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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI A POLÍTICA PÚBLICA DE ENSINO A DISTÂNCIA: Escolaridade ou Cidadania? GT27 - Políticas públicas Érika Loureiro Borba- Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] José Roberto Pereira- Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] Kelly Aparecida Torres-Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Email: [email protected]

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS BRASIL. 04 a 07 de

setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI

A POLÍTICA PÚBLICA DE ENSINO A DISTÂNCIA: Escolaridade ou Cidadania?

GT27 - Políticas públicas

Érika Loureiro Borba- Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] José Roberto Pereira- Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] Kelly Aparecida Torres-Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Email: [email protected]

¹ Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] ² Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] ³ Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Email: [email protected]

A POLÍTICA PÚBLICA DE ENSINO A DISTÂNCIA: Escolaridade ou Cidadania?

Érika Loureiro Borba¹ José Roberto Pereira²

Kelly Aparecida Torres³

Resumo Este artigo procurou analisar a política pública de educação a distância desenvolvida no Brasil com o objetivo de verificar se a mesma é capaz de proporcionar o ensino de massa e, principalmente, se esta modalidade de ensino contribui apenas para o aumento da escolaridade no país ou contribui, também, na formação de cidadãos. Para tal investigação foi traçado o histórico da educação à distância no mundo e no Brasil, a formulação e implantação desta política no país e sua articulação com as práticas cidadãs. Chegou-se às seguintes considerações: o ensino à distância é uma modalidade capaz de promover o ensino de massa tendo em vista sua capacidade de atingir um grande número de estudantes ao mesmo tempo, além de fornecer elementos para que o indivíduo seja questionador, independente e atuante em sua comunidade. Sendo assim, o ensino à distância pode ser considerado como mais um meio capaz de impulsionar a democracia e a prática da cidadania através do fomento da participação dos indivíduos nos negócios públicos. Palavras-chave: ensino a distância, cidadania, políticas públicas Introdução As políticas públicas refletem a ação direita do Estado na sociedade e

têm como objetivo principal a promoção do bem comum, sendo este entendido

como uma ação coletiva para alcançar interesses que são comuns à totalidade

dos indivíduos e que seja capaz de conquistar benefícios.

A política pública de educação a distância tem como objetivo a

democratização da educação, impulsionando a formação superior em todo o

país, priorizando a formação inicial e continuada de professores da rede

pública do ensino médio (BRASIL, 2006). Como principal contribuição desta

modalidade de ensino, destaca-se a possibilidade que o indivíduo possui de ter

acesso à educação e ao saber socialmente produzido sem ter que deixar seu

entorno familiar, incentivando-o, através da aprendizagem autônoma, a se

tornar sujeito ativo e atuante também em sua comunidade (ROCHA, 2010).

A educação contribui no processo de efetivação da cidadania na medida

em que exerce sua função questionadora das práticas sociais por meio das

reflexões político-pedagógicas (PIMENTEL, 2006).

Para tal investigação, este ensaio teórico apresenta um panorama que

diz respeito ao ensino a distância no mundo e no Brasil. Posteriormente, foi

apresentada a política pública de ensino a distância no país através da

demonstração de suas principais leis e objetivos e, finalmente, foi destacada a

contribuição da educação no fomento das práticas cidadãs no país.

Assim, o presente artigo pretende inferir sobre o real alcance da política

pública de ensino a distância para a formação de cidadãos ou se esta

modalidade se constitui em mais uma prática de ensino de massa promovida

pelo Estado com o objetivo apenas de aumentar o grau de escolaridade no

país.

O Ensino à Distância

O Ensino à distância (EAD) se fundamenta como um processo de

ensino-aprendizagem mediado por tecnologias onde professores e estudantes

estão separados no tempo e no espaço (MORAN, 2002). A intermediação da

aprendizagem ocorre pela interação entre professores e estudantes por meio

das tecnologias, principalmente, a Internet, correio, rádio e televisão.

De acordo com os conceitos de Keegan e Peters o ensino a distância é

conceituado como um método racional de partilha de conhecimentos,

habilidades e atitudes baseado nos princípios organizacionais e na divisão do

trabalho, onde as condutas dos professores e alunos acontecem em momentos

diferenciados e a comunicação é mediada, principalmente, pela Internet, rádio,

televisão com o objetivo de instruir um grande número de estudantes ao

mesmo tempo, se configurando numa forma industrializada de aprender

(NUNES, 2002).

