histÓria da disciplina didÁtica geral em uma...
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HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA GERAL EM UMA
ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
(RE) APROPRIAÇÃO DE DISCURSOS ACADÊMICOS
NOS ANOS DE 1980 E 1990
por
Josefina Carmen Diaz de Mello
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Mestre
Orientadora: Profª Dra Alice Ribeiro Casimiro Lopes
Setembro, 2002SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 08
CAPÍTULO I – HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS ESCOLARES................................ 16
1.1 – O campo do currículo ............................................................................ 17
1.1.1 – O conceito de currículo ................................................................. 17
1.1.2 – O currículo como seleção cultural ................................................. 18
1.1.2.1 – O conceito de ‘tradição seletiva’ ....................................... 18
1.1.2.2 – Currículo como Tradição Inventada ................................. 20
1.1.3 – O currículo escrito e o currículo em ação para Ivor Goodson........ 22
1.2 – O Campo da História do Currículo ........................................................ 25
1.3 - A História das Disciplinas Escolares (HDE) ........................................... 28
1.3.1 - Padrões de estabilidade e mudança ...............................................33
1.3.2 – A História das Disciplinas Escolares: André Chervel e Juliá .......... 38
CAPÍTULO II – O HIBRIDISMO NA CONSTITUIÇÃO DE UMA DISCIPLINA
ESCOLAR .................................................................................................................45
2.1 – Hibridismo em tempo de globalizações ................................................... 47
2.2 – O que é Hibridismo? .............................................................................. 52
2.3 – Articulação dessas perspectivas teóricas ................................................. 59
CAPÍTULO III – CAMPO ACADÊMICO DA DIDÁTICA – ALGUMAS REFLEXÕES
............................................................................................................ 62
3.1 – Campo Acadêmico da Didática .............................................................. 63
3.2 – Breve Histórico da Didática no Brasil .................................................... 69
3.2.1 – A ênfase na eficiência social – o tecnicismo .................................. 69
3.2.2 – Perspectivas Críticas – O Movimento da Didática Crítica e os
principais autores brasileiros no campo da Didática .................................................... 78
CAPÍTULO IV – CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO CARMELA DUTRA
(ANOS 80 A 90) ........................................................................................................92
4.1 A construção social da vida na escola ........................................................ 95
2
4.2 – A cultura da escola: seus saberes e suas práticas ..................................... 97
4.3 – Um pouco da história do Colégio Estadual Carmela Dutra .................. 101
4.3.1 – O curso de Formação de Professores de 1ª a 4ª séries ................. 108
4.3.2 – Curso de Estudos Adicionais ............................... ..................... 110
4.3.3 – A estrutura física e funcionamento do Carmela Dutra ............... 110
4.3.4 – Atividades sócio-afetivas da Escola Carmela Dutra .................... 114
4.3.5 – As publicações do Carmela Dutra .............................................. 118
4.3.6 – As linguagens presentes no Carmela Dutra ................................. 121
4.3.7 – A comunidade de Madureira e a Escola Carmela Dutra .............. 122
4.3.8 - O professor, a professora ........................................................... 123
4.3.9 – O professorando do Carmela Dutra .............................................125
CAPÍTULO V – A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA NO COLÉGIO
CARMELA DUTRA ............................................................................................... 129
5.1 – A trajetória da pesquisa ........................................................................ 131
5.2 – Eixos teóricos para análise ................................................................... 137
5.2.1 – A concepção da disciplina Didática na instituição – percepção dos
professores de Didática ............................................................................................ 137
5.2.2 – O currículo escrito da disciplina Didática .................................... 148
5.2.3 – Os padrões de estabilidade e mudança ........................................ 162
5.2.4 – Processos de hibridização na construção da disciplina Didática ...
165
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 172
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 177
LISTA DE ANEXOS ................................................................................................183
3
“Tudo o que era guardado a chave,
permanecia novo por mais tempo ...
mas meu propósito não era
conservar o novo e sim,
renovar o velho”
(Walter Benjamim)
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AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Alice Ribeiro Casimiro Lopes, pela atenção, competência,
segurança e apoio carinhoso, sempre presentes em sua atitude e que tanto estímulo nos
proporcionou na longa caminhada de elaboração dessa dissertação.
Aos meus professores do curso de Mestrado da UFRJ, especialmente, Ana
Canen e Antônio Flávio Barbosa Moreira, aos quais devo, de alguma forma, o
aprendizado de muito do que foi construído nesta dissertação.
Às companheiras de pesquisa do NEC (Núcleo de Estudos de Currículo), Maria
Margarida Gomes, Rosanne Evangelista Dias e Rozana Gomes de Abreu, sempre
presentes e interlocutoras de minhas idéias, pelo estímulo e sugestões valiosas que
clarificaram a redação do texto de minha dissertação.
À companheira, Ângela Maria de Oliveira, pela força, pelas conversas, pela
atenta revisão do resumo em inglês.
À Rosária Maria de Castilhos Saraiva, amiga sempre presente, pelo incentivo,
pelas trocas nas quais um projeto comum se destaca nas nossas falas – o de educar.
À equipe do Colégio Carmela Dutra, nas pessoas do seu diretor, professor
Geraldo Ribeiro, da sua diretora-adjunta, professora Leiza, da sua Coordenadora da
Equipe de Didática, professora Maria Teresa Colatino e da sua Coordenadora Geral de
Estágio Supervisionado, professora Alice do Nascimento Ancelmo – pela ilimitada e
afetuosa disponibilidade e atenção dispensadas a esta pesquisadora, tornando este
trabalho possível de ser realizado.
A todas as professoras de Didática Geral do Colégio Carmela Dutra pelas
valiosas informações, carinho e atenção dispensados, sem os quais não seria possível
vencer essa etapa da nossa pesquisa.
À minha família, especialmente, minha mãe Laura, meus filhos Nilo Rafael e
Nilo Felipe, meu marido Nilo, pelo incentivo e compreensão de muitas de minhas
ausências, em prol deste trabalho.
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RESUMO
Esta pesquisa investiga o currículo escrito da disciplina Didática Geral numa
escola pública de formação de professores dos anos de 1980 e 1990, numa perspectiva
sócio-histórica, procurando entender os discursos acadêmicos presentes na construção
dessa disciplina na instituição pesquisada. Examinamos que a reapropriação das
contribuições teóricas das perspectivas da Escola Nova, do tecnicismo e da pedagogia
crítica nos documentos e nas falas dos professores entrevistados, aparecem de forma
hibridizada. Para essa análise, tomamos como referência a perspectiva teórica de
hibridismo de Canclini, com interpretações de Beatriz Sarlo e o discurso sobre currículo
como construção social e a História das Disciplinas Escolares, segundo Ivor Goodson e
André Chervel. Procuramos demonstrar que os objetivos, conteúdos e discursos dos
sujeitos, não só se apropriam das diferentes perspectivas teóricas de currículo da época,
como também apresentam novas configurações dessas perspectivas, ressignificando
práticas e fins sociais que correspondem à cultura organizacional da instituição.
Palavras – chave:
CURRÍCULO COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL – DIDÁTICA – ESCOLA DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORES – DISCURSO HIBRIDIZADO
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ABSTRACT
This research investigates the written curriculum of the discipline “Didatics” in
a state teacher education school according to the social historical perspective in the
decade 1980s and 1990s. We examine the academic discourses in the construction of
the discipline. We support the argument that the appropriation of the theoretical
contribution of the “New School” perspectives, the technicism and the critical
pedagogy in the documents and in the speech of the interviewed teachers appear in a
hybridized way. We take as a basis for the analysis the theoretical perspective of
hybridism from Canclini and Beatriz Sarlo and the discourses about the curriculum as
social construction and the study of school subjects from Ivor Goodson and André
Chervel. We demonstrate that the objectives, the contents and the subjects’ discourses,
not only appropriate the different theoretical perspectives of the curriculum in course,
but also present new configurations of the perspectives redesigning practices and social
purposes which correspond to the organizational culture of the institution.
Key – Words:
CURRICULUM AS SOCIAL CONSTRUCTION – DIDATICS – TEACHER
EDUCATION SCHOOL – HYBRIDIZED DISCOURSE
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I – INTRODUÇÃO
A novidade deste passado vem da possibilidadede poder encontrá-lo, a partir de chaves
com as quais desejamos abrir o futuro. As imagenstrazidas até nós são revificadas (...) As chaves com as quais desejo
reabrir o passado estão carregadas de sonhos, de projetos quefazem do presente um terreno para um alto investimento.1
Todo trabalho de pesquisa tem uma história que explica a forma como o objeto
de estudo foi construído, com suas lacunas e contribuições. Nossa pesquisa e o seu
resultado não fogem a esse pensamento. Em vários momentos, os caminhos que
percorremos, os espaços em que estivemos presentes nesse trabalho estiveram sujeitos a
determinações que, muitas vezes, fugiram da nossa vontade como pesquisadores. Muito
do que vimos, coletamos, conversamos, selecionamos já foram antes inscritos na nossa
história social, cultural e profissional.
Sendo professora de Didática, sobretudo de Didática Geral, e trabalhando com
formação de professores desde meados da década de 80, vivenciamos os impasses, as
críticas, a polêmica em torno do campo da Didática. A questão da formação de
professores quase que esgotou a crítica em todos os sentidos e direções do conteúdo das
disciplinas pedagógicas que licenciam o aluno para dar aula. Dentro delas, a disciplina
Didática Geral foi alvo de discussões nessas duas últimas décadas. Chegou-se mesmo a
questionar sua identidade e a propor-lhe outro(s) objeto(s) de estudo, tal o hiato que os
programas dessa disciplina passaram a incluir.
É nessa tendência que os profissionais da área de Didática Geral têm se
dedicado a rever o trabalho em sala de aula, seus estudos e o papel da Didática Geral na
Formação de Professores. Nesse nosso percurso de tentar definir nosso objeto de
trabalho, nos deparamos com o interesse latente por um estudo mais detalhado sobre o
impacto que a disciplina Didática Geral poderia ainda estar causando nos cursos que
formam professores. Lembramo-nos que na última década, ao iniciar nossos cursos de
Didática Geral, passamos a incluir no nosso planejamento, uma avaliação diagnóstica
na qual estávamos interessados em saber dos futuros mestres suas expectativas quanto a
1 LINHARES, Célia. “Caminhos de medo e esperança”. In: LINHARES, C. & NUNES, C. Trajetórias de Magistério: Memórias e Lutas pela reinvenção da Escola Pública. RJ:Quartet Ed., 2000:23.
8
essa disciplina. A cada início desse curso ficava evidente o alto grau de expectativa
desses alunos quanto ao possível “milagre” a que essa disciplina se destinava: ensinar a
dar aula ou ajudar o professor a transmitir os conhecimentos – essas eram as sínteses
da maior parte das respostas. Sentíamos, ao longo desses anos e à frente da Didática
Geral, como era difícil desmitificar esse imaginário. Nos dias atuais, como ainda pensar
que a Didática Geral vai dar conta de toda essa perplexidade, insegurança e desafios
cotidianos a que somos submetidos com nossos alunos, trazendo para a sala de aula
culturas e saberes tão diferentes dos nossos, professores?
Esses e outros questionamentos já então nos inquietavam para um posterior
estudo: por que a Didática Geral tomou a forma que tem hoje nos cursos que formam
professores? Será que o processo de construção e reconstrução da disciplina Didática
Geral, num dado estabelecimento de ensino, acontece de forma diferente? Como essa
disciplina lidou, reinterpretou as perspectivas escolanovistas, tecnicistas e críticas dos
anos 70 e 80? Que mecanismos a instituição utilizou para manter esta ou aquela forma
de trabalhar a Didática Geral no seu currículo? Qual é a “cara” dessa Didática hoje no
currículo dessa instituição? Ou seja, em que medida o conteúdo mais crítico dessa
disciplina repercute na formação de um professor também mais crítico? Como o grupo
de professores “dialogou” com essas perspectivas presentes nesse período? Como isso
tem-se evidenciado no currículo escrito da instituição?
Estas foram as questões que nos moveram inicialmente. Resolvemos, então,
voltar no tempo, mergulhar no passado e procurar entender até que ponto o
conhecimento do passado ainda faz parte do presente que nos afeta e que, para Nunes
(1992), como educadores, voltar na história faz dela, nesse percurso, não só nossa
mestra, mas também nossa própria vida.
Investigar a história da disciplina escolar Didática Geral numa instituição de
ensino, numa perspectiva histórica, permite, a nosso ver, o entendimento dos processos
de pensamento, de conflitos, de organização e de ação de que ela se apropriou para
definir a prática curricular, considerando o contexto social vivido. O levantamento
histórico das propostas de ensino, dos guias curriculares de uma disciplina, dos
conhecimentos incluídos e excluídos que indicam a tendência para uma direção ou
outra, aliado aos processos de hibridização2 presentes no seu discurso, possibilita o
2 Para Canclini (1998), pelos processos de hibridização, os discursos perdem suas marcas originais e novas coleções são formadas. A hibridização pressupõe não apenas a mistura difusa de discursos e práticas, mas sua tradução e recontextualização.
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entendimento da função que a disciplina escolar desempenha ou desempenhou na
construção social do conhecimento e da sua própria história na instituição.
Identificamos, assim, a disciplina escolar como um processo social que se constrói por
intermédio de lutas e conflitos, no qual diferentes concepções, ideologias, tradições
entram em conflito fazendo com que certos conteúdos se incorporem à prática
pedagógica, porque são reconhecidos como socialmente válidos. Por outro lado, outros
conhecimentos são excluídos, desconsiderados, por não entendê-los como válidos.
Neste trabalho não buscamos avaliar se esta ou aquela forma como a disciplina
se configurou na instituição é certa ou errada, ou que deveria ou não ser feita. O
trabalho se concentrou na compreensão da lógica do processo de construção da
disciplina escolar, em relação às discussões que envolveram a sua construção no campo
acadêmico, buscando entender o processo de apropriação dos discursos do campo
acadêmico da Didática Geral pela escola. Há muitos trabalhos e pesquisas no campo da
Didática Geral com enfoque em se saber como o campo da Didática se constituiu.
Porém, muito poucos ou quase raros entraram numa escola para estudar a construção
dessa disciplina no contexto institucional.
Salientamos, assim, como objetivo central, reconstruir a história da disciplina
escolar Didática Geral numa instituição de ensino, entendendo essa disciplina como
(re)apropriando, de forma híbrida, os discursos acadêmicos da Didática. Procuramos
entender a disciplina escolar como uma produção híbrida da instituição escolar. Como
período de investigação, escolhemos o período dos anos de 1980 a 1990.
Articulamos, assim, dois eixos teóricos: História do Currículo (HC) e das
Disciplinas Escolares (HDE) e os processos de hibridização da cultura. Em segundo
plano, procuramos manter certo diálogo com os estudos sobre instituições escolares,
visando caracterizar a instituição investigada como um espaço próprio de constituição
da disciplina..
Dentre os estudos de história das disciplinas escolares, dialogamos com Ivor
Goodson, André Chervel e Dominique Juliá. Na análise dos processos de hibridização
da cultura, trabalhamos com Canclini, Dussel, Tiramonti e Birgin. Na análise das
instituições escolares, nos debruçamos sobre autores como Nóvoa e Canário.
Partimos, assim, do princípio teórico de que o currículo escrito não é neutro e
que, apesar de o currículo escrito, pré-ativo ter força sobre o currículo em ação,
precisamos reconhecer que, novos processos tendem a se construir e reconstruir no
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contexto escolar. Não desconsideramos, com essa afirmativa, as influências que esse
currículo escrito exerce sobre a definição dos caminhos da disciplina para a atuação na
sala de aula, assim como os critérios que apontaram a seleção dos conteúdos. Investigar
a construção social do currículo, tanto na sua prescrição quanto na sua interação torna-
se, assim, importante. O currículo escrito e o currículo em ação dependem, portanto, do
contexto social em que o conhecimento é concebido. Consideramos, portanto, que a
história do currículo não é linear e que a disciplina não é monolítica. Ou seja, cada
disciplina tem uma história relacionada com o contexto, necessidades e fins sociais de
um momento histórico vivido e que foram considerados por determinados
conhecimentos construídos para esses fins sociais maiores que, então, foram exigidos
nesse tempo.
Decidimos investigar a história da disciplina Didática no Colégio Estadual
Carmela Dutra, na zona norte do município do Rio de Janeiro. A escolha se deu pelo
fato de que nossa história como professora-pesquisadora esteve ligada a essa instituição
de alguma forma. Temos livre acesso à escola por já ter feito outra pesquisa nesse
Colégio e também por trabalhar com alguns professores desse estabelecimento em outra
instituição.
Nesse sentido, tanto o currículo escrito (formal) em forma de propostas,
manuais ou guias curriculares constituíram um importante documento de análise e,
principalmente, o Manual do professor e o Manual do aluno, resoluções, exercícios e
provas dos alunos na disciplina,caderno de planos, caderno de aluno, recurso didático
utilizado pelo professor de Didática Geral (transparências) e livros usados na época –
permitiram o estudo da prática e construção da disciplina na instituição pesquisada.
Buscamos argumentar assim que, todo esse processo de (re)apropriação desses
discursos não se fez de forma neutra. Consideramos que a disciplina escolar Didática
Geral é uma produção híbrida na instituição pesquisada, tendo percorrido, no seu
interior, um caminho marcado por interesses, ideologias, conflitos que se originaram
dentro e fora do espaço escolar. As lideranças, os recursos, o prestígio, as tradições, a
cultura e o clima organizacional da instituição são algumas das questões que
interferiram nessa construção da disciplina no Colégio.
No nosso estudo foi bastante significativa a representatividade dos sujeitos que
viveram a história da Didática na instituição, no período demarcado. Thompson (apud
Louro, 1991) referencia o critério “idade” dizendo que esse critério pode permitir uma
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reconstituição histórica mais rica. Ele afirma que as pessoas mais velhas em geral
mostram-se mais dispostas a falar de fatos pouco louváveis de sua vida passada do que
na época em que os viveram. Ou seja, entrevistamos os professores mais antigos e que
permaneceram há mais tempo na instituição por conta de que viveram, vivenciaram,
lutaram frente aos conflitos e disputas no interior da instituição. Esses dados são
importantes porque consideramos que o problema da representatividade numa pesquisa
oral sobre o passado é relevante.
O período dos anos 80 foi por nós considerado como o mais significativo para
tratar do objeto de nosso estudo porque foi o período de confronto entre os ideários
“tradicional” e “crítico”. Com base nessa premissa, selecionamos, principalmente, o
Manual do Professor de 1980, para nossa análise.
Tínhamos em mãos uma entrevista semi-estruturada, mas nos propusemos a
fazer também um trabalho apoiado em história de vida, por exemplo, ressaltando os
testemunhos das cinco ex-alunas do Colégio que lá voltaram como professoras de
Didática. Trabalhamos com a análise das informações obtidas e sua comparação com
outras fontes documentais, a fim de obter um grau maior de fidedignidade para os
propósitos da pesquisa.
Assim, a partir da explicitação do caminho percorrido, procuramos indicar como
se realizou o trabalho de campo. Este não se desenvolveu em etapas rígidas, isto é,
durante o tempo de permanência no Colégio o nosso referencial de análise foi sendo re-
elaborado, reavaliado e refletido sobre o “evidente”, como já assinalamos. Reiteramos
que, o fato de se ter penetrado numa situação real e de se ter como objeto de estudo a
disciplina Didática Geral, nos fez voltar na nossa própria história de vida como
professora dessa disciplina durante dezoito anos, até a presente data. Naturalmente que
isso nos levou a um envolvimento com os sujeitos pesquisados.
Esse envolvimento, longe de comprometer a objetividade, foi para nós fator
fundamental para o conhecimento de determinadas forças existentes na realidade
escolar, na cultura organizacional da instituição, que talvez não pudéssemos desvendá-
las, caso fosse mantida uma postura de suposta neutralidade frente ao grupo estudado.
Aceitamos essa situação, às vezes ambígua, às vezes muito familiar, como inerente ao
nosso trabalho. De um lado, o que nos impulsionava era a busca do conhecimento
respaldado sobre uma teoria, os referenciais de análise, a objetividade, a isenção. De
outro lado, existia (e existe ainda latente) a nossa história de vida, as nossas
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representações, os nossos “conceitos” a cruzarem o processo de análise.
Nesse sentido, queremos expressar o fato de que, certamente, não demos conta
do que acreditávamos poder analisar, mas nossa preocupação foi estarmos atentos a
alguns pressupostos assumidos, como por exemplo, o fato de que a metodologia não
pode ser, simplesmente, reduzida aos procedimentos técnicos de levantamento de
dados, mas revela a postura política do pesquisador diante do objeto a ser investigado.
Na verdade, o que sentimos ao partirmos para nossas análises é a certeza de que
o processo de produzir conhecimento é rico e construtivo porque nos impulsiona a
descobrir onde se “esconde” a nossa sensibilidade para captar a realidade ou parte dela.
Esse processo nos obriga a refletir e rever nossa postura diante da educação, nossos
preconceitos, nossas contradições, nossa “verdades”. Enfim, nos faz visualizar que essa
realidade vivida e observada é multifacetada, sendo impossível conhecê-la por inteiro.
Na nossa análise consideramos como questões para o estudo: a visão dos
professores entrevistados no que se refere à posição e status da disciplina Didática
Geral no currículo da instituição. Queríamos saber: Qual a concepção da disciplina
Didática no currículo da instituição, na percepção dos professores que vivenciaram a
sua construção na instituição? A segunda questão envolveu o currículo escrito da
disciplina Didática Geral, no sentido de se entender que conteúdos foram considerados
mais relevantes e os que foram excluídos, no período histórico demarcado da pesquisa.
Nossa terceira questão focou os padrões de estabilidade presentes na instituição que
mantiveram ou modificaram o status da disciplina no currículo desse Colégio. Como
quarta questão, consideramos a necessidade de compreender os processos de
hibridização que permearam os discursos dessa disciplina, ao longo desse tempo, na
instituição.
Organizamos o trabalho da seguinte maneira: no primeiro capítulo explicitamos
como o conhecimento da História do Currículo e das Disciplinas Escolares pode nos
ajudar a entender o currículo escrito da disciplina Didática Geral, como essa disciplina
se constrói na instituição, explicando como os conhecimentos selecionados nessa
disciplina se transformam no que realmente são, descrevendo os mecanismos sociais
que permeiam essa construção.
No segundo capítulo, focalizamos o processo de hibridização presente na
constituição da disciplina, procurando entender as conseqüências pedagógicas para a
definição de sua identidade no currículo da instituição, tanto na forma, quanto no
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conteúdo. As questões teóricas sobre hibridismo são importantes nesse estudo na
medida em que nos ajudaram a compreender o currículo de Didática não só como um
híbrido de conteúdos diversos da área de Didática pertencentes a perspectivas teóricas
também diversas, como também possibilitou identificar os processos de hibridização
presentes nos diferentes discursos oficiais: MEC, SEE (Secretaria Estadual de
Educação) e que chegam à instituição escolar via direção e supervisão pedagógica.
No terceiro capítulo, realizamos algumas reflexões sobre o campo acadêmico da
Didática no Brasil, focalizando pistas através de autores brasileiros, a fim de entender
as relações entre a Didática como disciplina escolar na instituição e a Didática no
campo acadêmico. No quarto capítulo, realizamos um breve histórico do Colégio
Estadual Carmela Dutra dos anos 70 a 90, utilizando como fonte histórica,
principalmente, o documento “Escola Normal Carmela Dutra – Breve história” (1995)
de autoria da professora Izabel Klausner. Nesse capítulo focalizamos a cultura
organizacional da escola relacionando-a com a documentação e interpretações feitas
pela escola, triangulando com testemunhos de professores que viveram na época.
No quinto capítulo, procuramos traçar a história da disciplina Didática Geral no
Carmela Dutra traçando um paralelo entre a Didática proposta nos anos 80, a que foi
construída no período demarcado e a atual, mostrando como essa Didática aí se
constituiu e que rumo tomou. Explicitamos a metodologia utilizada na pesquisa, os
procedimentos de seleção do material, escrito e oral, as categorias do estudo, assim
como os critérios utilizados na seleção dos profissionais entrevistados. Analisamos,
ainda, os documentos coletados, cruzando com as falas e histórias de vida dos sujeitos.
As conclusões referentes ao processo pelo qual a disciplina escolar Didática
Geral foi construída na instituição foram focalizadas nas conclusões, analisando-se os
discursos acadêmicos que foram (re)apropriados pela disciplina no colégio, assim como
os processos e mecanismos presentes que influenciaram na escolha por determinado
discurso que hoje se configura na definição e prática dessa disciplina no currículo da
instituição.
Assim, objetivamos com este trabalho, construir mais um caminho de
possibilidades para as futuras pesquisas em História das Disciplinas Escolares, numa
instituição específica de ensino. Precisamos estar apaixonados e preparados para viver
essa aventura de mergulhar nos arquivos, descobrir fontes ainda não exploradas e, às
vezes, renunciar à estabilidade teórica, não no sentido de abandonar a teoria, mas no
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sentido de não perder a dimensão do que é fundamental na nossa leitura, a compreensão
da teoria e a essência da evidência com que trabalhamos.
CAPÍTULO I
15
HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS ESCOLARES
O passado é inacabado, no sentido de queo futuro o utiliza de inúmeras maneiras.
Daí a possibilidade, e para nós exigência, de que cadageração reescreva a ou as histórias daqueles que a antecederam.3
A perspectiva sócio-histórica que assumimos neste trabalho, com a intenção de
explicar as transformações ocorridas na disciplina escolar Didática numa instituição
escolar específica, foi apontada pelos autores de “Knowledge and Control: new
directions for the Sociology of Education”, obra organizada e editada por Michael
Young, em 1971. Essa importante obra foi o marco inicial da corrente que ficou
conhecida como a nova sociologia da educação (NSE), a primeira corrente sociológica
voltada para a discussão do currículo. A NSE coloca em questão o porquê de
determinado conhecimento ter sido selecionado para ser transmitido na escola.
Apesar de algumas diferenças de enfoque dos autores de K & C, a idéia de
conhecimento como construção social e relativa é comum entre os autores dessa obra.
O artigo específico de Young nos indica que o que conta para a NSE não é saber qual
conhecimento é verdadeiro ou falso, mas sim saber o que conta como conhecimento.
Esse texto tem como foco central o conhecimento escolar entendido como socialmente
construído.
Foi a partir das questões que a NSE levantou, que os programas de pesquisa
sobre conhecimento escolar passaram a valorizar a investigação histórica e os estudos
das disciplinas escolares. O projeto da NSE apontava para a necessidade de novas
pesquisas com o propósito de se examinar como as disciplinas são socialmente
construídas, mas não chegou a ser desenvolvido à época da sua criação. Young (1977)
já sinalizava para a escassez de estudos empíricos que explicitavam suas idéias e a de
seus seguidores, afirmando que essa lacuna poderia ser preenchida por estudos
históricos. Por intermédio desses estudos seria possível encaminhar a investigação para
o entendimento de que formas de conhecimento privilegiadas foram sendo construídas
ao longo do tempo, quais as que foram refutadas e do porquê de certos fatores
3 NUNES, Clarice. História da Educação: Espaço do Desejo. In: EM ABERTO. Brasília: Inep, março1991, pp.37 – 45.
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interagirem no sistema escolar, influenciando-o mais para uma direção e não, para
outra. Sinalizou-se, então, que os estudos de currículo, enquanto realizados por
historiadores da educação, não privilegiavam o enfoque curricular da problemática.
A partir dessas idéias, objetivamos neste capítulo, situar a origem dos estudos de
currículo e neste, a História das Disciplinas Escolares. Discutiremos o conceito de
currículo, de currículo escrito, “pré-ativo” na concepção de Goodson (1995), a
concepção de disciplina, a diferença entre disciplina acadêmica e disciplina escolar. A
seguir, salientamos o currículo como seleção cultural (Williams, 1961), o conceito de
tradição seletiva e o currículo como tradição inventada (Hobsbawn, 1985), o currículo
em ação para Goodson, o campo da História do Currículo e a posição da História das
Disciplinas Escolares nesse campo, com base nos estudos de Goodson (1995, 1997) e
Chervel (1990).
Finalmente, para entender esse processo de construção de determinado currículo
e legitimação de uma dada disciplina desse currículo, focalizamos fatores internos e
externos à escola que acabam por neutralizar, resistir, estabilizar ou provocar formas de
mudança no currículo: padrões de estabilidade e mudança. Sugerimos, ao final,
contribuições teóricas da HDE para a pesquisa por nós desenvolvida.
1.1 - O campo do Currículo
1.1.1 – O conceito de currículo
A fonte mais antiga de “curriculum” provém de Glasgow, em 1633 e segundo
o Oxford English Dictionary. Goodson (1995:31) cita Hamilton, relacionando a idéia
de currículo à de disciplina e que seria proveniente do calvinismo, com origem em
1509: “... o senso de disciplina ou ordem estrutural absorvido no currículo procedeu
não tanto de fontes clássicas quanto das idéias do John Calvin”. Para Goodson
(1995:32), a palavra currículo viria da palavra latina Scurrere, correr e refere-se a
curso (ou carro de corrida). Assim, o conceito de currículo como seqüência
estruturada ou “disciplina” teria sua origem no calvinismo: “o currículo como
disciplina aliava-se a uma ordem social onde ‘os eleitos’ recebiam um prospecto de
educação avançada, e os demais recebiam um currículo mais conservador” (ibid).
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Ele faz, assim, uma primeira relação entre conhecimento e controle e que
funcionaria em dois níveis: o do contexto social e da “forma” com que este
conhecimento é interpretado. Com a institucionalização do currículo e o sistema de
sala de aula surge a matéria escolar. A “classe e o currículo” se transformam em
“sala de aula” e “matéria escolar”.
Desde sua introdução no campo pedagógico, a palavra currículo ganhou
várias definições (Santos e Paraizo. Hoje ainda existem múltiplos significados que
lhe são atribuídos. Para Santos & Moreira (1995:47): “Conhecimento escolar e
experiência de aprendizagem representam os dois sentidos mais usuais da palavra
currículo, desde a incorporação desse termo ao vocabulário pedagógico”.
O que estuda o campo do currículo? Para Forquin (1993:22), currículo é
fundamentalmente “... um conjunto contínuo de situações de aprendizagem
(“learning experiences”) às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um dado
período, no contexto de uma instituição de educação formal.” Taylor e Richards
(1979:11) situam que o currículo “é o meio pelo qual o ensino se cumpre. Sem um
currículo o ensino não teria veículo nenhum através do qual transmitir suas
mensagens, encaminhar suas significações, transmitir seus valores.” Para Williams
(1984), o currículo é definido como o produto de uma seleção no interior da cultura.
Isso corresponde a um conjunto de ênfases e omissões que expressam o que se tem
como válido e legitimado de ser ensinado na instituição escolar, num determinado
período histórico. Ou seja, entendemos que o currículo nessa perspectiva, não pode
ser considerado como neutro ou à parte dos sujeitos que o criam.
1.1.2 – O currículo como seleção cultural
1.1.2.1 – O conceito de ‘tradição seletiva’
Raymond Williams (1961) desenvolve o conceito de ‘seleção cultural’ como
‘tese’ original de suas pesquisas em história da cultura. Ele conclui que a cultura da
tradição seletiva é um elemento de conexão entre cultura vivida (cultura de uma época
e de um lugar determinado) e a cultura de um período (cultura de todo tipo). Primeiro,
ele defende que toda educação realiza uma combinação entre coisas que se enfatizam e
18
outras que se omitem. A cultura seria, nesse sentido, o objeto de e para a seleção. Ao
mesmo tempo, ele diz que corresponde a escolhas culturais fundamentais e, como tal,
passa a ser o instrumento gerador dessas mesmas escolhas. Estaria presente, portanto, a
ambivalência desse conceito: “seleção na cultura e seleção em função da cultura”.
Nesse processo, Williams (ibid) questiona a lógica de condução da memória coletiva
que permite ao homem conservar vivos certos aspectos da herança do passado. Essa
“cultura documentária” seria limitada pela “estrutura da sensibilidade” característica de
um lugar e de um tempo e que, na realidade, é o que se transmite entre os grupos
sociais.
O que acontece é que alguns aspectos dessa cultura do passado estariam ‘vivos’
no presente e ainda carregados de sentido. Apesar dos anos passarem, (re)interpretações
são feitas das conexões da cultura vivida (e que só é acessível a quem vive esta época e
lugar no momento) e da que se tem de períodos anteriores registrados. Esse fenômeno
passaria pelo processo de “tradição seletiva”, que possibilita descobrir as memórias
dessa cultura que ficaram registradas. Trata-se de um processo que não é realizado
exclusivamente pela educação, mas ela tem papel significativo nesse processo. Para
Williams (ibid.), o conteúdo da educação, que se modifica ao longo do tempo, é fruto
de escolhas sociais. A cultura que ficou mostra que a palavra ‘seletiva’ é mais
significativa que a ‘tradição’. A ‘tradição’ seria o passado relevante e a ‘seletiva’
indicaria “a forma em que, de todo um campo possível de passado e presente,
escolhem-se como importantes determinados significados e práticas, ao passo que
outros são negligenciados e excluídos.” (Gramsci, citado por Apple, 1982:15). A
‘tradição’ seria, portanto, inventada, construída, reconstruída. Não, necessariamente, o
que foi selecionado é o melhor, se pensarmos que quando analisamos o passado
estamos interpretando o presente e o questionamento parte de: quem seleciona essa
cultura? Para quem ela é selecionada?
A partir do conceito de “tradição seletiva” é que se interpreta a seleção da
cultura e isso não depende só da motivação intrínseca dos envolvidos. Estão presentes
nesse processo, relações de força ‘vivas’ no presente e/ou movimentos de opinião que
acabam por prevalecer e que determinam esse “processo contínuo de seleção e re-
seleção dos ancestrais.” (Williams, 1961:52).
Ou seja, a tradição cultural “não é só seleção, é também interpretação” (Forquin,
1993:34). Para Apple (1989), não está definido quem faz essa seleção cultural para o
19
currículo escolar, porque o currículo é produto de lutas contínuas, de acordos, de
conflitos e alianças.
Sendo assim, a cultura ou o conhecimento dominante hegemônico não nos é
imposto autoritariamente. Eles são incorporados ideologicamente como algo de muito
valor e que resultou dessas lutas ao longo do tempo. Logo, não são tão facilmente
desconstruídos. Considera-se, na verdade, a elaboração do currículo como um processo
que inventa tradição já que, com freqüência, emprega-se esta linguagem quando se
justapõem ‘disciplinas tradicionais’ ou ‘matérias tradicionais’ contra inovações cujos
temas estejam integrados ou centralizados na criança. Passamos a discutir a visão de
currículo como ‘tradição inventada’.
1.1.2.2 – Currículo como Tradição Inventada
O termo ‘tradição’, tal como é usado atualmente, é na verdade um produto dos
últimos duzentos anos na Europa, pois não existia a noção geral de tradição nos tempos
medievais. (Giddens, 2000). Para esse autor, a idéia de que a tradição é impermeável à
mudança é um mito. Ela evolui ao longo do tempo, mas pode ser alterada ou
transformada de maneira bem repentina. Para Giddens (ibid:51): “ uma tradição
completamente pura não existe.” Todas as tradições são inventadas. Além disso, para
ser tradicional, uma determinada prática não precisa ter existido por séculos. A
persistência ao longo do tempo não é o que define precisamente a tradição. O ritual e a
repetição, sim. As tradições são sempre propriedades de grupos ou comunidades que
compartilham crenças e sentimentos coletivos estruturados no presente pelo próprio
passado dessas mesmas comunidades. Hobsbawn (1985) em mostra que muitas formas
de comportamento que tendemos a acreditar que são provenientes de tempos
imemoriais foram, de fato, estabelecidas recentemente. Goodson (1995:78) referindo-se
a Hobsbawn diz que “a elaboração do currículo pode ser considerada um processo pelo
qual se inventa teradição.” Para Hobsbawn (1985:01):
Tradição inventada significa um conjunto de práticas e ritos: práticas
normalmente regidas por normas expressas ou tacitamente aceitas; ritos ou
natureza simbólica - que procuram fazer circular certos valores e normas de
20
comportamento mediante repetição, que automaticamente implica em
continuidade com o passado. De fato, com um passado histórico apropriado.
Ou seja, tradições e costumes inventados não são genuínos, são fabricados,
construídos, reconstruídos e usados como meios de poder. Por exemplo, reis, sacerdotes
e outros vêm há muito inventando tradições que lhes convenham e que legitimem sua
posição superior. Goodson exemplifica, nesse sentido, o currículo escolar como
“invenção de tradição” (1995:27). As prioridades políticas e sociais são predominantes,
nesse sentido.
O currículo como “tradição inventada” não é algo que se considere como pronto
de uma vez por todas. Como tradição ele define um tipo de verdade – ele fornece uma
estrutura para a ação que pode até permanecer por muito tempo sem ser questionada.
Determinada seleção de conhecimentos pode até vir beneficiando, ao longo do tempo,
determinados grupos dominantes. Isso ocorre por ser o currículo acadêmico abstrato,
livresco, fragmentado, hierarquizado e centrado mais no desempenho escrito do que no
oral.
Para Lopes (1997), qualquer conhecimento hoje sofreu inegavelmente esse
processo de seleção, passando pelo crivo de gerações e gerações. Trata-se de uma
seleção mascarada por interesses de determinados grupos sociais permeados por
relações de poder em determinado contexto. Está, assim, implícito o caráter humano
dessa cultura. Concordamos com a idéia de que esse processo de seleção não é filtrado
apenas por conhecimentos eruditos ou científicos. Esse processo é fruto de origens e
reconstruções diversas. Se considerarmos que a elaboração de um currículo pode ser
vista como um processo que inventa tradição, a história dos conflitos curriculares do
passado precisa, portanto, ser retomada. Com ela, a relação oriunda entre conhecimento
e controle na forma simbólica das disciplinas escolares.
Existe uma certa tendência a considerar as disciplinas como definitivas no
currículo, sem se considerar todo o processo histórico no qual se constrói uma
disciplina ao longo do tempo. Tende-se a naturalizá-las, sem sequer se questionar os
processos de seleção cultural responsáveis por sua inclusão no currículo.
A noção de conteúdo do currículo está sempre visível nesse processo. Falar em
conteúdo é se reportar à disciplina e vice-versa. Concordamos com Goodson (1997:23)
quando, ao se referir a Williams, destaca a sua preocupação com a construção social
21
dos conteúdos específicos. Na verdade o termo ‘currículo’ está fortemente vinculado à
idéia de ‘conteúdo a ser apresentado para fim de estudo’.
Goodson (ibid) relata que a origem da palavra ‘currículo’ surgiu com a palavra
‘classe’ e na época em que a escolarização estava se tornando uma atividade de massa,
quando, então, inaugurou o currículo prescrito e seqüenciado em níveis ou estágios. Foi
a partir daí que a idéia de disciplina surge denotando uma relação homóloga com
‘currículo’. Pensar em conteúdos é pensar em disciplinas, é pensar em currículo, mas
não é só pensar em se deter na descrição estática do passado. É também compreender
porque essas disciplinas, esses conteúdos, esse currículo se organiza desta ou daquela
forma, com esta ou aquela forma de ensinar.
Entender essa lógica é ponto de partida para a possibilidade de se entender que
formas o currículo toma na prática e por que essa ou aquela forma é vista, ou não, como
válida. Passamos, assim, à discussão do currículo na sua forma escrita e do currículo em
ação.
1.1.3 – O currículo escrito e o currículo em ação para Ivor Goodson
Goodson (1995:17) afirma que há conflitos em torno da definição de currículo
escrito e que esses conflitos mostram
(...) uma prova visível, pública e autêntica da luta constante que envolve as
aspirações e objetivos da escolarização(...) O currículo escrito não passa de um
testemunho visível, público e sujeito a mudanças, uma lógica que se escolhe para,
mediante sua retórica, legitimar uma escolarização... o currículo escrito estabelece a
lógica e a retórica da matéria(...) o que aparece é apenas o aspecto mais tangível(...)
Goodson, assim, valoriza a idéia de currículo pré-ativo (currículo como matéria
de ensino) e de currículo escrito. O currículo escrito, na sua forma pré-ativa, oferece um
roteiro que legitima seu discurso a tal ponto que ele fica vinculado à padronização de
recursos, à atribuição de status, à padronização de exames e interesses de carreira. O
entendimento dos conflitos em torno dessa definição pré-ativa de currículo escrito pode
ajudar a entender melhor que, essa definição pré-ativa não só é constitutiva da própria
22
construção de currículo, como também podemos compreender até que ponto essa
definição aponta para determinados valores e objetivos que tendem a estabelecer
“...parâmetros para a ação e negociação interativa no ambiente da sala de aula e da
própria escola.” (Goodson, 1995:21)
A distinção entre currículo escrito e currículo em ação não pode ser, portanto,
ignorada. O currículo escrito é algo a ser ressaltado e defendido num determinado
período e contexto histórico-social. É o currículo planejado e que expressa as intenções
da escolarização. O currículo escrito, em confronto com interesses e conflitos, pode se
efetivar ou não, em currículo em ação. Para Goodson (ibid:32), a relação que se
estabelece entre conhecimento e controle na definição de currículo funciona em dois
níveis: “Em primeiro lugar, existe o contexto social em que o conhecimento é
concebido e produzido. Em segundo lugar, existe a forma em que este mesmo
conhecimento é ‘traduzido’ para uso em ambiente educacional particular ... as salas de
aula.”
Dessa visão, entende-se que, às vezes, as perspectivas defendidas, tanto no nível
macro quanto no micro de um sistema de ensino, embora não sejam opostas, se inter-
relacionam. O que se viabiliza no campo curricular é um certo distanciamento entre o
que se pretende e o que realmente acontece em sala de aula.
Sendo assim, tanto o currículo formal quanto o currículo em ação precisam ser
investigados. O importante para se estudar o currículo formal (proposta de disciplinas
com seus planejamentos, os guias curriculares, os projetos políticos-pedagógicos) é
enfatizarmos a necessidade da história social desse currículo, procurando entender a
época em que ele aconteceu, que ligações foram feitas com o contexto social da época e
que lhe deram um determinado ‘tom’. Estudar essa perspectiva de currículo não pode
ser com os olhos de hoje. Esse ‘tom’, essa proposta cultural, precisa ser entendida
dentro do recorte histórico em que ela se manifestou, no diálogo que ela fez com a
cultura do seu tempo. Investigar essas contingências, a partir da análise histórica, é uma
forma de se identificar os ‘jogos de interesses’ a que esse currículo foi submetido. Ao
invés disso, ignorar a história e a construção social favorecerá a “... mistificação e
reprodução do currículo tradicional, tanto na forma como no conteúdo.” (Goodson,
1995:27)
No que se refere ao currículo real, o currículo em ação, temos a realidade de que
nem sempre as escolas aceitam ou reproduzem passivamente os discursos ditados pelos
23
órgãos oficiais ou pelas escolas de formação. Vemos sempre esses discursos
caminhando em diferentes direções, ainda que influenciados por instâncias externas à
escola. A cultura própria das escolas, as tradições, as propostas tendem a não se
concretizar da forma que foram pensadas. Esses discursos se imbricam, se
interpenetram na prática das instituições e acabam sendo ‘contaminados’ pela cultura
escolar, pela sua rotina, pelo seu cotidiano. Acabam se tornando diferentes daquilo que
se idealizou à princípio. Vão se tornando produtos ‘híbridos’4. Até chegar a essa nova
forma, os discursos passam por lutas entre grupos interessados em novas formas de
organização. Por outro lado, esses mesmos grupos resistem a mudanças que possam
desviar de seus valores, crenças, interesses e privilégios até então conquistados no seu
meio. A construção, desenvolvimento e integração dos enfoques citados possibilitam a
apreensão da estrutura e ação no estudo do currículo e, ao se desenvolver uma
perspectiva construcionista social, se assume abandonar o enfoque único posto sobre
currículo como prescrição e que a estrutura e a ação podem ser associados ao
conhecimento de currículo. Ou seja, conhecimento e currículo precisam ser
apresentados como provisórios e passíveis de construção. A definição pré-ativa de
currículo parece estabelecer dois significados para o currículo: no currículo escrito
existem critérios, intenções que acabam por atender a uma avaliação pública da
escolarização e que seria externa ao conhecedor. Ao mesmo tempo, acabamos por criar
novas formas ao interpretarmos, ao darmos sentido com nossas ações a essa definição
pré-ativa. O currículo, portanto, não tem uma história linear, causal e, igualmente, não
pode ser entendido apenas como conceituação formulada pelo macro-sistema. É preciso
abordar as (re)elaborações no âmbito micro educacional combinadas com as propostas
macro-sociais, (re)interpretando-as a partir da análise do cotidiano da instituição
escolar. Este foco é importante neste estudo porque as instituições escolares possuem,
conforme já sinalizamos aqui, uma cultura que lhes é própria, composta pela interseção
de diferentes culturas que ‘convivem’ no espaço escolar.
Goodson (1987:03) destaca, nessa linha de reflexão, a importância de se
considerar nessa análise de currículo, os níveis macro e micro porque:
(...)Concentrar a atenção no micronível de grupos ligados a alguma
matéria de alguma escola, não é negar a importância fundamental das
4 Essa questão de “hibrido” e hibridismo será desenvolvida no capítulo II.
24
mudanças econômicas de macronível ou das mudanças de idéias intelectuais,
dos valores dominantes ou dos sistemas educacionais.
Por conseguinte, é importante associar a importância do caráter histórico-social
deste estudo em todos os níveis: no pré-ativo, no interativo e, em todas os níveis, tanto
no micro quanto no macro. Essa conexão não só melhora o entendimento da política
curricular, como também nos alerta para o fato de que não se deve abandonar os
estudos sobre prescrição como formulação social. Pelo contrário, é importante
visualizar o aspecto histórico do currículo, tanto na sua prescrição quanto na sua
interação. Ao situarmos o campo da História do Currículo nesse estudo, estaremos
coletando subsídios para esse entendimento.
1.2- O campo da História do Currículo (HC)
Durante muito tempo, os autores ligados à área do currículo tentaram definir o
que seria o campo de atuação da História do Currículo. A própria forma de expressão
desse campo traz diversas interpretações entre duas temáticas: a história e o currículo.
Goodson (1988) defende que os estudos históricos não dão conta da
compreensão do currículo no cotidiano escolar. Os estudos no campo da HC têm se
realizado considerando algumas temáticas centrais como: história do pensamento
curricular, história de reformas e propostas curriculares, história dos currículos de
cursos específicos e História das Disciplinas Escolares (HDE).
No primeiro tema, temos Barry Franklin (1991) que defende uma perspectiva de
especificidade da HC em relação à história da educação: a história do pensamento
curricular e do desenvolvimento das teorias curriculares, programas e métodos.
Segundo esse autor, essas temáticas são pertinentes ao campo da história da educação.
Para Franklin (1991), a HC seria similar à história da medicina, da psicologia ou da
sociologia. Autores como Dewey, Bobbit, Tyler e Kliebard analisam diferentes
confrontos, avanços e hiatos (lacunas) do pensamento curricular ao longo do tempo,
visto que essa linha é o ramo da HC que mais se desenvolveu nos Estados Unidos pelos
estudos feitos por esses autores.
Na segunda linha de estudos, Franklin desenvolveu estudos que relacionavam a
história do pensamento curricular à análise da implementação de reformas curriculares.
