hip hop, estilos e juventude(s): a prÁtica juvenil rap
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HIP HOP, ESTILOS E JUVENTUDE(S): A
PRÁTICA JUVENIL RAP EM TERESINA-PI.
Adriana Loiola do Nascimento (Bolsista-PIBIC-CNPq/UFPI)1 [email protected]
Daniella Oliveira Silva (Bolsista-PIBIC-CNPq/UFPI)2 [email protected]
Maria do Carmo Alves do Bomfim (Profª. Orientadora)3
RESUMO
Este trabalho registra parte da pesquisa “Juventudes, Música e Estilos: construção de uma Cultura de Paz, pelos grupos de Rap e Break em Teresina-PI”. Esta desenvolveu-se no período compreendido entre julho de 2010 a agosto de 2011, tendo o seguinte objetivo:
compreender a influência dos estilos culturais Rap (Grupos “A Irmandade” e “Relatos Periféricos”) e Break (Grupo “Afro Soul”), para a construção de uma Cultura de Paz nas
comunidades onde vivem seus protagonistas, por meio da análise de suas produções. O grupo “A Irmandade” atua na Vila Bom Jesus e bairro Areias, zona sul de Teresina; “Relatos Periféricos”, desenvolve suas atividades no bairro Vila Operária, zona norte da cidade e o
Grupo de Break “Afro Soul” realiza seus treinos numa escola pública da rede estadual de ensino no bairro Promorar, zona norte da referida cidade. Tendo como base a pesquisa
realizada, este texto busca analisar e apresentar as produções musicais estilo Rap, destacando seus saberes, destinatários e principais mensagens, que são fontes de protestos, denúncias e expressão de desejos, potencialidades e práticas juvenis. Este trabalho fundamenta-se em
Bomfim (2006), Dayrell (2005), Diógenes (1998), Oliveira e Sgarbi (2002), Sposito (2003), Castro e Abramovay (2009), Adad (2011) dentre outros. A partir das análises das produções
musicais dos grupos Raps, constatamos que o grupo “A Irmandade” foca predominantemente as drogas e as violências e o grupo “Relatos Periféricos” o contexto no qual atua, ressaltando as condições existenciais dos jovens da periferia de Teresina.
Palavras-chave: Juventudes. Hip Hop. Rap.
1 Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Piauí-UFPI. Integrante do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Cidadania – NEPEGECI. 2 Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal do Piauí-UFPI. Integrante do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Cidadania – NEPEGECI. 3 Doutora em História e Filosofia da Educação. Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da
Educação e do Programa de Pós -Graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Cidadania – NEPEGECI.
1. Juventudes, Música e Estilos: entre-cruzando olhares sobre a prática juvenil Rap
A música está presente na vida de todas as pessoas, principalmente na dos jovens. Ela
constrói vínculos e sedimenta identidades, personalidades, jeitos de viver e de agir. Podemos
verificar que existem muitos “grupos juvenis” que cultivam a música Rap em nossa
sociedade. Cada grupo com seu estilo de vestir, andar, falar e com seu estilo musical. São
grupos de jovens repletos de simbologias: cores, estilos e maneiras de ser, com
especificidades próprias.
Percebemos, assim, a música como o principal produto cultural consumido pelos
jovens rappers, uma de suas atividades mais importantes para a socialização de seus
integrantes. Ao longo do tempo a música tem sido forte aliada das classes mais desfavorecidas
da sociedade, dando voz a quem não tem oportunidade de falar nos meios de comunicação de
massa. Destacamos ainda que a música entre os jovens rappers é instrumento configurador de
suas múltiplas identidades, além de transformar-se em fonte de protestos, denúncias e
representação da realidade juvenil periférica.
Vemos cotidianamente no cenário das cidades cenas de violências urbanas,
envolvendo, em sua maioria, como autores/as e/ou vítimas jovens homens e jovens mulheres.
Na contemporaneidade muitos debates têm versado sobre as juventudes, principalmente os/as
jovens pobres que vivem em situação de vulnerabilidade social. Esses jovens têm menos
acesso às atividades culturais da cidade, como um todo. Por isso, criam formas alternativas de
lazer nos grupos aos quais pertencem, a exemplo do estilo Rap. Este constitui uma das quatro
vertentes que constituem o movimento Hip Hop4.
Esses atores sociais, por meio da música rap, tornam-se protagonistas de atividades,
em suas comunidades, sendo exemplos: lazer na praça central (“Projeto de Rua”- grupo “A
Irmandade”), com o intuito de reunir e divertir moradores da comunidade, e dar mais
visibilidade ao próprio grupo, suas criações em vídeos, gravados no cenário (“becos”) da
própria comunidade onde atuam, expressando o cotidiano vivenciado por eles. O
envolvimento de jovens nesta prática cultural torna-se importante, tendo em vista que a
4 O movimento Hip Hop surgiu no final da década de 1960 como um movimento de jovens negros e hispano -
americanos dos guetos pobres do Bronx, nos arredores de Nova Iorque-EUA. Por meio de manifestações
artísticas, o movimento representou uma saída para expressão e identificação de uma juventude que vivenciavam
situação de exclusão econômica, educacional e racial. O movimento Hip Hop norte -americano é composto de
quatro elementos: o rap (música), o break (dança), o grafite (artes plásticas) e o DJ (som). No Brasil, o Hip Hop
chegou no início da década de 1980, sendo divulgado nos bailes e nas lojas específicas de música negra. As ruas
e as praças dos grandes centros urbanos tornaram-se espaços para a socialização dessa manifestação cultural
juvenil.
