hfhf

35
5/24/2018 hfhf-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/hfhf55cf96a9550346d0338cf931 1/35  Monteiro Lobato REINAÇÕES DE NARIZINHO  Edição Integral e Ilustrada  Digitalização e Revisão  Arlindo_San  Narizinho Arrebitado I - Narizinho  Numa casinha branca, lá no sítio do Pica-pau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz, segue seu caminho pensando:  Ð Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto...  Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós, porque vive em companhia da mais encantadora das netas Ð Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, ou Narizinho como todos dizem.  Narizinho tem sete anos, é morena como jambo, gosta muito de pipoca e já sabe fazer uns bolinhos de polvilho bem gostosos.  Na casa ainda existem duas pessoas Ð tia Nastácia, negra de estimação que carregou Lúcia em pequena, e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo. Emília foi feita por tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas t lá em cima que é ver uma bruxa. Apesar disso Narizinho gosta muito dela; não almoça nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomodá-la numa redinha entre dois pés de cadeira.  Além da boneca, o outro encanto da menina é o ribeirão que passa pelos fundos do pomar. Suas águas, muito apressadinhas e mexeriqueiras, correm por entre pedras negras de limo, que Lúcia chama as ªtias Nastácias do rioº.  Todas as tardes Lúcia toma a boneca e vai passear à beira d'água, onde se senta na raiz dum velho ingazeiro para dar farelo de pão aos lambaris.  Não há peixe do rio que a não conheça; assim que ela aparece, todos acodem numa grande faminteza. Os mais miúdos chegam pertinho; os graúdos parece que desconfiam da boneca, pois ficam ressabiados, a espiar de longe. E nesse divertimento leva a menina horas, até que tia Nastácia apareça no portão do pomar e grite na sua voz sossegada:  Ð Narizinho, vovó está chamando!... II - Uma vez...  Uma vez, depois de dar comida aos peixinhos, Lúcia sentiu os olhos pesados de sono. Deitou-se na grama com a boneca no braço e ficou seguindo as nuvens que passeavam pelo céu, formando ora castelos, ora camelos. E já ia dormindo, embalada pelo mexerico das águas, quando sentiu cócegas no rosto. Arregalou os olhos: um peixinho vestido de gente estava de pé na ponta do seu nariz.  Vestido de gente, sim! Trazia casaco vermelho, cartolinha na cabeça e guarda-chuva na mão Ð a maior das galantezas! O peixinho olhava para o nariz de Narizinho com rugas na testa, como quem não está entendendo nada do que vê.  A menina reteve o fôlego de medo de o assustar, assim ficando até que sentiu cócegas na testa. Espiou com o rabo dos olhos. Era um besouro que pousara ali. Mas um besouro também vestido de gente, trajando sobrecasaca preta, óculos e bengala.  Lúcia imobilizou-se ainda mais, tão interessada estava achando aquilo.  Ao ver o peixinho, o besouro tirou o chapéu, respeitosamente.  Ð Muito boas tardes, senhor príncipe! Ð disse ele.  Ð Viva, mestre Cascudo! Ð foi a resposta.  Ð Que novidade traz Vossa Alteza por aqui, príncipe?  Ð É que lasquei duas escamas do filé e o doutor Caramujo me receitou ares do campo. Vim tomar o remédio neste prado que é muito meu conhecido, mas encontrei cá este morro que me parece estranho Ð e o príncipe bateu com a biqueira do guarda-chuva na ponta do nariz de Narizinho e disse:  Ð Creio que é de mármore Ð observou.  Os besouros são muito entendidos em questões de terra, pois vivem a cavar buracos. Mesmo assim aquele besourinho de sobrecasaca não foi capaz de adivinhar que qualidade de ªterraº era aquela. Abaixou-se, ajeitou os óculos no bico,

Upload: justin-jimenez

Post on 13-Oct-2015

8 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Monteiro LobatoREINAES DE NARIZINHO Edio Integral e Ilustrada Digitalizao e Reviso Arlindo_San Narizinho ArrebitadoI - Narizinho Numa casinha branca, l no stio do Pica-pau Amarelo, mora uma velha demais de sessenta anos. Chama-se dona Benta. Quem passa pela estrada e a v navaranda, de cestinha de costura ao colo e culos de ouro na ponta do nariz, segue seucaminho pensando: Que tristeza viver assim to sozinha neste deserto... Mas engana-se. Dona Benta a mais feliz das vovs, porque vive emcompanhia da mais encantadora das netas Lcia, a menina do narizinhoarrebitado, ou Narizinho como todos dizem. Narizinho tem sete anos, morena como jambo, gosta muito de pipoca e jsabe fazer uns bolinhos de polvilho bem gostosos. Na casa ainda existem duas pessoas tia Nastcia, negra de estimao quecarregou Lcia em pequena, e Emlia, uma boneca de pano bastante desajeitada decorpo. Emlia foi feita por tia Nastcia, com olhos de retrs preto e sobrancelhas tol em cima que ver uma bruxa. Apesar disso Narizinho gosta muito dela; noalmoa nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomod-la numaredinha entre dois ps de cadeira. Alm da boneca, o outro encanto da menina o ribeiro que passa pelosfundos do pomar. Suas guas, muito apressadinhas e mexeriqueiras, correm porentre pedras negras de limo, que Lcia chama as tias Nastcias do rio. Todas as tardes Lcia toma a boneca e vai passear beira d'gua, onde sesenta na raiz dum velho ingazeiro para dar farelo de po aos lambaris. No h peixe do rio que a no conhea; assim que ela aparece, todos acodemnuma grande faminteza. Os mais midos chegam pertinho; os grados parece quedesconfiam da boneca, pois ficam ressabiados, a espiar de longe. E nessedivertimento leva a menina horas, at que tia Nastcia aparea no porto do pomar egrite na sua voz sossegada: Narizinho, vov est chamando!...II - Uma vez... Uma vez, depois de dar comida aos peixinhos, Lcia sentiu os olhos pesadosde sono. Deitou-se na grama com a boneca no brao e ficou seguindo as nuvens quepasseavam pelo cu, formando ora castelos, ora camelos. E j ia dormindo,embalada pelo mexerico das guas, quando sentiu ccegas no rosto. Arregalou osolhos: um peixinho vestido de gente estava de p na ponta do seu nariz. Vestido de gente, sim! Trazia casaco vermelho, cartolinha na cabea eguarda-chuva na mo a maior das galantezas! O peixinho olhava para o nariz deNarizinho com rugas na testa, como quem no est entendendo nada do que v. A menina reteve o flego de medo de o assustar, assim ficando at que sentiuccegas na testa. Espiou com o rabo dos olhos. Era um besouro que pousara ali. Masum besouro tambm vestido de gente, trajando sobrecasaca preta, culos e bengala. Lcia imobilizou-se ainda mais, to interessada estava achando aquilo. Ao ver o peixinho, o besouro tirou o chapu, respeitosamente. Muito boas tardes, senhor prncipe! disse ele. Viva, mestre Cascudo! foi a resposta. Que novidade traz Vossa Alteza por aqui, prncipe? que lasquei duas escamas do fil e o doutor Caramujo me receitou aresdo campo. Vim tomar o remdio neste prado que muito meu conhecido, masencontrei c este morro que me parece estranho e o prncipe bateu com a biqueirado guarda-chuva na ponta do nariz de Narizinho e disse: Creio que de mrmore observou. Os besouros so muito entendidos em questes de terra, pois vivem a cavarburacos. Mesmo assim aquele besourinho de sobrecasaca no foi capaz de adivinharque qualidade de terra era aquela. Abaixou-se, ajeitou os culos no bico,examinou o nariz de Narizinho e disse: Muito mole para ser mrmore. Parece antes requeijo. Muito moreno para ser requeijo. Parece antes rapadura volveu oprncipe. O besouro provou a tal terra com a ponta da lngua. Muito salgada para ser rapadura. Parece antes... Mas no concluiu, porque o prncipe o havia largado para ir examinar assobrancelhas. Sero barbatanas, mestre Cascudo? Venha ver. Por que no leva algumaspara os seus meninos brincarem de chicote? O besouro gostou da idia e veio colher as barbatanas. Cada fio que arrancavaera uma dorzinha aguda que a menina sentia e bem vontade teve ela de o espantardali com uma careta! Mas tudo suportou, curiosa de ver em que daria aquilo. Deixando o besouro s voltas com as barbatanas, o peixinho foi examinar asventas. Que belas tocas para uma famlia de besouros! exclamou. Por que no se muda para aqui, mestre Cascudo? Sua esposa havia degostar desta repartio de cmodos. O besouro, com o feixe de barbatanas debaixo do brao, l foi examinar astocas. Mediu a altura com a bengala. Realmente, so timas disse ele. S receio que more aqui dentroalguma fera peluda. E para certificar-se cutucou bem l no fundo. Hu! Hu! Sai fora, bicho imundo!... No saiu fera nenhuma, mas como a bengala fizesse ccegas no nariz deLcia, o que saiu foi um formidvel espirro Atchim!... e os dois bichinhos,pegados de surpresa, reviraram de pernas para o ar, caindo um grande tombo nocho. Eu no disse? exclamou o besouro, levantando-se e escovando com amanga a cartolinha suja de terra. , sim, ninho de fera, e de fera espirradeira!Vou-me embora. No quero negcios com essa gente. At logo, prncipe! Faovotos para que sare e seja muito feliz. E l se foi, zumbindo que nem um avio. O peixinho, porm, que era muitovalente, permaneceu firme, cada vez mais intrigado com a tal montanha queespirrava. Por fim a menina teve d dele e resolveu esclarecer todo o mistrio.Sentou-se de sbito e disse: No sou montanha nenhuma, peixinho. Sou Lcia, a menina que todos osdias vem dar comida a vocs. No me reconhece? Era impossvel reconhec-la, menina. Vista de dentro d'gua parece muitodiferente... Posso parecer, mas garanto que sou a mesma. Esta senhora aqui a minhaamiga Emlia. O peixinho saudou respeitosamente a boneca, e em seguida apresentou-secomo o prncipe Escamado, rei do reino das guas Claras. Prncipe e rei ao mesmo tempo! exclamou a menina batendo palmas. Que bom, que bom, que bom! Sempre tive vontade de conhecer um prncipe-rei. Conversaram longo tempo, e por fim o prncipe convidou-a para uma visitaao seu reino. Narizinho ficou no maior dos assanhamentos. Pois vamos e j gritou antes que tia Nastcia me chame. E l se foram os dois de braos dados, como velhos amigos. A boneca seguiaatrs sem dizer palavra. Parece que dona Emlia est emburrada observou o prncipe. No burro, no, prncipe. A pobre muda de nascena. Ando procurade um bom doutor que a cure. H um excelente na corte, o clebre doutor Caramujo. Emprega umasplulas que curam todas as doenas, menos a gosma dele. Tenho a certeza de que odoutor Caramujo pe a senhora Emlia a falar pelos cotovelos. E ainda estavam discutindo os milagres das famosas plulas quando chegarama certa gruta que Narizinho jamais havia visto naquele ponto. Que coisa estranha! Apaisagem estava outra. aqui a entrada do meu reino disse o prncipe. Narizinho espiou, commedo de entrar. Muito escura, prncipe. Emlia uma grande medrosa. A resposta do peixinho foi tirar do bolso um vaga-lume de cabo de arame,que lhe servia de lanterna viva. A gruta clareou at longe e a boneca perdeu omedo. Entraram. Pelo caminho foram saudados com grandes marcas de respeito, por vriascorujas e numerosssimos morcegos. Minutos depois chegavam ao porto do reino.A menina abriu a boca, admirada. Quem construiu este maravilhoso porto de coral, prncipe? to bonito que at parece um sonho. Foram