25
O autor procurou entender como se articulava no pensamento dos autores do
movimento da eficiência social, a idéia de controle social. Ele agregou à essa análise da
penetração desse pensamento aos efeitos provocados pelas reformas curriculares nos
sistemas de ensino. Esse segundo núcleo que integra a história do pensamento
curricular com o estudo da implementação de reformas curriculares em sistemas de
ensino também é bastante desenvolvido por autores americanos.
Já na linha que se preocupa com a história dos currículos em curso, situamos
Popkewitz (1993) com a preocupação em analisar os discursos educativos, as formas
como o currículo constrói identidades e subjetividades, desconstruindo relações com o
poder. Nessa perspectiva, os estudos partem da investigação no nível micro, em estudos
de caso, possibilitando a compreensão dos elementos fundantes que orientaram
determinados caminhos percorridos pelo currículo em ação.
Autores como Davis (1976) e Franklin (1977) polemizam quanto ao objeto de
estudo da História do Currículo. Davis defende que o objeto de estudo da área de
História de Currículo deveria ser a evolução de um curso ou de uma disciplina escolar.
Franklin contesta esse enfoque, afirmando que o objeto currículo é dotado de uma
dinâmica que os trabalhos feitos pela História da Educação (enfoques voltados para a
evolução das grades curriculares, programas e métodos) não chegam a captar e ainda
considera História do Currículo apenas a história do pensamento curricular e do
desenvolvimento das teorias curriculares.
Essa especificidade do campo da História do Currículo vem a ser melhor
definida por Kliebard (1992). Esse autor e Franklin acabam abandonando a polêmica
sobre a distinção entre História da Educação e do Currículo, opinando que a maneira
mais construtiva de ajudar a reformular os problemas da área com base na História,
passa pela postura de se considerar a História do Currículo numa perspectiva crítica e
não, necessariamente de que a História do Currículo simplesmente aponte soluções
práticas imediatas para problemas específicos na área.
Para Franklin, os praticantes da História do Currículo deveriam ser indivíduos
cujo treinamento básico seja em currículo e não, historiadores educacionais que
aconteceram de estar interessados na natureza de um curso dentro das escolas. Ele vê “a
história do currículo como uma especialidade do campo do currículo, distinta da
história da educação” (In: Goodson, 1998:17). Em direção contrária a Franklin, Chervel
(1990) e Goodson (1998), autores de estudos sócio-históricos, focalizam que a história
26
do currículo busca compreender como e por que determinado conhecimento é ensinado,
ou não, em dado momento histórico. Toda essa discussão sobre currículo interessa neste
estudo na medida em que consideramos que entender a história de uma disciplina
escolar numa instituição específica demanda entender, em grande parte, o seu currículo
e a lógica através da qual os fatos se constituíram na instituição pesquisada.
Consideramos, portanto, que a história do currículo compreende não só a história do
pensamento curricular, mas também a própria história do ensino de uma disciplina
relacionada ao desenvolvimento curricular.
Nos anos oitenta, os estudos focalizando a HDE ganharam ênfase,
principalmente nos Estados Unidos e Europa. Esses estudos têm procurado
compreender a diferente valorização das disciplinas escolares no currículo. Goodson,
como um dos principais historiadores das disciplinas, tem buscado integrar em seus
trabalhos as conclusões de outros autores do campo. Interessa a esse autor, entender
como determinadas áreas de conhecimento são transformadas em disciplinas escolares
e o processo pelo qual uma disciplina muda seu enfoque ao longo do tempo.
Goodson (1997:26) aponta que os estudos sobre as disciplinas escolares
avançam “... no sentido de examinar a relação entre o conteúdo e a forma da disciplina
escolar, e de analisar as questões da prática e dos processos escolares.”. Ou seja, essas
orientações apontam para uma abordagem mais ampla no que se refere ao estudo das
disciplinas escolares e do currículo.
Neste trabalho focalizamos, essencialmente, questões que envolvem a ‘seleção’
(como? por que tal conhecimento foi selecionado?) da disciplina Didática do curso de
formação de professores numa instituição e a posição, o status dessa disciplina no
currículo do curso. Os estudos de Goodson não contemplam uma instituição específica,
mas ele sugere que, à medida que a investigação for explorando a forma como a
disciplina escolar se relaciona com os parâmetros da prática escolar, passa a ser
necessário empreender mais investigações sobre “... a caixa negra do currículo escolar”
(ibid:93).
Na verdade, a disciplina escolar cria um ethos no qual a história das forças
sociais que oficializa e apóia os padrões curriculares, pode ser estudada e analisada.
Podemos, portanto, considerar que os currículos escolares de determinada instituição
escolar partem do pressuposto de que certas áreas do conhecimento são mais válidas e
legítimas que outras. Segundo Goodson (1990:32), as opções feitas passam por uma
27
lógica processual “onde grupos dominantes indeterminados exercem controle sobre
grupos presumivelmente subordinados na definição do conhecimento escolar.” Apesar
de a escola ter autonomia relativa na definição do currículo da instituição, ela resiste,
luta quando percebe que está havendo um afastamento de valores, crenças e, até,
privilégios dos grupos que têm voz no interior da instituição. Desse modo, haverá
sempre um determinado grupo buscando formas de fazer com que ela predomine. O que
temos de comum e que tem persistido ao longo do tempo na HC é que “... a organização
disciplinar é a que tem sido hegemônica na história do currículo.” (Lopes & Macedo,
1999:01). Passamos a seguir, a discutir o significado e âmbito da HDE.
1.3 – A História das Disciplinas Escolares
Ivor Goodson e colaboradores têm discutido a questão das mudanças sofridas
pelas disciplinas escolares e sua relação com determinados fatores ligados ao contexto
social. Muitos ainda consideram que as matérias ou disciplinas escolares são estáveis ao
longo do tempo. Na verdade, sob uma mesma denominação, diferentes conteúdos vão
sendo ensinados nesse período.
Ao investigarmos os caminhos percorridos pelas disciplinas, Goodson
(1990:230) cita sugestão feita em 1968 por Musgrove – as matérias escolares devem ser
examinadas “... tanto dentro da escola quanto na nação em geral, como sistemas sociais
sustentados por redes de comunicação por recursos materiais e por ideologias.” Ele
ressalta ainda que, no interior de uma determinada instituição escolar ou na própria
sociedade, faz-se necessário examinar as matérias escolares como comunidades de
pessoas que ora compartilham, ora competem entre si, criando-lhes um senso de
identidade que lhes é própria.
Para Moreira (2000)5, a história das disciplinas tem sido bem trabalhada aqui no
Brasil. Especialistas têm procurado entender o rumo das diferentes disciplinas. Por
exemplo, o que levou em determinado momento, a Matemática a voltar-se mais para a
chamada Matemática Moderna e, mais tarde, voltar-se para a tradicional. Ou o que
5 Entrevista feita com o professor Antônio Flávio Barbosa Moreira ao Jornal do Brasil, publicada no caderno Educação e Trabalho, do dia 22/10/2000.
28
levou a uma Geografia mais física e o que levou, depois, a uma Geografia mais
econômica. A compreensão dos fatores que interferem nisso é muito importante.
Desse modo, a origem de uma determinada disciplina não segue os mesmos
padrões do nascimento de outras. A forma como se estabelecem está em constante
transformação e variação, visto que é produto da união de diferenciados grupos, unidos
por interesses e tradições comuns. Ivor Goodson tenta entender como as disciplinas não
são monolíticas, são espaços de tensão, de conflitos, de disputas por hegemonia.
Segundo esse autor, uma disciplina surge no currículo, a princípio, para responder a
uma necessidade social de imediata de existência e, para que ganhe prestígio, vai
buscando um caminho, uma tradição mais acadêmica, abstrata, mais distanciada do
cotidiano, da realidade. Há sempre nesse caminho de criação, recriação e valorização
das disciplinas, conflitos e lutas por financiamentos, recursos, prestígio de
determinados grupos, lideranças e interesses políticos.
Se observarmos disciplinas como Ciências, o caminho é um pouco esse. Para
Goodson (1995:114) ela surge para explicar o cotidiano e “... as experiências dos alunos
sobre natureza, ambiente familiar, vida e ocupações do dia a dia... a ciência das coisas
comuns dava, na prática, bons resultados com os alunos”. Depois, ao se estabelecer o
tipo mais adequado de educação científica para as classes superiores, a ciência foi para
as classes superiores e a ciência foi excluída do currículo elementar. Quase vinte anos
depois, reapareceu no currículo muito diferente da ciência das coisas comuns. Como
matéria escolar ela foi redefinida, tornando-se mais pura, mais abstrata. Passou a se
aproximar, então, do que se ensina na universidade e, assim, tornou-se mais complexa.
Inversamente para Goodson (1990:249), o estabelecimento da Geografia “foi um
processo prolongado, doloroso e ferozmente contestado não é uma história da tradução
de uma disciplina acadêmica, planejada por grupos ‘dominantes’ ”.
A história da disciplina Geografia apresenta um processo inverso ao que ocorre
com outras disciplinas porque foi nas escolas elementares que ela “... foi rapidamente
vista como fornecendo possibilidades utilitárias e pedagógicas na educação de crianças
da classe operária”, até que anos mais tarde, “... a ‘geografia elementar’ foi adicionada
à lista principal de ‘matérias de aula ‘ a serem objeto de exame das Escolas
Elementares” (Goodson, 1990:237). As razões que levaram essa disciplina a entrar no
currículo foram portanto, muito mais por questões sociais do que lógicas.
29
Entendemos, portanto, que cada disciplina tem uma história relacionada com as
necessidades de um momento vivido e o seu estabelecimento está em constante
dinamismo, pois é união de diferenciados grupos, unidos por interesses e tradições
comuns. A lógica processual é assumir inicialmente uma necessidade social de
existência para, num movimento posterior, legitimar-se como uma tradição acadêmica.
O modelo desenvolvido por Layton é ponto de partida para que possamos
entender o dinamismo constante por que passa uma disciplina. No primeiro estágio,
Layton mostra a disciplina Ciências que, ao entrar no currículo, se justificou por
argumentos como a utilidade na resolução de problemas práticos de vida e pela
pertinência.
No segundo estágio, Layton explica que um corpo de especialistas treinados na
área orientam a seleção e organização da disciplina Ciências na direção da lógica
interna da disciplina, afastando-se diretamente dos interesses dos alunos. O fator
‘utilidade’, que deu origem a essa disciplina ficou em segundo plano.
No terceiro estágio, a disciplina passa a contar com um corpo de profissionais
capacitados para definir o campo da disciplina em função de valores, regras e critérios
que direcionam a seleção e organização dos conteúdos. A seleção e organização do
conhecimento passa, portanto, a ser definida pelo grupo de pesquisadores do campo.
Esse modelo de Layton tem-se mostrado útil para o estudo das disciplinas
escolares, no sentido de que aponta para um movimento mais geral e constante e a que
Goodson se refere: uma disciplina no currículo, no caminho de sua legitimação, segue
uma lógica processual que vai de uma necessidade inicial mais pedagógica e utilitária
para uma tradição mais acadêmica. Surgiu, assim, uma Ciência ligada à elite
universitária: o conceito de “ciência laboratorial pura”. Essa versão foi definida nas
universidades. Para Goodson (1995:61) surge, assim, uma “ciência que estava em
harmonia com a ordem social.”. Ou seja, a disciplina mudou de um ensino prático para
um ensino mais acadêmico.
Goodson (1983:03), no campo da história das disciplinas, cita o modelo de
Layton e desenvolve, assim, três hipóteses para que se possa entender a evolução de
uma matéria no currículo. São elas: a) as disciplinas não são entidades monolíticas, mas
sim constantemente mutáveis, resultantes de amálgamas de subgrupos e tradições.
Esses grupos, dentro da própria disciplina, influenciam e mudam fronteiras e
prioridades; b) durante o processo, a consolidação de uma disciplina no currículo segue
30
o caminho de uma tradição pedagógica utilitária para uma tradição mais acadêmica; c)
as disciplinas escolares envolvem conflitos e lutas por status, espaços, recursos e
interesses.
As próprias disciplinas mostram que em diferentes momentos da sua construção,
elas sofrem, em sua forma e conteúdo, mudanças que diferenciam um currículo de
outro. Essa diferenciação é legado de uma longa tradição e reflete, também, a divisão
entre trabalho manual e intelectual. Essa organização em disciplinas tem sido
hegemônica na história do currículo e essa divisão aponta para uma maior valorização
de disciplinas acadêmicas, no lugar das que se consideram úteis.
O estabelecimento de uma determinada disciplina estaria, portanto, em
constante movimento porque o que parece unir os sujeitos afins envolvidos é um
projeto comum existencial. A seguir, esse projeto acaba por legitimar-se como uma
tradição acadêmica. A distância entre sua origem e o produto finalizado é percorrida
por lutas e conflitos, negociações por financiamentos e até interesses políticos.
Concordamos com Lopes & Macedo (2002:75) quando consideram que uma
disciplina escolar não é simplesmente uma ‘tradução’ de um corpo de conhecimentos
legitimados para o âmbito escolar. Essas autoras defendem que as disciplinas escolares
diferem das disciplinas de referência (científicas ou acadêmicas), “... embora possam
fazer parte de um mesmo mecanismo simbólico por meio do qual são reduzidos, por um
lado, os objetivos sociais da educação, por outro, as finalidades do conhecimento”.
A disciplina escolar, assim como a disciplina científica e a acadêmica são
construídas social e politicamente. A disciplina escolar, foco do nosso estudo, seria a
concretização de objetivos sociais previamente considerados e tem história própria.
Podemos inferir que a disciplina aparece tão forte como escolar em função da
disciplinarização6 que atua como mecanismo de controle, de espaço, de horário, de tudo
o que ocupa tempo e espaço na grade escolar. Lopes & Macedo (ibid:80) consideram,
ainda, que as disciplinas escolares “... respondem a objetivos sociais da educação,
segundo rumos de institucionalização próprios”. Elas argumentam que a tentativa de se
integrar um conjunto de disciplinas, por meio de temas, acabam por desconstruir a
identidade entre disciplina científica e disciplina escolar.
6 Sobre o processo de disciplinarização ver LOPES, A. R. C. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. RJ: Editora UERJ, 1999.
31
Na escola, a disciplina não é obrigatoriamente igual à disciplina acadêmica.
Para Lopes (1996:69), além de se considerar que o contexto escolar é muito diferente
do contexto universitário e que “... a tradução de uma disciplina universitária em
matéria escolar exige considerável adaptação., ainda temos presentes, segundo Lopes
(1999, 2001), os processos de disciplinarização, de transposição didática e de
recontextualização para entendermos essa transformação. A autora complementa ainda,
que há matérias escolares que dificilmente podem ser chamadas de disciplinas e até não
fazem qualquer interligação de sua disciplina-base ou até não têm essa disciplina-base.
É esse exatamente o caso da Geografia aqui citado e o caso, no Brasil, de EPB (Estudos
de Problemas Brasileiros) e de Moral e Cívica que surgiram como disciplinas e não
correspondem a nenhum campo científico. Lopes & Macedo (1999) citam outros
exemplos de disciplinas escolares sem referência nas disciplinas científicas. Nesse caso,
segundo as autoras, “... são estabelecidos objetos de ensino próprios às disciplinas
escolares, tais como ‘Educação Sexual’, ‘Educação para o Trânsito’, ‘Educação e
Sociedade’, que se constituem como integrações de diferentes especificações científicas
ou não”.
A compreensão do processo de construção e implementação de determinado
currículo depende, portanto, de algumas considerações a serem feitas a fatores externos
e internos à instituição escolar que, de uma forma ou outra mantêm o sistema educativo
a funcionar, fornecendo parâmetros “... e talvez, de fato, ‘coerções’ para os que estão
envolvidos na construção e promoção das disciplinas escolares” (Goodson, 1997:44).
Estamos nos referindo aos padrões de estabilidade e mudança, processos presentes na
construção das disciplinas escolares.
1.3.1– Padrões de estabilidade e mudanças curriculares
No que se refere aos padrões de estabilidade e mudança curriculares, precisamos
investigar os aspectos internos e externos que caminham paralelamente à construção da
disciplina. Existem prioridades sociais e políticas, diferentes expectativas e tratamento
de membros de comunidades disciplinares (Goodson, 1997) e que exercem na prática
diferentes valores, papéis, interesses e identidades. Goodson se refere à comunidade
disciplinar não como um grupo homogêneo, mas como um movimento social que se
32
desenvolve nos períodos em que se intensifica o conflito e discussão sobre currículo.
Assim, as escolas tanto refletem, como se afastam das definições do currículo oficial.
Não basta somente entender que lógica norteia os critérios de seleção e organização dos
conteúdos de uma disciplina no currículo. Precisamos também considerar que existem
outras lógicas de organização curricular que caminham paralelas a esses critérios – a
própria organização disciplinar do currículo na qual as disciplinas são vistas como
ocupando um espaço e tempo revelam um ‘determinado’ modelo escolar que
sacramentou, ao longo do tempo, “... certas permanências estruturais na organização do
ensino e do currículo” (Goodson, citado por Nóvoa, 1997:11). Nesse sentido, podemos
dizer que o currículo é estável.
A manutenção e consagração simbólica das disciplinas escolares no currículo
seria um dos elementos a que Goodson (1997) se refere como “padrões de
estabilidade”. Embora essa organização por disciplinas seja criticada no sentido de que
essa forma de organização não abarca os fins sociais, ainda assim ela é amplamente
aceita. Nesse aspecto, a disciplina escolar tem sido considerada mais no sentido de um
campo de saber delimitado, igualando-se à disciplina científica. O controle estatal, as
prioridades sociais e políticas, as intenções de manutenção ou ruptura com uma
determinada cultura no interior de um sistema de ensino, são alguns dos aspectos que
impõem uma retórica que tanto se aproxima no sentido de reproduzir o sistema vigente,
quanto se afasta em direção à transformação.
Sob essa perspectiva, concordamos com Lopes & Macedo (2002:83), “... a
disciplina escolar é uma instituição social necessária...”. Na realidade, podemos
considerar que esse não é um esquema neutro e burocrático de controle de ensino, mas
um esquema de conservação e estabilidade. Os fatores internos ideológicos remetem a
uma ideologia cultural que se revela por intermédio do clima institucional e que nem
sempre são acompanhados pelas mudanças organizacionais. Goodson (1997:4)
argumenta que “A estruturação do ensino em disciplinas representa, simultaneamente,
uma fragmentação e uma internalização das lutas pela estatização da educação”. A
legitimação das disciplinas “... como a base dos currículos do ensino secundário é,
talvez, o princípio mais bem sucedido na história da ação curricular.” (ibidem). Ou seja,
as disciplinas são, talvez, a maior invenção da estabilidade curricular a que nos estamos
referindo e Goodson considera que há pouca probabilidade de haver inovações reais na
matriz disciplinar dos currículos escolares a curto prazo.
33
Entendemos, assim, que apesar dos discursos defendendo a articulação
horizontal ou vertical de conteúdos e de ser verdade que existe uma forte predisposição
da presença da matriz disciplinar no currículo de uma instituição, essas mesmas
disciplinas escolares não são estáveis. No cotidiano, os sujeitos envolvidos não
percebem que a disciplina se transforma, varia, ao longo do tempo, tanto no conteúdo,
quanto na sua forma. Para Goodson (1997:29), “quando o ‘interno’ e o ‘externo’ estão
em conflito (ou dessincronizados), a mudança tende a ser gradual ou efêmera. Uma vez
que a harmonização simultânea é difícil, a estabilidade ou conservação curricular é
comum.” e a “... mudança organizacional tem de ser acompanhada de uma mudança
institucional, de modo a assegurar a ‘mudança fundamental’” (Goodson, 1997:31).
Goodson (1997:28) cita a classificação feita por John Meyer da divergência que
haveria, nesse caso, entre as “categorias institucionais” e as “mudanças
organizacionais”. Isto significa que, se a mudança um determinado nível não acontece
(ou é mal sucedida), então a mudança do outro nível poderá ser inadequada, mal
sucedida ou efêmera.
Meyer se reporta ao “institucional” como ligado à “ideologia cultural” e que é
confrontado com o “organizacional”. O “institucional” estaria associado a níveis de
ensino, tipos de escola, funções educacionais e tópicos curriculares. O “organizacional”
está “protegido dentro de estruturas únicas e tangíveis, como as escolas e as salas de
aula.” (Meyer, apud Goodson, 1997:28). Sendo assim, é improvável que a mudança
organizacional, sem apoio no nível institucional, venha a se modificar mesmo a longo
prazo.
Goodson se refere à questão do interno e externo referendando o que John
Meyer (In: Goodson, 1997:27-28) caracteriza como categorias presentes no campo da
educação: institucionais e organizacionais. A disciplina se situa no ponto de interseção
dessas duas forças mencionadas: internas e externas, práticas institucionalizadas e
organizacionais. Os fatores internos como os próprios alunos, professores, a equipe
técnico-administrativa-pedagógica, a própria estrutura física e organizacional da
instituição escolar acabam por funcionar, na maior parte das vezes , como um forte
mecanismo interno de estabilidade curricular. Em função do limite desses fatores que
acabam sendo impostos, os sujeitos sociais tendem a naturalizar essa situação,
ignorando todo o processo histórico-social que envolve o conhecimento e o sentido de
sua própria formação. A divisão do plano de curso de acordo com o nível escolar, a
34
divisão dos horários pelas diferentes disciplinas nas grades curriculares, o regulamento
e marcação do cronograma de exames e promoções, as próprias instruções e orientações
do Manuais Escolares consagram a já referida fragmentação e uma internalização das
lutas pela estatização da educação.(Goodson, 1997:34).
Santos (1990:21), ao abordar o tema, sinaliza o fato de que os estudos e
pesquisas na área da história das disciplinas escolares representam uma reação a
estudos que se baseiam em teorias que consideram, em suas análises dos fenômenos
educacionais, somente a estrutura econômica, política e social. Desconsideram fatores
internos como o surgimento de novos grupos de liderança intelectual, de grupos
acadêmicos de prestígio na formação de profissionais, entre outros. O que acontece,
dentro de um determinado sistema de ensino, orienta-se, muitas vezes, por caminhos
ditados por interesses de determinados grupos, ora por interesses financeiros da
instituição, ora por conhecimentos de interesse particular dos profissionais que detêm
determinados cargos de chefia.
Como fatores externos responsáveis pela estabilidade do currículo consideramos
os interesses científicos, políticos e profissionais das comunidades curriculares, os
objetivos e a função social da escola, as políticas e reformas governamentais, os exames
nacionais e o próprio livro didático.
Dessa forma, entendemos que o argumento de Goodson (1997) se baseia na
idéia de que o sistema foi assim concebido para assegurar a estabilidade e dissimular as
relações de poder que sustentam o conjunto de ações curriculares. Logo, investigar os
padrões de estabilidade no currículo de uma instituição permite-nos compreender não
só a trajetória da disciplina, como também os fins sociais da instituição pesquisada e
dos mecanismos internos e externos paralelos à instituição.
Em relação aos fins sociais, a valorização dada ou não ao processo de produção
de diplomas e sua relação com as disciplinas no currículo escolar é outra prova concreta
sobre como a instituição tem caminhado na direção de legitimar um currículo que se
aproxime o mais possível das disciplinas acadêmicas. Os espaços disciplinares que
então surgem tendem a se distanciar do conhecimento escolar, da cultura em que se
insere a instituição. Por outro lado, esses espaços trazem determinados conteúdos e
disciplinas que podem permitir a habilitação dos alunos ao recebimento de diplomas ou
garantir status aos professores. Isso tem sido um padrão de estabilidade curricular. Para
Lopes & Macedo (ibid:83), a disciplina escolar
35
... traduz conhecimentos que são entendidos como legítimos de serem
ensinados às gerações mais novas, organizam o trabalho escolar, a forma como
professores diversos ensinarão(...) orientam como os professores são formados,
como os exames são elaborados, como os métodos de ensino são constituídos,
como se organiza o espaço e tempo escolares
A própria organização do currículo por disciplinas no primeiro segmento do
ensino fundamental, mesmo quando apresenta uma proposta oficial de integração
curricular, tende a manter uma estrutura disciplinar clássica. Ou seja, apesar de as
propostas curriculares discursarem sobre uma integração curricular, concordamos que a
disciplina escolar é um padrão de estabilidade curricular e que por mais que se
proponham inovações na matriz curricular, essas tenderão a uma organização
tradicionalmente disciplinar. Não podemos esquecer que a disciplina também é um
padrão de mudança: as mudanças acontecem dentro da lógica disciplinar.
Em função do limite imposto pelos fatores externos e internos, os sujeitos
sociais envolvidos nesses processos tendem a naturalizar essa situação, ignorando o
processo histórico-social que envolve o conhecimento e o sentido de sua própria
formação, acabando por selecionar conteúdos e métodos em detrimento de outros.
Goodson (1997:31) sugere, assim, que se precisa olhar para a disciplina como
“...um bloco num mosaico cuidadosamente construído durante os quatrocentos anos (ou
mais) ... Só aí poderemos começar a entender o papel da disciplina escolar no que diz
respeito a objetivos sociais mais amplos...”. Para esse autor, a fragmentação provocada
pela disciplinarização isola os seus componentes no próprio espaço de cada disciplina e
dificulta maiores diálogos sobre os fins sociais do ensino, o que serve, desta forma,
para a estabilidade da fragmentação.
Ao analisar o papel da disciplina, podemos entendê-la melhor se analisamos,
paralelamente, como as forças de estabilidade e mudança atuam nesse processo. A
influência de editoras e livros didáticos, as fundações ou instituições de amparo à
pesquisa, os intelectuais na área, tudo isso influencia o estabelecimento ou não de
mudanças curriculares. Estão subjacentes a essas forças critérios que orientam a seleção
e a organização dos conteúdos escolares, associados a relações de poder, controle social
e ideologia. Nessa ótica, Moreira (1998) questiona como a linguagem especializada das
36
comunidades acadêmicas tendem a se tornar mais restritas e fechadas, na medida em
que se tornam mais poderosas e ortodoxas, mesmo construindo esses critérios de
isolamento da disciplina à base de conflitos, acordos e negociações. Isso só confirma a
idéia de Goodson (1995) ao apontar que as disciplinas não são entidades monolíticas,
mas sim amálgamas mutáveis de distintos e discordantes subgrupos e tradições.
Santos (1998:159) analisa os trabalhos de Larry Cuban e a possibilidade de
grupos envolvidos poderem levar a mudanças curriculares ou, no sentido contrário,
apontar para um caminho de estabilidade curricular. Cuban “cita grupos e indivíduos,
dentro do sistema escolar (professores, alunos, diretores e especialistas) como
responsáveis pelas mudanças, na medida em que escolhem entre alternativas ou em que
criam suas próprias alternativas no campo do currículo.”
Observamos, na realidade, que existe um constante processo de busca por
transgressão que se mantém neutralizado por todas essas questões, submetendo o
currículo, como argumenta Goodson, a um sistema pré-concebido para assegurar
padrões de estabilidade e para dissimular as relações de poder que sustentam o conjunto
de ações curriculares. Na realidade, trata-se do ‘jogo de interesses’ que já citamos neste
trabalho. É um jogo “entre as forças pró-estabilidade e pró-mudança que consagra
padrões e modelos que autorizam novas compreensões da ausência/presença de certas
disciplinas escolares no currículo de ensino básico e secundário.” (Nóvoa, In: Nóvoa,
1997:12). Dessa forma, a história de uma disciplina escolar pode ser contada como a
história das forças sociais que a trouxeram para o currículo.
1.3.2 – A História das Disciplinas Escolares: André Chervel e Dominique Juliá
Segundo Henriques (1996), a origem remota das disciplinas freqüentemente é
identificada na divisão curricular da Antigüidade em dois blocos: o trivium, que
compreendia a gramática, a retórica e a lógica e o quadrivium, englobando a aritmética,
a geometria, a astronomia e a física, que tinham a finalidade de aguçar o intelecto e
levar a mente humana sobre o mundo material.
Para Chervel (1990:178), apesar da dificuldade de se definir a origem do
vocábulo disciplina, até o fim do século XIX o termo disciplina e a expressão
disciplina escolar referiam-se simplesmente “... à repressão das condutas prejudiciais à
sua boa ordem e aquela parte da educação dos alunos que contribui para isso.” O autor
37
registra que, em sua acepção de “conteúdo de ensino” a palavra terá uso corrente já nas
primeiras décadas do século XX, para suprir a necessidade de um termo genérico que
designasse diferentes ordens de ensino até entãoconsiderads simplesmente como
objetos, ramos, partes, matérias de ensino ou faculdades.
Para André Chervel (1990:87), a história dos conteúdos é o componente central
em torno do qual a disciplina se constitui como disciplina. Para ele, a finalidade da
escola se confronta com a própria história do ensino e o estudo da instituição depende,
em grande parte, da história das disciplinas.
Segundo Juliá (2002:38), “A história dos conteúdos de ensino foi concebida
durante muito tempo como um processo de transmissão direta de saberes construídos
fora da escola...”. Por outro lado, ele argumenta que:
a história das disciplinas escolares deve ser, para ser realmente
operatória, partir mais dos fenômenos e dos mecanismos ‘internos’ à escola do
que aplicação de explicações externas, e pouco convincentes, sobre essas
mesmas escolas.
A escola é, portanto, tanto para Juliá, quanto para Chervel o foco de estudo da
HDE. Além disso, o papel da escola não se limita ao exercício das disciplinas escolares,
mas a um complexo de finalidades que combinam e conferem à escola sua função
‘educativa’. Ainda para Juliá (ibid:44), seria importante fazer um estudo de semântica
histórica comparada com o termo disciplina para que se possa definir com precisão o
“seu estatuto de historicidade” e também entender que as modificações no sentido dessa
palavra estão, quase sempre, ligadas “... aos momentos de crise ou de mudanças
profundas...”. Juliá sinaliza que o termo disciplina escolar foi progressivamente
imposto no sentido atual (matérias de ensino), embora ela provenha do latim disciplina
que, na idade clássica, possui muitos sentidos.
Num primeiro momento, o termo disciplina passa a significar uma “matéria de
ensino suscetível de servir de exrecício intelectual” (Chervel, 1990:179). Após a
Primeira Guerra Mundial, o termo é usado no sentido de “matérias de ensino”, fora de
qualquer referência às exigências da formação de espírito. Para Chervel, todas as
definições são vagas, restritas, todas elas encobrem o uso banal do termo e ele acaba
por definir que “ A disciplina é aquilo que se ensina e ponto final.” (idem:177). Pouco a
38
pouco, o termo perde sua força e termina por tornar-se uma rubrica que designa as
diferentes matérias de ensino, significado que permanece atualmente.
Dos diversos componentes de uma disciplina escolar, Chervel (1990) prioriza a
exposição pelo professor ou pelo “manual de um conteúdo de conhecimentos” e
enfatiza que a primeira tarefa do que pesquisa sobre disciplinas escolares é estudar os
conteúdos explícitos na denominada vulgata (manuais da disciplina que registram o
corpus de conhecimentos da disciplina, o que permanece, o que varia - a bíblia da
disciplina).
A instauração e funcionamento de uma disciplina caracterizam-se, conforme
Chervel, por sua lentidão e segurança. A estabilidade dessa disciplina é alcançada por
um ajuste que põe em comum experiências pedagógicas bem-sucedidas e eficazes na
execução de finalidades impostas. Essas finalidades, generalizadas e reproduzidas,
tendem a legitimar-se. Ainda assim, Chervel considera que o papel da disciplina é mais
amplo. Ela se impõe ao colocar esses conteúdos harmonizados com as finalidades
previstas e com os resultados de aprendizagem esperados. Ou seja, a função da
disciplina consiste em “... colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma
finalidade educativa” (ibidem:188). Portanto, podemos entender que o papel da escola
não se limita ao exercício das disciplinas escolares, mas a um complexo de finalidades
que se combinam e conferem à escola sua função educativa. Para ele, a finalidade da
escola se confronta com a própria história do ensino e o estudo desta depende em parte
da história das disciplinas. Chervel não é autor de currículo, mas aponta que a História
do Currículo busca compreender o que acontece no passado de (re) construção de uma
disciplina na instituição escolar. Goodson é autor de currículo, mas não focaliza a
instituição escolar nos seus estudos. Um dos principais pontos que esses dois autores
têm em comum é o fato de considerarem que a disciplina escolar não é dependente do
desenvolvimento histórico do campo científico de referência (disciplina de referência).
Segundo Chervel (1990:188), a instituição escolar combina finalidades que a
sintetizam como espaço de função educativa e de ensino, em cada momento histórico
de sua constituição: “as disciplinas escolares estão no centro desse dispositivo. Sua
função consiste em cada caso em colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma
finalidade educativa.” Para esse autor, a distinção entre “finalidade real” e “finalidade
de objetivo” é fundamental para que se possa entender o que acontece no processo de
(re) construção de uma disciplina numa instituição escolar. Todas as finalidades de
39
ensino não estariam inscritas nos textos. Os textos a que Chervel se refere seriam “...a
série de textos oficiais programáticos, os discursos ministeriais, leis, ordens, decretos,
acordos, instruções, circulares, fixando os planos de estudo, os programas, os métodos,
os exercícios, etc. O estudo das finalidades começa evidentemente pela exploração
deste corpus.” (Chervel, ibid). Chervel também questiona se essas finalidades inscritas
nos textos seriam “de fato” reais.
Definir “finalidades reais” passa pela resposta à questão ‘por que a escola ensina
o que ensina?’ e não, exatamente, à questão que freqüentemente formulamos: ‘ que é
que a escola deveria ensinar para satisfazer os poderes públicos?’ Ou seja, as
finalidades reais, na perspectiva de Chervel, significam passar pela consulta e exame da
literatura produzida pela instituição à época estudada: relatórios, projetos de reforma,
manuais de didática, prefácios de manuais, debates, palestras, discursos proferidos, atas
de reuniões e encontros, vídeos dos eventos produzidos. Chervel considera que é essa a
literatura que, tanto quanto os programas oficiais, pode esclarecer o professor sobre sua
função. Esse estudo, na sua visão, deve ser orientado “... simultaneamente sobre os dois
planos, e utilizar uma dupla documentação, a dos objetivos fixados e a da realidade
pedagógica.” (idem: 191).
As “finalidades de objetivo” seriam oriundas de textos oficiais, de uma
estipulação oficial, de um decreto, resolução, parecer, circular. Enfim, são finalidades
“definidas pelo legislador”. Essas finalidades visam, freqüentemente, corrigir um estado
de coisas, modificar ou suprimir certas práticas, “... do que sancionar oficialmente uma
realidade.” (idem:90). As “finalidades reais” demandam um interesse da comunidade
escolar em tornar as “finalidades de objetivo” reais, verdadeiras, concretizadas no dia a
dia escolar. É preciso considerar e estudar a interação no espaço escolar e investigar a
“dupla documentação” a que Chervel se refere quando define as “finalidades reais”.
Segundo Juliá (2002: 50):
(.. ) não é porque a finalidade de uma disciplina é explicitamente
indicada nos textos normativos que ela, por conseguinte, existe no ensino real
das salas de aula ... é necessário , em cada caso, tentar discernir a distância
entre os objetivos enunciados e o ensino realizado.
40
Juliá concorda nesse sentido com Chervel ao observar a necessidade de se estar
atento, em nossas análise, aos textos oficiais que utilizamos e, em cada caso, diferenciar
a distância entre os objetivos enunciados e o ensino realizado.
Para este estudo, a perspectiva de Chervel passa a ter importância a partir deste
enfoque porque não podemos nos basear unicamente em textos oficiais da instituição
para descobrir as finalidades de ensino. Nesse sentido, o currículo escrito (formal) em
forma de propostas, guias curriculares ou Manuais, decretos, pareceres, circulares,
resoluções, jornais da instituição - constitui documento importante de análise para este
estudo. Os programas de disciplina, diários de classe, planos de aula, provas, cadernos
de aluno - permitem o estudo da prática pedagógica e a evolução da disciplina
pesquisada.
Juliá (2002:44) complementa algumas das idéias de Chervel quando propõe três
pólos igualmente importantes para que se entenda a constituição de uma disciplina.
Esse autor diz que se deve evitar: tentar recuperar “a todo custo” as origens de uma
disciplina (ela tanto se define por suas finalidades, quanto por seus conteúdos); pensar
que uma disciplina não é ensinada porque ela não aparece nos programas escolares;
pensar que a disciplina que nos parece como a mais tradicional não tenha sido
submetida a transformações constantes, tanto em suas finalidades, quanto em seus
conteúdos e métodos – essas idéias devem ser evitadas. Para Juliá (2002: 51) há uma
“interação constante entre esses três pólos que concorrem na constituição de uma
disciplina e estaríamos incorrendo em graves erros se quiséssemos ignorar ou
negligenciar qualquer um deles.”
Juliá considera que essas idéias permitem mensurar até que ponto a história das
disciplinas escolares é um campo de estudos em plena expansão. Sua sugestão para
captar o funcionamento exato de uma disciplina é tratar “... em um mesmo movimento,
as finalidades, as práticas reais de ensino (com as exposições didáticas e os exercícios)
e vida cotidiana das salas de aula (para conhecer as apropriações que os alunos fizeram
das lições recebidas).” (Juliá, 2002:68)
Já para Chervel (1990), a grande inovação na HDE é o fato de se poder
encontrar na própria escola o princípio de uma investigação e de uma descrição
histórica específica, e não fora dela, externa. O núcleo desse estudo é constituído pela
história da “função educacional e docente”, desde que se considere que uma disciplina
escolar comporta, além das práticas docentes, as grandes finalidades que presidiram sua
41
constituição. Na perspectiva desse autor, “o estudo dos ensinos efetivamente
dispensados é tarefa essencial do historiador de disciplinas” (ibid:192), no sentido de
estudar os conceitos explícitos do ensino disciplinar. Os conteúdos explícitos e baterias
de exercícios constituem o núcleo da disciplina. Para ele, não é raro verificar-se que os
conteúdos de ensino se transformam, enquanto as finalidades permanecem “imutáveis”.
O pesquisador de HDE se vê diante de três problemas ao adotar, na sua pesquisa, a idéia
de que as disciplinas de ensino são irredutíveis. O primeiro seria investigar a sua gênese
(como a escola age para produzir a disciplina?); o segundo seria a sua função (para que
serve?); o terceiro envolveria o seu funcionamento (como a disciplina funciona? quais
são seus resultados?)
Chervel define a disciplina escolar como sendo o
fruto de um diálogo secular entre os mestres e os alunos.... é o código
que duas gerações, lentamente, minuciosamente, elaboraram em conjunto para
permitir a uma delas transmitir à outra uma cultura determinada. (1990:222)
No nosso estudo, investigar como a disciplina Didática se apropriou de
discursos acadêmicos e se constituiu na instituição dos anos 80 a 90 demanda voltar ao
passado e tentar entender que cada época tem um conjunto de disposições, uma forma
de pensamento que constitui o ethos da instituição. Isso demanda, primordialmente, a
função de se tentar compreender e analisar a reformulação (ou não) da disciplina na
instituição, em face de suas características históricas ao longo desse recorte de período.
Nosso foco é na instituição de formação de professores, no embate entre as finalidades
e objetivos utilitários e acadêmicos dessa disciplina, nos padrões de estabilidade e
mudança presentes nesse período de tempo na instituição pesquisada.
Essa tem sido uma das principais funções dos estudos feitos em HDE.
Entendemos, assim, que os conteúdos escolares surgem com uma preocupação muito
prática e utilitária e que, com o passar do tempo, eles vão se tornando cada vez mais um
conteúdo rigoroso, abstrato e sistemático, sempre na luta por prestígio acadêmico. Essas
hipóteses demandam, na visão de Goodson, uma constante reformulação diante das
características históricas dos diferentes sistemas educacionais. No nosso estudo, esse
processo se constituiu de forma similar e pretendemos dialogar com as hipóteses
levantadas por Goodson e Chervel, desenvolvendo no capítulo V, sobre “A História da
42
Disciplina Didática Geral no Colégio Estadual Carmela Dutra”, a história social dessa
disciplina na instituição, sua consolidação no currículo, os discursos acadêmicos que
reapropriou nesse período, como também tem trabalhado e lutado por readquirir o
status e mais espaço para ser reconhecida e legitimada no currículo da instituição.
Concomitante a essa luta, percebemos também, uma sensibilização e mudança nas
ações de seus sujeitos, cada vez mais ligadas à modificação das características dos
alunos que têm procurado a instituição nos últimos tempos.
Propomo-nos a reunir algumas evidências em torno de algumas questões
pertinentes a esse estudo que nos permitissem dialogar com algumas perspectivas de
Goodson e Chervel no sentido de com preender que: a História do Currículo não se
limita apenas à história do pensamento curricular, mas também à própria história da
disciplina escolar na instituição pesquisada. O discurso na disciplina Didática Geral é
nosso foco de estudo. Nesse processo de construção da disciplina escolar Didática geral
na instituição, múltiplos discursos são apropriados, fazendo dessa disciplina um híbrido.
Sendo assim, passaremos a desenvolver as questões relativas aos processos de
hibridização presentes nos discursos atuais e sua relação com o objeto de nosso estudo.
43
CAPÍTULO II
O HIBRIDISMO NA CONSTITUIÇÃO DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR
Uma parte de mim é todo mundo:Outra parte é ninguém, fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão:Outra parte estranheza é solidão.Uma parte de mim pesa, pondera:
Outra parte delira.Uma parte de mim almoça e janta:
Outra parte se espanta.Uma parte de mim é permanente:
Outra parte se espanta.Uma parte de mim é só vertigem:
Outra parte linguagem.Traduzir-se uma parte na outra parte:
Que é questão de vida e morte.Será arte?7
Este capítulo pretende entender e refletir sobre os discursos presentes na
construção da disciplina Didática na instituição pesquisada, investigando algumas das
questões teóricas como o processo de hibridização que permeia esses discursos.
Somos sujeitos de uma determinada época da história e tendemos a
experienciar a educação da forma em que vivemos essa mesma época. Cada sujeito
em cada época percebe e fixa cada realidade vivida com seu modo de ser, de agir, de
pensar. Cada sujeito interpreta seu tempo e sua realidade dotando-a de significações,
fazendo e desfazendo, inventando e reinventando tudo o que é presente, mas difícil de
aceitar ou confrontar. O currículo é uma forma materializada e simbólica dessa
interpretação. Ainda segundo Goodson (1997), o currículo escrito orienta,
decisivamente, a prática de sala de aula e é uma forma de representação pública do
7 FERREIRA GULLAR - Traduzir-se . Poema que encerrou o raciocínio do professor mexicano Nestor García Canclini no Museu de Arte Moderna, no 1º Encontro Artelatina no Rio de Janeiro, para debater a produção artística na moldura do pensamento teórico latino-americano, no dia 5 de novembro de 2000. Este poema saiu publicado no Jornal do Brasil do dia 12 de novembro de 2000.
44
que foi escolhido pelos sujeitos que dele participaram, usando uma linguagem que
tende a tornar legítima as práticas escolares então selecionadas. E as palavras também
têm história e são impregnadas de significações resultantes de lutas, negociações,
conflitos até chegarem na sua forma “dita”, escrita.
Ou seja, nessa perspectiva não podemos ver o currículo como uma simples
prescrição, mas numa direção de algo que se constrói coletivamente e a princípio, até
como uma prescrição, a seguir no nível de processo e ação decisória. Todo esse
processo envolve uma lógica que rege modelos e valores vividos, lutas, conflitos,
negociações, “idas e vindas”. Esse processo é sempre criativo porque tende a
(re)produzir novas formas de “ver” a realidade vivida, novas formas de cultura mais
apropriadas à época atual. A tendência humana nesse processo de interpretação,
representação e (re)construção dessa realidade é de misturar um valor considerado
então como “velho” a outro dito mais moderno ou atual , denominado “novo”.
Estamos vivendo numa sociedade global, complexa e contraditória na qual
vemos os meios de comunicação e transporte transformando o mundo num shopping
center global, desfazendo as fronteiras entre o velho e o novo, o campo e a cidade, o
nacional e o regional. Todo esse movimento sugere que duvidemos da idéia de uma
cultura pura, não contaminada por outras manifestações presentes. Isso nos indica um
processo de hibridização, no qual elementos culturais de diferentes origens se
misturam e se redefinem em novas sínteses. Essas novas sínteses mostram-se como
produtos eficazes de serem representados como homogêneos ou uniformes da
totalidade da cultura – é o fenômeno da hibridização. Não pretendemos naturalizar ou
assinalar esse fenômeno como ‘óbvio’ nos dias atuais, mas queremos entender como
esse fenômeno, em sua complexidade, chega a repercurtir e pode nos ajudar a analisar
os discursos presentes na disciplina Didática de uma instituição específica.
Objetivamos, no nosso estudo, articular o contexto macro (tão valorizado pela NSE) e
o contexto micro (a instituição escolar), sem deixar de considerar a perspectiva
histórica como foco comum e com a intenção primordial de problematizar os
processos de hibridização que permeiam os discursos na disciplina Didática e assim,
entendê-los. Segundo Dussel (2002:03),
a problematização questiona o pensamento, gestos e atitudes de tudo
aquilo que parece natural e tenta redefiní-los como parte das transformações
45
de uma prática que enfrenta dificuldades e obstáculos, a fim de que as diversas
soluções práticas nos pareçam racionais.
No nosso entender, trata-se de conceber o ‘novo’ sujeito definindo códigos e
discursos que são mais apropriados para lidar com o fenômeno. É esse o ponto que
nos interessa refletir neste capítulo. Argumentamos que o hibridismo e seus processos
acompanham toda a lógica dessa construção, formando uma “nova” configuração do
discurso “novo” e ”velho”, das ídéias “novas’ e “velhas”, dos comportamentos e
identidades dos indivíduos que fazem a história.
Com base nestas reflexões, este capítulo será organizado focalizando,
inicialmente, o fenômeno globalização e uma possível conseqüência de estar
contribuindo para uma nova identidade – híbrida. Para Santos (2002) há
“globalizações” e, sendo assim, esse reconhecimento pode ter como resultado variadas
formas de relações e a identidade híbrida seria uma delas. A seguir, focalizamos a
relação entre as concepções de cultura popular e culta e de hibridização em autores da
contemporaneidade como Hall (1997), Canclini (1990, 1997), Dussel, Tiramonti &
Birgin (1998) e Dussel (2002), além de Sarlo (2000). A seguir, consideramos as idéias
de Garcia Canclini e Beatriz Sarlo, que se complementam, de forma reflexiva e crítica,
nos processos de hibridização na sociedade atual. Depois, focalizamos o pensamento de
Canclini especificando a sua classificação quanto aos processos de hibridização: o
descolecionar, o desterritorializar e os poderes oblíquos.
Desenvolvemos esses processos considerando a disciplina escolar como um
híbrido, refletindo sobre como essa categoria hibridismo pode nos auxiliar a entender os
discursos explícitos e implícitos na história da disciplina Didática Geral, em uma
instituição escolar. No final, apresentamos algumas articulações das perspectivas
teóricas de HDE e de hibridismo de serem concretizadas neste estudo.
2.1 – Hibridismo em tempo de “globalizações”
Autores como Hall (1997), Giddens (1990, 2000) e Santos (2002) lembram que
a globalização não é um fenômeno recente, nem é um fenômeno que se dá “aqui
dentro”, influenciando aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas ou até que não existe
46
uma idéia única denominada globalização, mas ‘globalizações’, respectivamente. O que
é importante para o nosso argumento é que a relação espaço-tempo traduz cada vez
mais e em tempo recorde, o impacto que a globalização traz para a formação da
identidade do indivíduo. Quanto mais a vida social se torna regulada pela imagem e
pelos sistemas de comunicação, mais as identidades se deslocam de tempos, histórias,
tradições específicas e parecem estar libertas da sua tradição, mas para Giddens
(2000:53): “ao contrário, ela continua a florescer em toda parte em versões diferentes.”