mesma contribui para mediar situações de conflito como prevenção à violência, melhorando,
assim, a convivência comunitária, além de ser um meio de reivindicações de possibilidades
dignas para suas vidas, bem como protestos contra a pobreza e a exclusão, aos quais estão
submetidos, como evidencia a fala a seguir:
- Comecei a mostrar pra minha mãe que o rap também salva, não só a religião. O rap pra mi m é uma
religião também, não só como as igrejas, mas como o rap também salva. ( [Dakarai]5)
Com este depoimento, compreendemos que os jovens sentem-se livres e autônomos
por meio do estilo Rap, traduzidos em produção de cultura, uma vez que através de suas
produções musicais transmitem as necessidades e conflitos da comunidade, refletindo-os no
modo de ser jovem ou o modo jovem de ser de cada indivíduo. E mais, com seus eventos e
suas criações musicais os grupos juvenis se unem e trocam experiências, fortalecendo suas
culturas e valores.
Contraditoriamente, no meio juvenil, também há práticas de gangues que constroem
características próprias, a exemplo da disputa por território, produzindo práticas permeadas
por ações violentas, nas quais agem seja como autores ou vítimas. Essa prática é resultado dos
marcadores identitários que delimitam o território e a ação de cada gangue. A violência
representa para os jovens periféricos inseridos nas gangues, uma forma de expressão para
delimitar os territórios, que consideram espaços exclusivos de sua atuação, inclusive
degladiando-se uns com os outros pelo poder nos espaços em disputa. Neste sentido,
Diógenes afirma que
“A violência entre as gangues embora provoque níveis diferenciados de
destruição, saques, quebra-quebras, roubos, ou mes mo mortes, representa um
modo de expressão, uma forma radical de enunciação de setores que se
mobilizam para afirmarem sua presença, nem que o preço seja a morte ép ica,
anunciada e alardeada pela mídia.” (DIÓGENES, 1998, p. 164).
O grande problema é que essa forma “alardeada” e retratada sensacionalisticamente
por parte da mídia, sobretudo a difundida por parte de algumas redes de TV, de jornais e de
certas rádios, segundo algumas pesquisadoras dessa temática, dentre elas Bomfim (2011, p.
194-195) além de reforçar preconceitos e estereótipos em relação aos jovens moradores de
periferias urbanas, tais fenômenos tendem a se repetir, ou seja, tem efeito “dominó”.
5 Nome fictício africano atribuído pelas autoras ao jovem MC (Mestre de Cerimônia) do grupo “A Irmandade”.
Dakarai, que significa alegre. Disponível em: dicionariovarios.blogspot.com/2009/06/significados.nomes -
proprios.html. Acesso em 10 de out. de 2011.
No caso dos jovens do movimento Hip Hop, as marcas identitárias se evidenciam por
marcas corporais (tatuagens, cortes, queimaduras, marcas de tiros), o vestuário, as andanças
sempre em grupo, a territorialização própria e a denúncia permanentemente da violência.
Assim, esses jovens buscam uma identidade juvenil através de uma cultura construída por eles
mesmos. Com a produção das letras de suas músicas transformam-se em grupos musicais,
tornam-se protagonistas, estabelecem trocas e vivenciam determinado modo de ser jovem.
Dayrell (2005), corroborando com tais idéias, acrescenta que, além da música, existe a dança
como estratégia pedagógica de formação de valores dos jovens.
Os jovens rappers encontram-se em um determinado grupo social, para o qual as
instituições clássicas de socialização (escola e trabalho) nem sempre apresentam referências
de valores em suas vidas, sendo a família para eles, aquela que tem maior significado em
termos de agência formativa. Assim, as expressões culturais - música e dança - assumem um
papel na recriação de suas identidades individuais e coletivas, por meio da adesão aos valores
cultivados e difundidos nos seus próprios contextos.
Através do consumo cultural próprio, os jovens do Movimento Hip Hop estabelecem
trocas sociais e possuem acesso a diferentes estilos. Dayrell (2005) reforça esta característica
quando afirma que: “O estilo constitui [...], uma combinação hierarquizada de elementos
culturais, na forma de textos, artefatos e rituais, que no nosso caso, tem na música o elemento
central” (Dayrell, 2005. p. 41).
Nessa perspectiva, o estilo passa a constituir a essência do grupo. Esta convivência é
uma das formas de sociabilidade mais presentes entre os jovens, pois são espaços de trocas de
experiências, espaços de lazer, construção de amizades, de pertencimento e de autonomia. A
adesão de um estilo constitui elemento fundamental para a criação, fortalecimento e
manutenção de um grupo.
