humanity tessituras

63

Upload: mara-bombo

Post on 31-Mar-2016

226 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

poesias na língua inglesa de Silvia Oliveira com parelhamento do Poeta Irineu Volpato

TRANSCRIPT

Humanity Tessituras

- poemas de sílvia oliveira

parelhamento

em língua nacional de irineu volpato

renard

3

Direitos Autorais Reservados O961P

Humanity/Tessituras, poesia, 2012, Piracicaba - SP OLIVEIRA, Sílvia

- Parelhamento dos poemas em língua nacional por Irineu Volpato

- Comentários de Carla Ceres Cleber Pacheco

Hugo Pontes e John Gardiner

RENARD Ediç. 63 p. 20.5 cm

1. Literatura Brasileira 1.Título

CDD:968.615

Foto da Capa - I. Volpato

Tipos : Arial/Bradley Hand ITC/Gigi/Georgia/ Times New Roman

Papeis - Capa cartão 240

Miolo - Pólen 80

4

sempre haverá um verão

na desistência do inverno i.v.

“ I am the master-piece that I need to paint with colours that will never faint

and from the palette of my possibilities I choose the brightest dreams

of all humanity…”

(Angelika Otten)

5

6

HUMANITY

There will be some rain on arid lands

of minds and hearts…

A little more splendor there will be

on those stars of circumspect eyes…

There will be the some breeze

tonight as well as a tree

longing for a windy kiss…

When hands shake hands and eyes meet eyes,

and when people are linked with other peoples

there will be in the world some mystery, some peace - a sentiment of humanity…

7

HUMANIDADE

Há de cair chuva nas áridas terras

de corações e almas

um maior esplendor acontecerá nas estrelas

e seus circunspectos olhares

há de vir uma brisa esta noite

jeitinho que as plantas esperam dum beijo

quando mãos tocarem outras mãos

olhos encontrarem outros olhos quando um povo

se congregar a outro povo acontecerá neste mundo

esse mistério essa paz - apenasmente humanos

8

FULL MOON

Someday we´ll sit under the full moon together and nestled by a breeze that will be blowing gently all over… Then hands and eyes will finally meet to the nature wonders acknowledge when under the moon someday we sit...

9

LUA CHEIA Algum dia descansaremos sob luar de lua cheia juntinhos aninhados em brisa que soprará deliciamente em tudo enquanto nossas mãos e olhos finalmente se encontrarem para reconhecer nossos espantos naturais - isso quando um dia pudermos descansar sob luar da lua cheia

10

ADDICT Have become kind of addicted to your caress cased in words and attractive poems Type of a good catching ill you that´s lodged in my core and inner home with a view to be cured less and less

11

VÍCIO Arranjei um modo de viciar-me às carícias somadas de frases de amoráveis poemas - você que conseguiu fincar em meu imo nesse inteiro meu dentro feito um estado que me proíbo curar sem e nem...

12

4:15 A quarter past four in a tiresome afternoon. This fanciful life of ours whose struggles are for nothing in a world of effects and pure illusions. This is not a world… This is only a dream…

13

4:15

4:15 em tédio de ½ tarde essa fantástica vida nossa de lutas brigadas por nada de soma sem resultados o que há além da ilusão ? isto se - sei lá se isso é o mundo ou apenasmente outro sonho

14

CHANCE Cold our hands will never be - so linked they´d been a day… into a dimension wide and singular a suitable chance we´d both had one: not just a question of simple lust, but something called love, I wonder ? Early in the morning the bright sun, some starry night to remember… all in my mind as pictures they appear, right in my time how exact they are ! No need to ask the reason why - just that a heart will remain aglow.

15

CHANCE Nossas mãos frias nunca uma vez se encontraram fosse na dimensão do todo ou nessa nossa singular tivemos ambos a chance nem mais é questão de mera luxúria e sim algo chamado afeto - assim penso de manhã cedo sempre brilha outro sol como há uma noite estrelada a lembrar guardo esses quadros tecidos na alma sempre exatos em todo meu tempo não careço perguntar a razão do porquê exatamente porque meu coração consegue-se durando

16

DESERT

(Mohave Desert, or any other)

A fair view of black, brown, yellow

mountains. White, grey, dark

clouds. Some green, some glass

in some parts. Sometimes

some shades, some lights… Sand and sun

mostly everywhere. A sad and glad

skyline

___________________________________

17

DESERTO

(qualquer deles)

Aquela festiva visão em preto marrom amarelo

- as montanhas

branco cinza emburrado nas nuvens

algum verde umas gramas

...num campo qualquer

às vezes umas sombras umas luzes...

sol e areia tecendo tudo de triste

num quase de alegre paisagem

18

WAITING LOOK

Cold feet in a cloudy dawn floating over towns shattered by war and pain. In the midst of gray black children white children a waiting look of innocent eyes. Cold bones ageless thin and mutilated bodies on the ground without any bloom.

