história da estação ferroviária da platina

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cmyb cyan magenta yellow black Sábado e Domingo, 22 e 23 de maio de 2010 TRIBUNA DO VALE www.tribunadovale.com.br C-1 ARTISTA JACAREZINHENSE ENTRE OS MELHORES DO BRASIL FANTUR CONHECE BELEZAS DE NOVO ROTEIRO TURÍSTICO PÁG. C4 PÁG. C3 PÁG. C2 HUMOR ROTA DO CAFÉ S.A.PLATINA Ferrovia cruzou o Norte Pioneiro na década de 20 passageiros e glamur para a região 1927 foi o ano em que a Estação Platina foi inaugurada” Espaço Livre CONHEÇA OS ATRATIVOS DA ROTA DO CAFÉ TURISMO HISTÓRIA SOBRE TRILHOS Ramal do Paranapanema ajudou no desenvolvimento da região Felipe Peres Da Redação Santo Antônio da Platina foi fundada em 1914, mas a história do desenvolvimento da cidade e da região foi literalmente cortada por uma linha de ferro durante a década de 20. Batizado de ramal do Paranapanema, que futura- mente ganhou o apelido de ‘Ra- mal da Fome’, a estrada de ferro foi construída de Jaguariaíva até Marques dos Reis, na divisa dos estados do Paraná e São Paulo. A linha de trem sobe de Jagua- riaíva passa por Wenceslau Brás, Siqueira Campos, Quatiguá, Joaquim Távora, Santo Antônio da Platina e Jacarezinho. A construção da estrada de ferro é contemporânea do crescimento do plantio de café na região do Norte Pioneiro, quando tornou-se necessário escoar as mercadorias, basica- mente formada pela produção de café. Por conta do excesso de terras ocupadas pela cultu- ra nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o cultivo do grão ficou proibi- do nesses estados. Esse fato fi- cou historicamente conhecido por acordo de Taubaté. Como o acordo de Taubaté proibia o plantio de café na re- gião sudeste, muitos paulistas atravessaram o rio Paranapa- nema e aqui, no Norte Pioneiro começaram a trabalhar com o cultivo do grão. Nesse período o café acabou tornando-se a cul- tura mais explorada na região. A linha do Paranapanema, então, acabou sendo construída para evitar o “perigo paulista”, ou seja, a exportação de mercado- rias do Norte Velho do Paraná via E. F. Sorocabana pelo porto de Santos. O primeiro trecho inaugurado foi em 1915, ligando Jaguariaíva, na Itararé-Uruguai, a São José, atual Calógeras. Seu prolongamento acabou se ar- rastando até 1937, quando al- cançou a já existente E. F. São Paulo-Paraná e por ela alcançou por tráfego mútuo a cidade de Ourinhos, em São Paulo. O trajeto possui trechos bo- nitos e históricos. Há três quilô- metros da estação da Platina há o ‘túnel número 2’ da linha de ferro, datado de 1926, com 170 metros de comprimen- to. Rústico, todo feito em pedra, o túnel possui em seu topo, em ambas ex- tremidades, as siglas CBIC, que remete a Companhia Brasileira de Indústria e Construção, em- presa responsável por arquitetar e estabelecer a ferrovia. Por não ser utilizado há muitos anos, o local hoje está sendo tomado pela vegetação, tornando o cenário ainda mais bucólico. A chegada da estação con- tribuiu muito com o desenvol- vimento da cidade. Concluída, a ferrovia ganhou o nome de Estrada de Ferro São Paulo- Paraná. “Na época, o único meio de transporte terrestre era através de ferrovias. E era dentro dos vagões de trens que chegavam produtos, escoavam mercadorias e transportavam passageiros. Era uma forma de desenvolver e atrair pessoas para trabalhar em lugares antes isolados”, explica o historia- dor Israel Pereira de Castro, estudioso da história de Santo Antônio da Platina e região. “Na época, inclusive, por estar instalada distante do centro da cidade, cogitou-se a construção de uma variante, ou seja, uma outra linha de ferro alternativa que levaria pessoas e produtos da estação para o centro da ci- dade. Mas a pouca quantidade de carga e de pessoas tornou a ideia inviável”, completa. Depois da abertura da li- nha Apucara- nas-Uvaranas, em 1975, o ra- mal entrou em decadência por ter uma linha obsoleta e cheia de curvas. O úl- timo trem de passageiros (Trem do Norte, mais tarde ‘Ramal da Fome’, rodou em junho de 1979). “Muitas pessoas asso- ciam esse apelido à miséria, quando na verdade Ramal da Fome refere-se ao fato de haver poucos restaurantes disponíveis para os passageiros durante o trajeto”, explica o historiador e estudioso da região do Norte Pioneiro, Israel Pereira de Castro. Em 2001, o tráfego de car- gueiros foi suspenso pela ALL e hoje apenas esporádicos autos de manutenção passam pela li- nha, praticamente abandonada em toda a sua extensão. Estação encontra-se uma família que vive sem autorização no local Antônio Picolli Neto Antônio Picolli Neto Antônio Picolli Neto História viva Mesmo do alto de seus 88 anos, o aposentado Joaquim Rodrigues de Morais possui uma lembrança viva e nítida do auge do movimento na estação ferroviária da Platina. Nascido e criado às margens da ferrovia, onde reside até hoje, Morais acompanhou a chegada do trem na cidade. “Eu tinha apenas cinco anos quando inauguraram a esta- ção. Me lembro da Maria Fu- maça chegar aqui puxando os vagões. A Platina ficou cheia de gente na expectativa da chegada da ferrovia na região”, conta, esboçando um sorriso de nostalgia. “Quando cresci, passei a trabalhar carregando e des- carregando os vagões”, lembra. “Trabalhávamos de época em época, fazendo bicos também. Fazíamos cerca de madeira e cortávamos o matagal que margeava a linha”, completa. De acordo com Morais, foram mais de oito anos trabalhando diretamente ligado à ferrovia. Mas a memória de Morais em relação à ferrovia não se restringe ao trabalho. Foi sobre a estrada de ferro que o aposentado viajou para o estado de São Paulo e visitou Curitiba e Londrina. “Me lembro bem de ir a Curitiba de trem. O trajeto era lindo, apesar de ter muitas curvas. O trem passava entre colinas e descampados”, conta. “Mas a viagem era cansativa e durava quase dois dias”, completa. Outro personagem é Ro- salvo Santos Ferreira, 54, que também trabalhou na estação, se não no auge, mas quando a linha era ativa. Segundo Ferreira, foram oito anos de serviços prestados na estação da Platina, de 1983 a 1992. “Trabalhei por quatro anos com a parte de manutenção da estrada, trocando dormen- tes e trilhos”, conta. “Depois trabalhei mais quatro anos como cozinheiro da estação. Era tudo muito organizado aqui, tínhamos inclusive uma horta comunitária de onde tirávamos vegetais frescos para cozinhar”, lembra. Com tristeza, Ferreira ex- põe seu sentimento em relação a atual situação da estação e Aos 88 anos, Joaquim Morais lembra da chegada da Maria Fumaça Roseval Ferreira conta história quando trabalhou durante oito anos da ferrovia. “Muitas pessoas perderam o emprego depois que a ferrovia parou de fun- cionar de vez. Sem contar que a estação da Platina é um marco histórico da cidade e da região, e hoje está totalmente abandonada”, finaliza.