Para esse autor as tradições evoluem ao longo do tempo e podem ser alteradas,
reinventadas ou transformadas num tempo ínfimo e uma tradição completamente pura é
algo que não existe. A globalização, enquanto um complexo de processos e forças de
mudança, altamente contraditório e desigual, tende a desfazer os limites da distância e
da relação espaço-tempo, tornando o encontro do global e do local tão imediato, quanto
intenso.
Para Hall (1997:71), o uso do termo ‘globalização’ é dado, por “conveniência” a
“um complexo de processos e forças de mudança”. A globalização implica um
movimento de distanciamento da idéia sociológica de ‘sociedade’ como um sistema
bem delimitado. Esse autor considera que a globalização traz um novo interesse pelo
local, por intermédio do impacto do global. Ou seja, a tendência em direção à
“homogeneização global” tem feito ressurgir um poderoso ‘renascimento’ da etnia, do
nacionalismo, das raízes primeiras de ser humano. Hall considera esse fato “uma virada
bastante inesperada dos acontecimentos” (ibid:105). Na verdade, os apegos irracionais
ao local, à tradição e às raízes tendem a ser substituídos por identidades mais racionais.
Geralmente se concorda que a globalização explora a diferenciação global no sentido de
que ela estaria deteriorando culturas locais e criando um mundo de vencedores e
perdedores. Não se trata, portanto, de “substituir” o local e sim de se pensar numa nova
articulação entre o “global” e o “local”. O fenômeno da migração explica isso. Hall
(1997:85) diz que “a proliferação das escolhas de identidade é mais ampla no ‘centro’
do sistema global que nas suas periferias”. Por outro lado, as sociedades de periferia
têm estado abertas às influências culturais ocidentais de uma forma cada vez mais
rápida. E daí o impacto da compressão espaço-tempo ter o efeito de relativizar as novas
identidades culturais que surgem dessa fusão.
Os grupos da periferia impulsionados pela pobreza, seca, fazem um movimento
(não planejado) para fora, para o centro acarretando migrações contínuas e de grande
47
escala. No mundo inteiro isso vem acontecendo. Como conseqüência disso, temos uma
mudança dramática na ‘mistura étnica’ da população no mundo. (Hall, 1997:88)
Dessa forma, globalização para Santos (2002: 26) não tem só dimensão
econômica, mas também política, social e cultural. Trata-se de “um fenômeno
multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e
jurídicas interligadas de modo complexo.” Globalização é vasto campo de conflitos
entre grupos sociais, não é só um processo linear. Existe uma idéia falsa de que ela é
também um processo consensual. Pelo contrário, é um vasto e intenso campo de
conflitos entre grupos sociais. Esse autor define uma linha de análise na qual mostra a
complexidade dos processos sociais presentes e maquiados no conceito de globalização
e que o faz concluir que “não há globalização e sim globalizações”.(ibidem:55).
Sendo assim, trata-se de elucidar as relações de poder que impregnam e
permeiam a produção tanto de homogeneização como de diferenciação resultantes do
processo de globalizacão(ões). Estão presentes paralelamente os processos de
hibridização como conseqüência do confronto ou diálogo dessas tendências
homogeneizantes e particularizantes. No domínio das práticas sociais e culturais
situam-se trocas desiguais entre o global e o local. As lutas e conflitos entre esses
grupos se desenvolvem no sentido de se tentar legitimar as idéias, valores, tradições
desses grupos, “... em torno da igualdade da diferença e da diferença na igualdade.”
(ibidem:60) Essa representação se traduz na prática em produtos híbridos nos quais, de
diferentes formas, estão presentes elementos de cada uma das tendências conflitantes.
Essa elucidação é importante e não só dual para que possamos analisar
criticamente os processos de hibridização que resultam desse confronto como também
para situar que esses dois fenômenos (homogeneizar e particularizar) não conduzem,
necessariamente, a algo novo ou a uma cultura global ou a algo negativo. Na realidade,
eles estão presentes e não se trata de se tentar “... assimilar um tipo de conflito a outro e
em experenciar um conflito de certo tipo como se ele fosse de outro tipo.” (ibidem:60).
Na verdade, a intensificação dramática de corrida em busca de trabalho, da
comunicação entre as pessoas, do intercâmbio de idéias, da velocidade voraz da
informação acabou por originar convergências e hibridizações entre as diferentes
culturas nacionais e em todos os campos e áreas de vida de que o homem faz parte –
desde um estilo de habitação até hábitos alimentares. Para Garcia Canclini (1998), a
hibridização refere-se aos fenômenos difusos da cultura em virtude de o mundo estar se
48
tornando cada vez mais complexo e fragmentado. Pelos processos de hibridização, os
discursos perdem suas marcas originais com muita velocidade. Tudo isso repercute em
outras formas simbólicas de representação e o currículo é um dos campos onde essa
lógica se manifesta.
Os processos de hibridização são considerados como manifestações difusas
entre diferentes tradições culturais que estão presentes no dia de hoje e que resultam da
velocidade dos processos de comunicação, da expansão urbana, da migração territorial
de grupos sociais e da inclusão de diversas linguagens. Todas essas manifestações
acabam se tornando fontes criativas que produzem novas formas de linguagens e de
cultura, a partir desses processos híbridos.
Hall (1997) declara ser de opinião oposta de que a mistura entre diferentes
culturas enfraqueceria e destruiria a sua própria cultura. Nicola e Infante (1995:97) dão
sentido contrário: híbrido vem do grego hybris que significa ‘ultraje’: para os gregos
“...a miscigenação violava as leis naturais; era, portanto, ultrajante”. Hall defende a
mistura, a transformação que advém de novas combinações de culturas e idéias. Ao
mesmo tempo, Hall considera que esse efeito pluralizante sobre as identidades ainda
permanece contraditório: algumas identidades ainda tentam recuperar sua “origem”
anterior que sentem como “perdidas”, outras aceitam que as identidades estão sujeitas
ao plano da história e da diferença e que seria improvável elas se tornarem outra vez
unitárias ou “puras”. Essa dicotomia (Tradição x Tradução) está se tornando cada vez
mais evidente num quadro global da sociedade no mundo. Hall (1997) exemplifica que
no livro Versos Satânicos, de Salman Rushdie (1991), Rushdie defende fortemente o
‘hibridismo’ ao apresentar no seu romance o fenômeno da migração, o Islã e o profeta
Maomé com a sua secular consciência de um ‘homem traduzido’. Esse livro celebra o
“hibridismo”, a impureza, a mistura, a transformação, “... que vêm de novas e
inesperadas combinações de seres humanos, culturas, idéias, políticas, filmes, músicas.”
(Hall, 1997:100).
Por outro lado, há quem defenda a reconstrução de identidades purificadas, para
se restaurar a coesão, o “fechamento” e a tradição, frente ao hibridismo e ao que é
diferente. Para Giddens (2000:51):
(...) A idéia de que a tradição é impermeável à mudança é um mito. As
tradições evoluem ao longo do tempo, mas podem também ser alteradas ou
49
transformadas de maneira bastante repentina. Se posso me expressar assim,
elas são inventadas e reinventadas.
Com isso, parece ficar clara a idéia de que uma tradição completamente pura é
algo que não existe e que as tradições são sempre propriedades de grupos sociais, de
comunidades se considerarmos a perspectiva de que ela pode ser reinventada.
Concordamos com Giddens no que se refere a considerar que a tradição talvez seja o
conceito mais elementar do conservadorismo, visto que os conservadores acreditam que
ela embute uma sabedoria acumulada. Ao longo da história do homem na terra,
maneiras tradicionais de fazer as coisas tendem a persistir, ou a ser restabelecidas, em
todas as áreas da vida, na própria vida cotidiana, nas instituições, no cotidiano escolar.
Temos a família, a sexualidade ainda fortemente impregnadas de tradição e costume.
Sob o impacto da globalização ou “globalizações”, percebemos que na
contemporaneidade, não só as instituições públicas, mas também a vida cotidiana estão
se libertando do domínio da tradição. Reiteramos que não entendemos isso como algo
negativo ou que a ‘saudosa’ tradição desaparece. Ao contrário, ela continua a florescer
em toda parte em formas, versões diferentes. Mas essa compreensão nos afasta, cada
vez mais, da tradição por nós representada da maneira tradicional. O hibridismo
representa um dos fenômenos novos produzidos na era da modernidade.
Ou seja, é possível considerarmos o currículo como um híbrido nesta
perspectiva se reconhecermos que o próprio processo de seleção e organização desse
currículo se entrelaçam, se misturam e acabam por produzir outra coisa diferente. Nesse
percurso já houve uma recontextualização que, segundo Bernstein (1996 & 1998) houve
formas de se reposicionar, selecionar e refocalizar determinadas representações
pedagógicas. Seja pela palavra oral ou escrita, pelo visual ou espacial, pela própria
atitude ou postura assumidas. Isso é o mesmo que dizer que os textos e contextos
chamados “originais” se misturaram, se condensaram, se reelaboraram e acabaram por
produzir outros textos e contextos um tanto diferentes dos seus “originais”. Para Santos
(2002:75) seria o mesmo que dizer que as identidades híbridas “... devem orientar-se
pela seguinte pauta transidentitária e transcultural : temos o direito de ser iguais
quando a diferença nos interioriza e a ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza.”
Com base nessa teorização, discutimos posteriormente o conceito de hibridismo
50
com base em Canclini (1998), Dussel, Tiramonti e Birgin (1998), Dussel (2002) e Sarlo
(2000), defendendo que os processos de hibridização projetam novas formas de análise
e matizes nos diferentes discursos que vivenciamos na atualidade, abrindo
possibilidades para um entendimento crítico de outros espaços, textos e contextos a que
nos propomos. Nesse sentido, sugerimos algumas articulações com essas perspectivas
teóricas.
2.2 - O que é hibridismo?
Para Dussel, Tiramonti e Birgin (1998,) a hibridização é um termo da moda na
teoria social. Para estas autoras, sempre houve hibridização, este não é um fenômeno
novo. Podemos encontrar discursos híbridos na educação desde que a escola surgiu. A
diferença desse fenômeno hoje estaria na velocidade com que isso acontece. Elas
defendem a noção de currículo como um híbrido, se pensarmos nesse currículo como
“...o resultado de uma alquimia que seleciona a cultura e a traduz para um ambiente
particular, com uma clientela também particular” (ibidem:134). Os discursos
curriculares também têm sido estudados como híbridos que combinam distintas
tradições e movimentos disciplinares, construindo coalizões que dão lugar a consensos
particulares. Ou seja, é possível considerarmos o currículo como um híbrido nesta
perspectiva, se reconhecermos que os processos de seleção e organização desse
currículo se entrelaçam, se misturam e acabam por produzir outra coisa diferente.
Essas autoras discutem as reformas curriculares contemporâneas em termos de
reterritorialização, com base em Canclini (1998). Canclini emprega esse conceito para
sublinhar que a pós-modernidade latino-americana está implicando na perda das
relações tradicionais da cultura com os territórios geográficos e sociais e na
relocalização parcial do velho e do novo. Nessa reterritorialização está implícita,
segundo as autoras, o processo de hibridismo que opera por intermédio da
movimentação de diferentes discursos dentro de um âmbito particular. Articula não só
modelos externos, e ao fazê-lo, repete um dos movimentos tradicionais feitos na
periferia em direção ao centro. Ou seja, a impossível e sempre falida cópia do original.
Nessa nova representação de idéias, conceitos e imagens, essas novas articulações e
séries discursivas tendem por criar novos sentidos. As autoras denominam esses
51
movimentos de “a reterritorialização do campo curricular”. Três dinâmicas inter-
relacionadas acompanham esses movimentos: a hibridização dos discursos, o desenho
dos novos mapas de relações ora surgindo entre o centro (global) e o local (periferia do
sistema) e o novo regime de verdade que surge dessas trocas (ibidem:134).
Daí que a hibridização “supõe, portanto, um processo de tradução que põe essas
novas experiências e sentidos em relação com os que estavam antes disponíveis”
(Dussel, Tiramonti & Birgin, 1998:135). Essa hibridização interrompe as hierarquias
estabelecidas dos discursos, construindo uma nova forma de representação, não
necessariamente mais democrática. Os diversos discursos que têm moldado as políticas
de descentralização em países da América Latina introduziram novos ingredientes e os
têm combinado com tradições diversas, inclusive contraditórias, no campo
curricular.(ibid:138).
Dussel (2002) exemplifica esse movimento citando a Reforma Geral da
educação espanhola, a experiência colombiana da Nova Escola e a reforma curricular
Argentina quando retomaram alguns elementos prévios das tradições e experiências
nacionais e locais nos seus novos discursos. Para Dussel (ibid:12), a hibridização
Não é a panacéia que acabará com a desigualdade, nem tampouco a
culpa de todos os males.Trata-se de um bom indicador do novo território em
que se dá a luta: um território mais móvel, mais estável, menos localizado e
mais despojado de tradições e passados, que rapidamente se deixam de lado.
Ainda segundo Dussel, Tiramonti & Birgin (1998), a descentralização tem
envolvido a construção das pessoas pobres como “necessitados”, “carentes” com um
deslocamento que produz toda uma série de novas hierarquias e que naturaliza a figura
do “necessitado” abstraindo-o do âmbito do direito e da política diária.
Por outro lado, o incluir do “necessitado” no discurso da descentralização nos
mostra como o hibridismo opera construindo novas linguagens para as experiências
sociais e individuais. Nesse sentido, temos um altíssimo impacto no currículo vivido.
Surgem, então, estratégias para reformar um campo de relações sempre em
mudança. Na reconstrução dos territórios educacionais, os programas de reforma têm
que interagir com saberes e imagens particulares e com construções também
particulares sobre a autoridade e o poder. Os resultados são discursos híbridos que
52
mobilizam tradições históricas, políticas atuais e modelos externos em formas
específicas e produtivas.
Para Canclini (1990), os processos de hibridização em suas manifestações
acabam se tornando fontes criativas que produzem novas formas de linguagens e de
cultura. Ou seja, o processo de descolecionar nos sistemas culturais da atualidade seria
organizar conjuntamente o novo e o velho, o culto e o popular, rompendo, assim, com
uma organização histórica de bens culturais elaborados e hierarquizados da
modernidade.
Haveria, segundo Canclini (1998), três processos-chave para explicar a
hibridização: a) a quebra e a mistura das coleções que organizam os sistemas culturais
(descolecionar); b) a desterritorialização dos processos simbólicos; c) a expansão dos
gêneros impuros.
Os processos de quebra e mescla de coleções organizadas sintetizam a idéia de
descolecionar. Nada mais é do que a grande dificuldade de abranger o que antes
definíamos sob a fórmula de “cultura urbana”, ou com as noções de culto, popular e
massivo. Essa dificuldade levanta uma problemática: a explicação da organização da
cultura por intermédio de referências às coleções de bens simbólicos. Coleções foram,
na Europa Moderna e mais tarde na América Latina, um dispositivo para organizar os
bens simbólicos em grupos separados e hierarquizados. Conhecer uma certa
organização já era uma forma de possuir, que diferenciava quem não identificava essa
organização da coleção em questão.
Contrapondo-se a isso, hoje os próprios museus e bibliotecas expõem os
diferentes tipos de artes culta e popular em diferentes salas, ao mesmo tempo,
rompendo, assim, essas organizações. Bibliotecas privadas misturam diferentes
produções, outras ordens híbridas se criam. Os próprios livros são organizados de
formas antes não previstas e ficamos circundados por cópias xerox. Videocassetes,
videoclipes e videogames também rompem com essas classificações, favorecendo
relações intensas e esporádicas e enfraquecendo o sentido histórico do homem no
planeta. Para Canclini, não há possibilidade de retorno nesse processo de descolecionar.
Ele inclui nessas estratégias descolecionadoras a assimetria entre países centrais e
dependentes, entre consumidores de diferentes classes de uma mesma sociedade.
O segundo processo citado por Canclini (1998) que explica a hibridização é a
desterritorialização dos processos simbólicos. As buscas mais radicais sobre o que
53
significa estar entrando e saindo da modernidade, assumem as tensões na
desterritorialização. Desterritorialização é a perda da relação natural da cultura com os
territórios geográficos e sociais. Reterritorialização é o conjunto de relocalizações
territoriais relativas e parciais das velhas e novas produções simbólicas. A organização
da modernidade passa a se configurar, nesse processo, em antagonismos políticos como
colonizadores versus colonizados, cosmopolitas versus nacionalistas.
O modelo vigente se torna insuficiente para explicar o funcionamento do
sistema industrial, financeiro e cultural, cuja sede não está mais em uma só nação. A
noção de comunidade cai por terra, assim como a oposição entre centro e periferia.
Torna-se cada vez mais visível a implosão do terceiro mundo no primeiro e o fenômeno
da desterritorialização das noções entre centro e periferia. Os próprios processos de
reterritorialização não chegam a apagar conflitos e precisam ser analisados em conexão
com as práticas sociais e econômicas, nas disputas pelo poder local e na competição
para aproveitar alianças com poderes externos.
O terceiro processo referido por Canclini (1998) diz respeito aos gêneros
impuros. Ele apresenta dois gêneros como constitucionalmente híbridos, como lugares
de interseção entre o visual e o literário, o culto e o popular, o artesanal e a produção
industrial: o grafite e as histórias em quadrinhos. O grafite é um gênero
constitucionalmente híbrido. É um meio sincrético e transcultural. É um modo
marginal, desinstitucionalizado, efêmero que junta a palavra e a imagem com um estilo
descontínuo e incapaz de assumir novas relações entre o público e o privado, entre a
vida cotidiana e a política. As histórias em quadrinhos relacionam cultura icônica e
literária, geram novas ordens e técnicas narrativas, combinam originalmente tempo e
imagens e permitem leituras cruzadas.
Hoje, a partir desses processos de hibridização, as culturas são de fronteira:
todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes. As diferentes culturas
perdem relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e
conhecimento.
Canclini (1998) aponta, ainda, que para se entender por que certas maneiras de
fazer política, baseadas na autonomia dos processos simbólicos e na renovação
democrática do culto e popular, tendem a fracassar. Canclini (1998:346) destaca que “O
incremento dos processos de hibridação torna evidente que captamos muito pouco do
poder se só registramos os confrontos e as ações verticais.”. Na verdade, o autor aponta
54
que as relações de poder se” entrelaçam” umas com as outras e o que dá eficácia a essas
relações não é o fato de uma se superpor á outra e sim, “a obliqüidade que se estabelece
na trama” (ibidem). A obliqüidade que se estabelece permite repensar o vínculo entre
cultura e poder. Ou seja, buscam-se mediações nessa obliqüidade, tentando gerir os
conflitos que daí surgem. Na realidade, tenta-se criar uma ordem diferente que, às vezes
dão origem à “práticas transformadoras inéditas”. Nessa perspectiva, fica evidente o
que há de oblíquo, simulado e distinto na interação entre culturas ou diferentes
discursos.
Sarlo (2000:104) descreve de forma metafórica os três processos citados por
Canclini ressaltando o hibridismo como o fenômeno responsável pela reconfiguração
dos níveis culturais e que traz novos significados para um ‘novo’ tipo de cidadão da
‘nova’ sociedade eletrônica:
Também ficaram soltos os valores liberados num processo de
transformação de identidades populares tradicionais, cujas fisionomias já
tinham sido desbastadas pelos processos de modernização. A cultura da mídia
converte a todos em membros de uma sociedade de iguais. Aparentemente, não
há nada mais democrático do que a cultura eletrônica, cuja necessidade de
audiência a obriga a digerir, sem interrupções, fragmentos culturais de origens
as mais diversas.
A autora ressalta o poder, a velocidade e o uso desenfreado de imagens que
embotam a nossa capacidade de reter conteúdos. A descrição feita do shopping center
produz uma imagem que ilustra muito bem o processo de hibridação cultural e o
“descolecionar” a que Canclini se refere. Essa imagem ilustra a nova cultura que aí se
apresenta como sendo o protótipo dos processos de descolecionar e de desterritorializar.
Essa imagem, hoje, se contrapõe à paisagem do “centro” porque desaparece por
completo no shopping a geografia urbana e ele passa a ser considerado como um
exemplo do nomadismo contemporâneo: qualquer pessoa que foi a um shopping apenas
uma vez, pode usar qualquer outro em qualquer parte do mundo, independente da
língua e costumes.
A autora se refere ao shopping como uma máquina perfeita, com uma lógica
aproximativa, como um “tabuleiro para a deriva desterritorialização.”. Ou seja, essa
55
“extraterritorialidade” do shopping conquista todos os grupos sociais: pobres, ricos,
jovens e não exige nenhum visto ou passaporte especial. Em outras palavras, estamos
diante da imagem viva da desterritorialização a que Canclini se referiu para explicar os
processos de hibridização. Senão, vejamos:
Dentro de um shopping, ninguém se importaria em saber se determinada
ala, onde se encontra a loja procurada, é paralela ou perpendicular a uma rua
qualquer, no exterior; acima de tudo, o que não se pode esquecer é em que
prateleira está a mercadoria desejada. No shopping, não só se anula o sentido
de orientação interna, como também desaparece a geografia urbana.
(Sarlo, 2000:16)
A imagem do shopping center aliada a da TV interativa que, com o controle
remoto e o poder do zapping, inauguram uma nova cultura baseada na velocidade
desses meios de comunicação em detrimento da capacidade do indivíduo de reter seus
conteúdos. A imagem do shopping e do zapping revogam e, ao mesmo tempo
exacerbam, a noção de velocidade e do “novo” na cultura eletrônica do tempo em que
estamos vivendo. Para Sarlo (ibidem:57) essa é a imagem que ilustra a nova cultura:
Imagens demais e um dispositivo relativamente simples,o
controle remoto, tornaram impossível o grande avanço interativo das
últimas décadas, que não foi resultado de um desenvolvimento
tecnológico da parte das grandes corporações e sim, dos usuários
comuns e correntes. Trata-se, é claro, do zapping.
Sarlo (ibidem:57) define o zapping como o produto do uso do controle remoto
pelo indivíduo, “... provocando a maior acumulação possível de imagens de alto
impacto por unidade de tempo e, paradoxalmente, baixa quantidade de informação
indiferenciada, a velocidade do meio é superior à nossa capacidade de reter seus
conteúdos.”.
Para Sarlo (2000), “hibridização”, “mestiçagem”, “reciclagem”, “mescla” são
palavras que definem esse fenômeno. Ainda segundo essa autora, a escola perde nessa
competição com os meios de comunicação de massa porque não sabe o que fazer para
56
ser mais atraente do que a cultura audiovisual. Ou seja, a escola perde para o shopping
center e para o zapping. A autora caracteriza esses elementos na nova cultura
contemporânea sinalizando que não se trata de fazer relação com o passado, mesmo
porque as culturas populares não escutam mais a voz das tradicionais:
O hermetismo das culturas camponesas, inclusive a miséria e o
isolamento das comunidades indígenas, rompeu-se;os índios aprenderam
rapidamente que, se quiserem ser ouvidos na cidade, devem usar os mesmos
meios pelos quais eles ouvem o que se passa na cidade. Vestidos com seus
trajes tradicionais modernizados pelo náilon e o jeans,calçando tênis e
protegendo seus chapéus com sacos plásticos, eles protestam na praça pública,
mas chamam a televisão para que a manifestação seja vista. É preciso
descartar qualquer idéia que relacione o que está acontecendo com o que
aconteceu no passado:se é certo que dificilmente se pode evocar a época em
que as culturas populares viviam em universos absolutamente fechados, o que
hoje se passa tem uma aceleração e uma profundidade desconhecidas.
(Sarlo,2000:101)
Entender esse processo vai muito além de simplesmente rotular o que é
científico, o que é popular, o que é universal, o que é massivo. Sob o enfoque do
hibridismo aqui discutido carecemos de mais interpretações e reinterpretações porque
não deixa de ser um retorno a um passado que não está feito, mas que continua sendo
refeito. Refeito porque na verdade como podemos olhar com os olhos isentos
“culturais” de hoje uma cultura escolar de uma época passada?
2.3 – Articulação dessas perspectivas teóricas
Na HDE todo esse movimento já faz sentir o processo de hibridização presente
nessa ida ao passado e volta ao presente: é toda uma movimentação de diferentes
discursos dentro de um âmbito particular, de uma época específica e que repete um dos
movimentos tradicionais nomeados por Dussel, Tiramonti & Birgin (1998) como
impossíveis de se tirar uma cópia do original porque esse ir e vir, essa remontagem
discursiva acaba por criar novos sentidos.
57
Pretendemos analisar, no capítulo IV, como essa compreensão da hibridização
pode ser transportada para a historia do currículo e da disciplina Didática Geral no
Colégio Carmela Dutra. Queremos, na prática, entender como ver o ato de
descolecionar no currículo; como ver o ato de desterritorializar no currículo; como ver a
formação de gêneros impuros e até pensar que outras categorias estariam presentes
nessa hibridização.
Ou seja, em todos os discursos das Secretarias, das propostas desenvolvidas pelo
MEC na rede, estarão sempre presentes os processos de hibridização aqui discutidos: a
cultura das escolas, as tradições, as propostas, os discursos acadêmicos, os variados
tipos de chamamento da mídia não se concretizam do jeito exato com que foram
pensados. Eles se imbricam, se interpenetram, se misturam, se mesclam na prática da
instituição e acabam sendo contaminados pela própria cultura escolar, por sua rotina,
seu cotidiano e tendem a se tornar diferentes daquilo que foram pensados; vão se
tornando produtos híbridos.
O ato de “descolecionar” no currículo ou na HDE pode nos levar a compreender
o porquê de “tais” conteúdos terem sido selecionados e ensinados numa “coleção” de
outros conteúdos que, por sua vez também foram reorganizados e mesclados com
conteúdos científicos e do senso comum. Podemos investigar o que se considerava, na
época da disciplina estudada, os discursos acadêmicos de diferentes matrizes teóricas.
Esse processo de descolecionar pode ser expandido para além dos conteúdos da
disciplina. Podemos também considerar os seus fins sociais assim como os objetivos, os
princípios pedagógicos e metodológicos.
Como ver o ato de “desterritorializar” na HDE? Podemos ver o desterritorializar
na história de uma disciplina escolar quando esta se apropria de propostas curriculares
de outros países e de outros contextos sociais. Para (re) afirmar sua identidade, a
disciplina precisa interagir com outros saberes e imagens que lhes são disponibilizados,
além daqueles que lhes são particulares. Os resultados dessa mixagem são discursos
híbridos que mobilizam tradições históricas, políticas atuais a nível macro e micro,
além de modelos externos a que a disciplina escolar acaba sendo submetida e
reinterpretada. Podemos constatar na HDE uma reconfiguração do campo da disciplina
estudada, do seu caráter, do reposicionamento dos sujeitos existentes como os
professores, os alunos, os pais e a equipe técnico-administrativa-pedagógica.
58
A formação dos gêneros impuros pode ser investigada na HDE no que se refere
à inter-relação de teorias ou tendências pedagógicas, a combinação de autores com
perspectivas diferentes e que permitem leituras cruzadas.
A análise de poderes oblíquos a que Canclini se refere como um dos processos
de hibridização pode ser investigada na HDE através do (re)posicionamento das
relações de poder presentes entre os sujeitos envolvidos no campo ou área da disciplina:
desde os Centros de Pesquisa, passando pelas produções científicas publicadas nas
revistas científicas até as propostas, pareceres, resoluções emitidas pelas Secretarias e
repassadas aos professores por sua equipe.
Na realidade, essas relações de poder estão, aparentemente, concentradas nos
grandes grupos que subordinam a arte e a cultura ao mercado, os que disciplinam o
trabalho e a vida cotidiana. Canclini observa que existe uma multipolaridade de
iniciativas sociais, tomadas de diversos territórios, em que todos artistas e os meios
massivos montam suas obras. O incremento de processos de hibridização mostra que só
percebemos e registramos os confrontos e as ações verticais. O que dá eficácia nessas
relações entre o culto e o popular “é a obliqüidade que se estabelece na trama”
(Canclini, 1998:346). Ou seja, como podemos discernir entre os vários jogos de poder
que se estabelecem numa trama senão optar por perder “... a relação exclusiva com seu
território, mas ganhar em comunicação e conhecimento.”?
O autor sugere que há ainda outro modo pelo qual a obliqüidade dos circuitos
simbólicos permite repensar os vínculos entre cultura e poder – a busca de mediações,
de “vias diagonais para gerir os conflitos. Quando não conseguimos mudar o
governante, nós o satirizamos” (ibid:349). O maior interesse para a política de se
considerar a problemática, o impasse ou o conflito não reside na eficácia pontual de
certos bens ou mensagens, mas no fato de que os aspectos teatrais e rituais do social
tornam evidente o que há de oblíquo, simulado e distinto em qualquer interação.
Portanto, entendemos que é possível analisar as práticas teóricas e políticas da
hibridização, a fim de assinalar os limites e as possibilidades que esses processos
inauguram, visto que a hibridização “opera , então, através de mobilizar discursos
distintos dentro de um campo particular.”
Sendo assim, por intermédio do processo de hibridização na HDE podemos
compreender e identificar a disciplina estudada como um híbrido de diferentes campos
científicos e investigar o que constitui esse processo.
59
CAPÍTULO III
CAMPO ACADÊMICO DA DIDÁTICA - ALGUMAS REFLEXÕES
“ A descoberta do passado, para os homens do Renascimento, partiu de um sentido de identidade.
Eles julgaram encontrar cada vez mais semelhanças entre o seu momento e o distante passado.” 8
Este capítulo objetiva situar os discursos acadêmicos dominantes de Didática,
no período dos anos 80 a 90, visando analisar sua apropriação pela disciplina escolar
Didática Geral na instituição pesquisada. Nosso objetivo é entender as relações entre a
Didática Geral na instituição como disciplina escolar e a Didática no campo acadêmico.
A evolução das disciplinas, em qualquer campo científico, percorre caminhos
com derivações e revoluções (Kuhn, 1976). Ao longo desses processos, se produzem
mudanças que envolvem conflito, forçando os profissionais ligados a essas disciplinas a
reformularem a trama de compromissos estabelecidos em sua prática científica. O
interessante nessas “revoluções” é a análise, que pode ser feita, dos fatores ideológicos
nos momentos de crise. Ou seja, ao definir e estabelecer as fronteiras de um campo de
conhecimento, a comunidade acadêmica não opera somente em torno da dimensão
cognitiva. Ficam implícitas, também, nessas escolhas, perspectivas valorativas e
8 NUNES, Clarice. O passado sempre presente. SP: Cortez Ed., 1992, p.10.
60
afetivas. Alguns autores se posicionam com relação à organização do conhecimento em
disciplinas.
Musgrave (1979) considera as disciplinas como organizadas segundo teorias de
aceitação com conceitos reconhecidos no campo. Goodson (1983) defende que a
disciplina escolar é diferente da disciplina científica e da disciplina acadêmica e que a
disciplina é introduzida no currículo escolar segundo critérios de pertinência e
utilidade. Apesar disso, a disciplina escolar é, muitas vezes, identificada e analisada
com a disciplina acadêmica ou com a disciplina científica. Ao criticar essa concepção,
Lopes (1996:190) aponta que “As disciplinas são também concebidas como
equivalentes às ciências de referência didatizadas. Nesse sentido, a disciplina deveria
seus conteúdos à academia e seus métodos à pedagogia ...”
Para Lopes & Macedo (200278), os estudos históricos das disciplinas
acadêmicas, cientificas e escolares demonstram que os contextos universitário e escolar
são “... diferenciados, não havendo, portanto, relação necessária entre as disciplinas
acadêmicas e escolares.”
Destacamos neste trabalho, portanto, que a construção da disciplina Didática
aconteceu social e politicamente de forma conflituosa, contestada e respondendo a
objetivos sociais da educação de acordo com o contexto sócio-econômico-político da
época e segundo posturas, crenças peculiares próprias não só no contexto acadêmico,
quanto no da instituição pesquisada.
Neste capítulo, partimos da relação entre disciplina acadêmica e disciplina
escolar. Focalizamos o campo acadêmico da Disciplina Didática. A seguir, faremos um
breve histórico da Didática no Brasil focalizando as perspectivas teóricas nesse campo e
os principais autores brasileiros que contribuíram para o campo da Didática no Brasil.
Finalizaremos situando a importância do movimento do Tecnicismo, o Movimento da
Didática Crítica dos anos 80 e as tendências das pesquisas dessa área nos últimos anos.
3.1 – Campo acadêmico da Didática
O campo das Ciências da Educação não está imune às crises, lutas e
transformações pela dominação dos campos de saber. Veiga Neto (1998) se reportando
a J. Amariglio, explica que retratar um saber como uma disciplina delimitada é uma
61
estratégia discursiva de um determinado grupo com intenção de tornar hegemônico o
discurso desse saber. Demarcar até onde vai essa ou aquela disciplina é o mesmo que
estudar seus limites. Ao mesmo tempo pode ser uma forma de “revelar as fronteiras
dentro das quais cada uma conserva a sua, por assim dizer, declarada identidade e a
partir das quais tal identidade desaparece.” (ibid:122).
Analisar o que diz a Didática sobre o mundo e sobre si mesma – e sobre o que é
capaz de fazer – poderá nos revelar o quanto ela quer e pode afirmar a sua própria
cientificidade. A compreensão desse processo de busca de identidade e dos fatores que
atuam na definição co campo acadêmico da Didática nos leva a estudo histórico sobre
as formas que ela tem assumido , desde a sua origem e no curso de sua evolução.
Apesar de o termo didática ser usado desde a Antiguidade, a Didática só se
impôs como um campo de conhecimento autônomo a partir da obra Ratke denominada
“Deliberação sobre o método renovado de estudos”, quando , então, fez amadurecer a
concepção de Didática de Comenius, e esse autor pode publicar, logo após, a sua
“Didática Magna” (Gasparin, 1994).
Segundo Davini (1996), a inclusão da Didática como disciplina no campo da
educação corresponde à tradição européia ampliando-se ao contexto latino– americano.
Esta autora nos diz, ainda, que nos países anglo-saxões esta incorporação não é
apreciada, porque é considerada em grande parte uma aplicação da psicologia da
educação. Entretanto, nos últimos anos, a definição disciplinar de Didática ainda tem
provocado alguma polêmica. Nesse sentido, a história da Didática é essencialmente
diferente da história de outras áreas do conhecimento. Para Soares, (1986:39):
Desde o seu primeiro momento, a Didática organizou-se como um corpo de
doutrina, de prescrição. Lembre-se que Comênio definiu sua ‘Didática Magna’,
que inaugurou a disciplina, como ‘um artifício universal para ensinar tudo a
todos’. A partir daí, a Didática – em sua produção intelectual e em seu ensino –
outra coisa não tem sido se não um conjunto de normas, recursos e
procedimentos que devem (deveriam?) informar e orientar a atuação dos
professores.
Ou seja, essa disciplina definiu-se a priori com um conjunto de normas que
orientam uma prática. Ela não se constituiu “... por uma conquista progressiva de
62
autonomia, através de pesquisas e reflexão que conduzissem à identificação e
delimitação de sua especificidade.” (ibidem: 40). Assim, desde o período clássico
grego, a Didática se impôs como um corpo de conhecimento autônomo. Alguns traços
básicos marcaram o seu controvertido desenvolvimento e que vão desde a questão de
base normativa, passando pela expressão da tecnocracia até um movimento contrário no
qual a Didática, hoje, busca explicitamente diferenciar-se de seu papel mais técnico.
Tomando Comenius como o primeiro sistematizador da Didática, verificamos
que o que ele sinalizou em sua obra continua até hoje na sua perspectiva teórica se
afirmando nesse campo do conhecimento: um objeto de ensino e, de forma mais
enfática, a um método de ensinar tudo a todos. A partir daí, surge a polêmica em torno
da delimitação epistemológica da Didática: seria o campo da Didática um campo de
conhecimento?
No século XIX, a obra de Herbart também apontou o desenvolvimento dos
passos formais do ensino, enfatizando a instrução como transmissão de saber. Apesar
das diferenças entre esses dois marcos históricos do campo da Didática, suas
perspectivas configuraram o discurso da Didática no campo acadêmico em íntima
ligação com a concretude de regras de ação para o ensino, conforme passos e meios. Ou
seja, a normatividade não se desligava do problema das finalidades da Educação, nem
de projetos de construção de um mundo de valores e também e também do otimismo
pedagógico de uma sociedade mais justa e humana.
A influência do ideário da Escola Nova, nas primeiras décadas do século XX,
marcaram um novo enfoque no desenvolvimento do campo acadêmico da Didática.
Essa fase foi marcada pela psicologia da época, passando a reconhecer a realidade
psíquica da infância. Segundo Passos & Veiga (1994), nesse período o campo da
Didática desloca-se da disciplina e da instrução para centrar-se no desenvolvimento do
sujeito da aprendizagem.
No período pós-guerra e com a expansão da industrialização, o critério
normativo não foi abandonado. Ao contrário, foi exacerbado, mas sem ligação com o
debate ideológico. De acordo com a matriz histórica da disciplina, as propostas que
surgiram significaram o reforço da certeza metódica. Estavam baseadas na
“objetividade”, na neutralidade política, na eliminação simbólica do sujeito e dos fatos
da consciência. Configurou-se como uma mistura da Psicologia comportamentalista
com a perspectiva voltada para a eficiência.
63
Logo a seguir, a debilidade teórica e política de tais propostas foram rompidas.
As obras de pensadores da Teoria Crítica como Adorno, Horkheimer e Marcuse,
associadas à teoria de Bourdieu, além da análise das “relações de poder” desenvolvida
na obra de Foucault, trouxeram a negação de se recorrer ao método lógico de redução a
elementos. Para Davini (1996) essa nova fase recuperou a dimensão da subjetividade na
organização da experiência, trazendo como novo paradigma o papel da ideologia e seus
usos.
De todos os marcos definidores do campo acadêmico da Didática, a maior
ênfase sempre foi dada ao método. Desde a inauguração do campo acadêmico dessa
disciplina, a Didática fundamentou no método sua positividade teórica.
Essa disciplina, a partir de Comênio, se constituiu no âmbito da organização das
regras que orientam o método para tornar o ensino eficaz. O termo “método”, na obra
de Comênio (1994:144, apud Gasparin) é ressaltado com confiança absoluta: “... o
método adequado para cada coisa é infalível, contanto que usado por quem o domine
completamente.”. Consideramos a ambivalência do termo método no mesmo campo
semântico nas palavras “didática” e “arte”. Conforme Gasparin (1994) focaliza, essa
ambivalência seria resultado e conseqüência da fase de transição vivida no século XVI
– um momento histórico , também dúbio, no qual a educação possuía uma função social
e religiosa ao mesmo tempo. Assim, Comênio passa a afirmar uma lógica característica
da didática (a necessidade da existência de um método de ensino) que acaba por ser
entendida como uma prescrição de um determinado tipo de método que deve ser
seguido em todas as circunstâncias. Na verdade, Gasparin (1997) critica a interpretação
dada pelos autores brasileiros dizendo que a Didática em Comênio nada mais é do que a
(...) manifestação de uma nova necessidade dos homens no desenvolvimento do
processo de produção de suas vidas. Ela se tornou a expressão da nova forma
de ensinar o novo conteúdo social que se propunha como resultado da nova
forma de trabalho, da nova forma de fazer ciência. Ela é, portanto,
conseqüência e expressão educacional de uma nova forma de vida. (1997:117)
Para Candau (1996:28), na definição dada por Comênio, “... a Didática é
apresentada como um artifício universal, onde nem o sujeito, nem o objeto são
estruturantes do método didático.”. Talvez daí tenha surgido a concepção que tem
64
percorrido os séculos ao se fazer a leitura no campo da Didática, já que o entendimento
prescritivo a respeito do método ainda persiste nas representações dos professores. Ou
seja, quem trabalha com a Didática parece estar buscando um método capaz de ensinar
tudo a todos. Concordando com Gasparin (1997), a Didática nasceu para ser científica e
o método era sua forma de alcançar a cientificidade.
Quanto ao objeto. de estudo da Didática temos no campo várias discussões.
Soares (1986:10) critica a ambigüidade paradoxal presente na consideração do objeto
de estudo da Didática, ao longo da sua história - o processo ensino-aprendizagem. Diz
ela:
(...) o objeto da Didática é, ou deve ser realmente este (...) o ensino é um
fenômeno independente de aprendizagem, com características próprias, com
uma especificidade que o torna legítimo como objeto de estudo e pesquisa; o
objeto de estudo de Didática será, talvez, antes o ensino que o processo ensino-
aprendizagem.
Ou seja, segundo Soares, à Didática se tem atribuído um objeto de estudo
paradoxalmente amplo e restrito, ao mesmo tempo: ora é a aula, ou o ensino como
acontecimento, ou a prática pedagógica, ou o trabalho docente, ou a prática social. A
própria seleção e organização dos conteúdos dessa disciplina não abandonou o critério
normativo, embora defendamos que um mínimo acordo precisa ser feito com a nova
perspectiva da Didática Crítica: a presença de critérios básicos de ação propostos pela
Didática co-existindo com a reflexão e a compreensão da totalidade no particular,
indicando a presença de conhecimentos compartilháveis por todos os envolvidos para se
atingir aos fins sociais propostos.
Sendo assim, não basta só selecionar e organizar cientificamente o conteúdo
escolar. É necessário “vivenciar e trabalhar um novo processo de seleção e organização
de conteúdos que são instrumentos de um fazer educativo politicamente definido.”
(ibidem:81).
Para Oliveira (1993), toda essa discussão em torno do objeto e conteúdo da
Didática não pode ser considerada nos limites dessas classificações ou nomeações, sob
pena de se cair não só num reducionismo da naturalização da história dessa disciplina,
como também num formalismo, contradição ou fragmentação enquanto campo de
65
conhecimento. Para Veiga (1994), ao longo do percurso histórico da disciplina Didática
tem-se enfoques dicotômicos que vão do tradicional ao histórico-crítico e, em todos
eles, não há um conceito absoluto que satisfaça a todos e nem há consenso quanto ao
objeto da Didática. Essa busca da legitimidade pela Didática foi acompanhada, entre a
segunda metade dos anos 50 e a primeira metade dos anos 70, por um discurso
unificador: a suposta neutralidade científica do conteúdo das diferentes propostas
didáticas então vigentes. Ou seja, esse foi um período em que o Estado impôs os
critérios de legitimidade da produção científica no campo acadêmico da Didática.
Nesse período, sob o lema de uma “educação para o desenvolvimento” e a influência do
movimento da tecnologia educacional, o campo da Didática busca a racionalização, a
eficiência e a produtividade do ensino. Para isso, as relações entre método de ensino,
método de aprender e método de organização da matéria de ensino são elementos
estruturantes do campo dessa disciplina.
Sendo assim, analisamos, especialmente no nosso estudo, a perspectiva da
Escola Nova e do tecnicismo. Com efeito, é sabido que o movimento da Educação
Nova foi constituído de um amálgama de diferentes vertentes, sem um projeto político-
pedagógico mais orgânico que as unisse. Segundo Garcia (1994) esse amálgama tinha
duas correntes: o pragmatismo americano que desembocou no behaviorismo dos anos
70, e, por outro lado, o avanço da psicologia genética acerca da aprendizagem e do
desenvolvimento infantil. Quanto ao tecnicismo, no final dos anos 60, a lei 5692/71
reorganizou todo o sistema de ensino dentro dos critérios de racionalidade,
produtividade e eficiência. Foi a crise de legitimidade vivida pela Didática “e,
sobretudo, pela Didática Geral” (Garcia, 1994:173).
Para Candau (1996:29) essas perspectivas estão marcadas por um formalismo
lógico: uma idéia de “um método que vai resolver todos sos problemas que pode ser
aplicado em qualquer situação, com qualquer sujeito, com qualquer conteúdo”. Isso
estaria no “inconsciente coletivo” dos que trabalham com a Didática. Houve, portanto,
fragmentação do próprio objeto de estudo do campo acadêmico da Didática. A
disciplina Didática Geral saiu perdendo com esse processo de fragmentação. Surge,
então, o tempo no qual se abre para a hegemonia da sociologia no discurso e nos
conteúdos da Didática Geral. Afirmam-se novas lideranças no interior do campo da
Didática, o discurso sobre o ensino e prática pedagógica transformam-se, inicia-se a
fase da Didática Crítica.
66
Segundo Garcia (1994:154), esse foi um princípio vivido pela Didática da época
que exercia o papel “... de dissimular e até mesmo reforçar o contexto político e
econômico desses anos.” A partir dos meados da década de 1970 esse movimento
adquire mais maturidade. Acontece, então, o Primeiro Encontro Nacional de
Professores de Didática que surge como a primeira iniciativa de organização dos
profissionais do campo da Didática, realizado em entre 12 e 17 de junho de 1972, sob o
patrocínio da Universidade de Brasília. Segundo Garcia (ibidem), os professores de
Didática levantaram, então, a necessidade de se promover estudos que viessem a
resultar, principalmente, na definição exata do campo de estudo da Didática. Nesse
encontro, o questionamento da identidade da Didática tornou oficial o movimento de
crise que iria culminar uma década depois no I Seminário “A Didática em Questão”.
Esse movimento de valorização e redefinição da Didática dos anos 80 teve um forte
tom crítico, “... mas não abandonou a especificidade de suas questões nucleares.”
(Libâneo, 1998:62).
Segundo Garcia (1994), a crise da Didática é apenas a repercussão de uma crise
maior: o agravamento do clima de censura imposto às universidades na primeira metade
dos anos 70, no qual, ou se aderia ao discurso oficial, ou se estava sujeito a uma série de
dificuldades na vida pessoal e profissional em nome da instauração da ordem e do
perigo comunista. A partir dos meados dos anos 70, em virtude do início do período de
distensão e abertura gradual do regime político instaurado em 1964 e dos primeiros
sinais de falência do chamado “milagre econõmico”, o discurso educacional iniciou sua
transformação. Isto veio a atingir em cheio a hegemonia do discurso liberal no campo
da Didática.
Paralelamente às iniciativas renovadoras, a escola tomou outro
redirecionamento com as reformas promovidas no sistema educacional, no período
1968/1971. O ideário renovador tecnicista foi-se difundindo. A partir de 1978 ( Passos
& Veiga, 1994), iniciam-se as manifestações em torno de uma teoria crítica da
educação e que, evidentemente, refletiu-se na disciplina Didática Geral. Destacamos, a
seguir, essas duas fases que marcaram a trajetória da disciplina Didática Geral no
campo acadêmico.
3.2 – Breve Histórico da Didática no Brasil
67
3.2.1 – A ênfase na eficiência social – o tecnicismo
Na perspectiva dos eficientistas sociais, as decisões administrativas e políticas
eram centralizadas e, ao mesmo tempo, separava-se o processo de concepção e controle
do processo de execução. Esse sistema visava à racionalização e à eficiência na
formação dos recursos humanos que o modelo econômico à época exigia. O modelo da
“pedagogia por objetivos” tem suas raízes no movimento “utilitarista” na educação. Isso
ocorreu paralelo ao auge da aplicação do enfoque taylorista na indústria (Garcia, 1994).
Esse modelo mostra suas possibilidades para aumentar a qualidade e quantidade da
produção industrial. Os princípios do taylorismo influenciaram a educação americana e
outros espaços do social. Eram quatro princípios básicos da Administração Cientifica
ou taylorismo: o primeiro introduz o cronômetro nas oficinas com a intenção de se
chegar ao tempo necessário para operações variadas. Assim, esse princípio estabelece a
separação das especialidades do trabalhador do processo de trabalho.
