se-tor: 9,5% em janeiro de2000, segundo a PME,ou seja, cerca de me-tade das proporções re-

1alebaTdanoiceleSsanatiloporteMseõigeRmeoãçapucOadlairoteSoãçiubirtsiD sa

)%(0002e1991

seroteS/sMR airtsúdnI liviC.C oicrémoC soçivreS sartuO

etnoziroHoleB

19/naj 2,81 1,01 6,41 1,05 1,7

00/naj 0,51 3,9 0,51 1,45 7,6

ergelAotroP

19/naj 7,32 9,5 2,51 3,54 9,9

00/naj 7,02 5,6 3,41 6,94 9,8

eficeR

19/naj 1,31 4,7 8,71 6,94 0,21

00/naj 5,01 7,6 3,81 7,35 8,01

orienaJedoiR

19/naj 2,61 5,7 6,41 7,25 0,9

00/naj 9,11 7,6 2,41 5,75 7,9

rodavlaS

19/naj 7,11 9,8 9,41 6,35 8,01

00/naj 5,9 7,7 8,51 9,55 1,11

oluaPoãS

19/naj 0,13 8,6 9,31 2,44 2,4

00/naj 4,02 1,6 5,41 3,45 6,4

EMP,EGBI:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000 75

gistradas para as RMs de Porto Alegre ou SãoPaulo. Uma proporção também menor que aquelasverificadas para Belo Horizonte, Rio de Janeiro emesmo Recife (Tabela 1).

Um outro setor de importância decrescente nageração de empregos na RMS é a construção civil.A PED revelou uma queda de 7,5% para 5,4% en-tre os ocupados, no intervalo de 1987-88 a 1996-99(Tabela 4). A PME também registra declínio da pro-porção de ocupados na construção civil da RMS,na comparação entre janeiro de1991 e janeiro de 2000 (Tabela 1).

A construção civil nacional eseu complexo – o construbusiness– vêm conhecendo crescimentolento ou estagnação há algunsanos. Houve redução importantedas obras públicas, em função dacrise fiscal. A construção civil pesa-da tem se sustentado com asobras de shopping centers, implan-tação de novas indústrias e com trabalhos decor-rentes das concessões nas áreas de telefonia erodovias. É o que também ocorre na Bahia, onde osegmento contou nos últimos anos com poucos in-vestimentos públicos, derivados basicamente dosprogramas Bahia Azul e Integração dos CorredoresRodoviários. A construção civil residencial, ao mes-mo tempo, enfrentou a retração do mercado, emrazão de taxas de juros elevadas que inviabilizam ofinanciamento de habitações. Este segmento resis-te na RMS sobretudo com obras de condomínio ede autofinanciamento. O resultado final é a reduçãoou estagnação do emprego na construção civil emtodas as principais regiões metropolitanas do País,com exceção de Porto Alegre (Tabela 1).

A produção de materiais de construção vemsendo absorvida pelo chamado consumo-formiga,realizado por indivíduos que fazem a autoconstru-ção ou a reforma de imóveis próprios, bem comopor microempresários que operam na informalidade.O segmento informal do construbusiness tem res-pondido por cerca de 70% das vendas de materi-ais, segundo a Associação Nacional dos Comerci-antes de Materiais de Construção (Anamaco).13 Oquadro na capital da Bahia, não é diferente. O estu-do Perfil Sócio-Econômico do Trabalhador In-formal de Salvador (FCE/UFBA-SEPLAM/PMS,

1999) revelou um forte incremento do trabalho in-formal na construção civil.14

Na década de 1990, de acordo com a PME, aproporção de ocupados no comércio pouco se alte-rou na RMS e nas outras principais regiões metro-politanas do País. Nas seis RMs examinadas pelaTabela 1, há um ligeiro incremento em quatro (BeloHorizonte, Salvador, Recife e São Paulo), estabili-dade em uma (Rio de Janeiro) e queda em uma(Porto Alegre). A PED, por sua vez, revela uma

queda na participação de ocupa-dos pelas atividades comerciaisna RMS (Tabela 2).

É possível que a expansão donúmero de ocupados no comérciocom a migração para a informali-dade e o aparecimento de novosmicroempresários, ambulantes e“sacoleiras”, venha sendo acom-panhada por uma redução do em-prego no comércio formal. Este,

como se sabe, conhece intensa renovação tecno-lógica. O resultado final é que, no longo prazo, aproporção de ocupados no comércio flutua ape-nas ligeiramente ou cai um pouco.

Na década de 1990, do ponto de vista do em-prego, as atividades em expansão em todas aseconomias metropolitanas mais importantes estãonos serviços em sentido mais estrito. É o que reve-la a PME (Tabela 1) e também a PED, para o casoda RMS (Tabela 2). Segundo esta última pesquisa,na RMS, entre 1987-88 e 1996-99, cresceram tantoa ocupação na prestação de serviços em geralquanto a ocupação na prestação de serviços do-mésticos.

Na década de 1990,do ponto de vista do

emprego, as atividadesem expansão em

todas as economiasmetropolitanas mais

importantes estão nosserviços em sentido

mais estrito.

2alebaTSMRansetnedisersodrotesropoãçapucO

99/6991-88/7891

edadivitAedseroteS 88-7891 99-6991 %.raV

airáuceporgAlategevoãçartxee

3,2 4,1 4,83-

oãçamrofsnartedairtsúdnI 2,21 2,8 8,23-

livicoãçurtsnoC 5,7 4,5 8,72-

sairodacremedoicrémoC 7,81 0,71 8,8-

soçivreS 8,84 0,75 8,61

socitsémodsoçivreS 3,9 5,01 9,21

sedadivitAsartuO 2,1 4,0 6,56-

soluclácsosson,DEP:etnoF

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76 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000

A estrutura da economia da RMS, desenhada apartir da ocupação nos macrossetores, pode serdescrita da forma que se segue.

O segmento da economia mais importante daeconomia regional é sem dúvida a prestação deserviços, com 55,9% das ocupações na RMS emjaneiro de 2000, segundo a PME, 57,0% de acordocom a amostra PED de 1996-99 (exclusive serviçosdomésticos), e 60,36%, segundo a PNAD 98 (Ta-bela 3).

A atividade comercial é a segunda em importân-cia, com 16% a 17% de participação.

Somados, comércio, serviços e serviços domés-ticos – o “terciário” – significam de 75% a 85% daocupação total na RMS.

Indústria e construção civil vêm, respectivamen-te, em terceiro e quarto lugar entre os macrosseto-res de atividades. Em conjunto, representam de ummínimo de 13,6% (amostra PED 1996-99) a ummáximo de 18,7% (PNAD, 98, incluindo “outras ati-vidades industriais”).

Especializações e lacunas da matrizeconômica da RMS

A Tabela 3 mostra que o “grau de especializa-ção” da RMS na indústria é de apenas 0,56, indi-cando que, em comparação com as outras regiões

metropolitanas, a atividade industrial ocupa emSalvador e no seu entorno uma proporção bemmenor da força de trabalho. Por que a indústriaemprega tão pouco na RMS e em Salvador? Exis-tem pelo menos duas razões para este fato. Em pri-meiro lugar, a indústria instalada na RMS – cujosegmento mais importante está na química de pro-cesso contínuo automatizado – emprega poucamão-de-obra. Em segundo, o que é mais importan-te: Salvador e a RMS têm pouca indústria.15

Note-se que, segundo a PNAD 98, a proporçãode ocupados na indústria de transformação naRMS (8,74%) é inferior à da região metropolitanade Fortaleza (14,33%) e, ainda, bem menor que asporcentagens verificadas em metrópoles regionaisde reconhecido dinamismo como Belo Horizonte(14,88%), Curitiba (16,22%) e Porto Alegre (18,49%).(Tabela 3)

A atividade industrial é uma grande lacuna aber-ta na matriz econômica da RMS. Isso indica quesão consideráveis as possibilidades de expansãoda indústria local, inclusive com base na substitui-ção de importações regionais. No entanto, como semostrará adiante, é pouco provável que os empre-gos industriais possam sair de subsetores como in-dústria química ou metal-mecânica. Segmentoscomo indústria de confecções ou movelaria é queguardam ainda alguma capacidade de geração sig-

3alebaTsadanoicelessanatiloporteMseõigeRmeedadivitaedomarodnugessodapucosodoãçiubirtsiD

)%(8991edadivtAedsomaR

ohlabarTodlapicnirP

oleBetnoziroH

oãSoluaP

ed.RorienaJ abitiruC

otroPergelA rodavlaS eficeR azelatroF méleB

latoTsadsMR

edetneicouQoãçazilaicepsE

rodavlaSed

alocírgA 40,3 33,1 87,0 46,3 40,4 09,1 72,3 09,3 76,1 00,2 59,0

edairtsúdnIoãçamrofsnarT 88,41 56,02 92,01 22,61 94,81 47,8 99,8 33,41 68,7 35,51 65,0

edairtsúdnIoãçurtsnoC 62,01 65,6 71,7 52,01 53,7 94,8 59,6 33,9 37,6 85,7 21,1

sedadivitasartuOsiairtsudni 02,1 79,0 94,1 12,1 48,0 44,1 86,1 19,0 31,1 71,1 32,1

edoicrémoCsairodacrem 92,41 37,61 50,61 22,61 12,51 55,61 24,81 71,81 04,22 05,61 00,1

serailixuasoçivreS 44,6 01,7 56,6 16,6 13,7 62,7 79,5 30,4 12,5 76,6 90,1

eetropsnarToãçacinumoc 40,6 80,6 31,6 74,5 89,4 32,5 13,5 22,4 92,5 67,5 19,0

siaicossoçivreS 73,11 92,11 13,31 64,01 22,11 41,31 04,21 12,11 82,11 48,11 11,1

acilbúpoãçartsinimdA 28,3 73,3 79,5 26,4 58,4 24,6 01,6 74,4 36,8 56,4 83,1

oãnesartuOsadaralced 24,2 95,3 90,4 31,3 26,3 25,2 98,3 10,2 73,2 24,3 47,0

soçivreSlatoT)oicrémoCevisulcxe( 19,35 81,05 31,06 33,94 74,05 63,06 08,65 53,15 48,75 18,35

soluclácsosson,DEP:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000 77

nificativa de postos de trabalho na indústria detransformação.

Na comparação com as outras regiões metro-politanas, a RMS aparece com proporções deocupação superiores à média das regiões metro-politanas brasileiras em seis setores: administra-ção pública, outras atividades industriais, presta-ção de serviços, construção civil, serviços sociaise serviços auxiliares. A prestação de serviços in-corpora, na PNAD, alojamento e alimentação, re-paração e conservação, serviçospessoais, serviços domiciliares ediversões, radiodifusão e televi-são. Os serviços auxiliares de ati-vidades econômicas englobamtambém os de natureza técnico-profissional. Os serviços sociaisagregam basicamente as ativida-des de saúde e educação. A admi-nistração pública abarca os servi-ços de defesa nacional e segurança pública.Finalmente, as outras atividades industriais cor-respondem à extração mineral e aos chamadosserviços industriais de utilidade pública.

O peso da administração pública (6,42% dosocupados) deve-se ao chamado “efeito-capital” numquadro estadual de inexistência de rede importantede cidades de porte médio. Salvador concentra ins-tituições federais, cerca de 50% da folha do funcio-nalismo estadual e uma grande prefeitura. Mas o

fato da RMS só perder para Belém no que diz res-peito ao peso das ocupações na administração pú-blica é também reflexo da pouca geração de postosde trabalho no setor privado em comparação comRMs mais dinâmicas.

As chamadas “outras atividades industriais” têmpeso pequeno na economia, do ponto de vista doemprego (apenas 1,44% das ocupações segundoa PNAD 98). Além disso, a ocupação neste seg-mento tem decrescido aceleradamente em termos

absolutos (ver Tabela 4).Devem ser destacados, assim,

quatro dos seis setores relevan-tes: a construção, com cerca de8,49% dos ocupados, a prestaçãode serviços (28,31%), os serviçosauxiliares (7,26%) e o serviços so-ciais (13,14%). (Tabela 3)

Se são estes os setores queconcentram a ocupação na RMS,

é necessário verificar também em que atividades aocupação mais cresceu em termos absolutos. Deacordo com a PNAD, entre 1993 e 1998 foi exata-mente nos mesmos quatro. Pela ordem: prestaçãode serviços (mais 91,2%), serviços auxiliares(33,0%), serviços sociais (17,3%) e indústria daconstrução (14,4%). Em todos esses setores, aocupação cresceu a uma taxa superior à registradapara o conjunto da economia da RMS – 10,22%,conforme mostra a Tabela 4.

O peso da administraçãopública (6,42% dos

ocupados) deve-se aochamado “efeito-capital”

num quadro estadualde inexistência de redeimportante de cidades

de porte médio.