os Plipos, os pedreiros mais trabalhadores e incansveis do mar.Tambm meu palcio foi construdo por eles, todo de coral rosa e branco. Narizinho ainda estava de boca aberta quando o prncipe notou que o portono fora fechado naquele dia. a segunda vez que isto acontece observou ele com cara feia. Aposto que o guarda est dormindo. Entrando, verificou que era assim. O guarda dormia um sono roncado. Esseguarda no passava dum sapo muito feio, que tinha o posto de major no exrcitomarinho. Major Agarra-e-no-larga-mais. Recebia como ordenado cem moscas por dia para que ali ficasse, de lana empunho, capacete na cabea e a espada cinta, sapeando a entrada do palcio. OMajor, porm, tinha o vcio de dormir fora de horas, e pela segunda vez foraapanhado em falta. O prncipe ajeitou-se para acord-lo com um pontap na barriga, mas amenina interveio. Espere prncipe! Eu tenho uma idia muito boa. Vamos vestir este sapo demulher, para ver a cara dele quando acordar. E sem esperar resposta, foi tirando a saia da Emlia e vestindo-a, muitodevagarinho, no dorminhoco. Ps-lhe tambm a touca da boneca em lugar docapacete, e o guarda-chuva do prncipe em lugar de lana. Depois o deixou assimtransformado numa perfeita velha coroca, disse ao prncipe: Pode chutar agora. O prncipe, zs!... pregou-lhe um valente pontap na barriga. Hum!... gemeu o sapo, abrindo os olhos, ainda cego de sono. O prncipe engrossou a voz e ralhou: Bela coisa. Major! Dormindo como um porco e ainda por cima vestido develha coroca... Que significa isto? O sapo, sem compreender coisa nenhuma, mirou-se apatetadamente numespelho que havia por ali. E botou a culpa no pobre espelho. mentira dele, prncipe! No acredite. Nunca fui assim... Voc de fato nunca foi assim explicou Narizinho. Mas, comodormiu escandalosamente durante o servio, a fada do sono o virou em velha coroca.Bem feito... E por castigo ajuntou o prncipe est condenado a engolir cempedrinhas redondas, em vez das cem moscas do nosso trato. O triste sapo derrubou um grande beio, indo, muito jururu, encorujar-se aum canto.III - No palcio O prncipe consultou o relgio. Estou na hora da audincia murmurou. Vamos depressa, que tenhomuitos casos a atender. L se foram. Entraram diretamente para a sala do trono, no qual a menina sesentou a seu lado, como se fosse uma princesa. Linda sala! Toda dum coral cor deleite, franjadinho como musgo e penduradinho de pingentes de prola, que tremiamao menor sopro. O cho, de ncar furta-cor, era to liso que Emlia escorregou trs vezes. O prncipe deu o sinal de audincia batendo com uma grande prola negranuma concha sonora. O mordomo introduziu os primeiros queixosos. Um bando demoluscos nus que tiritavam de frio. Vinham queixar-se dos Bernardos Eremitas. Quem so esses Bernardos? indagou a menina. So uns caranguejos que tm o mau costume de se apropriarem dasconchas destes pobres moluscos, deixando-os em carne viva no mar. Os pioresladres que temos aqui. O prncipe resolveu o caso mandando dar uma concha nova a cada molusco. Depois apareceu uma ostra a se queixar dum caranguejo que lhe havia furtadoa prola. Era uma prola ainda novinha e to galante! disse a ostra, enxugando aslgrimas. Ele raptou-a s de mau, porque os caranguejos no se alimentam deprolas, nem as usam como jias. Com certeza j a largou por a nas areias... O prncipe resolveu o caso mandando dar ostra uma prola nova do mesmotamanho. Nisto surgiu na sala, muito apressada e aflita, uma baratinha de mantilha, quefoi abrindo caminho por entre os bichos at alcanar o prncipe. A senhora por aqui? exclamou este, admirado. Que deseja? Ando atrs do Pequeno Polegar respondeu a velha. H duas semanasque fugiu do livro onde mora e no o encontro em parte nenhuma. J percorri todosos reinos encantados sem descobrir o menor sinal dele. Quem esta velha? perguntou a menina ao ouvido do prncipe. Parece que a conheo... Com certeza, pois no h menina que no conhea a clebre DonaCarochinha das histrias, a baratinha mais famosa do mundo. E voltando-se para a velha: Ignoro se o Pequeno Polegar anda aqui pelo meu reino. No o vi, nem tivenotcias dele, mas a senhora pode procur-lo. No faa cerimnia... Por que ele fugiu? indagou a menina. No sei respondeu dona Carochinha mas tenho notado que muitosdos personagens das minhas histrias j andam aborrecidos de viverem toda a vidapresos dentro delas. Querem novidade. Falam em correr mundo a fim de se meteremem novas aventuras. Aladino queixa-se de que sua lmpada maravilhosa estenferrujando. A Bela Adormecida tem vontade de espetar o dedo noutra roca paradormir outros cem anos. O Gato de Botas brigou com o marqus de Carabs e querir para os Estados Unidos visitar o Gato Flix. Branca de Neve vive falando emtingir os cabelos de preto e botar ruge na cara. Andam todos revoltados, dando-meum trabalho para cont-los. Mas o pior que ameaam fugir, e o Pequeno Polegarj deu o exemplo. Narizinho gostou tanto daquela revolta que chegou a bater palmas de alegria,na esperana de ainda encontrar pelo seu caminho algum daqueles queridospersonagens. Tudo isso continuou dona Carochinha por causa do Pinquio, doGato Flix e sobretudo de uma tal menina do narizinho arrebitado que todos desejammuito conhecer. Ando at desconfiada que foi essa diabinha quem desencaminhouPolegar, aconselhando-o a fugir. O corao de Narizinho bateu apressado. Mas a senhora conhece essa tal menina? perguntou, tapando o narizcom medo de ser reconhecida. No a conheo respondeu a velha mas sei que mora numa casinhabranca, em companhia de duas velhas corocas. Ah, por que foi dizer aquilo? Ouvindo chamar dona Benta de velha coroca,Narizinho perdeu as estribeiras. Dobre a lngua! gritou vermelha de clera. Velha coroca vosmec,e to implicante que ningum mais quer saber das suas histrias emboloradas. Amenina do narizinho arrebitado sou eu, mas fique sabendo que mentira que eu hajadesencaminhado o Pequeno Polegar, aconselhando-o a fugir. Nunca tive essa belaidia, mas agora vou aconselh-lo, a ele e a todos os mais, a fugirem dos seus livrosbolorentos, sabe? A velha, furiosa, ameaou-a de lhe desarrebitar o nariz da primeira vez emque a encontrasse sozinha. E eu arrebitarei o seu, est ouvindo? Chamar vov de coroca! Quedesaforo!... Dona Carochinha botou-lhe a lngua. uma lngua muito magra e seca. eretirou-se furiosa da vida, a resmungar que nem uma negra beiuda. O prncipe respirou de alvio ao ver o incidente terminado. Depois encerrou a audincia e disse ao primeiro-ministro: Mande convite a todos os nobres da corte para a grande festa que vou daramanh em honra nossa distinta visitante. E diga a mestre Camaro que ponha ocoche de gala para um passeio pelo fundo do mar. J.IV - O bobinho O passeio que Narizinho deu com o prncipe foi o mais belo de toda a suavida. O coche de gala corria por sobre a areia alvssima do fundo do mar conduzidopor mestre Camaro e tirado por seis parelhas de hipocampos, uns bichinhos comcabea de cavalo e cauda de peixe. Em vez de pingalim, o cocheiro usava os fios desua prpria barba para chicote-los. lept! lept!... Que lindos lugares ela viu! Florestas de coral, bosques de esponjas vivas,campos de algas das formas mais estranhas. Conchas de todos os jeitos e cores.Polvos, enguias, ourios milhares de criaturas marinhas to estranhas que atpareciam mentiras do baro de Munchausen. Em certo ponto Narizinho encontrou uma baleia dando de mamar a vriasbaleinhas novas. Teve a idia de levar para o stio uma garrafa de leite de baleia, spara ver a cara de espanto que dona Benta e tia Nastcia fariam. Mas logo desistiu,pensando: No vale a pena. Elas no acreditam mesmo... Nisto apareceu ao longe um formidvel espadarte. Vinha com o seu compridoesporo de pontaria feita para o cetceo, que como os sbios chamam a baleia. Oprncipe assustou-se. L vem o malvado! disse ele. Esses monstros divertem-se emespetar as pobres baleias como se elas fossem almofadinhas de alfinetes. Vamo-nosembora, que a luta vai ser medonha. Recebendo ordem de voltar, o Camaro estalou as barbas e ps oscabecinhas de cavalo no galope. De volta ao palcio o prncipe deixou a menina e a boneca na gruta dos seustesouros, indo cuidar dos preparativos da festa. Narizinho ps-se a mexer em tudo... Quantas maravilhas! Prolas enormesaos montes. Muitas, ainda na concha, punham as cabecinhas de fora, espiavam amenina e escondiam-se outra vez. De medo da Emlia. Caramujos, ento, era umnunca se acabar. de todos os jeitos possveis e imaginveis. E conchas! Quantas,Deus do cu! Narizinho teria ficado ali a vida inteira, examinando uma por uma todasaquelas jias, se um peixinho de rabo vermelho no viesse da parte do prncipe dizerque o jantar estava na mesa. Foi correndo e achou a sala de jantar ainda mais bonita que a sala do trono.Sentou-se ao lado do prncipe e gabou muito a arrumao da mesa. Artes das senhoras sardinhas disse ele. So as melhoresarrumadeiras do reino. A menina pensou consigo: No toa que sabem arrumar-se to direitinhasdentro das latas... Vieram os primeiros pratos costeletas de camaro, fils de marisco,omeletes de ovos de beija-flor, lingia de minhoca um petisco de que o prncipegostava muito. Enquanto comiam, uma excelente orquestra de cigarras e pernilongos tocavaa msica do fium, regida pelo maestro Tangar, de batuta no bico. Nos intervalostrs vaga-lumes de circo fizeram mgicas lindas, entre as quais foi muito apreciada ade comer fogo. Para lidar com fogo no h como eles. Encantada com tudo aquilo, Narizinho batia palmas e dava gritos de alegria.Em certo momento o mordomo do palcio entrou e disse umas palavras ao ouvidodo prncipe. Pois mande-o entrar respondeu este. Quem ? quis saber a menina. Um anozinho que nos apareceu aqui ontem para contratar-se como boboda corte. Estamos sem bobo desde que o nosso querido Carlito Pirulito foi devoradopelo peixe-espada. O candidato ao cargo de bobo da corte entrou conduzido pelo mordomo, elogo saltou para cima da mesa, pondo-se a fazer graas. Narizinho percebeu incontinenti que o bobinho no passava do PequenoPolegar, vestido com o clssico saiote de guizos e uma carapua tambm de guizosna cabea. Percebeu mas fingiu no ter desconfiado de nada. Como o seu nome? perguntou-lhe o prncipe. Sou o gigante Fura-Bolos! respondeu o bobinho sacudindo os guizos. Polegar no tinha o menor jeito para aquilo. No sabia fazer caretasengraadas, nem dizer coisas que fizessem rir. Narizinho teve um grande d dele edisse-lhe baixinho: Aparea l no stio de vov, senhor Fura-Bolos. Tia Nastcia faz bolinhosmuitos bons para serem furados. V morar comigo, em ar essa vida idiota de boboda corte. Voc no d para isso. Nesse momento reapareceu na sala a baratinha de mantilha, de nariz erguidopara o ar como quem fareja alguma coisa. Achou o fugido? perguntou-lhe o prncipe. Ainda no respondeu ela mas aposto que anda por aqui. Estousentindo o cheirinho dele. E farejou outra vez o ar com o seu nariz de papagaio seco. Apesar de ser muito burrinho, o prncipe desconfiou que o tal Fura-Bolosfosse o mesmo Polegar. Talvez esteja disse ele. Talvez Polegar seja o bobinho que veiooferecer-se para substituir o Carlito Pirulito. Para onde foi? indagou