habitação de interesse social

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5 O 2 Bases Conceituais e Metodológicas binômio habitação/meio ambiente está relacionado a um universo com- plexo de questões e situações. Têm- se, por exemplo, em concepção ampla, as implicações ambientais que a simples lo- calização de uma habitação no tecido urbano pode gerar. A estruturação atual da sociedade, que tem na família sua célula básica, com crescente tendência de cada pessoa ter vínculos com atividades que se desenvolvem fora de sua moradia - trabalhar, estudar, re- crear - aumenta a necessidade de desloca- mentos, alguns dos quais só possíveis por meio de veículos, sejam eles coletivos ou indi- viduais. A essa simples questão já se associa uma fonte de problemas ambientais. O incre- mento do transporte caminha, quase sempre, paralelamente com os índices de poluição do ar e de poluição sonora, portanto com efeitos ambientais negativos. Em uma concepção ain- da mais ampla, o desgaste emocional e o tem- po perdido no trânsito, nas grandes cidades, ainda que menos explicitamente, contribuem também com a formação do meio ambiente urbano, onde os aspectos psicossociais não podem ser ignorados, sendo que estes in- cluem, ainda, a questão da segurança. Circunscritos agora ao âmbito da unida- de habitacional, encontram-se tanto ques- tões ambientais próximas, quanto ramifi- cações distantes, mas igualmente importan- tes. Como se sabe, uma habitação geral- mente requer o desmatamento e alterações de terreno, modificando a paisagem local e causando alterações ambientais também na região de entorno. Requer, ainda, diversos materiais e componentes construtivos, consome energia, gera poeira, resíduos (principalmente entu- lhos) e ruídos durante as obras e, na fase de ocupação, passa a gerar novos e constantes resíduos (como esgotos e lixo). Além disso, utiliza água tratada e energia elétrica para os mais diversos fins, seja para a iluminação artificial, seja para os eletro-eletrônicos hoje incorporados ao cotidiano, incluindo-se aí al- guns destinados a suprir deficiências da própria concepção da habitação no que diz respeito a seu desempenho térmico, como os condicionadores de ar. No rigor de uma visão sistêmica, tam- bém pode-se corretamente supor, por exem- plo, que é ambientalmente insustentável o modelo de construção de uma habitação que, apesar de apresentar um desempenho tér- mico primoroso, demanda materiais e com- ponentes, cujo processo de produção envolve um elevado consumo de energia. Dentre eles,

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CAPÍTULO 2 - BASES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS

O

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Bases Conceituaise Metodológicas

binômio habitação/meio ambienteestá relacionado a um universo com-plexo de questões e situações. Têm-

se, por exemplo, em concepção ampla, asimplicações ambientais que a simples lo-calização de uma habitação no tecido urbanopode gerar. A estruturação atual da sociedade,que tem na família sua célula básica, comcrescente tendência de cada pessoa tervínculos com atividades que se desenvolvemfora de sua moradia - trabalhar, estudar, re-crear - aumenta a necessidade de desloca-mentos, alguns dos quais só possíveis pormeio de veículos, sejam eles coletivos ou indi-viduais. A essa simples questão já se associauma fonte de problemas ambientais. O incre-mento do transporte caminha, quase sempre,paralelamente com os índices de poluição doar e de poluição sonora, portanto com efeitosambientais negativos. Em uma concepção ain-da mais ampla, o desgaste emocional e o tem-po perdido no trânsito, nas grandes cidades,ainda que menos explicitamente, contribuemtambém com a formação do meio ambienteurbano, onde os aspectos psicossociais nãopodem ser ignorados, sendo que estes in-cluem, ainda, a questão da segurança.

Circunscritos agora ao âmbito da unida-de habitacional, encontram-se tanto ques-

tões ambientais próximas, quanto ramifi-cações distantes, mas igualmente importan-tes. Como se sabe, uma habitação geral-mente requer o desmatamento e alteraçõesde terreno, modificando a paisagem local ecausando alterações ambientais também naregião de entorno.