19

OLHAR DE ESPERANDO Pés frios na aurora sobrenadando a cidade estraçalhada de guerra e dor entre cinzas negras crianças crianças brancas de olhar inocente olhos de espera ossos frios sem idade magros corpos mutilados pelo chão ...daquilo que inda sobra de espera

20

SENSATIONS Cold noisy night every notion seems to vanish... I feel like a dubious butterfly searching for what sky ? Candle ritual is now over. An imaginary rooster will soon wake me up, and I am afraid to become its lonely sprite… Small drops of wine on the blanket - some fondness remains scratching my heart and noticing emptiness… and all of a sudden two forgotten bowler hats - unsuspicious time of suspended function until I wonder…

21

SENSAÇÕES

Ruído de noite fria ideia alguma querendo se sustentar me sinto esvoaçar borboletas catando por seu espaço de céu vela alguma ritual nem mais insiste um galo imaginado acorda-me cedo - o que me apavora é tornar-me como ele essa existência de só gotas de vinho maculam a coberta antigo afeto resiste arranhando-me por dentro rasgando meu vago repente ressurgem esquecidos dois chapéus-coco dum tempo qualquer assim essas incertas certezas que eu amaria reviver

22

PRESENT LEGACY Half past midnight and I know of stars shining outside… and if by a reason I just die tonight I´ll have then left - tears on the pillow unreached dreams the most fraction of a myself un- done

23

O QUE SOBROU DO PRESENTE

Mal passou da ½ noite ½ hora sei que estrelas andam brilhando lá fora se por qualquer razão eu desaparecer esta noite largarei ao acaso lágrimas no travesseiro sonhos desencontrados e a mais parte de mim des/feita

24

LOVESICK I still house that virus (you) in me that has slowed me down on daydreams that has joined my whole blood that has driven me kind of tipsy… In the wee hours the virus has woken me up. Very early in the morning it has showed up. At noon safe and sound it suddenly appears ! Mostly at night it´s there to remind me it´s present and powerful.

No need to - I´ve been already taken by its invisible-tangible presence - its virulence is so attractive that I´ve simply abandoned myself to its comprehensive catching charm…

25

SOFRENDO DE AMOR Anda fincado em mim um vírus - você que me acorda nos dias de sonhos invade todo meu sangue quase largando-me bêbado na madrugada esse vírus vem me acordar bem cedo e quando próxima é a manhã ele se aconteceu no ½ dia são e salvo especial ele aparece noite alta torna pra me lembrar que continua presente e forte não preciso mais conhecer sua invisível tangível presença sua virulência atrai-me tanto que simplesmente perdi-me em seu contagiante feitiço

26

OSCULATION To blow a butterfly by touching lips to you - a peck, a smack, a smooch, a caress, a salute, such a tender endearment - hug and coo… A sweet embrace, a kiss, things in a long time missed… To glance, to graze, to greet your eyes, your cheeks, your lips - feelings that make someone flare and heat !

27

BEIJOS Para beijar borboletas toque seus lábios roçando numa carícia a saudar a carinhosa conquista como um abraço um arrulho dum doce encontro de beijos coisas há tanto perdidas - tocar roçar saudar os olhos as faces os lábios sensação de que se está a criar chama e calor

28

SCENT OF A MOMENT Mom was watering the plants, there was a breeze that day. I wondered at some ants walking along the wall… Looked at the time - midday - all fine, no words to say.

29

PERFUME DO MOMENTO Mãe ia regando as plantas havia brisa no dia me encantavam as formigas trepando a banda do muro contei o tempo - ½ dia que palavras inda sobravam dizer ?

