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ÍNDICE

Apresentação 1

Advertência (da edição original) 3

Advertência à Edição Brasileira 6

Cap. I — A Ciência Espírita Não é Seita, Nem Religião ou Filosofia Ingênua

10

Cap. II — Iniciação à Ciência Espírita 26

Cap. III — A Ciência Espírita não Monopolizou os Fatos da Psicologia Supranormal

35

Cap. IV — O Supranormal não é Infinitesimal na Vida Psíquica da Humanidade

45

Cap. V — Os Fatos Metapsíquicos e a Teseda Ciência Espírita

56

Cap. VI — O Futuro da Metapsíquica 93

Cap. VII — Caracteres da Filosofia Espírita 109

Resumo 123

Apresentação

O

filósofo portenho Humberto Mariotti (1905-1982) é hoje, reconheci-damente, um dos maiores pensadores espíritas que a América Latina

nos legou. Poeta, ensaísta, orador e ativista, Mariotti produziu uma obra ainda pouco divulgada no Brasil. Alguns livros seus foram aqui lançados. Parapsicologia e Materialismo Histórico, seu principal trabalho, é o mais conhecido.

Raros foram os pensadores que conseguiram confrontar com maes-

tria o pensamento social espírita e o marxismo. Mariotti foi um deles. Sem descartar a contribuição da filosofia marxista para a cultura, ele nos ofere-ce correlações e intersecções filosóficas que poucos autores tiveram cora-gem de fazê-lo. Seguindo as pegadas do pensador também argentino Ma-nuel S. Porteiro (1881-1936), Mariotti aborda a dialética sob a ótica espíri-ta, utilizando-se das investigações e experimentações da metapsíquica, disciplina científica antecessora da parapsicologia. Ele analisa o marxis-mo de modo implacável sob a ótica da filosofia espírita. O resultado é uma obra saborosa, interessante e polêmica.

Este livro, segundo as próprias palavras de Mariotti, “é um retorno

ao pensamento espiritualista. E o único propósito que o move é o de mostrar que o homem é uma entidade espiritual, eterna e indestrutível, chamada a grandes progressos espirituais e cósmicos, mediante a fe-cunda lei dos renascimentos”.

Raoni
DIALÉTICA E METAPSÍQUICA - Humberto Mariotti 1

Já vai mais de meio século que essa obra foi escrita. O marxismo per-deu o potencial ideológico dos tempos da Cortina de Ferro, do macartismo, da Guerra Fria. O contexto é outro, mas as ideias expostas por Mariotti permanecem atuais e vale a pena serem conferidas pelos estudiosos interes-sados e engajados na construção de um pensamento social e de uma práxis plenamente integrada aos princípios espíritas/humanistas e aos anseios da realidade atual.

Este livro, que o Pense reedita em formato digital, Dialética e Me-

tapsíquica, foi escrito em 1940. Teve uma edição brasileira, há muito tem-po esgotada, com tradução de Júlio Abreu Filho e prefácio de José Hercu-lano Pires, em 1950, pela saudosa editora Édipo. Esse prefácio, intitulado Espiritismo Dialético, o Pense disponibiliza no formato PDF, assim como essa obra magistral, agora acessível àqueles que quiserem conhecer a pro-fundidade filosófica da escrita de Mariotti. Basta fazer o download. É rápido e gratuito.

Digitalização: PENSE – Pensamento Social Espírita www.viasantos.com/pense abril de 2009

Raoni
DIALÉTICA E METAPSÍQUICA - Humberto Mariotti 2

ADVERTÊNCIA

Os dísticos que encimam os capítulos quese seguem pertencem às páginas 23, 24 e 25da obra Materialismo Dialético, do dr.Emílio Troise, livro onde este ilustre filósofoexpõe os princípios do materialismo dialé-tico e no qual, ao referir-se às condições fi-sio-psicológicas do conhecimento, vê-se obri-gado a focalizar o problema da psicologiasupranormal e, conseguintemente, a dar umainterpretação da ciência espírita.

Sem entrar, no momento, no mérito doaspecto filosófico do livro de que nos ocupa-mos, limitar-nos-emos tão somente a comen-ta r — para não dizer refutar — alguns dosconceitos que sobre a filosofia espírita emitiuo dr. Troise, os quais, segundo nosso modode ver, não correspondem à realidade filosó-fica dessa escola, além de não resistirem àanálise de sua lógica, de vez que tudo quantodiz, de referência à interpretação dos fenô-menos metapsíquicos, corresponde aos argu-mentos de sempre, os quais o materialismofilosófico vem expondo desde as primeirasoposições feitas à interpretação espiritualistado homem e da história.

Raoni
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Apesar do presente esforço — fruto denosso amor à Filosofia do Ser — realizadonestas páginas, a fim de que sobre a doutrinaespírita não caia nenhuma tergiversação deordem ideológica ou filosófica, sabemos, poroutro lado, que só a ação do tempo darárazão definitiva ao pensamento espírita, pois,no que concerne à verdadeira origem dos fa-tos supranormais, até certo ponto as disputasserão quase que improdutivas. No campoclássico do problema, as discussões foram, porassim dizer, diárias e travadas entre conten-dores de grande valor intelectual, se recor-darmos as polêmicas de René Sudre comErnesto Bozzano, de Charles Richet comGustave Geley, de Léon Chevreuil com váriosmembros do Instituto Metapsíquico Interna-cional de Paris . Nada obstante, fácil é dar- mo-nos conta de que, posto tais polêmicastenham contribuído muito para a formaçãode uma cultura metapsíquica, nada foi obtidoque pudesse, em definitiva, resolver o magnoproblema. Bom grado, mau grado, é precisoreconhecer que a observação dos fenômenosmetapsíquicos está ligada ao ser espiritual e moral do investigador. Por esta razão, en-quanto este continuar a eles dedicado com asmesmas ideias de sempre, a verdade metapsí-quica, que é independente de todo princípiodogmático e científico, por largo tempo ficaráestacionária e oculta.

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No dia em que o materialismo dialéticoalcançar a interpretação espírita dos fatossupranormais, quanto em sua filosofia mu-dará o valor ético, espiritual e social do ho-mem! E, enquanto tal não acontecer, confiemosdecididamente em que essa hora não estejamuito distante.

Porque o conhecimento dialético que, emúltima análise, não é senão um conhecimento desmaterializado, por sua própria concepçãodinâmica do mundo, desembocará, por issomesmo, na realidade espiritual da ciênciaespírita.

Se a seu tempo a dialética materialistachegou a negar o pensar metafísico, porqueapriorístico, em compensação hoje, se seativer às conclusões da física moderna, nãopoderá negar o conhecimento metapsíquico que, longe de ser inexperimental, é experiên-cia pura em todas as ordens e em todas aszonas do Espírito.

H. M.

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ADVERTÊNCIA À EDIÇÃO BRASILEIRA

Dialética e Metapsíquica, escrito há

dez anos, com ardor juvenil e de polêmica, tem, ainda, a missão de mostrar aos materia-listas céticos e incrédulos que a doutrinaespírita continua sendo a única força cien-tífica, filosófica e religiosa que poderá barraro presente avanço do materialismo, quer sejaeste mecanicista, dialético ou histórico e, aomesmo tempo, demonstrar que a teoria do pa-ralelismo psicofisiológico, ante os fatos es-píritas e metapsíquicos, já se tornou inade-quada para uma exata interpretação dohomem, da história e do universo.

Este livro é um retorno ao pensamentoespiritualista. E o único propósito que o move é o de mostrar que o homem é uma enti-dade espiritual, eterna e indestrutível, cha-mada a grandes progressos espirituais e cós-micos, mediante a fecunda lei dos renasci-mentos.

Representa, ainda, uma introdução aopensamento contemporâneo, o qual procuradesesperadamente uma sólida e veraz con-cepção filosófica e religiosa da existência, massem a poder encontrar, por isso que a ver-

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dade que busca não pode ser realmente obje-tivada. E hoje as teses hipotéticas torna-ram-se falíveis e improdutivas, devido à grande experiência espiritual, vivida pelo Es-pírito humano e a cultura, a part ir da Pri-meira Grande Guerra, a qual originou a pre-sente derrocada da civilização.

Apesar disso hoje se busca o Espírito, nãocomo uma teoria metafísica, mas como umarealidade viva e desmaterializada, porque sedeseja saber, de uma vez por todas, o quesão o homem e a história: se seres para o nada ou para a morte eterna, como sombria-mente afirma o existencialismo, se entidadesvivas e reais, destinadas à vida eterna do es -pírito. Entretanto, somente quando o atualpensar existencialista reconhecer as realida-des espíritas e metapsíquicas, sem se amoldara qualquer restrição dogmática, é que poderádar formas a um novo humanismo cristão — que em outro lugar denominamos humanismodo Espírito encarnado — vigorosamente fir-mado sobre a existência positiva do Espírito,tal qual o demonstra o trabalho fenomenoló-gico espírita e metapsíquico.