Através do estilo juvenil Rap, esses jovens se comunicam e ganham visibilidade. As
roupas largas, as tatuagens, os tênis folgados, as marcas corporais falam. Desse modo,
Diógenes (1998) define estes sinais como linguagem muda ou gritos mudos, pela qual os
jovens engendram artefatos para serem vistos e ouvidos. Em suma, jovens pobres que
demonstram ser protagonistas de suas próprias histórias. Não querem ser tutelados por
ninguém.
São as práticas e os fazeres cotidianos desses jovens praticantes do Movimento Hip
Hop que alimentam esta discussão. Jovens excluídos, social e culturalmente, que, como bem
nos alerta Dayrell (2005), “jovens que vivenciam formas frágeis e insuficientes de inclusão
social”. Mas, ao mesmo tempo criando formas de resistências e lutas, enfrentando as
exclusões que vivenciam em seu cotidiano. As práticas de resistências são expressas através
da música, da dança e de outras artes cultivando uma sensibilidade de justiça, ao denunciarem
e protestarem contra situações de vulnerabilidade como: exclusão social, preconceitos,
racismos e indiferenças, para anunciar outros futuros.
Entretanto, esta juventude mesmo pobre e marginalizada, concebida por muitos como
periculosa e delinquente, é que fortalece formas alternativas transformadoras de ser jovem no
mundo contemporâneo. Oliveira e Sgarbi traduzem muito bem esta perspectiva ao afirmarem
que
Muitos de nossos protagonistas não são representantes daqueles grupos sociais que
estamos acostumados a ver habitar o centro dos discursos acadêmicos ou da vida
cultural valorizada socialmente. E é por este motivo que eles estão aqui, para serem
lidos e vistos como produtores de saberes, de fazeres e de p ráticas culturais
significativas e relevantes, tanto para a sociedade brasileira quanto para o
entendimento dela. (OLIVEIRA; SGARBI, 2002, p. 17).
É nesse emaranhado de relações possíveis que visualizamos a quebra da unanimidade
e da obviedade, facilitando nosso mergulho na realidade das experiências cotidianas e no
entrelaçar de suas aprendizagens, reconhecendo diversas formas de realizar um sonho ainda
utópico de um mundo mais igualitário, que considera a pluralidade de seu povo. Ressaltamos
ainda que, embora o Movimento Hip Hop seja composto de quatro elementos (Rap, Break,
Grafite e Dj), nosso trabalho se detém apenas a um deles: o Rap.
2. Produções Musicais dos Grupos de Raps “A Irmandade” e “Relatos Periféricos”: uma
análise inicial.
Neste trabalho serão apresentadas apenas duas produções musicais de dois grupos de
Raps distintos: “Criptonita” do grupo “A Irmandade” e “Pesadelo Comum” do grupo “Relatos
Periféricos”. Tais grupos encontram-se assim situados: “A Irmandade” atua na Vila Bom
Jesus e bairro Areias, zona sul de Teresina e “Relatos Periféricos”, desenvolve suas atividades
no bairro Vila Operária, zona norte da cidade. Após a análise, elaboramos um quadro sintético
e analítico destas produções, no qual foram contempladas algumas dimensões, como:
principais mensagens, destinatários e sentimentos expressos por seus compositores.
Constatamos que os sentimentos e expressões transmitidos pelos jovens são reflexos da
realidade de exclusão que vivenciam e que seus destinatários primeiros são os próprios jovens
da comunidade e o sistema capitalista. Os primeiros por serem seus pares e o segundo por ser
aquele que define a forma de organização da sociedade, na qual vivem predominantemente
situações de exclusão. A seguir as músicas, suas análises e o quadro sintético-analítico.
GRUPO “A IRMANDADE”
Música: Criptonita
- E aí Júnior?
- E aí maluco? Ta bacana. Vamo levando aí.
- A quebrada mudou. Eu tava até pensando aqui como a quebrada mudou. Os irmãozinhos tudo violento, os
irmãozinhos tudo se matando. Você viu parceiro aquele cara que morreu ali ontem?
- Cara, fiquei sabendo bicho. Fiquei sabendo disso aí.
- Pois é irmão, pegou três tiros e o pior que era tudo amigo de infância.
- Pra você vê, né?