O segundo estabelece a separação entre o trabalho de concepção e o de
execução. O terceiro contempla uma relação “íntima e cordial” entre o operário e a
hierarquia da fabrica, anulando a existência da luta de classes no interior do processo de
trabalho. O quarto princípio resume-se na divisão “eqüitativa” do trabalho: divisão de
responsabilidades entre a direção e o operário. A “qualidade” e “quantidade” da
educação passou a ser campo para esse modelo. Afinal, esta seria uma concepção
“rentável e eficientista” da qualidade da educação.
Ou seja, haveria possibilidades de se diagnosticar quantitativamente o êxito da
“empresa escolar”. O que ocorria nas fábricas foi, da mesma forma, buscado na escola
– a objetivação do trabalho pedagógico. Além disso, uma nova relação homem X
trabalho passou a ter significado nessa sociedade desse tempo, instalando-se na escola a
divisão do trabalho em nome de uma produtividadae que passou a ser exigida.
Para Sacristán (1995), esse modelo dá início a um novo modelo de gestão
educacional como se fosse um negócio, uma “planta industrial”. Os esquemas
tayloristas de organização do processo industrial encontram uma tradução direta nos
esquemas de organização didática do processo de ensino-aprendizagem.
O enfoque do papel da Didática a partir dos princípios da pedagogia tecnicista
procura situar uma opção não-psicológica, limitando-se à tecnologia educacional. A sua
68
preocupação fundamental é com a eficácia e eficiência do processo de ensino. Nessa
concepção, os conteúdos de Didática estão centrados no planejamento formal, na
elaboração de materiais instrucionais e na racionalização.
A preocupação é com a operacionalização e o controle. O processo em si é
valorizado porque ele define o que os professores e alunos devem fazer, quando e como
o farão. Este momento histórico da Didática é o início de sua maior discussão:
desvinculação entre teoria e prática.
Para Sacristán (ibidem), com o tecnicismo surge o novo paradigma para
responder à preocupação da escola de enfrentar as exigências sociais através de
objetivos que meçam o ensino-aprendizagem. Segundo Sacristán há uma grande
preocupação por parte da escola de responder às exigências sociais de seu tempo e um
certo afã e obsessão de encontrar procedimentos de avaliação possíveis de se
determinar em que medida os objetivos traçados previamente estão sendo alcançados.
Para esse autor, essa perspectiva está apoiada num modelo distante do campo da teoria
didática. A pedagogia por objetivos está, portanto, preocupada em ter um “apoio
científico na forma de entender a ciência, por partir de paradigma psicológico, por
configurar toda uma técnica para programar o ensino e por configurar todo um modelo
de educação.” (ibidem, 1995:10)
Diaz Barriga (1992:.61) também critica esse modelo : “A noção de objetivos se
apresenta como um elemento da proposta da tecnologia educativa para a educação, com
o objetivo de contribuir para a sistematização das atividades educativas e com uma
suposta cientificidade”. Ou seja, considerando as críticas dos dois autores, essa
pedagogia por objetivos tem amparo no eficientismo social que vê a escola e o currículo
como instrumentos para se conseguir os produtos que a sociedade e o sistema de
produção necessitam num dado momento histórico.
Na pedagogia dos objetivos, entretanto, silenciam-se as questões sociais e
políticas na determinação dos altos índices de evasão e repetência na escola, a baixa
produtividade do ensino. Ignora-se a relação entre escola e sociedade. Desvincula-se a
teoria da prática pedagógica concreta na abordagem dos problemas pedagógicos. A
ênfase é em soluções eminentemente formais e técnicas dos problemas do ensino, tendo
como pressuposto a tão repetida “neutralidade” que deve embasar uma perspectiva
“verdadeiramente” científica que a Pedagogia e a Didática, supostamente, devem ter no
tratamento daqueles problemas.
69
Tal pedagogia teve origem em Bobbit e Ralph Tyler. Para Bobbit o currículo é
fator primordial no processo ensino-aprendizagem e, por isso, ele precisa ser
cientificamente planejado. Segundo esse autor, a elaboração de currículos precisa
envolver a descoberta de habilidades, atitudes, hábitos, conhecimentos de que os
indivíduos dependem em suas vidas, assim como a conseqüente definição dos objetivos
a serem perseguidos e dos meios a serem empregados. A idéia de Bobbit da “eficiência
social” se apresenta ainda hoje com grande ênfase.
Tyler, em sua obra “Princípios básicos do currículo”, já definia que os objetivos
nada mais eram do que “os enunciados que indicam os tipos de troca que se buscam no
aluno; a forma mais útil de enunciar objetivos consiste em expressá-los em termos de
conduta que se pretende gerar no aluno” (Tyler, 1979:47).
Por essa pedagogia, o fracasso escolar e a crise dos sistemas educacionais são
vistos como fracassos de eficiência de uma sociedade competitiva, altamente
tecnologizada, cujos valores fundamentais são de ordem econômica. Esse modelo tem a
missão básica de tecnologizar o processo educativo sobre as chamadas “bases
científicas”. É um modelo que tem ressaltado o valor dos objetivos no ensino, mais que
o valor dos do ensino. A sua preocupação é técnica, com o como fazer. Não há
preocupação maior de uma discussão ideológica.
Com o auge do enfoque da eficiência social no Brasil, nos anos 70, as obras de
autores como Robert Mager (1977), Benjamim Bloom (1972), Norman Gronlund
(1975) e James Popham (1978) eram as mais lidas e relidas nos meios educacionais de
todos os níveis.9 a Mager (1977), no seu livro clássico sobre elaboração de objetivos de
ensino explica no prefácio que:
Este livro é destinado aos que desejam saber como anda o ensino que
administram a aos que desejam desenvolver os instrumentos básicos com os
quais possam medir as finalidades do ensino. Mostra como reconhecer e
elaborar itens de teste através dos quais se pode determinar se um objetivo de
ensino foi alcançado.
9 No início da década de 80, esta pesquisadora, ao terminar sua graduação e ingressar no Mestrado da UFRJ, já tinha como referencial e leitura obrigatória esses autores.
70
Popham (1978:01) na Introdução de seu livro clássico Como avaliar o ensino
destaca:
O aprimoramento dos educadores na avaliação de seu trabalho de
ensino é um dos imperativos do momento presente. Este livro é constituído de
seis instruções programadas (...) Depois de completar os seis programas deste
livro, você estará mais habilitado a lidarcom problemas relativos à avaliação
do ensino, quer no âmbito da sala de aula ou noutras situações educacionais.
As competências dadas pelos programas serão importantes para os indivíduos
que estejam se preparando para ensinar em qualquer nível de ensino.
Gronlund (1975) no Prefácio de seu livro A formulação de objetivos
comportamentais para as aulas sinaliza:
Este livro tem por objetivo servir de guia prático para a redação de
objetivos Instrucionais para o ensino e a aprendizagem. A técnica que aqui se
descreve enfatiza a formulação de objetivos instrucionais como resultados de
aprendizagem (...) Essa abordagem se apóia na hipótese de que o ensino e a
avaliação eficientes requerem uma concepção clara do que se deseja como
resultado da aprendizagem.
Num artigo de Benjamim Bloom (1968) ele diz:
Um problema básico para uma estratégia de aprendizagem para o
domínio é o de encontrar meios de reduzir o tempo requerido pelos
estudantes mais lentos até um ponto que mão seja proibitivamente longa
e difícil a tarefa para esses estudantes menos capazes (...). Contudo,
mesmo se as mudanças marcadas não são obtidas nas aptidões dos
indivíduos, é altamente provável que condições de aprendizagem mais
efetivas podem reduzir a quantidade de tempo necessário para aprender
um assunto até o domínio por todos os estudantes ...
71
Nesses exemplos, fica claro o terreno fértil que o tecnicismo encontrou no
campo do ensino e, especificamente, da Didática. A necessidade de formar as pessoas
para os diferentes níveis de hierarquia empresarial passou a exigir da escola, na opinião
dos pioneiros no campo do currículo, uma organização mais eficiente calçada nos
princípios trazidos pelo tecnicismo.
Para Sacristán (1995), a racionalidade implica partir de objetivos e este modelo
da pedagogia por objetivos é mais tecnicista do que tecnológico. Ou seja, ele explora e
extrapola exageradamente a interpretação da técnica a partir de âmbitos não educativos,
sem respeitar determinadas limitações impostas pelo objetivo que se quer alcançar.
Esse modelo nasceu tendo como pano de fundo o setor e fim industrial e militar,
acabando por se instalar no ensino em geral, não sendo exclusivo da educação.
Para Sacristán (ibid) esse modelo tem a intenção de anular todas as suas
próprias possibilidades e de enfatizar os seus defeitos. Sacristán ainda argumenta que,
nessa pedagogia, a instituição escolar é criada e mantida pela sociedade para lhe
retornar benefícios, daí que não se deva estranhar que essa mesma sociedade dê uma
atenção mais cuidadosa ao cultivo de valores relacionados à eficiência e à rentabilidade
como algo desejável a si mesmo. Esses valores passam a ser valores básicos numa
sociedade fortemente tecnificada.
Desde a década de 60 que a Tecnologia Educacional trouxe a ênfase nos meios,
propondo-se a planejar em todas as áreas da sociedade e propagando que todo esse
processo de planejamento se baseia em conhecimentos científicos e visando a sua
produtividade, isto é, o alcance dos objetivos propostos de forma eficiente e eficaz.
Implica nesse enfoque a exigência de trabalhadores qualificados, com um certo nível
tecnológico, capazes de fazer da educação um instrumento de progresso técnico e
científico.
Segundo Horta (1994:215), discutindo o planejamento no Estado
intervencionista:
A caracterização do planejamento como categoria histórica do processo
de controle social, isto é, como instrumento de realização ‘controlada’ da
História, traz para o centro da discussão o problema da escolha dos objetivos
72
(fins e valores) para cuja realização se conta com o processo de controle social
consistente no planejamento.
Ou seja, as decisões ligadas com a escolha, delimitação e abrangência dos
objetivos (valores) podem, nessa perspectiva , serem vistas como um problema de
natureza técnica ou política. Considerando-se a concepção de planejamento enquanto
instrumento do Poder do Estado, Horta (ibidem:220) sinaliza que o planejamento torna-
se, então, funcional, acabando por se utilizar “... do plano como instrumento para fazer
valer seu próprio projeto sob o discurso de integração dos elementos na vida social
existente”. Para esse autor, o planejamento se apresenta, assim, com um caráter mítico,
justificado ideologicamente com uma concepção específica de “técnica” e do “técnico”
que tende a se constituir à base da tecnocracia.10 O planejamento educacional ganha
cada vez mais importância como um mecanismo de intervenção do Estado em
educação: é considerada uma tarefa de “técnicos”, longe do campo de atuação
específica dos “educadores”. À época no Brasil, no fnal dos anos 60 e início de 70, é
retomada a expansão econômica e o desenvolvimento industrial. Para Horta (ibidem)
duas funções da educação se acentuaram: a formação profissional e a elaboração e
difusão da ciência e da técnica.
Segundo Candau (1996:17), “O modelo político reforça o controle, a repressão e
o autoritarismo. A educação é vinculada à Segurança Nacional.”. Nessa perspectiva, a
formulação de objetivos instrucionais, as diferentes taxionomias, a construção de
instrumentos de avaliação, as diferentes técnicas (ensino por módulos e instrução
programada) e recursos didáticos, modelos sistêmicos, habilidades de ensino e
determinadas metodologias passam a constituir o conteúdo básico dos cursos de
Didática. No campo do currículo tudo passa a fazer uma associação à racionalidade
instrumental. Segundo Silva (1999), o currículo nessa perspectiva é visto como um
processo de racionalização de resultados, cuidadosamente especificados e medidos.
Nesse modelo de currículo, os alunos devem ser processados como um produto fabril.
Ou seja, a escola e o currículo têm que dar uma resposta eficiente ao que a sociedade
pede dela. Para isso, portanto, o currículo deveria viver para alcançar tais objetivos e
10 Trata-se da eliminação de qualquer problemática relacionada com os fins, pela absolutização dos meios, e a negação da dimensão política, denominado este processo por Horta (1994) como sendo de submissão do processo decisório aos critérios da racionalidade técnica.
73
seu desenvolviemnto fundamentava-se, principalmente, nas idéias de padronização e
eficiência.
Essa justificativa do sucesso desse modelo consegue ser lógica, na medida em
que se pensarmos que a chamada “pedagogia por objetivos” ou “ensino baseado em
objetivos” é uma resposta coerente com a idéia de que a escola deve ser uma instituição
útil aos valores predominantes vigentes na nossa sociedade e guiados por critérios de
eficiência (valor este básico nas sociedades industrializadas).
Para Diaz Barriga (1992:17) referindo-se à influência de Tyler nesse modelo: “É
necessário precisar que a concepção que esse autor tem do ‘social’ no currículo, está
fundada em uma epistemologia funcionalista”. Ou seja, num ou noutro autor o que
podemos sintetizar desse modelo no momento histórico então vivido pelo tecnicismo é
a urgência que se teria de se ensinar tudo aquilo que se pudesse aprender de forma mais
rápida. Para Sacristán (1995) isso seria o mesmo que dizer que as pessoas têm de
aprender a fazer e que se pode analisar em atividade o que um trabalhador faria em
tarefas. Ou seja, se a educação tem que preparar para a vida, então o currículo pode
tentar preparar o indivíduo para essas atividades.
Dessa forma, nesse modelo a educação fica caracterizada como um treinamento
que facilita a formação de hábitos necessários às atividades humanas em uma sociedade
industrial. Segundo Diaz Barriga (1992,) a partir da década de 70, esse modelo passou a
ser cobrado no sentido de se organizar os programas escolares centrados nos objetivos
comportamentais. A elaboração técnica desses objetivos passa a ser privilegiada
tomando como referência os critérios que Robert Mager estabelece: comportamento
observável alcançado pelo aluno, critério utilizado para o alcance desse comportamento
e o padrão mínimo aceitável para se considerar que o objetivo tenha sido alcançado.
Portanto, o paradigma da “pedagogia por objetivos” nasce como um modelo
puramente tecnocrático e eminentemente instrumental. Diaz Barriga critica esse
modelo: “Quando este esquema é utilizado num programa escolar acaba se esquecendo
que num grupo escolar todo processo de aprendizagem assume particularidades
específicas”. (ibidem: 24). É um modelo reducionista e que considera a sociedade, o
homem como algo dado, homogêneo e estático.
A Didática tecnicista trouxe propostas didáticas que significaram o reforço da
certeza metódica – de acordo com a matriz histórica da disciplina – baseada na
objetividade, na neutralidade política, na eliminação simbólica do sujeito e dos fatos da
74
consciência. Esse paradigma se apoiou, por um lado, nas conclusões da Psicologia
comportamentalista e, por outro lado, na expansão da planificação, voltada para a
eficiência na qual a realidade é confundida com as estatísticas.
Autores brasileiros como Dalila Sperb, Luiz Alves de Mattos, Zélia Domingues
Mediano, Romanda Gonçalves, Claudino Pilleti, Clódia Maria Turra, Oyara Peterson
Esteves, Ângela Reis e Vera Joullié, Irene Mello de Carvalho e Imídeo Giuseppe Nérici
traziam em seus livros o entendimento clássico de currículo e de Didática como toda
aprendizagem planejada, supondo assim, uma ênfase no planejamento curricular como
atividade racional centrada em três elementos: objetivos, conteúdos ou matérias e
métodos ou processos. Essa perspectiva do tecnicismo educacional foi respaldada com
livros de Benjamim Bloom e Robert Mager, principalmente.
Ainda na primeira fase da década de 70, tentou-se redefinir a Didática
procurando se evidenciar não só a dificuldade quanto à delimitação dessa disciplina
como um campo autônomo, como também quanto à tentativa de se propor um modelo
de situação didática. A partir de 1974, época em que se inicia o momento de distensão e
gradual abertura do regime político autoritário até então instalado, surgiram estudos
empenhados em fazer a crítica da educação dominante. Foram estudos centrados em
questionar a concepção tecnicista e eficientista de educação. Tais estudos foram
denominados por Saviani (1988:17) de “teorias crítico-reprodutivistas”. Essas teorias
foram incorporadas pela Didática.
Essas teorias causaram forte impacto na Didática, que passou a negar a
dimensão técnica e caiu no pólo oposto de enfatizar a dimensão política. Só que esse
novo discurso ficou reduzido ao ato de “discutir sobre” e “falar sobre”. O discurso da
Didática no campo acadêmico assumiu perspectivas sociológicas, filosóficas e
históricas, deixando para segundo plano a sua dimensão técnica e humana. Para Candau
(1988:19) foi “a afirmação da impossibilidade orientada de uma prática pedagógica que
não seja social e politicamente orientada, de uma forma implícita ou explícita”. A
História, Sociologia e Filosofia da Educação passam a ser focalizadas de forma mais
crítica nas escolas de formação de professores. Essa nova postura crítica, segundo
Veiga (1994:64), fez com que os professores procurassem
(...) rever sua própria prática pedagógica, a fim de torná-la mais
coerente com a realidade sócio-cultural. A Didática é questionada. Em sem
75
precisar perder sua característica instrumental e técnica, necessária à
formação profissional, os movimentos em torno da revisão da referida
disciplina apontam para a busca de novos rumos.
De maneira geral, na década de 80, foi um momento histórico no qual as
reflexões de caráter político-social passaram a ter nova configuração, em todas as áreas
do conhecimento. Essas reflexões visavam tanto explicar o campo do conhecimento e
estruturas vigentes como encontrar novas alternativas aos impasses delas derivados.
Iniciam-se, assim, as manifestações em torno de uma teoria crítica da educação, o que,
evidentemente, refletiu-se no campo acadêmico da Didática. Passaremos, então, a
discutir os novos discursos que passaram a pautar a trajetória da disciplina Didática no
Brasil.
3.2.2 – Perspectivas Críticas – O Movimento da Didática Crítica e os
principais autores brasileiros no campo da Didática.
Tenta-se redefinir o campo da Didática evidenciando-se não só a dificuldade
quanto à delimitação dessa disciplina como um campo de estudo autônomo, como
também quanto à proposta de um modelo de situação didática. A partir desses estudos e
do impacto de obras que começaram a surgir nos anos 70 com essa perspectiva como
Sociedade sem Escolas, de Illich, A Reprodução, de Bourdieu e Passeron, La escuela
capitalista, de Baudelot e Establet, Ideologia e aparelhos ideológicos do estado, de
Althusser – os discursos se tornam consensuais naquilo que diz respeito às relações que
se estabelecem entre escola e a realidade de nossa sociedade. Para Saviani (1994), as
teorias dos autores acima citados não contêm uma proposta pedagógica. Elas se
empenham tão-somente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como
está constituída.”. Por outro lado, Saviani (1988 b:15-16), diz que
Esta visão crítico-reprodutivista desempenhou um papel importante em
nosso país, porque de alguma forma, impulsionou a critica ao regime
autoritário e à pedagogia autoritária desse regime, a pedagogia tecnicista.
76
A partir dessa constatação, Saviani (1988 b) levanta a questão central da teoria
crítica, que ele passa a denominar de “concepção histórico-crítica” no lugar de
dialética. Nessa concepção ele procura reter o caráter crítico de articulação com as
condicionantes sociais. E assim foi emergindo e tomando forma essa essa nova proposta
pedagógica. Seu texto “Escola e democracia: para além da curvatura da vara” tentou
mostrar como se configuraria uma proposta que não fosse nem tradicional nem
escolanovista.
José Carlos Libâneo cunhou a expressão “pedagogia crítico-social dos
conteúdos” para nomear uma tendência pedagógica que acabou por se firmar na década
de 80, colocando as tarefas da escola pública sob um enfoque polêmico e desafiante.
Num debate coletivo realizado em Niterói (RJ), em dezembro de 1985, o autor retoma o
papel da educação escolar na formação cultural e científica, explicita a gênese dos
conteúdos escolares e sua dimensão crítico-social, com a intenção de aprofundar e
compreender os princípios básicos da proposta em questão. Num artigo que foi
publicado pela revista ANDE, Libâneo (1986:05) explicita essa corrente:
(...) uma das propostas pedagógicas que vem sendo formulada é a da
‘Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos’, também denominada de ‘Pedagogia
Histórico-Crítica’ Ela se situa no quadro das concepções progressistas por
entender que a educação não é simplesmente um processo de adaptação ao
meio social vigente, mas um processo que ajuda os indivíduos a porem questão
as condições presentes de sua vida cotidiana geradas pelo modo de
organização da produção em nossa sociedade.
Libâneo situa a contribuição da pedagogia crítico-socail dos conteúdos no
sentido de se entender que, sob essa perspectiva, é fundamental o papel social e político
de difusão de cultura a todos pela escola pública. Nesse enfoque, favorece-se a atuação
dos indivíduos nas suas práticas de vida cotidiana e das lutas pela transformação social.
Ou seja, a pedagogia crítico-social dos conteúdos parte do princípio de que a
atividade na escola se insere no conjunto “... das mediações que compõem a totalidade
das práticas sociais” (ibid). Para entendermos essa dimensão trazida pela pedagogia
crítico-social dos conteúdos, precisamos entender os seus fundamentos. A questão aqui
é: Como as várias tradições e concepções vêem a cultura, a realidade social? Ora como
77
ajustamento à ordem social estabelecida, ora como uma realidade social que se
transforma permanentemente. Por causa disso, a formação cultural aqui discutida
também é mutável, considerando-se as próprias exigências sociais e históricas de cada
época vivida. Daí surge o caráter de criticidade da educação escolar que, para Libâneo
(ibidem:09) está exatamente em “... reconhecer sua subordinação aos condicionantes
objetivos da estrutura sócio-econômica e a partir daí determinar o sentido da formação
cultural.”.
Os conteúdos críticos aqui considerados e na perspectiva de Libâneo são críticos
menos por formarem alunos contestadores e mais “... por colocarem os indivíduos em
condições de participar nas tarefas sociais e profissionais” (ibidem:11). Ou seja, a
dimensão crítica apontada por Libâneo faz ver que os conteúdos têm sua fonte no
desenvolvimento da prática social na qual se manifestam contradições e interesses de
grupos hegemônicos.
Para José Carlos Libâneo (1984, 1994, 1998), a Didática tem fundamentação na
teoria pedagógica que, por sua vez, se constitui no processo. Logo, o objeto de estudo
da Didática é o estudo do ensino, para conhecer as leis objetivas e as condições de sua
manifestação e pela investigação dos fatores reais condicionantes das relações entre
docência e aprendizagem. Estão presentes no processo de ensino as seguintes
dimensões: a política, a histórico-social, a científica e a técnica. Haveria também uma
relação dialética entre conteúdos/métodos, entre ensino e aprendizagem e entre direção
e auto-atividade.
A Didática, nessa perspectiva, entra em íntima relação com a pedagogia,
articula-se com os conteúdos-métodos em função dos quais os objetivos sócio-
pedagógicos são postos em ação na prática educativa. Os conteúdos escolares passam a
ser mais que expressões do conjunto dos bens culturais. Eles passam a englobar
conceitos, idéias, leis, generalizações contidos nos livros didáticos, nas aulas, nas
leituras e exercícios feitos em sala.
Ou seja, os conteúdos implicam métodos, estes, conteúdos e a dimensão crítica
sinaliza que esses conteúdos têm sua fonte no desenvolvimento em permanente
construção da prática social. Já a dimensão social sinaliza para o fato de que os
indivíduos vão se percebendo como co-autores ativos do estar em sociedade e da sua
própria humanização. Daí esses conteúdos conterem a dimensão crítico-social, visto
que fica evidente a relação conteúdos-métodos no processo de formação cultural do
78
indivíduo. A seleção e organização do conhecimento nesse enfoque deixa de ser linear.
Essa seleção passa a implicar uma referência concreta à realidade escolar e,
conseqüentemente, em questões do tipo: Quem define os conteúdos? Ou como trabalhar
com conteúdos críticos nas diferentes séries do ensino fundamental?
Os estudos de Saviani (1986, 1988a e b) e de Libâneo (1983, 1986) conferem à
Didática uma contribuição no sentido de clarificar o papel político da educação, da
escola e do ensino. O que ratificamos neste estudo é a visão do homem como produtor
histórico de todas as suas formas de vida e, como tal, assumir uma posição crítica não
basta só ficar no nível da compreensão do que a coisa construída é, num exato momento
histórico. Precisamos também perguntar: “O que há por trás, politicamente, de uma
suposta fachada de neutralidade?”. Em outras palavras, que “cara” tem o currículo e a
disciplina Didática nele inserida, numa instituição que forma professores? Que “cara”
tem esses elementos enquanto apoiados numa perspectiva crítica? Que conseqüências
advêm desse fato para a instituição e para a formação de futuros professores? Essas são
algumas das inquietudes que nos toma ao querer entender como todas essas concepções
de Didática foram reinterpretadas na instituição pesquisada.
Nos últimos anos a definição disciplinar de Didática tem provocado novos
questionamentos no seu campo de atuação. Algumas questões que hoje começam a ser
pesquisadas no campo da Didática tiveram a sua origem no recorte deste estudo: os
anos 80 em que o Movimento da Didática Crítica teve início. Questões como: “Como a
Didática é trabalhada hoje pelos professores no atual contexto escolar? Que processos
podem ter influenciado o senso comum para se dizer quais conhecimentos dessa
disciplina deveriam ser selecionados ou não? Por quê?” - todas essas são questões que,
para serem analisadas, compreendidas e refletidas passam, obrigatoriamente, pela
origem e evolução do pensamento crítico. E por que o professorado, na sua prática
pedagógica, se sente tão impotente em abraçar uma postura crítica? Por que esse
mesmo professorado prefere simplesmente negar essas questões, transferindo-as para
outras instâncias ou racionalizando-as? Para Apple (1997):
(... )o papel do trabalho educacional crítico, modos bem sucedidos de
contrapor-se...não podem ser inteiramente articulados ao nível teórico. Eles
começam e terminam, de muitas maneiras, no nível da prática educacional...
79
Eles são aprendidos pelo engajamento em atividades diárias, sérias e
comprometidas.
O início da década de 1970 presencia ainda, sob a orientação do movimento da
tecnologia educacional, o Primeiro Encontro Nacional de Professores de Didática que
dá continuidade e amplia em âmbito nacional a primeira iniciativa de organização dos
profissionais da área da Didática. Existem poucos documentos11 que registram esse
encontro. Mas dez anos se passaram antes que os professores de Didática se reunissem
novamente em âmbito nacional.
A professora Magda Becker Soares (1986) passa a defender a tese de que não há
uma Didática geral na acepção tradicional do termo. Ao contrário, há didática dos
conteúdos específicos. Não existe qualquer relação entre a Didática Geral e as
disciplinas do conteúdo. A Didática, ao contrário de outras áreas de conhecimento que
se constituem atarvés de uma conquista progressiva, definiu-se logo de início como um
conjunto de princípios e normas de orientação de uma prática. Ou seja, começou por
onde as outras áreas terminaram. A Didática não é uma técnica fruto de uma ciência.
Ela tem-se fundamentado em modelos teóricos pré-estabelecidos, não construídos a
partir da pesquisa e da análise da prática para a qual pretende prescrever.
Ainda para esta autora, a Didática fundamentar-se-ia em uma linha de pesquisas
que vem buscando analisar e descrever a aula como fenômeno que apresenta certas
peculariedades, independentemente do contexto em que se dá e da diversidade de
conteúdos que nela se desenvolvem. Ou seja, esta autora propõe uma Didática que
estude a aula, tal como ela ocorre e trancorre.
A professora Vera Maria Candau (1988) passa a propor uma Didática
Fundamental cujo objeto de estudo seja o processo ensino-aprendizagem com as
seguintes dimensões: técnica, humana, sócio-política e organicamente articuladas. Ela
defende também a contextualização da prática pedagógica, a relação teoria-prática, o
compromisso com a transformação social, a necessidade de explicitação das diferentes
metodologias e a articulação do pensar sobre a Didática com a Didática vivida no
11 Alguns textos apresentados no evento foram publicados pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, RJ, v.59, nº 129, jan./mar., 1973. Entre eles as conclusões do evento sob o título de “I Encontro Nacional de professores de Didática: Conclusões”, e a Comunicação de Amélia Domingues de Castro sob o título “Redefinição da Didática”.
80
cotidiano da prática educativa. Para Candau, a Didática tem por objeto a prática
pedagógica.
A crise da Didática como parte da crise de legitimidade que atingiu a pedagogia
foi um fato destacado e presente no discurso não só de Vera Maria Candau como
também outros profissionais da área que passaram a liderar esse movimento. Dentre
eles também destacamos os professores Maria Rita Neto Sales Oliveira, Luiz Carlos de
Freitas e José Carlos Libâneo. Estes profissionais consideraram que efetivamente a
crítica ao positivismo e ao psicologismo puseram em questão as bases científicas da
pedagogia, instaurando uma discussão sobre a possibilidade de fato da existência da
pedagogia como uma ciência da educação.
Para a professora Maria Rita Neto Sales Oliveira (1993) o objeto da Didática é o
ensino, meio através do qual os atores da situação pedagógica se relacionam com o
mundo e com os homens e que se concretiza na aula. Ela propõe uma Didática que
tenha um caráter crítico e que supere a contradição entre princípios e formas de
operacionalização do processo de ensino. Para ela, as dimensões do ato didático passam
a ser a histórica, a antropológica, a ideológica, a epistemológica. Além disso, o
compromisso com a transformação social continua presente.
Nas palavras de Luiz Carlos de Freitas (1987), a crise da Didática fez parte da
própria crise da pedagogia porque, de um lado, tem-se a descaracterização da pedagogia
enquanto ciência e, de outro lado, a crise da pedagogia, diluída nos conteúdos escolares.
Esse autor defende a necessidade de explicação de um projeto histórico claro, a
necessidade de conscientização da escola de ter uma teoria orientando professores e de
uma nova forma de administrar essa escola. Ele diz também que a pedagogia teria como
subsídios uma teoria educacional e uma teoria pedagógica (a Didática) e que os estudos
nessa área devem partir da identificação de problemas significativos, já que estes
podem conter, na sua forma embrionária, elementos da própria teoria pedagógica.
Observa-se nessa rápida retrospectiva histórica que se vem fazendo neste
trabalho, que existem possibilidades de análise que caminham para a compreensão dos
impasses vividos pelo campo da Didática nesses anos.
Importante salientar que nosso objetivo não é fazer uma história do campo
acadêmico da Didática, mas de mapear os principais discursos acadêmicos dos anos 80
e 90 que influenciaram o campo. Seus desdobramentos na história de uma escola de
formação de professores é parte fundamental deste estudo.
81
Concluímos, assim, que o período que vai da segunda metade de 1970 à
primeira década de 1980 caracteriza o saber no campo da Didática segundo Santos
(1998:21) por críticas como: “... a não cientificidade do campo; às visões parciais na
abordagem do ensino pela didática...”.
No campo epistemológico, as contribuições representam um distanciamento do
positivismo e clamam pela compreensão dos fenômenos sociais. No político, o novo
paradigma destaca o papel da ideologia e suas características como premissa
metateórica e como justificativa entre as relações de poder e dominação.
No metodológico, a Teoria Crítica abandona a prescrição técnica do realismo
ingênuo e abraça a hermenêutica. Esta propõe a interpretação e reinterpretação dos
processos que caracterizam a vida da aula, reconstruindo os significados e intenções do
indivíduo, que nem se observam diretamente, nem podem ser quantificados. Ou seja,
principalmente na década de 70 e no início dos anos 80, o modelo tradicional de
Ciência começou a sofrer um forte ataque das novas concepções, com grandes reflexos
tanto na educação de forma geral, quanto na Didática. De uma forma particular, é o
momento em que surgem as indagações do tipo – Educação ou Didática, para quê? para
quem? Ou o que é educação/ Didática? Tudo isto trouxe à tona a discussão a respeito da
autonomia da Didática, seus pressupostos e seu campo de atuação.
A construção da Didática a partir dos anos 80 esteve, portanto, fortemente
marcada pelo que se chamou perspectiva crítica, transformadora ou progressista.
Segundo Candau (2000:150):
Desenvolveu-se uma corrente de idéias, enfoques, inquietudes,
propostas e buscas plurais e algumas vezes em confronto, mas dentro de
uma perspewctiva comum. Ideologia, poder, currículo oculto, alienação,
conscientização, reprodução, contestação do sistema capitalista, classes
sociais, emancipação, resistência, relação teoria-prática,educação
como prática social, o educador como agente de tranformação,
articulação do processo educativo com a realidade, são preocupações e
categorias que perpassam a produção dominante na área.
Toda a discussão sobre esse período da Didática Crítica implica voltar no tempo
e trazer uma gama de informações que os trabalhos então produzidos retrataram na
82
área. Passamos a um breve estudo do campo da pesquisa na área da Didática a partir
dos anos 80 e a influência dos discursos de Currículo no campo da Didática, em virtude,
especialmente, do trabalho de Moreira (1998) e Santos. Focalizamos também alguns
impasses na delimitação do campo das disciplina Didática e Currículo, que ora se
aproximam, ora se afastam.
A pesquisa em Didática iniciou-se com a criação da pós-graduação em
Educação nas grandes universidades, dentro do novo regime instituído pela Reforma
Universitária, logo no início dos anos 70. A partir daí são criadas também as primeiras
pós-graduações no campo da Didática. Garcia (1994:147) destaca que :
Assim, a pesquisa em Didática, que nas décadas anteriores era ainda
pouco numerosa e incipiente nos seus procedimentos, agora, sob o signo
do positivismo, amplia-se significativamente e alcança uma sofisticação
não antes imaginada.
Os testemunhos de nomes ligados à Didática e à pesquisa em Didática como
Vera Maria Candau e Marli André, em entrevistas relatadas por Garcia (ibidem)
confirmam a direção das pesquisas tomadas pelo campo da Didática a partir desse
período. Candau relembra que o Mestrado na área de métodos e técnicas de ensino da
PUC/RJ, que começou a funcionar em 1970: “...tinha muita ênfase também na pesquisa,
e claro, na pesquisa experimental. Você tinha que fazer estatística e tal, tal, tal.” André
(1992) confirma as palavras anteriores. No seu relato escrito “A evolução do ensino da
didática” ela traça a história do ensino e da pesquisa na área de métodos e técnicas de
ensino do curso de pós-graduação da PUC/RJ, recorrendo aos programas das disciplinas
metodologia didática I e II e às teses defendidas no programa entre os anos de 1970 e
1986. Sua análise confirma a predominância da perspectiva instrumental-tecnológica
nos conteúdos trabalhados naquelas disciplinas e o uso do método experimental na
pesquisa, no período de tempo que vai de 1970 a 1977, aproximadamente. A partir daí
e, efetivamente, sob o movimento da tecnologia educacional, a pesquisa em Didática
conhece um grande impulso, afirmando-se como um instrumental que buscava a
racionalização e a eficiência do processo de ensino, baseadas em princípios científicos
oriundos das ciências do comportamento humano. Segundo Garcia (1994), esse impulso
da pesquisa em Didática deveu-se a fatores, principalmente, institucionais. Na medida
83
em que o financiamento de pesquisas versavam sobre questões de ensino, também se
privilegiava uma abordagem experimental do objeto de pesquisa, visto que o Estado, à
época, interpretava e solucionava os problemas educacionais à luz dos princípios da
tecnologia educacional e dessa ideologia no campo.
Nesse momento, a maioria das reflexões sobre esse campo do saber foi
divulgada e aprofundada em fóruns específicos como os seminários: A Didática em
Questão, os Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino (ENDIPEs)12 e as
reuniões da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (Anped)13. As ações que
então se desencadearam receberam diferentes denominações: movimento A Didática
em Questão, movimento do Repensar a Didática da década de 1980, movimento da
Revisão Crítica da Didática da década de 1980 e movimento de Revitalização da
Didática.14.
A opção por situar a produção científica no campo da Didática com base nos
eventos acima referidos deveu-se, especialmente, ao fato de o movimento ter-se
constituído em instância responsável por um número significativo de reflexões e
produções realizadas nessa área nos últimos vinte anos em nosso país. Entrando em
contato com o que se pensou e o que se pensa sobre a Didática nessas duas décadas,
buscamos compreender não só a forma pela qual se constituiu esse saber, como também
o fato de nos aproximar da contemporaneidade dessa área no âmbito do pensamento
educacional brasileiro produzido no referido período deste estudo. Além dissso, pôde
12 O ENDIPE é promovido por pesquisadores e docentes de Didática e Prática de Ensino e não há nenhuma entidade oficial ou universidade responsáveis por sua promoção. É realizado a cada dois anos, em diferentes capitais do país, com apoio das universidades e faculdades, com recursos financeiros das agências finaciadoras de pesquisa oficiais (tipo CNPq, CAPES, FINEP, órgãos financiadores de pesquisa do Estado e das Universidades) e com o dinheiro arrecadado das inscrições. Foram realizados até o presente 10 encontros. O XI ENDIPE está previsto para realizar-se no correr deste ano em Goiânia, no período de 26 a 29 de maio de 2002. Os encontros são realizados em estados que contam, em suas instituições de formação de educadores, com sólida base de ensino, pesquisa e produção científica na área, capacidade de mobilização de pesquisadores em âmbito nacional e participação de docentes em eventos científicos como a ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e o próprio ENDIPE. Em razão disso, tem sido praxe em todos os 10 encontros já realizados que as comissões locais de realização do evento contem com membros que têm efetiva participação no GT de Didática da ANPEd e nos ENDIPEs.13 Nesta parte do estudo, optamos como fonte pela literatura produzida nos seminários e nos encontros, fundamentalmente. O ideário da Didática divulgado no âmbito da Anped é o mesmo que foi divulgado nos referidos encontros.14 Na V Reunião da Anped, em março de 1982, criou-se o grupo de metodologia e Didática que atribuiu ao trabalho que realizava a seguinte denominação: Movimento de Revitalização da Didática. Os interesses desse grupo em torno da Didática não estavam descolados ou justapostos aos interesses expressos nos seminários A Didática em Questão e nos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino . Esse grupo constituiu-se em mais uma instância de reflexão sobre a Didática.
84
nos ajudar a entender como essas perspectivas de Didática foram entendidas,
compreendidas, interpretadas na instituição aqui estudada.
Para Maria Rita Neto Sales Oliveira, ao apresentar o tema “20 anos de
ENDIPE”, no X ENDIPE15 ela interpreta o campo pedagógico instituído pelos
ENDIPES ao longo desses vinte anos, reconhecendo-o como um espaço de posições
estruturadas de forma bastante complexa e do qual um de seus eixos temáticos – a
posição da Didática e seus agentes – tem ocupado um espaço ao longo desse tempo.
Ela levanta a hipótese de que no interior de cada uma dessas temáticas (as outras
seriam: a posição da Prática de Ensino e seus agentes; a posição da Arte e
Conhecimento sobre a Formação de Professores e seus agentes; a posição do Currículo
e seus agentes) – os agentes ocupam posições diferentes no interior de cada uma dessas
temáticas. Oliveira (2000) tomou como fontes para esse estudo o material do IV ao IX
ENDIPE e documentos da ANPEd (releitura da história da ANPEd, a história dos GTs).
A autora sinaliza que, em função das condições de tempo, deixou de incluir vinte e dois
trabalhos divulgados nos Anais. O estudo feito se limitou a sessenta e dois trabalhos
selecionados entre conferências, mesas-redondas e simpósios.
A autora destaca que, na constituição dos ENDIPEs, não há como negar a
importância das características do contexto social mais amplo em que os encontros
ocorrem: nas décadas de 80 e 90. Neste caso, nos anos 80, os movimentos sociais
ganham força pela luta operária, pela luta dos professores e, particularmente, pela
reconquista da participação nas definições da política educacional pela recuperação da
escola pública e pela democratização do ensino. Os ENDIPEs têm representado um
espaço em que os educadores se unem nessa luta de poder, desde a década de 80, para
superar a crítica meramente ideológica da educação. Na continuidade desse movimento,
nos anos 90 os ENDIPEs ocuparam um espaço
... em que se questiona o postulado do caráter impositivo dos valores do
neoliberalismo, supostamente entendidos como constituintes e constitutivos da
sociabilidade e subjetividade humana ‘convocadas’ para se colocarem
15 X ENDIPE – realizado na UERJ/RJ, no período de 29/5 a 01/6/2000. A professora Maria Rita Oliveira fez parte de uma Mesa Redonda Especial com outros expositores, no dia 30/5/2000, de 19 às 21h, tendo como tema “20 anos de ENDIPE” e no qual colocou como objetivo fundamental identificar as propriedades da produção teórico-prática na área de ensino e que tem nos ENDIPES o referencial básico de estudo e compreensão.
85
disponíveis para aceitar a lógica da racionalidade econômica das reformas
educacionais da época. (Oliveira, 2000:164)
Oliveira (ibidem:164) divide as características dessa produção em três grandes
momentos: O primeiro momento ela denomina de construção de uma síntese
consensual, o segundo de expressão e consolidação de dissensos e o terceiro de um
novo consenso.
No primeiro momento ela destaca a análise feita considerando os primeiros
Encontros de Didática e Prática de Ensino até o V ENDIPE, realizado em Belo
Horizonte, em 1989. No primeiro momento “... haveria divergências e indefinições
sobre os objetos de estudo e conteúdos das áreas, mais particularmente para o caso da
Didática àquela época, enquanto um campo de conhecimento próprio e mesmo como
uma das disciplinas do currículo das licenciaturas”. Enfim, os estudos apresentam
diferentes posições em torno dessas duas grandes correntes. Elas se diferenciam de
acordo com a aproximação ou afastamento que atribuem ao ‘saber sistematizado’ ou ao
‘saber na prática”.
O segundo momento vem acompanhado da análise da produção do VI (1991) e
VII ENDIPEs. A constatação feita foi de que nessa produção haveria a consideração do
‘trabalho docente’ como objeto de estudo das áreas da Didática e da Prática de Ensino.
As discussões sobre o tema do VII ENDIPE ocorreram em torno da questão da
“produção” ou “construção” do conhecimento.
A autora destaca o fato de que para além das diferentes posições sobre o objeto
de estudo das áreas Didática e Prática de Ensino, em particular, o que existe é um
grande consenso. Aqui ela se refere à luta em defesa da legitimidade do saber didático
pedagógico e o começo da luta pela especificidade e importância do papel dos
processos de educação e de ensino, do movimento de recuperação da escola pública, de
democratização da escola pública e da transformação social. A partir daí, um novo
consenso parece se estabelecer nas produções da área. O VIII e o IX ENDIPEs parecem
vir a indicar mais do que uma fragmentação, um primeiro momento de um novo
consenso. A maioria das questões discutidas nesses Encontros refere-se à formação de
professores. Segundo Oliveira (ibidem:171) “... a tendência dominante se referiria
exatamente à importância de se construir uma concepção de professor com uma forte
conotação político-técnica.”. Trata-se aqui da discussão da profissionalização docente.
86
A autora finaliza seu estudo destacando que em toda essa produção ao longo
desse tempo e por mais paradoxal que seja, os estudos produzidos ainda parecem muito
distantes da sala de aula e parecem caminhar para uma discussão acrítica em defesa da
formação do professor reflexivo, parecendo se deixar o aluno para segundo plano na
escola. A autora cita que no estudo feitonos dois últimos ENDIPEs o maior número de
citações feitas refere-se ao livro coordenado por António Nóvoa, Os professores e sua
formação, publicado em Lisboa, pela Editora Dom Quixote, em 1992 – o que evidencia
“... um consenso em torno da concepção de ensino enquanto prática reflexiva...”
(ibidem:174). A professora Selma Garrido Pimenta (2000) confirma este dado no
estudo feito sobre os trabalhos produzidos no GT de Didática da ANPEd no período de
1996 a 1999. Ela conclui na análise feita que são evidentes os avanços teóricos no
tratamento sempre (palavra usada pela autora) do objeto de estudo da Didática: o ensino
como prática social concreta e que os conceitos de professor reflexivo e epistemologia
da prática docente aparecem e se destacam nas pesquisas do período em análise.
Percebemos, à princípio, que a (re)construção da Didática nos últimos anos
realoca e atualiza a perpectiva de uma visão mais contextualizada do processo
pedagógico. Para Candau (2000:155): “... hoje, o desafio é, tendo presente a
especificidade da Didática, trabalhar a articulação com diferentes áreas do
conhecimento.” A autora leva em consideração que todo esse moviemnto de
(re)construção da Didática a levou muitas vezes a uma perda de especificidade, quando
então, os cursos de Didática passaram a se limitar a um elenco de temas também
trabalhados por outras disciplinas. Em lugar do diálogo frutífero entre os campos,
disciplinas ou espaços interdisciplinares, assistimos freqüentemente, ao debate pela
segregação de terrítórios. É o que acontece quando o tema da discussão é Didática e
Currículo e que passamos a discutir.
Para Severino (1998:98), referindo-se aos discursos de Didática e Currículo, nas
falas específicas de José Carlos Libâneo e Antônio Flávio Barbosa Moreira,
respectivamente, em textos produzidos sobre as confluências e divergências entre os
campos de saber da Didática e de Currículo – ele diz estarmos diante de uma
“problemática difícil”. Severino faz uma crítica às falas dos colegas no sentido de que
suas falas acabam por deixar transparecer o viés positivista que eles mesmos condenam,
a partir do momento em que os colegas “... não se remetem, em nenhum momento, a
uma possível colaboração da filosofia da educação...” (ibidem:99) no sentido de que a
87
elucidação dos limites dessas duas áreas vai além de se tentar reconhecer que o único
conhecimento válido para os homens é o conhecimento científico.
Na visão de Moreira (1998:34) “... os limites entre as duas disciplinas se
mostram tênues e facilmente transponíveis.” A partir daí o autor passa à discussão do
que vem a ser uma disciplina e cita uma das hipóteses de Goodson sobre os conflitos,
acordos, negociações por que passa uma comunidade científica de uma disciplina para
fazer valer a sua retórica e discurso, visto que segundo Moreira (1998 apud Goodson
1995) “... as disciplinas não são entidades monolíticas, mas sim amálgamas mutáveis de
distintos e discordantes subgrupos e tradições.”. O campo do Currículo estaria voltado
mais especificamente para questões relacionadas à seleção e organização do
conhecimento escolar e a Didática focaliza o ensino como seu objeto de estudo.
Moreira sugere o diálogo entre os dois campos pela construção coletiva de rompimento
de barreiras, de interferência, no sentido de se tentar “... generalizar exatamente nos
pontos onde as generalizações parecem mais impossíveis de serem feitas.” (1998:47).
Esse programa de interferência sugerido pelo autor envolveria a participação das duas
comunidades não só em investigações da prática pedagógica, passando pela retomada
do diálogo com a escola e desencadeando “... um intenso diálogo entre os
pesquisadores dos dois campos e deles com outros especialistas.”. Moreira (2000)
sugere que cabe aguardar uma proposição mais clara dos contornos do campo do
currículo e de seu objeto de estudo.
Para Santos e Oliveira (1998), as disciplinas Currículo e Didática possuem papel
especial nos currículos de vários pontos em comum: a área do Currículo está
predominantemente voltada para questões relacionadas à seleção e à organização do
conteúdo escolar; a área da Didática está centrada em diferentes aspectos relacionados
ao processo de ensino-aprendizagem. Do ponto de vista histórico, a área da Didática
“... vem trazendo contribuições de fundamentos para as discussões no campo do
currículo.” (ibid:27), pelo fato de ser mais antiga que a do Currículo. Para as autoras, as
temáticas comuns nos campos da Didática e Currículo são três: estudos sobre o
processo de produção do conhecimento escolar, o papel da transposição didática; a
questão da formação do professor; a questão da cultura escolar. As autoras argumentam
que as áreas do currículo e da Didática se constituíram paralelamente em campos
distintos, “... da mesma forma que conteúdo e forma têm sido tratados como coisas
distintas”.
