há mais de uma semana que anda muito irrequieta e não para...

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manhã a minha irmã Inês vai ter o seu primeiro dia de escola.

Há mais de uma semana que anda muito irrequieta e não para de me

fazer perguntas, sempre a incomodar-me.

Por vezes, eu divirto-me a responder. Invento respostas estranhas,

que é para ela � car muito admirada, com os olhos muito abertos. Hoje, antes de

jantarmos, a conversa foi assim:

— António, a comida da cantina é boa?

E eu, depois de pensar um bocadinho, respondi-lhe:

— É ótima, vais adorar. Toda a comida da cantina é servida em pratos comestíveis.

Não é como em nossa casa.

— Que quer dizer comestíveis?

— Quer dizer que depois de comeres o arroz, as batatas, a massa, a carne, o peixe

e a salada, também tens de comer os pratos. Não pode � car nem uma migalha no

tabuleiro, é uma ordem do diretor da escola, que é um senhor muito alto, que fala

pouco e tem uma manchinha castanha na testa, muito parecida com uma borboleta.

— Temos de comer os pratos? Ah! A que sabem os pratos?

— Depende do dia, porque há vários sabores. Os pratos sabem a chouriço, a

mortadela, a queijo frito, a arroz-doce, a gelatina de morango e a chocolate. Os que

sabem a chocolate só se comem em dias especiais.

— António, o que são dias especiais?

— São os dias em que não há sopa, nem pão, nem carne, nem peixe, nem salada,

nem fruta.

— António, o que é que comemos nos dias especiais?

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— Comemos formigas fritas com pimenta. É muito bom. Hum, adoro! Quando já

não há mais nenhuma formiga come-se o prato, que é castanho, e sabe a chocolate.

Hum, é uma comida deliciosa!

— Que nojo! Já comeste?

— Já, e adorei.

— Formigas fritas com pimenta… que nojo!

— Não digas isso, Inês. Só podes dar a tua opinião depois de comeres as formigas

fritas. Tu não percebes nada da escola. Estou a ser teu amigo, ensino-te estas

coisas para não fazeres � guras tristes em frente dos colegas. Quando fores almoçar,

escolhe o prato que sabe a chouriço, que é o mais saboroso. É o prato cinzento, não

te esqueças.

A Inês � cou pensativa. E eu tive de me esforçar imenso para não me rir, nem dar

gargalhadas. A minha irmã falou baixinho, derrotada, quase a deixar cair um lágrima:

— António, eu não gosto de chouriço…

Depois gritou e bateu com os pés no chão:

— Eu só quero pratos de queijo frito!

Depois voltou a falar baixinho, preocupada:

— António, como é que eu sei a que sabem os pratos?

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— Pelas cores. Tu já sabes as cores?

— Sei! Vermelho, amarelo, azul, verde, preto, cor-de-rosa. De que cores são os

pratos que sabem a queijo frito?

— São brancos como a farinha. No fundo desses pratos há sempre dois olhos

muito grandes e muito vermelhos. São os olhos mágicos dos pratos.

— Olhos mágicos? Tens a certeza?

— Sim, são olhos que adivinham tudo o que tu pensas.

— Estás a mentir! Não há pratos com olhos vermelhos… Se houvesse, eu tinha

muito medo. Na minha escolinha a comida era muito boa. Eu gostava de massinha

com carne e não havia pratos com olhos.

— Agora vais para uma escola enorme, com muitas salas e muita gente! Esquece

a massinha com carne… Na escola, se disseres massinha, batatinha, saladinha, toda

a gente se ri de ti. Tens de dizer massa com carne, percebes?

— António, tu vais ajudar-me a escolher um prato lá na cantina?

— Não posso! Nós, os grandes do terceiro ano, nunca comemos com os pequeninos

do primeiro, era o que faltava…

— Mas eu sou tua irmã. Podias ajudar-me.

— Eu não me importava de te ajudar, mas é impossível. Tens de ser tu a escolher.

Só te faz bem. Eu safei-me, e tu também te vais safar. Aquilo é fácil, o primeiro dia é

que custa mais.

— António, tenho MEDO de ir para a escola nova.

— Medo? Porquê?

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— Não sei. Tu já sabias ler quando foste para a escola?

— Não. Só conhecia cinco letras: a, e, i, o, u…

— Eu também não sei ler. Só sei escrever o meu primeiro nome. Queres ver?

A minha irmã, com o dedo indicador da mão esquerda, desenhou no chão da sala

as quatro letras maiúsculas do seu nome: INÊS.

— Está mal escrito – disse eu.

— Está bem! – gritou a Inês.

— Está errado, porque só � zeste letras maiúsculas. O teu nome escreve-se com

uma letra maiúscula e todas as outras são minúsculas.

Com o dedo indicador da minha mão direita, desenhei no chão as letras do nome

da minha irmã.

— O teu nome escreve-se assim: Inês.

A minha irmã começou a choramingar. Disse que eu estava a ser mau, que a queria

confundir. Quando tinha a cara cheia de lágrimas gordas foi fazer queixinhas à mãe,

que estava na cozinha, a preparar o jantar.

A minha mãe impacientou-se:

— António, não te ponhas a inventar maluqueiras. Não percebes que a tua irmã

está ansiosa? Não percebes que ainda acredita em tudo o que lhe dizes? Ajuda-me

a pôr a mesa e deixa a Inês em paz. O avô Júlio também vem jantar.

— Eu não � z nada de mal. A Inês é que está sempre a fazer perguntas infantis!

E acho que ela já pode ajudar a pôr a mesa. Porque é que hei de ser sempre eu?

É injusto!

Pus na mesa os pratos, os copos e os talheres. A Inês distribuiu os guardanapos.