Assim, os principais elementos definidores do ensino à distância são: a

separação entre aluno e professor, a necessidade de uma instituição de

educação na produção dos materiais para aprendizado, a obrigatoriedade de

realização de seminários presenciais ocasionais, configurando a forma mais

industrial da educação.

A crescente demanda por educação devido não somente à expansão populacional como sobretudo pelas lutas de classes trabalhadoras por acesso à educação, ao saber socialmente produzido, concomitantemente com a evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos está exigindo mudanças a nível da função e da estrutura da escola e da universidade (PRETI, 1996, p.16).

Dessa forma, o EAD se tornou uma alternativa para a educação e

formação de adultos, tendo como suporte a evolução tecnológica, e

considerando os aspectos sócio-econômicos e culturais das comunidades.

Nesse caso, o orientador é um intermediário neste processo de ação-reflexão-

ação que tem por objetivo associar teorias e práticas no processo de ensino

aprendizagem.

O Ensino à distância (EAD) apresenta uma dinâmica de aprendizagem

continuada que favorece o indivíduo no sentido de incentivá-lo a ser sujeito

ativo de sua aprendizagem, ou seja, possibilita o mesmo a tornar-se autodidata

em suas práticas e reflexões, contribuindo para sua autonomia enquanto

sujeito.

Desta forma, este método de ensino se apresenta como mais um

alternativa para atender às parcelas da sociedade que, por vários motivos, se

encontram excluídas do ensino presencial, mas que demandam uma formação

permanente.

O uso das tecnologias é importante para romper, principalmente, as

distâncias que, em alguns casos são dificultadores do acesso à educação, e na

divulgação das informações com maior rapidez.

O EAD, neste sentido, como prática educativa se diferencia da modalidade de ensino presencial, sendo uma alternativa pedagógica de grande alcance, que utiliza novas tecnologias para atingir os objetivos propostos, considerando as necessidades das populações, promovendo o autodidatismo e a aprendizagem independente e flexível em qualquer nível (ROCHA, 2010, p.17).

A comunicação bidirecional, ou seja, de mão dupla incentivada pelo

ensino à distância, segue a perspectiva de Freire (1996) ao consolidar o

entendimento de que o estudante não é apenas um receptor de

conhecimentos, sendo necessário o fomento do diálogo, as críticas e a

participação ativa do aluno nas relações de ensino e aprendizagem.

O desenvolvimento do EAD se deu a partir da necessidade social de

preparar os indivíduos, cultural e profissionalmente, que se encontravam

impedidos de frequentarem o ensino presencial, mas que necessitavam de tal

formação para se desenvolverem socialmente.

O ensino à distância desenvolveu seu primeiro formato no século XIX,

mas somente nas duas últimas décadas é que a mesma se destacou como

mais um recurso pedagógico. O crescimento de uma ação institucionalizada de

educação a distância teve início a partir da metade do século XIX. Vale dizer

que ao final da primeira Guerra Mundial desenvolveram-se novas iniciativas de

ensino a distância devido à grande demanda social por educação na época

(PIMENTEL, 2006).

Cerca de 80 países nos cinco continentes desenvolvem o ensino à

distância em todos os seus níveis de ensino, de forma pública ou privada. O

quadro abaixo exemplifica o início e a disseminação das práticas de educação

à distância pelo mundo.

País Contribuição

Suécia Primeira experiência em 1833 no curso de Contabilidade

Inglaterra Iniciou suas práticas em EAD no ano de 1840 e fundou a Open University, em 1962, que auxilia outras nações no fomento de práticas de educação a distância de qualidade

Alemanha Fundou seu primeiro instituto de línguas por correspondência em 1856

EUA Iniciaram nas práticas em EAD com a criação da Illinois Weeleayan University, em 19874

Paquistão Fundaram a Universidade Aberta de Allma Iqbal, em1974, para a formação de docentes

Sri Lanka Fundaram a Universidade Aberta de Sri Lanka, em 1980, com cursos de formação tecnológica e de docentes

Tailândia Conta com 400.000 estudantes em diferentes setores através da Universidade Aberta Sukhothiai Thommathirat

Indonésia A Universidade de Terbuka, criada em 1984, atende à formação superior

Índia Criou a Universidade Nacional Aberta Indira Ghandhi, em 1985, para atender a demanda de ensino superior

Austrália É o que mais investe em EAD, mas não tem nenhuma universidade especializada nesta modalidade