correndo osolhos em redor. Estava aqui ainda agora, no faz meio minuto... Procuraram o bobinho por toda a parte, inutilmente. que a menina, mal viuentrar na sala a diaba da velha, disfaradamente o tinha agarrado e enfiado na mangado vestido. Dona Carochinha remexia por todos os cantos, at dentro das terrinas, sempreresmungona. Est aqui, sim. Estou sentindo o cheirinho dele cada vez mais perto. Destafeita no me escapa. Vendo-a aproximar-se mais e mais, Narizinho perturbou-se. E para disfarargritou: Dona Carochinha est caducando. Polegar usa as botas de sete lguas e, seesteve aqui, j deve estar na Europa. A velha deu uma risada gostosa. No v que no sou boba? Assim que desconfiei que ele andava querendofugir, fui logo tratando de trancar suas botas na minha gaveta. Polegar fugiudescalo e no me escapa. H de escapar, sim! gritou Narizinho em tom de desafio. No escapa, no! retrucou a velha e no me escapa porque j seionde est. Est escondido a na sua manga, ouviu? e avanou para ela. Foi um rebulio na sala. A velha atracou-se com a menina, e certamente que asubjugaria, se a boneca, que estava na mesa ao lado de sua dona, no tivesse tido abela idia de arrancar-lhe os culos e sair correndo com eles. Dona Carochinha no enxergava nada sem culos, de modo que ficou apererecar no meio da sala como cega, enquanto a menina corria a esconder Polegarna gruta dos tesouros, bem l no fundo de uma concha. Fique aqui bem quietinho at que eu volte, recomendou-lhe. E regressou sala, muito lampeira da sua faanha.V - A costureira das fadas Depois do jantar o prncipe levou Narizinho casa da melhor costureira doreino. Era uma aranha de Paris, que sabia fazer vestidos lindos, lindos at no podermais! Ela mesma tecia a fazenda, ela mesma inventava as modas. Dona Aranha disse o prncipe quero que faa para esta ilustre damao vestido mais bonito do mundo. Vou dar uma grande festa em sua honra e querov-la deslumbrar a corte. Disse e retirou-se. Dona Aranha tomou da fita mtrica e, ajudada por seisaranhinhas muito espertas, principiou a tomar as medidas. Depois teceu, depressa,depressa, uma fazenda cor-de-rosa com estrelinhas douradas, a coisa mais linda quese possa imaginar. Teceu tambm peas de fitas e peas de renda e peas de entremeio atcarretis de linha de seda fabricou. Que beleza! ia exclamando a menina, cada vez mais admirada dosprodgios da costureira. Conheo muitas aranhas em casa de vov, mas todas ssabem fazer teias de pegar moscas. Nenhuma capaz de fazer nem um paninho deavental... que tenho mil anos de idade explicou dona Aranha, e sou acostureira mais velha do mundo. Aprendi a fazer todas as coisas. J trabalhei durantemuito tempo no reino das fadas; fui quem fez o vestido de baile de Cinderela e quasetodos os vestidos de casamento de quase todas as meninas que se casaram comprncipes encantados. E para Branca de Neve tambm costurou? Como no? Pois foi justamente quando eu estava tecendo o vu de noivade Branca que fiquei aleijada. A tesoura caiu-me sobre o p esquerdo, rachando oosso aqui neste lugar. Fui tratada pelo doutor Caramujo, que um mdico muitobom. Sarei, embora ficasse manca pelo resto da vida. Acha que esse tal doutor Caramujo capaz de curar uma boneca quenasceu muda? perguntou a menina. Cura, sim. Ele tem umas plulas que curam todas as doenas, excetoquando o doente morre. Enquanto conversavam, dona Aranha ia trabalhando no vestido. Est pronto disse ela por fim. Vamos prov-lo. Narizinho vestiu-se, indo ver-se ao espelho. Que beleza! exclamou, batendo palmas. Estou que nem um cuaberto!... E estava mesmo linda. Linda, to linda no seu vestido de teia cor-de-rosa comestrelinhas de ouro, que at o espelho arregalou os olhos, de espanto. Trazendo em seguida o seu cofre de jias, dona Aranha ps na cabea damenina um diadema de orvalho, e braceletes de rubis do mar nos braos, e anis debrilhantes do mar nos dedos, e fivelas de esmeraldas do mar nos sapatos, e umagrande rosa do mar no peito. Mais linda ainda ficou Narizinho, to mais linda que o espelho arregalou umpouco mais os olhos, comeando a abrir a boca. Pronto? perguntou a menina, deslumbrada. Espere respondeu dona Aranha Costureira. Faltam os ps deborboleta. E ordenou s suas seis filhinhas que trouxessem as caixas de p de borboleta.Escolheu o mais conveniente, que era o famoso p Furta-todas-as-Cores, de tantobrilho que parecia p de cu sem nuvens misturado com p de sol-que-acaba-de-nascer. Polvilhada com ele a menina ficou tal qual um sonho dourado! Linda, tolinda, to mais, mais, mais linda, que o espelho foi arregalando ainda mais os olhos,mais, mais, mais, at que craque!... rachou de alto a baixo em seis fragmentos! Em vez de ficar danada com aquilo, como Narizinho esperava, dona Aranhaps-se a danar de alegria. Ora graas! exclamou num suspiro de alvio. Chegou afinal o dia daminha libertao. Quando nasci, uma fada rabugenta, que detestava minha pobreme, virou-me em aranha, condenando-me a viver de costuras a vida inteira. Nomesmo instante, porm, uma fada boa surgiu, e me deu esse espelho com estaspalavras: No dia em que fizeres o vestido mais lindo do mundo, deixars de seraranha e sers o que quiseres. Que bom! aplaudiu Narizinho. E no que vai a senhora virar? No sei ainda respondeu a aranha. Tenho de consultar o prncipe. Sim, mas no vire em nada antes de fazer destes retalhos um vestido para aEmlia. A pobrezinha no pode comparecer ao baile assim em fraldas de camisacomo est. Agora tarde, menina. O encantamento est quebrado; j no soucostureira. Mas minhas filhas podero fazer o vestido da boneca. No sair grande coisa, porque no tm a minha prtica, mas h de servir.Onde est a senhora Emlia? Narizinho no sabia. Depois que furtou os culos da velha e saiu correndo,ningum mais vira a boneca. Dona Aranha voltou-se para as seis aranhinhas. Minhas filhas disse ela o encanto est quebrado e logo estarei viradano que quiser. Vou portanto abandonar esta vida de costureira, deixando a vocs omeu lugar. O encantamento continua em vocs. Cada uma tem de conservar umpedao do espelho e passar a vida costurando at que consiga um vestido que o faarachar de admirao, como sucedeu ao espelho grande. Nisto o prncipe apareceu. Narizinho contou-lhe toda a histria, inclusive aatrapalhao da aranha quanto escolha do que havia de ser. O prncipe observou que seu reino estava com falta de sereias, sendo muitodo seu agrado que ela virasse sereia. Nunca! protestou Narizinho, que era de muito bons sentimentos. Sereias so criaturas malvadas, cujo maior prazer afundar navios. Antes vireprincesa. Houve grande discusso, sem que nada fosse decidido. Por fim a aranharesolveu no virar em coisa nenhuma. Acho melhor ficar no que sou. Assim, manca duma perna, se viro princesaficarei sendo a Princesa Manca; se viro sereia, ficarei sendo a Sereia Manca etodos caoaro de mim. Alm do mais, como j sou aranha h mil anos, estouacostumadssima. E continuou aranha.VI - A festa do Major Chegou a hora da festa. Dando a mo a Narizinho, o prncipe dirigiu-se salade baile. Como linda! exclamaram os fidalgos l reunidos ao verem-na entrar. Com certeza a filha nica da fada dos Sete Mares... O salo parecia um cu bem aberto. Em vez de lmpadas, viam-sependurados do teto buqus de raios de sol colhidos pela manh. Flores em quantidade, trazidas e arrumadas por beija-flores. Tantas prolassoltas no cho que at se tornava difcil o andar. No houve ostra que no trouxessea sua prola, para pendur-la num galhinho de coral ou jog-la por ali como se fossecisco. E o que no era prola era flor, e o que no era flor era ncar, e o que no erancar era rubi e esmeralda e ouro e diamante. Uma verdadeira tontura de beleza! O prncipe havia convidado s os seres pequeninos, visto ser tambmpequenino e muito delicado de corpo. Se um hipoptamo ou baleia aparecesse por lseria o maior dos desastres. Narizinho correu os olhos pela assistncia. No podia haver nada maiscurioso. Besourinhos de fraque e flores na lapela conversavam com baratinhas demantilha e miostis nos cabelos. Abelhas douradas, verdes e azuis, falavam mal das vespas de cintura fina achando que era exagero usarem coletes to apertados. Sardinhas aos centoscriticavam os cuidados excessivos que as borboletas de toucados de gaze tinhamcom o p das suas asas. Mamangavas de ferres amarrados para no morderem. Ecanrios cantando, e beija-flores beijando flores, e camares camaronando, ecaranguejos caranguejando, tudo que pequenino e no morde, pequeninando e nomordendo. Narizinho e o prncipe danaram a primeira contradana sob os olhares deadmirao da assistncia. Pelas regras da corte, quando o prncipe danava todostinham de manter-se de boca aberta e olhos bem arregalados. Depois comeou agrande quadrilha. Foi a parte de que Narizinho gostou mais. Quantas cenas engraadas! Quantastragdias! Um velho caranguejo que tirara uma gorda taturana para valsar, apertou-atanto nos braos que a furou com o ferro. A pobre dama deu um berro ao verespirrar aquele lquido verde que as taturanas tm dentro de si. Ao mesmo tempoque isso se dava, outro desastre acontecia com um besouro do Instituto Histrico,que tropeou numa prola, caiu e desconjuntou-se todo. O doutor Caramujo foi chamado s pressas para consertar a taturana e obesouro. Que bom cirurgio! exclamou Narizinho, vendo a percia com que elearrolhou a taturana e consertou o besouro. E trabalha cientificamente, refletiu amenina, notando que antes de tratar do doente o doutor nunca deixava de fazer odiagnstico. Amanh sem falta vou levar Emlia ao consultrio dele disse elaao prncipe. E, por falar, onde anda a senhora Emlia? indagou este. Desde abriga com a dona Carochinha que no a vi mais. Nem eu. Acho bom que o senhor prncipe mande procur-la. O peixinho gritou para o mordomo que achasse a boneca sem demora. Enquanto isso o baile prosseguia. Vieram as liblulas, que gozam a fama deser as mais leves danarinas do mundo. De fato! Danam sem tocar os pezinhos nocho voando o tempo inteiro. A linda valsa das liblulas estava na metade quandoo mordomo reapareceu, muito afobado. Dona Emlia foi assaltada por algum bandido! gritou ele. Est l na gruta dos tesouros, estendida no cho, como morta. Imediatamente Narizinho pulou do trono e correu em salvao da sua queridabruxa. Encontrou-a cada por terra, com o rosto arranhado, sem dar o menor acordode si. O doutor Caramujo, chamado com urgncia, despertou-a logo com um bombelisco, depois de fazer o indispensvel diagnstico. Quem ser o monstro que fez isto para a coitada? exclamou a menina,examinando-lhe a cara e vendo-a com um dos olhos de retrs arrancado. Nobastava ser um da, vai ficar cega tambm. Coitadinha da minha Emlia!... Impossvel descobrir o criminoso declarou o prncipe. No h indcios. S depois que o doutor Caramujo cur-la da mudez quepoderemos descobrir alguma coisa. Havemos de tratar disso amanh bem cedo concluiu Narizinho. Agora muito tarde. Estou pendendo de sono... E dando boas noites ao prncipe, retirou-se com Emlia para os seusaposentos. Mas Narizinho no pde dormir. Mal se deitou, ouviu gemidos no jardim quehavia ao lado. Levantou-se. Espiou da janela. Era o sapo que fora