história do espírito santo

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História do Espírito Santo Vitória e sua ocupação territorial e humana Leonor Franco de Araujo A região da baia de Vitória começou a ser habitada por populações pré-históricas a partir de 5.200 a.C, aproximadamente. É quando os contornos atuais do litoral iniciaram sua definição com o surgimento de mangues, restinga e ampliação dos recursos alimentares, que tornaram a região um local privilegiado para a vivência dos grupos indígenas. A ocupação do território se dá, sem sombra de duvidas, pelas nações indígenas locais, sendo que no caso específico da ilha aventa-se, principalmente que sejam as nações tupiniquins e/ou guaranis. Essa dúvida até hoje paira sobre nossas investigações, e somente estudos arqueológicos mais profundos e sistemáticos, na área antiga de ocupação e atual região da Capixaba e arredor, poderiam nos fornecer a certeza dessa ocupação primitiva. A designação mais antiga da Ilha principal e maior do arquipélago, composto por 34 ilhas, é Guananira. Na tradução portuguesa do tupi-guarani goá significando baia, nã, semelhante e Ira, no nheengatu, significa mel; por isso a conotação popular corrente, na atualidade, é Ilha do Mel. A ilha recebeu diferentes nomes na sua trajetória até os nossos dias. Quando reconhecida, em 1535, em mapeamento da baia, então considerada um rio, o Rio do Espírito Santo, por Vasco Fernandes Coutinho, recebeu o nome de Santo Antonio. Em um dos primeiros mapas do Brasil, de 1616, aparece com o nome de “Espiritu Santo”.

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A ilha do Mel

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Page 1: História do Espírito Santo

História do Espírito Santo

Vitória e sua ocupação territorial e humana

Leonor Franco de Araujo

A região da baia de Vitória começou a ser habitada por populações pré-históricas a

partir de 5.200 a.C, aproximadamente. É quando os contornos atuais do litoral iniciaram

sua definição com o surgimento de mangues, restinga e ampliação dos recursos

alimentares, que tornaram a região um local privilegiado para a vivência dos grupos

indígenas.

A ocupação do território se dá, sem sombra de duvidas, pelas nações indígenas locais,

sendo que no caso específico da ilha aventa-se, principalmente que sejam as nações

tupiniquins e/ou guaranis. Essa dúvida até hoje paira sobre nossas investigações, e

somente estudos arqueológicos mais profundos e sistemáticos, na área antiga de

ocupação e atual região da Capixaba e arredor, poderiam nos fornecer a certeza dessa

ocupação primitiva.

A designação mais antiga da Ilha principal e maior do arquipélago, composto por 34

ilhas, é Guananira. Na tradução portuguesa do tupi-guarani goá significando baia, nã,

semelhante e Ira, no nheengatu, significa mel; por isso a conotação popular corrente, na

atualidade, é Ilha do Mel.

A ilha recebeu diferentes nomes na sua trajetória até os nossos dias. Quando

reconhecida, em 1535, em mapeamento da baia, então considerada um rio, o Rio do

Espírito Santo, por Vasco Fernandes Coutinho, recebeu o nome de Santo Antonio. Em

um dos primeiros mapas do Brasil, de 1616, aparece com o nome de “Espiritu Santo”.

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Page 2: História do Espírito Santo

Figura 1 – Recorte da área entre a Ilha de Vitória, ai chamada Espiritu Santo, e a Ponta do Rio Doce, do

Mapa que retrata a Costa da Capitania no “Livro que dá Razão do Estado do Brasil”, autoria de João

Teixeira Albernaz, 1616.

A descrição do vocábulo “capixabi” feito por Saint-Hilaire 1, em sua viagem ao Brasil

entre 1816 e 1822, falava da designação que os moradores da Capitania, os índios,

davam a uma pequena plantação. Isso se explicava pela permanência de índios

“aculturados” que se localizavam na ponta sul da povoação inicial, cultivando suas

roças nas encostas do morro, região hoje designada como capixaba, na área do centro da

cidade. 2

Esse vocábulo, eternizado na vila de Vitória, inicialmente denominava os nascidos na

ilha, e depois, a partir da década de 1930, a sua popularização passou a designar todas

as pessoas nascidas no Espírito Santo.

A presença regular da Companhia de Jesus, a partir do ano de 1551, foi crucial no

desenvolvimento da Capitania, até sua expulsão, em 1760. Os portugueses capitaneados

por Vasco e seus sucessores tinham como principal objetivo a busca de ouro e pedras

preciosas, deixando muitas atividades administrativas e econômicas nas mãos dos

jesuítas e contavam com eles para a sua principal função: a catequese do indígena, que

forneceria mão de obra e, principalmente, pacificaria os nativos.

1 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Espírito santo e Rio Doce. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia/EDUSP, 1974, p.17. 2 Cf. OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. 2ª edição, Vitória, 1975; NOVAES, Maria Stella. História do Espírito Santo. 2ª edição, Vitória: Fundo Editorial do Espírito Santo, s/ data.

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Page 3: História do Espírito Santo

Não é de se estranhar, que somente aqui portugueses e jesuítas não entraram em

confronto, nem pessoal e muito menos armado. As fazendas dos inacianos eram as

principais fornecedoras de produtos agrícolas da capitania. 3

Com relação a nosso objeto de estudo, a cidade de Vitória, deve-se ressaltar que a

ocupação populacional regular da ilha, isso significando a constituição do centro urbano

da cidade alta, se deu em torno do Colégio de São Thiago, sede administrativa e

geográfica dos jesuítas na capitania do Espírito Santo. O inicio da construção do

Colégio, no ano de 1551, com a chegada do Padre Afonso Brás e o irmão leigo Simão

Gonçalves, coloca-o como um dos mais antigos do Brasil. Em 1589, Padre José de

Anchieta é registrado como superior do Colégio do Espírito Santo, indicando a

importância do Espírito Santo na obra desenvolvida pelos jesuítas no Brasil.