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Matéria publicada pelo jornal Tribuna do Vale destaca valor histórico da estrada de ferrro e sua estreita ligação com a cafeicultura

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Sábado e Domingo,22 e 23 de maio de 2010

TRIBUNA DO VALE

www.tribunadovale.com.br

C-1

ARTISTA JACAREZINHENSE ENTRE OS MELHORES DO BRASIL

FANTUR CONHECE BELEZASDE NOVO ROTEIRO TURÍSTICO

PÁG. C4 PÁG. C3 PÁG. C2

HUMOR ROTA DO CAFÉ

S.A.PLATINA Ferrovia cruzou o Norte Pioneiro na década de 20 passageiros e glamur para a região

“1927 foi o ano em que a Estação Platina foi inaugurada”

Espaço LivreCONHEÇA OS ATRATIVOSDA ROTA DO CAFÉ

TURISMO

HISTÓRIA SOBRE TRILHOS

Ramal do Paranapanema ajudouno desenvolvimento da região

Felipe Peres

Da Redação

Santo Antônio da Platina foi fundada em 1914, mas a história do desenvolvimento da cidade e da região foi literalmente cortada por uma linha de ferro durante a década de 20. Batizado de ramal do Paranapanema, que futura-mente ganhou o apelido de ‘Ra-mal da Fome’, a estrada de ferro foi construída de Jaguariaíva até Marques dos Reis, na divisa dos estados do Paraná e São Paulo. A linha de trem sobe de Jagua-riaíva passa por Wenceslau Brás, Siqueira Campos, Quatiguá, Joaquim Távora, Santo Antônio da Platina e Jacarezinho.

A construção da estrada de ferro é contemporânea do crescimento do plantio de café na região do Norte Pioneiro, quando tornou-se necessário escoar as mercadorias, basica-mente formada pela produção de café. Por conta do excesso de terras ocupadas pela cultu-ra nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o cultivo do grão � cou proibi-do nesses estados. Esse fato � -cou historicamente conhecido por acordo de Taubaté.

Como o acordo de Taubaté proibia o plantio de café na re-gião sudeste, muitos paulistas atravessaram o rio Paranapa-nema e aqui, no Norte Pioneiro começaram a trabalhar com o cultivo do grão. Nesse período o café acabou tornando-se a cul-tura mais explorada na região.