30

MOTHER EARTH PATCHA MAMA

a net web womb the earth as a unit

the great and universal mãe mama mother mamá of us all and everything… her linking being is magic perfect exact and complete and it has to do with you with me with everyone

everywhere - for we are cells - tiny but infinite parts of a vast body with a feminine face named Mother Earth

31

UMA TEIA ENREDA O ÚTERO

a terra como unidade é a imensa e universal

mãe mama mother mamá de todos e de cada um

seu jeito de nos atar tão mágico simplesmente perfeito e completo

é como ela faz com você comigo com cada um

onde quer-que - nós que somos células - minúsculas mas infinitas

partes do mesmo envoltório guardamos a feminina cara

desta dita Mãe Terra

32

VELVET BLACK ROSES Unusual view of Paradise: part of the Eden Garden, our primary home since the everlasting beginning. For a lapse I am standing here to deepen into the sap and from that soft state come to the very essence of being roses upon The One´s Ground.

33

ROSAS DE NEGRO VELUDO

Outra visão do Paraíso em certo canto do Éden - essa nossa primeva morada desde que tudo principiou consistindo acaso estamos aqui mergulhados em seiva e a partir desse estágio ganhamos dom de ser rosas nesses campos do Uno Superno ?

34

PLANE TREE Some sadness aged in the dense hour - magical astonishment of a new time. The fact of going ahead agelessly dries up the sap, projects colors - coppery nuances in both right and close symmetries. The time for being around in circles reminding pointers carrying hours blowing lives autumning leaves...

35

PLÁTANO

Certa tristeza se envelha no denso da hora em mágico assombro dum tempo que inova no fato do tempo prosseguir - se desoras - seca a seiva impõe em suas cores brônzeas nuances por ambos os lados das folhas simetricamente tempo de se mudando vai rodando seu círculo lembrando ponteiros que empurram as horas que sopram a vida outonam as folhas

36

EVER EVER LAND There where a breeze before a tempest is felt differently. When the storm is brewing the color is light and threat means nothing but blessing. What is that land like ? Who has ever seen that place in time ? Why has it been from one´s eyes and souls for so long hidden ? - That, the ever ever land of bliss.

37

TERRA DO SEMPRE

Lá onde a brisa antecede a tempestade acontecem esses diferentes quando o vendaval vem se formando primeiro brilho nem parece uma ameaça sim uma bênção chegando que terra é esta quem já viu esse lugar uma vez ? que aconteceu nesse ontem-ontem tempo que anda escondendo seu sempre nessa terra de felicidade ?

38

LOW HUMIDITY 40 days and no rain. Not a drop to wash the dryness of leaves and lips, and clean the atmosphere of a heavy life. Not a drop to blow the dust of a forgotten heart, and refresh air and grass not a drop. No rain at all…shame… a single drop would do to make me look into your eyes and say - I love you.

39

TAXA DE HUMIDADE 40 dias não chove gota alguma umedece o seco das folhas dos lábios e limpa a atmosfera dessa inana pesada nenhuma gota para soprar a poeira dum coração desdeixado a refrescar ar e relva gota nenhuma chuva alguma sequer uma simples gota ajudara para obrigar-me olhar dentro esses seus olhos e dizer - te amo

40

“DESCOMPASSO” summer that looks autumn even the winter sometimes January that feels more like May or June water tastes just the floods and nature seems out of tune out of order weather sounds everywhere you look around

41

DESCOMPASSO

Verão que se veste às vezes de outono e quantas parece-se inverno essa sensação de janeiro que mais lembra maio em junho essas águas com sabor de enchente - onde encontrar a sintonia das coisas ? o tempo se desenha inteiro fractado por todo lado que se olhe

42

YOUR NAME IS A SONG YOUR NAME IS A BIRD Your name is a song Upon my lips that sounds like two hearts to soon be sung just beating as one your name is a bird Your name is a song upon my lips Your name is a bird inside my soul Crying for the dawn Your name is a song flying the skies to soon be perched your name is a bird inside my soul

43

SEU NOME É UM SOM UM PÁSSARO É SEU NOME Seu nome é um som como dois corações que entoam compassos num só toando sobre meus lábios parece estar cantando que seu nome é um passarinho

seu nome é um som sobre meus lábios seu nome é um passarinho em mim

ansiando a madrugada varando esses céus seu nome é um passarinho seu nome é um som que há tempo fincou-se em mim