Todavia, enquanto o pensamento religiosoe filosófico de nossos dias não chegar a en-contrar o Espírito, por meio desse trabalhofenomenológico supracitado, a cultura estaráem constante perigo e a vida espiritual das

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nações jamais conseguirá demonstrar o he-roísmo moral e a verdadeira vida do cris-tianismo. Porque, se quiser sair do dramaem que o colocaram certos teóricos, terá o cristianismo que afirmar sua eterna divin-dade mediante as grandes manifestações espi-rituais, bem entendido, desse tipo superior deespiritismo científico, filosófico e religioso.Assim, aqueles que se deram ao trabalho deo rebaixar, desnaturalizando-o, saberão que o espiritismo constitui uma continuidade his-tórica e divina do cristianismo, isto é, a ter-ceira etapa da Revelação no Ocidente.

Com efeito, só uma concepção espiritualdo homem e do Espírito, tal como a apre-sentam Kardec, no religioso e social, e Geley,no científico e natural, conseguirá refazer oscaminhos da civilização e da cultura e poderáconduzir o ser humano ao verdadeiro cum-primento da Lei de Adoração, proclamadapelos Grandes Seres que moram nos mundosinvisíveis.

O materialismo — e, com ele, todas asreligiões que tiraram o homem do nada (daíserem sempre religiões materialistas) — en-gendra a morte espiritual da pessoa humana;em compensação o espiritismo descobre e re-vela a lei espiritual da vida eterna vencendoa morte. Por isto disse Allan Kardec: "Oespiritismo matou o materialismo com os

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fatos. Ainda mesmo que não tivesse pro-duzido outros resultados, a ordem social de-veria ser-lhe grata".

Com estas nobres palavras do grande ini-ciador francês, pomos este pequeno livro nasmãos da Édipo, esta louvável casa editora queconta com Júlio Abreu Filho entre os seusinfatigáveis propulsores.

Oxalá suas intenções brotem no amadosolo brasileiro e ajudem aos homens de boavontade na difícil tarefa de propagar a Ver-dade Espírita. E que a América se una,amparada pelo mundo invisível e que os es-piritualistas em geral projetem sobre suaestrutura psíquica o fluido sagrado da fé e do progresso: eis o anelo de meu livro, quesó deseja a vitória da liberdade e do espírito.

H. M.Buenos Aires, novembro de 1950.

1. A CIÊNCIA ESPÍRITANÃO É SEITA, NEM RELIGIÃOOU FILOSOFIA INGÊNUA

"O espiritismo, que foi inicialmente, e continua senão, para a grande maioria de seus adeptos, um seita, misto de religião e de filosofia ingênua, . . . "

Julgar a ciência espírita como "umaseita, misto de religião e de filosofia ingênua"é desconhecer sua envergadura filosófica, seumovimento ideológico, seus homens mais re-presentativos e, ainda, sua imensa bibliogra-fia que, atualmente, constitui toda uma cul-tura nova sobre os problemas do Espírito.

A ciência espírita não é filosofia ingênua,desde que não apresenta noções ingênuas so-bre a espiritualidade do homem; nem ingênuoé o seu raciocínio filosófico, uma vez que,por seu caráter experimental, mais do quequalquer sistema metafísico, está em condiçõesde inquirir cientificamente sobre o conheci-mento do Ser, que sempre foi tratado exclu-sivamente de maneira esquemática. É comrazão que foi chamada, conjuntamente com a metapsíquica, a Ciência da Alma.

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Referindo-se à distinção feita entre as"ciências da natureza" e as "ciências do es-pírito", disse José Ingenieros: "Os cultores mais leais das "ciências do espírito" são os espiritistas. .." (1). Acontece, entretanto,que essa lealdade espírita foi, quase sempre,confundida com as práticas imorais de certosindivíduos que, amparando-se na ciência es-pírita, realizaram as mais mesquinhas prá-ticas espiritualistas, que a crítica não soubede pronto deslindar, fosse por hipocrisia, fossepelo desconhecimento dos seus verdadeirosfundamentos.

Com efeito, se o dr. Troise julgou daquelemodo o espiritismo, por efeito da ação ne-fasta dos espiriteiros (2), errou o seu cami-nho. A ciência espírita é um conhecimentoda vida que jamais poderá produzir fanáticosmísticos nem exploradores da credulidade po-pular, verdadeira fonte da filosofia ingênua:ao contrário, sempre dará lugar à formaçãode caracteres idealistas, que saberão colocar--se ao serviço da humanidade, sem outro in-teresse além da elevação de um homem maisconhecido em si mesmo e mais fraterno emseu desenvolvimento social.

(1) Proposição relativa ao Porvenir de la Filosofia, pág. 116.

(2) Pseudo-espiritistas.

Eugenio

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Tomemos o exemplo seguinte e veremosa ignorância que existe na forma de praticaros ideais e as doutrinas.

Ocorre com o espiritismo o mesmo quecom o socialismo: interpretam-no como umdos tantos partidos políticos, que visam con-quistar cadeiras no parlamento, sem compre-ender que sua finalidade essencial reside natransformação política, econômica e social dahumanidade.

São muitos, pois, os que se dizem socia-listas e, nada obstante, desconhecem os fun-damentos filosóficos do socialismo. É o casode perguntar-se: 'Serão estes verdadeirossocialistas? Praticarão os seus princípioscientificamente? Terão uma sólida consciên-cia socialista ante as tentações oferecidas pelasociedade capitalista?'

Perante fatos de tal natureza não seriaacertado culpar o socialismo, nem julgá-locomo seita ou coisa que o valha. Serão taiscasos individuais, cuja moral recairá sobre oshomens, mas nunca sobre a ideia, que esperada conduta humana as virtudes necessáriaspara que um dia possa ser realizado nasociedade.

O mesmo ocorreu com a ciência espírita.Se alguns pseudo-espíritas organizaram seitasem vez de círculos filosóficos, a responsabili-dade não será da doutrina, mas dos indiví-

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duos, por isso que ela não é mais que umafilosofia com métodos experimentais e sem-pre baseou a análise das coisas no livre examee na razão.

A profundidade do pensamento, como o sabe de sobra o autor do Materialismo Dia-lético, não deve buscar-se no que pensam e fazem certos indivíduos, mas entre aquelesque ofereceram toda uma existência a essepensamento. E, no caso da ciência espírita,deve inquerir-se na obra de homens comoOliver Lodge, Alfred Russell Wallace, Lu-ciani, Camille Flammarion, Gustave GeleyF. W. H. Myers, Ernesto Bozzano, WilliamCrookes, Cesare Lombroso, Albert de Rochas,Gabriel Delanne, Paul Gibier e outros.

Hippolyte Léon Denizard Rivail (3),pouco conhecido das pessoas que se alimentamdaquilo que se alinhava nos claustros univer-sitários, lugares onde se pretende amontoartoda a sabedoria oficial e dogmática, foi o primeiro pensador que teve a ciência espí-rita, e a quem coube deixar bem claramenteexpresso o verdadeiro caráter de nosso mo-vimento. "O espiritismo", disse ele, "seráciência ou não será nada".

Foi baseada neste axioma que se consti-tuirá a ciência espírita. E todos os homense mulheres que aceitaram filosoficamente os

(3) Mais conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec.

Raoni

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seus princípios, ao fundar centros e gruposde estudo, o fizeram com o caráter de escolasfilosóficas, e não como "uma seita, misto dereligião e de filosofia ingênua", segundo a opinião do dr. Troise.

Dentro do revolucionário, seja em queordem for, existe sempre uma nova revolu-ção. E os que pretendem estar em seu seio,alimentando-o com seus atos e com seus pen-samentos, logo ficam possuídos do misoneísmomais cru e se comportam como o melhor dosreacionários, quando a eterna revolução, quereside no Espírito do homem, procura novasconcepções da vida e do universo.

Estes revolucionários, que só crêemfactível a revolução na epiderme da matéria,isto é, naquilo que se vê e se apalpa, sãoagora, em relação ao espiritismo, tão con-servadores como aqueles que defendem a ordem social capitalista.

O advento da ciência espírita deixou-osa descoberto, ao manifestar a sua essência e o seu caráter revolucionário em frente a todos os valores da natureza humana.