4alebaTedadivitaedomaroodnugesodapucolaossepodotnemicsercedsaxaT

)%(8991-3991–sadanoicelessanatiloporteMseõigeRmeedadivtAedsomaR

lapicnirPohlabarTodoleBetnoziroH

oãSoluaP

ed.RorienaJ abitiruC

otroPergelA eficeR azelatroF méleB rodavlaS aihaB lisarB

latoT 08,01 31,7 17,1 3,91 08,2 84,6 85,21 43,5 22,01 3,4 9,4

alocírgA 6,91- 6,31 4,05- 3,76- 2,36- 8,43- 1,32 2,71- 9,0 5,8- 7,11-

oãçamrofsnarTedairtsúdnI 6,1 0,41- 0,33- 0,12 5,52- 5,31- 9,3- 2,3 7,9 3,9 8,3-

oãçurtsnoCedairtsúdnI 1,21 9,3 5,4- 1,92 6,11 1,01 7,41 3,71 4,41 6,03 9,31

sedadivitasartuOsiairtsudni 6,25- 6,5- 3,6- 6,12- 2,53- 4,91 2,21- 1,52- 9,92- 5,12- 9,9-

sairodacremedoicrémoC 1,7 2,8 8,7 0,32 7,11 6,0- 1,4 9,31 3,0 2,9 0,01

soçivresedoãçatserP 3,61 8,21 2,8 8,62 1,61 3,5 7,51 1,5 2,19 2,21 6,11

serailixuasoçivreS 3,63 8,82 2,71 5,33 0,42 9,23 9,05 6,13 0,33 6,03 7,82

oãçacinumoceetropsnarT 9,91 8,02 0,2 7,32 3,81 9,02 7,61 1,5 9,9 8,81 0,81

siaicossoçivreS 5,12 7,91 8,7 6,52 5,11 8,71 0,92 8,8- 3,71 3,61 1,71

acilbúpoãçartsinimdA 9,01- 6,7 4,2 0,11 9,11 7,11 1,1- 3,5- 9,6 3,1- 2,5

sadaralcedoãnesartuO 8,21- 2,01- 6,2- 9,32- 1,01- 4,21 6,0- 6,02- 6,13- 7,01 1,6-

8991e3991sDANP,EGBI:etnoF

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78 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000

Os segmentos de maior dinamismo

Na seção anterior, a análise da estrutura econô-mica da RMS destaca cinco macrossetores de ati-vidades. Em primeiro lugar e negativamente, a in-dústria, sobretudo pelo seu pequeno peso noemprego total, na comparação com as outras RMs.Em segundo lugar, a construção civil, por duas ra-zões: importância ainda considerável na ocupação,apesar da queda no longo prazo, e expansão re-cente do número de ocupados. Em terceiro, os ser-viços auxiliares (técnicos e profissionais), que têmconhecido uma taxa de expansão do número deocupados mais que relevante. Em quarto, a presta-ção de serviços, tanto pelo peso na ocupação totalquanto pela continuidade acelerada do crescimen-to do número de ocupados neste setor. Em quinto,finalmente, os serviços sociais, porque além daocupação crescer no ensino e nos serviços de saú-de, a expansão extraordinária dos gastos da popu-lação com estes itens parece indicar o desenvolvi-mento de dois mercados promissores.16

A seção seguinte procura aprofundar a análise,identificando na indústria e nos serviços os subse-tores de maior dinamismo. Utiliza para isso os da-dos da PED.

Os segmentos que crescem

Como revela a Tabela 5, entre 1987-88 e 1996-99,praticamente nenhum segmento da indústria detransformação apresentou crescimento de partici-pação na ocupação global dos habitantes da RMS.As exceções parciais foram o artesanato (comcrescimento), a indústria de alimentos (com estabi-lidade) e a indústria de mobiliário e produtos demadeira (que quase conseguiu manter seu nível departicipação).

A Tabela 5, entretanto, deve ser analisada commaior atenção. Como a tendência geral é de ex-pansão maior do trabalho nos serviços, é naturalque as taxas de participação dos subsetores indus-triais diminuam. A tabela identifica apenas mudan-ças relativas, o que implica dizer que em outrossetores da indústria, além do artesanato, a ocupa-ção absoluta também aumentou nos últimos anos.

A Tabela 6 mostra a evolução da ocupação ex-clusivamente na indústria. É importante observar

como o peso relativo de segmentos tradicionais li-derados por grandes empresas diminui (metal-me-cânica, química e materiais de construção), en-quanto aumenta a importância de segmentosmajoritariamente constituídos por pequenas e mi-croempresas. Entre 1987-88 e 1996-99, os seg-

5alebaTSMRansetnedisersodrotesropoãçapucO

99/6991-88/7891

serotesbuSeseroteS/78918891

/69919991

%.raV

lategevoãçartxeeairáuceporgA 3,2 4,1 4,83-

oãçamrofsnartedairtsúdnI 2,21 2,8 8,23-,acinâcem,acigrúlateM

etropsnart,acirtéle 3,2 3,1 7,34-

sodaçlaceoiráutsev,litxêT 1,1 8,0 9,22-

sotnemilA 4,1 4,1 3,4sortuoeoiráiliboM

ariedamedsotudorp 6,0 6,0 5,3-acimíuqoxelpmoC

*acimíuqortepe 8,3 3,2 2,14-

acifárG 6,0 5,0 0,9-

oãçurtsnocedsiairetaM 7,0 3,0 4,25-

otanasetrA 3,0 5,0 2,35

oãçamrofsnartedsairtsúdnisartuO 5,1 6,0 3,36-

livicoãçurtsnoC 5,7 4,5 8,72-

sairodacremedoicrémoC 7,81 0,71 8,8-

soçivreS 1,85 5,76 2,61aicílop,acilbúp.mdA

sadamrAsaçroFe 7,7 3,7 0,6-

acilbúpedadilituedsoçivreS 8,1 2,1 3,33-

meganezamraeetropsnarT 1,4 3,4 4,5

soriecnanifesoicítidercsoçivreS 3,2 8,1 5,42-oãçartsinimdA

sievómiedoicrémoce 3,0 4,1 8,614

sodazilaicepsesoçivreS 7,1 5,3 0,311

serailixuAsoçivreS 0,2 0,4 2,99,azepmiledsoçivreS

sanicifoeaicnâligiv 8,1 2,5 6,191

acinâcemoãçaraperedsanicifO 9,1 2,2 6,11oãçacinumocedsoçivreS

**oãsrevide 0,1 2,2 8,221

oãçatnemilaedsoçivreS 4,5 2,6 0,41

sotnemajolaeseõsnep,siétoH DN 5,0

oãçacudE 7,5 4,7 4,82

edúaS 5,3 4,4 1,72

soirátinumocsoçivreS 9,0 2,1 9,23

siaossepsoçivreS 9,5 6,1 1,37-

socitsémodsoçivreS 3,9 5,01 9,21

soçivressortuO 7,2 6,2 7,5-

sedadivitAsartuO 2,1 4,0 6,56-

lareglatoT 0,001 0,001ahcarrobedsotafetraeacituêcamraf,socitsálpiulcnI*

oãsufideleteoidáriulcnI**soluclácsosson,DEP:etnoF

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000 79

mentos industriais que parecem ter um desempe-nho mais positivo do ponto de vista da oferta de tra-balho são: (a) têxtil, vestuário e calçados (vale di-zer, principalmente confecções); (b) alimentos; (c)mobiliário e outros produtos de madeira; e (d) gráfi-cas. É de se notar ainda, a excelente performancedo artesanato.

A Tabela 7 detalha a evolução da ocupação nossubsetores de serviços.

Assinale-se, primeiramente, que diminui a im-portância do emprego na administração estatal(ainda que ele tenha aumentado, como se sabe,com base nos dados da PED, no segmento de se-gurança pública). Isso se deve provavelmente à re-dução das contratações pelo Estado desde o finaldos anos 1980, com o início de um período marca-do pela crise fiscal e pela necessidade de restriçãodo gasto com funcionários nos termos da LeiCamata.

Os governos estadual e local têm, em contra-partida, utilizado maior proporção de trabalho ter-ceirizado. Esse movimento reduz a proporção deocupados na administração pública enquanto au-menta o peso de vários segmentos de serviços.

O segundo fato relevante é a queda da partici-pação relativa em segmentos que conheceramprivatizações e passaram por intensa reestrutura-ção organizacional e renovação tecnológica: servi-ços de utilidade pública, transporte e armazena-gem, serviços creditícios e financeiros e oficinas dereparação mecânica.17

É surpreendente, em terceiro lugar, a diminui-ção da presença dos serviços pessoais em sentidoestrito, nos termos em que estes são definidos pelaPED. A maioria das ocupações registradas nestesegmento estão relacionadas aos serviços de higi-ene pessoal: barbeiros, cabeleireiras, manicuresetc. O porquê destas ocupações estarem perdendorelevância na RMS é uma questão que já pode serexplicada à luz de estudos realizados recentemen-te no Brasil, com base na PNAD. Pode ser descar-tada a hipótese de erro metodológico da PED.Duas explicações devem ser adiantadas: (a) acele-rado progresso técnico e organizacional, com aconcentração deste tipo de serviços em estabeleci-mentos modernos, que operam com maior produti-vidade e se estruturam em redes de franquias, emshopping centers; (b) incremento do auto-serviçona higiene pessoal, devido ao encarecimento relati-vo deste tipo de serviço durante o boom do Real eàs mudanças de hábitos de consumo (aumento donúmero de mulheres que “fazem” as próprias

6alebaTsetnedisersodrotesbusropoãçapucO

airtsúdniansodapucoSMRan

serotesbuSeseroteS/78918891

/69919991

%.raV

,acinâcem,acigrúlateMetropsnart,acirtéle 6,81 6,51 3,61-

sodaçlaceoiráutsev,litxêT 8,8 1,01 8,21

sotnemilA 1,11 2,71 6,53sortuoeoiráiliboM

ariedamedsotudorp 8,4 9,6 4,03acimíuqoxelpmoC

*acimíuqortepe 4,13 5,72 4,41-

acifárG 6,4 2,6 2,62

oãçurtsnocedsiairetaM 6,5 0,4 2,14-

otanasetrA 5,2 7,5 1,65

oãçamrofsnartedsairtsúdnisartuO 6,21 9,6 4,38-

oãçamrofsnartedairtsúdnI 0,001 0,001ahcarrobedsotafetraeacituêcamraf,socitsálpiulcnI*

soluclácsosson,DEP:etnoF

7alebaTsetnedisersodrotesbusropoãçapucO

soçivressonsodapucoSMRan99/6991-88/7891

serotesbuSeseroteS/78918891

/69919991

%.raV

aicílop,acilbúp.mdAsadamrAsaçroFe 3,31 7,01 1,91-

acilbúpedadilituedsoçivreS 2,3 8,1 6,24-

meganezamraeetropsnarT 1,7 4,6 3,9-

soriecnanifesoicítidercsoçivreS 0,4 6,2 0,53-oicrémoceoãçartsinimdA

sievómied 5,0 1,2 8,443

sodazilaicepsesoçivreS 8,2 2,5 3,38

serailixuAsoçivreS 5,3 0,6 4,17,azepmiledsoçivreS

sanicifoeaicnâligiv 1,3 7,7 0,151

acinâcemoãçaraperedsanicifO 3,3 2,3 9,3-oãçacinumocedsoçivreS

**oãsrevide 7,1 3,3 8,19

oãçatnemilaedsoçivreS 3,9 2,9 9,1-

sotnemajolaeseõsnep,siétoH DN 8,0

oãçacudE 9,9 9,01 5,01

edúaS 0,6 5,6 4,9

soirátinumocsoçivreS 6,1 8,1 4,41

siaossepsoçivreS 1,01 3,2 8,67-

socitsémodsoçivreS 0,61 6,51 8,2-

soçivressortuO 7,4 8,3 9,81-

soçivreS 0,001 0,001oãsufideleteoidáriulcnI*

soluclácsosson,DEP:etnoF

Page 77: Governo do Estado da Bahia - SEI - PrincipalO artigo de Passos Cunha chama a atenção para a interpretação que os dirigentes da Bahia de-ram às “causas da decadência” e para

80 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000

unhas etc.). São processos que já ocorreram empaíses desenvolvidos, provocando rápido desem-prego nos segmentos da “indústria da higiene e dabeleza”, e que agora se desenvolvem no Brasil.18

São oito, enfim, os ramos de serviços queconheceram forte (ou pelo menos significativo) in-cremento da participação relativa na ocupação“terciária” da RMS:

• administração e comércio de imóveis: umaanálise mais fina da PED revela que se trata nestecaso sobretudo do incremento deocupações típicas de condomínio,resultante da necessidade de maiorsegurança em habitações coletivas(porteiros, vigias, zeladores etc.);

• serviços especializados: valea pena destacar a expansão desteramo (de 2,8 para 5,2% das ocupa-ções em serviços no intervalo con-siderado), parte fruto da terceiriza-ção crescente, parte resultado damaior demanda por novos serviçostécnicos (informática, contabilida-de, consultoria etc.);

• serviços auxiliares: trata-se deuma constelação de ocupaçõesrelacionadas ao trabalho em escri-tórios de serviços e em firmascomerciais: administradores e ge-rentes, auxiliares de gerência, apontadores, repre-sentantes comerciais etc.; a expansão destas ativi-dades se soma ao crescimento da importância dosserviços especializados, sinalizando para o papelcada vez mais importante dos serviços empresari-ais, de consumo intermediário, na formação do PIBda RMS;

• serviços de limpeza, vigilância e oficinas(exclusive reparação mecânica): a expansão destesegmento está fortemente vinculada à terceiriza-ção crescente destas atividades;

• serviços de comunicação e diversão: outrosegmento a destacar devido às imensas possibili-dades abertas nos mercados relacionados à tele-comunicação e/ou entretenimento; seu peso já éimportante na ocupação total da RMS (2,2%) e ten-de a aumentar aceleradamente;

• educação: segmento que responde por quase11% da ocupação nos serviços da RMS (7,4% da

ocupação total), com taxa modesta de crescimentonos anos 1990, mas importância cada vez maior,haja vista as necessidades de formação impostaspor uma economia cada vez mais baseada no co-nhecimento e na informação;

• saúde: ramo com crescimento em aceleração,tanto em output quanto em emprego, em razão doenvelhecimento relativo e absoluto da populaçãobaiana, bem como do aumento da renda per capitalocal; serviços públicos e privados de saúde já ocu-

pam 4,4% da população que tra-balha na RMS (6,5% dos ocupadosem serviços);

• serviços comunitários: seg-mento igualmente em expansão,que tende a ganhar ainda maiorimportância com o avanço do cha-mado “terceiro setor”; este é com-posto de: associações recreativas,esportivas, culturais, artísticas, co-munitárias e profissionais; organi-zações filantrópicas, beneficentese de caridade; organizações não-governamentais (ONGs); funda-ções privadas; e organizações so-ciais (OS) nas áreas de educação,saúde, cultura, meio ambiente epesquisa científica.

Os segmentos que devem continuar crescendo

Um bom método de investigação do futuro daeconomia de uma região subdesenvolvida conti-nua sendo a análise da evolução recente das regi-ões mais desenvolvidas. Em que setores, nasúltimas décadas, a ocupação cresceu nos paísesdesenvolvidos? Em que setores ela está desapa-recendo?

Evidentemente, esse tipo de comparação develevar em conta que ocorre transferência de setorestradicionais das economias desenvolvidas para pa-íses subdesenvolvidos. É o caso, nas últimas déca-das, do deslocamento norte-sul da construçãonaval ou da indústria têxtil. Ainda assim, a compa-ração se justifica. A evolução recente da estruturaeconômica dos países mais desenvolvidos se dácom base em tendências gerais, válidas para todaa economia global.

São oito, enfim, os ramosde serviços que

conheceram forte (ou pelomenos significativo)

incremento daparticipação relativa naocupação “terciária” daRMS: administração ecomércio de imóveis;

serviços especializados;serviços auxiliares;serviços de limpeza,vigilância e oficinas;

serviços de comunicaçãoe diversão; educação;

saúde e serviçoscomunitários.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000 81

O Quadro 1 detalha as principais mudanças queocorreram entre 1970 e 1993 na distribuição setorialdo emprego nos países da Organização de Coope-ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), quereúne as economias mais ricas do planeta.

O que se observa na evolução recente da ocu-pação nessas economias é, em primeiro lugar, a di-minuição do emprego na indústria manufatureira eo crescimento da o cupação nos serviços. Dos 14setores listados que apresentaram maiores taxasde decréscimo na ocupação, 12 sãoindustriais. Mais especificamente,são setores industriais de baixa oumédia tecnologia, historicamente re-lacionados às primeira e segundarevoluções industriais. Por outro lado,dos 14 setores que apresentaram asmaiores taxas de expansão do em-prego, oito são de serviços. Dos seisrestantes nesta segunda lista, trêssão setores industriais de alta tecno-logia (indústrias de computadores,farmacêutica e aeroespacial).

As mudanças na estrutura econômica dos paísesdesenvolvidos são acompanhadas por transforma-ções importantes na composição da força de traba-lho. Ocorre, em linhas gerais, redução do emprego in-

dustrial de chão de fábrica e aumento das ocupaçõesditas de escritório (colarinhos brancos), inclusive naindústria, com forte elevação do nível médio de for-mação dos trabalhadores. Daí decorre, em grandeparte, o elevado desemprego estrutural na maioriados países da OCDE – a mão-de-obra desqualificadaexpulsa da indústria não consegue ocupação nos no-vos serviços de alta intensidade tecnológica.

A questão das mudanças ocupacionais serámelhor tratada na seção seguinte. Por enquanto é

necessário verificar que as mu-danças na estrutura econômicada RMS acompanham em largamedida as transformações quese processam no núcleo da eco-nomia global.

Em Salvador, enquanto a mai-or parte da indústria (tradicional)demite, entre os ramos de maiorcrescimento estão, como se viu:serviços auxiliares e especializa-dos, serviços de limpeza e vigi-lância (incluindo oficinas de repa-

ração de equipamentos não- mecânicos), serviçosde comunicação e diversão, serviços de educaçãoe saúde, bem como serviços comunitários. Juntos,tais setores já respondem por quase 30% da ocu-pação na RMS (Tabela 5).

Os setores e as ocupações de futuro

As três principais forças que moldarão os mer-cados da RMS no futuro são: (a) a inovação tec-nológica, (b) o crescimento da renda e asmudanças na sua distribuição, e (c) as transfor-mações na estrutura demográfica das suas cida-des. Projeções de crescimento de PIB e rendalocais são mais que arriscadas, especialmente emmomentos de elevada instabilidade. É possíveldiscutir com maior proveito o impacto das novastecnologias sobre a dinâmica econômica local. Aidentificação das principais tendências de cresci-mento e reestruturação de ramos industriais e deserviços pode ajudar no mapeamento das áreasque oferecem as melhores perspectivas de ex-pansão e de emprego a médio e longo prazos.Além disso, a demografia é fonte razoavelmentesegura de projeções.

As três principais forçasque moldarão os

mercados da RMSno futuro são:

a inovação tecnológica,o crescimento da rendae as mudanças na sua

distribuição, e astransformações na

estrutura demográficadas suas cidades.

1ordauQroiamuootnemicsercroiammocseroteS

EDCOanogerpmeonlautnecrepomicsérced)etnecserceDmedrO(3991-0791

otnemicserCroiaMogerpmEod

oãçudeRroiaMogerpmEod

soiráilibomisoçivreSsiairaserpmee

lavanoãçurtsnoC

siaicossoçivreS sosorrefedaigrulateM

oãçaruatsereairaletoH arutlucirgA

sorugesesaçnaniF oiráutseved,litxêt.dnIsodaçlace

ahcarrobedsairtsúdnIsocitsálpe

siairetamed.dnIoãçurtsnoced

siatnemanrevogsoçivreS larenimoãçartxE

serodatupmocedairtsúdnI lanoicidartetropsnarT

acituêcamrafairtsúdnI oelórtepedonifeR

seõçacinumocedsoçivreS oiráilibomeariedamed.dnI

laicapseoreaairtsúdnI acimíuqairtsúdnI

meganezamraeetropsnarT acinâcem-latemairtsúdnI

livicoãçurtsnoC acirtéle-oãnairaniuqamed.dnI

acifárgelepapedsairtsúdnI sarierutafunam.dnisartuO

,”ymonoceecivresehtninoitavonnI“,SENKUAHnahoJdupa6991,DCEO:etnoF.6991:olsO,tropeRPETS

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82 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000

Onde os empregos podem ser criados

Se a economia norte-americana pode ser toma-da como paradigma, a primeira conclusão necessá-ria é que a indústria manufatureira vai criar muitopoucos empregos nos próximos anos. Observe-se oQuadro 2. Todos os ramos da economia americanaque conhecerão taxas de crescimento acelerado doemprego até 2006 são de serviços. Espera-se queos serviços e o comércio criem cerca de 96% dosempregos nos Estados Unidos entre 1996 e 2006.Estes empregos estarão concentrados basicamenteem quatro áreas: saúde, educação, serviços empre-sariais e restauração (ver Quadros 2 e 3).19

É claro que em se tratando da economia baianatais fatos devem ser relativizados. A Bahia tematraído alguma indústria nacional e estrangeira (so-bretudo empresas do setor de calçados que têm

emigrado do sudeste e do sul do País). O aumentodo emprego nesta indústria, que é em grande partedos casos intensiva em mão-de-obra, e que por issose vê atraída pelo Nordeste, deve contribuir para aestabilidade ou mesmo para o aumento do empre-go industrial no Estado, apesar das demissões eterceirizações generalizadas na indústria petroquí-mica regional e em outros setores. A crise do Real –sua desvalorização – também abre algum espaçopara o crescimento do produto da indústria baiana,haja vista que se pode esperar certa diminuição daconcorrência externa e alguma melhoria nas condi-ções para exportação. Além disso, o megainvesti-mento da Ford deve ter impacto mais que conside-rável sobre o emprego industrial na RMS.

Ainda que levemos em consideração todos osempreendimentos industriais em implantação ouprevistos, a realidade americana continua tendo

muito a mostrar. Quase90% dos soteropolita-nos ocupados já traba-lham em serviços; naRMS, como se viu, talproporção está em tor-no de 80%. Em Salva-dor e na RMS, quasetodos os ramos indus-triais perderam partici-pação na ocupaçãototal durante a últimadécada.

Isso não significadizer que nenhum ramoindustrial deva ser esti-mulado na RMS. Con-tinuam importantes osefeitos multiplicadoresdo investimento indus-trial e a criação indiretade empregos provoca-da pela indústria. Esteartigo identifica (Tabe-las 5 e 6) pelo menoscinco ramos com al-gum potencial geradorde empregos no longoprazo: (a) vestuário ecalçados; (b) alimen-

2ordauQ,AUEsonogerpmeodoinílceduootnemicsercedsaxaT

)%me(6002-6991–otnemgesuoomaroodnuges

odarelecAotnemicserCedsomaR odarelecAoinílceDedsomaR

oãçircseDaxaT

launAoãçircseD

axaTlaunA

otnemassecorpedsoçivreSoãçatupmocesodaded 6,7 oãvracedoãçartxE 0,6-

edúasedsoçivreS 3,5 arieojolerairtsúdnI 0,4-

sacilbúpseõçalereaicnêreG 8,4sodaçlacedairtsúdnI

)ocitálpuoahcarrobedotecxe( 0,4-

laregmeetropsnartedsoçivreS 8,4 oãçagevanedsotnemapiuqE 8,3-

socitsémodsoçivreS 8,4 oelórtepedoãçartxE 7,3-

siaossepsoçivreS 3,4 oruocedsogitraedairtsúdnI 6,3-edotnemicetsabA

otnemaenaseaugá 2,4 ocabatodairtsúdnI 1,3-

siaicossoçivreS 1,4snegalabmeedairtsúdnI

)sreniatnocesatal(sacilátem 1,3-

socidémsoirótlusnoC 9,3oiráutsevedairtsúdnI

soiróssecae 0,3-

oãçaerceredsoçivreS 5,3 saramâcesuenpedairtsúdnI 9,2-eotnemanoicatseedsoçivreS

sievómotuaedoãçaraper 3,3sotnemapiuqeedairtsúdnIsocifárgotofsotnemirpuse 6,2-

emegamrefnElaossepaicnêtsissa 2,3 socirtélesohlerapaedairtsúdnI 4,2-

otneminetertneedsoçivreS 0,3 oelórtepedonifeR 3,2-

gnisaeleleugulaedsoçivreS 0,3 socitsémodorteleedairtsúdnI 2,2-sorugesedsoçivreS

megaterroce 0,3 acigrúredisairtsúdnI 0,2-soriegassapedetropsnarT

)acitsígol( 7,2 siapicinumesiaudatsesaserpmE 0,2-

seralimissoçivresesehcerC 6,2sotnemapiuqeedairtsúdnI

oãçiubirtsidedsocirtéle 9,1-

sosrevidsiairaserpmesoçivreS 5,2 sodavirpsoilícimoD 8,1-socigólooz,suesuM

socinâtobsnidraje 5,2 sadibebedairtsúdnI 8,1-soriecnanifsoçivreS

)socnabotecxe( 5,2 socilátemsiarenimedoãçartxE 8,1-,scitsitatSrobaLfouaeruB,robaLfotnematraped.S.U:etnoF weiveRrobaLyltnoM

Page 80: Governo do Estado da Bahia - SEI - PrincipalO artigo de Passos Cunha chama a atenção para a interpretação que os dirigentes da Bahia de-ram às “causas da decadência” e para

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000 83

tos; (c) mobiliário e produtos de madeira; (d) gráfica,e (e) artesanato. A estes pode ser agregada ainda,por razões evidentes, a indústria automobilística.