44

WHEN THE WILD WIND BLOWS… Time to go seeking another scenery now. A challenging unusual view of a different landscape which amazes one… When a wild wind blows in the middle of the way, towards the comfort of a home so near, so far away then it comes the time to face fear. Upon the skies of innocence when the wind blows tempestly in the wee hours of a soul it is high time to go seeking…

45

QUANDO VENTO FEROZ VIER SOPRAR

Tempo de se ir procurar outro cenário agora mudando a visão de outrora por diferente paisagem que surpreenda esta daí quando vento sopra feroz seja em meio da estrada ou no recesso do lar pouco importa se longe ou perto é hora de teimar o medo sobre o céu da inocência quando vento tempesta na alvorada da alma é tempo de ir se achar

46

SUGAR MILL The old sugar mill the sharp and silent eye witness of a passion love crime

47

MOENDA DE CANA

O velho engenho de cana testemunho silente d´olhar que arquiteta o crime em paixão

48

DIAMONDS

For Eduardo Bissi, my student and great friend, who left this world

prematurely, on August 22, 2010 Eager to share Diamonds with you Umpteen times Ages ago Reasons at all Dragons of colors Over the rainbow

49

Ávida em compartilhar diamantes com você inúmeras vezes o tempo foi curto motivos de sempre e hoje dragões coloreiam o curvar do arco-íris

50

PALMY DAYS I am looking forward to palmy days - it is not fair the “ball and chain” this insane way of living life… I need to leave the door ajar in order to let the air come in. Palmy days I am looking for…

51

PRÓSPEROS DIAS Suponha que ali adiante o dia é de prosperidade nem exatamente aquele de galés nos pés no insensato caminho de vivendo a vida sempre deixe mei/aberta a porta a fim de que a brisa que vem nela passe dias prósperos - me ando-lhes à espera

52

WISH UPON A STAR A wistful heart is mine tonight - shame, for the night is starry and the air is stained with so soft fairies… even the forebears´ bones seem able to share the same fair wishes with the saddest tones… To wish upon a star - a shooting merry star - the only way I guess to show how much I care… The only way to try to cheer this life again for now and ever more for both you and I…

53

ANDO ESPERANDO UMA ESTRELA Meu coração está pesado esta noite pena - para uma noite estrelada e o ar salpicado de vultos como se fadas vagando... mesmo os fantasmas parecem querer dividir os lumiados desejos com esses melancólicos tons ando esperando uma estrela uma alegre estrela cadente único modo que espero mostre o que me importa único modo a tentar animar esta vida outra vez agora e para sempre a gente se ter - tu e eu

54

NEAR DISTANCE What is the distance between the near and the far away ? between the cloudy and the sunny day ? - none, when the longing comes make a trip inside the soul. It comes to stay this longing-pain to have you here to warm the cold to hear the rain… This willing-pain then comes to stay to stop a tear to mend a heart to help a friend. What is the distance ? - steps at all when there is longing when there is will where there is you !

55

A DISTÂNCIA ALI MESMO Qual a distância entre aqui e o longe ? entre o nublado e o dia ensolarado ? nenhuma - pode até que o desejo de saudade venha inventar viagem por dentro da gente acontece de - querer essa saudade de manter você aqui de aquecer o que anda frio de ouvir se está chovendo ah mania essa de dor que põe tudo dizer interrompe até a lágrima quer remendar nossa alma mesmo ajudar um amigo qual a distância que nos separa de tanto quando o ali se medeia num sonho inacessível quando ali só sobra vontade quando ali é esse você ?