Ora, se a ciência espírita é uma filosofiaingênua, como pretende o dr. Troise, filo-sofia que — é bom que se diga — defrontao mais formidável dos problemas metafísicose, se se quiser, humanos e sociais do mundo,qual seja o fenômeno da morte, a que, então,

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ficam reduzidos os demais sistemas filosófi-cos que, em frente a esse problema, apenasse limitam a tecer nebulosidades abstratas,sem o menor assomo de um princípio expe-rimental?

Se se considerar a filosofia espíritacomo uma filosofia ingênua, que restará, en-tão, do esforço metafísico feito pela humani-dade para arrancar o porquê do homem sobreo planeta? que ficará, perguntamos nós, con-juntamente com todo o seu processo históricoe cultural, se apenas se reduz a um esforçohipotético e mental?

Se se disser levianamente que a ciênciaespírita é "uma seita, misto de religião e defilosofia ingênua", em compensação esquecer--se-á que nossa ciência é A Filosofia e não uma filosofia, já que o seu conteúdo é a mesmaessência da metafísica e uma síntese da cul-tura humana, que se veio formando atravésdas idades em busca do Ser, como manifes-tação eterna da Vida.

Ao contrário do que diz o dr. Troise, é necessário reconhecer com toda a sinceridadeque a investigação contemporânea praticadasobre o enigma do homem com mais lealdadeé a investigação espírita, não realizada emnenhum campo do conhecimento clássico.Investigação empírica, que não partiu dosfilósofos clássicos ou escolásticos, esses quedizem que "fora da universidade não há ver-

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dades filosóficas nem científicas", mas da-queles que, à margem da cultura social clás-sica e, acima de todo interesse de classe,impulsionados por um verdadeiro amor pelohomem e, conseguintemente, pela humanidade,e baseados na experiência metapsíquica e es-pírita, descobriram a verdade espiritual quepoderia definir ou, pelo menos, deduzir umprincípio redentor sobre o problema do Sere de seu destino metafísico.

E estes homens temerários, mais teme-rários do que os revolucionários que sonhamem transformar a estrutura social dos povos,que nem desfizeram as conquistas da ciênciaclássica, nem os bons foros da razão e que — bom é que se o diga — nem foram sectários,nem religiosos, nem ingênuos, foram, pois, oshomens espíritas que como apóstolos, lutarame lutam contra os obstáculos da imbecilidadehumana, para redimir o Ser do nada, me-diante o descobrimento da essência psíquica,que há na pessoa e em tudo quanto respirasobre o pó do planeta.

Se o dr. Troise nos diz que a ciênciaespírita é uma filosofia ingênua, porque pos-tula a imortalidade do espírito e sua evoluçãopalingenésica, postulado que, convém recor-dar, emana dos fatos metapsíquicos e espi-ríticos e que, como bem se vê, nem provémda fé intuitiva nem da religiosa, não vemosonde se acha a ingenuidade que lhe confere.

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Quiçá o autor do Materialismo Dialético possua, como tantos outros, essa psicologia deconsiderar os problemas do Espírito comocoisas ingênuas, sem compreender que essesproblemas são hipóteses tão legítimas e tãológicas como quaisquer outras erigidas pelafilosofia e pela ciência no processo históricoda humanidade.

Se é certo que de início o problema daimortalidade da alma foi uma simples ideiapertencente ao domínio religioso, que é quan-do poderia ser taxado de filosofia ingênua,na atualidade transformou-se em sério pro-blema metafísico que, queiram ou não quei-ram, tanto atinge a vida íntima do homemquanto a humanidade, problema que só a me-tapsíquica e a filosofia espírita poderão resol-ver definitivamente.

Por outro lado, a escola espírita e seusprincípios ficarão salvaguardados da defini-ção que lhes atribui o dr. Troise, se lançarmosum olhar sobre os valores intelectuais e espi-rituais de sua mesma cultura.

A Espanha é talvez o país onde a filo-sofia espírita realizou os seus maiores vôosfilosóficos. Em nossa opinião, Manuel Gon-zález Soriano é um dos mais cultos filósofosdo movimento espírita, pois manejou a lin-guagem filosófica como qualquer clássico.Seu livro El Espiritismo es la Filosofia nãoé fruto de um pensamento ingênuo do Espí-

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r i to: é uma exteriorização metafísica, cujaorigem parte da experiência e da análise. Seuponto de vista é que "para que a observaçãoou o estudo de qualquer questão seja exato,verdadeiro e lógico, deve o observador des-pojar-se completamente de toda crençaanterior, de toda ideia preconcebida, e marchar direito pelo caminho marcado emsua investigação pelas induções analíticase pelas deduções sintéticas. Porque a ver-dade não admite condições nem se submete a caprichos; e quem a busca deve preparar-sede antemão para aceitá-la tal qual se apre-senta, com seu cortejo de legítimas e naturaisconsequências". E acrescenta: "O métodohipotético, ou de construção é belo e cora-joso; mas como estabelece verdades a priorie sem confirmação, desde que se trate de me-tafísica, convém iniciar, como princípio deinvestigação, uma análise experimental que,antes de mais nada, conduza à certeza e à legitimidade das ulteriores deduções, funda-mento e base de toda construção".

Segue a González Soriano outro notávelespanhol: Quintin López Gómez, autor daDoctrina Espiritista-Filosofia.

Julgue o dr. Troise pelo que vamos trans-crever deste livro, se o espiritismo pode ser"uma seita, misto de religião e de filosofiaingênua", já que se não o fora jamais po-deria inspirar pensamentos tão positivos na

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mente de um homem que seria, logo de saída,membro de

Escreve ele no prólogo: "Sentir ânsias uma "seita".

de saber, não nos conformarmos com o pre-sente conhecido, sonhar com um amanhã demaior glória, apetecer um estado de maispositivo bem-estar será tornarmo-nos rebeldes,sim: mas será tornarmo-nos úteis, será tor-narmo-nos dignos".

"A rebelião é o distintivo dos gênios.

"Rebelde foi Pi tágoras; rebelde foi Só-crates ; rebelde foi Galileu; rebelde foi Colom-bo ; rebelde foi o Cristo; rebeldes foram todosquantos serviram de norte à humanidade; re-beldes são todos quantos a empurram nasenda do seu aperfeiçoamento... Sem serrebelde não se é nada: não em relação aosoutros; devemos ser rebeldes para conoscomesmos; para com os nossos vícios, para comas nossas concupiscências, para com a nossaignorância. . . Sobretudo para com a nossaignorância! Quem não se rebela contra está,considere-se um autômato.

"E ao proferir o grito de rebelião, nãotemamos as suas consequências. Avante, sem-pre avante! Quando a rebeldia não é movidapor outro afã senão o desejo de saber, deamar, de criar, é luz, é bálsamo, é vida. Feree cura, mata e cria, cega e dá vida ao mesmotempo. Se causa ruínas, é para levantar mo-

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numentos; se acende lutas é para selar pazes;se provoca ódios, é para semear amores.

"As tempestades, sempre purificamares".

Pode tal maneira de pensar ser o resul-tado de uma ingenuidade filosófica , religiosae sectária? Ademais, se a filosofia espíritafosse aquilo que diz o dr. Troise, poderiadar ao homem uma visão tão renovadora comoa que entrevê Quintin López Gómez em seupensamento de filósofo?

A seita é própria da massa. Esta crê e se submete, refugiando-se no dogma. Emcompensação, aquilo que faz pensar, inquirir,problematizar e dissentir do comum é pró-prio do Espírito e da filosofia. E o espiri-tismo é isto: um constante inquerir sobre osproblemas do Ser e do conhecimento. Poristo disse Kardec: "Marchando com o pro-gresso, o espiritismo nunca se verá desen-volvido nem ficará em atraso; porque senovas descobertas demonstrarem que está emerro sobre um dado ponto, modificar-se-ánesse ponto; e se uma nova verdade se reve-lar, aceitá-la-á".

Ora bem. Um pensar ingênuo sobre o Espírito e sobre o mundo interessaria apenasa uma centena de crentes. A filosofia espí-rita, ao contrário, a todos interessa por igual,desde o modesto proletário até àquele queostenta títulos de nobreza. Logo como nós

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explicaríamos tal ingenuidade coletiva, queem vez de diminuir, mais e mais se desen-volve em todas as camadas sociais?

Visto apenas como um comércio entrevivos e mortos, toda a importância do espi-ritismo reduzir-se-ia a melhor forma de rea-lizar esse comércio. Numa palavra, seria umaprática necromântica, de modo algum ligadaaos problemas da filosofia e da história natu-ral. Talvez nesse sentido assumisse caracteresde pensar ingênuo ou, como diz o dr. Troise,de "uma seita, misto de religião e de filosofiaingênua". Mas, de acordo com os resultadosque o espiritismo tem vindo dando até o pre-sente, o verdadeiro filósofo acabará por dar-seconta de que a filosofia espírita é o conheci-mento da essência do mundo. Seu verdadeirocaráter — o único que se lhe pode atribuir— é o filosófico, mas não um filosofar novazio, como o foram as metafísicas ocidentale oriental; mas que, para ser gráfico, naacepção exata do vocábulo, terá que cha-mar-se uma filosofia experimental.