Como nos Estados Unidos, a ocupação no comér-cio da RMS deve crescer lentamente, apenas garantin-do a manutenção da participação deste ramo no totalde ocupados da região (em torno de 17%). Há de umlado a explosão do microcomércio, subproduto da re-estruturação industrial, resultado do desemprego detrabalhadores da indústria e de alguns segmentos dosserviços. Mas existem, de outro, três movimentos deamplitude global. Primeiro, a tendência à concentraçãodo capital comercial, com grandes grupos (especial-mente cadeias de supermercados e redes de franquia)avançando sobre o espaço de pequenas e médiasempresas independentes. Em segundo, forte incre-mento da intensidade de capital com o uso de novastecnologias: transmissão eletrônica de dados (EDI),resposta eficiente ao consumidor (ECR), implantaçãode redes de fornecedores em just-in-time etc.. Final-mente, grande impulso do comércio eletrônico e comele das relações sem intermediários entre fabricantese consumidores (marketing direto). Estas inovaçõesreduzem particularmente o espaço do comércio ataca-dista tradicional.

Também nos setores de transporte, armazena-gem e comunicações a ocupação deve continuarcrescendo lentamente (em torno da taxa válidapara a economia como um todo). Dito de outromodo, tais ramos não devem aumentar sua partici-pação relativa. O crescimento da economia e a ge-neralização do just-in-time tendem a criar empre-gos no transporte e na área de gestão logística(motoristas de utilitários, especialistas de transpor-te multimodal e outros). A explosão das telecomu-nicações (celulares, parabólicas, Internet etc) criamuitos novos empregos, a exemplo dos milharesde postos oferecidos pelos call-centers. Em com-pensação, o progresso técnico é cada vez maisacelerado nestes três ramos de serviços e blocosinteiros de ocupações tradicionais vêm sendo neleseliminados. É o caso, só por exemplo, de todas asocupações tradicionais da área telefônica (verQuadro 3) e do fim anunciado dos cobradores deônibus, que devem ser substituídos, a médio prazo,pelas catracas acionadas por cartões magnéticos.

Nos serviços financeiros, a geração de empregodeve ser mínima. Ela deve se concentrar na área

de seguros e, em segundo lugar, nas corretoras devalores mobiliários. Dos bancos, antigos megaem-pregadores, nada se deve esperar. Prosseguem asfusões e reestruturações, acelera-se a inovaçãotecnológica poupadora de força de trabalho (caixasautomáticos, banco on-line em domicílio etc).

No que se refere ao setor público, é possívelacreditar na criação de empregos em pelo menosduas áreas importantes e isso apesar das dificulda-des financeiras do Estado e da nova legislação so-bre o gasto público. Trata-se de áreas vinculadas àadministração pública local ou estadual: segurançapública e ensino.

A construção civil é outra área de bom potenci-al. É certo que inovações tecnológicas importantescomeçam a se difundir neste setor, entre as quais ouso de estruturas metálicas em substituição aoconcreto e a utilização do gesso como material al-ternativo em obras residenciais e em prédios deescritórios. Mas algumas grandes obras estão pre-vistas para Salvador, especialmente a construçãodo metrô. São grandes também as possibilidadesde crescimento da demanda por novas habitações.Se o custo da construção residencial e especial-mente do seu financiamento cair, são significativasas chances de um boom imobiliário não-restrito à“construção-formiga”.

O artigo identifica três grandes áreas de servi-ços que podem catalisar a expansão futura da eco-nomia da RMS e criar o grosso do emprego.

Primeiro, os serviços de saúde: são extraordinári-as as perspectivas deste setor em razão do envelhe-cimento relativo da população e do aumento de suaexpectativa de vida. Ocupações tradicionais da áreadevem crescer em peso social: enfermeiras, auxilia-res de enfermagem, técnicos de radiologia etc. Novasocupações devem se expandir, principalmente aque-las relacionadas ao tratamento médico domiciliar(home care). O setor se caracteriza ainda por umaagregação constante de novas tecnologias, o que im-põe um constante upskilling (melhoria de capacita-ção) de sua força de trabalho. Salvador conta comcentros de excelência e massa crítica de capital hu-mano acumulada em algumas especialidades –cardiologia, reprodução humana e doenças infecto-contagiosas. É possível ampliar a exportação de ser-viços de saúde da cidade, inclusive combinando-acom a oferta de turismo (spas e outros negócios).

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84 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000

Segundo, os serviços de educação. O empregodeve aumentar sobretudo no ensino de segundograu, mas Salvador e a RMS devem continuar ex-pandindo também suas Universidades e Faculda-des. A exportação de serviços pode ser incremen-tada, com a expansão de vagas em novas áreas doterceiro grau, bem como com a multiplicação decursos de pós-graduação. A criação ou consolida-ção de centros de excelência pode ser combinadaa um marketing agressivo para atrair um númeroconsiderável de estudantes do interior da Bahia e

de outros estados. As Universidades baianas têmlargo campo a explorar ainda na exportação de ser-viços de pesquisa, extensão e consultoria.

Terceiro, serviços empresariais. Sob esta deno-minação podem ser agrupadas empresas e organi-zações de serviços de engenharia, contabilidade eauditoria, pesquisa e desenvolvimento, administra-ção e relações públicas, marketing e propaganda,processamento de dados e implantação de siste-mas e redes de informática, reprodução gráfica ede multimídia e outros. Nesta área também desa-

3ordauQ,AUEsonseõçapucoedoinílceduootnemicsercedsaxaT

)etnecserceDmedrOme(6002-6991

odarelecAotnemicserCedseõçapucO odarelecAoinílceDedseõçapucO

oãçircseD launAaxaT oãçircseD launAaxaT

edúasedserailixuaevisulcni,sodacifilauqsocitsémoD 701 serotlucirgA 372-

sametsisedsatsilanaeoãçatupmocedsatsitneiC 19esofargólitaD

otxetedserodassecorp 212-

aiparetoisifedserailixuaesetnetsissA 38 soirárutircsE 871-

edserailixuaesetnetsissAlanoicapucoaiparet 28 soirácnabsaxiaC 251-

satueparetoisiF 08 sorierutsoC 041-

siaicossetnetsissA 57 socitsémodsorienixaF 801-

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sianoicapucosatuepareT 27edsaniuqámedserodarepO

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000 85

parecem ocupações tradicionais – arquivistas, escritu-rários, datilógrafos etc. – destruídas pela automaçãodos escritórios. Por outro lado, crescem sobretudo osempregos no campo da informática e as ocupaçõesligadas à gestão (administradores e executivos).

O leitor deve estar se perguntando sobre o turis-mo. Sim, e o turismo? Examine-se, mais uma vez,a Tabela 5. A PED não considerava o turismo im-portante em 1986-88. Passou a reconhecê-lo naamostra 1996-99. Como se pode ver na tabela, ogrosso da ocupação criada pela ati-vidade turística não está nos servi-ços de hospedagem. Os postos detrabalho criados pelo turismo devemser divididos em três blocos: (a) ocu-pação direta gerada pelos gastosdos turistas em serviços turísticos(em hotelaria, transporte aéreo, par-ques temáticos etc); (b) ocupação in-direta nas atividades turísticas quenão dependem diretamente dosgastos do turista (em serviços demarketing, imprensa especializada,indústria e comércio de alimentos,restaurantes etc); e (c) ocupaçãoinduzida em setores diversos pelarenda injetada pelo turismo, vale dizer, resultante dosefeitos multiplicadores provocados pelas despesasdos turistas. O primeiro tipo diz respeito à chamada“indústria do turismo”. Os outros dois estão relaciona-dos à “economia do turismo”. São as ocupações nosdois últimos que contam (e elas se encontram distri-buídas em vários setores das Tabelas 5 e 6).

Conclusão

Um novo ponto de vista sobre a relação entreserviços e desenvolvimento local deve ter comoponto de partida o pressuposto de que nenhum se-tor isolado da economia pode fornecer a panacéiapara o incremento do emprego e produto numa re-gião. A indústria não pode subsistir sem uma baseeficiente de serviços e, além disso, cria cada vezmenos postos de trabalho. Os serviços financeirospodem constituir o eixo da economia apenas nasglobal cities; nas metrópoles secundárias têm umacontribuição importante, porém limitada. O turismoe o entretenimento tendem a ser sazonais e ofere-

cem, em geral, ocupações temporárias e de baixaremuneração. E assim por diante. Juntas, entretan-to, as combinações de diversas atividades – indús-tria puxando serviços e serviços puxando indústria –podem assegurar uma base de exportações debens e serviços, a melhoria da infra-estrutura, o in-cremento do bem-estar social e da qualidade devida e, last but not least, a atração de investimentos.

Como se viu, a consolidação e expansão dosserviços empresariais numa região metropolitana

como a de Salvador têm triplaimportância. Primeiro, estes servi-ços produzem boa parte dos in-sumos atualmente indispensá-veis ao sucesso das atividadesindustriais e de serviços de con-sumo final. Segundo, sua pre-sença constitui uma vantagemcomparativa mais que fundamen-tal na atração de investimentosexternos e no desenvolvimentode empresas locais. Terceiro, elesconstituem em si mesmos núcle-os dinâmicos, capazes de expor-tar produto e contribuir, com osefeitos multiplicadores daí decor-

rentes, para estimular o conjunto da economia lo-cal. É o caso, por exemplo, das empresas de enge-nharia, produção de software ou marketing direto.20

A Bahia precisa adotar uma política menos passivaem relação aos serviços, particularmente no que diz res-peito ao segmento-chave dos serviços empresariais.Uma política ativa poderia compreender pelo menos osseguintes pontos: (a) apoio à inovação tecnológica emempresas de serviços (reduzindo o viés absolutamenteindustrial que hoje existe no financiamento da P&D); (b)incentivo aos programas de treinamento e especia-lização de mão-de-obra para empresas e outras or-ganizações produtoras de serviços; (c) reforma fis-cal para o incentivo de segmentos estratégicos dosserviços; (d) apoio às empresas e organizações en-volvidas com a exportação de serviços (hoje pratica-mente limitado às empresas do trade turístico) e (e)desenvolvimento de um sistema de informações eco-nômicas (indicadores etc) mais eficiente porque adap-tado à realidade da economia de serviços.21

No caso de Salvador e de sua região metropolita-na, uma política de serviços é necessária por razões

As combinações dediversas atividades– indústria puxandoserviços e serviçospuxando indústria –

podem assegurar umabase de exportaçõesde bens e serviços, a

melhoria da infra-estrutura, o incrementodo bem-estar social e daqualidade de vida e, lastbut not least, a atração

de investimentos.

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86 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.68-86 Julho 2000

de ordem estratégica. A expansão dos serviços e suasnovas relações com a indústria tendem a redefinir a hi-erarquia das regiões, com os espaços que concentramos serviços superiores – financeiros, empresariais esociais – dominando aqueles especializados emfunções industriais e serviços tradicionais.22 Se Sal-vador pretende continuar mantendo o seu posto demetrópole nacional, será preciso insistir por aí.

Notas

1 As cifras sobre o comércio internacional de serviços sãosempre aproximativas. Como as trocas de serviços são mui-to menos controláveis pelos governos que o intercâmbio demercadorias, elas tendem a ser mais que subestimadas/su-perestimadas pelas empresas, para fins de evasão fiscal, re-messa de lucros etc.

2 O “grau de especialização” é GEi = (oi/o)/(Oi/O), onde: oi étotal de ocupados no setor da RMS i, o é o total de ocupadosna RMS, Oi é o total de ocupados no setor i do conjunto dasregiões metropolitanas e, finalmente, O é o total de ocupa-dos no conjunto das RMs.

3 No caso das oficinas de reparação, é necessário levar emconta o fato de que novas tecnologias têm implicado produ-tos descartáveis ou com menor necessidade de reparo emanutenção. De fato, não só calculadoras ou televisoresapresentam menos defeitos; isso ocorre também com auto-móveis e outros bens da indústria mecânica.