56

Paralelo sem Tradução

Carla Ceres Segundo Robert Frost, “poesia é o que se perde na tradução”. De fato, na poesia, a linguagem atinge seu máximo grau de complexidade. O poeta utiliza, simultaneamente, vários recursos interligados que só fazem sentido e tem graciosidade no idioma original. E, por falar em sentido, convém lembrar que poemas possuem mais de um nível de significação. O tradutor precisa decidir quais desses recursos manter e quais significados evidenciar. É inevitável que algo do original se perca, mesmo que as línguas sejam semelhantes. Por isso os melhores tradutores de poesia costumam ser também poetas que fazem uma recriação do original. Tornam-se quase coautores. No caso deste “Humanity/Tessituras”, os leitores que souberem inglês podem assumir uma coautoria efêmera, fazendo uma rápida tradução mental dos poemas de Sílvia Oliveira. Digo isso porque no “parelhamento” de Irineu Volpato não se pretende uma tradução propriamente dita. São poemas paralelos, falam dos mesmos assuntos, mas Irineu os torna totalmente seus. Enquanto Sílvia tem o mérito da originalidade da língua inglesa, Irineu não se limita a criar um reflexo do seu trabalho, apresenta-nos uma obra gêmea, tão diferente, semelhante e independente quanto os gêmeos podem ser. Os versos de Sílvia, tanto em inglês quanto em português, encantam-me há décadas. Sutis e delicados, refletem a cultura dessa poetisa viajante que, por nossa sorte, resolveu ficar por aqui um tempinho e lançar esse livro em companhia do genial Irineu. Não sou suspeita ao falar desses dois. Sou fã mesmo.

57

AS INCERTEZAS DO TEMPO

Cleber Pacheco

Uma poesia calcada no Tempo como a instância determinante e definidora de todo o existir humano é o que encontramos na poesia de Sílvia Oliveira no livro HUMANITY-TESSITURAS, edição bilíngue traduzida pelo poeta Irineu Volpato. Em torno desta questão giram os demais temais abordados pela poeta: o amor, o humano, o mundo. Ou seja, o tempo regula todas as experiências vividas, embora de diverso modo, trazendo consequências a cada uma delas. Uma destas experiências é a relação amorosa, abordada em muitos poemas. Dividida entre os opostos Encontro e Desencontro, Presença e Ausência, Alegria e Melancolia, revela, à medida da leitura, onde se encontra a causa desta dualidade conflituosa: a brevidade do encontro amoroso, o desejo de prolongá-lo, usufruí-lo, prorrogá-lo o máximo possível, estendendo o contato entre amante e amado. A separação traz sofrimento. Há um intenso desejo de suspender o tempo indefinidamente para que o contato amoroso permaneça trazendo bem-estar e realização, sempre adiada e incompleta porque breve. Frustração, angústia, ansiedade vêm a seguir, uma vez que o amor, ao invés de ser fonte de realização, reforça o sentimento de incompletude ou solidão. A irreversibilidade e fugacidade temporais adiam a plenitude prometida pelo amor, que almeja a presença permanente do outro para satisfazer-se e realizar-se. Por outro lado, a própria brevidade é suficiente para tornar inesquecível o encontro, como um vírus altamente contagioso do qual é impossível libertar-se. Quanto mais fugaz é, mais marcante se torna:

não preciso mais conhecer sua invisível tangível presença sua virulência atrai-me tanto que simplesmente perdi-me em seu contagiante feitiço

O amor acaba por transformar-se em doença e até mesmo vício, dos quais o poeta não pretende se curar, antes muito pelo contrário, quer experimentar cada vez mais:

Arranjei um modo de viciar-me às carícias

somadas de frases de amoráveis poemas

- você Este viés da experiência amorosa está muito mais para o ponto de vista de Stendhal a respeito do tema do que a concepção platônica. Para este último, o amor busca a beleza, o sublime, aproximando o homem dos deuses. Para o primeiro, “o amor é a mais forte das paixões ” (Do Amor, p. 12), provocando a tentativa de aumentar os prazeres que ele proporciona. Intensifica, também, o sofrimento. E, se faz isto, incita-nos ao sentimento de fraternidade, de solidariedade com a dor dos demais seres. Permeando Sofrimento e Fraternidade está a Espera, fruto, mais uma vez, do tempo, como no poema Humanidade - virá a chuva, o esplendor das estrelas, a brisa e ainda:

Quando mãos tocarem outras mãos olhos encontrarem outros olhos

quando um povo se congregar a outro povo acontecerá neste mundo

esse mistério essa paz - apenasmente humanos

Aí então será suplantada a espera indefinida pela solidariedade como não acontece na guerra, onde as crianças, vítimas da crueldade, possuem