vestido de velhacoroca. Boa noite, Major Agarra! Que gemidos to tristes so esses? No estcontente com a sua sainha nova? No caoe, menina, que o caso no para caoada respondeu o pobresapo com voz chorosa. O prncipe condenou-me a engolir cem pedrinhasredondas. J engoli noventa e nove. No posso mais! Tenha d de mim, gentilmenina, e pea ao prncipe que me perdoe. Tanta pena do sapo sentiu Narizinho que mesmo em camisola como estavafoi correndo ao quarto do prncipe, em cuja porta bateu precipitadamente toc, toc,toc!... Quem ? indagou de dentro o peixinho, que estava a despir-se de suasescamas para dormir. Narizinho. Quero que perdoe ao pobre do Major Agarra. Perdoar de qu? exclamou o prncipe, que tinha a memria muito fraca. Pois no o condenou a engolir cem pedrinhas redondas? J engoliunoventa e nove e est engasgado com a ltima. No entra. No cabe! Est l nojardim, de barriga estufada, gemendo e chorando que no me deixa dormir. O prncipe danou. muito estpido o Major! Eu falei aquilo de brincadeira. Diga-lhe quedesengula as pedrinhas e no me incomode. Narizinho foi, pulando de contente, dar a boa notcia ao sapo. Est perdoado, Major! O prncipe manda ordem para desengolir aspedrinhas e voltar ao servio. Por mais esforo que fizesse, o sapo no conseguiu aliviar-se das pedras.Estava empachado. Impossvel! gemeu ele. O nico jeito o doutor Caramujo abrir-mea barriga com a sua faquinha e tirar as pedras uma por uma com o ferro decaranguejo que lhe serve de pina. Nesse caso, muito boa noite, senhor sapo. S amanh poderemos tratardisso. Tenha pacincia e cuide de no morrer at l. O sapo agradeceu a boa ao da menina, prometendo que se pudesse fugir dasgarras do prncipe iria morar no stio de dona Benta para manter a horta limpa delesmas e lagartas. Narizinho recolheu-se de novo, e j ia pulando para a cama quando selembrou do Pequeno Polegar, que deixara escondido na concha. Ah, meu Deus! Que cabea a minha! O coitadinho deve estar cansado deesperar por mim... E foi correndo gruta dos tesouros. Mas perdeu a viagem. Polegar haviadesaparecido com a concha e tudo...VII - A plula falante No outro dia a menina levantou-se muito cedo para levar a boneca aoconsultrio do doutor Caramujo. Encontrou-o com cara de quem havia comido umurutu recheado de escorpies. Que h, doutor? H que encontrei o meu depsito de plulas saqueado. Furtaram-metodas... Que maada! exclamou a menina aborrecidssima. Mas no podefabricar outras? Se quiser, ajudo a enrolar. Impossvel. J morreu o besouro boticrio que fazia as plulas, sem haverrevelado o segredo a ningum. A mim s me restava um cento, das mil que compreidos herdeiros. O miservel ladro s deixou uma e imprpria para o caso porqueno plula falante. E agora? Agora, s fazendo uma certa operao. Abro a garganta da boneca muda eponho dentro uma falinha, respondeu o doutor, pegando na sua faca de ponta paraamolar. J providenciei tudo. Nesse momento ouviu-se grande barulheira no corredor. Que ser? indagou a menina surpresa. o papagaio que vem vindo declarou o doutor. Que papagaio, homem de Deus? Que vem fazer aqui esse papagaio? Mestre Caramujo explicou que como no houvesse encontrado suas plulasmandara pegar um papagaio muito falador que havia no reino. Tinha de mat-lo paraextrair a falinha que ia pr dentro da boneca. Narizinho, que no admitia que se matasse nem formiga, revoltou-se contra abarbaridade. Ento no quero! Prefiro que Emlia fique muda toda a vida a sacrificaruma pobre ave que no tem culpa de coisa nenhuma. Nem bem acabou de falar, e os ajudantes do doutor, uns caranguejos muitoantipticos, surgiram porta, arrastando um pobre papagaio de bico amarrado. Bemque resistia ele, mas os caranguejos podiam mais e eram murros e mais murros. Furiosa com a estupidez, Narizinho avanou de sopapos e pontaps contra osbrutos. No quero! No admito que judiem dele! berrou vermelhinha de clera,desamarrando o bico do papagaio e jogando as cordas no nariz dos caranguejos. O doutor Caramujo desapontou, porque sem plulas nem papagaios eraimpossvel consertar a boneca. E deu ordem para que trouxessem o segundopaciente. Apareceu ento o sapo num carrinho. Teve de vir sobre rodas por causa doestufamento da barriga; parece que as pedras haviam crescido de volume dentro.Como ainda estivesse vestido com a saia e a touca da Emlia, Narizinho viu-seobrigada a tapar a boca para no rir-se em momento to imprprio. O grande cirurgio abriu com a faca a barriga do sapo e tirou com a pina decaranguejo a primeira pedra. Ao v-la luz do sol sua cara abriu-se num sorrisocaramujal. No pedra, no! exclamou contentssimo. uma das minhasqueridas plulas! Mas como teria ela ido parar na barriga deste sapo?... Enfiou de novo a pina e tirou nova pedra. Era outra plula! E assim foi indoat tirar l de dentro noventa e nove plulas. A alegria do doutor foi imensa. Como no soubesse curar sem aquelasplulas, andava com medo de ser demitido de mdico da corte. Podemos agora curar a senhora Emlia declarou ele depois de costurar abarriga do sapo. Veio a boneca. O doutor escolheu uma plula falante e ps-lhe na boca. Engula duma vez! disse Narizinho, ensinando Emlia como se engoleplula. E no faa tanta careta que arrebenta o outro olho. Emlia engoliu a plula, muito bem engolida, e comeou a falar no mesmoinstante. A primeira coisa que disse foi: Estou com um horrvel gosto de sapo naboca! E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que Narizinho,atordoada, disse ao doutor que era melhor faz-la vomitar aquela plula e engoliroutra mais fraca. No preciso explicou o grande mdico. Ela que fale at cansar.Depois de algumas horas de falao, sossega e fica como toda gente. Isto falarecolhida, que tem de ser botada para fora. E assim foi. Emlia falou trs horas sem tomar flego. Por fim calou-se. Ora graas! exclamou a menina. Podemos agora conversar comogente e saber quem foi o bandido que assaltou voc na gruta. Conte o casodireitinho. Emlia empertigou-se toda e comeou a dizer na sua falinha fina de boneca depano: Pois foi aquela diaba da dona Carocha. A coroca apareceu na gruta dascascas... Que cascas, Emlia? Voc parece que ainda no est regulando... Cascas, sim repetiu a boneca teimosamente. Dessas cascas de bichos moles que voc tanto admira e chama conchas. Acoroca apareceu e comeou a procurar aquele boneco... Que boneco, Emlia? O tal Polegada que furava bolos e voc escondeu numa casca bem l nofundo. Comeou a procurar e foi sacudindo as cascas uma por uma para ver qualtinha boneco dentro. E tanto procurou que achou. E agarrou na casca e foi saindocom ela debaixo do cobertor... Da mantilha, Emlia! Do COBERTOR. Mantilha, boba! COBERTOR. Foi saindo com ela debaixo do COBERTOR e eu vi e puleipara cima dela. Mas a coroca me unhou a cara e me bateu com a casca na cabea,com tanta fora que dormi. S acordei quando o doutor Cara de Coruja... Doutor Caramujo, Emlia! Doutor CARA DE CORUJA. S acordei quando o doutor CARA DECORUJSSIMA me pregou um liscabo. Belisco emendou Narizinho pela ltima vez, enfiando a boneca nobolso. Viu que a fala da Emlia ainda no estava bem ajustada, coisa que s o tempopoderia conseguir. Viu tambm que era de gnio teimoso e asneirenta por natureza,pensando a respeito de tudo de um modo especial todo seu. Melhor que seja assim, filosofou Narizinho. As idias de vov e tiaNastcia a respeito de tudo so to sabidas que a gente j as adivinha antes que elasabram a boca. As idias de Emlia ho de ser sempre novidades. E voltou para o palcio, onde a corte estava reunida para outra festa que oprncipe havia organizado. Mas assim que entrou na sala de baile, rompeu umgrande estrondo l fora o estrondo duma voz que dizia: Narizinho, vov est chamando... Tamanho susto causou aquele trovoentre os personagens do reino marinho, que todos se sumiram, como por encanto.Sobreveio ento uma ventania muito forte, que envolveu a menina e a boneca,arrastando-as do fundo do oceano para a beira do ribeirozinho do pomar. Estavamno stio de dona Benta outra vez. Narizinho correu para casa. Assim que a viu entrar,dona Benta foi dizendo: Uma grande novidade, Lcia. Voc vai ter agora um bom companheiroaqui no stio para brincar. Adivinhe quem ? A menina lembrou-se logo do Major Agarra, que prometera vir morar comela. J sei vov! o Major Agarra-e-no-larga-mais. Ele bem me falou quevinha. Dona Benta fez cara de espanto. Voc est sonhando, menina. No se trata de major nenhum. Se no o sapo, ento o papagaio! continuou Narizinho, recordando-se de que tambm o papagaio prometera vir visit-la. Qual sapo, nem papagaio, nem elefante, nem jacar. Quem vem passar unstempos conosco o Pedrinho, filho da minha filha Antonica. Lcia deu trs pinotes de alegria. E quando chega o meu primo? indagou. Deve chegar amanh de manh. Apronte-se. Arrume o quarto de hspedese endireite essa boneca. Onde se viu uma menina do seu tamanho andar com umaboneca em fraldas de camisa e de um olho s? Culpa dela, dona Benta! Narizinho tirou minha saia para vestir o saporajado disse Emlia falando pela primeira vez depois que chegara ao stio. Tamanho susto levou dona Benta, que por um triz no caiu de sua cadeirinhade pernas serradas. De olhos arregaladssimos, gritou para a cozinha: Corra, Nastcia! Venha ver este fenmeno... A negra apareceu na sala, enxugando as mos no avental. Que , sinh? perguntou. A boneca de Narizinho est falando!... A boa negra deu uma risadagostosa, com a beiaria inteira. Impossvel, sinh! Isso coisa que nunca se viu. Narizinho est mangandocom mec. Mangando o seu nariz! gritou Emlia furiosa. Falo, sim, e hei defalar. Eu no falava porque era muda, mas o doutor Cara de Coruja me deu umabolinha de barriga de sapo e eu engoli e fiquei falando e hei de falar a vida inteira,sabe? A negra abriu a maior boca do mundo. E fala mesmo, sinh!... exclamou no auge do assombro. Fala que nem uma gente! Credo! O mundo est perdido... E encostou-se parede para no cair. O STIO DO PICA-PAU AMARELOI - As jabuticabas De volta do reino das guas Claras, Narizinho comeou todas as noites asonhar com o prncipe Escamado, dona Aranha, o doutor Caramujo e mais figuresque conhecera por l. Ficou de jeito que no podia ver o menor inseto sem que sepusesse a imaginar a vida maravilhosa que teria na terrinha dele. E quando nopensava nisso pensava no Pequeno Polegar e nos meios de o fazer fugir de novo dahistria onde o coitadinho vivia preso. Era este o assunto predileto das conversas da menina com a boneca. Faziamplanos de toda sorte, cada qual mais amalucado. Emlia tinha idias de verdadeira louca. Vou l dizia ela e agarro nas orelhas da dona Carocha e dou umpontap naquele nariz de papagaio e pego o Polegada pelas botas e venho correndo. Narizinho ria-se, ria-se... Vai l onde, Emlia? L onde mora a velha. E onde mora a velha? A boneca no sabia, mas no se atrapalhava na resposta. Emlia nunca seatrapalhou nas suas respostas. Dizia as maiores asneiras do mundo, mas respondia. A velha mora com o Pequeno Polegada. Polegar, Emlia! PO-LE-GA-DA. Era teimosa como ela s. Nunca disse doutor Caramujo. Era sempre doutorCara de Coruja. E nunca quis dizer Polegar. Era sempre Polegada. Muito bem concordou