Requer, ainda, diversos materiais ecomponentes construtivos, consome energia,gera poeira, resíduos (principalmente entu-lhos) e ruídos durante as obras e, na fase deocupação, passa a gerar novos e constantesresíduos (como esgotos e lixo). Além disso,utiliza água tratada e energia elétrica paraos mais diversos fins, seja para a iluminaçãoartificial, seja para os eletro-eletrônicos hojeincorporados ao cotidiano, incluindo-se aí al-guns destinados a suprir deficiências daprópria concepção da habitação no que dizrespeito a seu desempenho térmico, comoos condicionadores de ar.

No rigor de uma visão sistêmica, tam-bém pode-se corretamente supor, por exem-plo, que é ambientalmente insustentável omodelo de construção de uma habitação que,apesar de apresentar um desempenho tér-mico primoroso, demanda materiais e com-ponentes, cujo processo de produção envolveum elevado consumo de energia. Dentre eles,

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têm-se notadamente o cimento (e, por exten-são, os blocos de concreto e materiais asso-ciados), o vidro, o aço, o alumínio e demaisprodutos metálicos, os componentes cerâ-micos, louças e metais sanitários e assimpor diante.

O uso de tais materiais gera efeitos am-bientais significativos em algum outro lugar,seja pela necessidade de construção de umahidrelétrica ou pelo uso de combustíveis, o queredunda tanto na utilização de fontes não-renováveis de energia (gás natural), como naderrubada de matas ou florestas para obtençãode biomassa. Além disso, tais materiais ecomponentes provêm de matérias-primas queforam subtraídas e obtidas com alteraçõesambientais importantes na região das jazidas.O próprio madeiramento para o telhado seassocia obviamente à derrubada de florestasem algum lugar. Mesmo o transporte dessesprodutos até o local da obra implica diversasquestões ambientais, variando desde o com-bustível gasto e o monóxido de carbono emi-tido, até o freqüente espalhamento de resíduosao longo do trajeto.

Na breve e despretensiosa incursão atéo momento, podem-se identificar diversosaspectos, ainda que esparsos, mas que apon-tam uma diversidade de situações geradorasde impactos ambientais relacionados à cons-trução de casas e ao próprio ato de morar. Omesmo panorama elaborado aponta, ainda,que uma forma de atuação integrada, emtodas as frentes de problemas ambientaisassociados à habitação, é algo muito com-

plexo e que supera as possibilidades de umaatuação setorial. A intervenção efetivamenteintegrada no binômio habitação/meio am-biente é, certamente, trabalho para mais deuma geração e necessita, até mesmo, a revi-são de diversos conceitos sociais arraigados,relativos ao hábitat humano.

A consciência atual de que os recursosnaturais não são ilimitados, bem como ossérios problemas ambientais que o mundoestá passando, aponta a necessidade de umcrescente investimento em pesquisas quepermita a construção do hábitat com menorimpacto global. Tal fato leva a crer que umdos campos de intervenção altamente dese-jável, talvez entre os mais importantes a setratar, diz respeito ao vasto assunto da obten-ção de matérias-primas e dos processos deprodução de materiais e componentes cons-trutivos, cujo efeito é importantíssimo, masextrapola as possibilidades e a ótica do pre-sente trabalho.

Assim, a abordagem aqui propostaconstitui uma sistematização de questõesambientais que, apesar de abrangentes,encontram-se mais diretamente ligadas aosempreendimentos habitacionais, referentesaos segmentos básicos do meio ambiente (osmeios físico, biótico e antrópico), circunscri-tos, ainda, ao município onde se localizamesses empreendimentos. A escolha e trata-mento de tais questões devem sempre seradequados às diferentes situações que po-dem se apresentar, sendo apontadas as in-formações prioritárias a serem consideradas

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CAPÍTULO 2 - BASES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS

nas medidas e ações específicas de cadaempreendimento, no decorrer de suas trêsfases básicas: planejamento, construção eocupação.