88
As preocupações comuns compartilhadas nessas áreas possibilita que se abra
mais um canal para este estudo no sentido de entendermos a trajetória da Didática na
instituição pesquisada.
CAPÍTULO IV
CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO CARMELA DUTRA
(ANOS 80 A 90)
Confidência de Carmelita16
Há muitos anos trabalho no Carmela.16 Encontramos o registro desta poesia feita por uma ex-aluna do Colégio, no número especial de comemoração do jubileu de ouro aberto no dia 15 de julho de 1995 e que se estendeu por todo o ano, até o dia 22 de junho de 1996, quando o Colégio completou 50 anos. O título da publicação é Carmela Dutra – uma escola que forma e informa em forma de amor, Esse informativo é datado de setembro de 1995.
89
Principalmente estudei no Carmela.Por isso sou teimosa, orgulhosa, amorosa.
Cinqüenta por cento de amor por estas paredes.Cinqüenta por cento de amor pela educação.
E esta força que surge quando penso em desistirE a vontade de recomeçar que me faz seguir em frente
vêm da Carmela dos antigos professores, dos eternos mentores.E o hábito de lutar, que tanto me consome,
É doce herança carmelita.Da Carmela recebi prendas diversas que hoje lhe ofereço:
Este amor ao trabalho, da professora Adélia; Esta disciplina, que vem da dona Lea;
Esta organização, esta dedicação...Tive dificuldades, decepções, tristeza.
Hoje sou uma professora que sabe;Carmela também me deu felicidade.
E isto é o que interessa!OBS: Este poema é uma paródia de “Confidência de Itabirano, de CarlosDrummond de Andrade. Como itabirana, senti vontade de copiar o ilustre
conterrâneo. Perdoe-me o poeta, mas esta escola merece! (Ângela Reis de Melo)
Tudo o que acontece na escola, do ponto de vista do aluno, é aprendizagem e
socialização. Esses processos tendem a ser coletivos, na medida em que a instituição
escolar possui padrões ou tendências também coletivas, embora eles se efetuem em
cada indivídulo de forma singular. Sob essa perspectiva, ao aceitar a determinação que
a cultura exerce sobre a escola, ao reconhecer que esta reúne, organiza, manipula e
procura repassar um corpo de conhecimentos, condutas, valores, relações, crenças,
mitos e hábitos, historicamente produzidos no seio de uma sociedade, estamos dando
conta de uma parte do papel que ela desempenha, mas não de todo.
Nossa atenção se volta, agora, para dentro da escola e sobre a importância de
atentarmos para o que acontece no seu interior. A escola é ela mesma uma totalidade
complexa, dentro da qual ocorrem processos e fenômenos objetivos como a interação
entre as pessoas, o uso do material didático, a forma como o currículo é interpretado e
organizado na instituição. Para Nóvoa (1999:16), “As escolas são instituições de um
tipo muito particular.” Elas “... constituem uma territorialidade espacial e cultural,
onde se exprime o jogo dos atores educativos internos e externos...”.
Sendo assim, podemos estudá-la como um elemento difuso e entendê-la com
explicações que estão escritas fora de seus muros ou podemos detalhar cada um de seus
componentes, sem situá-la na totalidade mais ampla do social. Em ambos os casos a
90
estaremos reduzindo. Assim, procuraremos trabalhar nos dois planos. Segundo Nóvoa
(1999), o fato de se isolar a ação pedagógica dos contextos sociais tem sido um
problema nas pesquisas educacionais feitas nos últimos anos. Esse autor defende a
impossibilidade de se isolar a ação pedagógica dos universos sociais que envolvem a
escola.
A ação desenvolvida pelos sujeitos no interior da instituição escolar não se faz
desligada da sua forma de existir, constituindo-se mesmo um dos indicadores que
expressam a dinâmica da instituição em seu conjunto. Percebemos, então, a necessidade
de revelar determinados aspectos ou traços dessa realidade onde foi realizado este
estudo e que, articulados, lhe dão uma identidade própria.
Para isso, mergulhamos na história da instituição de formação de professores
denominada Colégio Estadual Carmela Dutra, que nasceu com a Lei Orgânica do
Ensino Normal, em 1946, passando pela Lei 5692/71 que acabou por descaracterizar a
escola normal como uma agência de formação de professores de 1ª a 4ª séries do atual
Ensino Fundamental. É extremamente difícil perceber o movimento entre esses
momentos diferentes no caso da instituição aqui focalizada.
A reconstrução desses diferentes momentos da instituição foi feita com a
finalidade de fundamentar a análise pretendida neste estudo no sentido de que os
estudos sobre a escola, como lugar de formação, pode nos ajudar a compreender a
trajetória de sua história. Conhecer esses elementos da cultura organizacional da escola
se faz necessário para que se compreenda a articulação entre a história da disciplina
Didática nessa instituição e os processos de hibridização que acompanharam os
discursos de que essa disciplina se apropriou ao longo dos anos 80 e 90. Abordar a
história da disciplina escolar Didática na instituição, entendendo-a como nível meso
(Nóvoa:10) diferente do nível macro de onde são encaminhadas todas as propostas,
ordens, resoluções e pareceres, e igualmente diferente do nível micro da sala de aula,
fornece os subsídios necessários ao entendimento de como a escola reinterpreta o
currículo oficial, os pareceres e resoluções que regulamentam a disciplina Didática no
currículo da instituição.
Nossa preocupação se volta, então, para a escola e para a disciplina Didática. Ao
longo dos estudos no campo da história do currículo e da história das disciplinas têm
sido poucas as pesquisas nessa perspectiva. Trabalhos desenvolvidos por Sacristán
(1995) e Nóvoa (1999) sinalizam para essa necessidade de se pesquisar as decisões no
91
âmbito curricular para além da sala de aula. Seria necessário olhar para esse processo
dentro da escola.
Para Ezpeleta & Rockwell (1989) e Nóvoa (1999) o espaço da escola é especial
e diferente do da empresa, da fábrica. Na escola seus sujeitos apropriam-se dos
“conteúdos educativos”. O conteúdo escolar abriria caminhos para outras
compreensões. Ou seja, esses conteúdos quando integrados na própria experiência
trazem sempre a possibilidade de se reconstruírem fora do âmbito escolar. Esses
conteúdos tomam formas diferentes e de acordo com os interesses implicados nessas
relações entre os sujeitos envolvidos, eles se redefinem permanentemente segundo as
questões, conflitos, embates, disputas em cada período e lugar. Essa é a importância de
se situar a história da instituição aqui estudada. Afinal, é essa história que contribuiu,
de alguma forma, para o caráter, as formas de atuação e de relação de seus sujeitos,
para a “cara” que a instituição tem nos dias atuais.
Queremos entender como se dá essa articulação entre a história da disciplina
Didática, de como essa disciplina se apropriou dos discursos acadêmicos no período
considerado e de como é valorizada no currículo da instituição nos dias atuais. Sendo
assim, este capítulo irá focalizar a importância e a construção social da vida da escola
no cotidiano. O estudo deste capítulo está centrado numa das características
organizacionais citadas por Nóvoa (1999:25) – a “estrutura social da escola”, que faz
emergir um clima afetivo-social responsável pela orientação e mediação da “vida” no
interior dessa instituição.
Portanto, será focalizado o conceito de escola interagindo com o contexto social
e de como essa história é feita no seu cotidiano de vida escolar. A seguir, procuraremos
entender a cultura da escola; os espaços no seu interior, o visível e o invisível , os
espaços construídos no espaço-escolar, os usos feitos nesses espaços, os saberes e as
práticas desenvolvidas pelos sujeitos neles existentes. Finalmente, mergulharemos um
pouco na história no clima afetivo-social do Colégio Carmela Dutra tentando refletir
sobre a relação dessa cultura maior que envolve a instituição e a cultura nela
(re)construída e da qual faz parte o currículo, o professor, o futuro professor e a
disciplina Didática.
4.1 – A construção social da vida na escola
92
A instituição escolar não é campo neutro, puramente receptivo. Ela possui uma
dimensão própria na qual conflitos, decisões curriculares, pedagógicas e políticas são
tomadas. Até o presente momento, os estudos sobre a cultura organizacional da escola
são escassos no Brasil. Segundo Canário (1992), só se tem abordado a escola como
parte de um macro sistema e seria importante passar a investigar a escola como uma
unidade de produção. Ou seja, passar a se estudar esse universo da cultura que se forma
dentro da instituição escolar, como se estabelece o ensino no seu interior e o papel de
seus atores.
É importante que a escola, nessa perspectiva, seja vista não apenas como uma
fonte de informações para estudo, mas sim como uma parte ativa, singular e
participante dessa investigação. Sendo assim, a escola não reproduz simplesmente as
intenções dos órgãos centrais do estado, mas também constrói e reconstrói diferentes
conhecimentos, relações, intenções, identidades e cultura que lhes é própria. A sugestão
do autor Rui Canário (1999:166) é de que se considere nos estudos sobre a escola as
duas lógicas conflitantes que nela aparecem: uma lógica de cientificidade (usada nos
estudos sobre os variados aspectos da escola) e uma lógica de normatividade (esta faz
parte da escola). A diferença entre essas duas formas de pensar é, às vezes, confusa. Ou
seja, o conhecimento produzido pela escola precisa ser considerado pelo pesquisador
como uma nova descoberta e que vai além de encará-la como um “prolongamento da
administração central”. A concepção de uma organização social, “inserida num
contexto local, com uma identidade e cultura própria”, corresponde a uma mudança de
perspectiva que redefine a natureza das relações e a distribuição das relações de poder
entre o macro e o meso (a escola). Desse ponto de vista, a instituição escolar aparece
como um “construído” social, na qual a ação e interação dos sujeitos envolvidos é
elemento decisivo para que possamos entender a lógica do seu funcionamento.
Para Sacristán e Gómez (1998) isso estaria ligado à função educativa da escola
contemporânea: mais do que transmitir informação, transmitir ou intercambiar idéias, a
escola possui uma função que vai além dos seus muros e que é determinada pelas
relações sociais construídas no seu cotidiano. Esse novo “modo de fazer” é função da
escola porque resulta do intercâmbio de um tipo de relações sociais vivenciadas na
aula, na escola, nas próprias experiências de aprendizagem e que tornam por
93
transformar essas próprias práticas pedagógicas e sociais, reconfigurando-as e tornando-
as peculiares àquela instituição específica.
Na visão de Goodson (1995:118) seria lembrar que não se deve ignorar “... os
processos internos ou a ‘caixa preta’ da escola.” Para Goodson, a história do currículo é
uma via de penetrarmos nessa ‘caixa preta’ da escola, fazendo-nos voltar
particularmente para cada sala de aula e cada escola pensando-as como “autônomas’.
Enquanto pensadas como tal tem-se buscado ingredientes de práticas bem sucedidas e
“... os diferenciais de sucesso tornam-se decisivos.”(ibidem:113). Good & Weinstein
(1999:96) defendem que “há escolas que marcam a diferença... As pesquisas sobre a
eficácia de ensino têm fornecido dados imprescindíveis sobre o modo como os
processos escolares afetam os resultados dos alunos.”.
Para Ezpeleta e Rockwell (1989:58):
na verdade, cada escola é produto de uma permanente construção
social. Em cada escola, interagem diversos processos sociais: a reprodução de
relações sociais, a criação e tranformação de conhecimentos, a conservação ou
destruição da memória coletiva, o controle e a apropriação da instituição, a
resistência e a luta contra o poder estabelecido, entre outros.
Observamos, assim, que a história de uma instituição é feita no seu cotidiano.
Trata-se, na realidade, de uma relação cotidiana em contínua construção, reconstrução e
negociação frente a determinadas circunstâncias. Nessas, os interesses e histórias
imediatas e mediatas da instituição, da comunidade e dos sujeitos envolvidos, entram
em confronto, em conflito.
Consideramos que a heterogeneidade é inerente às atividades da vida cotidiana
e, como tal, a busca de uma determinada organização que dê sentido a este estudo não
pode ser buscada numa lógica linear de análise. Quando tentamos buscar uma certa
organização que dê sentido às nossas análises, já estamos tentando entender o processo
que impulsiona os sujeitos a agirem do jeito que o fazem. Sentimos, portanto,
necessidade de, a partir do estudo da história dessa instituição, identificar algumas de
suas características organizacionais e das lideranças existentes como por exemplo a
relativa autonomia que deteve e detém, a estabilidade dos professores na instituição, a
participação dos pais e comunidade nas decisões da escola, o reconhecimento público
94
dos órgãos superiores, da mídia e da própria comunidade em que está inserida, além do
apoio que chega a conseguir da Secretaria de Educação. Segundo Brunet (1988, In:
Nóvoa, 1999:30), a escola como espaço sócio-cultural, “produz uma cultura que lhe é
própria e que exprime os valores, idéias e crenças que os membros da organização
compartilham.”.
4.2 – A cultura da escola: seus saberes e suas práticas
Para compreendermos o processo de socialização e de construção do cotidiano
na instituição escolar, é necessário analisar em cada instituição como se cria e se
desenvolve a estrutura de relações sociais e das práticas acadêmicas desenvolvidas.
Para Gómez (1998:21) o objetivo primordial da atividade educativa é que o aluno
reconstrua a sua cultura, a partir de sua experiência com a realidade, e não que,
simplesmente, adquira essa cultura. A cultura seria, então, “o conjunto de significados e
condutas compartilhados, desenvolvidos através do tempo por diferentes grupos de
pessoas como conseqüência de suas experiências comuns, suas interações sociais e seus
intercâmbios com o mundo.” (Gómez, 1998:92).
Ou seja, a escola como espaço sociocultural, onde os sujeitos estão envolvidos
num complexo emaranhado de relações sociais que incluem confrontos, negociações,
conflitos, resistências, acordos, concessões, exclusões, práticas, normas individuais e
coletivas – que configuram a vida na instituição – acaba por produzir “uma cultura que
se reveste do mesmo caráter dinâmico, heterogêneo, contraditório, produtor e
reprodutor de normas, valores, maneira de ser e estar dos sujeitos.” (Ezpeleta &
Rockwell, 1989:60).
Para Sacristán (1996:34): “A cultura escolar é uma caracterização, uma
reconstrução da cultura, feita em razão das próprias condições nas quais a escolarização
reflete suas pautas de comportamento, pensamento e organização.” Segundo Sacristán,
nesse enfoque precisa-se explicitar os mecanismos diferenciados que envolvem os
conceitos de ‘cultura’ e ‘currículo’ na escolarização. A cultura estaria relacionada a
conteúdos, processos ou tendências ‘externos’ à escola. O currículo estaria relacionado
a conteúdos e processos ‘internos’. A denominada “cultura curricularizada” segundo
95
Sacristán (ibid:35), precisa ser incorporada à “... própria prática educativa como
elemento constituinte da explicação da cultura escolar”.
O processo de apropriação dessas relações no interior da instituição torna-se
central para a compreensão da construção social da escola. As práticas e os saberes
presentes no cotidiano escolar acabam por determinar a forma de vida na instituição e
orientam o jogo de disputas e interesses no seu dia a dia. Esse jogo revela os diferentes
sentidos dessas relações entre os sujeitos envolvidos. Nóvoa (1995) refere-se a uma
“zona de visibilidade” e “zona de invisibilidade” de todo esse processo que reconfigura
a cultura escolar. Estariam presentes nesse processo alguns elementos da cultura
organizacional da escola “... sistematizados numa zona de invisibilidade (bases
conceituais e pressupostos invisíveis) e uma zona de visibilidade (manifestações verbais
e conceituais; manifestações visuais e simbólicas; manifestações comportamentais).”
(ibid:30).
Os valores, crenças, interesses, saberes e práticas se delineiam a partir de
pressupostos invisíveis dessa cultura organizacioanl. Os fins, o currículo, a linguagem, a
arquitetura, os rituais, as normas e inclusive os procedimentos operacionais utilizados
pela escola co-existem em função de torná-la real, como instituição escolar, em
contínua interação com a comunidade em que se insere. Nessa construção cotidiana,
entram também em jogo não só o interesse dos pais em obter uma educação gratuita e
da melhor qualidade para seus filhos, como também os interesses profissionais dos
professores: as promoções e prestígio que venham a surgir nesse processo. Toda a vida
interna da escola se organiza em função desse ethos rededefinindo-se papéis e perfis
sociais de cada sujeito inserido nessa vida interna. São as ações e relações vividas por
esses sijeitos no interior da instituição que tornam por delibnear a “cara” da escola e o
fato dela existir.
As práticas desenvolvidas pelos sujeitos e seus saberes respectivos manifestam-
se no dia a dia da instituição às vezes de forma até contraditória do que foram a
princípio definidas ou supostas, mas não deixam de, por essa mesma razão,
corresponderem a uma construção específica concreta, singular, dinâmica. Conhecer e
interpretar essa dinâmica e a relação que esses elementos representam para a cultura
organizacional da escola torna-se fundamental para que se possa pesquisar as propostas
curriculares oficiais e, a partir daí, entender como uma determinada disciplina desse
currículo foi (re)construída pela escola ao longo do tempo.
96
Abordar a História de uma disciplina escolar em uma instituição educacional
demanda entender como a escola reinterpreta esse currículo e/ou essa disciplina e os
transforma em produtos de uma construção social. Os significados sociais dos
elementos constitutivos desse currículo e/ou dessa disciplina variam de época para
época e se entrelaçam no tempo. Os estudos a partir da história curricular de uma
instituição de ensino possibilitam o entendimento dessa cultura organizacional da
escola, de como os sujeitos envolvidos representam essa cultura e de como se organiza
o conhecimento escolar. Além disso, a análise da história da disciplina escolar na
instituição sinaliza que relações sociais, contextuais influenciaram sobremaneira num
determinado período histórico demarcado. Nesse sentido,
A escola é construção social, acumula uma história institucional e uma
história social que lhe dão existência cotidiana. Por isso, pode-se falar de
mudanças ou situações ‘imprevistas’ com a mesma freqüência com que se
observa que as mudanças ‘previstas’ não encontram seu lugar na escola.
(Ezpeleta & Rockwell, 1989:73)
Na perspectiva de Goodson isso não seria, exatamente, o ‘construcionismo
social’ e nem poderíamos argumentar que a ‘prática é tudo o que interessa’?. Sendo
assim,
Uma fase culminante no desenvolvimento de uma perspectiva social
construcionista seria desenvolver estudos que integrassem, neles próprios,
estudos sobre construção social, tanto em nível pré-ativo como no nível
interativo. (Goodson, 1995:79)
Ou seja, precisamos buscar nas pesquisas sobre história das disciplinas escolares
enfoques integradores para esse tipo de estudo. Isso seria o mesmo que relacionar e
aproximar estudos sobre ação e estudos sobre contexto. A análise da instituição escolar
pode ser, portanto, o caminho para uma melhor compreensão da natureza social do
currículo e disciplinas de uma instituição.
Goodson (1992, In: Nóvoa, 1992:71) mostra que nas suas investigações
empreendidas nas escolas, “... a consistência do discurso dos professores sobre as suas
97
próprias vidas relativamente ao processo de interpretação da sua linha de conduta e
prática tem sido notável.” Podemos interpretar, portanto, que a história de vida dos
professores, aliada à sua interação na prática pedagógica do espaço escolar, pode nos
ajudar a compreender a trajetória do currículo e/ou da disciplina escolar numa
determinada instituição. O estilo de vida do professor dentro e fora da escoal, as
experiências de vida e o ambiente sócio-cultural do professor são alguns dos
argumentos defendidos por Goodson no sentido de se utilizar dados sobre a história de
vida desses professores para clarificar a predominãncia de determinados paradigmas
atuais na educação. Até a questão “... do ‘stress’ do professor, em minha opinião,
deveria ser convenientemente estudada através da perspectiva das histórias de vida, e
bem assim o problema do ensino eficaz e a questão das inovações empreendidas...”
(Goodson, 1992: 75).
Entender toda essa dinâmica da escola, seus conflitos, suas escolhas, suas
exclusões, demanda compreender a lógica que rege o processo em que essa cultura
escolar se constrói e reconstrói, identificar que cultura é essa e que currículo se insere
nessa cultura. Podemos também dizer que a especificidade dessa cultura é capaz de
produzir uma disciplina como um híbrido. Neste estudo, sentimos a necessidade de, a
partir do estudo da instituição pesquisada, identificar não só as lideranças existentes e o
prestígio da equipe de professores de Didática da instituição, como também a
articulação e participação da equipe de direção com todo o corpo docente, pais e
comunidade nas decisões escolares. Além disso, o reconhecimento público recebido
através de menções honrosas e prêmios das autoridades torna por oficializar todo o
apoio que recebe das autoridades. Nesse sentido, as características organizacionais da
instituição ficam claramente demarcadas através das histórias orais daqueles que
participaram ativamente da sua construção e que tivemos oportunidade de entrevistar
para este estudo.
Acreditamos que as ações desenvolvidas pelos sujeitos que fizeram a história da
instituição e da disciplina Didática não se fizeram desligadas da forma de existir da
escola. Essas ações tornaram se constituem em um dos indicadores que expressam a
dinâmica da instituição em seu conjunto. Percebemos, outrossim, a necessidade de
revelar determinados traços ou aspectos dessa realidade onde foi realizado o estudo e
que, articulados, lhe dão uma identidade própria.
98
A reconstrução desses elementos foi feita tentando-se incorporar a dimensão
histórica do tempo delimitado do estudo à análise do cotidiano na instituição, seus
conteúdos e suas práticas. Para tanto, pesquisamos os arquivos da escola, analisamos
documentos, participamos de todas as atividades primordiais durante doze meses
seguidos, servimo-nos de observações, conversas informais e entrevistas realizadas na
escola. Afinal,
Os arquivos não guardam apenas sonhos. Corporificam na sua
existência e na sua organização um poder multifacetado, quer individual (do
titular, do doador), quer instituciona, com o qual medimos nossa força de
intervenção. (Nunes, 1991:38)
4.3 – Um pouco da história do Colégio Estadual Carmela Dutra
Carmela Dutra – Uma escola que forma e informa em forma de amor17
O Colégio Estadual Carmela Dutra está atualmente situado no subúrbio de
Madureira, na região da zona norte do Rio de Janeiro, onde o curso de Formação de
professores é o mais procurado da região e do estado (para 2002 há 400 vagas para
8000 inscritos). A “Escola Carmela Dutra”, como é carinhosamente conhecida e
denominada por todos, até hoje, na escola (confirmado pelas falas nas entrevistas dadas
a esta pesquisadora) e pela própria comunidade (ver Anexos 1, 2 e 3), pertence à
Secretaria Estadual de Educação (SEE) e foi criada pelo decreto nº 8546, de 22 de
junho de 1946, quando tinha, como Presidente da República o general Eurico Gaspar
Dutra. Foi criada com o nome de Escola Normal Carmela Dutra (ENCD). Em 1973
passou a ser denominada de Centro Interescolar de Educação e Comunicação Carmela
Dutra (CIECCD). Em 1974 passou a denominar-se de Centro Interescolar Carmela
Dutra (CICD). Em 1982 tomou oficialmente a denominação de Colégio Estadual
Carmela Dutra.
17 Este slogan acompanha a escola desde a sua fundação em 1946. Esta frase faz parte do principal mural da escola, está afixada nos corredores da escola e é lema sempre presente nos jornais e informativos da escola. Ver Anexo 3.
99
A patronesse da Escola Normal Carmela Dutra, Dona Carmela Dutra, era
professora da então Prefeitura do Distrito Federal , tendo sido professora e vice-diretora
do atual Colégio Estadual Orsina da Fonseca e casada com o então Presidente da
República. Seu nome foi dado à instituição por ter-se destacado em vida por três
qualidades até hoje mencionadas na escola: a religiosidade, o espírito progressista e a
bondade. Esta última lhe valeu o cognome de “D. Santinha”.
A Escola Normal Carmela Dutra surge no mesmo ano da Lei Orgânica do
Ensino Normal, promulgada em 2 de janeiro de 1946. essa lei fixou as normas que
deveriam orientar qualquer ensino normal no território nacional. A partir dela, as
diretrizes para o ensino normal seriam centralizadas pelo governo federal:
“Promover a formação do pessoal docente necessário às escolas
primárias; Habilitar administradores escolares destinados às mesmas
escolas; Desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas
à educação da infãncia.”18
Segundo Martins (1996), com o fim da 2ª Guerra Mundial e a derrota do
fascismo e do nazismo, o processo de redemocratização do país parece se configurar
junto à esperança na possibilidade de mudanças efetivas nas relações sócio-políticas-
culturais com a elaboração de uma nova Constituição e que acabam por refletir na área
educacional, intensificando-se os debates e discussões nessa área. Surge, assim, o
pensamento de uma educação democrática que assegurasse, entre outros, o respeito
pelas diferenças individuais, o exercício dos direitos civis e políticos, o relevo ao ensino
da ciência, a moderação do dogmatismo na escola.19 Ainda segundo Martins
(1996:141):
O cumprimento desses objetivos exigia a formação de professores preparados
técnica e culturalmente, que cultivassem a responsabilidade,os hábitos de
cooperação e autogoverno e desenvovessem a capacidade de crítica
construtiva... Aconselhava-se o destaque de figuras humanitárias e
18 Decreto – lei nº 8530, de 02 de janeiro de 1946. Lei Orgânica do Ensino Normal.19 Conclusões do IX Congresso Educacioanl Brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro. Centro Brasileiro de Pesquisas educacionais. 5(14):259-260, ago, 1945.
100
progressistas, defensoras dos direitos humanos e da moral, nos diferentes
programas.
Nessa nova conjuntura e com o nome de sua patronesse assim justificada, a
Escola Normal Carmela Dutra começa a funcionar no início de 1947, em Madureira, no
número 31 da Avenida Ministro Edgard Romero. A ENCD ficou como anexo do
Instituto de Educação da rede oficial do antigo Distrito Federal até a data de 31 de julho
de 1953, quando obteve sua autonomia. Até 1982 a Escola contou com a administração
de doze diretores. Da primeira direção, em 1947 até os dias atuais a ENCD contou com
a administração de vinte e três diferentes diretores. Há que se ressaltar que, só a partir
de 1987, “... a direção passou a ser escolhida por eleição direta entre os membros que
constituem a grande família Carmelita: alunos, professores, funcionários e pais de
alunos”20
Em dezembro de 1949 ocorreu no Teatro Municipal a festa de formatura da
primeira turma de professorandos da ENCD: vinte e oito moças e dois rapazes. A partir
de 6 de março de 1967 a sede da ENCD foi transferida para o número 491 da mesma
avenida, onde permanece até hoje. O seu primeiro curso ginasial foi extinto em 1962,
voltando a funcionar em agosto de 1967 para ser novamente extinto em 1971.
A ENCD passou a funcionar, experimentalmente, em 1973 com outros cursos
além do ginasial e Formação de Professores de 1º Grau, de 1ª a 4ª séries, passando a ser
denominada Centro Interescolar de Educação e Comunicação Carmela Dutra
(CIECCD). A partir de 1974, a Escola passou à denominação de Centro Interescolar
Carmela Dutra (CICD) iniciando, nesse ano, o Curso de Estudos Adicionais.21.
Em 1975, o colégio possuía uma escola de demonstração, a escola da rede
oficial de 1º Grau Astolfo de Rezende, onde os professorandos podiam “observar a
aplicação de bons métodos e técnicas de ensino”22. Em 1982, tomou oficialmente a
20 Informação coletada no jornal da Escola datado de setembro de 1995, página 02, intitulado “ Carmela Dutra – uma escola que forma e informa em forma de amor”, ano 1, nº 01.21 Curso criado em 1974, para professores com o curso Normal (1ª a 4ª) e que dava direito a esses professores, conforme definido no Art.30,”a” =1º, da Lei 5692/1971, de lecionar em turmas de 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental. As áreas criadas foram Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências.22 Encontramos o registro dessa exaltação no Documento mimeografado de 91 folhas intitulado “Escola Normal Carmela Dutra – breve históra”, de autoria da professora Izabel klausner, 2ª edição, 1995. Essa publicação interna da Escola foi escrita inicialmente pela professora Izabel Klausner, que trabalhou na ENCD no período de 1953 até o ano de sua morte, 1995. Seu último desejo, segundo membros de sua família declarado no prefácio dessa obra, era terminar essa publicação para homenagear os cinqüenta anos da ENCD. Nessa publicação encontramos informações releveantes sobre a trajetória da instituição desde
101
denominação de Colégio Estadual Carmela Dutra (CECD) como parte do plano de
homogeneização de nomenclaturas da SEE para os estabelecimentos do então 2º Grau
da rede oficial de ensino do Estado do Rio de Janeiro.
A década de 80 foi marcada na instituição por muitas mudanças administrativas.
O cargo de diretor da instituição passou a ser feito por indicação do governo do estado
que havia então assumido. A escola “inchou”, chegando a ter 750 professores e a
maioria com carga horária reduzida. No final da década de 80, o CECD estava com um
grande contingente de turmas. No ano de 1987 foram organizadas cinqüenta turmas,
obrigando a SEE a alugar outro colégio para abrigar o número excessivo de alunos. Em
1989 essa experiência foi encerrada pelos problemas ocorridos de falta de integração
entre o Anexo e o CECD.23. Esse fato mostrou uma certa “tendência” nessa década da
revalorização do magistério, movimento este que, na década de 80, surgiu para
contrapor os efeitos que a Lei 5692/71 havia trazido para as Escolas Normais.
Começaram a surgir, então, movimentos gerais de mobilização de professores e alunos
para a reformulação dos cursos de Formação de Professores.
Segundo Martins (1996), esse movimento e esforço empreendidos não chegaram
a atingir de modo significativo os Cursos de Formação de professores para o ensino
básico. Nos anos 90, esses cursos se desconfiguraram e a profissão “professor” tornou-
se profundamente desvalorizada. Em contrapartida, e a partir daí, o Colégio Estadual
Carmela Dutra conseguiu superar suas deficiências na área administrativa,
principalmente. Essas deficiências, no final da década de 80, eram devidas ao fato de na
direção do colégio não haver mais pedagogos. Nas entrevistas feitas com professores
dessa época, todos apontaram as dificuldades do colégio na época como decorrente de
indicações políticas de técnicos para o cargo de direção do colégio. A partir da 1ª
eleição de diretor para o Colégio, iniciou-se a retomada dos objetivos do Colégio, como
uma escola de formação de professores. Iniciou-se o prestígio social e projeção na
que foi fundada, além de sinopses dos cursos existentes no colégio, a estrutura física e funcionamento da Escola, a nomeação de todo o seu corpo docente desde a década de 50, seu corpo disente ao longo do tempo, suas festas de formatura e outras “ atividades sócio-afetivas” ao longo desse período, uma pequena história dos órgãos de Comunicação e Expressão da ENCD, a história de Madureira, anexos como jornais, notícias, fotos, declarações de autoridades e curiosidades da instituição por todos esses 50 anos.23 A Escola Atenas foi alugada, em Madureira, pela SEE para acolher parte da clientela do CECD, transformando-se em seu Anexo. O Anexo teve problemas de integração com o corpo principal de professores do CECD porque a maioria de seus professores havia chegado em 1987, sem conhecimento dos planejamentos das disciplinas do Curso de formação de professores, havendo falta de supervisores, orientadores e outros profissionais.
102
mídia quando, em 1991 o Colégio Estadual Carmela Dutra acabou sendo notícia do
notícia do Jornal do Brasil (24/10/1991) quando então foi publicado que
Apesar dos baixos salários dos professores, da falta de laboratórios bem
equipados e de boas bibliotecas ... o Carmela Dutra de Madureira,
apresentou um desempenho razoável no último vestibular da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), superando
tradicionais colégios particulares como o São Vicente de Paula, do
Cosme Velho e o Anglo Americano, de Botafogo. ... E o mais
interessante é que este colégio estadual é uma escola de formação de
professores que prepara normalistas sem nenhuma pretensão de treinar
vestibulandos...
Diante do cenário caótico das escolas públicas de ensino na década de 90 – falta
de professores, merenda escolar, material didático, pouca infra-estrutura e
principalmente, escassez de verbas – o Colégio Estadual Carmela Dutra sobreviveu
nessa data a esses retrocessos com quase 3000 (apenas 30 homens) alunos matriculados
e se distinguindo das demais escolas nesta última década, não pelo que ensina, mas pelo
que tem aprendido de uma realidade difícil que passou a enfrentar no início da década
de 90: a quantidade de alunas grávidas nas salas de aula.
Segundo a revista Época (fevereiro de 2000)24, no mapa social do Rio de
Janeiro, Madureira tornou-se uma espécie de capital da gravidez na adolescência. São
registrado, no bairro de Madureira, os maiores índices de gestantes na flor da idade-
3535 meninas de 10 a 19 anos entraram em trabalho de parto em 1998. O Sistema
Único de Saúde (SUS) registrou, só em 1998, 700 mil partos de garotas até 19 anos.
Segundo o último Censo publicado no O Globo (09/05/2002 – RETRATOS DO
BRASIL): “Brasileiras têm filho mais cedo”, dos 15 aos 19 anos o número de mães
cresceu. Enquanto em 1991, em cada grupo de mil mulheres de 15 a 19 anos, 80 tinham
um filho, em 2000 são mais de 90 por grupo de mil.
A Escola Normal Carmela Dutra optou por enfrentar este problema, que já é
nacional, sem esperar providências da administração pública. O seu atual diretor prof.
Geraldo Ribeiro, na instituição desde 1976 e como diretor eleito desde 1991, diante do
24 Ver Anexo 1 e 2.
103
crescente número de casos de meninas que ficavam grávidas e optavam por abandonar
os estudos, resolveu montar uma creche em 1995 para os filhos das alunas
professorandas, com recursos próprios, visto que as autoridades do estado e a própria
SEE se abstiveram de qualquer ação no sentido de resolver a situação. Com o dinheiro
de rifas, festas, bailes de calouros, venda de canecas da escola com emblemas, com a
ajuda de pais, da comunidade e comércio da redondeza, conseguiram construir a Creche
Fada Joaninha que começou atendendo aos filhos das normalistas e hoje também atende
aos filhos de funcionárias da escola.
Assim, a escola montou o Maternal e acabou por construir outra unidade, ao
lado do pátio, onde funciona o Carmelinha, já com a sua primeira turma de 4ª série do
Ensino Fundamental se formando. Há dois anos a SEE passou a subsidiar uma parte dos
recursos financeiros que mantêm a Creche Fada Joaninha e o Carmelinha. Funcionando
todos os dias da semana, de manhã e à tarde, as crianças permanecem na escola
somente durante o tempo em que as mães estão em aula. Duas vezes por semana,
quando o estágio é realizado, elas ficam o dia inteiro. Hoje a creche conta com quase
400 alunos e 22 professores.
Essa experiência é inovadora no país. Com isso, o Colégio Estadual Carmela
Dutra incorpora não só uma função social maior como instituição que forma
educadores, como também lhe tem trazido prestígio, respeito, credibilidade,
notoriedade e prêmios de gestão do atual governo do estado. Atualmente é considerada
como instituição modelo e foi a única escola de Formação de Professores a receber três
prêmios, em nível nacional e estadual, de gestão escolar e que foram concedidos pelo
Conselho Nacional de Secretaria Educacional (CONSED), pela União Nacional de
Dirigentes Municipais Educacionais (UNDIME), pela Organização das Nações Unidas
para a Educação e Cultura para a Educação e Cultura (UNESCO) e pela Fundação
Roberto Marinho.
Esses prêmios são resultados do projeto de educação do estado do Rio de
Janeiro, chamado Nova Escola e que foi lançado pela SEE em 2000. O discurso desse
projeto é de valorizar as escolas públicas e melhorar a qualidade de ensino.25. Pelo
projeto, através dos resultados obtidos, as escolas podem ser classificadas em cinco 25 A SEE/RJ, visando à melhoria da qualidade de ensino na rede pública estadual, lançou em 2000, o programa Nova Escola onde se destaca a avaliação do desempenho das escolas e preconiza a avaliação contínua das escolas, veiculando a alocação de recursos financeiros à performance do desempenho apresentado na escola. Políticas como essa se inserem nos processos de conferir à educação modelos baseados em princípios de mercado.
104
níveis. A cada um deles é estabelecida uma bonificação diferenciada, que varia de
R$ 100,00 a R$ 500,00 para professores e de R$50,00 a R$ 250,00 para funcionários.
A avaliação é feita tendo por base o desempenho das escolas, considerando-se: o
desempenho escolar, gestão de cada unidade (obtida através de visitas às escolas,
entrevistas e padrões de qualidade pré-estabelecidos) e indicadores de eficiência dos
colégios (números sobre evasão escolar, repetência, abandono, distorção idade/série).
Os avaliadores do programa Nova Escola consideraram, com base nesses critérios, a
Escola Normal Carmela Dutra a instituição modelo e padrão, tendo ficado em 1º lugar
nesse projeto. O projeto político-pedagógico da escola que, sob o ponto de vista social e
comunitário, se destacou pelos seus dois grandes feitos: a Creche Fada Joaninha e o
Carmelinha.
Naturalmente que políticas como essa se inserem nos processos de conferir à
educação modelos baseados nos princípios de mercado. Além disso, em termos
práticos, para boa parte dos professores trata-se apenas de uma das formas de aumentar
seus vencimentos. Em entrevista feita à Folha Dirigida (24/02/2001), a professora Nilda
Teves afirma que o professor não tem nada para comemorar e que o governo
simplesmente está tratando a educação como uma empresa de médio porte, onde a
produtividade é a razão final.
É importante destacar que a Escola Normal Carmela Dutra tem alcançado essa
notoriedade e até mesmo os prêmios citados muito mais pela ação dos sujeitos
envolvidos e que construíram e reconstróem um presente que se volta para outros fins
sociais, diferentes daqueles pensados inicialmente, e que vêm sendo legitimados
socialmente. Também não estamos afirmando que tais prêmios garantam a qualidade da
escola. Sinalizamos que todas essas ações tendem a apontar para uma nova forma
encontrada pela escola de lidar no seu cotidiano com os desafios que se defronta na
contemporaneidade, na sua relação com a comunidade.
Para Sacristán (1996) poder-se-ia considerar que essa é a nova forma
encontrada pela instituição, na virada do milênio, de pensar a cultura escolar como um
meio de realização pessoal, na medida em que ela serve à auto-realização, está
relacionada ao prazer, participação e “... a tudo aquilo que se liga à compreensão da
experiência humana com fins não utilitaristas, uma cultura cada vez mais importante
para o consumo, embora fora das instituições escolares.” (idem:55). Essa cultura
construída no interior da escola parece estar deslocando o sentido acadêmico dominante
105
da cultura “curricularizada” para uma obrigação institucional mais afetiva e solidária de
se devolver à escola a sua função educativa: o desafio de construir relações dialógicas
no espaço escolar que impulsionem a sua aprendizagem e escolarização, construindo,
ao mesmo tempo, um sentimento de envolvimento pessoal nas tarefas cotidianas
exigidas pela escola. Esse é o papel que a Escola Normal Carmela Dutra parece ter
assumido nos anos 90, contando hoje com 230 professores, funcionando em três turnos
e com quase 3000 alunos.
4.3.1 – O curso de Formação de Professores de 1ª a 4ª séries
A ENCD começou a funcionar em 1947 com a 1ª série do Curso Normal, hoje
curso de Formação de Professores do Ensino Fundamental, de 1ª a 4ª série. Esse curso é
até hoje desenvolvido em três séries, funcionando basicamente a 1ª série, no primeiro
turno do colégio; a 2ª série no segundo turno e a 3ª série, no terceiro turno. Até 1997 o
acesso à escola era através de concurso público. A partir desse ano foi abolido o
concurso e o critério passou a ser ordem de chegada, jovens que morem o mais próximo
da escola e oriundos de famílias pobres, com renda mínima comprovada.
O Curso de Formação de Professores (CFP) tem sua estrutura curricular
originada dos Pareceres emitidos pela SEE. No ano de 1980 a grade curricular estava
definida num total de 26 disciplinas e de 182 créditos. As disciplinas dividiam-se em
Formação Geral (Núcleo comum) e Formação Especial (Instrumental e Profissional). A
penúltima grade curricular que vigorou até o ano de 2000, foi com base no Parecer
144/97, onde divide as disciplinas em Formação Geral e Formação Profissionalizante. A
última passou a vigorar no ano de 2001, considerando o Parecer nº 1/99 e a resolução
02/99 e que estabelece o curso a ser realizado em quatro anos., com disciplinas para
uma Base Nacional Comum, disciplinas para uma Parte Diversificada e disciplinas de
Formação Profissional e num total de 120 créditos.
Ao longo dos anos 80 até os dias atuais, foram oferecidas disciplinas eletivas
como: Psicologia do Excepcional, Cultura Brasileira, Comunicação Escrita na Escola
de 1º Grau, Prática de Laboratório e Rítmica, Métodos e Técnicas de Alfabetização.
Visando implementar a relação entre teoria e prática, a atual matriz curricular
permite que os tempos destinados à prática pedagógica sejam distribuídos
106
proporcionalmente entre as docências dos Conhecimentos Didático-Pedagógicos
assinalados, garantindo também o aproveitamento de todos os Projetos pertinentes a
todas as disciplinas do curso.
Na última década o CECD tem estado à frente na preferência da comunidade
escolar com o número de alunos inscritos. Neste último ano de 2001, o CFP tinha 49
turmas distribuídas em três turnos. Encontramos do documento “Escola Normal
Carmela Dutra – breve histórico” (1995:13) que o Curso de Formação de Professores
“... é, como não poderia deixar de ser, o mais importante curso do CECD, pois o
colégio tem como finalidade básica preparar alunos para o exercício do magistério de 1º
Grau de Ensino, de 1ª a 4ª séries.”.
4.3.2 – Curso de Estudos Adicionais
Os Estudos Adicionais como definidos no Art.30. “a”, parágrafo 1º, da lei
5692/71, funcionaram pela primeira vez em 1974 no Centro Interescolar Carmela Dutra
(CICD). A regulamentação dos Estudos Adicionais, no nível de 2º grau à época, foi
obtida através do Parecer nº 1375/73 do Conselho Estadual de Educação, que aprovava
“os currículos dos Cursos de Formação de Professores de 1ª a 4ª série de 1º Grau e de
Estudos Adicionais realizados pela Divisão de Ensino Normal da Secretaria de
Educação”, cujos currículos já haviam merecido a aprovação do Instituto de Pesquisas
Educacionais do então Estado da Guanabara. Foram, então, oferecidas no CICD, 450
vagas, distribuídas pelas áreas de Comunicação e Expressão (180), Estudos Sociais (90)
e Ciências (180). A partir de 1976 os Estudos Adicionais inauguraram duas novas áreas:
Jardim de Infância e Alfabetização. A partir de 1978, não foram mais oferecidas as três
primeiras áreas que inauguraram o curso de Estudos Adicionais: “A extinção das
referidas áreas deveu-se ao baixo nível de conhecimento apresentado, de um modo
geral, pelas candidatas ao Curso de Estudos Adicionais.”
De 1978 a 1982, os Estudos Adicionais se restringiram à Área do Pré-Escolar,
compreendendo os cursos de Jardim de Infância e Alfabetização, e com regulamentação
inspirada no Parecer 1600/75. Em 1983, voltaram as duas áreas: Pré-escolar e
Alfabetização.
107
4.3.3. – A estrutura física e funcionamento do Carmela Dutra
O espaço físico da escola exprime o seu processo de construção social. Essa
construção foi tarefa prioritária de algumas administrações que lideraram a escola. Essa
história compõe-se de duas etapas: antes e depois da atual gestão do professor Geraldo
Ribeiro. A partir de sua gestão, que se iniciou em 1991, foram acrescentadas no andar
térreo, além da Creche Fada Joaninha e o Carmelinha, uma quadra coberta de desportos
para aulas de Educação Física, danças e festas, o auditório “Geraldo Ribeiro” para 1000
pessoas, cantina com refeitório, cozinha e dispensa “Carmelícias” e no andar superior,
sala de Multimeios, Sala da equipe de Didática, sala de Centro Cultural, Sala de
Educação Religiosa.
A escola possui uma grande área de terreno e suas dependências distribuem-se
em dois pavimentos: o térreo e o andar superior. No térreo, localizam-se também:
espaço do curso Supletivo; gabinete da diretoria, com duas saletas e banheiro; secretaria
com duas salas interligadas por dois banheiros; sala de expedição de diplomas; sala do
núcleo do pessoal; saleta para mecanografia com banheiro, sala de secretaria do Curso
de Estudos Adicionais, sala de leitura e biblioteca, depósito do almoxarifado, sala do
laboratório de Ciências, loja da Cooperativa, sala de arquivo morto, sala de Educação
física, pátio de recreação, salão de dança, três vestiários, residência do zelador. Além
disso, o térreo possui uma rampa e escada que ligam o andar térreo ao superior (ver foto
no Anexo 1 e notícia). No andar superior, encontram-se concentradas as salas de aula e
outras dependências como dezessete salas de aula com varanda, sala de Artes Plásticas,
sala para trabalhos de alunos, sala de professores com banheiros, espaço da
Coordenação de Turnos, sala de Supervisão Pedagógica e Orientação Educacional, sala
de Informática com computadores, espaço reservado para a Inspetoria, sala do centro
Cultural, Sala de Didática, sala para Educação Religiosa e quatro vestiários. Cada sala
está associada aos nomes próprios daqueles que se destacaram na instituição.
A negociação em torno da ampliação do espaço físico da escola na gestão do
professor Geraldo Ribeiro implicou, às vezes, interesses opostos. Em determinados
momentos houve necessidade de se negociar com a comunidade no sentido até de
proteger a escola contra conflitos entre as facções existentes nas favelas que circundam
108
o terreno da instituição. Esses conflitos são tão violentos que, às vezes, os líderes dessas
facções interditam todo o comércio e a área, ordenando também o fechamento do
Colégio Estadual Carmela Dutra, de uma Universidade que fica próxima e de outros
pequenos colégios próximos. A superposição de um grande outdoor à frente de toda a
quadra de esportes (e de frente para a avenida principal) foi negociada e colocada pela
própria comunidade, com a intenção de proteger e resguardar o Colégio contra a
violência e conflitos entre as duas facções consideradas mais violentas do Rio de
Janeiro. Fez parte dessa negociação o uso desse espaço pela comunidade aos sábados e
domingos para lazer. Apesar dessas dificuldades, o Colégio consegue manter uma “boa
vizinhança” e mantém um diálogo frutífero com a comunidade. A Associação de Apoio
à Escola (AAE) tem um papel muito importante nessa mediação. Essa parceria foi uma
conquista do professor Geraldo Ribeiro na sua gestão. Nas entrevistas dadas a esta
pesquisadora pelo diretor do Colégio e diretora-adjunta, os diretores declararam que
essa associação é uma aliada do Colégio Carmela Dutra, que tem um estatuto,
presidente (o diretor do Colégio Carmela Dutra) e está registrada em cartório. A AAE
do Colégio Carmela Dutra foi a líder que mobilizou todas as outras escolas de formação
de professores do Rio de Janeiro no movimento contra o término da formação de
professores. Essa associação é atuante, participa de todas as tomadas de decisão do
Colégio desde a parte financeira até a pedagógica.