a menina. A velha mora com Polegar ePolegar mora com a velha. Mas onde moram os dois? Moram juntos. Narizinho ria-se, dizendo: Possa-se com uma diabinha destas! Dona Benta era outra que achava muita graa nas maluquices da boneca.Todas as noites punha-a ao colo para lhe contar histrias. Porque no havia nomundo quem gostasse mais de histria do que a boneca. Vivia pedindo que lhecontassem a histria de tudo do tapete, do cuco, do armrio. Quando soube quePedrinho, o outro neto de dona Benta, estava para vir passar uns tempos no stio,pediu a histria de Pedrinho. Pedrinho no tem histria respondeu dona Benta rindo-se. ummenino de dez anos que nunca saiu da casa de minha filha Antonica e portanto nadafez ainda e nada conhece do mundo. Como h de ter histria? Essa boa! replicou a boneca. Aquele livro de capa vermelha da suaestante tambm nunca saiu de casa e no entanto tem mais de dez histrias dentro. Dona Benta voltou-se para tia Nastcia. Esta Emlia diz tanta asneira que quase impossvel conversar com ela.Chega a atrapalhar a gente. porque de pano, sinh explicou a preta e dum paninho muitoordinrio. Se eu imaginasse que ela ia aprender a falar, eu tinha feito ela de seda, oupelo menos dum retalho daquele seu vestido de ir missa. Dona Benta olhou para tia Nastcia dum certo modo, como que achandoaquela explicao muito parecida com as da Emlia... Nisto apareceu Narizinho, com uma carta para dona Benta trazida pelocorreio. Letra da sua filha Tonica, vov disse a menina. Com certeza marcando a viagem de Pedrinho. Dona Benta leu. Era isso mesmo. Pedrinho viria dali uma semana. Uma semana ainda? comentou Narizinho, desanimada de tanta demora.Que pena! Tenho tanta coisa a contar a Pedrinho coisas do reino das guasClaras... No sei que reino esse. Voc nunca me falou nele, disse dona Bentacom cara de surpresa. No falei nem falo porque a senhora no acredita. uma beleza de reino,vov! Um palcio de coral que parece um sonho! E o prncipe Escamado, e o doutorCaramujo, e dona Aranha com suas seis filhinhas, e o major Agarra, e o papagaioque salvei da morte quanta coisa!... At baleias vimos l, uma baleia enorme,dando de mamar a trs baleinhas. Vi um milho de coisas mas no posso contar nadanem para vov nem para tia Nastcia porque no acreditam. Para Pedrinho, sim, posso contar tudo, tudo... Dona Benta, de fato, nunca dera crdito s histrias maravilhosas deNarizinho. Dizia sempre: Isso so sonhos de crianas. Mas depois que a meninafez a boneca falar, dona Benta ficou to impressionada que disse para a boa negra: Isto um prodgio tamanho que estou quase crendo que as outras coisasfantsticas que Narizinho nos contou no so simples sonhos, como sempre pensei. Eu tambm acho, sinh. Essa menina levada da breca. bem capaz deter encontrado por a alguma varinha de condo que alguma fada tenha perdido... Eutambm no acreditava no que ela dizia, mas depois do caso da boneca fiquei attranstornada da cabea. Pois onde que j se viu uma coisa assim, sinh, umaboneca de pano, que eu mesma fiz com estas pobres mos, e de um paninho toordinrio, falando, sinh, falando que nem uma gente!... Qual, ou ns estamoscaducando ou o mundo est perdido... E as duas velhas olhavam uma para a outra, sacudindo a cabea. Narizinhono gostava de esperar; ficou pois aborrecida de ter de esperar Pedrinho ainda umasemana inteira. Felizmente era tempo de jabuticabas. No stio de dona Benta havia vrios ps, mas bastava um para que todos seregalassem at enjoar. Justamente naquela semana as jabuticabas tinham chegadono ponto e a menina no fazia outra coisa seno chupar jabuticabas. Volta e meiatrepava rvore, que nem uma macaquinha. Escolhia as mais bonitas, punha-asentre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha de caldo e pluf! caroofora. E tloc, pluf, tloc, pluf, l passava o dia inteiro na rvore. As jabuticabas tinham outros fregueses alm da menina. Um deles era umleito muito guloso, que recebera o nome de Rabic. Assim que via Narizinho trepar rvore, Rabic vinha correndo postar-seembaixo espera dos caroos. Cada vez que soava l em cima um tloc! seguido deum pluf! ouvia-se c embaixo um nhoc! do leito abocanhando qualquer coisa. E amsica da jabuticabeira era assim: tloc! pluf! nhoc! tloc! pluf! nhoc!... Sanhaos tambm, e abelhas e vespas. Vespas em quantidade, sobretudo nofim, quando as jabuticabas ficavam que nem um mel, como dizia Narizinho.Escolhiam as melhores frutas, furavam-nas com o ferro, enfiavam meio corpodentro e deixavam-se ficar muito quietinhas, sugando at carem de bbedas. E no mordiam? No tinham tempo. O tempo era pouco para aproveitarem aquela gostosuraque s durava uns quinze dias. No mordiam um modo de dizer. Nunca tinham mordido, isso sim. Porquejustamente naquela tarde uma mordeu. Estava Narizinho no seu galho, distrada empensar na surpresa que teria o prncipe Escamado se recebesse uma jabuticaba depresente, quando levou boca uma das tais furadinhas, com meia vespa dentro.Dessa vez em lugar do tloc do costume o que soou foi um berro ai! ai! ai!... tobem berrado que l dentro da casa as duas velhas ouviram. Que ser aquilo? exclamou dona Benta assustada. Aposto que vespa, sinh! disse tia Nastcia. Ela no sai dafruteira e, como nunca foi mordida, abusa. Eu vivo dizendo: Cuidado com asvespas! mas no adianta, Narizinho no faz caso. Agora, est a... E foi correndo ao pomar acudir a menina. Encontrou-a j de volta, berrando com a lngua mostra, porque fora bem naponta da lngua que a vespa ferroara. A negra trouxe-a para casa, botou-a no colo edisse: Sossegue, boba, isso no nada. Di mas passa. Ponha a lngua para euarrancar o ferro. Vespa quando morde deixa o ferro no lugar da mordedura. Bempara fora. Assim. Narizinho espichou meio palmo de lngua e tia Nastcia, com muito custo,porque j tinha a vista fraca, pde afinal descobrir o ferrozinho e arranc-lo. Pronto! exclamou mostrando qualquer coisa na ponta duma pina. Est aqui o malvado. Agora ter pacincia e esperar que a dor passe. Se fossemordida de cachorro bravo seria muito pior... Narizinho curtiu a dor por alguns minutos, de lngua inchada e olhosvermelhos, soluando de vez em vez. Depois que a dor passou, foi contar bonecatoda a histria. Bem feito! disse Emlia. Se fosse eu, antes de comer olhava cadafruta, uma por uma, com o binculo de dona Benta. Apesar do acontecido, Narizinho no pde reprimir uma gargalhada, que tiaNastcia ouviu l da cozinha. Narizinho j sarou, disse consigo a preta, e daqui um instantinho esttrepada na rvore outra vez. E tinha razo. Indo dali a pouco ao rio com a trouxa de roupa suja, ao passarpela jabuticabeira parou para ouvir a msica de sempre tloc! pluf! nhoc... Lestava Narizinho trepada rvore. L estavam as vespas com meio corpo metido dentro das frutas. L estavaRabic esperando a queda dos caroos. Est tudo regulando! murmurou consigo a preta, e pondo o pito na bocaseguiu o seu caminho.II - O enterro da vespa De noite, hora de deitar-se, Narizinho lembrou-se de que havia deixado aboneca debaixo da jabuticabeira. Pobre da Emlia! Deve estar morrendo de medo das corujas... e pediu a tiaNastcia que fosse busc-la. A negra foi e trouxe Emlia, toda mida de orvalho, danadssima com oesquecimento da menina. E s com a promessa de um belo vestido novo quedesamarrou o burro. Um vestido de chita cor-de-rosa com pintinhas. E de saia bem comprida. Por que, Emlia? indagou a menina estranhando aquele gosto. Porque sujei a perna aqui no joelho e no quero que aparea. O mais fcil ser lavar o joelho. Deus me livre! Tia Nastcia diz que sou de macela por dentro e por issono posso me molhar. Emboloro. Um dia ainda posso virar condessa e no quero serchamada a condessa do Bolor. Testo, panela, bolor, fedor! Tem razo, Emlia. O melhor fazer umvestido de cauda. Para condessas fica bem. Mas condessas de qu? Quero ser a condessa de Trs Estrelinhas! Acho lindo tudo que de trsestrelinhas. Pois muito bem, Emlia. Desde este momento fica voc nomeada condessade Trs Estrelinhas e para no haver dvida vou pintar trs estrelinhas na sua testa.Todas as criaturas do mundo vo torcer-se de inveja!... Todas menos uma observou a boneca. Quem? A vespa que ferrou sua lngua. Explique-se, Emlia. No estou entendendo nada. Quero dizer que a tal vespa est morta e bem enterrada no fundo da terra explicou a boneca. Assisti a tudo. Quando ela mordeu sua lngua e voc fezpluf! antes de berrar ai! ai! ai!, a jabuticaba cuspida, ainda com a vespa dentro, caiubem perto de mim. Vi ento tudo o que se passou depois que voc desceu da rvore,berrando que nem um bezerro, e l foi de lngua de fora. E a boneca contou direitinho o triste fim da pobre vespa. Ela ficou ainda quase uma hora metida dentro da casca, todaarrebentadinha, movendo ora uma perna, ora outra. Afinal parou. Tinha morrido.Vieram as formigas cuidar do enterro. Olharam, olharam, estudaram o melhor meiode a tirar dali. Chamaram outras e por fim deram comeo ao servio. Cada qual aagarrou por uma perninha e, puxa que puxa, logo a arrancaram de dentro dajabuticaba. E foram-na arrastando por ali afora at cova, que o buraquinho ondeas formigas moram. La pararam espera do fazedor de discursos... Orador, Emlia! FAZEDOR DE DISCURSOS. Veio ele, de discursinho debaixo do brao,escrito num papel e leu, leu, leu que no acabava mais. As formigas ficaramaborrecidas com o besourinho (era um besourinho do Instituto Histrico) e apitaram.Apareceu ento um louva-a-deus policial, de pauzinho na mo. Que h? perguntou. H que estamos cansados e com fome e este famoso orador no acabanunca o seu discurso. Est muito pau, disseram as formigas. Para pau, pau! resolveu o soldado e arrolhou o orador com o seu pauzinho. As formigas, muitocontentes, continuaram o servio e levaram para o fundo da cova o cadver davespa. Em seguida apareceu uma trazendo um letreiro assim, que fincou nummontinho de terra: AQUI NESTE BURACO JAZ UMA POBRE VESPA ASSASSINADA NA FLOR DOS ANOS PELA MENINA DO NARIZ ARREBITADO. ORAI POR ELA! Feito isso, recolheu-se. Era noite quase fechada. No pomar deserto s ficou obesourinho, sempre engasgado com o pau. Queria viva fora continuar o discurso.Por fim conseguiu destapar-se e imediatamente continuou: Neste momentosolene... Nisto um sapo, que ia passando, alumiou o olho dizendo: Espere que eute curo!... Deu um pulo e engoliu o fazedor de discursos! No reparou, Emlia, se esse sapo era o Major Agarra-e-no-larga-mais? perguntou a menina. No era, no! respondeu a boneca. Era o Coronel Come-orador-com-discurso-e-tudo...III - A pescaria Afinal acabaram as jabuticabas. Somente nos galhos bem l do alto queainda se via uma ou outra, todas furadinhas de vespa. Rabic rom, rom, rom, volta e meia aparecia por ali por fora dohbito. Ficava imvel, muito srio, esperando que cassem cascas; mas, como nocasse coisa nenhuma, desistia e retirava-se, rom, rom, rom... Narizinho tambm ainda aparecia de vez em quando de comprida vara namo e nariz para o ar, na esperana de pescar alguma coisa. Arre, menina! gritou l do rio tia Nastcia, numa dessas vezes. Nochegou quase um ms inteiro de tloc, tloc? Largue disso e venha me ajudar aestender esta roupa, que o melhor. Narizinho