Por outro lado, uma filosofia ingênuajamais terá capacidade para criar seu ser histórico, isto é, um processo evolutivo comseus homens, suas lutas, suas ideias e suaação social na sociedade, já que todo pensaringênuo não é outra coisa senão crença. A filosofia espírita — e isto é sabido por todo

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homem culto no moderno espiritualismo — possui um ser histórico, isto é, em certos mo-mentos de sua ação filosófica registra for-tes movimentos ideológicos que se bifurcamna sociedade, caracterizando-se de diversosmodos.

A ação espírita no mundo será um fatopouco apreciável, de vez que esta ação nãose traduziu, como desejam os críticos e ospositivistas, em realidade visível. Entre-tanto, encontraremos essa realidade visível no cultural, mais que em qualquer outraparte, isto é, encontramo-la no bibliográfico,quiçá insuperável por qualquer outro movi-mento filosófico.

Todas as expressões da alma e da socio-logia do Espírito foram tratadas pela filo-sofia espírita ou pela cultura espírita. O queagora falta é que essa cultura ou conheci-mento do homem e do mundo se transformeem civilização ou em sociedade. Mas paraisto é necessário que a filosofia espírita seentrose no processo histórico da humanidade.Sem isto o espiritismo permanecerá desligadoda história e, para que esta assuma tonali-dades ideais, é preciso que a essência espíritaimpulsione a fenomenologia social com suasestruturas espirituais e materiais.

Se aprofundarmos a questão, o ingênuo, ou a boa fé carece desse sentido inteligentee necessário para apreender certas noções me-

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tafísicas, pois o ingênuo é incapaz de enfren-tar toda investigação como a metapsíquica e o espiritismo, ou se o fizesse, fá-lo-ia mal e sem a segurança que deve possuir um conhe-cimento.

Além disso, se o espiritismo fosse ingê-nuo, tanto no experimental quanto no filosó-fico, não teria assumido os caracteres quechegou a conquistar, pois se num momentodado, quando o espiritismo agia sobre o in-gênuo das massas, teve certos caracteresingênuos e de boa fé, hoje, depois que umgrande número de sábios e pensadores delese aproximaram, posto que desde o inícionão tenha sido estritamente aquilo que diz o dr. Troise, a filosofia espírita perdeu abso-lutamente seu caráter ingênuo. Será, talvez,interessante esclarecer que se o espiritismonão aspira a ser um ideal exclusivo para a "elite", deverá ter forçosamente um certo ca-ráter ingênuo, no que respeita à massa, poisque se não pode pedir ao popular um pensa-mento exatamente filosófico.

Dizia Juan B. Jus to : "para ser genuínoo socialismo tem que ser ingênuo; para serconsciente, tem que ser vulgar."

Poderíamos argumentar assim: "Pa raser do povo e das massas, o espiritismo temque ser ingênuo". Neste sentido concordamoscom o dr. Troise — mas não no sentido pura-

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mente filosófico da questão. No outro aspecto,isto é, no filosófico e científico, o espiritismonão pode ser nada do que diz o nosso cultoopositor. Neste sentido o espiritismo é sóciência, filosofia e religião, mas ciência, fi-losofia e religião que partem do método expe-rimental e não do instinto ingênuo das massas.

É por isso que todo conhecimento sedesnatura quando professado pelas massas,isto é, torna-se ingênuo. Daí, para chegar aocoração das massas, o fato de ter tido AllanKardec que escrever, salvo um ou dois livros,cinco tomos de filosofia popular. Do con-trário o espiritismo não teria adquirido a difusão que hoje desfruta.

A ideia de Espírito, de eternidade espi-ritual ou de imortalidade de manifestaçãode entidades espirituais pela mediunidade, a palingenesia ou reencarnação e demais prin-cípios da doutrina espírita não são proprie-dades filosóficas ingênuas: são, ao contrário,ideias ou postulados da razão, que o espiri-tismo, pelo método experimental, eleva aograu de valores positivos da cultura.

Como se vê, o espiritismo das massas é uma coisa; outra é o espiritismo da filosofia. Mas não dessa filosofia que pode considerar-secomo ingênua, posto que elaborada na uni-versidade do estado e que, a final de contas,não passa de pura "história da filosofia", a

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qual, segundo a nossa visão das coisas, torna--se um estudo individual dos filósofos e dossistemas e não o estudo substancial do co-nhecimento: Que é o homem? De onde vem?Para onde vai? O Ser é eterno?

Em suma: o espiritismo assume carac-teres ingênuos quando o relacionamos com o povo ou a massa, mas não quando o encara-mos do ponto de vista da filosofia.

II

INICIAÇÃO À CIÊNCIA ESPÍRITA

Relativamente à iniciação à ciência es-pírita, que o dr. Troise considera como ummovimento sectário e religioso, devemos acla-rar que aquilo que ele sustenta, longe estáde ser certo.

Esta ideia do mundo, posto que existadesde que o homem reside no planeta, de vezque é o próprio homem quem contém os prin-cípios espíritas e metapsíquicos, nasceu nocentro da América do Norte, ali pelo ano de1846, devido a poderosas manifestações supra-normais ocorridas em casa do sr. John Fox,residente na cidade de Hydesville (Arcádia),perto de Nova York, e produzidas pelas facul-dades mediúnicas de suas filhas Catarina e Margarida, respectivamente de doze e quatorzeanos.

Estas manifestações supranormais, ver-dadeira avalanche revolucionária para a ciência, multiplicaram-se rapidamente, inva-dindo todos os estados da União, a tal pontoque em 1852 foi dirigida ao Congresso deWashington uma petição subscrita por quinzemil pessoas, a fim de obter-se o reconheci-

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mento oficial da realidade dos fenômenosmediúnicos.

Claro é que estas manifestações, inabi-tuais para as massas, geraram fanáticos, pos-sessos, profetas, missionários, neocristãos,curadores, adivinhos e clarividentes de todasas espécies. Isto, porém, nada significa paraque se julgue a escola filosófica, a que deramorigem, como uma seita religiosa, por culpade tantos desviados e exploradores do fana-tismo popular.

Foi Allan Kardec quem pôs termo a esse movimento confuso da gente fanática e ignorante.

Depois de haver estudado durante dezanos, pelo método positivo e com um fecundoentendimento e infatigável constância as ex-periências supranormais realizadas em Par i s ;depois de haver colhido os testemunhos pes-soais e as notícias da mesma ordem, que lhechegavam de todos os pontos do planeta, e como, mais que ninguém, tinha a nobre von-tade de ser útil à humanidade, coordenou esseconjunto de fatos, deduziu os princípiosgerais e esboçou uma escola científica e filo-sófica, que denominou a Ciência Espíri ta:mas nunca uma seita religiosa. Por isso rei-teradas vezes esclareceu que o espiritismonão era uma religião, mas uma ciência inte-gral, que só pelo método positivo lograriaadiantar-se em futuro próspero.

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Neste sentido suas obras são claras e precisas. Como escritor, procurou fazer a filosofia descer das alturas abstratas em quepairava — e ainda paira — a fim de a tornarsimples, popular e acessível a doutos e indou-tos. Fez bem Allan Kardec em democratizaros problemas espirituais, pois com isto deumostras de abolir as classes intelectuais que,assim como as outras, dividem a sociedade emsábios e ignorantes.

Se é bem certo que a filosofia do Espí-rito correu o risco de ver-se desnaturada, emcompensação foi, assim, posta ao alcance dasmais humildes inteligências, dando esperança,luz e consolo aos que, saídos do seio do povo,buscavam a verdade do mundo espiritual.

Admitindo que a ciência espírita con-tenha uma substância religiosa, deve reco-nhecer-se que essa substância religiosa cha-mou a atenção dos maiores sábios da huma-nidade. Acaso não é significativo e digno deconsideração que homens da estirpe de Wil-liam Crookes, Alfred Russell Wallace, Char-les Richet, Cesare Lombroso, Oliver Lodge,Camille Flammarion, Robert Hare, FriedrichZöllner, William James, Frederic Myers,William Barrett, Enrico Morselli, Luigi Lu-ciani, Reichenbach, Giovanni Schiaparelli,Richard Hogdson, James H. Hyslop, KarlDu Prel, Ernesto Bozzano, Alexander Aksa-kof, Boutleroff, Angelo Broffèrio, Gustave

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Geley, Barão Von Schrenck-Notzing, HenriBergson, Hans Driesh, Madame Curie e outroshajam operado sobre essa substância religiosa,que existe nos fatos metapsíquicos? Nadadiz ao autor de Materialismo Dialético queum fato, aparentemente religioso, tenha tidoa virtude de interessar aos mais nobres Espí-ritos da ciência? E se isto foi conseguido,pode esse movimento ser considerado comouma religião, com o mesmo sentido que tema eclesiástica, organizada com igrejas e pa-dres, ou a estas se assemelhar?