Para tanto, salientam-se inicialmenteas principais atividades em cada fase con-siderada no empreendimento, efetuando-seum prognóstico relativo aos seus aspectosambientais e, finalmente, apresentam-semedidas e ações adequadas para a mitigaçãoe prevenção de problemas gerados pelo em-preendimento, que podem ser integradaspor instrumentos de planejamento e gestãoambiental. De maneira geral, consideram-se os princípios e procedimentos básicos daavaliação de impacto ambiental e do sistemade gestão ambiental, conforme têm sidoimplementados no País, aplicando-os inte-gralmente ao contexto de empreendimentoshabitacionais de interesse social. Baseslegais e normativas, estreitamente rela-cionadas à questão ambiental por ocasiãodo desenvolvimento desta publicação sãoconsideradas, ressaltando a possibilidade desua modificação ao longo do tempo, masservindo como referência para sua atua-lização.

Para a utilização desta publicação, háque se estabelecer referenciais de conceitosadotados, especialmente sobre o que se con-sidera como habitação de interesse social,além do próprio entendimento de meio am-biente, de maneira que seu tratamento inte-grado possa realmente auxiliar na gestão deempreendimentos habitacionais.

2.1 EMPREENDIMENTO

HABITACIONAL DE

INTERESSE SOCIAL

Para se definir o que venha a ser habi-tação de interesse social, convém breve ve-rificação de algumas leis associadas ao tema.O Código Sanitário adotado no Estado de SãoPaulo (Decreto Estadual no 12.342, de 27/9/78) que constitui, para grande parte dos mu-nicípios desse e de outros estados, legislaçãobásica de referência de obras e de edifica-ções, define habitação de interesse social (Ar-tigo 95, Capítulo V) como:

“a habitação com o máximo de 60 m2, inte-grando conjuntos habitacionais; construídapor entidades públicas da administraçãodireta ou indireta”(SÃO PAULO, 1992b).

No mesmo Código, Capítulo e Artigo,constam ainda:

- Um primeiro parágrafo estendendo o con-ceito de habitação de interesse social para“... a habitação isolada, com o máximo de60 m2, construída sob responsabilidade doproprietário segundo projetos-tipo elabo-rados pelo Poder Público Municipal”.

- Um segundo parágrafo prevendo que: “Me-diante atos específicos, poderão ser consi-deradas de interesse social habitaçõesconstruídas ou financiadas por outrasentidades”.

Por sua vez, a legislação do municípiomais populoso do País, São Paulo, com gran-de vinculação em relação aos propósitos da

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presente publicação, em diversos decretos,trata de “Empreendimentos Habitacionais deInteresse Social” de maneira mais ampla(SÃO PAULO, 1992a; 1993; 1994; 1995a,b;1996a,b,c; 1997a). No Capítulo II do Decretobásico (no 31.601, de 26 de maio de 1992),define-se Empreendimento Habitacional deInteresse Social como:

“... parcelamento do solo, bem como cons-trução de edificações - envolvendo ou não oparcelamento do solo - destinado às famíliasque vivem em habitação subnormal, em con-dições de habitabilidade precária, ou auferemrenda mensal inferior a 12 (doze) salários mí-nimos, ou seu sucedâneo legal, ou ainda quese enquadrem nos critérios do Sistema Finan-ceiro da Habitação, e referentes à populaçãodemandatária situada no limite de renda aci-ma definido” (SÃO PAULO, 1992a).