jogou a vara em cima do leito, que fez coim! e foi correndo para orio, com a Emlia de cabea para baixo no bolso do avental. L teve uma idia: deixar a boneca pescando enquanto ela ajudava a preta. Tia Nastcia, faa um anzolzinho de alfinete para a Emlia. A coitada temtanta vontade de pescar... Era s o que faltava! respondeu a negra, tirando o pito da boca. Eu,com tanto servio, a perder tempo com bobagem. Faz? insistiu a menina. Alfinete, tenho aqui um. Linha, h noalinhavo da minha saia. Vara no falta. Faz? A negra no teve remdio. Como no hei de fazer, demoninho? Fao, sim... Mas se ficar atrasada noservio, a culpa no minha. E fez. Dobrou o alfinete em forma de gancho, amarrou-o na ponta duma linhae descobriu uma vara uma varinha de dois palmos, imaginem! Narizinhocompletou a obra, atando a vara ao brao da boneca. E isca? indagou depois. Isca o de menos, menina. Qualquer gafanhotinho serve. Salta daqui, salta dali, Narizinho conseguiu apanhar um gafanhoto verde.Espetou-o no anzol. Depois arrumou a boneca beira d'gua, muito tensa, com umapedra ao colo para no cair. Agora, Emlia, bico calado! Nenhum pio, seno espanta os peixes. Logoque um deles beliscar, zuct!, d um puxo na linha. E, deixando-a ali, foi ter com a preta. Voc me frita para o jantar o peixinho da Emlia, Nastcia? Frita? Frito, sim! Frito at no dedo!... No caoe, Nastcia! Emlia uma danada. Ningum imagina de quantacoisa ela capaz. Palavras no eram ditas e tchbum!... pescadora de pano revirava dentrod'gua, com pedra e tudo. Acuda, Nastcia! Emlia est se afogando!... gritou a menina aflita. De fato. Um peixe engolira a isca e, lutando por safar-se do anzol, arrastara aboneca para o meio do rio. Tia Nastcia arranjou uma vara de gancho e com muito jeito foi puxando paraa beira do crrego a infeliz pescadora, at o ponto onde a menina a pudesse agarrar. Assim aconteceu. e qual no foi o assombro de Narizinho vendo sair d'gua,presa ao anzol de Emlia, uma trairinha que rabeava como louca! A negra pendurou o beio. Credo! At parece feitiaria! resmungou. Muito contente da aventura, Narizinho disparou para casa com o peixe namo. Vov gritou ela ao entrar, adivinhe quem pescou esta trairinha... Dona Benta olhou e disse: Ora, quem mais! Voc, minha filha. Errou! Tia Nastcia, ento. Qual Nastcia, nada!... Ento foi o saci caoou Dona Benta. Vov no adivinha! Pois foi a Emlia... Est bobeando sua av, minha filha? Juro! Palavra de Deus que foi a Emlia. Pergunte a tia Nastcia, se quiser. A preta vinha entrando com a trouxa de roupa lavada cabea. No foi mesmo, tia Nastcia? No foi Emlia quem pescou a trairinha? Foi, sim, sinh respondeu a preta dirigindo-se para dona Benta. Foia boneca. Sinh no imagina que menina reinadeira essa! Arranjou jeito de botar aboneca pescando na beira do rio e o caso que o peixe t a... Dona Benta abriu a boca. Bem diz o ditado, que quanto mais se vive mais se aprende. Estou com mais de sessenta anos e todos os dias aprendo coisas novas comesta minha neta do chifre furado... Criana de hoje, sinh, j nasce sabendo. No meu tempo, menina assimdesse porte andava no brao da ama, de chupeta na boca. Hoje?... Credo! Nem bom falar... E com a menina danando sua frente, tia Nastcia l foi para a cozinha fritara trara.IV - As formigas ruivas S depois de comer o peixe frito que Narizinho se lembrou da pobreboneca, encharcada pelo banho no rio. A coitada!... bem capaz de apanhar pneumonia... E foi correndo cuidar dela. Despiu-a e p-la num lugar de bastante sol. Dumlado estendeu suas roupinhas molhadas e do outro, a pobre Emlia nua em plo. E jia retirar-se quando a boneca fez cara de choro. Eu aqui no fico sozinha!... Por que, sua enjoada? Tem medo que o leito venha espiar esses cambitosmagros? Espiar no nada, mas ele capaz de me comer. Tia Nastcia diz queRabic devora tudo o que encontra. Nesse caso, penduro voc na rvore. Isso tambm no! protestou Emlia. Alguma vespa pode me ferrar. Boba! No sabe que vespa no ferra pano? Mas se eu cair com o vento? Grande coisa! Boneca de pano quando cai no se machuca. Eu que noposso ficar neste sol tirano espera de que a excelentssima senhora condessa deTrs Estrelinhas seque! Quem mandou molhar-se? Mal agradecida! Se no fosse a minha molhadela voc no comia a trara. Est pensando que era uma grande coisa a tal trara? S espinho... , mas voc comeu-a com espinho e tudo. e at lambeu os beios. Lbios, alis. Beio de boi. Comi porque quis, sabe? No tenho que darsatisfaes a ningum, ahn! e Narizinho ps-lhe a lngua. Emburraram ambas. Narizinho, porm, ficou, porque l no ntimo estava comreceio de deixar a boneca sozinha. Fazia um sol quente e parado. Nas rvores, um ou outro tico-tico s; e nocho, s formiguinhas ruivas. Para matar o tempo a menina ps-se a observar o corre-corre delas,esquecendo a briga com a boneca. J reparou, Emlia, como as formigas conversam? Que pena a gente noentender o que dizem... A gente modo de dizer replicou Emlia porque eu entendo muitobem o que dizem. Srio, Emlia? Srio, sim, Narizinho. Entendo muito bem e, se voc ficar aqui comigo,contarei todas as historinhas que elas conversam. Repare. Vem vindo aquela de l eesta de c. Assim que se encontrarem, vo parar e conversar. Dito e feito. As formiguinhas encontraram-se, pararam e comearam a trocarsinais de entendimento. Fiquei na mesma! disse a menina. Pois eu entendi tudo, declarou a boneca. -A que veio de l disse:Encontrou o cadver do grilinho verde? A que veio de c respondeu: No! A del: Pois volte e procure perto daquela pedra onde mora o besouro manco. Estaformiga que d ordens deve ser alguma dona-de-casa l do formigueiro. E repareseus modos de mandona; est sempre a entrar e sair do buraquinho, como quemdirige um servio. A outra com certeza uma simples carregadeira. Havia de ser isso mesmo, porque logo depois chegou uma terceira, muitoapressada, que cochichou com a mandona e l se foi mais apressada ainda. Que que disse esta? perguntou Narizinho. Disse que haviam descoberto uma bela minhoca perto da porteira, mas queprecisavam de ajutrio para conduzi-la. Emlia, voc esta me bobeando! exclamou a menina desconfiada. Vou ver, e se no for verdade voc me paga. Espere a... E disparou em direo da porteira. Procura que procura, logo achou em certoponto uma pobre minhoca corcoveando com vrias formiguinhas ferradas no seulombo. Teve vontade de libertar a prisioneira, mas a curiosidade de ver o queaconteceria foi maior e deixou a triste minhoca entregue ao seu trgico destino. Novas formiguinhas foram chegando, que de um bote zs!... ferravam aminhoca sem d. No demorou muito e j eram mais de vinte. A minhoca bem queespinoteou; por fim, exausta, foi moleando o corpo at que morreu bem morrida. Asformiguinhas ento principiaram a arrast-la para o formigueiro. Que custo! A minhoca era das mais gordas, pesando umas sete arrobas arrobinhas de formiga, e alm disso ia enganchando pelo caminho em quantopedregulho ou capim havia; mas as carregadeiras sabiam dar volta a todos osembaraos. Depois de meia hora de trabalheira deram com a minhoca na boca doformigueiro. A, nova atrapalhao. Por mais que experimentassem, no houve jeitode recolh-la inteira. Nisto apareceu a formiga mandona. Examinou o caso e deuordem para que a picassem em vrios roletes. Aquilo foi zs-trs! Em trs tempos fez-se o servio e os roletes de carneforam levados para dentro. Sim, senhora! exclamou a menina depois de terminada a festa. oque se pode chamar um trabalho limpo! O demo queira ser minhoca neste pomar... Bem feito! disse Emlia. Quem a mandou ser abelhuda? Se estivesse com as outras l dentro da terra, que o lugar das minhocas,nada lhe aconteceria. Macaco que muito mexe quer chumbo, como diz tia Nastcia. Isso, foi de dia. De noite a histria das formigas continuou. Narizinho e Emlia dormiam juntas na mesma cama. A rede armada entre psde cadeira fora abandonada desde que a boneca aprendeu a falar. Dormiam juntaspara conversar at que o sono viesse. Mas, Emlia, como que voc entende a linguagem das formigas? perguntou Narizinho logo que se deitou. A boneca refletiu um bocado e respondeu: Entendo porque sou de pano. Narizinho deu uma gargalhada. Isso no resposta duma senhora inteligente. O meu vestido tambm depano e no entende coisa nenhuma. A boneca pensou outra vez. Ento porque sou de macela disse. Nova risada de Narizinho. Isso Tambm no resposta. Este travesseiro de macela e entende asformigas tanto quanto eu. Ento... ento... engasgou Emlia, com o dedinho na testa. Ento no sei. Era a primeira vez que Emlia se embaraava numa resposta. Primeira eltima. Nunca mais houve pergunta que a atrapalhasse. Pois se no sabe, durma disse a menina, virando-se para a parede. Dormiram ambas. Altas horas, estavam no mais gostoso do sono quando bateram toc, toc,toc... Quem ? perguntou Narizinho sentando-se na cama. Sou eu, Rabic! grunhiu o leito entreabrindo a porta com o focinho. Est aqui uma senhora ruiva que quer entrar. Pois que entre! ordenou a menina. Rabic escancarou a porta para darpassagem a uma formiga ruiva, de saiote vermelho e avental de renda. Trazia nacabea uma salva de prata, coberta com guardanapo de papel. Que que deseja? indagou a menina cheia de curiosidade. Quero entregar senhora Condessa este presente mandado pela rainha dasformigas. Condessa? repetiu Narizinho franzindo a testa. Que condessa, minhasenhora? Condessa de Trs Estrelinhas explicou a formiga. Hum! fez a menina, lembrando-se de que ela mesma haviacondessado a boneca. Voltou-se para Emlia e deu-lhe uma cotovelada. Acorde, pedra! com Vossa Excelncia o negcio. Emlia sentou-se na cama. Espreguiou-se, tonta de sono. E julgando queainda estivessem a conversar sobre a linguagem das formigas, disse, num bocejo: Ento ... porque sou... No se trata mais disso, idiota! Est a procura duma tal condessa acriada duma tal rainha. Vamos! Acorde duma vez! S ento Emlia acordou de verdade. Viu a formiga com a salva e espichou osbraos para receber o presente. Eram croquetes, lindos croquetes tostadinhos. A boneca sorriu de gosto e orgulho. A rainha s se lembrara dela! Diga a Sua Majestade que a condessa de Trs Estrelinhas muito agradeceo presente. Diga que os croquetes esto lindos e que ela uma grande cozinheira. Narizinho disparou a rir gostosamente. Que idia, condessa! Uma rainha l pode ser cozinheira? Caindo em si, Emlia viu que tinha cometido uma coisa muito grave entre aspessoas de alta sociedade, chamada gafe. E procurou corrigir-se. Isto ... diga que a cozinheira dela muito boa, entendeu? E diga tambmque os croquetes esto muito gostosos, isto ... devem estar muito gostosos. Pode ir. A criada fez um cumprimento de cabea antes de retirar-se, mas foi detida porum gesto da menina. No v ainda disse ela. E voltando-se para a Emlia: Presente,senhora condessa, paga-se com presente. Mande tal rainha uma perna daquelepernilongo que queimei com a vela antes de deitar. verdade! exclamou a boneca. No me custa nada e ela vai ficarcontentssima. E ps-se de gatinhas a procurar o pernilongo assado. Achou-o, tirou-lhe umaperninha, enfeitou-a com um lao de fita e, depois de embrulh-la em papel de seda,colocou-a