58

(...) olhar inocente olhos de espera

Ou seja, o olhar é o veículo pelo qual a tomada de consciência da distância e da proximidade se realiza, ao constatar que a passagem do tempo incita a uma nova atitude, a um caminho possível de despertar do fraterno, que poderá ocorrer ou não. Daí a espera de sua concretização. Esta se realiza, de fato, no mundo, na Terra enquanto ser vivo e mãe, que tece, une e congrega todos os seres:

seu jeito de nos atar tão mágico simplesmente perfeito e completo

é como ela faz com você comigo com cada um

Isso nos remete ao Ponto de Mutação (CAPRA, 1992, p. 259): “a nova visão da realidade baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos-físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais”. Por ora, a mãe Terra é a única a efetuar a inter-relação do todo. Cabe aos seres humanos seguirem os mesmos passos e instalar, seguindo o exemplo do mundo natural, no âmbito humano e da cultura, a relação harmônica do todo. Sendo o Tempo a chave da poesia de Sílvia Oliveira, cabe ressaltar os seguintes aspectos em relação ao tema: se ainda não há uma proximidade fraterna e amorosa nos níveis pessoal e universal no mundo humano, além da Terra a congregar os seres está o próprio Tempo, pois o ser e o existir dependem deste, da sua passagem e duração e a nossa condição é determinada por ele. Neste ponto, todos estamos conectados no sentido de que o Tempo nos iguala, afinal de contas ninguém pode escapar de sua influência. Por sua vez, este também apresenta uma divisão fundamental, uma cisão entre Falta e Plenitude. Entre um extremo e outro, encontra-se a incerteza. Ela é proveniente da falta do amado, a falta do contato entre as pessoas, a falta da permanência inerente ao fluxo temporal. A transitoriedade provoca a Inquietação. Entre espera e inquietação, há o incompleto, o desajuste, o desencontro. No entanto, é exatamente isto que conduz à procura da plenitude e, nesta busca, vamos nos construindo como humanos. Em poemas como Rosas de Negro Veludo, Descompasso, Plátano, O que Sobra do Presente e outros, evidencia-se isso:

o tempo se desenha inteiro fractado

por todo lado que se olhe Isto é, está fragmentado, numa disjunção aparentemente impossível de ser resolvida e superada. Vejamos o que nos diz Alfredo Bosi (1983, p. 123) ao analisar que existem vários tempos no próprio texto poético: “(...) os tempos descontínuos, díspares, rotos, da experiência histórico-social (...), o tempo relâmpago da figura que traz à palavra o mundo da vida sob as espécies concretas da singularidade (...) o tempo ondeante ou cíclico da expressão sonora e ritmada, tempo corporal do pathos, inerente a todo discurso motivado”. Este aparente impasse tem a possibilidade de, num inesperado instante, na simplicidade do momento e até mesmo no que seria banal, desconfigurar-se e reconfigurar-se num patamar outro, a saber, o da Plenitude, em que tudo está perfeito e completo:

Mãe ia regando as plantas havia brisa no ar

me encantavam as formigas trepando a banda do muro

contei o tempo - ½ dia que palavras inda sobravam dizer ?

Surpreendentemente, o tempo se resolve, se reencontra e, uma vez íntegro, traz o sentimento de completude ao acontecer, trazendo, de modo inesperado, a plenitude tão almejada, ocorrendo justamente quando não há nenhuma expectativa, nenhuma espera e inquietação. Trata-se de um acontecer espontâneo, superando as dualidades, o fragmentário numa conexão que

59

sedimenta novamente a experiência, tornando-a indivisível, dissolvendo o sentimento de separatividade e resgatando, ainda que provisoriamente, o todo. Nas intermitências e incertezas do tempo encontra-se o próprio Tempo enquanto Possibilidade. É importante, sem dúvida, em se tratando de uma edição bilíngue, comentarmos a respeito do trabalho de tradução denominado de emparelhamento por Irineu Volpato. E é disso que vamos tratar agora. A palavra escolhida por este já é reveladora em si. Trata-se de não buscar uma via tradicional de trazer os versos em língua inglesa para a língua portuguesa, mas de obter uma leitura em mão dupla, abarcando ambos os idiomas, sendo que os significados de um enriquecem o outro e vice-versa, provocando uma leitura lado a lado ao invés de sobreposta, enriquecendo e ampliando os significados. Poderíamos ousar, afirmando que a versão em português traz uma abertura e um sugerir mais amplo das possibilidades poéticas do livro. Como exemplo disso, temos os versos:

When under the moon someday we sit Emparelhados para a seguinte versão:

Sob luar da lua cheia

Este segundo modo de dizer acrescenta ao primeiro as transformações lunares em suas diferentes fases, proporcionando à imagem da lua um olhar outro, trazendo uma profundidade nova ao verso, um ir além do imediato, uma transfiguração do que é dito que realça um dos aspectos abordados pela temática do texto, ou seja, a busca do inalcançável, a dualidade e a superação desta ao se alcançar a unidade. Encontramos algo semelhante no poema Vício:

with a view to be cured less

and less

Há uma transformação para:

feito um estado que me proíbo curar sem

e nem...