A escola funciona em três turnos sendo que o terceiro turno á para as turmas de
3ª série e Estudos Adicionais. O corpo discente sempre foi representado, basicamente,
pelo sexo feminino. Os rapazes forma admitidos desde a criação da ENCD até 1949,
quando foi suspenso o seu ingresso. Em 1962 voltou-se a admitir o ingresso de rapazes.
Esse dado é interessante na medida em que nos faz refletir e lembrando que contraria o
senso comum o fato de a primeira escola normal do Brasil, na sua fase inicial não
recebeu uma só mulher. Villela (1992:33) comenta que essa escola foi criada em 1835,
em Niterói, mas só passou a admitir mulheres em 1880, quando o número de mulheres
ultrapassou o de homens. Até essa data “... a Escola Normal de Niterói não formou
nenhuma professora primária.” Mesmo em 1880 essa experiência de co-educação na
Escola Normal de Niterói foi cercada de cuidados pelo diretor da escola. O fato é
relatado por Villela (ibid) e foi retirado de uma carta dirigida ao chefe da instrução
pública da época:
109
Além do extenso relato sobre a circulação vigiada de alunos e alunas
dentro da escola, o diretor de Niterói ainda afirmava que o seu esquema de
vigilância era muito superior ao do diretor da escola de Pernambuco (que
mandara levantar uma parede pelo centro da sala em frente à cadeira do
professor, para que homens e mulheres não se comunicassem).
Naturalmente que esse fato contrasta com o que ocorre hoje nas escolas que
formam professores. Paraíso (1998), se reporta aos estudos de Louro (1997) sobre o
sexismo e a homofobia na prática educativa para explicar esse processo de ausência de
rapazes no curso de formação de professores. Louro problematiza a “dita” naturalidade
da heterossexualidade da escola: “se a identidade heterossexual fosse, efetivamente,
natural (...), por que haveria a necessidade de tanto empenho para garantí-la?” No caso
do Colégio Carmela Dutra acresce o detalhe do seu diretor ser homem. A construção de
gênero é realizada nas múltiplas instâncias sociais e “dentre essas várias instâncias está
a escola que, ao longo de sua história e na sua configuração atual, também tem criado e
recriado formas de produção de sujeitos generificados.” (Louro, 1995:174). Na
realidade esse processo de feminização do magistério, segundo Louro (ibid) coincidiu
também com um processo de maior controle do Estado sobre as pessoas que
trabalhavam em magistério e no qual a mulher-professora representava o magistério
mais como uma atividade de entrega.
Segundo Louro (1995:180): “A esperança de trabalhadoras dóceis, dedicadas e
pouco reivindicadoras é construída e estimulada por esses discursos.” Porém, se
considerarmos que a construção de gêneros é um processo histórico-social supomos que
essa construção está em constante transformação e constatamos que, muitas dessas
práticas que antes eram apontadas como produtoras de homens e mulheres, estão sendo
modificadas nos dias atuais. Paraíso (ibid:07) sugere que seja feita a introdução do tema
sexualidade no currículo, problematizando as diferentes formas de prazeres das pessoas,
as diferentes opções sexuais sem que isso seja “... considerado tema proibido, podendo
inclusive questionar a pretendida naturalidade da heterossexualidade.”.
Concordamos que o currículo não é fixo, nem imutável. Constatamos, também,
que os sujeitos do Colégio Carmela Dutra vivem esse currículo e não são sempre
passiveis a ele. A questão da sexualidade já faz parte do currículo de formação de
professores desse colégio (Ver Anexo 7). A foto do jornal é do Colégio Carmela Dutra e
110
a Educação Sexual, que faz parte dos temas tranversais dos novos PCNEMs
(Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio), já foi incluída no currículo
através de um dos projetos desenvolvidos no Colégio: “Sexualidade e Cidadania”,
orientado pela professora de Musicoterapia. Esse tema é tratado não só nas aulas de
Biologia, mas também nas aulas de História, Geografia, Filosofia, Língua Portuguesa e
Música. Cruzamos esse dado com o fato do Colégio ser dirigido por um homem, que,
para os que convivem o cotidiano da instituição as suas qualidades são as mesmas
daquela “professorinha” das escolas normais do passado que aqui nos referimos, mas,
com alguns ‘quesitos’ a mais - amor e espírito de equipe. A fonte para esta análise,
entre outras, encontramos no número extra dos quarenta e sete anos de aniversário do
Colégio Carmela Dutra, datado de 26/06/1993 – o jornal “Professando”. Esse
documento traz um editorial que ressalta o espírito de grupo da escola e na página 7 e 8
dessa publicação são ressaltadas as qualidades do professor-diretor nas falas de alunos e
professores. E o amor é ressaltado. Trabalhamos com esse material, tentando não cair
num dos estereótipos sexistas que atribui um “dom natural” para ser professora. Mesmo
que na relação (pesquisadora que ‘estou’/ professora que ‘sou’) esteja se construindo
uma certa facilidade que facilita esta análise.
Esses documentos não são tudo, mas para Macedo e Mourão Sá (1999:73) os
documentos “para a educação precisam ser considerados na sua mais ampla acepção:
escritos, ilustrados, transmitidos pelas imagens, pelo som ou por qualquer outra
maneira.”. Sendo assim, no concreto desse estudo, o diário contato com esses
documentos e depoimentos configura aos nossos olhos um processo que envolve
sujeitos ativos que já não recebem ou internalizam tão passivamente “modelos” ou
estereótipos do passado. Os sujeitos deste estudo nos parece ser sujeitos que respondem,
transformam, recriam. São essas transformações diárias que podem “... contribuir para a
produção de uma sociedade menos desigual.” (Louro, 1995:182).
4.3.4 – Atividades sócio-afetivas do Colégio Carmela Dutra
Encontramos na publicação da professora Izabel Klausner, intitulada “Escola
Normal Carmela Dutra – breve história”26, datada de 1995, registros sobre as atividades
26 Este documento mimeografado, de autoria da professora mais antiga do colégio (de 1953 a 1995),
111
sócio-afetivas do Colégio Estadual Carmela Dutra. Está dito nesse documento que “A
vida sócio-afetiva do Colégio Estadual Carmela Dutra sempre foi intensa contando
com uma série de comemorações cívicas, desportivas, artísticas e sociais durante o ano
letivo, de acordo com um calendário previamente planejado e, às vezes, com
oportunidades que surgiram no decorrer do ano” (1995:68).
Todas essas atividades envolvem, de um modo especial, as equipes de
professores de Educação Física, Educação Artística, Música (a escola tem um coral de
professores), Língua Portuguesa, Supervisão Pedagógica, Orientação Educacional, além
da sempre presente participação dos alunos. Ao longo de todo o ano letivo, entre outras
comemorações feitas pela escola, destacam-se: a incorporação dos novos alunos da 1ª
série do CFP, a festa da Páscoa, Torneio de Ping-pong organizado pela equipe de
Educação Física, Coral de Professores, festa Junina e Julina, Festa do Folclore, Festa de
Aniversário do Colégio Estadual Carmela Dutra, dia das Mães Normalistas, Semana da
Normalista, Festival de Música Infantil, Festa de Formatura, Festa do Dia do Mestre,
festa de Natal.
Existem também outros eventos que acontecem durante todo o ano letivo e que
acontecem desde 1974 como: o Sábado Esportivo, o Primeiro Sábado Jovem (atividade
com temas livres, atuais e polêmicos e que envolve todos os alunos do Colégio). Esse
evento inclui, além da palestra, lanche comunitário e música. No documento de
Klausner (1995:68) encontramos registrado o objetivo dessa atividade: “... para
desenvolver atitudes no aluno de valorização da vida”. Selecionamos alguns dos temas
registrados nesse documento como: “Jovem, para onde vais?” (1992), “Droga, caminho
sem volta” (1992), “Sexualidade e maternidade Precoce” (1992).
Acontecem também concertos no colégio quando o coral de professores e o
Orfeão se apresentam. São desenvolvidas atividades de Teatro, Balé e Dança Rítmica.
O Orfeão é constituído por alunos, “apresenta-se em concertos, solenidades públicas,
Izabel Klausner, e numa 2ª edição, foi escrito pela autora com a intenção de homenagear os 50 anos da criação da Escola Normal Carmela Dutra. Poucos meses antes do aniversário do Colégio, essa professora veio a falecer e sua mãe e irmãos terminaram de escrever as últimas folhas, oferecendo, então, à Direção do Colégio em sua memória. Nesse documento constam: dados biográficos da autora, uma breve história do Colégio e de toda a sua diretoria desde que foi criada, os cursos existentes no Colégio, a estrutura física e funcionamento do CECD, a listagem de todos os professores homenageados na instituição ao longo de sua história,dos alunos que se destacaram, os orientadores, autoridades e homenagens das festas de formatura, a história dos órgãos de comunicação e expressão do CECD, a história do bairro em que está inserido – Madureira e alguns anexos como: notícias de jornal sobre o colégio, fotos e ilustrações de alguns dos momentos históricos vividos pelo CECD e uma última sessão de curiosidades e realidades. O documento consta de 120 páginas.
112
programas culturais no rádio e na televisão, em colégios, navios, Clube Militar, Casa da
Moeda e Teatro Municipal –sempre na Semana da Música” (ibid:76). O Teatro foi outra
forma de expressão artística que se manifestou em 1977. Já foram representados
inúmeros textos literários de autores desde Carlos Drummond de Andrade, passando
por Fernando Sabino até Ferreira Gullar. A Dança Rítmica constitui uma disciplina
eletiva na grade curricular do curso de formação de professores, “que reprova por
freqüência e rendimento e que é feita fora do horário do aluno.” (ibid:77). Tanto a
dança rítmica, como o balé preparam alunas que se apresentam em festas na escola.
Excursões também fazem parte das atividades sociais do Colégio, assim como a festa
do Folclore (grande evento no qual “as professoras de Didática consideram a freqüência
dos alunos para avaliá-los” (ibid:70).
A Semana da Normalista tem programação variada, quando acontecem na
semana torneios de vôlei e handball, o baile da Normalista, o festival da Canção,
gincanas, oficinas pedagógicas variadas e apresentação do Coral e de danças. Outro
evento marcante no Colégio são as festas de Formatura e que compreende a Festa do
Adeus, a Missa e o Culto Protestante, a Colação de Grau e o baile. A Festa do Adeus é
sempre realizada no recinto do colégio e “e provoca grandes emoções entre formandas,
familiares e professores.” (ibid:60). A Colação de Grau tem ocorrido em lugares
diversos, desde a Escola Nacional de Música, Teatro Municipal, Maracanãzinho, ou no
Auditório do Rio Centro. As manifestações religiosas “abrangem missa, culto
protestante, cerimônia israelita e prece espírita e, a partir de 1985, cultos ecumênicos.”
(Ibid:63). Quanto ao baile o documento registra que
As festas de formatura do CECD são sempre encerradas com uma
manifestação de alegria representada por um grandioso baile de gala, onde as
professorandas se apresentam em bonitos vestidos em cores que representam as
suas diferentes turmas. ( Klausner, 1995:66)
Outro evento que mobiliza todo o colégio é o aniversário do diretos do colégio,
professor Geraldo Ribeiro e que, num intervalo de tempo pequeno quase coincide com
o aniversário do Colégio. O professor aniversaria no princípio do mês de junho e o
aniversário do colégio é no final do mesmo mês. O Colégio realiza as duas festas em
momentos diferentes. Nessas festas e na festa de confraternização de final de ano (Festa
113
de Natal) há almoço de confraternização, concurso de bolos, “uma parte afetiva de
congraçamento de professores e funcionários, uma parte religiosa e uma parte musical,
muito apreciada.” (ibid:72).
Como pesquisadora e tendo participado durante doze meses consecutivos de
todas essas atividades na instituição, não desconsideramos a nossa própria trajetória
pessoal e profissional, pois estivemos nesse período igualmente imersos nessa história.
Tentamos compreender essa cultura organizacional no interior da instituição, composta
por elementos vários, “que condicionam tanto a sua configuração interna, como o estilo
de interações que estabelece com a comunidade. Definidos numa perspectiva
antropológica, estes elementos integram aspectos de ordem histórica, ideológica,
sociológica e psicológica.” (Nóvoa, 1997:30).
Os elementos citados por Nóvoa podem ser visualizados, principalmente, na
zona de visibilidade a que ele se refere e por conta dessas manifestações que envolvem
o verbal, o conceitual e o comportamental, principalmente. As manifestações verbais e
conceituais a que Nóvoa se refere (ibid:31) integram tudo o que se relaciona com a
linguagem da instituição pelos diferentes grupos, direção ou professores e que
justificam suas ações. Temos, então, os chamados “heróis” e as “histórias” da
instituição. Trata-se, segundo Nóvoa (ibid) dos indivíduos que, pelas mais variadas
razões, entraram na história ou “lenda” da instituição. No Colégio Carmela Dutra, o seu
atual diretor personifica uma “idéia-força organizacional ou um mito na dupla acepção
do termo” (Nóvoa, 1997:31) porque os registros, os feitos e a vida organizacional da
instituição fluem desse profissional que, por todos os motivos até aqui enumerados,
fazem dele a matriz dessa cultura da instituição. À frente da direção desde 1991, essa
segunda parte da história do CECD, tem como característica fundamental a energia e
dinamismo desse gestor. As manifestações comportamentais referem-se ás atividades
normais da instituição, além da “série de rituais e de cerimônias que fazem parte da
vida organizacional” (ibid:32). Todas as atividades aqui descritas remetem “fortemente
para o nível de participação dos atores internos e externos.”
Consideramos, portanto, que, na medida em que essa cultura organizacional
desempenha um importante papel de integração, passa a ser “também um fator de
diferenciação.”. As atividades mencionadas traduzem os projetos da instituição e
continuam em processo tentando buscar novas formas de “dizer” e de exprimir seus fins
114
sociais. Todas essas atividades traduzem o “clima” da instituição. Para Brunet
(1997:125),
São atores no interior de um sistema que fazem da organização aquilo
que ela é. Por isso, é importante compreender a percepção que estes
têm da sua atmosfera de trabalho, a fim de se conhecerem os aspectos
que influenciam o seu rendimento.
Percebemos, assim, um clima aberto que, segundo Brunet (ibid:130), “descreve
um meio de trabalho participativo, no qual o indivíduo tem um reconhecimento próprio,
no quadro de uma estratégia de desenvolvimento do seu potencial.”. Sendo assim,
consideramos o clima do Colégio Estadual Carmela Dutra um clima do tipo
participativo porque os sujeitos estão motivados pela participação e unidos em seus
esforços para atingir os fins sociais da instituição. De fato, “... o clima de uma escola é
multidimensional e os seus componentes estão interligados. Os efeitos do clima são
múltiplos e importantes e, neste sentido, a avaliação do clima deve constituir um
momento prévio de mudança” (ibid:138).
4.3.5 – As publicações do Carmela Dutra
O Colégio Estadual Carmela Dutra sempre veiculou notícias e informações
formais e notícias da Direção, Corpo Docente e do Corpo Discente através de avisos,
circulares, comunicados, convites, manuais para professor e aluno e jornais da escola.
As comunicações se fazem, principalmente, pelo jornal mural “Intercâmbio”, criado em
1983 e utilizado até hoje.
Os jornais da escola tiveram os títulos de “Alvorada”, com pouco tempo de vida
e “Professando”, criado na década de 70 e que foi até 1995 a “voz” do Carmela Dutra.
Foram editados pela Direção da instituição, tendo à frente uma comissão de alunos e
um professor responsável pela sua organização final. A partir desse ano surgiu um novo
jornal colorido denominado CARMELA DUTRA, resultante de esforços do Diretor
geral professor Geraldo Ribeiro. Esse primeiro número trouxe aspectos históricos do
colégio e realizações empreendidas pela atual diretoria na estrutura física da escola,
especialmente destacando a creche Fada Joaninha e a escolinha do Pré-escolar para
115
observações dos alunos estagiários. A escola conta também com a revista ÔNIX, desde
1956, produção do Grêmio Cultural e Desportivo Clóvis Monteiro.
Além dessas publicações mais sociais, a escola contou no final da década de 70
e início da de 80, com publicações mais técnicas como o Manual do Professor e o
Manual do Aluno. O Manual do Professor foi publicado na própria escola de 1975 a
1985, assim como o Manual do Aluno que vigorou de 1978 até 1984. Esses manuais
tiveram a orientação da Supervisão e colaboração dos professores da escola e dos
alunos.
O Manual do Professor27 traz todas as informações da instituição dividida em
três blocos: no primeiro bloco situa o Carmela Dutra como um todo (desde o
organograma, funcionamento da secretaria, o Serviço de Orientação Pedagógica e
Inspetoria) e apresenta um artigo pedagógico da atualidade para estudo e reflexão. No
segundo bloco o Manual explicita o sub-título “Que profissional nos propomos formar”
onde vêm caracterizados os objetivos do curso de Formação de Professores do 1º Grau
(1ª a 4ª séries), “Quem é o nosso aluno” (onde aparece o número de alunos reprovados
em cada série, tanto no CFP quanto no Curso de Estudos Adicionais) e “Estamos
funcionando sob o sistema de crédito” (onde são esclarecidas as normas gerais do
sistema de crédito, adotado desde 1977 na instituição, o fluxograma desse sistema, a
grade curricular do CFP de 1ª a 4ª séries e do de Estudos Adicionais). No terceiro bloco
constam: o Conselho de Classe (objetivos e organização), o calendário letivo e o
planejamento de ensino das diferentes disciplinas do curso.
O Manual do Aluno reproduzia uma parte das informações sobre a escola e
outras específicas para o corpo discente como: horários, calendário, hino e estrutura da
escola, conselhos de como estudar.
Ao longo dos dois documentos, a Escola procurava informar ao professor e
aluno o regime didático estabelecido. Além desse tipo de orientação aqui explicitada,
havia, entretanto, no Manual do Aluno uma série de disposições relativas à conduta a
ser seguida pelos alunos no que diz respeito ao uso do uniforme, os responsáveis pelo
“controle das turmas”, ao cumprimento do horário, à pontualidade às aulas, ao uso da
caderneta, à utilização do tempo vago e intervalo entre as aulas, às saídas antecipadas
das aulas, à conservação do prédio. A justificativa da necessidade de todos esses
“lembretes” aparece em função de que “Somos um grupo. Nosso trabalho é comum.
27 Ver Anexo 4
116
Temos um compromisso com as normas da escola que escolhemos.” (Manual do Aluno
– Carmela Dutra, 1984). Esses dizeres aparecem como visando uma garantia de um
convívio saudável e de uma preocupação expressa de que compete ao aluno,
principalmente, a responsabilidade pela desobediência às normas definidas pela
instituição.
A leitura desses manuais apontou para um aspecto que pode ser importante ao
situarmos este estudo ao longo desses vinte anos da construção da disciplina Didática
na instituição. Não há em nenhum deles qualquer referência à conduta a ser seguida
pelos professores no que se refere ao cumprimento do horário, à freqüência às aulas ou
a um compromisso oficial efetivo com o trabalho a ser realizado. Percebe-se, assim, que
o fato de se considerar “um grupo” com um trabalho “comum”, o “compromisso”
assumido com a escola na época parecia ser unilateral. Quando muito expressam por si
a existência de um projeto desarticulado com o trabalho de grupo ou de equipe. Na
verdade, esses exemplos mostram timidamente que a escola nos anos 80 era um espaço
até certo ponto limitado ao cumprimento de normas da então gestão, que era indicada
pelo então governo e SEE, sem chegar a ter apresentado na época um projeto que
pudesse expressar as necessidades e os interesses de todos os grupos por ela envolvidos.
Quando muito revelam, de maneira formal, determinações que deveriam ser seguidas
por professores e alunos.
Tal fato, a partir dos documentos analisados e das entrevistas feitas com
professores que vivenciaram esses acontecimentos no período dos anos 80, reforçam a
hipótese de que não havia um clima aberto. O clima da instituição era fechado, que
corresponde a um “ambiente de trabalho considerado pelos seus membros como
autocrático, rígido e constrangedor, onde os indivíduos não são considerados, nem
consultados.” (Brunet, 1997:130). Não havia um compartilhar de idéias. Um grande
número de professores que lecionavam Didática nesse período não chegaram a lembrar
do uso. Os que o fizeram exaltaram a iniciativa de então e consideraram que mais não
chegou a ser feito em função do tipo de liderança autocrática imposta sofrida na época.
Alguns desses professores, como a diretora-adjunta e ex-professora de Psicologia e
Orientadora Educacional, chegaram a não medir esforços para se transferir do Colégio.
Em função do espírito de grupo, com os colegas docentes, que já existia na época,
conseguiram conviver com essas diferenças e presenciar a “virada” da escola com a
primeira eleição que foi feita após essas lideranças autocráticas (de 1982 a 1987), no
117
final do ano de 1987. Iniciou-se, assim, a nova fase na instituição. Hoje, a instituição
vive o seu cotidiano envolvida com projetos que atingem e envolvem todos os setores
da escola e voltados para funções sociais maiores, que ultrapassam os muros da
instituição.
4.3.6 – As linguagens presentes no Carmela Dutra
A expressão dos sentimentos artísticos tem sido representada na escola por
diversos meios que têm constituído, ao longo do tempo, “... marcos indeléveis nas
atividades complementares, entre outros: a banda, o orfeão, o teatro, o coral de
professores a alunos, o balé e a dança rítmica.” (Klausner, 1995:75).
A banda da ENCD atuou durante muitos anos constituída por um grupo de
alunos que se renovava no decorrer dos anos letivos; fazia muito sucesso e levava o
nome de Banda Frederico Trotta, em homenagem ao então deputado estadual do MDB
que era professor, advogado, escritor com vinte livros publicados sobre poesia, contos,
educação, história, direito e política. Encontramos em Klausner (1995:76) o registro de
que esse personagem “era devotado à educação, tendo elaborado inúmeras leis, entre
elas as que criaram as escolas normais Júlia Kubitscheck, Azevedo Amaral e Heitor
Lira, além da lei que oficializou o Dia do Mestre”.
O orfeão da ENCD, fundado em 1951, foi oficializado em janeiro de 1953 com
o nome do seu patrono, maestro Villa-Lobos. Durante muitos anos o orfeão, constituído
de alunas, apresentou-se em concertos, solenidades públicas, programas culturais no
rádio e na televisão, em colégios, navios, Clube Militar, Casa da Moeda e Teatro
Municipal. Conquistou vários prêmios e até o de melhor orfeão do Brasil. Esse prêmio
foi organizado pelo Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, patrocinado pelo
jornal “O Globo”. Esse orfeão esteve em plena atividade até o início da década de 80.
A partir de então, foi desativado.
Outra forma de expressão artística que se manifestou no Carmela Dutra foi o
teatro e o Coral dos Professores. Este surgiu em 1981 para homenagear a então diretora
da instituição. Até hoje esse coral continua funcionando e se apresentando em festas na
escola, às vezes em tom oficial.
118
O balé e a dança rítmica são outras importantes manifestações no campo da arte
na ENCD. Esta tem aparecido na grade curricular como uma disciplina eletiva e
definida como “conteúdo obrigatório, na grade curricular do CFP, que reprova por
freqüência e rendimento e que é feita fora do horário do aluno.”
O projeto “Sexualidade e Cidadania”, orientado pela professora de
Musicoterapia é o fio condutor de todas as atividades paradidáticas da instituição. As
alunas gestantes têm sessões de musicoterapia de uniforme, o professor de Biologia dá
orientação sexual, o de Psicologia acompanha discussões em grupo entre as alunas. O
de Música orienta sessões de Musicoterapia e o de Didática supervisiona e assessora
todo o trabalho.
4.3.7 – A comunidade de Madureira e o Colégio Carmela Dutra
Tudo começou em 1816, quando a região era a Fazenda do Campinho,
de propriedade de Lourenço Madureira, e arrendada mais tarde a Francisco
Inácio Coutinho, que fez fortuna plantando mandioca e milho e depois ganhou
o primeiro processo de posse da terra. (Klausner,1995:79)
Encontramos esse relato no documento “Escola Normal Carmela Dutra – breve
história”, além de outras informações sobre o bairro de Madureira e sua comunidade.
Até 1893 o acesso à região de Madureira era feito exclusivamente em lombo de
burro, a partir da estação de Cascadura, quando então já havia sido instalada pela
Central e suas marias-fumaças. O progresso chegou rapidamente. A estação de trem foi
construída em 1896 e a sugestão de ser denominada Domingos Lopes foi indicada pelo
próprio e que acabou por indicar o nome de Madureira à atual região, numa
homenagem ao então fazendeiro Lourenço Madureira.
Os bondes elétricos chegaram em 1928, quando já existia a Escola de Samba
Portela. Até 1978 Madureira conservava ainda muitas casas antigas, algumas
construídas em 1915, conforme inscrições que resistiram ao tempo – como a da fachada
do número 62 da rua Antônio Badajós, que cruza a Adelaide Badajós, nome de família
importante naquela época.
119
A vocação comercial de Madureira tem duas causas principais: a primeira foi a
construção, na década de 30, de um grande mercado que funcionou até 1962 e onde está
situada hoje a sede da Escola de Samba Império Serrano. A partir dessa data esse
grande mercado passou a funcionar na Avenida Ministro Edgard Romero, vizinho da
escola Carmela Dutra. O mercado foi o responsável pela criação do hábito de fazer
compras em Madureira e numa época em que ninguém falava ou pensava em
supermercados.
A outra causa foi a construção do viaduto Negrão de Lima, obra que possibilitou
a integração viária do bairro, ligando os dois lados da linha ferroviária. Segundo o
jornal O GLOBO (30/07/1978): “A partir da década de 60, Madureira passou a ser um
pólo natural de atração de bairros vizinhos.”
Esse bairro é o pólo principal da zona norte e como fica perto da Avenida Brasil,
que liga a outros bairros da baixada, também muito procurado pelos comerciantes e
donos de indústria pelos negócios lucrativos que a oferta baixa de preço dos utensílios
oferece na região. Madureira é junto ao bairro denominado “Saara”, no centro da
cidade, considerado pólo de compra de mercadoria dos sacoleiros e da maior parte de
profissionais autônomos como camelôs. Em Madureira, esses trabalhadores encontram
o preço mais baixo do mercado e podem, assim, comprar a mercadoria e revender com
bom lucro. Junto a esse aspecto, existe o fato da região ter empobrecido e de ter
aumentado o número de favelas ao seu redor. Existem períodos do ano em que os
líderes dessas favelas entram em guerra e conflitos e interditam todo o comércio da
região, inclusive as escolas. Nos últimos anos isso tem acontecido mais freqüentemente,
o que tem provocado grandes prejuízos, não só para o comércio como para todas as
pessoas que circulam e têm afazeres pela região.
A Escola Normal Carmela Dutra na época de sua criação, em 1946, localizava-
se na Avenida Ministro Edgard Romero número 31, em Madureira, subúrbio da zona
norte da cidade do Rio de janeiro. Em 1967 a escola foi transferida para o número 491
da mesma avenida onde funciona até hoje.
4.3.8 – O professor
120
Um dos pólos importantes na construção dessa história da instituição é o
professor. Nossa intenção nesta etapa deste estudo é a de evidenciar algumas
características do corpo docente ao longo desse tempo e, mais especificamente, do
grupo de Didática que atua concretamente em sala de aula. Essas características se
referem às atividades desenvolvidas, à formação profissional recebida no nível de 2º e
3º graus, à experiência profissional e ao tempo de exercício na escola. Do total de 230
professores na instituição, trinta estão em sala ministrando aulas de Didática e Prática
de Ensino. Importa ressaltar que os dados disponíveis foram coletados com base em
entrevistas feitas com a direção e a equipe responsável pelos arquivos do Núcleo do
Pessoal. O objetivo, então, era o de se fixar no grupo de professores de Didática que
passaram pela escola e indicar alguns traços desse professorado e não, de se demonstrar
se esses professores teriam um nível de qualificação desejável.
Em primeiro lugar, verificamos que um pouco menos da metade de todo o grupo
de professores da escola exerce o magistério em outros estabelecimentos de ensino. No
caso do grupo de professores de Didática, dos trinta professores em exercício em sala
de aula somente quatro exercem o magistério em outras instituições. Um elemento a ser
destacado na instituição é o fato de que não existe um alto índice de rotatividade de
professores. Dos trinta professores de Didática na instituição, cinco estão há mais de
vinte anos na escola; nove estão entre 15 a 19 anos ; sete estão entre nove e quatorze
anos em exercício na instituição; outros sete estão entre cinco e oito anos e dois
professores, somente há dois anos. Até o momento do registro destes dados, duas
professoras aposentadas estavam retornando à escola como “Amigos da Escola”28. Uma
delas, já na faixa de setenta anos, foi aceita pela direção para trabalhar ministrando
aulas de recuperação de Didática da Matemática. Essa professora formou-se no
Carmela Dutra em 1951, trabalhou como professora de Didática da Matemática e de
Didática Geral. A outra professora, já quase chegando aos setenta anos, trabalhou
durante quinze anos com a Didática no Carmela Dutra e voltou para ajudar na
Supervisão Pedagógica da escola.
Do grupo de Didática, os trinta professores fizeram o curso Normal e Pedagogia
desse grupo de professores, foram ex-alunos da escola. Desse grupo ainda, onze
professores estão há mais de trinta anos no magistério e oito há mais de vinte anos. O
28 “Amigos da Escola” é um projeto lançado pelo governo federal no qual pessoas da comunidade escolar ou ligados à escola por algum motivo podem ter acesso à mesma oferecendo espontaneamente e gratuitamente seus serviços, seu trabalho, sem nenhum vínculo empregatício ou função remunerada.
121
número restante atua no magistério na faixa de cinco a dezenove anos. Estes dados
revelam que, em tese, existe um número expressivo no corpo docente de professores de
Didática, não só com experiência, formação específica em magistério, como também
ligados afetivamente à instituição e demonstrando uma preocupação de fazer desta
permanência a mais longa possível.
No que se refere à atualização desses professores, notamos que a maior parte
ainda procura cursos de atualização fora do seu horário, embora justifiquem, ao mesmo
tempo, que muita dessa atualização é trazida à escola pela equipe de supervisores,
orientadores educacionais, oficinas feitas para os professores e palestras com pedagogos
de renome na área. Nesse aspecto, a escola foi uma das escolhidas para o projeto do
jornal O DIA, denominado “Quem lê, sabe mais”. No ano de 2001, quando esta
pesquisadora ainda estava em campo participando das atividades da escola e fazendo
entrevistas, pudemos participar de um dia inteiro em que a escola foi aberta até para a
comunidade para oferecer oficinas e palestras variadas. Autores da área de educação,
como Vera Maria Candau e Gaudêncio Frigotto tiveram suas palestras e oficinas muito
procuradas e concorridas.
Destacamos que, do grupo de Didática considerado, há um total de quatro
professores que ingressaram na instituição nos anos 70 e permanecem até hoje
ministrando aula de Didática. Registramos que, através de entrevistas feitas, seis
professores que ingressaram nos anos 80 na instituição, permanecem até hoje com a
disciplina Didática. Nesse grupo há duas professoras que exercem a função de
supervisoras pedagógicas na instituição e que, antes de estarem nessa função, foram
durante oito anos professoras de Didática. Uma delas chegou a ser ex-aluna do curso
Normal da instituição, quando terminou o curso em 1963.
Da década de 90, há cinco professores de Didática que permanecem até hoje em
sala com essa disciplina. Das duas professoras que estão há dois anos na escola no
grupo de Didática, uma delas foi ex-aluna da escola, tendo terminado o curso Normal
em 1960.
4.3.9 – O professorando do Carmela Dutra
122
Encontramos registros nos periódicos produzidos na instituição sobre o ritual
que começou a cercar o concurso de ingresso na Escola Normal Carmela Dutra. O
processo de ingresso a essa Escola a partir do ano de sua criação envolvia um complexo
ritual seletivo: as alunas eram preparadas em cursos de admissão ou por professoras
particulares. O grau de seletividade das provas de ingresso nas Escolas Normais
públicas do então Distrito federal era muito grande. Segundo Cabral (In: Martins,
1996), em 1947 na Escola Normal Carmela Dutra, então subordinada ao Instituto de
Educação, as 536 candidatas inscritas foram reprovadas, o que levou à abertura de um
novo concurso, quando então, passaram apenas 30 candidatas. A formação de
professores primários era um ponto de referência positivo na época para o Brasil porque
nesse período a profissão de professora era uma das poucas opções para o universo
feminino e, além disso, ao se formar a professoranda já tinha emprego garantido na rede
pública de ensino.
Dos cinco professores de Didática que foram alunos da escola nos anos 50 e 60,
todos são unânimes em declarar, em entrevistas a esta pesquisadora, que os alunos hoje
são muito diferentes dos alunos dos anos 50, 60, 70 e 80. O discurso geral é de que falta
aos alunos de hoje maior base nos conteúdos mínimos ao chegar à escola de formação,
falta vontade do aluno hoje de estar numa escola de formação de professores. Os
professores de Didática declararam que fazem na primeira semana de aula com o 1º ano
normal um diagnóstico para saber os motivos pelos quais os alunos escolheram o
Colégio Estadual Carmela Dutra. A maior parte não procura a escola porque quer ser
professor, mas porque todos na região e no estado sabem que o ensino do colégio é o
melhor no Estado. Eles dizem que não querem ser professores porque vêem a profissão
professor ainda muito desvalorizada no mercado de trabalho. Na opinião de alguns
desses professores, ao chegarem ao final do 3º ano Normal, um número razoável desses
alunos descobre a “vocação” pela sala de aula e chega a mudar de idéia. Em uma
entrevista publicada no jornal “Professando”, sob o título “Normalista ontem, hoje e
sempre” e comemorativa dos 47 anos do Colégio Estadual Carmela Dutra, uma de suas
professoras mais antigas foi entrevistada e declarou que conhece bem o normalista de
hoje e o de ontem, porque começou a lecionar no Carmela Dutra na década de 50 e que
quando alguém faz comparação, em termos de qualidade, ela afirma que:
123
... esta comparação só pode ser feita se o trabalho e feito em sala de
aula. Com todo respeito a toda e qualquer profissionalização de 2º grau, a
Escola Normal é uma escola diferente. O normalista é um aluno diferente.
Essa afirmativa da professora entrevistada e que está na escola desde os anos 50,
transparece uma visão positivista de aluno de escola Normal.
Um aspecto ressaltado pelo grupo de Didática, em relação aos alunos do
Carmela Dutra no passado e nos dias atuais é o fato de que o que os faz diferentes hoje
é a forma de acesso à escola atualmente: não existe mais prova de seleção, os critérios
são estabelecidos pela SEE e a escola tem pouca participação nessa seleção. Esses
critérios associam idade, carência de recursos para pagar os estudos, morar perto da
escola. Aliado a esse fator, o grupo de professores referiu-se também, e considerando
positivo, ao senso crítico presente na atitude dos alunos que têm ingressado na escola na
última década. Não são tão reprimidos como os alunos da escola no passado porque
falam o que pensam, têm menos medo de falar, de se posicionar, têm mais liberdade.
No passado os alunos falavam pouco, não davam opinião, não respondiam livremente.
O próprio fato de a escola aceitar moças grávidas e dar condições a elas de
continuar os estudos foi um dos fatores que, na opinião dos professores, caracteriza a
diferença fundamental entre o professorando de antes dos anos 90 e o de hoje – por
outro lado, de domínio de habilidades fundamentais como o domínio da leitura e de
orientação familiar que a cada dia estaria mais ausente do seio familiar porque todos
precisam se ausentar de casa para trabalhar e continuar sobrevivendo.
No passado do Colégio Estadual Carmela Dutra pudemos constatar que, através
deste estudo, a preocupação com a qualidade da formação de alunos-mestres foi uma
tônica constante ao longo do tempo aqui considerado. Em muitos depoimentos, artigos
de jornais e revistas produzidos por alunos e professores, a instituição parece ser
considerada como uma extensão de sua casa porque até encontramos relatos de ex-
alunos com grande saudade da escola, como também afirmando ser um sonho voltar ao
Carmela Dutra como professora do curso Normal.
A edição do jornal do Colégio “Professando” e que publica um editorial da
professora Maria Lucia Néri, traduz esse espírito e o clima do início dos anos 90 e que,
não deixa de ser um produto do imaginário social construído pelos sujeitos presentes na
instituição nesse período de tempo.
124
Como nosso objeto de estudo é a história da disciplina Didática na instituição,
acreditamos que esse levantamento tenha nos ajudado a delinear a trajetória dessa
disciplina, quando tentamos, então, analisar, compreender e refletir sobre a contribuição
de cada sujeito aqui considerado, para que a disciplina Didática tenha a posição,
prestígio e credibilidade na instituição nos dias de hoje. Naturalmente que, com um
número significativo de professores presentes na área e nas duas décadas sinalizadas,
essa análise poderá nos ajudar a entender a lógica seguida pelo processo histórico
ocorrido na instituição. Esse ponto será tematizado e analisado no próximo capítulo
deste estudo.
125
CAPÍTULO V
A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA GERAL NO COLÉGIO ESTADUAL
CARMELA DUTRA
Na nossa Carmela a busca de sempre:- Caminhos abertos em direção ao outro...- Caminhos abertos para descobrir o belo,
- Onde quer se esconda ou revele...- Caminhos abertos em todas as direções...
- Caminhos abertos em prol da Educação.29
Procuramos, ao longo do presente estudo, identificar uma possível articulação
entre os três campos teóricos aqui desenvolvidos: o hibridismo, o estudo das instituições
escolares e a história das disciplinas escolares. Precisamos, entretanto, refletir sobre o
fato de que existem alguns pontos, impasses e contradições, que devem ser detidamente
analisados se quisermos buscar as reais razões de considerarmos que a disciplina
escolar Didática Geral, no Colégio Estadual Carmela Dutra, é uma produção híbrida
dessa instituição.
Uma vez caracterizada a instituição passamos à análise da história da disciplina
escolar Didática Geral no Carmela Dutra, situando historicamente no período
demarcado a sua consolidação no currículo, os discursos que reapropriou do campo
acadêmico nesse período, as lutas e negociações feitas no interior da instituição para
legitimar seu status no currículo do curso e os processos que permearam os discursos e
ações dos sujeitos na instituição.
29 Esta mensagem consta na capa do Manual do Professor do Carmela Dutra de 1982. Nos Manuais encontrados na instituição (de 1980 a 1986) estão inscritas mensagens da equipe de Supervisão Pedagógica e professores que elaboraram esses Manuais.
126
Optamos por organizar este capítulo em quatro seções. A primeira trata da
trajetória da pesquisa na instituição, como se iniciou e as dificuldades encontradas. A
segunda parte focaliza a seleção dos entrevistados e as entrevistas realizadas. A terceira,
trata dos eixos teóricos selecionados para análise. Destacamos nesta terceira seção as
questões propostas para este estudo, a saber: a concepção da disciplina Didática Geral
na instituição, pelos professores de Didática, o currículo escrito da disciplina
Didática Geral, os padrões de estabilidade e mudança presentes e os processos de
hibridização na construção da Didática Geral na instituição. A última seção deste
capítulo aborda algumas conclusões parciais.
Cabe assinalar que todo o processo de observação, de exploração do campo,
participação nas atividades do Colégio durante todo o período da pesquisa foi orientado
por alguns pressupostos que se constituíram em pano de fundo do trabalho, para não se
cair em uma perspectiva meramente descritiva dos fatos e fenômenos identificados.
O primeiro pressuposto é o de que a escola, como instituição social, se articula à
história, ao contexto social em que está inserida e expressa, de certa forma, os projetos
sócio-políticos de uma dada sociedade, mas possui uma especificidade como agência
educativa, com fins, objetivos, estrutura e organização que lhe são peculiares. A
instituição escolar se insere num movimento de tensão com a sociedade. Isso acontece
na medida em que se compreende a história de como seus objetivos foram estabelecidos
e inseridos no currículo e que permanecem ainda hoje “... como uma espécie de
relíquia.” (Goodson, 1995:28). Nesse sentido, a instituição escolar está continuamente
em processo de reflexão e ação.
O segundo pressuposto é o de que a disciplina escolar Didática ocupa um lugar
histórico de destaque no currículo de formação de professores e, no entanto, a análise
do seu papel no currículo de formação de professores tem suscitado uma discussão
intensa ao longo de sua construção no campo acadêmico. Nesse sentido, essa
problemática só pode ser adequadamente compreendida se for historicizada.
O terceiro pressuposto relaciona-se ao fato de que, embora a escola não receba
a imposição das finalidades feitas pela sociedade, sem resistência, podemos, ainda
assim, pensar que é por essas finalidades que se elaboram as políticas educacionais e se
selecionam os conteúdos. Nesse sentido, é que se criam as disciplinas e se realiza a
transformação histórica da escola.
127
5.1 - A Trajetória da pesquisa
A escolha pela investigação da disciplina Didática no Colégio Estadual Carmela
Dutra deu-se pelo fato de esta pesquisadora já ter feito uma pesquisa no local deste
estudo e, por isso, ter livre acesso à instituição. Além disso, ao ter participado de uma
outra pesquisa30, nossa curiosidade foi aguçada para voltar a essa instituição e optamos,
então, por esse Colégio para desenvolver nossa futura pesquisa de dissertação.
Nosso quadro teórico, no começo do trabalho, era um esboço pouco estruturado
em dois eixos: a discussão teórica da Didática a partir dos anos 80, tendo como núcleo
principal a investigação de como o tecnicismo marcou a história da disciplina na
instituição e os programas de Didática ao longo dos anos 80 a 90, numa instituição de
formação de professores. Foi necessário, então, começar o trabalho empírico (agosto a
dezembro de 1999) através de uma observação exploratória, para que as questões a
serem investigadas brotassem e fossem melhor encaminhadas. Fomos muito bem
recebidos pela Direção e equipe.
Essa fase exploratória foi de agosto a dezembro de 1998 (quatro meses) e nos
permitiu, então, definir melhor algumas questões iniciais, bem como os procedimentos
adequados à investigação das questões. Coletamos alguns documentos como o Manual
do Professor (de 1980 a 1986), alguns decretos, Pareceres (23/90 e 130/96) que
regulamentam a grade curricular, o discurso de posse do diretor à época da inauguração
da escola, Regimento e Histórico da Instituição datado de 1995, numa 2ª edição.
Adquirimos também textos de Didática usados em aulas (de 1979 a 1995), apostilas de
Didática (dos anos 80 e 90), o Manual do Aluno (1984).
Esse primeiro contato foi feito através de conversa informal, quando foram
feitas algumas anotações consideradas relevantes para o estudo como: finalidades da
instituição, finalidades da Didática no curso de formação de professores, os conteúdos e
projetos desenvolvidos em Didática e na instituição, formas e critérios de avaliação
utilizados pela equipe de Didática. Em todos esses contatos estávamos munidos de
30 Em 1998, uma das professoras orientadoras dessa pesquisa, demonstrou grande vontade de fazer essa pesquisa no Colégio Estadual Carmela Dutra porque dizia ela que essa escola era a única de formação de professores que mantinha o padrão “nobre” na formação de professores para o Ensino Fundamental, porque tinha como líder um bom gestor.
128
gravador e com a autorização dos sujeitos, conseguimos gravar todas as reuniões,
Conselho de Classe e algumas conversas com os professores.
Nessa primeira etapa de nossa pesquisa, participamos de três reuniões
pedagógicas lideradas pela equipe de Didática e de um Conselho de Classe. Tivemos
nossa primeira dificuldade: conseguimos o Manual do Professor de 1980 a 1983.
Apesar de terem sido feitos até o ano de 1987, o arquivo da escola perdeu os outros
números, assim como o Manual do aluno dos outros anos, por causa de uma enchente
que destruiu grande parte do arquivo. Nesse material perdido havia originais de prova
de Didática, projetos realizados na disciplina, planejamentos e programas bimestrais e
semanais da disciplina. Conseguimos grande parte desse material perdido na nossa
volta à instituição, em maio de 2000, quando fomos, então, à casa de uma das
professoras mais antigas do colégio que lecionou Didática na instituição e que, até hoje,
permanece na instituição em outra função. Nesse processo, e segundo Juliá (2002: 64):
“A raridade das fontes não deve desencorajar, mas incitar à investigação, pois, como
escrevia Arnaldo Momigliano, as fontes não são encontradas a menos que se lhas
busque.”
Na nossa volta à instituição, para dar continuidade ao nosso trabalho (de maio
de 2000 a julho de 2001), não podemos deixar de registrar a forma carinhosa com que
fomos recebidos pela equipe de Didática, tendo sob sua liderança a professora Maria
Teresa Colatino. Deixamos, então, com a professora Teresa nosso projeto de
dissertação com cópias para todos os professores da equipe de Didática e direção. Antes
de estarmos diretamente no grupo, queríamos “ganhar tempo” para que todos lessem e
pudéssemos explicar nosso trabalho, além de sermos bem aceitos pelo grupo de
professores. Ao assistirmos a primeira reunião pedagógica do grupo de Didática e
explicarmos o motivo de nossa estada no colégio, foi feito um discurso de boas-vindas à
nossa pessoa pela chegada à instituição. Todos que leram o projeto demonstraram
muito interesse pela pesquisa e uma das professoras, tomando a palavra nos agradeceu
dizendo:
Finalmente alguém de’ fora’ se interessou pelo Carmela Dutra, não só
para fazer estágio! O Colégio é muito procurado com essa finalidade ou
para se ver a sua creche. Finalmente, o Colégio foi procurado para se
129
fazer uma pesquisa de nível de mestrado. Era só isso que faltava para
ficarmos de vez na história!
E todos aplaudiram. Sentimos, então, não só o trabalho que nos esperava, como
a responsabilidade de fazê-lo bem, porque as expectativas já nos pareciam ser muito
grandes. Sentimos, a partir desse “desabafo” (foi assim que percebemos a fala da
professora), que o nosso trabalho como pesquisador criterioso havia começado
‘naquele’ exato momento. Percebemos que precisaríamos de um bom conhecimento
teórico da metodologia da pesquisa histórica e nossa capacidade de observação,
reflexão, análise e habilidade de lidar com o outro seria testada no dia a dia daquele
colégio. Afinal, tratava-se de um estudo baseado, principalmente, nas memórias dos
sujeitos que vivem e viveram a disciplina Didática Geral na instituição. Para Kenski
(1994:48), os estudos baseados em memórias dos sujeitos mostram que, nesses relatos
... o sujeito busca construir uma identidade pessoal que, em alguns
casos, não é exatamente a mesma que ele possuía no passado (e nem
sempre ele sabe disso!). O que ocorre é que geralmente no momento em
que as pessoas vão relatar situações de suas vidas, elas aproveitam para
‘passar a limpo’ o passado e construir um todo coerente em que se
mesclam situações reais e imaginárias.
No processos de ida e vinda, durante os dezesseis meses que permanecemos na
instituição, entre os dados levantados do campo e o esforço compreensivo de avançar
para além das situações por nós consideradas como “evidentes”, nos comprometemos
com a natureza da pesquisa. Utilizamos a observação, complementada por entrevistas
com os professores que trabalham(ram) com a disciplina Didática Geral, no período
demarcado, com o diretor, diretora-adjunta e supervisoras. Esses instrumentos foram
complementados com a análise de documentos e arquivos do colégio.