na salva, com um carto que dizia assim: Sua Majestade a Rainha da Cintura Fina, a humilde criada Condessa deTrs Estrelinhas oferece este humilde presente. Leve este presente rainha, sim? E voc, para distrair-se pelo caminho vcomendo este mocot de pernilongo concluiu Emlia, dando criada um cambitode inseto. A mensageira agradeceu, retirando-se muito satisfeita da vida, com a salva nacabea e o mocot no ferro. Emlia fechou a porta e veio examinar os croquetes. Cheirou-os. Hum! Esto de fazer vir gua boca. Quer provar um, Narizinho? A menina torceu o nariz desdenhosamente. Deus me livre! Juro que croquete de minhoca. Percebendo que ela falava assim por despeito, a boneca disse, para mo-la: Quem desdenha quer comprar... S? Engraadinha!... replicou a menina com um grande ar de pouco caso.E vendo a boneca morder um dos croquetes, com os maiores exageros do mundo,como se aquilo fosse um manjar do cu, fez muxoxo de nojo. Est boa mesmo para casar com Rabic! Comer croquete de minhoca! Que seja de minhoca, que tem isso? retrucou Emlia. Tanto faz carne deminhoca como de porco, vaca ou frango tudo carne. E muito me admira queuma senhora que comeu ontem no jantar tripa de porco, mostre essa cara de nojo porcausa dum simples croquete de minhoca. Alto l, senhora condessa Minhoqueira! Porco porco e minhoca minhoca. por isso mesmo que eu como minhoca e no como porco! replicoua boneca vitoriosa. No sou porcalhona. A discusso foi por a alm. Enquanto isso o senhor Rabic farejou oscroquetes, chegou-se de mansinho e, vendo-as distradas com a disputa, comeu-ostodos de uma engolida s. Terminada a discusso, quando a boneca, espichou obrao a fim de pegar um segundo croquete... Que dos croquetes? gritou ela. Nem sinal! Emlia esperneou de dio, ao passo que Narizinho batia palmas decontentamento. Bem feito! Estava muito ganjenta, no ? Pois tome! Quero os meus croquetes! Quero os meus croquetes! berrava Emlia,batendo o p num grande desespero. Se quer os seus croquetes, pea contas a quem os tirou. Quem foi? Quem mais se no Rabic? Vai ver que est aqui pelo quarto, escondidodebaixo da cama. Emlia deu busca e logo descobriu o ladro num canto, ressonando de papocheio. Espere que te curo! gritou ela, passando a mo na vassoura. E p! p!p!... desceu a lenha no lombo do gatuno, enquanto Narizinho se rebolava na camade tanto rir, pensando consigo: Se antes de casar assim, imagine-se depois! Isso porque ela andava alimentando o projeto de casar Emlia com Rabic.V - Pedrinho Chegou afinal o grande dia. Na vspera viera para dona Benta uma carta dePedrinho que comeava assim: Sigo para a no dia 6. Mande estao o cavalo pangar e no se esquea dochicotinho de cabo de prata que deixei pendurado atrs da porta do quarto dehspedes. Narizinho sabe. Quero que Narizinho me espere na porteira do pasto, com a Emlia no seuvestido novo e Rabic de lao de fita na cauda. E tia Nastcia que apronte umdaqueles cafs com bolinhos de frigideira que s ela sabe fazer. Em vista disso Narizinho levantou-se muito cedo para preparar a recepo deacordo com as instrues da carta. Enfiou em Emlia o vestido novo de chita cor-de-rosa com pintinhas e enfeitou Rabic de duas fitas uma ao pescoo e outra naponta da cauda. Pac, pac, pac... Pedrinho apareceu na porteira, trotando no pangar, coradodo sol e alegre como um passarinho. Viva! gritou a menina, correndo a lhe segurar a rdea. Apeiedepressa, senhor doutor, que temos mil coisas a conversar! Pedrinho apeou-se, abraou-a e no resistiu tentao de ali mesmo abrir opacote dos presentes para tirar o dela. Adivinhe o que trouxe para voc! disse, escondendo atrs das costasum embrulho volumoso. J sei respondeu a menina incontinenti. Uma boneca que chora eabre e fecha os olhos. Pedrinho ficou desapontado, porque era justamente o que havia trazido. Como adivinhou, Narizinho? A menina deu uma risada gostosa. Grande coisa! Adivinhei porque conheo voc. Fique sabendo, seu bobo,que as meninas so muito mais espertas que os meninos... Mas no tm mais muque! replicou ele com orgulho, fazendo-a apalpara dureza do seu bceps que a ginstica escolar havia desenvolvido. E concluiu: Com este muque e a sua esperteza, Narizinho, quero ver quem pode com a nossavida! Os presentes dos demais foram tambm distribudos ali mesmo. Rabic teveuma fita nova, de seda e os restos do farnel que Pedrinho trouxera (e foi isso oque ele mais apreciou). Emlia recebeu um servio de cozinha completo fogozinho de lata, panelas, e at um rolo de folhear massa de pastel. E para vov que que trouxe? perguntou Narizinho. Adivinhe, j que to adivinhadeira disse ele. Eu s adivinho quando voc mesmo quem escolhe os presentes. Mas opresente de vov aposto que no foi voc quem escolheu, foi tia Antonica... Pela segunda vez Pedrinho abriu a boca. Aquela prima, apesar de viver naroa, estava se tornando mais esperta do que todas as meninas da cidade. Tem razo. isso mesmo. O presente de vov quem o escolheu e comproufoi mame. Voc precisa me ensinar o segredo de adivinhar as coisas, Narizinho... Nesse momento dona Benta apareceu na varanda e Pedrinho correu a abra-la. Dali a pouco estavam todos reunidos na sala de jantar, ouvindo notcias ehistrias da cidade. Tia Nastcia trouxe da cozinha a gamela de massa, para noperder uma s palavra ao mesmo tempo que ia enrolando os bolinhos. Sbito, umabrisa soprou mais forte e um ringido se fez ouvir nhem, nhim... Pedrinho interrompeu a conversa, de ouvido atento. O mastro de So Joo!... murmurou enlevado. Quantas vezes nocolgio me iludi com os ringidos das portas, imaginando que era a bandeira do nossomastro!... Como vai ele? J desbotado pelas chuvas e com um rasgo na bandeira bem em cima dacabea do carneirinho respondeu a menina. O dia de So Joo era o grande dia de festa no Stio do Pica-pau Amarelo.Reuniam-se l todas as crianas dos arredores, para soltar bombinhas e pistoles edanar em torno da fogueira. Pedrinho jamais faltou a essa festa anual, como jamaisdeixou de queimar o dedo. Um ano em que no queimou o dedo ficou muito admirado. Nos ltimos tempos era Pedrinho quem pintava o mastro, caprichando emformar arabescos de todas as cores, cada ano dum estilo diferente. Tambm era elequem fornecia a bandeira com o retrato de So Joo menino, de cruz ao ombro ecordeiro no brao. Trazia-a da cidade, depois de percorrer todas as casas de negcio a fim decomprar a mais bonita. Est bem disse dona Benta logo que soube das principais novidades. Pode ir brincar com Narizinho, que tem um mundo de coisas a contar. Os dois primos dirigiram-se ao pomar aos pinotes. Era l, debaixo das velhasrvores que trocavam confidncias e planejavam as grandes aventuras pelo mundodas maravilhas. O assunto do dia foi o extraordinrio caso da boneca. Parece incrvel! dizia Pedrinho. Quando recebi sua carta contandoque Emlia falava, no quis acreditar. Mas hoje vejo que fala e fala muito bem. espantoso ! No comeo explicou Narizinho Emlia falava muito atrapalhado esem propsito. Agora j est melhor, mas, mesmo assim, quando d para falarasneiras ou teimar, ningum pode com a vidinha dela. Sabe que j condessa? Sim? Condessa de qu? De Trs Estrelinhas, nome que ela mesma escolheu. Mas estou comvontade de mudar. Condessa pouco. Emlia merece ser marquesa. Marquesa de Santos? No. Marquesa de Rabic. verdade!... Podemos fazer de Rabic um marqus e casar Emlia comele! Isso mesmo. Tenho pensado muito nesse arranjo e at j o propus Emlia. E ela aceitou? Emlia muito vaidosa e cheia de si. Mas eu sei lidar com ela. Quandochegar a ocasio darei um jeito. Terminado o assunto Emlia, comeou o assunto Reino das guas Claras.Narizinho contou a srie inteira daquelas maravilhosas aventuras, despertando emPedrinho um desejo louco de tambm conhecer o prncipe-rei. De nada se admirou,conforme o seu costume. Tanto ele como Narizinho achavam tudo to natural! Sestranhou que o Pequeno Polegar tivesse fugido da sua historinha. Isso, sim, no deixa de me intrigar disse ele. Se Polegar fugiu quea histria est embolorada. Se a histria est embolorada, temos de bot-la fora ecompor outra. H muito tempo que ando com esta idia fazer todos ospersonagens fugirem das velhas histrias para virem aqui combinar conosco outrasaventuras. Que lindo, no? Nem fale, Pedrinho! exclamou a menina pensativa. O que eu nodaria para brincar neste stio com a menina da Capinha Vermelha ou Branca deNeve... Eu s queria pilhar c o Aladino da lmpada maravilhosa, para tirar aprosa dele! ajuntou Pedrinho que voltara da cidade com fumaas de valentia. E eu s queria Capinha. Tenho tanta simpatia por essa menina... Aquelesbolos que ela costumava levar para a vov que o lobo comeu que vontade decomer um daqueles bolos... Uma voz conhecida veio interromp-los: Narizinho! Pedrinho! O caf est na mesa. Duvido que fossem melhores que os de tia Nastcia! disse o meninoerguendo-se. E dispararam para casa.VI - A viagem Deitaram-se bem tarde naquela noite. Tanta coisa tinha o menino a contar,coisas da casa da dona Antonica e da escola, que somente s onze horas foram paraa cama. Que sono regalado! Isto , regalado at uma certa hora. Da por diantehouve coisa grossa. Narizinho estava justamente no meio dum lindo sonho quando despertou desobressalto, com umas pancadinhas de chicote na vidraa pen, pen, pen... E logoem seguida ouviu a voz do marqus de Rabic, que dizia: O sol no tarda, Narizinho. Pule da cama que so horas de partir. Chegando janela, viu o marqus montado num cavalinho de pau suaespera. E a condessa? J est pronta? perguntou a menina. A senhora condessa j est l embaixo, corcoveando no cavalo Pampa. Pois ento que me selem o pangar. Em trs tempos me visto. Enquanto por ordem do marqus selavam o cavalo pangar, a menina punha oseu vestido vermelho de bolso. Precisava de bolso para levar os bolinhos de tiaNastcia sobrados da vspera e tambm para trazer coisas do reino das Abelhas. Porque era para o reino das Abelhas que eles iam, a convite da rainha. Reinodas Abelhas ou das Vespas? No havia certeza ainda. Na vspera chegara um maribondo mensageiro com um convite assim: Sua Majestade a Rainha das... d a honra de convidar vocs todos para uma visita ao seu reino. Como o papelzinho estivesse rasgado num ponto, havia dvida se o conviteera da rainha das Vespas ou da rainha das Abelhas. Narizinho respondeu ao convite por meio dum borboletograma. No sabem o que ? Inveno da Emlia. Como no houvesse telgrafo paral, a boneca teve a idia de mandar a resposta escrita em asas de borboleta. Agarrouuma borboleta azul que ia passando e rabiscou-lhe na asa, com um espinho, oseguinte: Narizinho, a Condessa e o Marqus agradecem a honra do convite eprometem no faltar. Por que no incluiu o nome de Pedrinho, Emlia? perguntou a menina. Porque ele no nobre nem baro ainda !... Pronto que foi oborboletograma, surgiu uma dificuldade. A quem endere-lo? rainha das Vespasou das Abelhas? J resolvo o caso disse Emlia, e soltou a borboleta com estas palavras:V direitinha, hein? Nada de distrair-se com flores pelo caminho. Ir para onde? perguntou a borboleta. Para a casa de seu sogro, ouviu? Malcriada! Atrever-se a fazer perguntas auma condessa! Mas... ia