Figura 2 – No detalhe da ilustração do “Reys-boeck”, Haia, 1624, na sua parte superior já pode se notar a

vila crescendo em volta do Colégio de São Tiago.

Concordamos que um início de ocupação foi comandado por Duarte de Lemos, quando

recebeu a Ilha, em sesmaria, do donatário, por serviços prestados em batalha contra os

3 Sobre o assunto conferir principalmente CARVALHO, José Antonio de. O Colégio e as Residências dos Jesuítas no Espírito Santo. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1982; LEITE, Serafim. Breve História da Companhia de Jesus no Brasil. 1549 – 1760. Reimpressão, Braga-Portugal: Livraria Apostolado da Imprensa, 1993.

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índios, em 1537. A devida escritura foi assinada em 1540, quando ambos se

encontravam em Lisboa, confirmada em carta régia de oito de janeiro de 1549. 4

[...] o alvará da dita doação da dita ilha ou leziria de Santo Antônio e, feito o

dito alvará por sua própria pessoa, lhe fora a pegar a dita ilha e lhe dera

corporalmente posse atual, civil e natural, e como senhor e governador da

terra o incorporou na posse da dita ilha e, em pessoa dele, Vasco Fernandes

Coutinho, ele, Duarte de Lemos, dera logo às pessoas e moradores da terra grandes partes de sesmarias das terras da dita ilha para aproveitarem e a

povoarem, fazendo fazenda para si como em cousa própria, forra e isenta do

dízimo a Deus [...] 5

A ocupação realizada por Duarte de Lemos registra-se, foi feita pelo lado oeste da ilha

onde hoje está situado o bairro de Santo Antonio. Não há registros de onde tenha se

iniciado tal ocupação, mas acreditamos que seria provavelmente a região entre o Cais do

hidroavião e a Ilha das Caeiras, por ser terreno mais espraiado. Consta que ergueu casa

na parte mais alta da Ilha e ao seu lado uma igreja, que viria a ser o patrimônio mais

antigo existente em Vitória, a Igreja de Santa Luzia. Uma ocupação rarefeita, já que o

nobre tinha posses em outros locais do Brasil, e que foi sobrepujada, quando nosso

Donatário para cá transferiu a sede da capitania.

Figura 3 – Capela de Santa Luzia. 1999. Acervo particular.

4 FREIRE, Mario Aristides. A capitania do Espírito Santo (1535 – 1822). Vitória, 1945, p. 10 e 11. 5 PORTUGAL – DOCUMENTOS. Carta Régia regulando a doação da ilha de Santo Antônio a Duarte de Lemos por Vasco Fernandes Coutinho. Arquivo da Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, livro 6, f. 512, 8 de janeiro de 1549.

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Page 5: História do Espírito Santo

Tal transferência rendeu a Vasco Fernandes à eterna inimizade de Duarte de Lemos,

pois esse considerou que o donatário deveria tê-lo consultado sobre a mudança. Depois

desse episodio, Duarte de Lemos pouco tomou conhecimento de sua sesmaria. Não

pode o sesmeiro fundar uma vila, pois isso era prerrogativa, garantida pelas Leis

portuguesas, ao Donatário. Portanto, quando Vasco para cá transferiu a sede, fundou

aqui a Vila da Vitória.

A data oficial de fundação da Vila foi estabelecida no dia 8 de setembro de 1551, mas

documentos provam que a Vila já estava fundada desde 1550, provavelmente entre

fevereiro e março desse ano, ou fins de 1549.6

De 1550 é o predicamento de vila dado à povoação, que tomou o nome de

Vila da Vitória. “Tal fato teria ocorrido antes de três de março daquele

milésimo, pois dessa data existe uma provisão passada por Antonio Cardoso

de Barros, “Provedor-mor da Fazenda de El Rei Nosso Senhor nestas partes

do Brasil”, onde se lê:” Faço saber aos que esta virem, que por nesta Villa da Victória Província do Espírito Santo Capitania de Vasco Fernandes

Coutinho...” 7

A tradição reza que foi o triunfo alcançado pelos ilhéus a oito de setembro de 1551, na

maior batalha contra os índios e sua conseqüente expulsão da ilha8, que teria dado o

nome a Vila Nova, como passa a ser popularmente conhecida até o século XIX.

Queremos crer que a instalação dos jesuítas na Vila, em 1551, tenha contribuído para a

determinação dessa data, já que toda a história do povoamento da mesma passa a ser

contada a partir da instalação do Colégio dos Inacianos, que segundo Abreu “eram os

mediadores das relações entre os principais agentes e seus interesses” 9

6 A falta de uma data de referência nos coloca no oitavo lugar em antiguidade de fundação de vilas no Brasil, sendo a quinta sede de Capitania fundada. Vilas mais antigas: São Vicente – 1532, Porto Seguro e Santa Cruz (de Cabralia) – 1535, Igarassu – 1536, Olinda – 1537, Santos – 1545 e Salvador – 1549. 7 OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. 2ª edição, Vitória, 1975, p. 62 e 63. 8 Documentos citados por José Teixeira de Oliveira, in História do Espírito Santo, registram batalhas contra os índios na ilha bem posteriores a data em questão, sendo uma das maiores batalhas a de 1557. 9 ABREU, Carol. O desejo da Conquista in VASCONCELLOS, João Gualberto M. Vitória - Trajetórias de uma cidade. Vitória: IHGES/PMV, 1993, p. 45.