México Iniciou seu programa de ensino a distância em 1972 com o programa da Universidade Aberta que faz parte da Universidade Autônoma do

México

Costa Rica Foi criada a Universidade Estadual a Distância da Costa Rica em 1977

Colômbia Criou a Universidade Estatal Aberta e a Distância da Colômbia em 1983

Quadro 1: O ensino à distância pelo mundo Fonte: baseado em Pimentel, 2006

Cada localidade tem um perfil de estudante e uma demanda de ensino

que está diretamente interligada ao desenvolvimento social e econômico da

comunidade. Dessa forma, não é possível seguir um modelo padrão de

educação à distância, é preciso observar as necessidades educacionais de

cada população, o apoio político e social e o desenvolvimento das tecnologias

de comunicação e informação para que sejam criadas formas metodológicas,

projetos e estruturas compatíveis com as realidades apresentadas (PIMENTEL,

2006).

Assim, é possível inferir diante desta primeira análise que o ensino à

distância foi utilizado, primeiramente, como recurso para superação das

deficiências educacionais e visava a qualificação profissional, o

aperfeiçoamento e/ou atualização do conhecimento. Atualmente, esta

modalidade é usada, principalmente, como complemento às demais formas de

ensino.

O Ensino à Distância no Brasil

Na qualidade de prática educativa o EAD tem como principais objetos a

democratização da educação, promover a aprendizagem autônoma

relacionada à experiência e incentivar a educação permanente por meio de um

ensino de qualidade.

O processo de democracia contempla o exercício dos direitos sociais, as

políticas públicas estatais quando as mesmas buscam a redução das

desigualdades sociais e, principalmente, o exercício da cidadania participativa

onde o indivíduo passa a ser atuante nas decisões dos negócios públicos

(PEREIRA, 2011).

A democracia é discutida a cerca de 2.500 anos, em períodos de

extinção e ressurgimento o que demonstra sua característica gradativa de

crescimento. “O rumo da história democrática mais parece uma trilha de um

viajante atravessando um deserto plano e quase interminável, quebrada

apenas por alguns morrinhos, até finalmente iniciar a longa subida até a altura

no presente” (DAHL, 2001, p.19).

Desta forma, Dahl (2001) afirma que a democracia foi inventada mais de

uma vez e em diferentes lugares, sempre em que se formaram condições

favoráveis. Estas condições são denominadas pelo autor como a lógica da

igualdade que se constitui “quando um determinado número de membros de

uma comunidade vejam-se como bastante iguais, estando bem qualificados

para dar uma palavra em seu governo” (DAHL, 2001, p. 20).

Sendo assim, o ensino à distância contribui para a democracia no

momento em que a mesma concorre para a redução das desigualdades, na

emancipação e no fomento de práticas cidadãs por meio da educação, que se

revela como uma política pública prioritária no Brasil.

Diversos autores se dividem entre o entusiasmo, a descrença e a resistência em relação ao EAD, mas num ponto todos concordam: é inegável seu potencial para a inclusão de parte considerável da população educacional do Brasil e do mundo (PIMENTEL, 2006, p. 30).

Esta inclusão está diretamente ligada à possibilidade dada ao indivíduo

de se profissionalizar ou desenvolver sua educação de forma continuada sem

ter que sair do seu entorno familiar, tendo a possibilidade de se tornar um

agente de transformação de sua comunidade.

O Brasil possui um histórico positivo com relação ao fomento do ensino

à distância, destacando-se as iniciativas do Instituto Rádio Monitor e do

Instituto Universal Brasileiro, em 1939. É importante salientar que as

instituições dedicadas ao ensino superior não tiveram nenhuma relação com o

ensino à distância até o final do século XX.

O marco do EAD no país foi o fomento do ensino via correspondência,

no ano de 1904, meio pelo qual as instituições privadas ofertavam cursos

técnicos profissionalizantes sem a necessidade de que o aluno possuísse

qualquer formação anterior.

Os cursos supletivos realizados pela modalidade à distância começaram

a ser efetivados nas décadas de 70 e 80 por fundações privadas e ONGs,

utilizando-se de vídeo aulas gravadas e materiais impressos. Tal fato inaugurou

a segunda geração de ensino à distância no Brasil. A década de 90 foi

marcada pela inserção das instituições de ensino superior no ensino à distância

tendo como fator relevante a popularização da internet, a partir de 1994,

contribuindo para impulsionar esta modalidade de ensino no país (PIMENTEL,

2006).