Durante o segundo semestre de 2000 e o primeiro de 2001, acompanhamos o
cotidiano da instituição. A observação processou-se durante todos os momentos,
possibilitando verificar a recorrência e a relevância de determinados aspectos e
situações nos diálogos com os sujeitos da pesquisa: diretores e supervisores, professores
de Didática, alguns funcionários como: bibliotecária, secretário geral, responsável pelo
130
núcleo do colégio e até o responsável pelo “Carmelícias”, lanchonete e restaurante
“self-service” do Colégio. Nesse nosso ‘mergulho’ no clima e ‘vida’ da instituição,
tentamos “nos proteger” para não nos perdermos num mundo dinamicamente crescente
de dados que nos chegavam a cada contato. Para Nóvoa (1999:16): “As escolas são
instituições de um tipo muito particular, que não podem ser pensadas como uma
qualquer fábrica ou oficina...”. Para esse autor é possível articular a reflexão sobre as
escolas com a ação nas escolas.
O mais difícil foi manter esse estranhamento o tempo todo, visto o clima afetivo
e amoroso sempre presente em todos os espaços por onde cruzávamos dentro da
instituição. Principalmente, quando começaram a nos denominar de a mais nova
“carmelita”31 do colégio. Essa foi, na realidade, a maior dificuldade, o maior desafio
que encontramos na pesquisa: estranhar para manter o rigor científico de nossas
observações e escutas, dos nossos sentidos, da nossa vigilância face a tudo que surgia de
“novo”, principalmente diante do “velho”. Para Nunes (1991:37), “A história é uma
aventura que nos mobiliza no sentido de construir um conhecimento que não aparte a
imaginação do rigor.” Ou seja, é o que essa pesquisa nos proporcionou, momentos em
que testamos nossa capacidade de reflexão e interpretação,mas, nem por isso deixaram
de estar carregados de emoção.
Nesse período de tempo e após termos concluído as observações, realizamos as
entrevistas. Foi um total de vinte e três entrevistados: dezoito professores de Didática,
três professores da equipe técnico-administrativa Diretor, diretor-adjunto e secretário e
duas supervisoras pedagógicas (que nunca lecionaram Didática). Entrevistamos os
professores de Didática e os dois diretores com a intenção de registrar, também,
histórias de vida, visto que vivenciaram a partir dos anos 80 as lutas e conflitos da
disciplina na instituição. Para Louro (1991:22) “... história oral é mais do que entrevista
ou, pelo menos entrevistas tomadas no seu conceito mais restrito. Ela envolve histórias
de vida, o que talvez constitua sua fonte mais rica, depoimentos ... e entrevistas semi-
estruturadas.”
Goodson também sinaliza, em seus estudos, que quando os professores falam
sobre problemas de matérias de ensino, gestão escolar ou organização das escolas,
“... eles trazem, constantemente, dados sobre suas próprias vidas.” (Goodson, 1992, In:
31 Essa forma de se comunicar na instituição é devida só àqueles que o grupo considera como fazendo parte da “família do Carmela Dutra”
131
Nóvoa, 1992:70). Sendo assim, elaboramos duas entrevistas: uma para os professores de
Didática e a outra para os dois diretores, secretário e supervisoras que nunca lecionaram
Didática na instituição.32.
Realizamos uma seleção de sujeitos a serem entrevistados que pudesse
representar a equipe de profissionais ligados à disciplina Didática Geral e que, nos
diferentes momentos históricos, participaram da construção da disciplina na instituição.
Nosso critério foi, portanto, o maior número de anos na instituição com a disciplina
Didática Geral, o maior número de anos na instituição e professores que, mesmo
estando em outra função atualmente ou aposentados, lecionaram Didática Geral nos
anos 80, na instituição.
A determinação inicial era de que conversaríamos com, no máximo, quinze
professores de Didática. Entretanto, esse número foi ampliado, pois tivemos
oportunidade de contatar outros professores de Didática, dos anos 70 e 80, que já
haviam se aposentado. Conhecemos esses professores num dos eventos (almoço com
baile no Ginástico Português) que acontecem a cada semestre e que reúne os antigos
professores de Didática do Carmela Dutra que já se aposentaram, com outros que estão
trabalhando em outros lugares e alguns dos atuais que lecionam Didática no Colégio
Carmela Dutra. Esses professores têm em comum o fato de que todos foram ou são
professores de Didática do Carmela Dutra, demonstram muito orgulho por esse fato e
encontram-se, pelo menos, duas vezes ao ano desde a década de 80, fora do espaço
físico do colégio.
Assim, esse número de entrevistados foi ampliado para vinte e três
entrevistados. O critério para essa seleção envolveu os aspectos mencionados acima e
que consideramos relevantes consideramos relevantes e pertinentes ao objeto da
pesquisa. Separamos os sujeitos da nossa pesquisa e formamos três blocos. Nos três
blocos, o critério comum para nossa análise foi o fato de todos terem lecionado
Didática Geral na instituição, em algum dos períodos demarcados por nosso estudo.
Num primeiro bloco, alocamos professores de Didática Geral que chegaram nos anos
70 ao colégio, no segundo bloco, consideramos os que chegaram à instituição nos anos
80 e no terceiro, os que chegaram na década de 90. Com a intenção de melhor se
visualizar o critério estabelecido, para fim didático de análise, montamos o quadro
abaixo:
32 Ver Anexo 5 e 6.
132
PeríodoNº de profs
que chegaram à Instituição
Total de anos lecionando Didática
Geral
Nº de anos na instituição
Nº de anos no
magistério
Ex--aluno
Anos 70 6
3 profs/ 27 a1 prof/ 8 a1 prof/ 5 a1 prof/ 1 a
3 profs/ 27 a2 profs/ 25 a1 prof/ 01 a
3 profs/ 37 a1 prof/ 39 a1 prof/ 42 a1 prof/ 29 a
1
Anos 80 7
3 profs/ 14 a2 profs/ 16 a1 prof/ 15 a1 prof/ 8 a
3 profs/ 15 a2 profs/ 14 a1 prof/ 16 a1 prof/ 13 a
1 prof/ 42 a1 prof/ 39 a1 prof/ 38 a1 prof/ 35 a1 prof/ 34 a2 profs/ 14 a
3
Anos 90 5
2 profs/ 9 a1 prof/ 8 a1 prof/ 7 a1 prof/ 6 a
2 profs/ 9 a1 prof/ 7 a1 prof/ 6 a1 prof/ 6 a
2 profs/ 18 a1 prof/ 37 a1 prof/ 19 a1 prof/ 14 a
1
Quadro nº 1 – Dados retirados das entrevistas feitas com os 18 professores que
lecionaram a disciplina Didática Geral na instituição ao longo do período delimitado
para o estudo.
Consideramos no quadro o período a partir dos anos 70, tendo em vista que há
professores que estão na instituição desde 1973, 1974 e 1978 e permanecem até hoje.
Além disso, num período histórico delimitado, temos que considerar que as mudanças
não acontecem de forma estanque. No nosso caso, o movimento da Escola Nova
iniciou-se nos anos 60 e, além disso, esse período foi paralelamente acompanhado de
iniciativas renovadoras sob o ideário renovador- tecnicista que se estendeu até o início
dos anos 70.
O quadro nos indica que o grupo de professores dos anos 80 possui a média
maior de tempo lecionando a disciplina Didática na instituição, além de ter, também, o
maior número de anos na instituição e de anos no magistério. Estão aliados nesse bloco
a média de professores com mais tempo no magistério na instituição e lecionando
Didática. Além disso, temos o fato de haver professores da disciplina que foram ex-
alunos da instituição. Este bloco, apesar de ser o mais significativo em termos
quantitativos, não desconsideramos os outros grupos.
133
Partimos, a seguir, para nossas análises, considerando as questões de estudo que
foram construídas com na interpretação dos dados coletados e no referencial teórico
adotado.
5.2 – Eixos teóricos para análise:
Acreditamos que a forma como as questões são percebidas pelos sujeitos,
constitui um material importante para a compreensão, não só de suas ações no interior
da instituição, como também do próprio clima institucional, da história da disciplina
Didática no curso de formação de professores e a própria história de cada sujeito que
ajudou a construir essa história. Optamos, para essa interpretação, pela análise cruzada,
na qual procuramos tratar a evidência oral como fonte de informações, pois para
Thompson (1992), devemos ter sempre em mente que a entrevista é uma forma de
discurso e um testemunho. Como testemunho, há informações que podem ser avaliadas
e também computadas.
Consideramos, a princípio, nossa interpretação verdadeira porque selecionamos
modelos de evidência coerentes e que vêm de mais de um ponto de vista dos
entrevistados. Utilizamos as fontes orais conjuntamente com outras fontes como os
manuais (professor e aluno), textos, apostilas e provas de Didática Geral, pareceres,
grades, periódicos, jornais da escola, jornais com notícias do Colégio da época do
estudo, caderno de plano de professora de Didática de 1982, transparências de aula de
Didática Geral de 1982. Analisamos com a intenção de não nos distanciarmos de
entender, neste caso específico, de todas as questões abordadas no estudo. As
interpretações e idéias desvendadas pelas questões englobam os professores
entrevistados dos três blocos, conforme o quadro nº 1, na seção anterior.
5.2.1 – A concepção da disciplina Didática Geral na instituição, na
percepção dos professores de Didática Geral– presente e passado
A primeira questão de estudo é identificar a maneira como o professor de
Didática Geral percebe a disciplina no currículo, o que os professores da equipe de
134
Didática pensam das mudanças na Didática Geral ao longo do período demarcado.
Nesta questão de estudo incluímos o posicionamento desses professores quanto à
importância da atualização na área, o diálogo com as políticas da SEE (Secretaria
Estadual de Educação) e a participação nas atividades e, especialmente, nas reuniões de
equipe do Grupo de Didática na instituição.
O primeiro grupo de professores de Didática Geral (anos 70) considera a
disciplina Didática Geral importante e fundamental no currículo do curso de formação
de professores. Os cinco professores, que viveram o final dos anos 70 e anos 80, são
unânimes em declarar que Didática foi uma disciplina forte, líder, atuante, fundamental,
a “menina dos olhos” do currículo do Colégio Carmela Dutra.
As falas dos professores desse grupo privilegiam as idéias a que Goodson (1983,
1990, 1997) se refere de que a disciplina não é monolítica, de que ela passa por
conflitos, lutas e negociações na instituição para se (re)afirmar e que quando o ‘interno’
e ‘externo’ estão em desarmonia, essa mudança é lenta. Percebe-se nas falas que os
grupos em conflito na instituição tendem a lançar mão de sua autonomia relativa para
fazer ouvirem sua voz na instituição, quando percebem que os grupos em contraposição
tentam afastar a disciplina de seus valores tradicionais:
Didática é fundamental... Quando cheguei no Carmela a Didática era a
‘menina dos olhos’... Nos anos 80 começou a decadência. No auge, a Didática
levava as outras disciplinas… No início do governo Brizola, houve mudança
nos critérios de escolha da administração e daí começou a queda da Didática
na escola. Aqui no Carmela, hoje está se tentando retomar e revalorizar a
Didática... Antes, ela era respeitada. E por que isso? Por questões políticas!!...
(Professora A– leciona Didática há 27 anos no Carmela e ex-aluna)
A Didática era uma disciplina forte. Era um grupo muito grande na
escola. Tínhamos uma prática que fazíamos questão de não deixar nos nossos
centros de estudo... Chegaram pessoas que não tinham competência... Foi aí
que começou a época da queda dessa disciplina no Carmela e eu quis sair
logo... ( Professora B – trabalhou 8 anos no Carmela, lecionou durante 2 anos a
disciplina Didática e hoje trabalha no Instituto de Educação)
135
Graças a Deus tivemos momentos que não foram duradouros... os
tempos eram outros, os recursos eram outros... Didática pra mim, no currículo
do Carmela Dutra, é vida! Ela ainda é a equipe maior. Hoje aqui na escola ela
é valorizada, até porque tem grande peso, é muito grande, muito integrada.
(Professora C – há vinte e cinco anos no Carmela, tendo lecionado Didática
durante cinco anos. Hoje é professora encarregada de Multimeios da instituição.)
O segundo grupo de professores de Didática (anos 80) percebe a disciplina
Didática como essencial, como o alicerce, “carro-chefe”, porém, “tem que ser
valorizada”, “precisa de renovação”, “era mais o que eu ensinava”, “hoje é mais o que o
aluno aprende”. A visão desse segundo grupo é uma visão não tão naturalizada como a
do primeiro. É bem acentuada a visão dos professores desse grupo como uma visão
reconhecida de que, apesar do longo tempo de descrédito que a disciplina teve na
instituição nos anos 80, ainda assim, eles acreditam que isso está mudando.
As falas dos professores desse grupo para explicar essa trajetória estão
associadas, não só a conflitos vividos no campo acadêmico da disciplina (questões de
forma e conteúdo), como também à própria desvalorização da profissão professor,
como também a novas finalidades sociais que surgiram com a lei 5692/71. Tais
posicionamentos acabam assumindo para a Didática dos anos 80, como disciplina
essencial na instituição, uma identidade totalmente des-centrada de um projeto
educativo claro que a defina como a disciplina-base orientadora da ação dos docentes.
As falas desses professores nos levam a interpretar que eles viveram um grande conflito
nesse período descrito e que, apesar de ainda o estarem vivendo, com menos
intensidade, eles tentam valorizar a disciplina Didática na instituição.
Com base em Goodson (1995 a:17), os conflitos existentes em torno da
“definição de currículo escrito proporcionam uma prova visível, pública e autêntica da
luta constante que envolve as aspirações e objetivos de escolarização.”. Percebemos,
nessas falas as mudanças que se estabeleceram nas relações entre esses indivíduos no
grupo e como elas se modificaram ao longo do tempo, em função das relações de poder
presentes, delimitando territórios de atuação que até então atendiam a demandas sociais
da época. As “questões políticas”, as “pessoas que não tinham competência”, os
recursos que “eram outros”, tudo isso parece nos indicar que há predominância, nesse
136
grupo de professores, da idéia de que a valorização da disciplina Didática Geral no
interior da instituição estaria ligada a propostas no nível macro que foram
(re)interpretadas e a que o grupo resistiu , considerando-se a cultura escolar ‘própria’
dessa instituição.
Goodson (1997) também prevê que o estudo sobre a disciplina escolar tende a
examinar a relação entre o conteúdo e a forma da disciplina. As bases desse
pensamento de Goodson, nos fazem entender porque a disciplina é vista por esse grupo
como válida no currículo na medida em que aparece nesses discursos como vinculada á
idéia de “conteúdo a ser apresentado para fim de estudo” (ibid:23). Chervel (1990)
também aponta que esse é o papel mais amplo da disciplina na instituição: com lentidão
a disciplina vai se estabelecendo na instituição, na medida em que objetiva o seu
conteúdo para servir a uma finalidade da instituição. Essas falas nos indicam que é essa
a idéia que esse grupo parece objetivar. Eis mais algumas falas significativas:
... a professora vê a disciplina Didática como essencial no curso de
formação de professores, é ela que norteia, não tem como fugir.
Didática é o alicerce!
(Professora D – leciona há 16 anos Didática no colégio e ex-aluna)
A Didática já está um pouco arcaica, está precisando de uma
renovação, de novos métodos...Eu acho que atualmente a disciplina Didática é
valorizada aqui no Carmela. Quando eu cheguei aqui, não! A nossa luta era
essa.E nós sempre lutamos contra isso.
(Professora E – lecionando Didática há 16 anos, no magistério há 42 anos e ex-aluna)
Em 1988, o Claudino Pilleti era o livro básico. Ele imperava no
Carmela Dutra. A postura em relação à Didática era extremamente tecnicista.
A direção do colégio era de técnicos, portanto, a Didática ficou em segundo
plano. Isso aqui passou a ser uma escola que simplesmente preparava para o
vestibular. E essa postura ficou porque era o pessoal mais antigo da Didática
que incorporou e se submeteu, não procurou crescer...O defeito não é da
Didática, não... é do professor de um modo geral que não lê, que não pesquisa
(Professora F – lecionou Didática na instituição durante 8 anos,está no
137
magistério há 35 anos e atualmente é a Coordenadora Pedagógica da equipe de
Didática)
Não acho que a disciplina seja valorizada, mas quando o grupo de
Didática se coloca, ela tem um certo reconhecimento. Antes mesmo de
87, quando eu cheguei aqui, já falavam que o professor de Didática
tinha outra conotação: mais valorização do curso, da profissão e até
hoje eu sinto aqui no Carmela que os professores de Didática se
empenham em fazer um bom trabalho.
(Professora G – lecionando na instituição a disciplina Didática, há 14 anos.)
Vejo a Didática não valorizada no Carmela Dutra. Quando eu cheguei
aqui, era pior.Mas eu soube que já tinha sido melhor. Antes, a escola e o
currículo da escola, funcionavam em torno da Didática. Me foi passado que
nesse tempo era muito bom! Mas quando eu cheguei já não era assim. Era uma
disciplina que ensinava bobagens: apagar o quadro, não podia sentar em cima
da mesa, era só isso! Agora está melhorando, até porque é o próprio grupo que
faz isso. Essa melhora vem de uns três anos pra cá. O próprio grupo de
Didática não quer mais ser o centro, porque esse grupo é formado de
professores mais velhos de idade.
(Professora H – lecionando Didática há 14 anos na instituição)
O terceiro grupo de professores de Didática (anos 90) situa a disciplina nesse
período como “voltando às suas raízes”, “puxando as outras disciplinas”, “disciplina de
conscientização”. A visão desse grupo não é a de negar os conteúdos como produtos de
uma tradição seletiva do passado (Williams, 1984); pelo contrário, precisa-se
“aprofundar” esses conteúdos porque eles se tornaram “superficiais”. A idéia é de
reconstrução do status da disciplina no currículo, mas que precisa atender, segundo
Goodson (1997), a certas exigências, tanto de estruturas quanto de conteúdos que
atendam às necessidades da sociedade atual. Nesse sentido, esses interesses
desencadeiam processos de diálogo e de conflito, interferindo na organização do
currículo.
138
Acima das divergências se sobrepõe, na visão desse grupo, o espírito de
valorização de todo o trabalho que está sendo feito pelo grupo de Didática no momento,
ainda que cercado de conflitos. Os depoimentos que se seguem são ilustrativos:
Vejo a Didática no currículo deficitária no seguinte ponto de vista.... os
conteúdos mudaram. Faz falta um conhecimento um pouco mais aprofundado.
Até certo ponto, essa disciplina está sendo superficial. Mas o Carmela é um
colégio que luta! E contra a maré!... E é raro, porque essas raízes ‘aqui’ ainda
estão voltadas para a ‘formação’! São raízes ainda de uma ‘escola’ (ênfase
dada pela professora)! mas ela vai melhorar, entendeu? Ela vai voltar às suas
raízes. O que mais marcou essa mudança da Didática nos anos 80 foi
justamente esse afastamento das suas raízes...
(Professora I – lecionando Didática há oito anos na instituição e há 37 anos no
magistério)
É uma disciplina de grande importância... a Didática é uma disciplina
de conscientização e aqui no Carmela eu sinto como uma disciplina valorizada
até pela direção da escola: o carinho, o apoio e o apreço com que somos
tratados demonstra isso.
(Professora J – lecionando Didática há dois anos, no magistério há 27 anos e ex-aluna)
Eu vejo a Didática como ela deveria ser – puxando as outras
disciplinas, quase que encaminhando, mas ainda não estamos conseguindo ser
a ‘tal’ disciplina que move as outras... Mas de 95 pra cá isso está mudando... a
gente acordou pra isso... o grupo começou a formular novas propostas. A gente
sente um desejo muito grande do grupo de acertar, de encontrar um caminho e
que a Didática seja o mais importante no curso Normal. Eu penso que ela é
valorizada, sim, na instituição... a escola dá espaço e não nos impede de fazer
alguma coisa, só que isso depende muito de nós.
(Professora L – lecionando Didática há sete anos no Carmela e no magistério há 19
anos)
139
É notório, portanto, que a trajetória da disciplina Didática na instituição passou
por períodos de auge, queda e retomada. Fica claro que nesses momentos houve
prioridades políticas e sociais predominantes nesses períodos e que criaram novas
tradições dentro da instituição, acabando por afetar o rumo da disciplina na instituição.
A disciplina deixou de ser a “rainha” do currículo dos anos 80 e reinicia uma nova fase
de valorização. Como analisa Goodson (1995a), o currículo escrito é um exemplo de
tradição, mas não como algo pronto que se seleciona lá do passado. É, sim, algo que se
defende, se constrói e acaba por encontrar novas formas para se legitimar na instituição.
O grupo de professores dos três blocos que foram entrevistados é unânime em
ressaltar a importância da disciplina Didática Geral durante toda a sua trajetória na
instituição: uma disciplina básica, importante, fundamental, “carro–chefe”, “eixo
principal”, a “menina dos olhos” do currículo da instituição da década de 70 e início de
80. O grupo vê as mudanças na disciplina ligadas, não só à mudança da política
administrativa no país e estado e à implantação da Lei 5692 (que tornou o curso
profissionalizante e voltou-se para a profissionalização do técnico), como, na década de
80, a direção do Colégio passou a ser exercida por técnicos, sem sequer terem o ensino
superior. Além disso, o grupo destacou o fato de que o nível e expectativas, quanto ao
curso de formação de professores, dos alunos que passaram a procurara o Colégio
mudaram, consideravelmente. O grupo de professores entrevistados considera que essas
mudanças ocorreram, paralelamente, à falta de diálogo com a SEE e de incentivo, por
parte desta, de proporcionar atualização e encontros para os professores das escolas
normais. Presenciamos o testemunho do grupo de professores de Didática, em todas as
reuniões e COCs de que participamos uma crítica permanente à SEE de que esta não
viabiliza qualquer tipo de integração entre as Universidades e os cursos que são abertos
nesses espaços. Os professores das escolas normais não têm acesso ou qualquer tipo de
incentivo para freqüentar esses cursos. Constatamos nas falas dos entrevistados que
somente seis professores, de todo o grupo, chegaram a participar de algum Congresso,
Encontro de Educação ou Endipe nesse período demarcado por nossa pesquisa.
Foram ressaltadas as reuniões da equipe de Didática que ocorrem desde os
anos 70. O grupo de professores é unânime em dizer que essas reuniões sempre
aconteceram. A finalidade dessas reuniões foi quase sempre a de estudar porque dava
mais segurança ao grupo de Didática. No período do início da década de 80, essas
reuniões chegaram a acontecer para planejar. Nos dias atuais, elas acontecem para
140
troca, discussões de temáticas atuais relevantes. Nos dois últimos anos ela têm ocorrido,
principalmente, para discutir a matriz curricular nova que define a reestruturação do
curso Normal que passa para quatro anos.
O grupo vê essas mudanças na disciplina como decorrentes, também, do
desprestígio da profissão-professor que ocorreu paralelo nesse período. O “desmonte”
administrativo sofrido pela escola foi o pano de fundo dessa crise e acabou por afetar
toda sua estrutura e organização. A partir dos anos 90, os professores revelam que se
iniciou a fase de retomada e valorização da Didática no currículo, pelo incentivo a um
diálogo maior e de preocupação com a área afetiva e social.
Essa retomada da disciplina na instituição ocorreu a partir, principalmente, da
eleição do professor Geraldo Ribeiro para a direção. As falas das duas principais
lideranças na instituição, a coordenadora do grupo de Didática (desde 1988 na
instituição e durante oito anos como professora de Didática Geral) e a do diretor da
instituição, professor Geraldo Ribeiro (na instituição desde 1976, trabalha no Carmela
Dutra há 25 anos. Iniciou no Colégio como professor de Geografia, atuou na Supervisão
do Colégio e está à frente da direção do Colégio há 12 anos) – ilustram a construção
histórica da disciplina Didática Geral na instituição, durante todo esse período.
Durante o período da Lei 5692/71, com o tecnicismo, aqui deixou de ser
Escola Normal Carmela Dutra e passou a ser Colégio Estadual Carmela Dutra. A
direção deixou de ser uma direção de pedagogos... O novo supervisor tinha vindo de
uma escola técnica, a Visconde de Mauá, e portanto, a Didática ficou em segundo
plano. Isso aqui passou a ser uma escola que, simplesmente, preparava o aluno para
fazer o vestibular... Quando eu cheguei aqui em 1988, havia um programa com postura
tecnicista, que já havia chegado aqui muito defasado porque a discussão já estava
sendo outra. E a minha grande indignação e surpresa era que eu trabalhava no
município do Rio de Janeiro, como orientadora educacional e tínhamos reuniões
maravilhosas com a nossa coordenadora Regina Leite Garcia. Tínhamos, então,
acesso a todo aquele material voltado para a educação das classes populares...
Encontrar uma escola de formação de professores, o Carmela, nessa situação... Aqui
dentro do Carmela, a SEE ‘nunca, nunca’ (ênfase dada pela professora na sua fala)
ofereceu nada nesses treze anos, em termos de atualização consistente... Ano passado
(2000), fizemos uma reunião para marcar, para os professores de todas as disciplinas
141
do Colégio. Colocamos aquela mesa ali com um big lanche, com dinâmica, com
discussões, com dramatização, colocamos a importância da Didática Geral, e aí os
professores desabrocharam para a Didática... passaram a nos ver de outra forma.
(Coordenadora Pedagógica da equipe de Didática e há cinco anos nessa
função)
A disciplina Didática hoje no currículo nem entra na grade
Curricular da 1ª série, mas nós a colocamos até como uma sondagem
de aptidão... E a Didática é fundamental! Eu valorizo muito!... mas
sinto que no grupo essa disciplina não é valorizada... esses que vêm
de uma formação mais acadêmica, eles não valorizam... acham que
Didática é cortar e colar papel e que não leva à nada, não acrescenta
nada! Sempre foi assim!... Eu acho até que agora está sendo mais
respeitada, porque há até uma imposição... Os trabalhos de Didática
têm que ser divulgados, têm que ser mostrados pra todo mundo...
para todos sentirem realmente que a Didática existe e que ela é
fundamental. Na década de 70 as professoras de Didática eram as
mais antigas da escola, se sentiam as ‘rainhas’ da escola, paradas no
tempo e no espaço. As coisas só começaram a mudar na década de 90
prá cá. E eu devo essa mudança ao afetivo, a um diálogo maior..
(Diretor Geral – Professor Geraldo Ribeiro)
Esse conflito de se tentar legitimar a Didática na instituição envolveu ações e
negociações entre os que participaram desse processo e dessa história no sentido de
deixar claro que nos diferentes momentos históricos vividos pela instituição, houve
prioridades políticas e sociais que, então, foram predominantes e que criaram novas
tradições dentro da instituição, como a abertura a um maior diálogo, uma atenção maior
ao afetivo da escola pelo social.
Nessas falas convém destacar a lógica processual a que Goodson se refere
(1983), no campo da história das disciplinas escolares, de que cada disciplina assume, à
princípio, uma necessidade social de existência para, a seguir, legitimar-se como uma
142
tradição acadêmica. Na história da disciplina escolar Didática Geral no Colégio
Carmela Dutra, ela surgiu e se manteve distante do status acadêmico, assumindo
inicialmente, uma necessidade social de existência centrada no “saber fazer” para, mais
tarde, já no final dos anos 90, legitimar-se como uma tradição acadêmica.
A fala da coordenadora pedagógica aponta que a disciplina Didática Geral
permaneceu à parte das discussões teóricas da filosofia, sociologia que já na década de
80 aconteciam no meio acadêmico. Essa disciplina só vem a reaparecer na instituição,
no final da década de 90, tornando-se mais contextualizada, após lutas e conflitos por
status, espaços, recursos e interesses na instituição. Ela se redefine, no currículo da
instituição e na virada do milênio, como uma disciplina ligada ao afetivo, a um diálogo
maior. Assim, aspectos internos e externos caminham paralelamente à constituição da
disciplina Didática Geral na instituição pesquisada. Com base em Goodson (1997),
conforme destacamos no capítulo I do nosso trabalho, a disciplina se situa no ponto de
encontro dessas duas forças mencionadas pelos entrevistados: forças internas e
externas, práticas institucionalizadas e organizacionais. Enquanto os fatores internos
como os professores, a equipe técnico-administrativo-pedagógica, a própria cultura
organizacional da instituição, as reuniões da equipe de Didática para discutir o
planejamento, tendem a manter o status da disciplina no currículo, da forma que lê foi
estabelecido. As discussões acadêmicas, os objetivos e função social da escola, as
mudanças administrativas acabam entrando em conflito com o que já está oficializado
na instituição.
Assim, a Didática dos anos 70 e 80, como “rainha” na instituição e ponto de
referência para toda a escola, começa a readquirir nos anos 90 essa tradição por meio de
ações como a da equipe de Didática liderando as reuniões pedagógicas na instituição,
divulgação e exposição dos trabalhos de Didática para que todos saibam que... a
Didática existe e é fundamental . Nesse sentido, Goodson (1995a:27) aponta que “a
elaboração do currículo pode ser considerada um processo pelo qual se inventa
tradição.”.
As três fases da Didática no período demarcado no Colégio Carmela Dutra estão
bem claras nas falas dos professores entrevistados: 1ª fase: Didática “Menina dos
olhos”; Didática “Rainha” (anos 70 e início da década de 80); 2ª fase: Didática
“Esfacelada”, perdendo as suas “raízes” (anos 80); 3ª fase: Didática Integradora,
Amorosa, Afetiva (anos 90). Podemos “ver” essa tradição a que Goodson se refere
143
nesse processo de “altos e baixos” na instituição.
Em síntese, houve uma luta para se fazer crer que essa é a visão do Carmela
Dutra que se quer e que, por isso, a torna a melhor oficialmente. Percebe-se ainda
impregnado nas falas dos professores de Didática Geral entrevistados e que vivenciaram
todo esse processo histórico da disciplina na instituição que, até os dias atuais, ainda se
luta, dialoga, negocia e até se “impõe” para se fazer crer que essa visão de Carmela
Dutra como uma boa escola, como a melhor escola, deve ser mantida. A descoberta da
disciplina Didática Geral como uma disciplina de “altos e baixos” , mas com uma
história de lutas, conflitos e contradições parece ser motivo de orgulho para esses
sujeitos que viveram essa história. A posição da Didática geral saindo do “saber-fazer”
e redefinir-se, nos tempos atuais, nessa instituição, tornando essa disciplina melhor,
mais humana, mais social, mais amorosa, tende a se associar a um projeto político
comum existencial que une os atores sociais dessa instituição – atender a futuros
professores, respeitando e buscando caminhos para minimizar suas dificuldades, mantê-
los o tempo da sua escolarização no espaço escolar, respeitando-os e aceitando-os com
suas limitações, mas procurando despertar neles o sentido do amor, da vida, da
solidariedade, da paixão em ensinar e à Didática Geral é dada uma posição, atualmente,
que a aponta como a disciplina que faz os professores “desabrocharem”.
O incentivo de pressões sofridas no passado para uma Didática com essa “cara”,
parece não ter ameaçado a sua tortuosa trajetória na instituição e de se tentar defini-la
como uma disciplina acadêmica, assim como as outras disciplinas do currículo no
passado. Pelo contrário, o fato de essa disciplina estar voltada, atualmente, para uma
função social maior, parece garantir à Didática a sua legitimação no currículo da
instituição.
5.2.2 – O currículo escrito da disciplina Didática Geral
A segunda questão de estudo pretende investigar os discursos acadêmicos
(re)apropriados pela disciplina Didática no período de ‘crise’ dos anos 80. Queremos
compreender o que foi reapropriado do discurso da Escola Nova, Tecnicista e Crítica no
currículo escrito da disciplina na instituição.
144
Para essa análise, consideramos não só os discursos dos professores nas
entrevistas, como também o Manual do professor do ano de 1980, o Manual do aluno
de 1984, textos trabalhados em sala de aula com os alunos nesse período, provas
aplicadas, agendas de reuniões pedagógicas, transparências de aula de Didática do ano
de 1982 e caderno de plano de professora de Didática de 1982.
As respostas às entrevistas foram selecionadas, interpretadas, analisadas e
cruzadas com o documento Manual do Professor e os outros documentos, considerando-
se também o pensamento de Goodson (1995, 1997) quanto à importância do currículo
pré-ativo e o seu significado ao se definir que a noção de conteúdo do currículo está
sempre presente no processo de organização das disciplinas no currículo da instituição.
Além disso, analisar o currículo na sua forma escrita, nos possibilita entender a lógica
que cerca os critérios de seleção e exclusão dos conteúdos na disciplina e até que ponto
o contexto social é “traduzido” na forma com que se apresenta esses conteúdos da
disciplina.
No texto do Manual do Professor (1980)33 é possível identificar que um ou outro
discurso aparece de roupagem nova. A partir dos meados dos anos 70, o enfoque da
Didática, segundo Veiga (1996: 39) era “... o de trabalhar no sentido de ir além dos
métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-
forma...” Iniciava-se, assim, o esmorecer da Didática Tecnicista quando, ainda Veiga
(1996) acentua que o formalismo didático era marcante pela exigência de planos bem
elaborados e a Didática sendo exigida “... como estratégia para o alcance dos produtos
previstos para o processo ensino-aprendizagem” (ibidem:36).
A reapropriação dessas diferentes perspectivas teóricas da teoria de currículo, no
documento Manual do Professor e nas falas dos professores entrevistados, se expressa
pelas novas coleções que são formadas na associação dessas perspectivas nos discursos
produzidos. Conforme destacamos no capítulo II deste trabalho, para Canclini (1990),
os processos que permeiam as manifestações humanas tendem a hibridizar os discursos
que daí resultam, organizando uma “nova” configuração do discurso e idéias “novas” e
“velhas”.
Surgem novas formas de linguagem e cultura que tendem a desarticular e
contrapor o “velho” discurso, relocalizando-o em novas finalidades educacionais,
deslocando, portanto, uma relação anterior considerada mais fixa ou imutável. Essa
33 Ver Anexo 4
145
relocalização desses discursos não deve ser considerada ou interpretada como negativa
ou desnatural. A “nova” forma de ver, sentir, interpretar nada mais é do que o diálogo
construído desses atores a fim de conviver harmoniosamente com os discursos e
orientações que passam, então, a ser valorizados.
Encontramos na fala de alguns professores aspectos relacionados ao currículo
escrito, que manifestam esse fenômeno:
A Didática, antigamente, mesmo que estivesse ligada a coisas muito
tradicionais, procurava dar alguma coisa ao aluno. Hoje em dia, a maioria dos
professores de Didática dá muito superficial... hoje isso não é mais conteúdo...
hoje é construtivismo, que o aluno vai construir o conhecimento... O
construtivismo é mais um modismo, porque eu já fazia isso com meus aluninhos
há trinta anos atrás. Até pra reformular a grade, como foi no ano passado,
parece que a SEE vem, camufla aquilo tudo, muda os nomes, muda os lugares,
mas na verdade é aquilo tudo que nós discutimos....
(Professora E)
Antigamente não se falava em globalização de ensino, mas já se fazia
isso, só que não estava no papel.... mas o professor primário já aplicava... a
gente já trabalhava com música que hoje em dia está muito ressaltado no
currículo... só que não tinha tanto apoio e livros como se tem agora. O que eu
sinto é que, agora, a gente tem tantos recursos e mais informações pra
trabalhar coisas que nós já trabalhávamos, com menos recursos.
(Professora C)
Quando o aluno pergunta como dar aquela aula eu digo: ‘faça do jeito
que você aprendeu’ Como você aprendeu? Aí eu vejo que foi do modo
tecnicista. Eu vou questionar o quê? Nós também somos tecnicistas quando
apresentamos! Só muda os nomes: áreas de conhecimento, atividade,
146
integração ... tudo dentro da linha, no fundo está vindo na mesma linha de
definição, de arrumação da nova maquiagem.
(Professora N – desde 1992 na instituição, lecionando Didática Geral)
Toda essa mudança que eles chamam de mudança, eu não acho que é
mudança. É uma retomada daquela época com outro nome! Eu estou fazendo
um curso que eu estou vendo tudo isso:em cada aula eu volto no tempo e vejo
que foi exatamente aquilo que eu aprendi! ...naquela época eu aprendi Paulo
Freire, Freinet, na faculdade. Ainda se falava, em 1973... Tudo o que eles dizem
agora que é novidade, pra mim não é! O discurso agora é interdisciplinaridade,
habilidades e competências, problematização, contextualização ... eu já vi tudo
isso com outro nome, as mesmas coisas com outros apelidos. Então, quando eu
vejo falar sobre a interdisciplinaridade, meu Deus! Eu lembro do meu professor
lá dos anos 60! Ele já me ensinou isso!
(Professora O – desde 1986 na instituição, ex-aluna, lecionou Didática Geral durante
sete anos, há oito anos é supervisora pedagógica do Colégio)
A possibilidade de mudança nas diretrizes, conteúdos e fins sociais da disciplina
Didática nesse período de tempo aqui demarcado, apontam para o confronto entre
presente e passado. O confronto entre a perspectiva tecnicista e a perspectiva crítica do
currículo acaba configurando padrões de estabilidade no currículo do curso de
formação de professores em prol da perspectiva tecnicista, na medida em que as falas
dos entrevistados e os conteúdos do Manual ficam condicionados aos seus princípios.
Por outro lado, o discurso de “mudança”, “transformação” pode ser um
interpretado como um padrão de mudança. Nesse sentido, Goodson (1990:232) sinaliza
que “teorização macro-sociológica é muito diferente de se estudar grupos sociais
ativamente em ação em instâncias históricas particulares.”
Esse autor (1998:67) aponta, também, para o fato de que devemos abandonar a
idéia do currículo como simples prescrição e considerarmos o currículo “como
construção social, primeiramente em nível da própria prescrição, mas depois também
em nível de processo e prática.”
147
Além das falas, o texto do Manual do professor é indicativo da forma como o
currículo, constituído de forma arbitrária, traduz-se como um produto de relações
sociais mutáveis, contraditórias, em que se inserem as dimensões micro educacional,
combinadas com as propostas macro-sociais. No Manual do professor (ver Anexo 4, p.
10), estão descritos dez objetivos do curso de formação de professores do Colégio
Carmela Dutra e que se repetem em todos os manuais, até o ano de 1987. Situamos, a
seguir três desses objetivos, que expressam a associação de perspectivas diferentes
presentes no documento.
Objetivos do curso de formação de professores de 1º grau, de 1ª a 4ª série, em nível
de 2º grauFORMAR EDUCADORES PARA ATUAR NO
MAGISTÉRIO DE 1º GRAU, DE 1ª A 4ª SÉRIE
SELEÇÃO DE CONTEÚDOS
Desenvolvendo-lhes o pensamento crítico-
reflexivo e a criatividade, de modo a
permitir-lhes viver num mundo em
constantes transformações; Desenvolvendo-
lhes conhecimentos, habilidades técnicas
específicas, indispensáveis ao seu bom
desempenho no processo ensino-
aprendizagem, levando-os a valorizar os
aspectos bio-psico-social na formação do
educando; Conscientizando-os de que,
atuando no magistério, serão agentes de
mudanças na comunidade.
Planejamento: tipos, definição, aspectos
a serem considerados na montagem do
currículo. Outros tipos de plano: curso,
diário, unidade, de atividade. Objetivos:
instrucional, Hierarquização/
Operacionalização de Obj.
(Fonte: Manual do Professor/ Programa da Disciplina Didática Geral, 3ª série, 1º e 2º
bimestres/ Colégio Carmela Dutra/ 1980 – Ver Anexo 4)
Percebe-se nesses objetivos selecionados, uma tendência a salientar uma
concepção de homem e mundo voltadas para a formação do homem, do ser humano e
sua realização em sociedade. Alguns objetivos traçados fazem referência ao
“desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo” e conscientização “para atuar como
agentes de mudança no magistério e comunidade”. Esta idéia fica reduzida à noção de
148
adaptação do indivíduo ao processo de trabalho e que se pode aí determinar o sentido
dado pela pedagogia tecnicista (Veiga, 1996).
Para Canclini (1998) a hibridização se refere aos fenômenos prolixos,
redundantes, que ocorrem na nossa cultura pelo fato de o mundo estar se tornando cada
vez mais complexo. Esse fenômeno deixa marcas nos discursos que se constróem
nessas propostas: os diferentes discursos acadêmicos configurados, no texto dos
objetivos do Manual, apresentam diferentes matizes teóricas. Temos presentes nesses
discursos, princípios preconizados para o aluno, embora estejam redigidos descrevendo
a ação do professor. Alguns objetivos retratam concepções escolanovistas, tecnicistas e
tradicionais.
Na perspectiva tecnicista, o mundo, a realidade é um fenômeno objetivo. O
segundo objetivo do quadro caracteriza essa idéia. O mundo já está construído e a
consciência do homem é formada em suas relações com o mundo concreto, por relações
acidentais que o homem estabelece com o meio ou controladas cientificamente através
da educação. A positividade do discurso de mudança, de criticidade e ser reflexivo
estão aí incorporados, sinalizando uma perspectiva de uma Didática Crítica
contextualizada e socialmente comprometida com a formação do educador, mas
acabam reduzidas à noção de método, de idealização do processo ensino-aprendizagem.
Nesse texto, identificamos perspectivas escolanovistas, em maior medida. Os
objetivos de número 1, 2, 3, 4 e 7 (Ver Manual do professor) situam o conhecimento, a
escola e o professor como, respectivamente, um instrumento social, catalizadora das
energias necessárias ao seu auto-desenvolvimento e o professor teria a tarefa de
desenvolver a aptidão do educando no sentido de levá-lo à auto-realização. Ao mesmo
tempo, o objetivo número seis fala em “proporcionando-lhes uma cultura geral que
possibilite o exercício dessa função”. Ou seja, parece haver uma forma de vinculação
com o mundo produtivo, a partir do nosso entendimento de que para exercer a função
de professor, é necessária uma cultura geral e preparação para o exercício da função,
considerando que, nos anos 80, o curso Normal já estava passando por uma
reformulação e se tornando um curso profissionalizante.
Trata-se de um discurso mesclado de perspectivas teóricas diferentes e de
diferentes matrizes teóricas. O que não quer dizer que o fenômeno da hibridização seja
negativo, ou que esteja desvirtuando de discursos teóricos clássicos originais.
Reafirmamos que esse é mais um texto de uma orientação curricular que se
149
desenvolveu, estabelecendo uma re-alocação com outros discursos que surgiram no
campo acadêmico da Didática. Por outro lado, essa mesclagem de discursos no Manual
nos permite entender que a disciplina Didática passava por conflitos, então, na
instituição e que colocava seus fins sociais em jogo e que essa foi a forma encontrada
para esse ‘dizer’ no manual.
Com base em Goodson (1997), concluímos que esse discurso configura
padrões de mudança ao incluir o discurso de “transformação”, na própria mudança
curricular, mas também, expressa padrões de estabilidade ao reduzir esse discurso à
idéia de “como fazer”, quando ressalta nos objetivos o “desenvolvendo-lhes técnicas”
(objetivo de número 5) e nos conteúdos listados são salientados aspectos como
“montagem”, “operacionalização de objetivos”. Nesse sentido, a concepção de
eficiência e eficácia é incorporada nesse documento, como uma tradição da perspectiva
tecnicista e, ao mesmo tempo, é realocada junto a princípios da perspectiva crítica.”.
Goodson (1995a) destaca que por mais que se tente ignorar as definições pré-
ativas de currículo, consideradas por alguns como “um legado do passado”, não
podemos deixar de considerar que “passado e presente entram em colisão” (ibidem:20).
Ainda nos objetivos, a visão de mundo não-estático, de um mundo onde a
existência da transformação indica que a realidade é resultado da interação do homem
com o ambiente que o circunda, também pode ser indício de perspectiva escolanovista.
Ou, dependendo do outro sentido dessa “mudança”, ela pode ser fruto da perspectiva
crítica: o sentido de “mudança” é interprenetado pela visão de mundo cujo espaço é
atravessado por conflitos estabelecidos entre os grupos dessa mesma comunidade. Na
nossa análise, há idéias, intenções subjacentes nesse discurso aparentemente
transformadoras. Não podemos afirmar que o termo “mudança” teria significado
“transformação”, ou melhor, que teria surgido como uma forma de denúncia e não-
concordância com o projeto histórico então vigente. Na realidade, existem vários
projetos para “mudar” uma sociedade. Esses projetos vão desde projetos de
aperfeiçoamento da sociedade até projetos de contestação dessa própria sociedade.
Essa ambigüidade, esta imbricação e interpenetração de perspectivas teóricas
no documento focalizado é que nos incita a tentar explicitar com maior clareza os
vários projetos históricos aí, misturados (Freitas, 1987), hibridizados. Isso nos leva a
considerar a disciplina Didática Geral, na sua forma pré-ativa, um híbrido e que se
configura e reduz por essa mesclagem, a uma visão pragmática do processo ensino-
150
aprendizagem. Identificamos também esse deslocamento, o descolecionar em algumas
falas de professores que participaram da elaboração do Manual:
... Excluir conteúdos?... Você vê: as técnicas de ensino não são mais
aquelas, mas existem as técnicas, então você não pode excluir o
conteúdo” técnicas”! Você tem que falar sobre elas dando uma visão do
que era feito anteriormente do que se pode fazer hoje... porque o tempo
mudou! E hoje eu dou diferente dos anos 80. Naquela época era mais
rígido, era tudo errado... se não apagasse o quadro daquela forma eu
teria que abaixar a nota... Eu não acho isso relevante. Hoje eu digo que
se você apagar diferente, você não está infringindo nenhuma lei.... É a
importância do que você enfoca... E naquela época se exagerava... mas
eu não sentia isso... Só mais tarde eu pensei: mais importante é eu exigir
que ela tenha uma atitude decente em sala, que ela saiba se sentar”
(Professor M -2ª professora mais antiga, leciona há 15 anos Didática, ex-aluna da
escola)
A defesa do discurso da mudança na fala da professora sinaliza que a definição
do currículo faz parte da história (Goodson, 1997). Concordando ainda com Goodson
(1997), isso não significa afirmar uma relação direta entre a definição pré-ativa do
currículo escrito e a sua interação no cotidiano escolar. Nesse sentido, a fala da
professora corrobora um dos pressupostos defendidos por Goodson ao estudarmos a
HDE e que, na reconstrução da disciplina Didática na instituição pesquisada acabou por
ser subsumido na fala da professora. Goodson (1997), referindo-se a alguns pontos de
vista dos trabalhos realizados por Robert Nisbet, reconhece que qualquer estudioso de
mudança e inovações curriculares, ao deparar com crises em algum estudo desse tipo,
observa que o resultado dessas crises nunca é um modo genuinamente novo de agir.
Geralmente, sobrevive-se à crise e, conseqüentemente, há um regresso ao familiar e ao
tradicional. Para Goodson (1997:31), “A mudança organizacional tem de ser
acompanhada por uma mudança da categoria institucional (...) Em suma, a mudança
fundamental exige a ‘invenção’ de (novas) tradições.” Segundo Goodson (1997:20):
O currículo escrito fixa freqüentemente parâmetros importantes para
151
a prática na sala de aula ( nem sempre, nem em todas as ocasiões,
nem em todas as salas de aula, mas ‘freqüentemente’.)
O grupo de professores entrevistados consideraram os conteúdos “técnicas de
ensino” e “planejamento” os mais importantes da disciplina Didática Geral. Alguns
depoimentos do grupo ressaltam a importância dada a esse conteúdo, ao longo de todo o
tempo da Didática Geral no currículo: “muito importante”, “planejamento não pode
tirar”, “o professor tem que ter um roteiro de planejamento”, “enfatizar o valor do
planejamento”.
Alguns testemunhos ilustram a importância do conteúdo na disciplina Didática
Geral:
O conteúdo mais importante é planejamento!
(Professora D)
O mais importante conteúdo eu considero o planejamento... sempre, sempre foi
importante. Desde a época em que eu estudei aqui: o professor fazia seu plano
e o diretor dá a rubrica.