Page 6: História do Espírito Santo

Uma petição da irmandade da Misericórdia, que há quem afirme instituída

no Espírito Santo em 1545, recolheu, em 1817, uma tradição valiosa.

Segundo esse códice, a Vila de N. S. da Vitória foi fundada na pequena

elevação, onde os jesuítas construíram a sua igreja e primitiva residência,

depois Colégio, transformados por último em palácio governamental. Alude-

se, nesse documento, ao mangal, entre a colina, onde ainda hoje se regue o

hospital da irmandade, “e o monte da fundação desta vila”, descrevendo-os

próximos às marinhas e posses à beira-mar. 10

Corroborando ainda com essa idéia, relata Rubim em 1817

Consta por tradição que Vasco Fernandes Coutinho, vendo-se de continuo

inquietado pelo gentio, juntara suas forças, expulsara o Gentio da maior ilha

que estava na baia, uma legoa acima da Villa, n’ella se estabelecêra, e

fundara a villa denominada da Victória, tendo neste logar alcançado a maior

vitória, por isso como tropheo, assim a denominou: não consta o anno d’este

acontecimentos; porém sim que no anno de 1551 o padre Affonso Braz, da

companhia de Jesus, [...], dêo principio a fundar o Collegio na Villa da

Victória, n’ella foi sepultado o venerável padre José de Anchieta em 9 de

julho de 1597, hoje serve de casa de residência do Governo, o que prova já

neste anno estar fundada a villa. 11

A constituição da Vila de Nossa Senhora da Victória.

A construção e disposição da Vila seguiram, durante mais de três séculos, as

características das cidades medievais portuguesas, assim como outras vilas brasileiras.

A preocupação de evitar as baixadas paludosas, cercadas e ocupadas pelos terrenos

lamacentos dos manguezais, aliada a questão da segurança e da proximidade com o mar

fez a escolha de portugueses e jesuítas convergir para o ponto mais saliente e protegido

da área litorânea da ilha.

A ocupação inicial se espalhou pela colina, área hoje conhecida como cidade alta. As

esparsas casas iam se amontoando em ruas estreitas e sinuosas, ocupando vertentes que

se transformaram em ladeiras e mais tarde em escadarias e ruas.

10 FREIRE, Mario Aristides. Op. Cit., p. 16 e 17. 11 RUBIM, Francisco Alberto. Memórias para servir a História até ao anno de 1817, e breve notícia estatística da Capitania do Espírito Santo, porção integrante do Reino do Brasil. Lisboa, 1940, p. 05.

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Page 7: História do Espírito Santo

A historiografia tradicional e os escritores do período colonial capixaba consideram esse

desenho urbano como “sem nenhum planejamento” e sinal da pobreza e decadência da

cidade, mas estudos urbanísticos recentes, a partir dos anos 60 do século XX, fazem

uma leitura diferente das situações das vilas coloniais brasileiras.

Durante muito tempo, acreditou-se que o urbanismo português na América

fosse quase carente de padrões técnicos, como os que eram utilizados pelas

demais potências colonizadoras no continente. [...] Em alguns de nossos

estudos, procurávamos proceder a uma revisão histórica das informações

disponíveis sobre o urbanismo português no Brasil (REIS – 1964 e 1968),

com base em pesquisas sobre os planos para as vilas e cidades do Brasil, dos

séculos XVI, XVII e XVIII[...].

Hoje, há consenso entre os pesquisadores portugueses e brasileiros de que a

documentação disponível permite comprovar a existência de uma atividade

planejadora regular do mundo luso-brasileiro. 12

Essa colina fica bem delimitada como o espaço gerador e centralizador da ocupação

populacional regular e irradiadora da Ilha de Vitória. Prova disso registra-se quando se

coloca o convento de São Francisco, construído ainda no século XVI, e o Convento do

Carmo, construído no século XVII, como estando “fora da Vila de Vitória”. Retrata-os

assim Saint-Hilaire em 1822:

Contam-se, na capital do Espírito Santo, nove igrejas, incluindo-se a dos

mosteiros. [...] Desde a expulsão dos jesuítas, os conventos são apenas em

número de dois, o das Carmelitas e o de São Francisco, edificados fora ou

quase fora da cidade. 13

Em 1572, quando da divisão da colônia em dois governos, o Espírito Santo foi

localizado, junto com Porto Seguro, na Repartição do Sul. Vitória contava, nesse

período, com 1.390 “fogos”, como se chamavam as casas residenciais que comportavam

fogões à lenha.

O Colégio dos Jesuítas, também conhecido como Colégio de São Thiago, aparecia

como a principal edificação da ilha durantes os séculos de história de Vitória. Ele

12 REIS, Nestor Goulart. Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: Editora da USP: Imprensa Oficial do Estado, 2001, p. 11. 13 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. Cit., p. 46.

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abrigou Tomé de Souza, então Governador Geral do Brasil, em 1552, que lá se

hospedou, assim como todas as autoridades que visitaram o Espírito Santo, inclusive o

Imperador Pedro II em 1860. Daí partia também a maior parte das mobilizações para a

defesa da Capitania contra os invasores estrangeiros, sendo o índio o principal

combatente dos batalhões formados.

Em 1581, quando três naus francesas investiram contra a vila, foram os

catecúmenos aldeiados pelos inacianos que saíram a campo em defesa da

terra, matando e ferindo a muito dos assaltantes. “Os moradores,

atemorizados, não acharam quem os defendesse senão quase só, diz

Anchieta, os índios das aldeias jesuíticas”. 14

Figura 4 – Recorte de “Prospecto da Vila da Vitória” mostrando as torres da Igreja e residência de São

Tiago. 1767. José Antonio Caldas.