Ainda no mesmo decreto, estabelecem-se os agentes considerados habilitados parapromover empreendimentos desta natureza(agentes promotores), constituídos por:

- órgãos da administração direta;

- empresas de controle acionário público;

- entidades conveniadas com a Superinten-dência de Habitação Popular - Habi da Pre-feitura do Município; e

- entidade ou promotor privado, desde que,simultaneamente:

a) esteja conveniado com a Companhia Me-tropolitana de Habitação de São Paulo -Cohab/SP, pelo Instituto de Previdência So-

cial do Estado de São Paulo - Ipesp e emterrenos de propriedade pública, inde-pendentemente do agente promotor; e

b) por empreendimento que seja assessoradoe supervisionado pela mesma Companhia,pelo Instituto de Previdência Municipal -Iprem e por promotores privados quandoas unidades forem destinadas à contrapar-tida de Operações Interligadas.

Nas definições legais examinadas, des-tacam-se seis principais vertentes nos con-ceitos, essenciais aos propósitos destetrabalho:

1. Tipologia do empreendimento - A primeiravertente relevante considera que habita-ções de interesse social devem estar inse-ridas em conjuntos habitacionais, comopode ser visto no Código Sanitário do Es-tado de São Paulo (SÃO PAULO, 1992b),o que traz à discussão a tipologia do em-preendimento. No que pese uma certaimagem negativa que hoje se associa àexpressão conjuntos habitacionais, tendoprincipalmente em vista a execração des-se tipo de solução em um de seus princi-pais berços – a França – ante a série dedisfunções sociais que se associam aosgrandes conjuntos, a expressão ainda de-tém, no Brasil, um significado claro e con-tinua em uso. Mesmo que não restrito, oespectro de possibilidades que contemplaa presente publicação necessariamenteinclui os conjuntos habitacionais. Incor-poram-se também, a partir da década de

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80 e, mais notadamente, a partir da dé-cada de 90, programas de ajuda-mútuae mutirão, além de programas de urbani-zação de favelas e recuperação de cor-tiços. Nos dois primeiros casos (ajuda-mútua e mutirão), afora possíveis econo-mias no processo da construção, destaca-se a possibilidade de formação de vínculosentre os futuros moradores, o que pro-picia melhor chance de sinergia de longoprazo, permitindo uma consciência coleti-va mais pronunciada na administração deeventuais problemas ambientais, princi-palmente durante a fase de uso. Assim,percebe-se que ajuda-mútua e mutirãosão formas particulares de organizaçãodo trabalho e de administração da cons-trução, cuja influência na geração dos im-pactos ambientais associados é usual-mente muito menor do que nos assenta-mentos precários (favelas). Em progra-mas habitacionais de interesse social as-sociados à urbanização de favelas, as in-tervenções, ainda que orientadas por le-gislações específicas, se caracterizam pelaflexibilização pronunciada ante os requi-sitos urbanísticos usuais. Nesta modali-dade de intervenção, ainda que o plane-jamento e a elaboração de projetos façamparte do processo, verifica-se uma acen-tuada tendência à resolução de problemasna própria execução das obras, nas fren-tes de trabalho. Mesmo que ocorram pro-blemas ambientais na implementaçãodeste tipo de programa, e que seus impac-tos devam ser igualmente ponderados,

sua função é justamente atenuar ouanular impactos já instalados. No entanto,ainda que tal modalidade de intervençãonão seja tratada com centralidade no pre-sente trabalho, acredita-se que o mesmoapresente subsídios também para pro-gramas relacionados à urbanização deassentamentos precários.

2. Área construída - A segunda vertente deconceitos associa primordialmente o ca-ráter de interesse social à área construídada unidade habitacional. Tendo em vista,porém, as transformações do mercadoimobiliário, mais notadamente nas últimasduas décadas, imóveis com área inferioraos 60 m2 assumidos como limite no Có-digo Sanitário passam hoje a interessara camadas da população não enquadrá-veis como população carente, principal-mente nos grandes centros urbanos. Emum caso extremo, poder-se-ia, com gran-de desvio, enquadrar flats luxuosos nacategoria interesse social utilizando-seaquele parâmetro da definição. Na outraponta, a mesma definição também semostra inconveniente, pois famílias muitonumerosas, com renda muito baixa, po-dem demandar áreas superiores a 60 m2

para habitar com razoável dignidade.