4 Este artigo utiliza em parte informações da Pesquisa Salva-dor Dinâmica – a economia soteropolitana pela ótica da ocu-pação (julho de 1999), realizada pela Faculdade de CiênciasEconômicas da UFBA, sob encomenda da Secretaria Muni-cipal de Planejamento, Meio Ambiente e DesenvolvimentoEconômico de Salvador (SEPLAM).

5 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v. 1, São Paulo:Paz e Terra, 1999, p. 227.

6 Para um resumo do pensamento pós-industrialista, verDELAUNAY, Jean-Claude e GADREY, Jean. Les enjeux dela société de service, Paris: Presses de la FondationNationale des Sciences Politiques, 1987.

7 Ver TODARO, M. P. A. model of labor migration and urbandevelopment in less developed countries, American EconomicReview, v. LIX, n. 1, março 1969, e TODARO, M. e H. Migration,unemployment and development: a two sector analysis, Idem,março 1970. Sobre este ponto, ver ainda JANY-CATRICE,Florence. Les services aux entreprises dans la problématiquedu développement, Paris: L’Harmattan, 1993.

8 Ver, por exemplo, J. FREYSSINET, Le concept de sous-développement. 5ª ed., Grenoble: Mouton, 1980.

9 KALDOR, N. Causes of the slow rate of economic growth of theUnited Kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1966.

10 Sobre as críticas às visões tradicionais, ver ainda JANY-CATRICE, Florence. Les services aux entreprises..., op. cit.

11 Ver OCDE, The service economy, Paris: OCDE, 2000; parauma crítica dos indicadores tradicionais de “terciarização”,FMI, Perspectivas de la economía mundial – laglobalizacíon, oportunidades y desafíos, Washington: FMI,maio de 1997.

12 OCDE, The service economy, op. cit..

13 UGHETTO, Pascal & DU TERTRE, Christian. Services, es-pace et territoires: un aperçu de quelques problématiques derecherche. Paris: IRIS, Université Paris IX, 2000. Esse textodeve estar sendo publicado pela revista Nexus, do Curso deMestrado em Economia da UFBA, proximamente.

14 Baseado em MARSHALL, J. Neill. Services and space: keyaspects of urban and regional development, Essex: LogmanScientific & Technical, 1995, 219-21.

15 Ver LEHWING, Maria Lúcia Moraes. Mercado mais competiti-vo em 1999. Conjuntura Econômica, fevereiro de 1999, p. 35.

16 Ver UFBA-FCE/PMS-SEPLAM. Perfil sócio-econômico dotrabalhador informal de Salvador, abril de 1999.

17 O incremento dos gastos das famílias da RMS com educa-ção e saúde foi revelado pela Pesquisa de Orçamento Fami-liar (POF) do IBGE. O fenômeno é, na verdade, nacional etem várias causas.

18 Ver LESSA, Ricardo. Corte de cabelo em ritmo industrial. Ga-zeta Mercantil. 28/29/30 de abril e 01 de maio de 2000, p. C-8.

19 Esses dados e os seguintes relacionados à economia dosEUA têm como fonte o documento do U.S. Department ofLabor, Bureau of Labor Statistics, 1996-1997 OccupationnalOutlook Handbook, 1994-2005.

20 Ver ainda sobre este tema, por exemplo, McKEE, David L.Growth, development, and the service economy in the thirdworld. New York: Praeger, 1988.

21 São recomendações que podem ser encontradas no docu-mento já citado OCDE, The Service Economy.

22 Ver ainda UGHETTO, Pascal & DU TERTRE, Christian.Services, espace et territoires, op. cit.

* Paulo Henrique de Almeida é doutor em Economia pelaUniversidade de Paris X - Nanterre e professor adjunto da

Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA,[email protected]

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.87-98 Julho 2000 87

Desde que a Ford decidiu instalar uma plan-ta industrial em Camaçari, amplos setoresda sociedade baiana vivem um momento

de intensa euforia. Essa euforia decorre não ape-nas do fato desse investimento vir a adensar e di-versificar a matriz industrial local, mas, principal-mente, da possibilidade dele e de outros empre-endimentos – que começaram a se instalar portodo o estado (têxtil, calçados, eletrônico), a partirdos anos 90 – fortalecerem antigos setores (quími-co/petroquímico e metalúrgico) e estimularem no-vos (transformação plástica, autopeças etc).

Se isso efetivamente ocorrer, a economia baianapoderá viver uma nova dinâmica industrial nos primei-ros anos do século 21. Vale destacar que, contraria-mente ao que agora acontece, as perspectivas quese desenhavam para os principais setores industriaisbaianos, durante boa parte da década de 90, erambastante pessimistas. Tais expectativas advinham doacanhado desempenho da sua indústria, quandocomparado ao de outras épocas, e ao momento eco-nômico vivido pelo Brasil naquele período, com durasconseqüências sobre a região Nordeste.

A rigor, nos últimos 50 anos, podem-se identifi-car momentos marcantes na trajetória de industria-lização da Bahia – após a realização de blocos deinvestimentos concentrados no tempo – que modi-ficam a tendência dessa trajetória, gerando ondasde otimismo. Esgotados os efeitos multiplicadoresdesses investimentos, e na ausência de uma dinâ-mica econômica endógena, o processo de industri-alização fica aguardando um novo choque exóge-

no que derrube a apatia e desperte um outro perío-do de otimismo. O principal objetivo deste artigo é,justamente, reconstituir essa trajetória, identifican-do as causas explicativas dessas inflexões.

Além desta introdução, ele possui mais cincoseções. Inicialmente, examina-se a importância doplanejamento governamental e do desenvolvimen-to das atividades de exploração e refino de petróleona região do Recôncavo Baiano nos anos 50, des-tacando-se a entrada em operação da RefinariaLandulfo Alves (RLAM), da Petrobrás. Apesar de jáexistirem algumas plantas industriais espalhadaspelo estado, foi naquela época que a industrializa-ção se tornou mais incisiva e o “enigma baiano” co-meçou a ser superado. Em seguida, analisam-se,nos anos 60, os impactos provocados pelos incen-tivos fiscais e a implantação do Centro Industrial deAratú (CIA). Na quarta seção, já nas décadas de 70e 80, o foco dirige-se para as mudanças estruturaisna indústria, e na economia baiana de um modogeral, em decorrência das atividades petroquími-cas e metalúrgicas. Na penúltima parte do trabalho,justifica-se o baixo dinamismo industrial dessa eco-nomia, especialmente na primeira metade dosanos 90 – tomando-se como referência seus princi-pais vetores de expansão, os segmentos químico/petroquímico, metalúrgico e de celulose, este últi-mo implantado àquela época – e as possibilidadesde se ter uma nova fase industrial, qualitativamentedistinta, no século 21. O artigo encerra-se com umresumo de alguns traços marcantes do processode industrialização da Bahia no período estudado.

50 Anos da Industrialização Baiana:do enigma a uma dinâmica

exógena e espasmódicaFrancisco Teixeira *

Oswaldo Guerra **

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88 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.87-98 Julho 2000

A década de 50: o planejamento e a Petrobrás

Na década de cinqüenta, diversos autores esta-vam interessados em interpretar o fenômeno quePinto de Aguiar (1977) denominou “enigma baiano”e Dias Tavares (1966) preferiu chamar de “involu-ção industrial da Bahia”. O problema era expressoda seguinte forma: enquanto no século passado aBahia contava com uma indústria de transformaçãorelativamente diversificada, nas décadas de 40 e50 ela se concentrava no setor alimentício (padari-as, torrefação de café, moinhos), notando-se umaimpressionante estagnação dos setores têxtil efumageiro. Essa estagnação – ou decadência – serefletia em números: em 1920, a participação da in-dústria baiana no total do país era de 3,5%, quandomedida pelo capital aplicado, 4,0% pela força mo-triz utilizada, 5,7% pelo número de trabalhadores e2,8% pelo valor da produção. Já em 1940, essesnúmeros eram, respectivamente, 1,9%, 2,3%, 3,3%e 1,3%.

Na tentativa de explicar o “enigma”, RômuloAlmeida (1986) comparou a economia baiana coma pernambucana, naquela época maior e mais di-nâmica, e relacionou razões de natureza geográfi-ca e histórica. As determinações geográficas seri-am duas. Primeira: Recife, mais distante de SãoPaulo do que Salvador, tinha no custo adicional detransporte uma barreira natural à entrada dos bensindustriais paulistas. Segunda: a capital pernambu-cana funcionava como um pólo de atração de ativi-dades industriais, uma vez que, além de já contarcom uma população expressiva, estava bem próxi-ma dos mercados de outros estados nordestinos,especialmente Alagoas, Paraíba e Rio Grande doNorte.

As razões históricas seriam também duas. Emprimeiro lugar, na Bahia, a atividade agroindustrialdo açúcar havia sido quase que extinta, em funçãoda concorrência de outras regiões e da baixa pro-dutividade das terras do Recôncavo. Em segundolugar, no governo de Epitácio Pessoa, Pernambucohavia se tornado o centro dos investimentos emobras contra a seca, direcionados, fundamental-mente, para a parte setentrional do Nordeste. Comisso, o porto de Recife se tornou um centro comer-cial dinâmico, com trasbordamentos para a ativida-de industrial. Por tudo isto é que, segundo Rômulo

Almeida, no início da década de 50 a indústria baia-na correspondia a um terço da pernambucana.1

Em decorrência dessa situação, àquela época aestrutura produtiva local apoiava-se fundamental-mente no setor primário exportador, cuja perfor-mance passaria a depender cada vez mais do com-portamento do cacau, o principal produto agrícolado estado, que, ao ter sua produção direcionadaquase que exclusivamente para o mercado exter-no, era o grande gerador de divisas. Essas, quandonão-utilizadas em bens industrializados e/ou deconsumo suntuário, adquiridos em São Paulo ouno exterior, eram basicamente alocadas no própriosetor cacaueiro, que devido às suas característicasestruturais – intensivo em mão-de-obra desqualifi-cada e elaborador de produtos com baixo valoragregado – expandia-se de forma extensiva, semincorporar progresso técnico, sendo, portanto, in-capaz de magnificar seu dinamismo para o restan-te do tecido econômico.

Os problemas da economia baiana eram agra-vados pelas condições de sua infra-estrutura. Asestradas, por exemplo, eram poucas e de baixaqualidade, impedindo a integração dos mercadoscriados pelo crescimento populacional das cidadesinterioranas. A sociedade soteropolitana, por suavez, refletia os problemas decorrentes do baixo di-namismo da sua economia. Os comerciantes volta-dos para a exportação constituíam o único gruposocial com alguma estabilidade, pois os vinculadosao mercado interno sofriam com o empobrecimen-to da população e com a concorrência de outraspraças do interior e de outros estados. Os talentosformados nas escolas e faculdades migravam, ge-ralmente, para o centro-sul, por falta de oportunida-des locais. Enquanto isso, segundo Rômulo Almeida(1986, p. 95), “as oligarquias e a classe média influ-ente procuravam salvar-se em empregos públicos,pagos modestamente, porém sinecuras, ‘pensões’que não exigiam trabalho”.

Em síntese, tinha-se um forte produto de expor-tação, gerador de significativas divisas que eramdirecionadas para outros mercados, e um setor co-mercial e financeiro importante, destacando-seneste último o Banco Econômico. Apesar disso, aBahia não se industrializava e boa parte da sua po-pulação vivia na miséria. A partir de 1955, o gover-no da Bahia desencadeou um processo de planeja-

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.87-98 Julho 2000 89

mento destinado a reverter essa situação. RômuloAlmeida foi convidado pelo Governador AntônioBalbino para a Secretaria da Fazenda, acumulandofunções de planejamento.

O resultado desse trabalho foi a criação de umsistema estadual de planejamento – composto, ba-sicamente, pela Comissão de Planejamento Eco-nômico (CPE, criada em 1955) e pelo Fundo deDesenvolvimento Agro-Industrial (FUNDAGRO, im-plantado em 1956) – e a edição, em 1959, já nogoverno de Juracy Magalhães, doprimeiro plano estadual de desen-volvimento, o PLANDEB. Muito em-bora esse plano não tivesse sidoaprovado pela Assembléia Legisla-tiva, os projetos elaborados dentrodo sistema estadual de planeja-mento começaram a ser imple-mentados, a exemplo da Mafrisa eFriusa, frigoríficos destinados a car-nes e peixes, respectivamente, afábrica de calçados Mirca e a delaticínios, Alimba. Nesses projetos, foi grande aparticipação do governo estadual, seja como inves-tidor direto ou financiador.