O quadro a seguir demonstra a disseminação do ensino à distância no

Brasil até a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB).

Ano Projeto

1904 Cursos por correspondência oferecidos por escolas internacionais privadas

1934 Roquete-Pinto instalou a Rádio-Escola Municipal que possibilitou os alunos a ter acesso prévio a folhetos e esquemas de aulas

1939 Surgiram o Instituto Universal Brasileiro em São Paulo e o Instituto Rádio Monitor

1941 Ano de criação da primeira Universidade do Ar, que durou dois anos

1947 Criação da Nova Universidade do Ar, patrocinada pelo SENAC, SESC e emissoras associadas

1961/65 Movimento de Educação de Base (MEB), projeto que envolveu Igreja Católica e Governo Federal que utilizava um sistema de rádio-educativo para promover a educação, a conscientização, a politização, a educação sindicalista, etc.

1970 Criação do projeto Minerva, uma parceria entre a Fundação Padre Landell de Moura e Fundação Padre Anchieta para a produção de textos e programas

1972 O Governo Federal enviou à Inglaterra um grupo de educadores cujo relatório final marcou uma posição reacionária, sendo grande obstáculo para a implantação da Universidade Aberta do Brasil

Década de 70 Destaque para a Fundação Roberto Marinho como a programação da educação supletiva a distância para 1º e 2º graus.

1992 Criação da Universidade Aberta do Brasil para a promoção de cursos específicos de acesso a todos, educação continuada e ensino superior englobando tanto graduação como a pós-graduação.

Quadro 2: A disseminação do ensino à distância no Brasil Fonte: baseado em Pimentel, 2006.

É importante destacar que as experiências de educação à distância no

país demandaram um grande contingente de recursos, porém, estes

procedimentos do passado não foram suficientes para gerarem um processo

de aceitação, tanto do governo quanto da sociedade, desta modalidade de

ensino (PIMENTEL, 2006). No entanto, a realidade brasileira mudou e o

governo criou leis para regular a modalidade de ensino a distância em todo o

país.

A política pública de ensino à distância no Brasil

As organizações públicas causam grande impacto em nossas vidas, seja

na qualidade de vida dos cidadãos ou de uma coletividade. Na perspectiva de

Denhart (2011) as políticas são resultados da atividade governamental e, por

esta razão, sua formulação e implementação são questões relacionadas

diretamente aos processos políticos.

A política é concebida, finalmente, como a teoria política ou o conhecimento dos fenômenos ligados à regulamentação e ao controle da vida em sociedade, como também à organização, ao ordenamento e à administração das jurisdições político-administrativas (HEIDEMANN E SALM, 2009, p. 29).

Para alguns autores o estudo das políticas públicas significa estudar o

campo prático da Administração Pública, ou seja, o Estado em ação

(ARRETCHE, 2003). Desta forma, a política pública está diretamente

relacionada com a análise política, onde a primeira se constitui nas ações que

o governo decide ou não fazer, e a segunda representa a análise dos impactos

de determinada política, ou seja, qual a sua relevância social (DENHART,

2011).

Sendo assim, a partir da abordagem da política pública de ensino à

distância do Brasil, focaliza-se em sua análise política, buscando visualizar qual

o alcance desta política pública para a formação dos cidadãos.

O estudo da política pública pode enfocar tanto as causas das políticas específicas- isto é, as circunstâncias políticas, sociais ou econômicas que criaram determinados tipos de políticas- quanto as consequências das políticas – por exemplo, o efeito que certa política terá sobre um tipo particular de problema (DENHART, 2011, 167).

A causa principal da elaboração de uma política pública é a promoção

do interesse público que se caracteriza por ações que proporcionam o bem

comum à coletividade e aos particulares ao mesmo tempo, no sentido de

auferir benefícios.

Assim, a Universidade Aberta do Brasil tem como principais objetivos,

com a efetivação do ensino à distância, a promoção do interesse público no

sentido de dar prioridade na oferta de cursos de licenciatura, formação inicial e

continuada para professores da educação básica; oferecer cursos superiores

para os indivíduos que trabalham diretamente nas esferas públicas dos

estados, distrito federal e município; ofertar cursos superiores privilegiando

diferentes áreas de conhecimento; ampliar o acesso à educação superior

pública; reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as regiões

do país e fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias que

contribuam com a inovação e dinamização do ensino a distância (BRASIL,

2006).