3. Unidade habitacional isolada - Uma ter-ceira vertente estende à unidade habi-tacional isolada a possibilidade de enqua-dramento no âmbito aqui estudado, desdeque a unidade em questão seja construídasegundo planta fornecida pelo Poder

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Público. Ainda que, sob o ponto de vistasocial, esse expediente seja justo, poisinflui até mesmo na futura tributação queincidirá sobre o imóvel, verifica-se certadisparidade entre o conceito e os propó-sitos do presente trabalho, onde têm sig-nificado apenas intervenções mais amplasque o restrito âmbito do lote individualisolado. Além disso, acredita-se ser maispertinente gerenciar os problemas am-bientais associados a este tipo de situaçãopelo trato geral do loteamento - e não dotrato isolado do lote individual.

4. Situação anterior de moradia - Uma quar-ta vertente nos conceitos citados toca aquestão da situação anterior de moradiado interessado ou eventual usuário de umempreendimento de interesse social, pri-vilegiando apenas os que moram em si-tuação precária. Tal condição se mostraabsolutamente adequada, e deve ser tra-tada na abordagem ambiental integrada.Entretanto, não deve constituir parâmetrosine qua non para estabelecer o interessesocial, que deve vincular ao novo empre-endimento também outras condições, nãose restringindo a sua situação anterior demoradia.

5. Renda familiar - Uma quinta vertente deconceitos diz respeito à renda familiar, que,por exemplo, no critério adotado na legis-lação do município de São Paulo, deixa,no mínimo, algum espaço para discussãono que diz respeito à renda máxima (12salários mínimos) adotada como limite

para enquadramento na faixa de interessesocial, por alguns considerado como muitoelevado. No âmbito da presente publica-ção, apesar de tratar especificamente deempreendimentos para a população debaixa renda, torna-se indesejável discutirqual deve ser a renda familiar máxima parase caracterizar o interesse social, pois,além da subjetividade do valor, sempreexistirão variações regionais para suaparametrização. Ainda que se acredite quea faixa de renda da família a atender sejao fator relevante em seu enquadramentona categoria de interesse social, tambémse acredita que o mais adequado seja dei-xar sua quantificação por conta de cadamunicípio ou estado.

6. Agentes promotores - Na sexta vertentede conceitos, caracterizam-se agentespromotores autorizados a conduzir pro-gramas habitacionais de interesse social,seja isoladamente, seja por meio de con-vênios envolvendo a esfera pública e aesfera privada ou não-governamental.Assim, podemos encontrar desde empre-endimentos liderados por órgãos públicos(que ocorrem freqüentemente com aparticipação conjunta de instituições pri-vadas das áreas de projeto e de cons-trução) até empreendimentos conduzidosexclusivamente pelo setor privado. Con-sideram-se aqui como setor privado tantoos representantes da denominada indús-tria imobiliária como as diversas formasde associação de interessados em produ-

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zir e em adquirir habitações, como osInocoops, cooperativas de diversas cate-gorias profissionais, entre outras. A essesetor privado têm cabido dois principaissegmentos de atuação: o da produção deloteamentos para as camadas de rendamais baixa da população e dos empreen-dimentos com características de conjun-tos habitacionais associados principal-mente à população de renda média, nes-te caso envolvendo também a construçãodas unidades habitacionais. Ao Poder Pú-blico associa-se inicialmente a produçãode conjuntos habitacionais, englobandoo parcelamento do solo em lotes de carac-terísticas condominiais, com edifícios deapartamentos de até cinco pavimentos,ou lotes com habitações unifamiliares tér-reas, isoladas ou geminadas, no geralevolutivas. Com a incapacidade de se aten-der às camadas mais pobres da popula-ção, passam a ser incorporadas também,paulatinamente, aos programas conduzi-dos pelo Estado, formas mais modestasde intervenção, tais como lotes urbaniza-dos (que se confundem facilmente comsimples parcelamentos de solo com dota-ção de infra-estrutura), associados ou nãoa unidades embriões. Neste caso, o lotevem, no geral, acompanhado por um pro-jeto de unidade habitacional que o mora-dor, a princípio, deveria seguir, dispondoainda de orientação técnica fornecida peloPoder Público. Apesar da atuação diferen-ciada, julga-se que não cabem, para o en-quadramento de interesse social, restri-