Apesar desse esforço de planejamento, cujosdesdobramentos se fizeram sentir até a década de70, o fato novo e significativo para a indústria e aeconomia baiana, na década de 50, foi provenientedas atividades da Petrobrás. Aproveitando a des-coberta de óleo e gás nos campos do Recôncavo,o Conselho Nacional de Petróleo, antes mesmo dacriação da estatal, elaborou o projeto de constru-ção de uma refinaria, no então distrito de Madre deDeus, para processar 2.500 barris de petróleo pordia. Esse projeto foi transferido para a Petrobrás em1954, ano da sua criação, que decidiu expandir a ca-pacidade produtiva da refinaria para 5.000 barris/diae iniciar imediatamente as obras de construção. Elaentrou em operação em 1956 e, em 1961, um novoprograma de expansão elevou sua capacidade derefino para 42.000 barris por dia (Teixeira, 1985).

O impacto de Mataripe pode ser percebido deduas formas. Primeiro, em 1960, o valor da produ-ção da indústria química já atingia 30,2% do totalda indústria de transformação, sendo que a refina-ria era responsável por quase 50% desse total(Bahia, Fundação de Pesquisa – CPE, 1979). Em

1959, ela já empregava, diretamente, 1.868 pesso-as (Sarmento, 1969). Segundo, algumas empresasquímicas se instalam no entorno de Madre de Deus,para aproveitar suas matérias-primas, a exemploda Companhia de Carbonos Coloidais, da Compa-nhia Brasileira de Lubrificantes e da Fábrica de Va-selina da Bahia.

O fato é que, no final da década de 50, o estadohavia, mesmo que timidamente, iniciado o seu pro-cesso de industrialização, principalmente a partir

de um impulso exógeno: os inves-timento da Petrobrás em extraçãoe refino de petróleo. As mudançassociais também começam a se fa-zer sentir. Expandem-se a classeoperária e a classe média urbana,esta última ocupada nas próprias fá-bricas e nas atividades de apoio dosetor terciário. Devido aos relativa-mente altos salários pagos pela Pe-trobrás, os “petroleiros” passam a seconstituir numa espécie de elite de

trabalhadores, com acesso a bens de consumo atéentão só acessíveis às classes mais favorecidas.2

A década de 60: os incentivos fiscais e o CIA

O diagnóstico da situação do Nordeste, realiza-do pelo Grupo Técnico de Desenvolvimento doNordeste (GTDN), coordenado por Celso Furtado,levou o Governo Federal à criação da Sudene.Esse órgão, juntamente com o Banco do Nordeste(BNB), ficou encarregado de administrar um con-junto de incentivos fiscais destinados a promover aindustrialização da região. A idéia inicial, contida norelatório do GTDN, era sobretudo a de promover asindústrias de consumo final, replicando a estruturaindustrial existente no Centro-Sul.

Os efeitos da política de “desconcentração in-dustrial” começam a ser sentidos na Bahia com acriação do Centro Industrial de Aratu (CIA), em1966. Além dos incentivos federais, o governo es-tadual passou a oferecer uma infra-estrutura parainstalações industriais, concentrada em uma áreapróxima da capital, dotada de facilidades portuári-as, rodovias, ferrovia, além de energia, água etc.

O número de projetos atraídos para o CIA e de-mais distritos industriais baianos foi impressionan-

Apesar desse esforço deplanejamento, cujosdesdobramentos sefizeram sentir até a

década de 70, o fato novoe significativo para a

indústria e a economiabaiana, na década de 50,

foi proveniente dasatividades da Petrobrás.

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90 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador - BA SEI v.10 n.1 p.87-98 Julho 2000

te. Em dezembro de 1969, haviam 100 projetos apro-vados pela Sudene, dos quais 37 em funcionamento,43 em análise e 33 com carta de opção para virem ase instalar. Todos esses investimentos criariam um to-tal de mais de 30 mil empregos diretos. Ao contráriodo que recomendava o GTDN, porém, 85% dos in-vestimentos destinavam-se ao setor de bens interme-diários, revelando, desde então, a vocação industrialdo estado. É dessa época, a implantação da Usiba,Sibra e Ferbasa, por exemplo. Vale notar, ainda, queo CIA e seu entorno passam a sedi-ar novas empresas químicas, aexemplo da CQR, Paskin, Tibrás,Ciquine, Fisiba e, posteriormente, aDow, antes mesmo da implantaçãodo Pólo Petroquímico de Camaçari(Bahia, Secretaria de Ciência e Tec-nologia, 1971).

Os problemas decorrentes dapolítica de incentivos fiscais para oNordeste já foram exaustivamenteexaminados por vários estudiososda realidade nordestina. No caso daBahia, esses problemas relacionaram-se com a altataxa de turn-over das empresas instaladas no CIA.Para alguns autores, essa alta rotatividade denotariauma estratégia puramente rentista de vários gruposnacionais e internacionais. Eles se instalariam na re-gião para aproveitar os incentivos. Uma vez esgota-dos tais incentivos, suas plantas eram transferidaspara mercados mais dinâmicos. De fato, as distorçõesdo regime de incentivos fiscais para o Nordeste nãopodem ser ignoradas. No entanto, o principal aspecto aser aqui destacado é que, após quase quatro décadas,essa política se mostrou insuficiente para criar uma di-nâmica endógena de investimentos. Além da escas-sez de capital local, mesmo após os grandes investi-mentos estruturantes realizados, aparentemente nãose desenvolveu na região uma capacitação empresari-al capaz de liderar o processo de industrialização.

Mesmo assim, os impactos da política de “des-concentração industrial” na Bahia não podem serdesprezados. Ao final da década de 60, a industria-lização baiana parecia inexorável. A infra-estruturapassava por um processo de modernização e ex-pansão. O operariado industrial e a classe médiacresciam com as novas atividades instaladas. Comose verá a seguir, esse processo ganha fôlego na

década de 70, novamente a partir de intervençõesestatais planejadas e da vinda de capitais forâneos,marcando-se essa industrialização por uma dinâ-mica exógena e espasmódica.

As décadas de 70 e 80: a consolidaçãoindustrial3

Foi a partir da década de 70, com a consolida-ção do processo de industrialização iniciado nos

anos 50, que a estrutura produtivada economia baiana começou aperder sua feição agroexportado-ra, fortemente apoiada na ativida-de cacaueira. A exemplo do ocorri-do em outros estados não-perten-centes ao Centro-Sul, a Bahia seinseriu na matriz industrial brasilei-ra através da chamada “especiali-zação regional”. Com isso, se trans-formou em um estado supridor deprodutos intermediários para os se-tores de bens finais instalados no

eixo Sul/Sudeste do país. Nessa fase, a industriali-zação foi direcionada para os setores químico – es-pecialmente a petroquímica – e metalúrgico, o quese deveu a três motivos:a) o estado era, à época, o maior produtor de pe-

tróleo do país e, como visto, já possuía uma refi-naria. Tinha-se, assim, uma base técnica para aimplantação do segundo pólo petroquímico bra-sileiro na Bahia;

b) nos primeiros anos da década de 70, havia umacarência na produção nacional de alguns insu-mos básicos usados pela indústria de transfor-mação do Centro-Sul; e

c) o Governo Federal tinha entre seus objetivos adiminuição dos desequilíbrios regionais.Dado esse contexto, diversos empreendimentos

foram implantados, destacando-se os localizadosno Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC).Com o passar do tempo, sua consolidação fez comque a participação relativa do setor primário no PIBsetorial baiano diminuísse de 40% em 1960, para16,4% em 1980. O setor secundário, por sua vez,no mesmo período, quase triplica sua participação,que salta de 12% para 31,6%. Essas transforma-ções estruturais colocaram a economia baiana numa

Ao final da década de 60,a industrialização baiana

parecia inexorável. Ainfra-estrutura passava

por um processo demodernização e

expansão. O operariadoindustrial e a classe

média cresciam com asnovas atividades

instaladas.

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nova posição. A taxa média de crescimento real doPIB baiano na década de 70 foi de 11,4% contra9,7% do Nordeste e 8,6% do Brasil. Esse cresci-mento, determinado pelo setor secundário, contri-buiu de forma positiva para a dinâmica do terciárioda economia baiana, particularmente na Região Me-tropolitana de Salvador (RMS). Na década de 70,os serviços e o comércio puderam garantir varia-ções anuais reais de 7% ao ano para o PIB dessesetor (CEI, 1992).

Reduzindo-se a análise aos últi-mos cinco anos da década de 70,constata-se que o PIB estadualcresceu a uma taxa média anualde 9,7%, sendo que a performanceda indústria de transformação é queimpressiona: 32,0% em 1977; 12,9%em 1978; 29,4% em 1979 e 26,6%em 1980. Não se tem nada igualaté os dias atuais. Apenas entre1983 e 1986, pela combinação daentrada em operação da CaraíbaMetais e do lançamento do PlanoCruzado, observaram-se taxas emtorno de 8,5% (CEI, 1992).

Foi nesse sentido que se men-cionou, na introdução deste trabalho, o fato da tra-jetória da industrialização baiana ser pontuada porinflexões. Após a implantação da RLAM, e dadosos problemas associados ao CIA e à política de in-centivos fiscais já comentados acima, passam-semais de 20 anos sem que nenhum fato significantealtere dramaticamente a realidade industrial baia-na. Dado o pouco peso daquela realidade, duasintervenções pontuais e setoriais (petroquímica emetalurgia) transformaram de maneira radical a ati-vidade econômica. Setores correlatos, ao acompa-nharem o movimento, ajudaram a nutrir as signifi-cativas alterações que se dariam.

Àquela época, a indústria química/petroquímicafirmou sua posição de mais importante setor indus-trial da Bahia. A partir de 1985, ela já respondia pormais da metade do Valor Agregado Bruto (VAB) daindústria de transformação (CPE, 1990). Outra im-portante decorrência da implantação do complexopetroquímico baiano relaciona-se com o cresci-mento e evolução da receita estadual. A arrecada-ção industrial de ICM saltou de 30,4% em 1975

para 55,8% em 1985, sendo que, desse total, a pe-troquímica participava em média com 64,1% (CEI,1990). Apesar desses importantes impactos, o seg-mento químico/petroquímico, por ser intensivo emcapital, apresentava baixa absorção de mão-de-obra,empregando, em 1985, apenas 14,5% do total dopessoal ocupado na indústria baiana, mesmo res-pondendo por mais da metade do VAB industrial. Aliderança nesse indicador cabia ao segmento deprodutos alimentares, com 19,4% (CPE, 1990).

Isso, contudo, não deve obscu-recer o efeito multiplicador da ativi-dade petroquímica, em termos dereflexos positivos na geração darenda e de empregos indiretos, emconseqüência, principalmente, damodernização e ampliação que elaimpôs ao comércio, serviços e cons-trução residencial. Esses reflexospoderiam ser ampliados se houves-se um maior inter-relacionamentocom outros setores industriais situ-ados a jusante da mesma. Na au-sência de segmentos produtoresde bens finais na Bahia, parte subs-tancial da produção petroquímica

era, e ainda hoje é, transformada fora do estado.Nessa mesma década de 80, a atividade indus-

trial baiana apresentou um comportamento bemdistinto dos anos 70. Por serem seus ramos indus-triais produtores de bens intermediários, a econo-mia local tornou-se fortemente correlacionada coma nacional. A brutal retração desta última, no iníciodaquela década, e seus presumíveis e inevitáveisimpactos negativos sobre o desempenho econômi-co estadual foram, todavia, atenuados pela agilida-de da indústria petroquímica que, aproveitando-sede uma conjuntura internacional favorável, buscouno mercado externo a saída para o escoamento desua produção.

Essa penetração dos petroquímicos baianos nomercado internacional, que serviu para aumentar aparticipação dos mesmos no total geral das expor-tações do estado de 1,6%, em 1978, para 24,6%em 1994 (SEI, 1995), foi motivada não apenas pe-los subsídios e incentivos concedidos, mas tam-bém pelo sucesso dos programas de rompimentode gargalos na capacidade produtiva das plantas e

A taxa média decrescimento real do PIBbaiano na década de 70foi de 11,4% contra 9,7%do Nordeste e 8,6% do

Brasil. Esse crescimento,determinado pelo setor

secundário, contribuiu deforma positiva para a

dinâmica do terciário daeconomia baiana,

particularmente na RegiãoMetropolitana de Salvador

(RMS).

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de otimização energética, que possibilitaram àsempresas reduções de custos e, em conseqüência,incrementos de competitividade.

Quanto ao setor metalúrgico, segundo segmen-to mais importante da indústria de transformaçãobaiana, se divide em seis grupos: produtos siderúr-gicos; ferro-ligas; metais não-ferrosos; fundição eprodutos siderúrgicos diversos. Constata-se, no mes-mo, um bom número de metalúrgicas de pequenoporte. Todavia, em que pese a presença dessaspequenas unidades produtivas, quecumprem um importante papel degeradoras de emprego, as siderúr-gicas USIBA, SIBRA e FERBASAe, principalmente, a Caraíba Me-tais, que atua no subsetor de metaisnão-ferrosos, respondiam por quase80% do valor agregado do mesmo.