14 LEITE apud OLIVEIRA, Op. Cit., p. 108.

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Page 9: História do Espírito Santo

Figura 5 – Recorte da “Perspectiva da Villa da Victória” mostrando o porto dos Padres e acima o Colégio

de São Tiago. Joaquim Pantaleão Pereira da Silva. 1805.

Em 1584, Cardim e José de Anchieta consideravam que a vila era mal situada, em local

baixo e pouco aprazível, já que tinham como comparação as cidades européias e não as

brasileiras, que possuíam a mesma condição de Vitória, com raríssimas exceções. 15

No inicio do século XVII já contamos com a Igreja da Misericórdia, derrubada para a

construção do antigo prédio da Assembléia, localizada em frente ao Colégio dos

jesuítas, que abrigava a Santa Casa da Misericórdia e tinha os mesmos direitos da de

Lisboa, como receber doações e ajuda financeira da Coroa portuguesa.

Institui-se e funda-se nesta capital, no dia 1° de Junho o Hospital da

Caridade de Nossa Senhora da Misericórdia. É nesta época que julgamos ter

sido transferida para a então vila da Vitória a Casa de Caridade da Vila do

Espírito Santo, junto à atual Capela da Misericórdia existente no largo de

Pedro Palácios, a qual fora feita de taipa. 16

15 OLIVEIRA, Op. Cit., p. 105. 16 DAEMON, Basílio de Carvalho. Província do Espírito Santo. Sua descoberta, História, Cronologia, Sinopsis e Estatística. Vitória: Tipografia do ES, 1879, p. 220.

Page 10: História do Espírito Santo

Fig. 6 – Igreja da Misericórdia. Desapropriada em 1907 e demolida em 1911 para a construção do Palácio

Domingos Martins, segunda sede da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Construída nos fins do

século XVI. Foto de 1908. Ao fundo a matriz, demolida em 1918.17

Consta também a Igreja de Nossa Senhora da Vitória, matriz da vila, que foi remodelada

em 1749, por ser considerada modesta e pequena. Em 1785, foram iniciados novos

trabalhos de remodelação e aumento, que durou algumas décadas. Finalmente, em 1895,

esta restaurada e recebe a dignidade do titulo de catedral. Em 1904, passa por sua última

remodelação, feita pelo Bispo D. Fernando Monteiro, irmão do futuro governador

Jerônimo Monteiro. Sua localização se fazia bem próxima a atual catedral de Vitória, e

foi derrubada em 1918 para a construção da nova matriz.

A 18 de maio de 1918 a cidade recebe seu terceiro bispo: - Dom Benedito

Paulo Alves de Souza. Tal prelado, paulista, homem de hábitos elegantes,

sabidamente vaidoso, [...] estranhou a simplicidade do templo, embora este

já estivesse restaurado e devidamente aparelhado, assim foi que a 6 de julho

daquele ano, o Diário da manhã, [...] noticiava a demolição da Matriz,

esclarecendo que a planta da futura Catedral, que seria erigida no mesmo

local da primitiva, fora aprovada pelas autoridades competentes.18

17 Reproduzida de OLIVEIRA, op. Cit., p. 421. 18 ELTON, Elmo. Velhos Templos de Vitória e outros temas capixabas. Vitória : CEC, 1987, p. 26.

Page 11: História do Espírito Santo

Fig. 7 – Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória em 1908. Acervo do APEES.

Figura 8 – Interior da igreja Matriz de Vitória. Provavelmente ano de 1905. D. Fernando Monteiro já se

encontra Bispo de Vitória e manda remodelar a igreja em 1904. Arquivo BC/UFES. Coleção Mario

Aristides Freire.

Deve-se destacar que foi longo o tempo de construção da atual Catedral de Vitória,

entre 1920 e 1970; assim, entre 1920 e 1933, a Igreja de São Gonçalo, também

localizada na cidade alta, ficou como matriz da cidade.

Page 12: História do Espírito Santo

Figura 9 – Igreja de São Gonçalo, quando ainda se avistava sua plenitude, à partir de sua escadaria.

Autoria: Paes. 1936. Reproduzida do livro Biografia de uma ilha, Luis Serafim Derenzi.

A primeira planta da Catedral foi feita por Paulo Motta, autor também do Parque

Moscoso. A morosidade dos trabalhos, muitas vezes paralisados, só terminou quando

assumiu a Diocese Dom Luiz Scortegagna, em outubro de 1933. Provavelmente, é nessa

época que André Carloni assume os trabalhos da igreja e altera sua planta. A planta

inicial, que contava com nave única e simples e apenas uma torre central, foi alterada

para planta da nave em forma de cruz latina (o braço da área central é maior que os

outros três) e duas torres laterais. A inspiração do estilo neo-gótico foi mantida, até

porque essa era a orientação da Igreja Católica no Brasil, no sentido de formatar suas

catedrais.

Page 13: História do Espírito Santo

Fig. 10 – Catedral sendo construída nos fins dos anos 20, do século XX. Acervo APEES.

Figura 11 – Catedral em construção, em 1951, mas em funcionamento. Missa em comemoração ao 4º

centenário da cidade de Vitória, recebendo a imagem de Nossa Senhora da Penha, trazida do convento da

Penha em Vila Velha. Acervo BC/UFES.

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Figura 12 – Catedral já concluída, em 1975. Acervo do AGPMV.

A Vila de Vitória como Praça Fortificada

O acirramento das relações portuguesas com outras nações européias, principalmente

durante a União Ibérica na sua apropriação pela Espanha, fez com que as principais

construções da Vila, no século XVII e XVIII, estivessem ligadas a sua defesa. Os fortes

acabariam por delimitar os contornos da vila, pois ficavam nos pontos estratégicos e

extremos, voltados para o mar.