Qualquer que seja o ponto de vista,é inadmissível que uma religião haja levadoa ciência à experimentação, no máximo se se considerar que uma religião, propriamentedita, não poderá oferecer como material deexperiências senão crenças e dogmas.

Em compensação, a substância experi-mental oferecida pela ciência espírita, a des-peito do lado religioso que se lhe descobre,promoveu um verdadeiro movimento cientí-fico, que logrou atrair para o seu seio osmais fiéis discípulos do positivismo, em quasetodos eles refazendo o critério filosófico.

Ora, bem. Com semelhante resultadopode considerar-se o espiritismo como "umaseita, misto de religião e de filosofia ingênua" ?

Com o propósito de aprofundar aindamais esta questão, vejamos como se exprimeo Engenheiro Ernesto Bozzano neste parti-

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cular, numa passagem de seu livro "La verità sopra la metapsíquica humana":

"Se é certo que uma respeitável multi-dão de almas simples dão ao espiritismo umsentido religioso, isto não significa que ele seja religioso, mas que as conclusões, rigo-rosamente espirituais — e, portanto, científi-cas — a que conduzem as investigações me-diúnicas, têm a virtude de reconfortar umgrande número de pessoas atormentadas peladúvida. Não deveriam, entretanto, os oposi-tores esquecer que, acima dessa multidão, naqual prevalece o sentimento, existe uma nume-rosa coorte de experimentadores peritos nosmétodos científicos, verdadeiros homens deciência, nos quais prevalece a fria razão, e que examinaram os fatos com o único obje-tivo de buscar a verdade pela verdade; por-tanto, se acabaram aderindo à hipótese espí-rita, de modo algum isto quer dizer que sehajam transformado em místicos, mas quese convenceram, através da experimentação,deste fato: a hipótese espírita é a únicaforma capaz de explicar o conjunto da feno-menologia examinada. E isto é ciência. NemMyers, nem Hodgson, nem Hyslop, nem Bar-rett, nem a senhora Verral, nem Lodge, nemZöllner, nem Du Prel, nem Aksakof, nemBoutleroff, nem Flammarion, nem Lombroso,nem Broffèrio, nem o autor desta obra ti-nham tendências místicas; ao contrário, quase

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todos professavam convicções positivo-mate-rialistas". "Repito, pois, pela centésima vez",diz ele mais adiante, "que a hipótese espíritaé uma hipótese científica, e que os que a dis-cutem mostram que ainda não formaram uma ideia clara daquilo que pretendem discutir" (pág. 230).

É que, com os seus fatos, o espiritismorepresenta profunda e mortal ferida na orgu-lhosa carne do materialismo, quer seja estemecanicista, quer dialético. Muito custa aosseus aderentes ver aparecerem subitamentenovos fatos, que põem as suas doutrinas notapete do julgamento e, além do mais, reco-nhecer, por isso mesmo, ser necessário reco-meçar um novo estudo sobre a natureza dohomem e do mundo, quando antes supunhampossuir em suas mãos toda a substância doconhecimento.

Entretanto, a despeito de sua negação, a dialética do Ser e de suas manifestaçõescontinuará revelando novas formas do saber.Essa substância eterna, da qual partem todasas grandezas da humanidade, continuará fi-xando noções sempre novas, sem entretantojamais esgotar-se, por isso que dela é quesairão as formas históricas e morais, queadquirirão as civilizações porvindouras.

O mais veraz desmentido de que o espi-ritismo não é "uma seita, misto de religião

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e de filosofia ingênua" são as palavras domesmo Allan Kardec: "Melhor observadodepois que se vulgarizou, o espiritismoilumina uma porção de questões até hoje in-solúveis ou mal compreendidas. Seu verda-deiro caráter é, pois, o de uma ciência, e não de uma religião. Está baseado em prin-cípios independentes de toda questão dogmá-tica". E acrescenta: "Sendo o espiritismoindependente de toda forma de culto, nãoprescrevendo nenhum e não se ocupando dedogmas particulares, não é uma religião, por-que nem tem sacerdotes, nem templos".

Disse o ilustrado escritor francês LéonChevreuil: "A ciência espírita baseia-se ex-clusivamente sobre os fatos; para ela a expe-riência é a fonte única de seus conhecimentos;faz tabula rasa de todos os dogmas religiosos e científicos. Seu método é, conseguinte-mente, irreprochável deste ponto de vista e,abstração feita dos erros individuais, é umramo da ciência positiva experimental".

Acrescentemos agora a esta definiçãoaquela que nos dá Manoel González Sorianoe vejamos, assim, se a ciência espírita é aquiloque pretende o dr. Troise.

Diz ele: "O espiritismo nem é uma fi-losofia nem uma seita religiosa, mas a filo-sofia da ciência, da religião e da moral: a síntese essencial dos conhecimentos humanos

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aplicada à investigação da verdade; a ciênciadas ciências". E acrescenta: "Também suadoutrina nem é velha nem nova; neste sen-tido pode considerar-se como a enciclopédia das verdades eternas e infinitas, que a inves-tigação humana pôde até agora penetrar e conhecer".

"Vem o espiritismo, conseguintemente,da ciência da razão e da razão da ciência; e,consequentemente, leva ao maior conheci-mento possível das divinas verdades univer-sais. Seus fundadores são todos os homensde todas as épocas e de todas as crenças, quealcançaram o conhecimento de alguma ver-dade incontestável demonstrada pela razão e pela ciência. São seus apóstolos todos oshomens que ensinaram, ensinam e ensinarema verdade. E estes receberam sua missão dodever moral que tem todo homem de ensinaraos demais as verdades que conhecer e nãoesconder sob o velador a luz que possui, a fim de que não alumie a ninguém, pois istoseria egoísta e antifraterno".

E, ainda: "O espiritismo não é nenhu-ma opinião sistemática, não procede de ne-nhum capricho humano, nem tende a satis-fazer nenhum interesse pessoal ou coletivo.Não se impõe nem se oculta, porque a ver-dade, para o ser, não precisa de ninguém;antes, sempre nobre e generosa, se oferece de

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contínuo aos que a buscam e se deixa possuirpor aqueles que a amam" (4) .

Outro pensamento que pode ser oposto aoque diz o dr. Troise, é este, do dr. GustaveGeley: "O espiritismo difere das religiõespela ausência total de misticismo, não invo-cando revelações, nem o sobrenatural. O es-piritismo só admite os fatos experimentais,com as deduções dos mesmos decorrentes.

"Também o espiritismo se distingue dametafísica, pois repele todo raciocínio a priori e toda solução puramente imaginativa".

"Só aspira ao título de ciência, e o serconsiderado como um ramo da História Na-tural" (5).

Estas definições mostrarão ao dr. Troisea seguinte diferença: Uma coisa será a filo-sofia espírita, com seus homens de ciência,seus escritores, seus artistas e seus poetas; e outra será com aqueles que a transformaramnum culto religioso e num fanatismo, de vezque só aspira ser um ramo da História Na-tural.

Eis aqui, pois, o que deveria ter obser-vado o autor do Materialismo Dialético.

(4) El Espiritismo es la Filosofia, págs. 7 e 8.

(5) Essai de revitie générale et d'interprétation synthétique deespiritisme, pág. 23. E nós acrescentamos que é, também, umramo espiritual da História Divina do Homem.

Eugenio
Eugenio

3. A CIÊNCIA ESPÍRITA NÃO MONOPOLIZOU OS FATOS DE PSICOLOGIA SUPRANORMAL

"O espiritismo e a teosofia monopoli-zaram os fatos que essa psicologia supranor-mal nos oferece e os apresentam como prova irrefutável da existência do espiritual, no sentido de entidade ou inteligência que so-brevive à dissolução do corpo."

Raro é escrever-se desta maneira a res-peito da experimentação mediúnica. Todosos livros que tratam do problema reconhecemque aquilo que o dr. Troise chama "psico-logia supranormal" pertence pura e exclusi-vamente à ciência espírita.

Dizer que, juntamente com a teosofia, o espiritismo, monopolizou os fatos da psico-logia supranormal é desconhecer as origensverdadeiras de seu movimento, quer científico,quer filosófico.