A linha do Paranapanema, então, acabou sendo construída

para evitar o “perigo paulista”, ou seja, a exportação de mercado-rias do Norte Velho do Paraná via E. F. Sorocabana pelo porto de Santos. O primeiro trecho inaugurado foi em 1915, ligando Jaguariaíva, na Itararé-Uruguai, a São José, atual Calógeras. Seu prolongamento acabou se ar-rastando até 1937, quando al-cançou a já existente E. F. São Paulo-Paraná e por ela alcançou por tráfego mútuo a cidade de Ourinhos, em São Paulo.

O trajeto possui trechos bo-nitos e históricos. Há três quilô-metros da estação da Platina há o ‘túnel número 2’ da linha de ferro, datado de 1926, com 170 metros de comprimen-to. Rústico, todo feito em pedra, o túnel possui em seu topo, em ambas ex-tremidades, as siglas CBIC, que remete a Companhia Brasileira de Indústria e Construção, em-presa responsável por arquitetar e estabelecer a ferrovia. Por não ser utilizado há muitos anos, o local hoje está sendo tomado pela vegetação, tornando o cenário ainda mais bucólico.

A chegada da estação con-tribuiu muito com o desenvol-vimento da cidade. Concluída, a ferrovia ganhou o nome de Estrada de Ferro São Paulo-Paraná. “Na época, o único meio de transporte terrestre era através de ferrovias. E era dentro dos vagões de trens que chegavam produtos, escoavam

mercadorias e transportavam passageiros. Era uma forma de desenvolver e atrair pessoas para trabalhar em lugares antes isolados”, explica o historia-dor Israel Pereira de Castro, estudioso da história de Santo Antônio da Platina e região. “Na época, inclusive, por estar instalada distante do centro da cidade, cogitou-se a construção de uma variante, ou seja, uma outra linha de ferro alternativa que levaria pessoas e produtos da estação para o centro da ci-dade. Mas a pouca quantidade de carga e de pessoas tornou a ideia inviável”, completa.

Depois da abertura da li-nha Apucara-nas-Uvaranas, em 1975, o ra-mal entrou em decadência por ter uma linha obsoleta e cheia de curvas. O úl-

timo trem de passageiros (Trem do Norte, mais tarde ‘Ramal da Fome’, rodou em junho de 1979). “Muitas pessoas asso-ciam esse apelido à miséria, quando na verdade Ramal da Fome refere-se ao fato de haver poucos restaurantes disponíveis para os passageiros durante o trajeto”, explica o historiador e estudioso da região do Norte Pioneiro, Israel Pereira de Castro.

Em 2001, o tráfego de car-gueiros foi suspenso pela ALL e hoje apenas esporádicos autos de manutenção passam pela li-nha, praticamente abandonada em toda a sua extensão.

Estação encontra-se uma família que vive sem autorização no local

Antônio Picolli Neto

Antônio Picolli Neto

Antônio Picolli Neto

História viva

Mesmo do alto de seus 88 anos, o aposentado Joaquim Rodrigues de Morais possui uma lembrança viva e nítida do auge do movimento na estação ferroviária da Platina. Nascido e criado às margens da ferrovia, onde reside até hoje, Morais acompanhou a chegada do trem na cidade. “Eu tinha apenas cinco anos quando inauguraram a esta-ção. Me lembro da Maria Fu-maça chegar aqui puxando os vagões. A Platina � cou cheia de gente na expectativa da chegada da ferrovia na região”, conta, esboçando um sorriso de nostalgia.

“Quando cresci, passei a trabalhar carregando e des-carregando os vagões”, lembra. “Trabalhávamos de época em época, fazendo bicos também. Fazíamos cerca de madeira e cortávamos o matagal que margeava a linha”, completa. De acordo com Morais, foram mais de oito anos trabalhando diretamente ligado à ferrovia.

Mas a memória de Morais em relação à ferrovia não se restringe ao trabalho. Foi sobre a estrada de ferro que o aposentado viajou para o estado de São Paulo e visitou Curitiba e Londrina. “Me lembro bem de ir a Curitiba de trem. O trajeto era lindo, apesar de ter muitas curvas. O trem passava entre colinas e descampados”, conta. “Mas a viagem era cansativa e durava quase dois dias”, completa.

Outro personagem é Ro-salvo Santos Ferreira, 54, que também trabalhou na estação, se não no auge, mas quando a linha era ativa. Segundo Ferreira, foram oito anos de serviços prestados na estação da Platina, de 1983 a 1992. “Trabalhei por quatro anos com a parte de manutenção da estrada, trocando dormen-tes e trilhos”, conta. “Depois trabalhei mais quatro anos como cozinheiro da estação.

Era tudo muito organizado aqui, tínhamos inclusive uma horta comunitária de onde tirávamos vegetais frescos para cozinhar”, lembra.

Com tristeza, Ferreira ex-põe seu sentimento em relação a atual situação da estação e

Aos 88 anos, Joaquim Morais lembra da chegada da Maria Fumaça

Roseval Ferreira conta história quando trabalhou durante oito anos

da ferrovia. “Muitas pessoas perderam o emprego depois que a ferrovia parou de fun-cionar de vez. Sem contar que a estação da Platina é um marco histórico da cidade e da região, e hoje está totalmente abandonada”, � naliza.