Assim, em 1648, foi construído o que se presume ser o primeiro forte da Ilha, o forte de

São João, por Dão João de Castello Branco. Esse forte fica localizado em frente ao Pão

de Açúcar, hoje Penedo, e no governo de Francisco Gil de Araujo foi reerguido.

Redificou o V. S. fortessimamente unindo a em hum só terrapleno, abrindo lhe mais torneiras pela parte do mar na muralha que acrescentou; e pela

parte da villa vai fechar o mesmo fortim em altura que cobre a escada que V.

S. lhe mandou fazer.19

19 Documento de 1862 do provedor Manoel de Moraes reproduzido em OLIVEIRA, Op. Cit., p. 168, Nota I.

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Page 15: História do Espírito Santo

Figura 13 – Planta e fachada da Fortaleza de São João. Arquivo da Diretoria de Obras e Fortificações do

Exército.

Figura 14 – Forte de São João, em 1860. Edificação simples, apenas um andar. Foto Victor Frond. Acervo

APEES.

O “fechamento” do forte junto à barreira natural do morro (hoje Forte de são João),

literalmente feito durante muitos séculos com larga e grossa corrente atravessada até o

Page 16: História do Espírito Santo

Penedo, funcionou como o delimitador leste da Villa da Victória. A partir dessa região,

as áreas da ilha eram consideradas rurais.

Fig. 15 – Forte de São João em 1902. Nota-se construção de um paredão ao lado direito, na parte de cima

do prédio original. 20

A Villa tinha precárias ligações com a fazenda de Jucutuquara, passando pelo Forte de

São João, como vemos na foto seguinte. A estrada ligando a Maruípe só começou a ser

construída em 1792.

Fig. 16 – Estrada do Forte de São João em 1905. 21

Em 1667, já existia a Fortaleza de Nossa Senhora do Carmo, construída nas vizinhanças

do porto dos padres, trecho hoje compreendido entre o prédio dos Correios e o Teatro

Glória.

20 Foto extraída do livro de LIMA Jr., Carlos Benevides. Era uma vez... Vitória – A memória da cidade em cartões postais enviados entre 1900 e 1960. Vitória: Multiplicidade, 2000. 21 Idem, ibid.

Page 17: História do Espírito Santo

Figura 17 – Recorte da Planta da Villa em 1767, mostrando em ponta, à esquerda, o forte de Nossa

Senhora do Carmo.

Figura 18 – Local do Forte do Carmo, onde se construiu, em 1871, o antigo mercado da capital. Hoje no

local o prédio dos Correios e Telégrafos. Livro “ Vitória – cidade presépio” de José Tatagiba.

Em 1693, registra-se na villa de Victória, o que seria o primeiro ouro encontrado no

Brasil, no Rio da Casca, afluente do rio Doce, e em território da capitania do Espírito

Santo. A história regional marca esse período, da exploração aurífera, como fator de

atraso de cem anos para a capitania, pois o nosso espaço geográfico teria sido usado

como barreira contra os desvios do ouro.

Page 18: História do Espírito Santo

Devemos considerar também, e não apenas isso, que a política da Coroa Portuguesa

para a área aurífera do sudeste, proibiu a abertura de estradas do Espírito Santo em

direção às minas de ouro e vice-versa, além de criar sua Capitania Real das Minas

Gerais, em 1720, com a maior parte das terras capixabas.

Desde o ano de 1704, através da Bahia, vinham ordens rigorosas de Portugal para que

não houvesse migração de capixabas em direção às minas, e que os que lá estivessem,

fossem recambiados à capitania.

A explicação tradicional da “barreira verde”, onde se atribuiu à dificuldade de

transposição da Serra do Mar e a resistência dos índios bravios toda responsabilidade

por termos ficado alijados da comercialização aurífera, não leva em consideração as

atitudes políticas da Coroa e, muito menos, os interesses das outras capitanias

envolvidas no comércio.

O “temor” da Coroa de que “quantos mais caminhos houver mais descaminhos haverá”

22, não se pautou, em nosso entender, por uma opção relacionada ao caminho mais

curto, que seria a Capitania do Espírito Santo e o porto natural de Vitória. Para isso,

basta levarmos em consideração as condições geográficas de São Paulo e Rio de

Janeiro, onde a Serra do Mar também presente e em extensão maior aumentava a

distância no embarque portuário do ouro, o que realmente ampliaria as oportunidades de

contrabando.

Racionalmente, o primeiro ouro descoberto na região, nos fins do século XVII, pelo

paulista Domingos José Arzão, na área conhecida como “Casa do Casca”, foi trazido

para registro pelo caminho mais fácil, na vila de Vitória.

A rigorosa proibição de comércio com as minas evidentemente prejudicou o Espírito

Santo, que não teve força política suficiente para bancar a participação e/ou a

manutenção do seu território, reflexo das ausências e/ou deficientes administrações dos

Capitães-Mores ou de seus Governadores23, e transformou a sede da capitania em uma

22 Frase do Conselho Ultramarino, que se tornou dogma para a opção por um e apenas um caminho, para a comercialização do ouro no Brasil. 23 MARTINS, Janes De Biase. A Cidade Reconstruída (capítulo III) IN VASCONCELLOS, João Gualberto M. (org.). Vitória – Trajetórias de uma cidade. Vitória: IHGES, 1993, p. 64 e 65.

Page 19: História do Espírito Santo

praça de guerra, com investimentos apenas na área militar. O desenvolvimento da Vila

de Vitória foi comprometido, pois a sujeição do Espírito Santo ao governo da Bahia,

como capitania subordinada, inibiu as funções político-administrativas e culturais da

sede.

De qualquer maneira, podemos perceber a importância da área de Vitória, pois foi ela a

receber a maior parte dos investimentos na área militar, que vieram para a capitania no

século XVIII.