A primeira legislação sobre o ensino à distância surgiu durante a reforma

educacional no país, no ano de 1996, presente na Lei de Diretrizes Básicas

(Lei 9394/96) que oficializou o ensino à distância como uma modalidade válida

para todos os níveis de ensino, educação continuada e, principalmente, como

política nacional de fomento à educação que deve ser incentivada pelo poder

público.

A Lei de Diretrizes Básicas (LDB) tem como principal finalidade definir as

bases para todo o processo de formação educacional no Brasil, em todos os

seus níveis e também é base para a formação de professores.

Sendo assim, o ensino à distância tem função de destaque no

atendimento das exigências impostas pela LDB no que diz respeito à formação

de professores. Segundo as exigências desta lei, a partir do ano de 2006 todos

os professores contratados para lecionarem no ensino médio da rede pública

devem ter obrigatoriamente o terceiro grau concluído.

Essa exigência revelou uma grande demanda com relação a esta

formação de professores e, por isso, o governo impulsionou a criação de

cursos à distância para garantir a formação destes professores, ofertando as

licenciaturas através dos programas da Universidade Aberta do Brasil. Este

fato pode ser considerado como um exemplo da função social da EAD na

medida em que esta busca proporcionar uma formação de qualidade, por

intermédio das universidades públicas conveniadas à UAB, para aqueles

professores que não conseguem frequentar o ensino presencial por estarem

distantes dos pólos educacionais, por exemplo.

Para que as mudanças educacionais ocorram é preciso que os cursos

de formação de docentes sejam compatíveis com o momento histórico,

principalmente, no que diz respeito às suas bases pedagógicas. Desta forma,

dado aos enormes contrastes sociais no país, é necessário a formação de

grupos multidisciplinares a criação dos materiais do ensino à distância.

No ano de 1998, o Ministério da Educação (MEC) estabeleceu decretos

e portarias que complementam a LDB, delimitando procedimentos principais de

condução das políticas de educação à distância no país.

O decreto 2494 de 10 de fevereiro de 1998 estabelece em seu artigo 1º que a

educação a distância é uma forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação.

Este decreto regulamenta a oferta dos programas de ensino a distância,

ou seja, seus requisitos, objetivos e diretrizes curriculares. Trata, também,

sobre o credenciamento das instituições federais de ensino nos programas de

EAD, como também os fatores que geram o descredenciamento.

O decreto 2561 de 27 de abril de 1998 delega ao Ministro da Educação

e do Desporto a competência para promover os atos de credenciamento das

instituições federais, tecnológicas e demais sistemas. Estabelece, também, a

competência da autoridade integrante dos demais sistemas de ensino em

promover os atos de credenciamento localizados no âmbito de suas atribuições

no que diz respeito à oferta de cursos de educação à distância que

contemplem a educação de jovens e adultos, ensino médio e tecnológico.

A portaria 301 de 07 de abril de 1998 foi criada para normatizar os

processos de credenciamento de instituições para cursos de graduação e

tecnológicos à distância.

O decreto 5800 de 8 de junho de 2006 foi responsável pela instituição

do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) que tem como meta

desenvolver o ensino à distância no país, regulando e monitorando a oferta de

cursos e programas de educação superior.

É necessário sinalizar para o outro viés que permeia as práticas de

ensino à distância no país, gerando um impacto negativo, que a percepção da

mesma como mais um “negócio”, não primando pela qualidade do ensino e,

segundo Pimentel (2000, p.31) “muitos instrumentos públicos têm contribuído

para a evolução deste “negócio”, e várias práticas de universidades públicas e

particulares também o reforçam”.

Esta visão contribui para o desvirtuamento das propostas de EAD e para

a vulgarização do ensino no sentido de ser relacionado como de pouco

conteúdo e ser direcionado para o consumo rápido das massas. O sentido real

do ensino à distância é promover o ensino de massa, ou seja, a possibilidade

de um maior número de pessoas terem acesso a um ensino superior de

qualidade e não a mera venda de diploma (PIMENTEL, 2000).

De um modo geral, as políticas públicas devem buscar o atendimento do

bem comum contribuindo para a democracia que só terá legitimidade quando a

Administração Pública conseguir promover o valor individual, a igualdade entre

todos os cidadãos e a participação universal (DENHART, 2011).

Educação e cidadania no Brasil

A efetivação da cidadania é de grande relevância no país devido ao seu

caráter democrático, ou seja, pela primazia do regime em que os cidadãos

participam dos processos decisórios.