Realidade dói, como dói, tá vendo? / A pedra crescendo, o veneno cem por cento, / fuma e não consegue parar,
lombra do capeta no ar. / Agonia vou atrás da grana, se não mostrar não vou curtir essa lombra. / Vou
caminhando, já não mais o que eu faço, / essa droga me perturba, tá complicado. / Tô desesperado, noiado, esse
é meu caso, / tô a fim de roubar e não encontrei nada, / se aparecer topo qualquer parada, / meu sangue tá
fervendo, tô me sentindo estranho, sem fome, ilusão dominando, / tô de bico naquele maluco, vou passar o pano,
/ não tô mais nem aí pra quem tá me olhando, / já não sei mais o que eu faço, / parece que o mundo está se
acabando, / a pedra está me matando. / ... / Já é sete horas, tô naquela, / tô ficando louco e não encontro essa
pedra, / não tenho mais nada, acabei com tudo: filhos, família, até meu orgulho. / Ninguém não me conhece
mais, / tô sozinho jogado pra cobras, / ninguém se preocupa comigo, / cadê meus pais nessas horas? Sofreram
demais, foram embora. / Será que Deus existe mesmo? / Por que não olha pra mim? A situação eu tô vivendo? /
Olhem pra mim, eu estou morrendo, / tô desesperado, é forte o arrependimento. / Tanta dor, é só lamento, / eu
não agüento mais, / tire logo minha vida, / pedra me deixa em paz. / Meu corpo está apodrecendo, estou
enfraquecendo, / não dá mais, eu estou descendo. / ... / O negócio é o seguinte, ó: eu não sei nem o que eu posso
te falar, tá ligado? / Vários irmãos na quebrada, campana de cabeça erguida, ta ligado? / Você preferiu esse
outro mundo, / eu te falei desde o início que esse aí não era o caminho, / que isso ia trazer a desgraça pra
quebrada, / você não quis acreditar, já era né? / Segura as conseqüências, as conseqüências, as conseqüências irmão. / A pedra mata (15 x), / a pedra mata, a pedra mata...
Visões presentes na letra do Rap Criptonita
1 – Mudanças na “Quebrada”
“A quebrada mudou. Eu tava até pensando aqui como a quebrada mudou. Os irmãozinhos tudo
violento, os irmãozinhos tudo se matando. Você viu parceiro aquele cara que morreu ali ontem?”
No início, observamos o sentimento de preocupação dos jovens rappers em relação à
conjuntura do movimento Hip Hop atual e a situação dos jovens da comunidade, que
consomem quantidades excessivas de drogas. Desse modo, por meio de manifestações
artísticas, o movimento tem representado uma saída para expressão e identificação de uma
juventude que vivencia situações de exclusão econômica, educacional e racial. Para os grupos
no contexto da zona sul da cidade de Teresina, a música Rap surge como espaço de prática de
sociabilidades e amizades.
Hoje, alguns destas agregações de Rap se valem de suas produções para confrontar-se
com outros grupos, provocando e dinamizando, desafios do estilo que preconizam, chegando
às vezes a parecer oposição, algo que, para parte deles, não deveria acontecer, já que este
movimento, em sua essência surgiu como uma prática alternativa de expressão positiva dos
jovens buscando tanto a visibilidade quanto o reconhecimento de si próprios e de suas
práticas. Essa é uma das contradições vivenciadas no momento pelos grupos de Rap em
Teresina, motivo de realização de encontros de formação político-cultural para discussão e
superação da decorrente fragmentação do movimento Hip Hop teresinense.
É este aspecto, que a letra acima aborda: as mudanças em relação ao real significado
do Movimento Hip Hop: o que é o movimento Hip Hop? Para que serve? O que vamos
cantar? Quais atitudes devemos ter, enquanto integrantes do movimento?
Estes e outros questionamentos, ainda pouco aprofundados pelos jovens hiphopianos6
e alguns estudiosos, são fundamentais para a compreensão do real sentido e função do
Movimento Hip Hop na vida dos jovens e na constituição de suas práticas.
2 – Violência e Morte entre os Irmãos
“Os irmãozinhos tudo violento, os irmãozinhos tudo se matando. Você viu parceiro aquele cara que
morreu ali ontem?
Cara fiquei sabendo bicho. Fiquei sabendo disso aí.
Pois é irmão, pegou três tiros e o pior que era tudo amigo de infância.
Pra você vê, né?”
Este trecho descreve a violência vivenciada pelos jovens rappers em suas
comunidades. Confronto de gangues, que sempre acabam em mortes. A violência tornou-se a
rotina das favelas. Isto é perceptível no depoimento de um dos integrantes do grupo, quando
questionado acerca de suas produções: “As letras são violentas, por que o que a gente vive é
violência” (Dakarai, integrante do grupo “A Irmandade”). Para entendermos esta questão,
encontramos resposta em Diógenes (1998)
“Entre as gangues da periferia, diferentemente de outros modos de expressão da
violência juvenil, representa uma tentativa de demarcação e expressão da existência
de todos aqueles que se sentem banidos e exilados, seja das vantagens econômicas,
seja dos valores de uma ordem social segmentada e excludente.” (DIÓGENES,
1998, p. 164).
A violência como forma de expressão é usada para demarcar territórios. Sinônimo de
poder e destruição. Neste contexto, a música, se configura para os jovens como uma
ferramenta de mediação de tais conflitos.
6 A expressão Hiphopianos, é usada no texto para designar os jovens praticantes das vertentes do Movimento
Hip Hop.
3 – Sentimento de Dor diante da Realidade
“Realidade dói, como dói tá vendo? / A pedra crescendo, o veneno cem por cento, / fuma e não
consegue parar, lombra do capeta no ar.”
“[...] ninguém se preocupa comigo, / cadê meus pais nessas horas? Sofreram demais, foram embora. /
Será que Deus existe mesmo? / Por que não olha pra mim? A situação eu tô vivendo? / Olhem pra mim,
eu estou morrendo [...]”.