No ano de 1726, o vice-rei, conde de Sabugosa, contratou o engenheiro Nicolau de

Abreu Carvalho para remodelar e construir mais fortificações. Remodelou entre outras

as de São João, ampliando e melhorando a reforma que se tinha feito em 1702, por

ordem de D. Rodrigo da Costa24; o de Nossa Senhora do Monte do Carmo, que recebeu

casa de pólvora25; construiu a de São Mauricio, ou São Inácio, dentro da vila na marinha

da cidade26, em frente ao porto dos Padres; São Thiago, que passou a se chamar São

Diogo, localizada hoje onde se encontra a escadaria de mesmo nome, que liga os fundos

da Catedral Metropolitana a Praça Costa Pereira.

Em 1728, Vitória contava com aproximadamente 5.000 moradores, tidos como pobres e

sem atividades comerciais de destaque 27, mas a cidade continuava a modelar seu espaço

urbano.

As ordens religiosas concluíram seus edifícios, durante esse século, e as modificações

posteriores, pelo menos até o fim do século XIX, não alteraram, com profundidade, suas

estruturas.

A sede dos jesuítas, denominada nessa época como o conjunto do Colégio de Santiago e

a Igreja de São Maurício, recebem obras que garantem a estabilidade da construção e

Devemos ressaltar que a bibliografia citada é uma das únicas que analisa a não participação do Espírito Santo na exploração aurífera como uma questão política; sendo que a maior parte da bibliografia existente, inclusive os livros didáticos de história, reproduz a tese da “barreira verde”. 24 Nessa época D. Rodrigo era Governador Geral do Brasil e foi o mesmo quem mandou a placa comemorativa que foi ali instalada. 25 Construído próximo a Praça 8 de setembro onde hoje se encontra o prédio dos Correios. 26 No que seria hoje o encontro das Ruas General Osório e Nestor Gomes. 27 OLIVEIRA, Op. Cit., p. 189 e 190.

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Page 20: História do Espírito Santo

sua ampliação. O Colégio, em 1742, ganha uma ampla enfermaria e, em 1747,

construiu-se ala contígua a Igreja, contemplando a quadra majestosa do prédio dos

jesuítas.

O Colégio prestou os mais relevantes serviços, não só à instrução, como à

saúde e à subsistência do povo de Vitória, em épocas sucessivas. Foi

hospital nas epidemias, foi distribuidor de panos e víveres nas secas e

calamidades, foi centro cívico de pregação e conselhos aos colonos, quando

desavindos com as autoridades enfraquecidas. 28

Quando foram expulsos do Brasil, pela política pombalina, em 1760, suas propriedades

ficaram em posse do governo e muitas foram a leilão público.

O Colégio foi ocupado pelo governo local, e assim esta até nossos dias. O palácio

Anchieta, nome que o colégio recebeu no século XIX em homenagem ao padre jesuíta,

é considerado o prédio mais antigo de ocupação governamental do país.

Figura 20 – Colégio de São Tiago, como chegou ao século XX, ainda com sua entrada principal voltada

para a Praça João Clímaco, com apenas dois andares e sua monumental igreja.

28 DERENZI, Luiz Serafim. Biografia de uma Ilha. Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1965, p. 92.

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Page 21: História do Espírito Santo

Figura 21 – Palácio do Governo em 1905. Acervo APEES.

O Convento de São Francisco, mais antiga sede dos franciscanos no sul e sudeste do

Brasil, e primeiro noviciado dessa área, conclui as obras iniciadas nos anos seiscentos.

Em 1737, está instalado o chafariz, construído com canos de ferro. Formavam um ramal

à partir do aqueduto, que trazia água da Fonte Grande para a cozinha do Convento. Foi

a primeira construção na Vila a ter água encanada, 1643, numa iniciativa do Frei Paulo

de Santo Antônio. Em 1744, com a colocação do cruzeiro, que hoje infelizmente não

existe mais, murou-se a ladeira de acesso a portaria, que era fronteira ao Convento.

Fig. 22 – Convento de São Francisco em 1902. Acervo APEES.

Page 22: História do Espírito Santo

Em 1755, construiu-se, no antigo largo da Conceição, atual Praça Costa Pereira, a igreja

de Nossa Senhora da Conceição da Prainha, concedida pelo Bispo da Bahia ao Ajudante

militar Dionísio Francisco Frade, em Provisão datada de 22 de Janeiro do mesmo ano.

O Bispado da Bahia, ao qual éramos submetidos, cuidava das questões religiosas,

depois que os jesuítas foram expulsos em 1760. No século XVIII, ficamos sob os

cuidados do Bispado do Rio de Janeiro.

Dionísio Francisco Frade teve que lutar com os moradores, que se achavam

estabelecidos nos arredores do lugar, em conseqüência de um córrego que passava por

detrás da igreja e que ele pretendia tapar para poder fazer essa edificação. O mar nessa

época chegava perto da Capela formando uma pequena praia, de onde penetrava pelo

canal chamado Reguinho, cercado de mangues que tomavam a antiga Rua do Piolho e

iam até os Pelames; as marés batiam então à beira da antiga fortaleza de São Diogo. 29

Figura 24 – Esquina da Rua Sete de Setembro com Graciano Neves. O prédio ao centro, com três andares,

é o Hotel Império, onde se localizava a Igreja de Nossa Senhora da Conceição da praia. A sua esquerda, à

frente, uma pedreira onde foi construída a escadaria de São Diogo, lugar do antigo forte. Acervo

BC/UFES.