“A construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o

Estado e com a nação. As pessoas se tornavam cidadãos na medida em que

passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado” (CARVALHO, 2002,

p. 12). Desta forma, a educação contribui neste processo na medida em que

exerce sua função questionadora das práticas sociais por meio das reflexões

político-pedagógicas.

A cidadania no Brasil se deu por meio de uma lógica inversa com

relação à criação da cidadania na Inglaterra, por exemplo, porque contemplou

primeiro os direitos sociais e, posteriormente, os direitos políticos e civis

(CARVALHO, 2002).

Pinsky (2008, p.09) explica que:

ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos.

Para que um indivíduo alcance a cidadania plena é necessário que ele

possua direitos civis, políticos e sociais. Esses direitos sociais são aqueles

inerentes ao indivíduo enquanto membro de uma coletividade, por exemplo,

direito à educação, trabalho, salário justo, saúde, dentre outros.

É possível dizer que o conceito e a prática da cidadania vêm sendo

alterado ao longo dos últimos trezentos anos. Isso se dá pela maior ou menor

abertura do estatuto de cidadão, ampliando ou não este rol de direitos e,

principalmente, pelo grau de participação política de diferentes grupos, como

também a proteção social oferecida pelo Estado (Pinsky, 2008).

[...] Se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade, os direitos sociais garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria [...] (CARVALHO, 2002, p.10).

Nesta perspectiva de Carvalho (2002) a educação faz parte do rol dos

direitos sociais, constituindo-se em condição primordial para a construção da

cidadania, e se destaca por possibilitar ao indivíduo sua emancipação

enquanto sujeito questionador, independente e atuante em sua comunidade.

A Constituição Federal criada em 1988, chamada de Constituição

Cidadã, é fruto de diversas lutas dos movimentos sociais pró-constituinte que

ocorreram nos anos de 1985 a 1988, que nas palavras de Versiani (2009, p.01)

“procuraram balizar a sua influência como elemento de afirmação de uma nova

cidadania política no país”.

O art. 24 do Regimento Interno da Constituinte estabeleceu as

chamadas “emendas populares” que tornaram mecanismo de participação dos

movimentos populares em lutas políticas para delimitar os novos paradigmas

sociais do país. Como exemplo é possível citar as lutas dos grupos sindicais

em São Bernardo do Campo nos anos de 1978 a 1980 que, diante da

insatisfação social e a crise econômica no regime militar, lutaram pelo rearranjo

do sindicalismo como também pelas Diretas.

A participação maciça destes movimentos marcou o surgimento de

novos atores sociais que lutaram pela inclusão de novos direitos que

promovessem diretamente tanto a democracia quanto a cidadania.

Os mecanismos de participação popular conquistados, apesar das insuficiências significativas e das dificuldades de organização, fazem parte ativa dos caminhos para que os interesses dos movimentos sociais sejam ouvidos e interfiram diretamente nos centros de poder político. Sendo assim, tanto os movimentos quanto os mecanismos de participação popular foram e ainda o são instrumentos privilegiados na luta pela expansão da cidadania no Brasil (BRANDÃO, 2009, p.16).

O ponto central é que a Constituição de 1988 promoveu a questão

social, combatendo as desigualdades formais, ou seja, aquelas que estavam

presentes nas Constituições anteriores como, por exemplo, o art. 5º, I deste

mesmo diploma legal que diz sobre a igualdade de homens e mulheres em

direitos e obrigações.

Porém, mesmo diante de todo avanço legislativo de reconhecimento da

cidadania, a sociedade brasileira de um modo geral ainda não internalizou tal

conceito, muitas vezes esquecido diante das situações do cotidiano.

Dentro deste conceito de formação e prática da cidadania, a Educação

torna-se grande aliada já que constitui um espaço permanente de produção

social, capaz de promover uma reflexão político-pedagógica debatendo

questões morais e éticas mesmo estando inserida dentro de uma cultura

dominada pelas elites econômicas.

A educação para a cidadania constitui um conjunto complexo que abraça, ao mesmo tempo, a adesão a valores, a aquisição de conhecimentos e a aprendizagem de práticas na vida pública. Não pode, pois, ser considerada como neutra do ponto de vista ideológico (DELORS, 2008).