No decorrer de toda a música, e em especial neste trecho, encontramos exclamações e
questionamentos de lamento e dor frente à destruição provocada pelo uso de drogas. O
aumento do consumo da pedra crak e a necessidade de manter o vício são conseqüências que
afetam não apenas o jovem usuário da droga, mas também a comunidade na qual ele está
inserido.
4 – Dependência / Devastação frente ao consumo da Pedra Crack
“[...] fuma e não consegue parar, lombra do capeta no ar [...]”
“[...] To desesperado, noiado, esse é meu caso, [...]”
“[...] meu sangue tá fervendo, tô me sentindo estranho, sem fome, ilusão dominando [...]”
“[...] já não sei mais o que eu faço, / parece que o mundo está se acabando, / a pedra está me
matando”.
“Já é sete horas, tô naquela, / tô ficando louco e não encontro essa pedra, / não tenho mais nada,
acabei com tudo: filhos, família, até meu orgulho. / Ninguém não me conhece mais, / tô sozinho jogado
pra cobras, [...]”
“[...] tô desesperado, é forte o arrependimento. / Tanta dor, é só lamento, / eu não agüento mais, / tire
logo minha vida, / pedra me deixa em paz. / Meu corpo está apodrecendo, estou enfraquecendo, / não
dá mais, eu estou descendo.
“A pedra mata”.
Nestas letras encontramos a dependência, o desespero e a destruição provocada pelo
uso de drogas, em especial, a pedra crack, mais freqüente nas favelas. O cenário da periferia é
um terreno fértil para a propagação de drogas mais baratas (como o crack), que possuem um
poder de destruição devastador, tendo como alvo os jovens pobres, vítimas da
“narcoeconomia”7 de um sistema excludente e perverso, que lhe nega todas as condições
básicas de vida. Dependência que faz com que o jovem não consiga mais viver sem o
consumo da droga, levando-o a caminhos perigosos para sustentação do vício, como roubos e
saques. Ele ao encontrar-se com a criminalidade chega à conclusão de que para manter o
consumo da droga vale tudo, incluindo matar ou morrer. O jovem acaba se distanciando da
família, dos amigos e sua vida se resume ao consumo da droga que, pouco a pouco, vai lhe
7 Ver Augusto Ca Augusto Caccia-Bava no seu texto intitulado Sobre as Políticas Públicas para os Jovens. Abril
de 2006.
matando. Só que antes de matar ela destrói, massacra, leva o jovem ao fundo do poço e só
então ela o mata.
5 – Desespero / Agonia
“[...] essa droga me perturba, tá complicado”.
“To desesperado, noiado, esse é meu caso [...]”
“[...] se aparecer topo qualquer parada [...]”
Descrição do desespero e da agonia que é viver sob o vício da droga. O jovem usuário
acaba por fazer qualquer “negócio” para obter a pedra crak.
6 – Perda / Solidão / Abandono da Família
“[...] não tenho mais nada, acabei com tudo: filhos, família, até meu orgulho. / Ninguém não me
conhece mais, / to sozinho jogado pra cobras, / ninguém se preocupa comigo, / cadê meus pais nessas
horas? Sofreram demais, foram e mbora.”
O vício traz sofrimento e destruição. A família, depois do usuário é a instância que
mais é afetada pelo consumo das drogas. Muitas não conseguem suportar a dor e acabam por
abandonar os usuários, deixando-os ainda mais sozinhos e submissos.
7 – Arrependimento / Negação da Existência de Deus
“Será que Deus existe mesmo? / Por que não olha pra mim? A situação eu to vivendo? / Olhem pra
mim, eu estou morrendo, / to desesperado, é forte o arrependimento. / Tanta dor, é só lamento, / eu não
agüento mais, / tire logo minha vida, / pedra me deixa em paz. / Meu corpo está apodrecendo, estou
enfraquecendo, / não dá mais, eu estou descendo.”
O desespero e a dor são tão fortes, que o jovem usuário acaba por duvidar até da
existência de Deus, chegando a desejar sua própria morte, por não suportar mais tanto
sofrimento, arrependendo-se de ter entrando no mundo das drogas.
8 – Mensagem de Alerta Contra ao uso de Drogas
“O negócio é o seguinte, ó: eu não sei nem o que eu posso te falar, ta ligado? / Vários irmãos na
quebrada, campana de cabeça erguida, ta ligado? / Você preferiu esse outro mundo, / eu te falei desde
o início que esse aí não era o caminho, / que isso ia trazer a desgraça pra quebrada, / você não quis
acreditar, já era né? / Segura as conseqüências, as conseqüências, as conseqüências irmão. / A pedra
mata (15 x), / a pedra mata, a pedra mata..”
Esta é a principal mensagem da música Criptonita: Alerta quanto às conseqüências
causadas pelo consumo da pedra crak entre os jovens. Relatam no decorrer de toda a música
as desgraças que a pedra provoca e defendem uma vida sem o consumo da mesma.