ções quanto ao agente promotor, no quediz respeito à avaliação das questõesambientais associadas aos empreen-dimentos. Acredita-se que, seja o agentepromotor público ou privado, independen-temente de diferenciações quanto a nor-mas urbanísticas aplicáveis, há impactosambientais associados, que deverão seranalisados segundo os mesmos refe-renciais. Além disso, para as situações deempreendimentos em que o agente pro-motor é o setor privado, sempre deveráhaver a responsabilidade de órgãos pú-blicos na normalização, aprovação e mo-nitoramento desses empreendimentos.

Diante do já descrito, incluindo defini-ções legais e modalidades típicas de produçãode assentamentos, cabe sugerir, para maiorclareza, um conceito próprio de empreendi-mento habitacional de interesse social a apli-car no presente trabalho. Para os objetivosdesta publicação, considera-se empreendi-mento habitacional de interesse social a inter-venção para fins habitacionais voltada à po-pulação de baixa renda, espacialmente con-centrada, seja ela de pequeno, médio ougrande porte, inclua ela apenas o parcela-mento do solo e/ou a construção de edifica-ções, considerando como agente promotortanto o setor público quanto o privado.

2.2 MEIO AMBIENTE

Atendendo também o objetivo deste tra-balho, de abordagem ambiental integrada nosempreendimentos habitacionais de interesse

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social, outro referencial conceitual aqui utili-zado deve ser melhor estabelecido: o de meioambiente. Entende-se que o mesmo consisteem um determinado espaço que apresentaum equilíbrio dinâmico entre as forças con-correntes dos meios físico, biótico e antrópico,as quais se organizam em um sistema derelações extremamente complexas e sensíveisàs modificações de seus elementos constituin-tes. Portanto, o meio ambiente é compostoao mesmo tempo por um espaço e por umsistema de relações, que se desenvolvem nes-se espaço, por meio de trocas de energia ematéria, e cujas alterações podem desenca-dear reações, modificando sua dinâmica.

O homem, com suas ações e sua com-ponente cultural, faz parte do ambiente,sempre participando na sua dinâmica, sendofundamental que se estabeleçam critériospara evitar ou mitigar impactos negativos de-correntes de suas atividades. A tomada demedidas preventivas ou o enfrentamento deproblemas já instalados, decorrentes de am-bientes construídos inadequadamente, bus-cando a melhoria da obra e a própria otimi-zação dos investimentos, exigem uma visãoda interferência humana no ambiente sobuma perspectiva de relação e de mudanças(em quantidade ou qualidade). Seu trata-mento integrado constitui a proposta apre-sentada: instrumentos de gestão ambientaldesenvolvidos a partir de um enfoque sistê-mico da dinâmica do ambiente, considerandoseus processos de acordo com as condiçõesoriginais do meio e suas alterações decor-

rentes das atividades inerentes às diferentesfases do empreendimento.

Cada um dos processos existentes, aoser alterado por uma determinada atividade,é acelerado ou retardado, podendo até sereliminado ou mesmo se criar um novo pro-cesso no local. Experiências em análise deprocessos naturais e/ou induzidos têm de-monstrado que na dinâmica ambiental é fun-damental o entendimento dos processos domeio físico, nem sempre contemplados, ondeos meios biótico e antrópico se integram.