No poema 4:15:

This is not a world... This is only a dream…

E em português:

isto se - sei lá se isso é o mundo ou apenasmente outro sonho A incerteza é salientada, mais sugerindo que afirmando, e, com isso, trazendo novas possibilidades de interpretação e de leitura. Outros exemplos semelhantes podemos encontrar em poemas como Beijos e Ávida por Compartilhar. Neste último, constatamos uma intensificação do poético ao comparar os versos:

dragons of colors over the rainbow

E: hoje dragões coloreiam esse curvar de arco-íris

60

Assim sendo, podemos constatar que, os dois idiomas deste modo emparelhados, se completam e dialogam entre si, num trabalho de visível mérito ao dar a nítida impressão de que foi efetuado a quatro mãos desde a sua origem, tendo como uma de suas metas obter um feedback habitualmente não encontrado em trabalhos desta monta. Só nos resta reconhecer e louvar o mérito desta edição. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BOSI, Alfredo Bosi. O ser e o tempo da poesia. São Paulo, Cultrix, 1983. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo, Cultrix, 1992 PLATÃO. Banquete. Coleção universidade de bolso, Ediouro, RJ STENDHAL. Do amor. Coleção universidade de bolso, Ediouro, RJ

61

Sílvia Oliveira é poeta. Podemos dizer que sua criatividade alterna-se entre linguagem coloquial sem deixar de se preocupar com as características literárias e poéticas do verso. Interessante destacar que os seus poemas trazem espontaneidade de quem tem o domínio da palavra. Seus poemas projetam situações e fatos de sentimento humano, alternando aspectos do passado, do presente e do futuro. Alie-se a tudo isso a valiosa tradução do escritor Irineu Volpato, cuja a sensibilidade nos remete à obra de Sílvia Oliveira.

Hugo Pontes

professor, poeta, historiador

Sílvia Oliveira´s marvelous poems in a new collection entitled Humanity/Tessituras are at once compact, beautiful, haunting, and surreal. We find gorgeous lines such as : There will be some breeze/tonight/as well as a tree/longing for a windy kiss… gently mixing with lines in other poems that create a completely different and somber mood : Cold bones/ageless/thin and mutilated bodies/on the ground/without any bloom. The juxtaposition of these images creates an atmosphere throughout all the poems that is both complex and pleasing. I hope you enjoy these poems as much as I do.

John Gardiner

Shakespeare & Poetry teacher University of California, Irvine

USA

62

dos autores:

sílvia - rua das zínias, 31- n. piracicaba 13405-050 - piracicaba, sp

[email protected] http//mist-silvia.blogspot.com

irineu - rua otávio angolini, 235 - cruzeiro

13459-467 - sta. bárbara d´oeste, sp BRASIL

[email protected]

63

Sílvia Oliveira Born November 18, 1964, in Piracicaba. An English teacher for specific purposes in the business and tourism areas. Poetry is conceived by the poetess as a state of mind which has been expressed since the 80´s when her first writings were published in the local newspapers and poetry collections. Safira was published in 1995; Tríade and Ímpares in 1993/1998, respectively, were co-authored with friends poets. Humanity/Tessituras now released is a parelhamento that intends to say the world and its nuances through two different languages English and Brazilian Portuguese with both diverse and similar view/soul points.

Irineu Volpato bem maduro, dessas bandas. Rodeou por profissões em muitos pousos e por bom tempo, até conseguir-se recolher só poeta ultimamente. Uns acham que deu certo, eu me tenho felizmente. Debulhei-me pá de livros nos caminhos; se não consegui com isso que me amassem, também não me amassaram. E alumiei algo ao menos e pinchei pra poesia, com meus esses motemas, pares de gentes. E ainda andei parelhando pra nossa língua, cá do Atlântico, poemas e poetas diferentes - este é um dos casos. Me enquanto por aqui. Ano 2012