GRUPO “RELATOS PERIFÉRICOS”
Música: Pesadelo Comum
Brasil, ordem e progresso
Em pleno regresso
Sistema capitalista mente nazista, neoliberalista
O amontoado, aglomerado nas celas / o fato relacionado à fome e a miséria/ o que pouco importa para o
sistema, se estamos felizes ou não, ele sempre está à cima de nossa situação / mas qual a condição de vivermos
num país verde-amarelo, que sempre se diz democratizado, que deixou o seu povo de lado / seus filhos em
pedaços desde 1500 no antigo reinado / o imperialismo nunca foi mais do que implacável / país desfavorável /
teus sujos campos tem mais sangue / as balas são traçantes / a guerra é constante / nossos direito s são mais do
que negados, arquivados, levados como brincandeira / RP mais do que indignado, revoltado em saber que o fato
é verídico / o conteúdo é estatístico / guerra civil como o sistema queria/ contagem regressiva, homicida para a
morte de cada dia.
Periferia é o tema, nosso lema/ aqui somos problemas não fazemos o joguinho do sistema/ relatos periféricos
revertendo à cena/ click - cleck boom, infelizmente é assim o pesadelo é comum/ o pesadelo é comum.
Zona periférica, numérica/ de cadáveres estendidos no chão/ o néctar, sistema que infecta/ rastro de sangue, a
matança entre gangue/ bang-bang no desande fique atento/ num só momento, cada passo do tempo é click -cleck
pronto pro arrebento/ infelizmente morte é o de menos/ cotidianamente é o mundo em qu e vivemos/ o clima é
violento sangrento/ ta lá mais uma mãe desesperada a chorar, mais um moleque a roubar, se drogar / o que ele
ta usando eu não sei o que é / só sei que ta do jeito que o sistema quer / mais um mano que terá um destino
único de muitos / mais um número estatístico e assim vai prosseguindo a violência urbana/ noticiário da
semana/ há algo de errado/ os canos apontados / para os mesmos alvos / incompetentes são aqueles que se
julgam diferentes / pois tem estrategicamente em sua mente, a ideo logia de não lutar em prol da periferia / nos
tornamos vítimas da burguesia / sem pena, sem dó simplesmente nos impedem de ver um mundo melhor /
infelizmente o caderno é trocado por vários B.O. Periferia é o tema, nosso lema/ aqui somos problemas não fazemos o joguinho do sistema/ relatos periféricos
revertendo à cena/ click - cleck boom, infelizmente é assim o pesadelo é comum/ o pesadelo é comum.
Sentimentos presentes na letra do Rap Pesadelo Comum
1 – Crítica ao lema do país
“Brasil, ordem e progresso
Em pleno recesso, regresso
Sistema capitalista mente nazista, neoliberalista”.
Ao se reportar ao lema da bandeira nacional o grupo questiona a veracidade do
mesmo, já que o que eles presenciam na periferia são situações de exclusão, fome, violência,
miséria – ilustrando assim “recesso, regresso” em contraposição ao lema da bandeira que é
“ordem e progresso”, porém este também contraditório porque defende a ordem dominante.
2 – Indignação por parte de uma “falsa” democratização
“O amontoado, aglomerado nas celas / o fato relacionado à fome e a miséria/ o que pouco importa
para o sistema, se estamos felizes ou não, ele sempre está à cima de nossa situação / mas qual a
condição de vivermos num país verde-amarelo, que sempre se diz democratizado, que deixou o seu
povo de lado / seus filhos em pedaços desde 1500 no antigo reinado”.
Crítica a uma ideologia neoliberalista, onde muitos dos jovens vivem em situações
precárias dentro de presídios. Eles estão elucidando no trecho acima que para o sistema pouco
importa o que eles representam ou sentem, já que o sistema encontra-se hierarquicamente
acima deles. Eles fazem também uma censura a este país que se diz democratizado, mas que
exibe muita fome, miséria, muitos jovens encarcerados em situação de precariedade. O grupo
através do trecho acima ressalta que todas essas conseqüências vêm desde o período de 1500,
ocasião esta atribuída à “colonização do Brasil”.
3 – Revolta contra o Sistema Capitalista
“[...] teus sujos campos tem mais sangue / as balas são traçantes / a guerra é constante / nossos
direitos são mais do que negados, arquivados, levados como brincandeira / RP mais do que indignado,
revoltado em saber que o fato é verídico / o conteúdo é estatístico / guerra civil como o sistema queria/
contagem regressiva, homicida para a morte de cada dia”.
No trecho acima o grupo reconhece que os direitos dos jovens “são negados,
arquivados e levados como brincadeira”. No verso “RP mais do que indignado”, o grupo narra
que Relatos Periféricos, estão cantando a realidade de um Brasil que, para eles, “não é
democratizado, não tem ordem nem progresso, que possui mais condições de miséria, fome e
violência do que de democracia e de direitos, realmente assegurados”. O que existe são
direitos negados e eles cantam esse fato com muita indignação e revolta, chamados de fato
verídico. “O conteúdo é estatístico”, aqui eles narram o que as estatísticas apontam, que é a
condição de fome, miséria e violência, que os jovens estão hoje vivenciando.