Nada obstante, perguntaríamos ao autordo Materialismo Dialético: De que ciência,de que universidade ou de que conhecimentosoficiais o espiritismo tomou a "psicologia

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supranormal", com o fito de apresentá-lacomo prova de seus postulados filosóficos.

Se se refere à psicologia clássica, bemsabemos que a respeito ela nada menciona.Então onde a Ciência Espírita monopolizouos fatos supranormais ?

Não. Nem o espiritismo, nem a teosofiamonopolizaram os fatos da "psicologia supra-normal", denominação burguesa que apenasserve para afastar os fenômenos espiritistasda cultura democrática e encastelá-los emprogramas universitários, isto é, dá-los depresente ao Estado, a fim de que este osreduza a "simples fenômenos de professoresou de 'elite' científica."

Os fenômenos mediúnicos ou espíritasforam observados e estudados, antes de qual-quer outro, pela ciência espírita e por aque-les homens que, baseados nesses mesmos fe-nômenos, apreenderam um novo conceito doconhecimento, que mais tarde seria chamadoespiritismo.

Se houve monopólio desses fatos, deveser atribuído aos metapsiquistas ou parapsi-quistas, como preferem chamar-se na Alema-nha — mas nunca ao espiritismo, que nasceuprecisamente desses mesmos fenômenos, quesão a sua própria essência, isto é, dessa "psi-cologia supranormal", como burguesmente a denomina o dr. Troise.

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Por outro lado, se o fenômeno mediúnicointensificou-se tanto, deve-se-o ao apareci-mento da ciência espírita e à aplicação a ele da técnica mediúnica. E esta técnica foidevida a homens de ciência que, avassalandoos preconceitos e o misoneísmo, declararam-seespíritas, isto é, partidários da indestrutibi-lidade do Espírito, ou da essência espiritualdos seres.

Reconheça, além disso, o dr. Troise quesem o espiritismo não teria aparecido a me-tapsíquica, que bem poderia ser qualificadacomo uma parte ou ramo moderado da ciên-cia espírita, como também não teria apare-cido aquilo que se convencionou chamar a ciência psíquica.

Quantos nomes para nos referirmos sem-pre à mesma coisa: a essência espiritual!

Quando se reconhecer definitivamenteque o númeno que determina ou produz osfenômenos espíritas ou metapsíquicos é oEspírito do homem, despojado de sua pessoafísica, o espiritismo converter-se-á numa sín-tese de toda a história dos fatos supranor-mais. Hoje, porém, enquanto na apreciaçãode tais fatos interferirem fatores de ordemmental e espiritual, cada um terá direito a conjecturar a seu gosto, e propor as maisabsurdas hipóteses antes de admitir a teseespírita, a qual terá um caráter mais na-tural e mais filosófico, sempre que os fatos

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se apresentarem com a magnificência e coma claridade que tiveram as materializaçõesde Katie King, observadas por Sir WilliamCrookes.

Pa ra os clássicos da ciência e para osque olham o mundo do ponto de vista dalógica formal — caso em que também se in-cluem os materialistas dialéticos — a mate-rialização de Katie King, por exemplo, serátudo o que quiserem, menos a materializaçãode um ser espiritual, que dá provas do "eusou, logo sou imortal", mediante uma mani-festação espirítica.

Parece que, por sua natureza, o homemanelasse o suicídio de seu próprio ser, como fenômeno da morte. Está acostumado a ver-se pequeno, e esse hábito é difícil de arran-car de improviso, pela lógica filosófica. De-pois de haver vivido no máximo oitenta anos,quer desaparecer eternamente, quer suicidar--se antes que admitir que depois da morte o Ser continuará atuando em seu próprio exis-tir. Ah! se o homem compreendesse queaquilo que ele chama a morte não passa deuma desmaterialização da pessoa física, assimcomo o nascimento não é mais do que a ma-terialização da essência do Ser! Mas não.O homem tem uma mente de lógica formal, que lhe não permite ver que tudo quantoexiste em seu redor é movimento, é dinâmicae que as aparências físicas não são a reali-

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dade, mas um fantasma da verdadeira rea-lidade.

É isto o que nos vêm demonstrar os fe-nômenos metapsíquicos e espíritas: não é outra coisa.

Vejamos agora o que sobre a teoria es-pírita nos diz o prof. Richet.

"Não condeno a teoria espiritista. Écertamente prematura e, provavelmente, errô-nea. Mas terá tido o imenso mérito de haver provocado as experiências".

Se, como é notório, teve a teoria espírita"o imenso mérito de haver provocado as expe-riências", como bem diz Richet, não vemosentão como haja monopolizado os fatos de"psicologia supranormal". Ao contrário, essesfatos, observados em todos os períodos dahistória, têm dado, e darão ainda, conjunta-mente com a crença espírita, a demonstraçãoreal e palmar da ação de nossa inteligência sobre a matéria.

Além disso, o espiritismo sistematizou osfatos, mas não os monopolizou. Procedeucomo a Física que, por meio da observaçãoe da experiência, deu uma categoria cientí-fica aos fenômenos físicos, que sempre exis-tiram na natureza. Não obstante, isto nãoautoriza ninguém a dizer que ela tenha mo-nopolizado os fatos obtidos. Po r outro lado,qual a ciência que não tenha primeiro tomadoos fatos experimentais do mundo objetivo.

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para depois, baseada nesses mesmos fatos,constituir-se em ciência de conhecimento?

É que nos fenômenos metapsíquicos é necessário desentranhar algo que a muitosescapa. É necessário encontrar a mensagemespiritual da natureza e do universo que,por diversas facetas fenomênicas, faz-se pre-sente à inteligência do homem. Como, entre-tanto, o ser humano está habituado a medirfatos e coisas da vida com o velho critériodo familiar, resiste ao avanço quando umanova manifestação da natureza o impele paranovas noções da inteligência e de existência;e, ao resistir, inventa hipóteses sobre hipóte-ses antes de reconhecer a mudança espiritualque se vislumbra.

Nem os revolucionários de todos os seto-res, sejam eles científicos ou sociais, se dãoconta de que a verdadeira revolução virá dametapsíquica e da ciência espírita e jamaisdessa velha cultura do mundo que, em termosgerais, pode classificar-se como religiosa e materialista e, portanto, desprovida da ver-dadeira essência que possa despertar no ho-mem o sentido da revolução. Pois enquantoo gênio humano mover-se aos impulsos desua velha moral e de sua atual psicologia,nem o indivíduo nem a massa estarão dispos-tos a abandonar sua pesada herança: o cri-tério conservador. A despeito de seu pro-gresso e de sua evolução, o velho conheci-

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mento mostrará sempre um homem defeituoso,exposto a todas as debilidades e contratem-pos. Com um ser tão falível a humanidadeperde a fé em seu futuro, máxime nestes mo-mentos da história, nos quais se vê claramenteo que é e o que pode ser esse velho homemembolorado do século 2 0 , incapaz de bus-car-se a si mesmo.

Sabemos de sobejo que para alguns estasideias serão consideradas como divagações deum idealista, que não sabe ver o processo his-tórico, nem sabe como as coisas realizadaspelo homem governam o próprio homem, essefalaz reflexo da ma té r i a . . . Mas o caso é que, de tanto governar o pensamento hu-mano, a matéria agora se encontra em frenteà velha história de Frankenstein: a matérianasceu do mundo espiritual. O dogma dadualidade já não subsiste. Diz Einstein quesó subsiste o movimento, para nós a essência,que é a origem de todos os fenômenos indivi-duais e históricos. Os princípios do meca-nismo e do paralelismo psicofísico caírampara sempre com o aparecimento dos fatosmetapsíquicos e espíritas: o homem é um seressencial e espiritual, que incide sobre a ma-téria, a fim de a modelar, conforme a suaevolução moral e psíquica. Numa palavra:toda a história da humanidade é manifesta-ção e processo do Espírito humano.

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Volvendo a outro exemplo do professorRichet, é possível que o nosso inteligente con-tendor, mais que por nosso próprio raciocínio,se incline a reconhecer que o espiritismo nãomonopolizou os fatos da "psicologia supra-normal", com o objetivo de justificar seusprincípios filosóficos, como sustenta aqueleprofessor, quando diz em seu Traité de Mé-tapsychique: "Certamente não é possíveldesdenhar os magnetizadores, nem os espiri-tistas. Seria isto uma grande injustiça. A despeito dos sarcasmos e das hostilidades,contribuíram uns e outros para a fundação da metapsíquica e, conquanto repelidos pelossábios oficiais como indignos, prosseguiramsuas laboriosas investigações".