Esta idéia corrobora com a abordagem da educação, formal ou informal,

de crianças, jovens e adultos para uma cultura de reflexão e sistematização de

práticas sociais que possam transformar suas realidades.

A Educação é capaz de resgatar valores de solidariedade, de respeito às

diferenças éticas e sociais, de desenvolver a necessidade de preservação do

meio ambiente e o conhecimento dos direitos humanos.

A ampliação do acesso à escola por meio do ensino à distância, por

exemplo, é um meio importante de diminuição da desigualdade sócio-cultural e,

por isso, é inadmissível que apenas alguns privilegiados tenham a chance de

se desenvolverem por tais práticas educativas que tenham por objetivo a

formação de um cidadão.

Neste sentido Freire (2001, p.13) diz sobre

[...]o quão violenta é a política da Cidade, como Estado, que interdita ou limita ou minimiza o direitos das gentes, restringindo-lhes a cidadania ao negar educação para todos. [...] Enquanto educadora, a Cidade é também educanda. Muito de sua tarefa educativa implica a nossa posição política e, obviamente, a maneira como exerçamos o poder na Cidade e o sonho ou a utopia de que embebamos a política, a serviço de que e de quem a fazemos. A política dos gastos públicos, a política cultural e educacional, a política de saúde, a dos transportes, a do lazer [...].

Assim, na perspectiva da Educação, a cidadania precisa ser entendida

como um processo de formação do homem onde este, como sujeito social, por

meio da ação e reflexão torna-se responsável pela modificação de sua

realidade lutando por melhores condições por meios de ações concretas que

visem o bem estar de toda coletividade.

Considerações Finais As políticas públicas correspondem à intervenção direta do Estado na

sociedade com o objetivo de promover o bem comum. A política pública de

ensino à distância, como já dito neste estudo, foi desenvolvida para suprir a

demanda do ensino superior no país e, principalmente, pela necessidade de

qualificação dos professores de ensino médio da rede pública de ensino. Tal

fato faz desta modalidade educacional uma prática que contribui diretamente

para a democratização da educação no Brasil.

Pela perspectiva de Denhart (2011) no que diz respeito à análise

política, ou seja, a análise dos impactos da política de ensino à distância é

possível destacar que a mesma se configura como um ensino de massa

porque consegue atingir um grande número de estudantes ao mesmo tempo e

pode ser considerada também como mais um meio capaz de impulsionar a

prática da cidadania já que esta modalidade de ensino é considerada como

mais um meio de democratização da educação que possibilita ao indivíduo ter

acesso á educação sem ter que deixar sua comunidade, além de incentivar sua

aprendizagem autônoma e sua transformação enquanto sujeito ativo, ou seja,

atuante em sua comunidade.

Pela análise do Decreto 5800 de 2006, que institucionaliza a

Universidade Aberta do Brasil, percebe-se o foco na formação de professores e

na expansão dos cursos superiores em geral, posição esta adotada para tentar

suprir a carência social por educação no país.

O ensino à distância articula a preparação profissional com o

desenvolvimento social, seguindo a perspectiva de Freire (1996) que destaca o

processo de ensino- aprendizagem como uma via de mão dupla capaz de

fomentar a crítica e a participação dos sujeitos envolvidos nas questões que

dizem respeito ao seu entorno.

A democracia abarca a necessidade de participação dos indivíduos nos

negócios públicos, segundo Dahl (2001), e o ensino à distância concorre para a

redução das desigualdades nesta participação na medida em que é capaz de

promover a emancipação do indivíduo através do aumento do acesso à

educação superior.

Desta forma, o EAD articula-se com a cidadania na medida em que

fornece elementos para que o indivíduo seja questionador de suas práticas por

meio de reflexões e posterior intervenção no meio social onde o mesmo está

inserido. É necessário destacar que a educação é um espaço permanente de

reflexão e produção social onde são debatidas questões morais e éticas sendo

capaz de envolver toda comunidade, dando possibilidade de ampliação da

participação política.

Porém, é necessário ressaltar que a percepção do ensino à distância

como apenas um negócio concorre para o desvirtuamento de seus paradigmas,

onde os cursos não têm qualidade e o único objetivo é o lucro. O EAD, neste

sentido, não passa de mera venda de diplomas além de perder seu caráter de

política pública. E, quando analisado nesta perspectiva, o ensino a distância se

mostra incapaz de formar sujeitos conscientes de sua responsabilidade como

atores sociais transformadores da realidade de suas comunidades.

Referências Bibliográficas

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