29 DAEMON, Op. Cit., p. 300.

Page 23: História do Espírito Santo

No ano de 1765, com beneficio de provisão do Bispado da Bahia, datada de 14 de

setembro, foi levantada na vila da Vitória a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos

Pretos, a requerimento de uma Irmandade instituída por pretos, devotos da Santa, no

morro do Pernambuco. Atualmente a Igreja situa-se na Rua do Rosário, com acesso pela

grande escadaria do mesmo nome, atrás do Teatro Carlos Gomes.

Fig. 25 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos com a saída da procissão de São Benedito. 26 de dezembro de 1975. Acervo particular.

Fig. 26 – A Igreja do Rosário na atualidade. 2005.

Page 24: História do Espírito Santo

Em 1768, novas providências são tomadas no aumento do efetivo militar e construção

da Fortificação da Ilha do Boi e reforma das da Barra de Vitória. Para esse trabalho foi

contratado o engenheiro José Antonio Caldas que deixa rico relato sobre a capitania, de

como a viu em 1767, além um precioso mapa da Ilha de Vitória, abaixo reproduzido

juntamente com o perfil da ilha, desenhado por ele.

Fig. 27 – Planta da Villa da Victória feita por Caldas em 1767. 30

Fig. 28 – Prospecto da Vila de Vitória desenhado por Caldas em 1767. 31

30 Reproduzida de REIS, Nestor Goulart, Op. Cit., p. 149. 31 Reproduzido de REIS, Op. Cit., p. 148.

Page 25: História do Espírito Santo

Nesse tempo o traçado da cidade se ampliava partindo do núcleo central da cidade alta

em direção a parte baixa e as ruas eram estreitas e tortuosas. Podemos marcar como as

principais vias de comunicação da época as Ruas Duque de Caxias, Maria Ortiz, Prof.

Azambuja, José Marcelino e Ladeira da Misericórdia.

A descrição feita por Derenzi é planta mental da segunda metade do século XVIII, e

descreve a vila com perfeição.

Na segunda metade do século XVIII, a capital do Espírito Santo, vista do

continente, tem belo aspecto paisagístico. Lembra pequeno feudo medieval, encastelado nas grimpas das montanhas a se espalhar em águas tranqüilas de

um lago. O casario, nascido do mar, entremeia-se com restos da vegetação

nativa e morre em torno do “Colégio” e da Matriz [na área da atual catedral].

[...] A cidade alta está toda dividida em quarteirões irregulares. O principal,

pela sua posição, é o dos jesuítas, com o colégio e a Igreja de Santiago, cuja

fachada se volta para o Largo Afonso Brás [atual Praça João Clímaco],

fronteira a Igreja da Misericórdia, hoje Assembléia Legislativa [ o texto é de

1965]. [...] Os franciscanos [...] Descendo à esquerda e pelos fundos,

comunicavam-se com as marinhas [da área] do Parque Moscoso e iam ao

sopé do morro, agregando toda a parte do antigo quartel de polícia [...] [

atualmente Praça Misael Pena e SENAI, área da antiga Rodoviária de

Vitória e Corpo de Bombeiros] O quarteirão da Igreja de São Gonçalo tem praticamente o mesmo contorno atual. A matriz, hoje Catedral, está

engastada, pelos fundos, numa área fechada. [ Hoje acesso a escadaria da

catedral e Rua José Marcelino] [...] Os nomes dos logradouros, à época, são

os seguintes: Largos – Padre Inácio [ atual área da escadaria Bárbara

Lindemberg e parte fronteira], Afonso Brás e da Matriz. Ruas Grande

[principal rua da cidade na época e atual rua José Marcelino], do Beco [

paralela a Rua Grande, era artéria estreitíssima e foi extinta no governo

Florentino Avidos com as obras da Praça da Catedral – era a antiga zona do

meretrício], da Matriz [ atual rua Pedro Palácios que nesse tempo tinha duas

denominações: do Colégio de São Thiago até a escadaria Maria Ortiz se

chamava Pedro Palácios e daí a catedral, Domingos Martins], das Flores [atual Dionísio Rezendo, que liga a cidade alta a Praça Costa Pereira,

passando pelos fundos do antigo Hotel Magestic. Na segunda metade do

século XIX, segundo Derenzi, era logradouro famosos com residências

nobres, na maioria sobrados com jardins opulentos e floridos de papoulas,

graxas, crotons de cores variadas] i, São Francisco [ ligação entre o

Convento de São Francisco e a cidade alta, desembocando no “quarto de

queijo”, esquina ao lado da Capela de Santa Luzia]ii, Capelinha [atual Muniz

Freire], Cais de São Francisco [ na área alagada do antigo Cais que servia ao

convento Franciscano, iniciando-se na parte de trás do parque Moscoso, na

praça Misael Pena]. iii [...] A parte baixa, toda em poligonal zigzagueante,

recebia os seguintes nomes , caminhando-se do Parque Moscoso para o

“Saldanha” de hoje: Lapa das Pedras, Cais de São Francisco, Porto dos Padres, Cais do Padre Inácio ou das Colunas, Cais do Batalha (praça 8),

forte Nossa senhora do Carmo, Cais do Santíssimo (Cine Glória), Rua do

Ouvidor (Duque de Caxias). As casas da Rua do Ouvidor, lado de baixo,

davam fundos para o mar.32

32 DERENZI, Op. Cit., p. 95,96 e 97.

Page 26: História do Espírito Santo

Ao mesmo tempo, contradizendo o aspecto de decadência e atraso, Saint-Hilaire citando

a obra do poeta inglês Robert Southey, intitulada “History of Brazil”, relatava que “ por

volta da metade do século 18, [Vitória] era considerada uma das principais cidades da

América portuguesa pela importância do trabalho dos inacianos aqui”, e considerou que

a expulsão dos jesuítas, em 1760, foi o principal fator da decadência que se

estabeleceria na província, já que a maior parte da população era formada por índios e

esses, após a expulsão daqueles que os protegiam, se evadiram e abandonaram o

trabalho regrado. 33

O crescimento da cidade de Vitória, no final do século XVIII, acompanha os de outras

cidades no Brasil, principalmente aquelas que não foram beneficiadas pela exploração

aurífera. Sobrados e casas térreas feitas de taipa portuguesa, ou pilão, adornavam as

ruelas estreitas e tortuosas, herança européia e que dificultava as invasões estrangeiras e

dos nacionais indígenas, facilitando a defesa da Vila.