(Professora J)
Trabalhar toda a técnica de planejamento, passo a passo, porque tudo na nossa
vida tem que se planejar, enfatizar’muito’ isso, enfatizar o valor do
planejamento. E Didática valoriza muito isso.
(Professora C)
É necessário o caderno de plano, seja nos moldes que for, mas o professor deve
fazer plano. Acho importante você ensinar que a professora tem que registrar
todo o seu trabalho (caderno de plano), que ela tem que ter um planejamento,
que tem que ter um roteiro, seguir uma norma.Então tudo isso é importante. Ela
não pode dizer que tem tudo na cabeça. Afinal, ninguém tem tudo na cabeça!
(Professora F)
O que eu excluiria dos conteúdos seria a ‘regra’ do planejamento.Ele tem que
152
existir! Mas não de uma forma tão esquematizada, fechada. Eu acho que isso
tem que ter uma nova visão. O professor tem que ter um roteiro, um
planejamento, mas sem uma regra específica.
(Professora L)
Ou seja, esses discursos ressaltam princípios permanentes da disciplina
Didática Geral na instituição: o de defender um princípio básico da perspectiva
tecnicista – o da eficácia e eficiência, ao dizer que não pode excluir o conteúdo
“técnicas”., ao dizer que “tem que seguir passo a passo”. Esses testemunhos reiteram o
outro princípio defendido por Goodson (1995:78) na HDE: “... o currículo escrito, sob
qualquer forma – cursos de estudo, manuais, roteiros ou resumos – é um exemplo
perfeito sobre invenção de tradição.” Em síntese, esses discursos deixam claro a sua
defesa quanto ao conteúdo “técnicas de ensino” e “planejamento”, que apesar do
tempo em que eram mais valorizados, apesar da evolução dos conceitos evidenciadas
nas falas, o currículo manteve os assuntos “técnicas de ensino” e “planejamento” como
estáveis. Os professores encontraram formas, mistificações, que continuam a legitimá-
los até os dias atuais.
A questão para Goodson é que o currículo escrito, como exemplo perfeito de
tradição, acaba por se reconstruir não exatamente como algo pronto e que se selecionou
lá do passado. Ou seja, a história da Didática Geral no Colégio Carmela Dutra é a
história de como seus objetivos e projetos foram estabelecidos e inseridos no currículo
de formação de professores e foram reinterpretados como uma espécie de algo
preservado no seu passado como imutável, como um legado histórico que, ao longo de
todo o tempo, auges, quedas, retomadas, novos auges de sua história, permaneceu
imutável e que, de alguma forma preserva a imagem do Carmela Dutra como uma boa
escola de formação de professores pois, o Carmela Dutra apresentou
“... um desempenho razoável no último vestibular da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), superando tradicionais colégios
particulares, como o São Vicente de Paulo,do Cosme Velho, e o Anglo-
Americano, de Botafogo.”
(Ver Anexo 2)
153
As falas dos professores que viveram essa história da Didática Geral no
Carmela Dutra, a leitura do Manual do professor e dos recortes dos jornais, aliados ao
exame da provas aplicadas nessas duas décadas (80 e 90), o olhar curioso no caderno de
plano (datado de 1982) da professora de didática, no caderno de aula (1995) de Didática
de uma aluna, o manuseio de apostilas datadas de 1982 e 1984, de textos didáticos lidos
pelos professores como “O compromisso do Educador”, de Regina Leite Garcia
(Palestra realizada no dia 7 de novembro de 1984) ou “A formação do educador na
construção da democracia”, datado de maio de 1989 (I Encontro Estadual Pró-
Formação do Educador no Teatro da UFF), de outros textos da década de 90, até o
espanto de depararmos com transparências “marrom” (descobrimos que elas ficam
“marronzadas pelo tempo”) que foram usadas e guardadas (1983 e 1984) – todos esses
documentos em mãos nos impulsionaram a voltar no tempo com a intenção de
incorporar a energia vivida por todos aqueles sujeitos e “olhar” para esses documentos,
entendê-los, respeitando a época em que foram produzidos.
Por mais que tenha sido difícil essa tarefa, nós nos propomos a analisá-los com
os olhares de hoje. Repetimos que esta análise tem base empírica, logo lançamos mãos
desses documentos no sentido de que eles também fazem parte do cenário vivido por
todos esses sujeitos na época delimitada.
Ao manusear esses documentos e tentar fazer uma análise cruzada com as falas
dos entrevistados, percebemos, em vários momentos, as vozes desses sujeitos e a forma
com essas vozes e como esse discurso escrito também conformou a prática deles na
época. O Manual do aluno (1984) traz os mesmos objetivos do Manual do Professor,
que aqui analisamos. Observamos que são os mesmos objetivos de todos os Manuais do
professor (de 1980 a 1986). Além disso, o Manual do aluno é todo organizado de forma
esquemática (com quadros e setas) e ele situa, do princípio ao fim, as
responsabilidades, deveres, cuidados, obrigações, para com todos à sua volta. Esse
material ressalta a importância de algumas tradições como o uso do uniforme.
Para Goodson (1997), pensar a organização de uma disciplina, por que ela se
organiza desta ou daquela forma é o que a faz mais legítima, mais válida. Encontramos
várias páginas do Manual ressaltando o aspecto de tradições importantes na vida do
aluno da época e nas quais a Didática Geral tinha o seu papel de manutenção:
UNIFORME
154
ORGULHE-SE DO SEU UNIFORME. ELE REPRESENTA A SUA ESCOLA...
ELE É A TRADIÇÃO NA CARREIRA QUE VOCÊ ESCOLHEU...
A leitura desse manual nos passou uma idéia de mundo como uma realidade
exterior ao homem e de um modelo educativo que precisa ser mantido para a
manutenção da estrutura da instituição e funcionamento da sociedade. Percebemos,
nessa leitura, uma visão tradicional de mundo. Por outro lado, nos pareceu também uma
visão de mundo na qual a realidade é considerada um fenômeno objetivo e que o
mundo já está construído, o homem é que estabeleceria suas relações com esse mundo
concreto, de maneira controlada. Essa visão já nos leva para uma visão mais tecnicista
de educação.
O caderno de planos da professora de Didática Geral34, os conteúdos escritos
nas transparências, as provas de Didática Geral fizeram-nos concluir que esses
documentos foram produzidos e definidos para serem, de verdade, parâmetros para ação
e negociação na instituição (Goodson, 1995). No caderno de plano da professora
encontramos todas as folhas, com anotações do conteúdo a ser dado, transcritas de
forma esquemática (palavras sintéticas, setas, traços, esquemas, roteiros) e enfatizando
a “forma” como os alunos deveriam fazer ou ler os exercícios, se portar em sala, no
estágio, sempre dando orientações esquemáticas de como eles deveriam fazer tudo.
As provas consultadas seguem as mesmas características: todas de múltipla
escolha, em média com 25 questões (somente com duas questões críticas) e verificando
os conteúdos referentes, predominantemente, a questões ligadas a método, a regras de
ação para o ensino e eficiência e englobando os assuntos sobre “elaboração de objetivos
comportamentais” e “tipos de planejamento de ensino”. As questões críticas geralmente
tratam de comentários sobre a atitude da professora diante de situações problemáticas
em sala de aula.
Ao cruzarmos com as falas, os objetivos do Manual do professor e todos esses
documentos nos deixam transparecer que, segundo Chervel (1990), a função da 34 A atual Coordenadora Geral de Estágio Supervisionado, desde 1976 no Colégio e tendo lecionado durante oito anos Didática Geral na instituição (de 1976 a 1984), nos cedeu seu caderno de planos, quando então lecionou para turmas de 2º e 3º anos do curso de formação de professores. Esse caderno está datado de 1982. estivemos em sua casa, e deparamos com um material riquíssimo que complementou nossas análises: transparências de aulas que usou no período de 1981 a 1983, alguns manuais de professor, O manual do aluno, números do jornal “Professando”, exemplares de provas de 1977 a 1987, alguns textos trabalhados na disciplina nesse período.
155
disciplina Didática Geral no período dos anos 80 era de apresentar um conteúdo a
serviço de uma só finalidade:
Desenvolvendo-lhes conhecimentos, habilidades e técnicas específicas,
indispensáveis ao seu bom desempenho no processo ensino-aprendizagem,
levando-os a valorizar as aspectos bio-psico-sociais na formação do educando
(Ver Anexo 8 – objetivo número 5, pg.10)
Para Chervel (1990) e Juliá (2002), o papel da escola vai além da existência
das disciplinas escolares. Na prática, esse papel está ligado a finalidades maiores que
conferem à instituição escolar a sua função “educativa”. Para Chervel (ibid), os
manuais registram o que permanece e o que varia da disciplina e a distinção entre
“finalidade real” e “finalidade de objetivo” é fundamental para que possamos entender
o que acontece nesse processo de construção. O que importa é que, em cada época, o
que se visualiza em todo esse processo é que a disciplina incorpora finalidades reais e
finalidades de objetivo. A disciplina Didática Geral, no Carmela Dutra, possui
finalidades de ensino, de objetivo (as que estão nas leis, nos seus programas, nos seus
exercícios). Nos Manuais do professor, no seu prefácio, no material utilizado em
reuniões pedagógicas, no caderno de planos, nas provas aplicadas podemos encontrar as
finalidades reais. Concordando com Juliá (2002) de que não pretendemos recuperar “a
todo custo” as origens da Didática Geral no Carmela , na análise feita do manual
impresso. Essas duas finalidades nos parecem distanciadas, considerando que à época
da implantação da Lei 5692/71, a escola normal passou a ser uma das habilitações
profissionais de 2º grau, perdendo a sua identidade como agência de formação de
professores de 1ª a 4ª séries. Nessa época, Saviani (1980:60) apontava os objetivos que
deveriam nortear o processo de formação dos educadores. São eles:
a) desenvolver nos alunos uma aguda consciência da realidade em que vão
atuar;
b) proporcionar-lhes uma adequada fundamentação teórica que lhes permita
uma ação coerente;
c) proporcionar-lhes uma satisfatória instrumentalização técnica que lhes
156
possibilite uma ação eficaz.
Essas finalidades de objetivo propostas por Saviani estão distanciadas dos
objetivos do Manual do professor de 1980 (e que se mantiveram no manual até 1987)
porque nestes, apesar da natureza dos conteúdos da Didática Geral ter mudado
(predominância de conteúdos ligados ao “como fazer”, com predominância de
perspectiva tecnicista), seus objetivos estão distanciados das discussões da época
quando já se discutia a unidade indissolúvel entre teoria e prática educativa e o
conhecimento era visto como uma atividade inseparável da prática social, além desse
conhecimento não se basear no acúmulo de informações, mas sim na reelaboração
mental que deve se traduzir em forma de ação, sobre o mundo social. As finalidades de
objetivo discutidas e divulgadas já apresentavam perspectivas e discussões da escola
crítica, enquanto as finalidades reais do Carmela Dutra deixam transparecer uma
associação aos princípios da escola nova e tecnicista. Neste sentido, as provas dessa
época, com vinte e cinco questões, a maior parte dela (vinte e três questões)
focalizavam, predominantemente, conteúdos ligados à perspectiva tecnicista ( ver
Anexo 18 – Prova de Didática Geral de 1982). Selecionamos, também para ilustrar esse
distanciamento uma fala da atual Coordenadora de Didática do Carmela Dutra e na qual
deixa transparecer a leitura “real” que era feita na instituição pelo grupo de professores
de Didática:
Eu encontrei aqui no Carmela Dutra, em 1988, um grupo de Didática
bastante tradicional que usava o livro do Claudino Pilleti como básico.
Ele imperava no Carmela Dutra e havia no Carmela uma postura,
em relação à Didática, extremamente tecnicista. E em 1988,
já não era nada disso! Eu já lia no Município textos da
Regina Leite Garcia, da Zaia Brandão, do Libâneo...
Hoje, eu quero ler Perrenoud!
( Professora F)
Assim, os textos didáticos selecionados de Regina Leite Garcia e do I Encontro
Estadual Pró-Formação do Educador (realizado na UFF, em 1988), que encontramos
157
como material de Seminários e reuniões no Colégio, focalizam a Didática no campo
acadêmico, mas numa visão crítica, colocando em questão o papel da ideologia na
educação e fazendo uma reflexão sobre seus erros.
No entanto, mesmo esses professores lendo esses textos, participando desses
encontros que já inauguram uma nova Pedagogia, a leitura que faziam parecia não
permitir, ainda, um diálogo com a cultura do Colégio Carmela Dutra. Havia jogos de
interesses, na própria administração da escola da época, quando era, então, dirigida por
técnicos da SEE, sem nem terem curso superior.
Sendo assim, podemos entender melhor esse distanciamento do currículo
escrito e do currículo em ação. A sua história não pode ser vista de uma forma linear e,
conseqüentemente, a da disciplina escolar também Sempre haverá um certo
distanciamento entre os objetivos traçados e o que acontece.
5.2.3 – Os padrões de estabilidade e mudança
A terceira questão de estudo é identificar os padrões de estabilidade e mudança
que circundam a disciplina Didática na instituição. A disciplina escolar por si só
existindo no currículo já é um padrão de estabilidade e de mudança. Esse padrão pode
estar ligado a fatores externos e internos, como já discutimos aqui. No caso da
disciplina escolar Didática no Carmela, discutimos alguns aspectos internos e externos
que caminharam paralelamente à construção da Didática na instituição, no capítulo
anterior.
As mudanças curriculares se desenvolvem por meio das disciplinas. Encontramos
na instituição um total de sete grades curriculares, de 1980 até hoje. Ao consultarmos os
Pareceres e Grades curriculares de 1980, 1985, 1990, 1994, 1995, 1997 e 2000,
observamos que as disciplinas de Formação Geral se mantêm tradicionalmente
presentes e a disciplina Didática permanece praticamente inalterada na sua carga ao
longo dos vinte anos que separam a primeira grade considerada, da última.
Em 1980, o Conselho Estadual do Rio de Janeiro, através do Parecer 440/80
estabeleceu modificações na estrutura do curso normal. Esse documento chamou a
atenção para a perda de identidade das antigas escolas normais ocorridas a partir de
1971. Enfatizou também a necessidade de uma assistência pedagógica contínua ao
158
corpo docente desses cursos e a necessidade de modificação dos critérios utilizados
para a seleção de candidatos.
Quanto ao currículo propriamente dito, indicou que o curso deveria estar voltado
para oferecer condições
para o conhecimento e análise crítica dos problemas educacionais
brasileiros e, particularmente da realidade regional onde o curso se desenvolve,
conduzindo o futuro professor à compreensão das circunstâncias sociais do
presente para evitar que a escola eduque para uma realidade que deixou de
existir.
Essa análise nos revela, contudo, que o dado novo, de fato, configurou-se através
da introdução de determinadas disciplinas chamadas “instrumentais” A Didática Geral
aparece como disciplina profissionalizante, pois, a partir da proposta do CEE, o Colégio
Carmela Dutra introduziu mudanças na estrutura curricular, tendo em vista adequar-se à
nova orientação formulada pelo sistema de ensino. Nesse sentido, o currículo
estabelecido para o curso de formação de professores foi redimensionado e estruturado.
Considerando a grade curricular, o que podemos observar é a nítida separação
entre os conteúdos de educação geral e os de formação especial (estes se subdividem
em instrumental e profissional), revelando no nível de organização das disciplinas do
curso, a separação entre os pólos da teoria e da prática educacional. Ao lado desse
aspecto, a grade indica também que contemplou-se a formação especial (106 horas) em
detrimento da educação geral (76 horas), embora determinadas disciplinas como a
História e Estudos Sociais tenham a função de dotar o aluno de uma formação básica.
Esses dados são importantes pra o conhecimento da orientação dada pela
instituição quanto ao seu currículo no que se refere às prioridades do curso. Mais uma
vez, conforme discutimos na seção anterior, chamamos a atenção para a distância entre
o currículo escrito e o currículo em ação. Na realidade, os setores técnicos da escola à
época reordenaram a distribuição da carga horária e redimensionaram algumas
disciplinas do ponto de vista do conteúdo. Nesse sentido, a disciplina Didática Geral
constitui exemplo do que afirmamos, na medida em que a estrutura dessa área ainda
não revela, de forma consistente, a busca de alternativas mais eficazes para a
concretização dos objetivos de ensino, discutidos na seção anterior.
159
Enfim, o que existe é uma distância entre o currículo formal e o real, pois um
plano, uma grade curricular por si mesma, não indica concretamente a direção de um
curso. Sendo assim, Goodson (1997) sugere olhar para a disciplina como um mosaico
que foi construído há mais de quatrocentos anos. A mudança curricular se desenvolve
pela própria posição da disciplina no currículo. Estão presentes nessa variação, nessa
posição e status da disciplina no currículo, determinados critérios que orientam a
seleção e organização dos conteúdos escolares que vêm associados a relações de poder,
controle social e ideologia.
Quando observamos as grades dos anos seguintes, percebemos que a variação da
carga horária dessa disciplina fica entre 7 a 9 aulas semanais, só sendo
consideravelmente alterada nas duas últimas grades (de 1997 e 2000), que passa para 10
horas semanais. Nas sete grades aqui analisadas, percebe-se que, nas duas primeiras, há
uma divisão clara e nítida entre Formação Geral e Formação Profissionalizante
(Especial). Nesse caso, podemos inferir que a sua quase imutabilidade ao longo desse
tempo pode estar confirmando um campo de estratégias de conservação do seu “status”
enquanto uma disciplina básica na formação profissionalizante. Com base em Goodson
(1997), esse fato é fundamentado na idéia de que as disciplinas são a maior invenção da
estabilidade curricular e que há poucas possibilidades de haver inovação na grade
disciplinar a curto prazo. Além disso, as novas disciplinas que são criadas (eletivas) se
direcionam no sentido de atender aos fins sociais da educação. O caso da Musicoterapia
no currículo atual do Carmela Dutra é um deles. Assim, “a matriz disciplinar persiste
como instrumento de organização e controle, independente do discurso de integração.”
(Macedo & Lopes, 1999:02)
Nessa análise, consideramos também como um padrão de estabilidade da
disciplina Didática Geral no currículo, a manutenção do quadro de professores (ver
Quadro 1 deste estudo) de Didática Geral ao longo dos anos 70, 80 e 90. Outro fator que
consideramos como um padrão de estabilidade na instituição é o fato de,
principalmente nos anos 80, qualquer professor de outra disciplina poderia dar aula de
Didática. Era muito comum faltar professor para Didática e quem chegava à escola, era
encaminhado para a disciplina de Didática. Didática era essencial, disciplina básica,
portanto, não poderia faltar professor. Além disso, sinalizamos também as reuniões e a
criação da sala de Didática como fatores de manutenção da estabilidade da disciplina
que se mantêm até hoje. Desde os anos 70, as reuniões de Didática, na sala de Didática
160
são “sagradas”. Discutimos esse aspecto na primeira subseção deste capítulo. As falas
dos professores mostram isso:
Eu nunca pensei em ser professora de Didática. Isto estava fora de
cogitação, entendeu? Mas eu me vi dentro da Didática e eu era professora de
Artes! Passei no concurso para Artes! Não tem nada a ver! Cheguei no
Carmela e fui direto pra Didática. E acabei gostando. E estou até hoje na
equipe de Didática.
(Professora D)
Sempre houve reuniões com o grupo. Elas sempre ocorreram. E
sempre foi o mesmo esquema. A equipe de Didática é uma equipe que sempre
discutiu muito.
(Professora H)
Sempre tiveram aqui essas reuniões de Didática. Houve só mudança na
dinâmica, porque antes só se brigava e se acusavam uns aos outros.
(Professora E)
Na minha época já tinha essas reuniões de Didática todo mês. Havia
um horário comum para todos que era o horário comum. As reuniões eram para
troca de sugestões, planejamento
(Professora C)
Nesse processo, observamos as lutas travadas pelo grupo de Didática na busca
de espaço e prestígio para manterem as reuniões de equipe ao longo de todo esses
tempo e de preservarem o espaço da sala de Didática, onde normalmente se encontram
para reuniões, trocas de idéias, ficar nos intervalos de aula, ou lanchar.
Além disso, a permanência da maior parte dos professores de Didática Geral na
instituição ao longo do período demarcado por este estudo, constitui um padrão de
estabilidade.
Outro padrão de estabilidade presente na instituição é o que denominamos de
invenção de uma tradição sem conflitos marcantes ou profundos como característica da
escola e baseada num dos aspectos internos da escola e que, não só sustenta essa
161
estabilidade, como também ao mesmo tempo funciona como mecanismo de mudança –
o clima organizacional.
5.2.4 – Processos de hibridização na construção da disciplina Didática
A quarta questão deste estudo é identificar que processos de hibridização estão
presentes nos discursos da disciplina Didática na instituição e que foram
(re)apropriados do campo acadêmico da Didática.
No texto do Manual do Professor é possível identificar que um ou outro discurso
aparece de “maquiagem” nova. A partir dos meados dos anos 70, o enfoque da
Didática, segundo Veiga (1996: 39) era “... o de trabalhar no sentido de ir além dos
métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-
forma...” Iniciava-se, assim, o esmorecer da Didática Tecnicista quando, ainda Veiga
(1996) acentua que o formalismo didático era marcante pela exigência de planos bem
elaborados e a Didática sendo exigida “... como estratégia para o alcance dos produtos
previstos para o processo ensino-aprendizagem” (ibidem:36).
A reapropriação dessas diferentes perspectivas teóricas da teoria de currículo, no
documento Manual do Professor e nas falas dos professores entrevistados, se expressa
pelas novas coleções que são formadas na associação dessas perspectivas nos discursos
produzidos. Os discursos aqui analisados são desterritorializados, distanciados das
questões que os produziram e configurados em novas questões, novos fins educacionais.
O resultado disso é a produção de uma nova configuração da perspectiva então
considerada “original” e agora não tão “enquadrada” nos seus princípios teóricos
originais.
A positividade dos discursos quanto à percepção da disciplina Didática Geral na
instituição pelo grupo de professores de Didática Geral, do currículo escrito dessa
disciplina e formas de trabalhar essa disciplina na instituição, estão presentes nessas
falas. Determinados princípios mais críticos, mais tecnicistas estão hibridizados e
surgem nessas falas subsumidos em idéias e posturas que, de uma forma ou de outra,
procuram valorizar a forma, a importância dessa disciplina no curso e o tempo à frente
dessa disciplina na instituição. Selecionamos algumas falas que ilustram os processos
de hibridização, procurando entender de que forma eles favorecem uma maior
162
compreensão da reapropriação dos discursos acadêmicos da Didática Geral na
instituição:
Isso que se fala hoje aqui na escola, de interdisciplinaridade, dizendo
que é moderno, não é não! Já se fazia, então, e muito! Podia até ter outro nome,
que eu não sei qual era!
(Professora A)
Todos os conteúdos de Didática são importantes. O que eu acho muito
interessante e importante é o conteúdo Projeto-político-pedagógico. Não tem
cem por cento de novidade. Já houve época em isso se fazia no Carmela Dutra:
senta pai, senta mãe, senta professor, senta todo mundo e aí o que vamos fazer?
(Professor L)
Quando cheguei aqui, usava-se o livro do Claudino Pilleti. Hoje já não
se usa mais! Achamos mais interessante estarmos pegando várias abordagens,
do Libâneo, Paulo Freire, e até do Nérici. Daí, montamos uma apostila e que
hoje consideramos que já não está mais atendendo às necessidades, mas
naquele momento foi interessante.
(Professora N)
Ou seja, essas falas mostram discursos de matizes teóricas distinta, produzindo
novas formas de linguagem. Na fala das professoras A e L, observamos o processo do
descolecionar a que Canclini (1990) se refere, no sentido de que encontraram novas
formas de expressar a organização criativa de juntar o passado com o presente, o velho
com o novo, o tradicional e o moderno. Simplesmente, essas duas primeiras falas
reorganizam, naquilo que já conheciam, com outro nome, uma nova coleção.Para
Canclini (1990),
Segundo Sarlo (2000:119) esse descolecionar estaria ligado à efemeridade da
cultura em que nos inserimos, daí ser impossível restaurar uma autenticidade:
Ninguém é responsável pela perda de uma pureza original que as
163
culturas populares, desde o início da modernidade, nunca tiveram... as culturas
populares não podem pensar suas origens a não ser a partir do presente.
Canclini (1998) e Sarlo (2000) contam como um fator do descolecionar e formar
novas coleções, a velocidade dos processos de comunicação e a interatividade de novos
discursos eletrônicos. O ato de descolecionar objetivado nessas falas sinaliza a
mesclagem de objetivos e conteúdos da disciplina Didática Geral. Podemos adiantar
que há conteúdos que se mesclam numa “coleção” de outros conteúdos e que tendem a
serem reorganizados com conteúdos científicos, do senso comum, entre o que se
considerava culto e popular.
A terceira fala (Professora N) sinaliza a presença de dois gêneros como
constitucionalmente híbridos (Canclini, 1998). Essa fala aponta para o que Canclini
denomina de “gêneros impuros”. A citação da bibliografia utilizada confirma a
oficialização do “velho” em detrimento do “novo”. Enquanto o “novo” é apresentado
na forma de se referir aos conteúdos e bibliografia. O discurso da Professora N, retrata a
inter-relação de teorias, pela combinação de autores com perspectivas diferentes. Nesse
discurso, cruzam-se perspectivas tradicionais com progressistas.discurso se opõem à
concepção do que seria o “novo”. Nem por isso esse discurso deixa de ser válido ou
antinatural
Esta é uma forma de como ver a formação de gêneros impuros na evolução
desta disciplina: na bibliografia dos Manuais consultados, listam-se livros que variam
entre 1975 e 1998, com autores representantes de tendências diversas como: Irene
Mello de Carvalho (O processo didático), Imídio G. Nérici (Introdução à Didática
Geral), Clódia Turra e outros (Planejamento de Ensino e Avaliação), Vera Maria
Candau (A Didática em Questão), Danilo Gandin (Planejamento Participativo) esses
autores indicam enfoques tecnicistas mesclados com princípios escolanovistas,
tecnicistas e críticos. Algumas outras falas dos entrevistados podem explicitar os
processos a que Canclini (1998) se refere:
Aqui não uso livro em sala de aula porque essa disciplina é uma colcha
de retalhos. Vamos explorando os assuntos, usando mais textos. Eu só uso o
livro do Gandin e do Nérici.
(Professora G)
164
Desse ano eu não tiraria nenhum conteúdo.... ah! Sim!, nós pensamos em tirar
alguns: Carl Rogers era um e o que aconteceu? No concurso, Carl Rogers
estava lá! Então, houve mudança! Voltou o “velho”! Somos obrigados a
mudar!, a reformular! Volta o Rogers! Skinner eu nunca isolei, apesar de
ninguém gostar dele! Mas a gente vê Skinner em todas as situações, em todas as
escolas. Não existe escola tradicional funcionando ainda? Então, existe e
funciona!
(Professora H)
Há uma diferença, sim, da Didática dos anos 80 e a de hoje no
Carmela. E essa diferença, de uma certa maneira acaba provocando um
equilíbrio. A gente tem por parte dos profs que são formados há mais
tempo, alguns que são altamente resistentes às inovações. Por outro
lado, você tem os mais jovens ansiando por inovações mas ainda, de
certa maneira, faltando ainda a ele um visão um pouco mais mais
realista; ele acha que tudo é simples e fácil de ser resolvido. De uma
certa maneira, essa troca de um com o pé mais calcado no chão e o
outro com o ímpeto da mudança, do não conformismo tem dado um
certo equilíbrio de alguma maneira. O mais jovem está provocando o
outro a sair do marasmo e procurando se adaptar às novas
circunstâncias, porque na verdade o mundo todo está mudando e a
gente tem que mudar também, senão a gente não acompanha... e aí isso
provoca um certo equilíbrio. Acaba, de certa forma, o mais experiente
às vezes mostrando para o outro que não é assim tão rápido, não pode
ser assim tão impulsivo. Por outro lado, o novo também mostra que é
possível fazer! Que tem que fazer, que tem caminhos pra se fazer. Nós
temos muitos professores bem jovens, recém-formados, já formados
quando se falava nesses processos de mudança, do fracasso da 5692.
Então, já se sabendo que alguma coisa viria e iria mexer pra provocar
uma mudança. Eu acho, então, que isso tem dado um certo equilíbrio.
165
(Professora N – Chegou à escola em 1987 como professora, foi orientadora educacional
e atualmente, desde 1999, exerce a função de diretora- adjunta).
A última fala aqui transcrita deixa claro que todos esses conflitos, lutas e
contradições apontam para o verdadeiro sentido, hoje, do que foi denominado no
Manual do Professor de 1980, de uma escola de formação de indivíduos “para atuar
como agentes de mudança no magistério e comunidade”. Parece-nos que a escola levou,
e ainda não terminou a contagem desse tempo, vinte anos para traduzir o que a
Professora E declara tão naturalmente. Ela quase que naturaliza a presença, do novo,
da ambigüidade, do cruzamento do “velho” com o “novo” como “males” ou “bens”
necessários entre os pares para que se preserve a imagem defendida na instituição. Esse
testemunho mostra que o hibridismo se faz presente nas falas e ações dos sujeitos
envolvidos na instituição. Esse processo de hibridização já saiu do papel do manual dos
anos 80. Hoje esse processo é permanente, não só nas falas, como nas ações e decisões
tomadas por seus sujeitos. Os discursos já estão perdendo suas marcas originais, já se
misturam, convivem na tentativa de diálogo, troca e outros discursos se constituem.
Ou seja, são as diferenças do novo e do velho, do antigo e do moderno, do
passado e presente, do real e do ideal que se completam e que acabam por indicar os
caminhos e impulsionar a transformação para o “diferente” que se deseja. Esta é uma
forma de descolecionar segundo Canclini (1998), porque acaba por se estabelecer uma
nova de organização e relações na instituição e de diálogo entre as disciplinas em que
não cabe mais dizer “já não é mais do nosso tempo” e os fins sociais da instituição já
não são mais os mesmos. Para Sarlo (2000:101) esse testemunho traduz o fenômeno da
“mestiçagem”,da “mescla”, da “hibridização”.
Podemos entender, portanto, que, mesmo os anos passando, reinterpretações são
feitas e aspectos do passado continuam ‘vivos’ no presente e, ainda, carregados de
sentido para os sujeitos que vivem essa história. Trata-se do embate de tradições,
tradição daquilo que se vive e do que ficou registrado na memória. Surgem, assim,
novas versões diferentes de tradições, sob o impacto dos processos de hibridização.
A evidência do currículo escrito hibridizado no Manual do professor por nós
analisado, é claramente “mesclado” se considerarmos que essas diferentes perspectivas
nele presentes acabam por se interpenetrar também na prática da instituição, na sua
rotina, nos seus rituais, nas ações cotidianas dos atores sociais envolvidos na instituição.
166
Acabam fatalmente se tornando duplamente diferentes do que foram pensadas. Seria
um tanto simplista dizer que esse currículo analisado é preponderantemente tecnicista
ou escolanovista ou crítico.
Atualmente os professores dessa disciplina procuram sinalizar que existem
autores diferentes, com encaminhamentos diferentes, desde Imídeo Nérici até Libâneo,
para um mesmo assunto estudado. Se iniciamos dizendo que o currículo escrito é um
híbrido, naturalmente que, diante das evidências aqui analisadas, só podemos afirmar
que este currículo aqui focalizado mantém um tecnicismo hibridizado com tendências
escolanovistas e críticas.
Concluímos que o significado que até hoje permanece nessa reapropriação é o
fato de que o professorado, na sua prática pedagógica, ainda se sente impotente em
abraçar uma postura totalmente crítica. Ele prefere negar todas essas questões
transferindo-as para outras instâncias. Acreditamos que mergulhar na história do
currículo ou na história de uma disciplina escolar exige-nos a reflexão de se tentar
explicar e compreender que esta mistura, alquimia, interpenetração, esse hibridismo
acaba ocorrendo no sentido mesmo de se tentar superar velhos problemas lógicos até
então não refletidos ou confrontados.
Argumentamos que o discurso presente no documento analisado se expressa
ressignificando a proposta do movimento do Tecnicismo dos anos 70 e da Didática
Crítica dos anos 80, seus objetivos, conteúdos e fins sociais a que vieram. E que, até
hoje, a proposta do “novo”, da “nova realidade” acaba por provocar a reconfiguração de
diferentes mentalidades, desejos e práticas sociais a fim de responder aos desafios do
momento.
Além disso, o currículo, o Manual não são vistos ainda como meras prescrições.
Os discursos no Manual dos anos 80 e as falas dos professores entrevistados no ano
2001 expressam de forma hibridizada, não somente uma perspectiva tecnicista dos anos
80.
A Didática é reflexo, senão impulsionadora desse espírito porque os
entrevistados são unânimes em afirmar que a Didática Geral está retomando a sua
posição no currículo de uma disciplina integradora das outras disciplinas. Os fins
sociais a que a escola serve acabam por influenciar a disciplina e esta, para progredir,
teve que superar suas origens pedagógicas eminentemente tecnicistas e teóricas, bem
como as dificuldades originadas por sua preocupação com questões formais e técnicas.
167
O incentivo de pressões para uma Didática mais social e humana parecem não ameaçar
a sua tortuosa trajetória de se tentar definí-la como uma disciplina acadêmica como
outras disciplinas do currículo no passado. Pelo contrário, o fato de estar atualmente
voltada para uma função mais social parece garantir à Didática sua legitimação no
currículo da instituição.
CONCLUSÕES
Didática ... é a disciplina que tem a possibilidade de juntar as outras em torno de si. Ontem não era assim.
Ontem era uma disciplina isolada. Eu acho até que pouco valorizada pelas outras... era uma disciplina à parte.
Não sentia essa importância que sinto hoje, dentro da escola, pelo grupo de professores. É muito difícil trabalhar Didática,
é a responsabilidade, os desafios, o novo a cada dia... então nóstemos que estar sempre nos adequando...
Por isso mesmo muito gostoso de se trabalhar.Para quem gosta de desafios!35
Desde o princípio do nosso trabalho, sabíamos que seria um desafio tentar
escrever a história ligada à memória institucional ou pessoal, sem ser descritiva dos
depoimentos e documentos dos sujeitos que dela participaram. Escrever essa história
vai além da sensação de alegria que sentimos ao deparar, em vários momentos do nosso
estudo, com documentos que sequer havíamos cogitado encontrar.
Escrever essa história é dialogar com certas marcas do passado e tentar dialogar
com as memórias dos sujeitos, das suas lembranças. A lógica das lembranças é a
mesma lógica da emoção. Como a memória é atemporal e seletiva, ela envolve não
apenas lembranças, mas também, silêncios e esquecimentos. Nesse sentido, essas
memórias traduzidas nas falas dos entrevistados, não podem ser consideradas como 35 Testemunho de uma das professoras mais antigas da equipe de Didática. No colégio desde 1976.
168
simplesmente verdades.
Elas servem pouco como História, mas muito mais como memória para serem
refletidas e analisadas porque elas nos dizem muito do homem ou da situação vivida
não apenas do passado, mas, principalmente, do presente. Esse é o princípio do diálogo
que tentamos construir durante todo o nosso trabalho com os documentos e as falas dos
atores sociais envolvidos.
Procuramos, assim, estabelecer um diálogo com o passado, procurando lidar
com a objetividade, interelacionando-a com a subjetividade. Não há receitas para
solucionar o que daí pode ocorrer. Não dizemos ou escrevemos o que temos de
escrever, pensando que o nosso relato fecha todo o processo histórico vivenciado.
Apenas queremos dizer que nos envolvemos, nos entregamos nesses relatos, mas
tentando sempre estar vigilantes.
Quando coletamos os dados sobre o nosso objeto de pesquisa – a história da
disciplina escolar Didática Geral no Carmela Dutra – em históricos, manuais, grades,
discursos, textos e materiais didáticos, não apenas buscamos organizar, listar ou ordenar
esses dados, mas nos esforçamos para dialogar com eles, no sentido de desvelar que
ações sociais determinaram a sua origem. Interessou-nos vivenciar o diálogo com esses
documentos pelos sujeitos que viveram essa época.
Tentamos mostrar que o clima aberto, sempre presente na cultura da instituição
pesquisada, não era apenas um adendo ao contexto social vivido, mas um fator
intrínseco cultural presente no seu interior, que não segue uma ordem lógica, mas
contém uma dimensão social maior que tende a afetar o currículo da instituição. Sendo
assim, legitimam-se e oficializam–se determinados projetos presentes na instituição que
justificam determinadas produções de processos de seleção, inclusão/exclusão e
interesses de certos grupos e idéias presentes no seu interior.
Essa cultura escolar se expressa não só no discurso dos entrevistados, como na
própria aparência do espaço físico do Colégio, nas disciplinas, nos projetos da
instituição e no modo como todos se relacionam na instituição, desde o dono da
cantina, o secretário, a bibliotecária, o professor, a comunidade, o aluno.
A disciplina Didática Geral foi construída a partir dos anos 80 na instituição,
tanto social quanto politicamente de forma conflituosa e em função de objetivos sociais
desse tempo e segundo posturas próprias, não só do campo acadêmico, quanto na
própria instituição. A invenção sistemática de tradição está presente na disciplina
169
escolar Didática Geral nesse período e se configura numa sobreposição de variados
discursos, interesses e práticas que foram se consolidando, algumas vezes
sucessivamente, outras simultaneamente.
Os discursos sobre a percepção da Didática Geral na instituição dos anos 80 a
90, parecem um amálgama de perspectivas escolanovistas, tecnicistas e críticas. Por
esse motivo, essa disciplina não é uma entidade monolítica, o próprio grupo de Didática
constante na instituição desde os anos 70, lutou e ainda está mudando os rumos da
disciplina Didática no currículo da instituição. A seleção dos conteúdos e métodos
realizados pela escola, nesse período de tempo pesquisado, refletiu o conflito e debate
entre os conteúdos considerados relevantes para a época vivida, na opinião da grande
maioria que viveu as três fases da Didática na instituição.
Buscamos detectar, nos diferentes períodos, da disciplina Didática Geral, a sua
própria identidade na percepção do grupo de professores de Didática. Constatamos que
a disciplina Didática esteve sempre relacionada com as necessidades de um momento
histórico vivido, lutou para legitimar-se como uma tradição acadêmica desde os anos 70
e início de 80, mas acabou assumindo-se como uma necessidade social de existência
no contexto e cultura da instituição. O grupo de atores definiu a disciplina Didática nos
períodos de 70 como a “Rainha” e “Menina dos olhos” no currículo da instituição. Nos
anos 80, como a “Didática Esfacelada” e nos anos 90, como a “Didática Amorosa”,
“Didática Integradora”. Sua forma e conteúdo sofreram mudanças no currículo. O que a
estabeleceu como tal no currículo foi o “projeto comum existencial”. Por isso, a
disciplina é diferente no contexto escolar e no campo acadêmico. Ela se moldou aos
objetivos sociais da instituição visto que o clima aberto afetivo está presente em todos
os espaços e momentos da instituição e que se viabiliza por meio do seu projeto social
maior – a creche “Carmelinha” que integra todas as disciplinas na instituição.
Nesse sentido, consideramos a disciplina Didática como uma produção híbrida
da instituição, não só pelos discursos presentes nos seus guias e manuais, nas falas dos
entrevistados, como também pela cultura peculiar da instituição, o discurso acadêmico
e as propostas e projetos que se misturam no clima da instituição e se transforma nos
anos 90 na “Didática Amorosa”, uma diferente da que se havia pensado nos anos 70 e
80. Parece que essa percepção atual da Didática na instituição quer descartar qualquer
idéia que relacione o que está acontecendo, com o que aconteceu no passado.
O Colégio Carmela Dutra optou por uma finalidade social mais imediata e
170
dentro do seu contexto social e cultural de conflitos que reconfigura e desterritorializa
seu espaço, procurando desfazer a noção de centro e periferia quando disponibiliza seu
espaço físico para que a mãe normalista que esteja em aula, possa amamentar seu filho
na creche, ao lado do pátio interno do colégio. Essas operações de hibridização tiveram
um capítulo importante no ambiente escolar no qual a Didática Geral se construiu e
que, ao sentir a perda de uma “pureza” original ou de um conteúdo mais “profundo”,
tendem a voltar no passado e exaltar a tradição da disciplina e dos alunos que eram “tão
educados”. Muitas dessas falas entraram em contradição ao se definirem como a favor
dessa Didática Geral, mais centrada no aluno, ou aquela Didática mais centrada no
método. Na realidade, o que constatamos é que, embora os discursos apareçam com
“roupagem” diferente, com “roupagem” nova, acaba sendo uma continuação de uma
tradição anterior.
Porém, as mudanças e/ou rupturas, embora temporárias, de certa forma
acabaram por trazer inovações no interior da disciplina. Em muitas falas foi possível
observar que determinados objetivos de ensino, combatidos em um determinado
período, acabaram se tornando em finalidades reais em outro momento. A mudança é
lenta., pois se desenvolve dentro do padrão disciplinar.
Ressaltamos que foi possível sentir a valorização constante da disciplina
Didática na instituição, por parte de seu diretor, professor Geraldo Ribeiro. Ele
vivenciou as mudanças na instituição desde 1976, como professor, supervisor e diretor,
atualmente. A Didática “Rainha” , do início dos anos 80 era legitimada no currículo
como a disciplina que ocupava uma posição estável e visível no currículo. Professores
de outras disciplinas ocuparam a Didática , quando da falta de professores desta
disciplina.
A manutenção da grade curricular e do conteúdo “Planejamento” continuam
presentes até hoje. Esse conteúdo foi citado pelos três grupos de professores
entrevistados.
Percebemos, assim, que o processo de construção da Didática no currículo não é
linear e contínuo. A reapropriação dos discursos acadêmicos é permeada de
descontinuidade, avanços e retrocessos. O próprio diretor da instituição, ao valorizar a
disciplina Didática na sua gestão, criou no ano de 2000 essa disciplina na grade
curricular porque ao passar para quatro anos, no currículo do curso de formação de
professores essa disciplina está ausente.
171
Como padrões de estabilidade curricular observamos, além da manutenção da
grade curricular e a distribuição de professores para lecionar Didática, o fato da
estabilidade visível do grupo de professores de Didática na instituição desde os anos 70.
Constatamos ainda, nos depoimentos e conversas com os sujeitos em todos os
espaços da instituição que a manutenção do clima aberto da instituição tende a ser
possível, principalmente, pela manutenção de seu líder, o diretor Geraldo Ribeiro. Esse
gestor já está na sua sexta gestão (desde 1991) e vem sendo re-eleito por todos na
instituição e comunidade, sem votos contrários. Esse acaba por se constituir como um
padrão de estabilidade curricular na instituição. Por outro lado, a manutenção do clima
aberto a partir dos anos 90 também é padrão de mudança, ao mesmo tempo. A direção
da instituição à frente de projetos como a creche “Caremelinha” e “Sexualidade e
Cidadania”, garante mudanças na forma e conteúdo das disciplinas do currículo, pois se
voltam para conteúdos mais ligado a questões sociais.
Consideramos também os encontros sistemáticos da equipe de Didática (e na
sala de Didática – a única disciplina que tem sala própria) como um dos mecanismos
de estabilidade da disciplina no currículo da instituição. Essas reuniões acontecem
desde os anos 70 e são defendidas como um momento muito importante para estudo e
reflexão.
Ao longo desta pesquisa, pudemos constatar como a construção dos discursos é
importante para consolidar a identidade de uma disciplina numa instituição. Esses
discursos, na realidade, embasam todo o ethos da instituição e não podem ser vistos
como elementos principalmente subjetivos. Na realidade, elas tendem a construir
condições objetivas.
Por meio desse estudo, tentamos expressar o que coletamos e concluímos ao
voltar no tempo para entender como a disciplina Didática Geral se configurou no
Colégio Carmela Dutra. Na medida em que avançávamos em nosso estudo, deparamos
com muitas questões que ainda nos parecem sem resposta: como a escola enfrentará as
recentes mudanças na sua grade curricular, na forma de propostas, com a passagem do
curso para quatro anos? Como ela irá dialogar com essa nova estrutura, considerando a
criação e proposta do curso normal superior e com as mudanças decorrentes do ensino
médio?
Todas essas questões por um momento nos deixam em alerta e com novas
indagações. Todas elas nos levam para a análise e exploração de questões da prática e
172
dos processos escolares. Sem essa reflexão não podemos entender ou discutir currículo
ou ensino, o que nos leva a reconhecer que o estudo sobre a HDE constitui um ponto de
partida para clarear essas questões.
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178
LISTA DE ANEXOS
ANEXO
1- Notícia do JORNAL DO BRASIL “Carmela Dutra supera deficiências e tem
sucesso!
2– Reportagem da revista Época (fev/2000) “De mãos dadas para a vida”
3- Murais fixos da escola Carmela Dutra
4- MANUAL DO PROFESSOR – CARMELA DUTRA – 1980
5 – Roteiro de entrevista com professor de Didática
6 – Roteiro de entrevista com Diretor/ Diretor-Adjunto/ Supervisor e Secretário
179
ANEXO 1
180
ANEXO 2
181
182
ANEXO 2
183
ANEXO 3
184
185
ANEXO 4
186
ANEXO 5
Roteiro para entrevista com professores de Didática Geral
Nome:_______________________________________Formação:_________________
Tempo no magistério: __________ Tempo que leciona Didática: desde __________
1) Como você vê a Didática no currículo? Você acha que a Didática é uma disciplina valorizada da instituição? Por quê? Sempre foi assim?
2) Como é laborado o programa de Didática Geral? Sempre foi assim? O que mudou?
3) Que livros os professores usam(vam) em Didática? Que livros são indicados para os alunos ? Você participa(ou) de algum ENDIPE ou de algum Congresso?
4) E as reuniões com o grupo de professores de Didática? Sempre ocorreram? Houve mudança na sua dinâmica? O que mudou? Por quê?
5) Recebem orientação da Secretaria Estadual de Educação(SEE)? O que é feito com essa orientação? Chega a ser cumprida? Por quê? Você acha que essas ordens influenciam o rumo da Didática Geral no Colégio?
5) Que conteúdos você considera mais importantes em Didática Geral? Por quê? Eles sempre foram importantes? Quais os que você excluiria? Por quê?
7) E os alunos de hoje mudaram? Em que eles são diferentes do passado? Você
187
considera isso no seu trabalho em sala de aula?
ANEXO 6
Roteiro de entrevista com diretor/diretor-adjunto
Nome: _________________________________________ Formação: ______________
Início no Carmela: ________ Anos no Carmela:________ Na direção: ___________
A instituição
1) Como você vê o Carmela Dutra entre as outras instituições que formam
professores?
Sempre foi assim? O que mudou? A que você deve essa mudança?
2) Qual a finalidade hoje do Carmela Dutra? Essa finalidade bate com a da SEE? Por
quê? O que é feito com a orientação da SEE?
A Didática
1) Como você vê a Didática no currículo? É valorizada?
Sempre foi assim? O que mudou? Por quê?
2) Os professores de Didática dos anos 70 e 80, você vê diferença? Qual? Por quê/
3) Há professores de Didática que foram alunos? Quais? Você sente diferença nesses
professores na relação deles com a instituuição?
4) E os alunos hoje?
188
Os Projetos da Instituição1) Fale sobre as realizações feitas na sua gestão (Creche, Carmelícias, Carmelinha,
Outdoor, Informática, Festas – Segurança e Família).
2) Como você encontrou a instituição?
3) Qual o projeto mais importante? Que prêmios a escola já ganhou? Quais os critérios
para essa escolha?
189