Apesar de não apresentar omesmo desempenho alcançado pelaindústria petroquímica, o setor me-talúrgico experimentou um cresci-mento médio, nos anos 80, de12,3% a.a., determinado pela en-trada em operação da metalurgiado cobre em 1982. O VAB do setorpassou de 5,8%, em 1982, para8,6% em 1983, sendo que a implan-tação da empresa se inseria no contexto do programabrasileiro de substituição de importações. Ela deveriasuprir a demanda interna por cobre eletrolítico, atéentão totalmente atendida por importações. Em 1986,a metalurgia baiana vive novo impacto positivo. A Ca-raíba Metais alterou a estrutura de sua planta visandoampliar a produção e a concluiu em 1987, ano noqual a empresa se tornou responsável por 96% daprodução nacional desse metal, abastecendo 55% domercado interno (CPE, 1990).

Na metade da década de 80, esse setor e o me-cânico empregavam 20 mil pessoas, número esseque, para se ter uma idéia, em meados de 1995 ti-nha caído para algo em torno de 8 mil. Os anos derecessão e a drástica redução dos investimentosda Petrobrás justificam essa queda, particularmen-te no segmento mecânico – afinal, muitas empre-sas se instalaram na Bahia para atender às neces-sidades de equipamento da estatal (Gazeta Mer-cantil, 1995).

Concluindo esta seção, pode-se afirmar que aRMS – que compreende dez municípios, dentre osquais se destacam Salvador e Camaçari – enquan-to núcleo econômico de destaque, consolidou suasmodernas feições e tendências ao longo dessasduas décadas, com o avanço da indústria de base,constituída pela metalurgia, química pesada e, emescala significativamente menor, pela indústria me-cânica para equipamentos de perfuração de petró-leo. Ela passou a concentrar um parque produtivo

criado basicamente com recursosestatais, capital intensivo, produtorde bens intermediários e, até en-tão, sem grandes perspectivas dedesdobramentos a jusante.

A década de 90:do pessimismo à euforia

No início dos anos 90, na áreado COPEC, as empresas em ope-ração e em implantação represen-tavam um investimento de quaseUS$ 8 bilhões. Elas utilizavam umpouco mais de 24 mil trabalhado-res como mão-de-obra direta. Comose nota, empreendimentos de altarelação capital/trabalho: para cada

emprego eram necessários US$ 321 mil ou paracada milhão de dólares aplicado geravam-se ape-nas três postos de trabalho. Do total dessas inver-sões, 90,5% concentravam-se nos setores de quí-mica e metalurgia (SUDIC, 1992).

Desde sua implantação, a petroquímica temcomandado o desempenho do setor químico e daprópria indústria de transformação do estado. Nosprimeiros anos da década de 90 ela viveu um pe-ríodo de relativa estagnação, ainda que tenhamsido realizados alguns investimentos em amplia-ção de capacidade produtiva. A difícil conjunturavivida por este segmento industrial brasileiro, des-de o início do Governo Collor, não induzia signifi-cativos dispêndios empresariais. O forte desaque-cimento do mercado interno, combinado com aqueda das alíquotas de importação, num cenáriointernacional de superoferta, provocaram uma inun-dação de importações petroquímicas no mercadonacional.

A RMS enquanto núcleoeconômico de destaque,

consolidou suasmodernas feições e

tendências ao longo dasdécadas de 1970 e 80.

Ela passou a concentrarum parque produtivo

criado basicamente comrecursos estatais, capital

intensivo, produtor debens intermediários e,até então, sem grandes

perspectivas dedesdobramentos

ajusante.

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Nesse contexto, a repetição da estratégia adota-da pela petroquímica baiana, na primeira metade dadécada de 80, de utilizar o mercado externo comoescoadouro da produção não realizada internamen-te, tornou-se inviável, não apenas pela existência degrandes excedentes no mercado internacional, mastambém pelas mudanças ocorridas nas políticas go-vernamentais, destacando-se a abrupta redução deincentivos e subsídios às atividades exportadoras.

Dadas essas dificuldades, a petroquímica baia-na até que conseguiu manter um razoável patamarde investimentos. Esses investimentos repercuti-ram, evidentemente, na indústria de transformação,cujo desempenho em 1992 (8,4%) e 1993 (7,3%) foimuito expressivo, depois de duas taxas negativasem 1990 e 1991 – 8,8% e 4,2% respectivamente(SEI, 1995). Em 1993, o crescimento do gêneroquímico/petroquímico alcançou 7,3%. Se as amplia-ções acima mencionadas não tivessem sido reali-zadas, a expansão do mesmo seria de apenas 3%.

Apesar de sua importância e dos fatos positivospor ela criados, já foi destacado que a petroquímicanão produz, na Bahia, significativos efeitos de en-cadeamento a jusante da sua cadeia produtiva.Seus principais desdobramentos são, na verdade,indiretos, atingindo os serviços (comércio, trans-portes) e a construção civil. Um outro aspecto a sersalientado, é que as estratégias expansivas/diver-sificativas dos grupos químico/petroquímico locali-zados no COPEC são formuladas fora da Bahia e/ou do Brasil.

Assim sendo, os limites da intervenção estadualna química e petroquímica eram, e são, estreitos.Além de tentar exercer pressão para influenciar naformulação das políticas federais macroeconômicae setorial, cabia, e cabe, ao governo estadual asse-gurar a infra-estrutura necessária à ampliação quevinha se efetivando, de sorte a evitar restrições àexpansão do segmento num futuro cenário de cres-cimento sustentado da economia brasileira. Nessesentido, mostrou-se bem-sucedida a articulaçãotécnico-política do governo estadual, junto ao go-verno federal e a Petrobrás, garantindo a duplica-ção da Refinaria Landulfo Alves. Essa ampliação,concluída em 1998, exigiu recursos num montantede US$ 420 milhões e elevou a capacidade de refi-no de 22.350 m3/dia para 46.650 m3/dia, reduzindoas necessidades baianas de importação de nafta.

Diante desse quadro, muito se especulava so-bre alternativas que pudessem magnificar local-mente os efeitos para a frente da petroquímica. Umnúmero maior de fichas era depositado na implan-tação da chamada terceira geração, na qual ospetroquímicos de segunda geração sofrem sua últi-ma transformação físico-química, tornando-se umbem final para consumo, montagem ou embalagemde outros bens. Em relatório publicado em 1991, aCPE, após destacar o diminuto peso relativo dessesegmento na economia baiana, partia para identifi-car as causas de tal situação. Nesta última etapada transformação petroquímica, o valor do produtoaumenta com a agregação de volume, com o quese elevam os custos de transporte. Na ausência deum setor produtor de bens finais no estado, inviabili-zava-se essa transformação dos bens intermediári-os petroquímicos.

A implantação de um parque produtivo de bensfinais na Bahia, que o citado relatório acreditavaser possível, viabilizaria essa transformação petro-química ao criar um mercado local para peças,componentes e embalagens. Tal crença apoiava-se em dois motivos: em primeiro lugar, a produçãolocal de bens intermediários atrairia os produtoresde bens finais; em segundo lugar, por representar40% do mercado nordestino e 16,5% do mercadonacional (CPE, 1991), a economia baiana teria con-dições de sediar empresas nos segmentos de têxtile confecções, mobiliário, calçados, alimentos, bebi-das, produtos de higiene, materiais de construçãoetc., uma vez que o peso do mercado garantiria asescalas de produção necessárias a um setor debens de consumo final.

Até quase o final da década de 90, essa expec-tativa não se realizou. O conturbado cenário eco-nômico e político no Brasil pré-Plano Real e, poste-riormente, a política macroeconômica de suporteao mesmo e as crises asiática e russa travaram ocrescimento econômico, potencializaram as incer-tezas e tornaram as decisões de investimentos ex-tremamente cautelosas. Além disso, a abertura co-mercial, ao acirrar a concorrência e desestruturarsetores produtores de bens finais no Centro Sul,impôs aos grupos empresariais neles atuantes umgrande esforço de modernização, altamente absor-vedor de recursos. Se adicionarmos a esse quadroa ausência de qualquer tipo de política regional e o

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fortalecimento do Mercosul, justifica-se a indisposi-ção para qualquer reorientação e/ou instalação deplantas desse tipo na região Nordeste, naquelemomento, mesmo que os empresários consideras-sem que 16,5% do mercado nacional poderiam sersuficientes para induzir tal reorientação.

No caso específico do principal setor industrialda Bahia, a petroquímica, desde 1994 o panoramaera mais ameno. Ajudado pela recuperação dospreços no mercado internacional, em decorrênciado maior consumo por parte dos países avançadose pela retomada da demanda interna com o PlanoReal, o setor petroquímico brasileiro passou a ven-der mais por um preço melhor. Internamente che-gou a haver problema de abastecimento, o que le-vou o governo a criar um imposto de exportação,como forma de evitar que as empresas direcionas-sem parte de sua produção para o exterior, e a re-duzir as alíquotas de importação, medida que nãoteve muito efeito, pois havia falta de produtos láfora. Os preços do etileno nos EUA, por exemplo,saltaram de US$ 320 a tonelada, em maio de 1994,para US$ 672 ao final de março de 1995 (GazetaMercantil, 3/5/95).

Esse cenário, todavia, detonou antigas reivindi-cações: a duplicação do pólo Sul e a criação do póloRio. Argumentava-se que se a economia brasileiracrescesse, em média, à taxa de 5% ao ano, por umperíodo de dez anos, seria necessário duplicar acapacidade de produção da petroquímica brasilei-ra. O anúncio desses planos despertou o temor, àépoca, em alguns estudiosos da economia baiana,de uma significativa perda de participação da pe-troquímica estadual. Se a curto prazo o temor erainfundado, dificilmente, a médio e longo prazo, a pe-troquímica baiana se mostraria capaz de hospedarnovos blocos maciços de investimentos. As inver-sões tenderiam a ser secundárias, concentrando-sena manutenção do parque já existente ou na instala-ção de algumas unidades de segunda geração.

Tal cenário reforçava a necessidade de buscar-se uma maior diversificação econômica para o es-tado, em setores com efetiva capacidade dinamiza-dora. Afinal, o colapso da atividade cacaueira de-monstrou o perigo de uma economia poucodiversificada. Nesse sentido, todas as análises so-bre possibilidades expansivas para os anos 90 con-templavam a indústria de papel e celulose, isso de-

vido às perspectivas que se abrem para a mesma,tanto no âmbito do mercado interno como no exter-no. A vinda desse setor para a Bahia, tem impacta-do sua indústria de transformação. Somando osanos de 1992 e 1993, as atividades ligadas à pro-dução de papel e celulose foram as que mais cres-ceram (95,3%). Segundo estimativas, elas alcança-riam uma participação no valor agregado industrialde aproximadamente 16% no final da década, tor-nando-se o segundo segmento mais importante naestrutura do produto industrial, desbancando, as-sim, o metalúrgico (CPE, 1991).

O avanço da produção de celulose, principal-mente no extremo-sul do estado, tornou-se possí-vel em virtude das vantagens comparativas baia-nas em relação a outros estados do Brasil e outrospaíses. São elas: as excelentes condições edafocli-máticas, favoráveis ao cultivo do eucalipto, levandoà espetacular produtividade que alcança o setorflorestal baiano, que chega a ser até dez vezes su-perior à de alguns países produtores, como a Sué-cia, onde a idade para corte das árvores é de 70anos, ao passo que na Bahia é de apenas seteanos; e a disponibilidade de terras, importante ele-mento na composição de custos do setor, devido aoreflorestamento. Essa atividade, contudo, requer umcuidadoso planejamento e monitoramento, devido aalguns efeitos adversos que ela pode criar.

A produção de celulose e sua atividade correla-ta, o manejo de florestas homogêneas, costuma re-presentar uma alternativa produtiva que se chocacom um grande leque de outras atividades, taiscomo: o abastecimento d’água humano, o turismo,usos distintos para a terra e para os recursos hídri-cos etc. A salutar emergência dos movimentos eco-lógicos, tendo como um dos seus alvos prioritáriosesse setor, provocou significativo avanço na tecno-logia utilizada para o branqueamento da celulose,eliminando quase que completamente os danos queseus efluentes líquidos podem causar aos corposcoletores desses efluentes.

Já a concentração fundiária que ela exige, é umproblema até então insolúvel, inviabilizando usosagrícolas diversificados. O fato é que a indústria decelulose não gera importantes impactos diretos quera montante, quer a jusante. Isso não significa des-considerar que a instalação de empreendimentosdessa natureza em regiões pobres acaba por re-

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presentar uma elevação do nível médio de renda dapopulação local, já que surge um volume razoávelde empregos formais, modificando as relações so-ciais vigentes.