4 – Sentimento da Dor Materna frente às situações de violências vivenciadas por seus filhos
“[...] cotidianamente é o mundo em que vivemos/ o clima é violento sangrento/ ta lá mais uma mãe
desesperada a chorar, mais um moleque a roubar, se drogar / o que ele ta usando eu não sei o que é /
só sei que ta do jeito que o sistema quer / mais um mano que terá um destino único de muitos / mais um
número estatístico e assim vai prosseguindo a violência urbana/ noticiário da semana”.
“Ta lá mais uma mãe desesperada a chorar”, neste verso presenciamos o sentimento
materno muito frequente nas produções Raps. O sentimento materno sempre acompanhado do
desespero, da dor das mães que vêem seus filhos em situações de roubo e drogas.
5 – Periferia como cenário principal das experiências juvenis / Terreno fértil de inspiração
para suas produções musicais.
“Periferia é o tema, nosso lema/ aqui somos problemas não fazemos o joguinho do sistema/ relatos
periféricos revertendo à cena/ click - cleck boom, infelizmente é assim o pesadelo é comum/ o pesadelo
é comum”.
Neste refrão o grupo frisa o contexto geográfico em que eles vivem, que é a periferia.
Eles consideram a periferia como tema e lema para a vida deles e para escrever as letras de
suas músicas. A periferia torna-se cenário ideal para eles retratarem o que vivenciam. “O
pesadelo é comum”, afirmam isto por que muitos jovens vivenciam esta situação (grifo
nosso). Muitos jovens vivenciam na periferia cenas de violência, de exclusão social, que são
comuns a cada um deles.
6 – Conseqüências do “Regresso” imposto pelo Sistema Capitalista
“[...] o que ele tá usando eu não sei o que é / só sei que tá do jeito que o sistema quer / mais um mano
que terá um destino único de muitos / mais um número estatístico e assim vai prosseg uindo a violência
urbana/ noticiário da semana/ há algo de errado/ os canos apontados / para os mesmos alvos /
incompetentes são aqueles que se julgam diferentes / pois tem estrategicamente em sua mente, a
ideologia de não lutar em prol da periferia / nos tornamos vítimas da burguesia / sem pena, sem dó
simplesmente nos impedem de ver um mundo melhor / infelizmente o caderno é trocado por vários
B.O.”
Neste trecho é muito interessante o verso que diz “infelizmente o caderno é trocado
por vários BO.”. É justamente para dizer que hoje os jovens vão para a escola, porém esta
instituição na vida deles se resume a um ambiente de socialização, de construção de amizades,
mas contraditoriamente menos propício para construir. A escola é um espaço que não
proporciona a compreensão destes jovens e neste contexto os cadernos são trocados por vários
B.Os. Isto em conseqüência do “regresso” que o sistema capitalista impõe. Por que muitos
jovens vivem hoje aglomerados em celas? Por que são vítimas de um sistema perverso que
não oportuniza condições de viver dignamente na periferia, não oportuniza condições de
escola nem de trabalho, e sobra para os jovens pobres, negros e periféricos, a opção das
drogas que os levam ao roubo e, em decorrência, aos presídios, que deveriam existir para
ressocialização desses indivíduos, por força lei, mas contraditoriamente degradam a dignidade
humana.
ANÁLISE/LEVANTAMENTO DAS PRODUÇÕES MUSICAIS DOS
GRUPOS DE RAP “RELATOS PERIFÉRICOS” E “A IRMANDADE”.
GRUPO/
COMPOSITORES
PRODUÇÃO
MUSICAL
ANO DA
PRODUÇÃO
MENSAGENS/
SENTIMENTOS
DESTINATÁRIOS
GRUPO “A
Irmandade”
- Mano Preto Kedé
Criptonita
- 2009
- Violência e morte (“... os
irmãozinhos tudo violento, os
irmãozinhos tudo se matando”);
- Dor (“... tanta dor, é só
lamento”);
- Dependência / Devastação da
pedra (“... fuma e não consegue
parar, lombra do capeta no ar”);
- Perda, solidão, arrependimento.
- Jovens usuários da pedra
crak.
GRUPO “Relatos
Periféricos”
- D’ Vox;
- MC’ Denis
- David Brow
(Nomes Artísticos)
Pesadelo
Comum
-
- Crítica ao sistema capitalista
(“Ordem e Progresso” /
“Recesso e Regresso”);
- Denúncia ao
Sistema; excludente (“... só sei
que ta do jeito que o sistema
quer”, / “... sem pena, sem dó,
simplesmente nos impede de ver
um mundo melhor”);
- Orgulho de ser periférico.
(“... Periferia é o tema, nosso
lema”);
- Os atores hegemônicos do
sistema capitalista.
Fonte: Trabalho de Conclusão de Curso (SOUSA, 2009) e CD Correria do Grupo “A Irmandade” (2011). Organização dos dados: Adriana Loiola do Nascimento e Vicelma Maria de Paula Barbosa Sousa.