Em 1790, a população da vila é de 7.225 habitantes sendo 4.898 escravos, o que

equivalia a 67,5% da população da capital. Esse número expressivo de escravos, que

valiam até 800$000 ( oitocentos mil reis), demonstra que existem fortunas significativas

na cidade de Vitória, pois possuí-los demanda capital.

[...] Posse de escravo era sempre indicio de prosperidade. Assim, no fim do

século dezoito, a cidade é pobre iv mas a população remediada. Importam-se mercadorias no valor de 21:267$840 [contos de reis], e exportam-se

45:668$480, saldo belíssimo , senão em valor, em percentagem altamente

abonadora. A maior parcela de importados é de tecidos: 18:113$920,

representada por durguetes, bretanhas de França e Hamburgo, panos de

linho, cambraias e sedas. Segue-se o sal, monopólio da Coroa, [...]; e o

vinho a 76$800 a pipa, num total de [...] 16 pipas, [..]. 34

Interessante é a explicação dada por Derenzi, para esse final do século XVIII, para falta

de recursos da vila em administrar suas despesas com o desenvolvimento urbano.

A Câmara não tem patrimônio nem rendas. Para se atender às pequenas

despesas de reparo de calçadas ou das fontes, finta-se o povo, isto é, rateia-

se o custo pelos moradores. A falta de patrimônio do município de Vitória

33 SAINT-HILAIRE, Op. Cit., p.9. 34 DERENZI, Op. Cit., p. 116.

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Page 27: História do Espírito Santo

origina-se da sua fundação irregular. A Ilha de Santo Antônio foi doada,

pelo donatário da capitania, ao ambicioso Duarte de Lemos. A carta de

doação veda-lhe a faculdade de fundar povoado ou vila. Vitória, como célula

urbana, não teve origem legal, por isso não recebeu as clássicas léguas de

terra para seu patrimônio. Ficou sem receita de foros ou arrendamento. A

expansão de sua área se fêz por compra, desapropriação ou doação do

estado. Essa lacuna trouxe ao município prejuízos incalculáveis, que

perduram até nossos dias. 35

A obra citada acima foi publicada em 1965, o que equivale dizer que o problema

suscitado permaneceu até o contemporâneo da cidade, merecendo um estudo mais

detalhado para que possamos realmente auferir os prejuízos trazidos por essa situação,

criada na transferência da sede da capitania para ilha de Vitória. v

i Elmo Elton se referindo a denominação de Rua das Flores credita o nome desta as três

filhas do físico-mor João Antonio Pientznauer, Gertrudes, Ana e Joaquina, consideradas

as moças mais bonitas da Ilha e chamadas de “flores da Ilha”. Ai também residiu a

família de Domingos Martins, por isso encontramos a rua com esse nome antes da

denominação de das Flores. No século XIX, uma das moradoras mais famosas da ilha, a

pitonisa Vitória-Bibi, era moradora dessa rua. Vitória-Bibi preparava o “arroz do

Sacramento”, arroz doce (tradição da culinária capixaba), vendido às quintas-feiras e

que combatia mau olhado e qualquer espécie de feitiço. Vizinha de frente da pitonisa e

sua rival, Chica do Diabo tinha fama de “pata”, como eram conhecidas as bruxas e/ou

feiticeiras da ilha. Segundo as lendas, as Patas eram uma das filhas de casais que

possuíam sete filhas e nenhum varão ou toda menina que fosse sétima filha nascida e

não fosse batizada pelo irmão primogênito. Nessa rua morou um dos médicos mais

famosos de Vitória, Dr. Eduardo Chapot Prevost. Esse realizou, a 30 de maio de 1900, a

operação de duas meninas xipófagas, nascidas em Baixo Guandu, recebendo

reconhecimento nacional e internacional.

ii Nessa rua, segundo a tradição oral, já morou o donatário Vasco Fernandes Coutinho,

em casa no local denominado “quarto de queijo”. A Rua começava ao pé do grande

cruzeiro de pedra lavrada, onde se iniciava a ladeira de acesso ao convento franciscano

e onde se reinstalou, em 13 de maio de 1856, chafariz público com água vinda da Fonte

Grande trazida pelo aqueduto do convento. No inicio do século XX os antigos sobrados

foram substituídos por casas de um andar, todas iguais, para os servidores do estado.

iii Ai chegava um braço de mar antes do aterro do parque Moscoso, onde atracavam

catraias e barcos trazendo produção do interior como bananas, frutas em geral, café,

farinha, rapadura, material de construção, lenha e carvão. Atendia principalmente o

35 Idem, ibid.

Page 28: História do Espírito Santo

convento dos franciscanos, daí seu nome. Foi nesse cais que desembarcou os restos

mortais de Frei Pedro Palácios e suas relíquias quando trasladado de Vila Velha para cá.

iv Com certeza Derenzi faz essa analise baseando-se no aspecto urbanístico da Ilha,

como já comentamos.

v Tal problema foi ressuscitado em 2005 quando se discutia a cobrança das taxas de

marinha sobre os imóveis da ilha, sem que aprofundássemos o assunto na ocasião,

ficando a questão a cargo da justiça.