dizendo humildemente a borboleta. Emlia, porm, interrompeu-a com um berro. Ponha-se daqui para fora! No admito observaes. Conhea o seu lugar,ouviu? A borboleta l se foi, amedrontada e desapontadssima. Voc parece louca, Emlia! observou Narizinho. Como h de elasaber o endereo se voc no deu endereo algum? Sabe, sim! retorquiu a boneca. So umas sabidssimas as senhorasborboletas. Se sabem fabricar p azul para as asas, que coisa dificlima, como noho de saber o endereo dum borboletograma ? Narizinho fez cara de quem diz: Ningum pode entender como funciona acabea da Emlia! Ora raciocina muito bem, tal qual gente. Outras vezes, assim to torto que deixa uma pessoa trapalhada... O cavalo pangar veio, a menina montou e l partiram todos pela estradaafora pac, pac, pac... Em certo ponto Narizinho disse boneca: Vamos apostar corrida? Emlia aceitou, muito assanhada. Pois toque, ento! Emlia lept, lept! chicoteou o cavalinho pampa, disparando numa galopadalouca. Narizinho, porm, no se moveu do lugar. O que queria era ficar s com omarqus de Rabic para uma conversa reservada o casamento dele com acondessa. Mas afinal de contas, marqus, quer ou no quer casar-se com a condessa? J declarei que sim, isto , que casarei, se o dote for bom. Se me derem,por exemplo, dois cargueiros de milho, casarei com quem quiserem com acadeira, com o pote d'gua, com a vassoura. Nunca fui exigente em matriamatrimonial. Guloso! Pois olhe que vai fazer um casamento! Emlia feia, no nego,mas muito boa dona de casa. Sabe fazer tudo, at fios de ovos, que o doce maisdifcil. Pena ser to fraquinha... Fraca? exclamou o marqus admirado. No me parece. To gordaque est... Engano seu. Emlia, desde que caiu n'gua e quase se afogou, parece terficado desarranjada do fgado. E aquela gordura no banha, no, macela! Emliao que est estufada. Inda a semana passada tia Nastcia a recheou de mais macela. O marqus pensou l consigo: Que pena no a ter recheado de fub! masno teve coragem de o dizer em voz alta, limitando-se a exclamar: Pois pensei que fosse toucinho e do bom!... Que esperana! Toucinho do bom est aqui, disse a menina apalpando-lheo lombo. Dos tais que do um torresminho delicioso! e lambeu os beios, jcom gua na boca. Felizmente o dia de Ano Bom est prximo!... Dia de Ano Bom era dia de leito assado no stio, mas Rabic no sabiadisso. Dia de Ano Bom? repetiu ele sem nada compreender. Que tem isso com o meu toucinho ? Nada! c uma coisa que sei e no da sua conta respondeu a meninapiscando o olho. E assim, nessa prosa, alcanaram a condessa, que estava l adiante, furiosacom o logro. No achei graa nenhuma! foi dizendo Emlia logo que a meninachegou. Nem parece coisa duma princesa (Emlia s a tratava de princesa nasbrigas). Pois eu, Emlia, estou achando uma graa extraordinria na sua zanguinha!Sua cara est que ver aquele bule velho de ch, com esse bico... Mais zangada ainda, Emlia mostrou-lhe a lngua e dando uma chicotada nocavalinho tocou para a frente, resmungando alto: Princesa!... Princesa que ainda toma palmadas de dona Benta e leva pitosda negra beiuda! E tira ouro do nariz... Antipatia!... Calnias puras. Narizinho nem tomava palmadas, nem levava pitos, nemtirava ouro do nariz. Emlia, sim...VII - O assalto Nisto o mato farfalhou beira da estrada. Os cavalinhos se assustaram eempinaram. A quadrilha Chupa-Ovo! gritou Emlia aterrorizada, erguendo osbraos como no cinema. Narizinho tambm empalideceu e procurou instintivamenteagarrar-se ao marqus de Rabic. Mas o marqus j havia pulado no cho esumido... A bolsa ou a vida! intimou o chefe da quadrilha apontando o trabuco. Narizinho a tremer, olhou para ele e franziu a testa. Eu conheo esta cara! pensou consigo. Tom Mix, o grande heri do cinema!... Mas quem havia dedizer que esse famoso cowboy to simptico, havia de acabar assim, feito chefeduma quadrilha de lagartos?... A bolsa ou a vida! repetiu Tom Mix, carrancudo. Bolsa no temos, senhor Tom Mix disse a menina mas tenho aqui unsbolinhos muito gostosos. Aceita um? O bandido tomou um bolo e provou. No gosto de bolo amanhecido! respondeu cuspindo de lado. Queroouro de verdade! Assim que ele falou em ouro, Narizinho teve uma idia de gnio. Perfeitamente, senhor Tom Mix. Vou dar-lhe um montinho de ouro puro,do bem amarelo. Mas h de prometer-me uma poro de coisas... Prometo tudo quanto quiser retrucou o bandido, j mais amvel com aidia do montinho de ouro. Ento passe para c o seu alforje e mais uma tesourinha. Sem nada compreender daquilo, Tom Mix foi dando o que ela pedia.Narizinho, ento, chamou Emlia de parte e cochichou-lhe ao ouvido qualquer coisa.A boneca no gostou, pois bateu o p, exclamando: Nunca! Antes morrer!... Tanto Narizinho insistiu, porm, que Emlia acabou cedendo, entre soluos esuspiros de desespero. Depois, erguendo a saia at os joelhos, espichou uma daspernas sobre o colo da menina. Esta, muito sria, como quem faz operao da maisalta importncia, desfez-lhe a costura da barriga da perna e despejou toda a macelado recheio no alforje de Tom Mix. Em seguida ergueu-se e disse-lhe: Aqui tem o seu alforje cheio de ouro-macela! Muito bem respondeu o bandido com os olhos a faiscarem de cobia. A menina est agora livre e tem em mim de hoje em diante o mais dedicadoservidor. Nos momentos de perigo basta gritar; Mix, Mix, Mix! que aparecereiincontinenti para salv-la. Cumprimentou-a com o chapelo de abas largas e retirou-se, seguido dos seuslagartos. Ao v-los sumirem-se ao longe, Narizinho criou alma nova. Ufa! exclamou. Escapamos de boa! Continuemos a nossa viagem,Emlia e tratou de montar novamente. Um, dois, trs upa! Montou. Emliatambm um, dois, trs... e nada! No conseguiu montar. Ai! gemeu sacudindo a perninha saqueada. No posso andar, nemmontar com esta perna vazia!... Apesar do triste da situao, Narizinho espremeu uma risadinha. Malvada! exclamou Emlia chorosa. Salvei-a da morte custa daminha pobre perna e em paga voc ri-se de mim... Perdoe, Emlia! Reconheo que me salvou, mas se soubesse como estcmica com essa perna vazia... O melhor vir comigo na garupa do pangar, bemagarradinha. D c a mo. Upa! Com alguma dificuldade conseguiu acomod-la na garupa do cavalinho,recomendando-lhe que se segurasse muito bem, pois tinha de ir a galope. Sossegue, Narizinho, que daqui nem torqus me arranca! respondeuEmlia. A menina estalou o chicote e o pangar partiu na galopada erguendo nuvensde p p-l-l, p-l-l! De repente: Que fim levou o marqus? interrogou Emlia olhando para trs. Narizinho deteve o cavalo. verdade!... Aquele poltro comportou-se de tal maneira que a coisa nopode ficar assim. Hei de vingar-me e j, quer ver? Voltando-se para o mato gritou: Mix, Mix, Mix! Imediatamente Tom Mix surgiu diante dela. Amigo Tom Mix disse Narizinho fui covardemente trada pelosenhor marqus de Rabic, um poltro que ao ver-nos em perigo s cuidou de si,fugindo com quantas pernas tinha. Quero ser vingada sem demora, estentendendo? Sereis vingada, gentil princesa! disse Tom Mix estendendo a mocomo quem faz um juramento. Mas de que forma quereis ser vingada, gentilprincesa? Narizinho respondeu depois de pensar alguns instantes : Minha vingana tem de ser esta: quero amanh ao almoo comer virado defeijo com torresmo, mas torresmo de marqus, est ouvindo? Vossa vontade ser satisfeita, gentil princesa! disse o bandido,curvando-se com a mo no peito e desaparecendo. Coitado do Rabic! exclamou Emlia compungida. Coitado nada! Rabic precisa levar uma boa esfrega. Dou-lhe uma lioque vai servir para toda a vida. Nunca mais cair noutra...VIII - Tom Mix Assim que deixou a menina, Tom Mix voltou ao lugar do assalto, a fim deorientar-se na pista de Rabic. Descobriu logo os rastos dele na terra mida e os foiseguindo at floresta. L se guiou pelas ervinhas amassadas e outros sinais que nafuga ele fora deixando. E andou, andou, andou at que de repente ouviu um rudosuspeito. ele! pensou Tom Mix agachando-se e, p ante p, sem fazer omenor barulhinho, aproximou-se do lugar donde partia o rudo suspeito. Espiou. Lestava o marqus, rom, rom, rom, de cabea enfiada dentro duma abbora muitogrande, to entretido em devor-la que no deu pela presena do terrvel vingador. Tom Mix foi chegando, foi chegando e, de repente... Nhoc! agarrou o marqus por uma perna. Coin! coin! coin! grunhiu o ilustre fidalgo. Peo perdo a Vossa Excelncia disse Tom Mix com ironia masestou cumprindo ordens da senhora princesa do Narizinho Arrebitado. Que que Narizinho quer de mim ? gemeu Rabic desconfiado. Pouca coisa respondeu o vingador. Apenas uns torresminhos paraenfeitar um tutu de feijo amanh... Coin! coin! coin! gemeu o marqus compreendendo tudo. E foi com bagas de suor frio no focinho que implorou: Tenha d de mim,senhor bandido! Tenha piedade de mim, que lhe darei esta abbora e ainda outramaior que escondi l adiante... Tom Mix parece que no gostava de abbora. Limitou-se a puxar pela faca ea pass-la sobre o couro da bota, como que a afiando. Percebendo que estavaperdido, Rabic teve uma idia. Senhor bandido, poder prestar-me um obsquio? Diga o que respondeu Tom Mix calmamente, sempre a afiar a faca. Quero que me conceda cinco minutos de vida. Preciso fazer o testamento econfiar minhas ltimas palavras a essa libelinha que vai passando. Tom Mix concedeu-lhe os cinco minutos. Rabic chamou a libelinha. Amiga, darei a voc um lindo lago azul onde possa voar a vida inteira, seme fizer um pequeno favor. Diga o que respondeu a libelinha, vindo pousar diante dele. levar uma carta princesa Narizinho, que deve estar no reino dasAbelhas. Com muito prazer. Rabic fez a carta depressa e entregou-lha. A libelinha tomou-a no ferro ezzzit! l se foi, veloz como o pensamento. Mal a viu partir, deu Rabic um suspirode alvio, murmurando em voz alta: Coragem, Rabic, teu dia no chegar to cedo! Que que est grunhindo a, senhor marqus? perguntou o carrasco. Rabic disfarou. Estou pensando na sua valentia, senhor Tom Mix. Est assim prosa porquedeu comigo, que sou um pobre coitadinho. Queria ver a sua cara, se Lampioaparecesse por aqui com os seus cinqenta cangaceiros! L tenho medo de lampies ou lamparinas? O marqus no me conhece.Diga-me: costuma ir ao cinema? Nunca. Mas sei o que . Se no conhece o cinema, no pode fazer idia do meu formidvelherosmo! No h uma s fita em que eu seja derrotado, seja l por quem for. Venosempre ! Sou um danado!... Rabic olhou-o com o rabo dos olhos, pensando l consigo: Grandssimo fiteiro o que voc . Pensou s, nada disse. Aquela facaembargava-lhe a voz...IX - As muletas do besouro Enquanto Rabic suava o suor da morte nas unhas de Tom Mix, Narizinho eEmlia chegavam ao palcio das Colmias, donde vrios zangess saram a receb-las com gentis rapaps. Salve, princesinha do Narizinho Arrebitado! exclamaram eles, curvando-se. Obrigada! respondeu a menina, dando-lhes a mo a beijar. Recebium convite da rainha, mas estou na dvida se foi da rainha das Abelhas ou da rainhadas Vespas. Portei aqui para saber... O convite foi da rainha das Abelhas declarou um dos zangess. Fui eumesmo quem o redigiu. A rainha das Vespas anda furiosa com a menina por termatado uma das suas sditas. V, Emlia, de que escapamos?