O que se deseja sublinhar é que este ramo in-dustrial, por seu caráter concentrador – capital in-tensivo, estreita base de fornecimento, demandan-te de grandes extensões de terra – e seu baixo nívelde articulação interindustrial, caracteriza-se comoum enclave, não proporcionando as necessárias si-nergias para servir como centroeconômico dinâmico. Seus impac-tos são diminutos e localizados,tanto setorial quanto espacialmen-te, sendo, portanto, restrita a suaimportância. Ou seja, uma nova fei-ção para o processo baiano de in-dustrialização não poderia ser obti-da com esse tipo de atividade.

Sendo assim, eram evidentesas dificuldades que os três princi-pais segmentos do desenvolvimen-to industrial baiano – químico/petro-químico, metalúrgico e de celulose– encontrariam para gerar uma tensão dinâmicanecessária a incrementos importantes na taxa decrescimento do PIB. Na melhor das hipóteses,ceteris paribus, poderiam contribuir para uma traje-tória de crescimento vegetativo do PIB baiano noséculo 21. Os números, desde o início da décadade 90, confirmavam essa análise. Entre 1980 e1990, o PIB baiano cresceu a uma taxa média de2,4%; de 1990 a 1995 a expansão foi de apenas1,1% a.a.. Essas expansões sempre foram deter-minadas por espasmos setoriais e/ou melhorias noambiente macroeconômico nacional, como a ocor-rida nos anos de 1994 e 1995, com o Plano Real,que possibilitou um crescimento de, respectiva-mente, 6,7% e 1,8% do PIB estadual, puxado pelaatividade comercial.

Como se não bastasse isso, o novo modelo dedesenvolvimento em implantação no país, que per-segue um sensível encolhimento do papel do Esta-do e abstém-se de formular políticas industrial eregional, tendia a condenar regiões como o Nor-deste a um processo de involução industrial, dadassuas adversidades competitivas em termos de atra-ção de investimentos. A contribuição estatal foi e

ainda é determinante para o desenvolvimento eco-nômico regional, e, sem decisões institucionais queo estimulem e sejam capazes de minorar a flagran-te supremacia do Centro-Sul, o quadro tende aagravar-se.

Um cenário econômico menos dramático, com asuperação da crise russa, a mudança da políticacambial brasileira, a definição de atrativos fiscais efinanceiros diferenciados para as regiões Norte,Nordeste e Centro-Oeste – no âmbito do regime

automotivo brasileiro –, e a abertaconcessão pelo governo da Bahiade atrativos adicionais, que envol-vem o oferecimento de galpões in-dustriais dotados de água, energia,comunicações e acesso viário, in-gressando com força na chamadaguerra de incentivos, interrompe-ram a tendência acima e detona-ram um movimento de relocaliza-ção industrial. Como se sabe, umasérie de novos empreendimentos– têxtil, calçados, eletrônico, trans-formação plástica, químico e auto-

mobilístico – começou a se dirigir para a Bahia, cri-ando a expectativa de que eles terão a capacidadede proporcionar um novo salto qualitativo na indus-trialização baiana.

Pelos números da Secretária de Indústria, Co-mércio e Mineração da Bahia, 143 projetos foramprotocolados entre setembro de 1996 e dezembrode 1999, significando um investimento de R$ 7,01bilhões para todo o estado. Desses protocolos, 56estão na RMS, equivalendo a R$ 4,38 bilhões. Con-vém esclarecer que, desse montante, não foramdeduzidas as desistências da Asia Motors e daHyundai (Gazeta Mercantil, 29/03/2000).

Desse conjunto de investimentos4, é o ProjetoAmazon da Ford, de US$ 1,2 bilhão, que alimenta aatual fase de euforia, pois a instalação de um com-plexo produtor de automóveis abre perspectivaspara uma maior integração da indústria local – quese encontra, atualmente, fortemente concentradaem bens intermediários – em direção aos bens deconsumo duráveis de alto valor agregado. Tal inte-gração pode lançar essa indústria em uma novafase de crescimento, voltado não só para mercadosexternos. O cronograma do projeto prevê a saída

O Projeto Amazon daFord alimenta a atual fase

de euforia, pois ainstalação de um

complexo produtor deautomóveis abre

perspectivas para umamaior integração da

indústria local em direçãoaos bens de consumoduráveis de alto valor

agregado.

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dos primeiros veículos da linha de montagem emjaneiro de 2002, sendo que, ao final daquele ano, aplanta deverá estar produzindo 150 mil veículos, nú-mero que saltará para 250 mil em 2004.

O Projeto Amazon é baseado em uma nova con-cepção de organização da produção, denominada“condomínios industriais”. No projeto em tela, sob omesmo teto da montadora instalar-se-á um grupode empresas que fornecerá, diretamente, componen-tes e/ou assumirá partes do processo de produçãodos veículos. A estamparia e a pintura, por exemplo,ficarão sob a responsabilidade, respectivamente, daBody System Brazil e da Durr DuPont. Além dessas,um outro grupo de empresas ocupará galpões emuma área ao lado da linha de montagem. A ambiçãodas grandes montadoras é envolverem-se cada vezmenos com os problemas da manufatura, transfor-mando-se, assim, em empresas direcionadas para odesenvolvimento de produtos, marketing e vendas.Acreditam as autoridades governamentais, que es-sas empresas, chamadas de “sistemistas”5, respon-sáveis pelo fornecimento de 60% dos componen-tes que farão parte dos veículos, criarão 5 milempregos diretos. Os 40% restante dos compo-nentes não têm fornecedores definidos ainda. Elespodem ser da Bahia ou de qualquer outro estadobrasileiro. Nessa área, conta-se com a geração de50 mil empregos indiretos.

Conclusão

No limiar do século XXI, a Bahia parece ter su-perado o enigma da sua involução industrial, fenô-meno presente em boa parte do século atual. O se-cundário se consolidou como o principal e maisdinâmico setor de atividade. A Região Metropolita-na de Salvador concentra um robusto parque pro-dutivo, capaz de aglutinar serviços das mais diver-sas naturezas. Apesar do crescente e persistenteproblema do desemprego na última década, foramconstituídas uma classe operária moderna e umaclasse média relativamente forte. Em suma, as mu-danças dos últimos 50 anos levaram a economiaagroexportadora dependente, atrasada e estagna-da a se transformar significativamente, tanto do pon-to de vista econômico como social.

Nessa região metropolitana6, que ocupa menosde 20% do território do estado e responde por 63%

do PIB estadual, residiam, pela última contagem doIBGE, 2,3 milhões de pessoas na capital, enquantooutras 541,4 mil se espalhavam pelos demais mu-nicípios.7 Trata-se de um conjunto bastante hetero-gêneo de municípios. Salvador especializa-se naprestação de serviços (comércio, lazer e cultura),sendo também uma espécie de cidade-dormitório,enquanto os outros municípios abrigam os investi-mentos industriais. Apesar de Camaçari, Candeiase Simões Filho sediarem mais de 90% da atividadeindustrial, a capital do estado é, de longe, a maiorarrecadadora de ICMS – R$ 1,01 bilhão em 1999 –seguida por Camaçari, com R$ 300,5 milhões (Ga-zeta Mercantil, 29/03/2000).

Diante desse quadro, o Governo da Bahia bus-cou diversificar e interiorizar mais a matriz industriallocal, através de um conjunto de incentivos para aatração de investimentos industriais. Dentre essesnovos investimentos em implantação, é o automo-bilístico que alimenta a atual fase de euforia, pelasperspectivas de geração de renda, emprego e maioradensamento e diversificação da indústria local. Osplanejadores governamentais apostam na criaçãode novas empresas nos segmentos de fundição,estampagem, usinagem, ferramentaria e transfor-mação plástica. Novo e bem-vindo espasmo exó-geno, reafirmando alguns problemas associados aoprocesso de industrialização da Bahia.

Em primeiro lugar, a indústria instalada no esta-do é, em grande medida, resultado de políticasgovernamentais voltadas para a “desconcentraçãoregional”. Tais políticas engendraram surtos espas-módicos de investimentos, exemplificados pela ins-talação da Refinaria de Mataripe, do Centro Indus-trial de Aratu, do Pólo Petroquímico de Camaçari e,agora, do Complexo Automotivo. Foram projetosque, na sua grande maioria, dependeram de capi-tais exógenos e com forte componente estatal. Pelasevidências disponíveis, a industrialização baiana nãofoi capaz de gerar uma capacidade empresarial lo-cal, capaz de aproveitar as oportunidades que asgrandes empresas abriam ao se implantarem naregião.

Segundo, esses grandes blocos de investimen-tos foram, inevitavelmente, concentrados no tem-po. A conseqüência dessa concentração é que aeconomia baiana fica vulnerável a fases de baixocrescimento absoluto e relativo, como no início dos

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anos 90. Por outro lado, a concentração espacial daindústria na Região Metropolitana de Salvador contri-bui para o crescimento do desemprego nesse local,uma vez que ela continua sendo o alvo natural demigrantes do interior baiano, principalmente oriundosdo semi-árido, e suas atividades industriais são inten-sivas em capital: geram renda, mas não emprego.

Terceiro, a abertura de mercado, iniciada em1990, expôs as deficiências competitivas da indús-tria local. Essas deficiências são reveladas pela re-dução da produção e do emprego em certos setores– cujo exemplo mais evidente é o metal-mecânico –fechamento de fábricas – inclusive químicas – e re-dução dos mercados de exportação em geral. Nes-se contexto, tudo indica que, mais uma vez, assisti-remos ao aproveitamento das oportunidades deencadeamento por capitais externos, atraídos edirecionados segundo a lógica estratégica atual-mente vigente entre as grandes montadoras. Essalógica, materializada na concepção de produçãobrevemente descrita na seção anterior, cria sériosobstáculos à participação de empresas locais, oumesmo nacionais, na cadeia automobilística de su-primentos (Teixeira e Vasconcelos, 1999).

Por último, sem dúvida boa parte da explicaçãopara as deficiências competitivas das empresas lo-cais está relacionada aos baixos investimentos ematividades de aprendizado e inovação tecnológicae gerencial. O conservadorismo e a aversão ao ris-co do nosso empresariado podem ajudar a explicaressa situação. Mas isso, certamente, não é tudo.Temos carência de pessoal capacitado em todos osníveis. A suposta criatividade da mão-de-obra baia-na não parece ser suficiente para engendrar um pro-cesso virtuoso de aprendizado neste momento, emque o mundo vive uma fase de transição entre doisdistintos paradigmas técnico-econômicos.

Notas:

1 Outros estudos, a exemplo de Suarez (1990) e do diagnósti-co feito pela Comissão de Planejamento Econômico (CPE)em 1958, apresentam razões diferentes para o enigmabaiano. Uma discussão mais detalhada do mesmo foge aoescopo deste trabalho.

2 É interessante notar que a crônica musical baiana registrouesse momento de transformação social. Na década de 90, o

compositor Gerônimo lançou uma canção cuja letra fala dasfamílias dos “petroleiros” que, ao adquirirem geladeiras, pas-sam a fazer “abafa-banca”, um tipo de picolé fabricado emfôrmas de gelo e vendido em palitos de mesa.

3 Esta seção apoia-se fortemente em artigo anterior (Guerra eGonzalez, 1996) escrito, em parceria, por um dos articulistasdeste trabalho.

4 Um outro importante investimento em implantação no esta-do, no valor de US$ 550 milhões, é o da Monsanto no seg-mento de fertilizantes.

5 O número de sistemistas, operando dentro e fora da linha demontagem, definido na fase em que se imaginava a implan-tação do projeto no Rio Grande do Sul, era de, respectiva-mente, 15 e 17 empresas. Até a conclusão deste artigo, nãoexistia uma posição oficial da Ford, que fosse de conheci-mento público, sobre esse número.

6 Esta concepção de regiões metropolitanas foi criado na dé-cada de 70 e passou a designar as sete principais áreasmetropolitanas do país. Mais recentemente, tem-se utiliza-do a expressão Grande São Paulo, Grande Belo Horizonteetc. No caso da Grande Salvador, ela envolve uma expan-são física, pois passa a incluir municípios como Feira deSantana.

7 Segundo estimativas, Salvador, que possuía cerca de 500mil habitantes em 1950, conta atualmente com uma popula-ção de 2,5 milhões de habitantes. Ou seja, em 50 anos suapopulação foi multiplicada por cinco (Gazeta Mercantil, 29/03/2000).

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* Francisco Teixeira é professor da Escola de Administra-ção da Universidade Federal da Bahia

** Oswaldo Guerra é professor da Faculdade de CiênciasEconômicas da Universidade Federal da Bahia

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