O dr. Troise deveria levar em conside-ração que os fatos espíritas e metapsíquicoscausam dano à ciência oficial e, portanto, à moral religiosa que, como bem o sabe, coe-xiste com a estrutura social chamada bur-guesa. Daí, pois, a existência de interesses de cultura para manter os ditos fenômenos à margem da sociedade. É, ainda, por essarazão que aqueles se devem desenvolver isola-damente e sem conexão com o pensamentocoletivo da humanidade. Mas que essesfatos sejam próprios da cultura oficial ouque tenham sido por ela provocados e estu-dados é positivamente um erro. Agora, de-cidindo-se a reconhecê-los, posto que com

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suma cautela e até com temor, não basta paraque se lhe atribua o mérito de os haver des-coberto, nem dizer, por outro lado, que o espiritismo os monopolizou do campo cien-tífico oficial — a fim de provar as suas teo-rias sobre a imortalidade da alma. Ao con-trár io: é a ciência oficial, ou de classe, quese vê, pela eloquência e pela força dos fatos,obrigada a ir ao encontro do fenômeno e nãoo fenômeno a ir à ciência.

Sabemos que o espiritismo, ainda mes-mo continuando à margem da cultura oficial,criará seu próprio conhecimento do mundo,isto é, sua ciência e sua filosofia, sem que,por isto, fique desfeita nenhuma razão ou ne-nhuma verdade provinda da ciência univer-sitária. Imenso é o gênio criador da ciênciaespírita. Falta apenas esperar que se vádesenvolvendo, à medida que o homem espí-rita for estendendo sua existência na socie-dade.

Finalmente, é a ciência oficial que estámonopolizando os fatos da "psicologia su-pranormal", posto que à custa dos anátemasque lançam os que se empenham em conservaras posições tradicionais da Universidade.Cremos que esse monopólio será conseguidopela ciência, sempre que a sociedade se fordesenvolvendo sobre as suas bases atuais;isto, porém, será feito à custa da própria

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verdade, que será dissimulada por muitíssi-mas hipóteses, antes de admitir-se que osfenômenos sejam devidos ao Espírito, isto é,à realidade espiritual do ser visível e invisível.

Quiçá ocorrerá o mesmo que se passoucom o cristianismo: mas esse monopólio nãoserá duradouro, por isso que atrás dos fenô-menos metapsíquicos se movem as forças dainteligência, da liberdade e da justiça.

4. O SUPRANORMAL NÃOÉ INFINITESIMAL NA VIDAPSÍQUICA DA HUMANIDADE

"Parece que o espiritismo, a teosofia e as escolas ocultistas não atentaram para este fato simples: o supranormal representa uma fração infinitesimal na vida psíquica da humanidade. Além disso, está ligado a condições orgânicas particulares."

Encarado do ponto de vista da ciênciaespírita, o supranormal não representa, comodiz o dr. Troise, "uma fração infinitesimalda vida psíquica da humanidade", por issoque é uma manifestação ou faculdade que sefaz presente no Ser, isto é, um novo sentidoque irá aumentando na raça, à medida quesua estrutura espiritual penetra e se estendepela evolução psíquica do Ser.

Mais acentuado nuns indivíduos que nou-tros, o supranormal é a prova fidedigna deque não é o homem um composto físico-quí-mico, como pretendem os materialistas de to-das as escolas. Isto nos demonstra que a concepção clássica do indivíduo será cada vez

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mais desmentida, à medida que o supranor-mal for crescendo na natureza humana.

Considerar o supranormal como infinite-simal é esquecer o sentido estatístico da ques-tão, já que os homens que se dedicam à inves-tigação metapsíquica e espírita nos dizem quenão há ninguém que não seja dotado, e emforma visível, neste ou naquele aspecto, dessesentido espiritual.

Eis por que nos diz o dr. Gustave Geleyque entre o normal e o supranormal não existe uma linha divisória, não há fronteiras:um e outro revelam processos vitais e suaúnica diferença se estriba no fato de queum nos é familiar e dá-nos a ilusão de o ha-vermos compreendido, enquanto que o outro tem o caráter oculto de tudo aquilo que nosé ignorado.

O fato de que o supranormal não semanifeste em forma ostensiva em todos osindivíduos não impede que em certas pessoasperca o caráter infinitesimal, que ainda po-deria ter uma tal faculdade.

As pessoas que sustentam esse argumen-to, por certo pouco construtivo, deveriam terbem presente à imaginação aquela expressãodo professor William James: "Pa ra der-rubar a lei de que todos os corvos são pretos,não é necessário buscar o modo de demons-t ra r que nenhum corvo seja preto. Não é

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preciso mais do que provar que existe um corvo branco, um só: isto basta".

Além disso, muitas são as coisas infinite-simais na vida do homem; e nem por issodeixaram de ser proveitosas as suas menoresdemonstrações. Entre os fatos astronômicosalguns existem que apenas se observam umaou duas vezes e, nada obstante, a ciência osregistra e deduz leis que logo se tornaminegáveis.

Referindo-se aos casos de criptestesia, dizque se não tivesse havido no mundo outro médium, a senhora Piper seria suficiente para que a criptestesia ficasse provada sufi-cientemente.

E, ao ocupar-se dos movimentos semcontacto e das materializações, também nosdiz que se não existisse no mundo outro mé-dium, Eusápia Paladino seria suficiente para que ficassem cientificamente estabelecidas a telecinesia e a ectoplasmia.

Mas para a filosofia espírita o supra-normal, isto é, todas as faculdades mediúni-cas, que se manifestam hoje em certo númerode seres, não são, repetimos, uma "fraçãoinfinitesimal": são, ao contrário, uma pro-priedade do Ser que, à medida que se vaidesenvolvendo, a fixará definitivamente naconstituição física do homem. Por outraspalavras, quando a raça humana alcançar

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maior espiritualidade, possuirá esse novo sen-tido, a fim de melhor realizar a sua evolu-ção palingenésica.

O supranormal, ou mediunidade, esteveexposto a certas contingências históricas, quetiveram o poder de o restringir, desde quelevemos em conta que no fisiológico há cer-tos caracteres hereditários.

A perseguição religiosa foi sempre ne-fasta às novas conquistas do Espírito.

Como se sabe, as manifestações supra-normais ou mediúnicas, em toda parte ondese vão apresentando, têm revestido tendênciasantidogmáticas e antirreligiosas, sobretudo asde caráter subjetivo, cujas comunicações,depois de afirmarem a imortalidade da alma e a sua evolução, condenaram rudemente as re-ligiões positivas e, particularmente, a quetem sua sede em Roma.

Pa ra estrangular este canal revolucioná-rio da ciência e propulsor do livre pensa-mento, era necessário destruir o supranormalou essa faculdade mediúnica que, em lugarde reforçar os princípios do dogma, contraeles investia tenazmente, com o único fito depôr a salvo a essência do cristianismo. Entãofoi necessário fazer funcionar o tribunal daSanta Inquisição e extirpar, assim, essapraga de criaturas diabólicas, que se antepu-nham ao poder espiritual da Igreja.

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Este fator histórico foi um dos motivospor que o supranormal, ou mediunidade,perdeu sua pujança e sua transmissibilidade,no que tange ao aspecto hereditário e fisio-lógico.

"Esta noção da hereditariedade da facul-dade mediúnica", diz o dr. Gustave Geley,"dá-nos a compreender, de certo modo, porque tão rara é a mediunidade no Ocidente.É a tese que ouvi sustentar na Polônia. Se-gundo os poloneses, a Inquisição e os pro-cessos contra os "feiticeiros" extinguiramquase que totalmente a raça dos médiuns emtoda a Europa Ocidental. Entre as centenasde milhares de pessoas condenadas à fogueira,durante muitos séculos, havia por certo umagrande maioria de histéricos, mas tambémuma minoria não desprezível de verdadeirosmédiuns".

"A mediunidade subjetiva", acrescentao dr. Geley, "pôde, em certa proporção, es-capar à destruição; mas a mediunidade obje-tiva, mais fácil de ser descoberta, teria sido,assim, quase que totalmente extirpada. Sobesse ponto de vista, a obra da Inquisição e dos famosos processos — cujo objetivo erabem outro — teria alcançado um êxito impor-tante: êxito nefasto para a ciência e para a verdade".

Não esqueça ao dr. Troise que se o su-pranormal, ou faculdade mediúnica, fosse

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"uma fração infinitesimal na ordem psíquicada humanidade", a Igreja não teria agido daforma por que agiu, queimando criaturas su-pranormais ou médiuns. Ninguém como ela para prevenir um verdadeiro perigo. Poisse, mediante a Inquisição se dá à tarefa dequeimar ou destruir essa faculdade supra-normal do homem, é porque esta faculdadenão era uma fração infinitesimal do psi-quismo humano, mas um poder demasiado vi-sível e generalizado, que teria de ser destruídopelas labaredas das fogueiras.