Este trabalho se fundamenta no enten-dimento dos processos atuantes no meioambiente (interação dos processos dos meiosfísico, biótico e antrópico), e suas alteraçõesimpostas pelos processos tecnológicos quecompõem o empreendimento. Tais alteraçõespodem ser traduzidas pelas variações nosparâmetros que caracterizam cada processoambiental e previstas em diretrizes de açõese medidas relacionadas ao empreendimento.

Portanto, visando a abordagem am-biental integrada em um empreendimentohabitacional, o método geral proposto tempor base o modelo mostrado na Figura 2.Nesse contexto, a identificação de prováveisalterações ambientais deve ser analisadaconsiderando seu reflexo na dinâmica domeio ambiente.

Os principais aspectos do meio bióticoestarão tratados não só na interação com osprocessos do meio físico, tal como o signifi-cado da cobertura vegetal nos processos de

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CAPÍTULO 2 - BASES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS

Fonte: FORNASARI FILHO et al. (1992, modificado).

Figura 2 – Processo ambiental alterado a partir de processo tecnológicoassociado ao empreendimento habitacional

movimentos de massa (escorregamento eerosão), mas também de acordo com seupapel no ambiente construído e na melhoriada qualidade de vida de seus usuários. Nomeio antrópico, serão tratados mecanismosde controle de qualidade relativos ao desem-penho do empreendimento e as relações hu-manas naquele espaço e circunvizinhança.

Alguns exemplos de alterações dos pro-cessos ambientais, em decorrência de umempreendimento habitacional, são apresen-

tados no Quadro 1, conforme os segmentosdo meio ambiente. As alterações previstassão discutidas qualitativamente de acordocom sua importância em termos de altera-ções ambientais, nas quais devem ser incluí-das também aquelas relacionadas ao custodas obras, à qualidade de vida dos usuáriose às relações com outras ocupações já exis-tentes ou previstas. Dessa forma, trata-se omeio ambiente em sua totalidade, refletindotambém o seu segmento antrópico.

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Quadro 1 – Alguns exemplos de alterações ambientais decorrentes deempreendimento habitacional, segundo o segmento considerado

Segmentos do

Meio Ambiente Alteração de Processos

- aceleração do processo erosivo;- ocorrência de escorregamentos (solo e rocha);- aumento de áreas inundáveis ou de alagamento;

Meio Físico - ocorrência de subsidência do solo;- diminuição da infiltração de água no solo;- contaminação do solo e das águas superficiais e subterrâneas;- aumento da quantidade de partículas sólidas e gases na atmosfera; e- aumento da propagação de ondas sonoras.

- supressão da vegetação;- degradação da vegetação pelo efeito de borda;

Meio Biótico - degradação da vegetação pela deposição de partículas sólidas nas folhas;- danos à fauna; e- incômodos à fauna.

- aumento pela demanda por serviços públicos (coleta de lixo, correios)e demais questões de infra-estrutura;

- aumento do consumo de água e energia;

Meio Antrópico- aumento de operações/transações comerciais;- aumento da arrecadação de impostos;- aumento da oferta de empregos;- aumento do tráfego;- alteração na percepção ambiental; e

- modificação de referências culturais.

A partir da caracterização e análise dosprocessos originais e sua alteração provávelpelas atividades do empreendimento, em suasdiversas fases, pode-se propor instrumentospráticos de gestão ambiental. Em face da pers-pectiva de abordagem ambiental integrada emempreendimentos habitacionais, contem-plam-se a Avaliação de Impacto Ambiental –AIA, estabelecida por normas legais (intru-mento aplicado especialmente ao planejamen-to, mas que se estende às fases de construção

e ocupação), e, relacionados a normas téc-nicas, o Sistema de Gestão Ambiental – SGA(instrumento aplicado especialmente às fasesde construção e ocupação, mas que deve serprevisto desde o planejamento) e a AuditoriaAmbiental – AA (instrumento aplicado espe-cialmente às fases de construção e ocupação).Esses instrumentos são aplicados por meiode programas, os quais podem, também, serestabelecidos e integrados em planejamentosde gestão ambiental mais simplificados.