Percebemos ainda, que embora os grupos, acima mencionados, atuem em zonas
diferentes da cidade de Teresina-PI, ambos comungam de idéias semelhantes: ao se referirem
ao sistema capitalista perverso, atribuindo- lhe culpa pelos problemas sociais que enfrentam na
periferia; a relevância que atribuem à família e à escola como instituições de apoio e de
mudança de vida. Outro sentimento muito pertinente em ambos os grupos é o de alerta e de
indignação frente à situação vivenciada por jovens em situação de uso de drogas. Neste
contexto, constatamos que seus principais destinatários são, sobretudo, os jovens das
comunidades periféricas da cidade de Teresina-PI, considerados por eles como “os manos”,
“os chegados” e “os irmãos”, que são os vitimizados pelo sistema capitalista, responsável por
pelas condições de vulnerabilidades a que são submetidos.
Ainda em relação ao grupo de Rap “A Irmandade”, uma das músicas analisadas no
quadro compõe uma das dezesseis faixas do CD intitulado “Correria”, ilustrada na foto 1,
como também os panfletos produzidos por um dos integrantes (web design) da mesma
agregação, utilizados para divulgação dos eventos que realizam, ilustrados na foto 2. Outro
aspecto de destaque do grupo, como forma de saberes construídos por eles, mas também
como empreendedorismo, é a criação da grife cujo nome é o mesmo do CD, tendo como
produtos camisetas (foto 3) e shorts em jeans.
Foto 1: CD Correria, lançado pelo grupo “A Irmandade”, no ano de 2011.
Fonte: Arquivo pessoal das autoras, adquirido em apresentação do grupo “A Irmandade”.
Foto 2: Confecção de cartazes divulgando shows e eventos do grupo “A Irmandade”.
Fonte: Arquivo pessoal do grupo “A Irmandade”.
Foto 3: Amostra de um dos produtos da grife “Correria”, produzida pelo grupo “A Irmandade”.
Fonte: Arquivo pessoal do grupo “A Irmandade”.
Quanto ao grupo “Relatos Periféricos”, localizado no bairro Vila Operária, zona
Norte da cidade de Teresina-PI, mas especificamente na Rua Rio Grande do Norte, cenário de
inspiração para a produção de suas letras raps, a análise das produções, se deu apenas com um
dos integrantes do grupo, tendo em vista, que no presente momento o mesmo encontra-se com
suas atividades suspensas, devido a atividades formais (trabalho, casamento, filhos) que cada
membro grupo foi assumindo para si. Ressaltando assim, a dificuldade que encontramos em
marcar horários com todos os integrantes do grupo.
Destacamos ainda que as produções do grupo “Relatos Periféricos” foram estudadas e
analisadas e que este episódio de afastamento dos jovens do grupo da prática cultural Rap,
também proporciona(ou) outras aprendizagens, que ultrapassam as linhas deste trabalho. Por
exemplo, perceber as múltiplas identidades que compõem o jovem enquanto sujeito social
complexo. O jovem enquanto rapper, mas também como ator social que possui necessidades
e responsabilidades tais como: trabalho, estudo e constituição familiar. Ações que geram e
carregam novas situações de ocupação, onde o tempo passa a ser cronometrado e controlado,
dificultando, desta forma, momentos de encontros grupais.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES (para fechar o texto)
Coerente com os dados do quadro desenhado, os protagonistas dos grupos em estudo,
são jovens pobres, em sua maioria negros, moradores da periferia da cidade que convivem
com o desemprego, com as drogas, as violências, com a exclusão e, ao mesmo tempo, parte
deles freqüentando a escola (nível médio), confeccionando cartazes para seus eventos,
produzindo CD’s e clips, e a criação de uma grife própria, no caso o grupo “A Irmandade”
sob a titulação Correria.
Não obstante todas essas produções e saberes, em construção, nos quais expressam
suas respectivas subjetividades, tais grupos enfrentam inúmeras dificuldades tanto no que diz
respeito à sobrevivência individual e coletiva, sobretudo em relação à afirmação dos próprios
estilos no cenário local, quanto em termos de discriminação racial, bem como pela falta de
patrocínio.
Em meio às criações, contradições e dificuldades, registradas no presente texto, os
jovens do Movimento Hip Hop em Teresina, particularmente os que fazem o Rap (sem
esquecer dos outros segmentos integrantes desse movimento) sobrevivem e resistem
construindo espaços de partilha com as próprias famílias, outros jovens, estudantes
universitários e pesquisadoras/es. Constroem utopias e esperanças a cada momento e destas se
alimentam e fortalecem o protagonismo juvenil.
REFERÊNCIAS
BOMFIM, Maria do Carmo A. do; SALES, Maria José da Costa. Construção de Paz em
Escolas de Teresina e União-PI: uma prática possível. In: Cultura de Paz, Ética e
Espiritualidade II. Fortaleza: Edições UFC, 2011.
DAYRELL, Juarez. A Música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
DIÓGENES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento Hip Hop. São Paulo: Annablume, 1998.
OLIVEIRA, Inês Barbosa de; SGARBI, Paulo. (orgs.). Redes culturais, diversidade e
educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. SOUSA, Vicelma Maria B. de. Juventude, Música e Estilo: a construção da cultura de
paz, pelos grupos de rap em Teresina. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Curso de Pedagogia – UFPI, 2009.