Tal maneira de agir é característica dacivilização clássica. Vejamos, além disso, o que aconteceu com aqueles seres dotados desentido revolucionário. Nos primeiros tem-pos, quando eram apenas "uma fração infi-nitesimal" na vida dos povos, ninguém delesse ocupava; mas quando esse sentido tendeua generalizar-se na massa, iniciou-se a erade perseguições e de debandada, para evitaruma provável vitória daquilo que se manifes-tava nesse novo sentido da consciência hu-mana.

Quando os fatos e os valores gerados à margem da cultura de classes chegam a assu-mir certa ressonância e difusão nos espíri-tos, põem essa cultura em estado de alerta;mas quando esses fatos e valores se acen-tuam, esta age impiedosamente, visando des-truí-los e, assim, salvar os seus interesses e

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predomínio. Mas enquanto continuam apenascomo uma "fração infinitesimal" na socie-dade, ninguém os levará em conta; nem sequeros recordará.

Ora, o gênio é sempre um sentido gerale visível na "vida psíquica da humanidade"?Não será, ao contrário, como o supranormal,uma "fração infinitesimal"? E por isso mes-mo, pode duvidar-se dele e deixar de levá-loem conta no estudo da vida do homem e dofuturo das ciências?

É bem sabido que as figuras geniais dahumanidade constituem reduzido número.Isto, porém, nada implica para negar a exis-tência do gênio e que suas propriedades ouessências sejam peculiares à condição huma-na; pois se para crer na sua mesma naturezafosse necessário ver um gênio em cada ho-mem, erraríamos as rotas do bom senso e darazão.

Se, por um momento, o dr. Troise seinclinasse a considerar aquilo que postula a ciência espírita, talvez chegasse a compreen-der que o supranormal não é mais que a substância mesma do indivíduo que, à medidaque realiza o seu processo palingenésico, torna-senova faculdade de conhecimentos.

Vejamos o que afirma a ciência espírita:1.° — O que há de essencial no Universo

e no Indivíduo é um dínamo-psiquismo único, primitivamente inconsciente, mas tendo em si

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todas as potencialidades. As aparências di-versas e inumeráveis das coisas não são mais que as suas representações.

2.° — O dinamopsiquismo essencial e criador, através da evolução, passa do incons-ciente ao consciente.

Segundo Geley, estas duas proposições re-pousam sobre os f a t o s . Podem hoje serobjeto de uma demonstração precisa, primei-ro no indivíduo, e logo, por uma vasta indu-ção, pode transportar-se para o universo.

Concebido o indivíduo desta maneira, o supranormal, ou mediunidade, não será ummilagre naquele que o possui, mas, como já o dissemos, uma manifestação dessa essência di-nâmica e psíquica que existe no próprio ser.

Po r isso cremos, com o dr. Geley, que"a prolongação, infinitamente vasta, da cons-ciência do Ser, deve ter como resultado fatalfazer estalar, por assim dizer, os marcos prá-ticos e transitórios de individualidade." Aoque acrescenta: "Não é possível compreen-der-se o mediunismo (o supranormal) sem suaprodigiosa diversidade, a não ser pelo conhe-cimento do indivíduo, do agrupamento indivi-dual, com suas possibilidades de dissociaçãorelativa e momentânea, e pela noção, sobretu-do, de sua essência metafísica, do dinamopsi-quismo criador, dele objetivado."

Raoni

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Além disso, pelo fato de estar o supra-normal ligado a "condições orgânicas parti-culares", devemos fazer sentir que essas "con-dições orgânicas particulares" de modo algummenoscabam a atuação supranormal ou me-diúnica, nem a invalidam por força das con-siderações que, neste sentido, pudessem serformuladas pela ciência.

Por outro lado, se nessas "condições or-gânicas" quiséssemos ver um estado patológicodo ser dotado de supranormal, isto constituiriamais que um erro: seria um completo desco-nhecimento do mecanismo dessa faculdade.

Charles Richet deixa bem claro que osindivíduos supranormais são "pessoas seme-lhantes às demais. "Em todo caso", diz ele,"resisto absolutamente a considerá-los como enfermos, qual se mostra disposto a fazê-loP. Janet. Se em alguns notamos uma certadesagregação da consciência, entre os artistas,os sábios, e os próprios indivíduos vulgarestambém se manifestam, com frequência, fe-nômenos análogos, com automatismo parcial."

O estado normal, por que tanto se bateo dr. Troise e no qual tanto confia para a elaboração do conhecimento, talvez não sejao mais propício para alcançar a verdade. E se não, atentemos mais uma vez para o gênio.

Os grandes gênios foram sempre indiví-duos supranormais, sujeitos a "condições or-

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gânicas especiais". "E, nada obstante, nesseestado supranormal deram as maiores criaçõesartísticas, científicas e filosóficas".

A tal respeito diz muito bem o dr. Geley:"Rousseau, enchendo páginas de escrita

sem refletir e sem fazer esforço, num estadode arrebatamento que lhe arranca lágrimas;Musset, ouvindo o gênio misterioso que lhedita os versos; Sócrates, obedecendo ao seu'demônio' e Schopenhauer, recusando crerque seus postulados fossem sua própria obra,procedem realmente como médiuns."

E acrescenta: "Não é raro que o mediu-nismo coexista com as manifestações de inspi-ração artística. Musset, por exemplo, é um"sensitivo" notável e quase um visionário."

O supranormal está relacionado com tudoquanto de grande possui a humanidade. Essascondições orgânicas especiais, nas quais osmaterialistas e alguns psiquistas querem en-contrar as raízes da origem do supranormal,são a expressão inegável de que o Ser é umdinamopsiquismo que condiciona a organiza-ção fisiológica.

Diz o dr. Geley: "O estado de êxtase, dearrebatamento, de 'ausência' de um poeta, deum artista, de um filósofo, compondo sob a influência da inspiração, é absolutamenteidêntico, no fundo, ao estado segundo do mé-dium." Disto se reduz que todos os homens

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que criaram o gênio da humanidade foramseres supranormais com "condições orgânicas especiais", o que demonstra que esse "fatomuito simples" das "condições orgânicas"jamais constituiu um obstáculo para que a ciência ou o estudioso não os considerassemcomo criadores da cultura universal.

Em suma o supranormal pode conside-rar-se faculdade espiritual do homem que nassociedades futuras será um órgão natural.Por ele dominará as irrealidades do mundofísico e irá penetrando cada vez mais nasrealidades metapsíquicas que o rodeiam.

V

OS FATOS METAPSÍQUICOS

E A TESE DA CIÊNCIA ESPÍRITA

"O que a mediunidade manifesta não é a existência de inteligências ocultas, que po-voam o espaço: espíritos e perispíritos ou corpos astrais, que seriam imperceptíveis ao comum das pessoas, como afirma o espiritis-mo clássico. A mediunidade nos permite afirmar a existência de forças não comuns, pelo menos em sua forma de exteriorizar-se, mas que são inerentes ao próprio médium." "Bom é repetir que uma coisa são os fatos metapsíquicos e outra a tese que o espiritis-mo dá como provada pela mesma existência dos fatos da psicologia supranormal." (6)

Eis aqui outra das afirmações do dr.Troise que, como se vê, foram escritas comcerta leviandade; pois dizer redondamenteque "o que a mediunidade manifesta não é

(6) Relativamente "àquilo que a mediunidade mani-festa", pode repetir-se o que diz o Dr. Geley, respondendoàs objeções ao seu livro Do Inconsciente ao Consciente, ondeexpõe a sua concepção espírita do Universo, motivada poruma provável insuficiência dos fatos metapsíquicos para a justificar.

Estes fatos, diria ele, confirmam a minha filosofia: a meu ver, dão-lhe decisivo apoio. Mas de modo algum o condicionam. Se fossem falsos ou inexistentes, minha filo-

Eugenio

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a existência de inteligências ocultas, que po-voam o espaço", mas sim "a existência de for-ças não comuns, pelo menos em sua forma deexteriorizar-se, mas que são inerentes ao pró-prio médium, é não dizer coisa alguma decientífico ou filosófico e, ainda, desconhecera severa crítica que sobre a mediunidade vemsendo realizada por grande número de sábios,os quais chegaram a reconhecer que o que háde verdadeiramente interessante na m etapsí-quica não é o fenômeno em si, mas a explica-ção do próprio fenômeno.

É verdade que o nosso inteligente conten-dor propõe uma explicação, aliás vaga e su-perficial, ao afirmar que "o que a mediunida-de manifesta" é a "existência de forças nãocomuns pelo menos em sua forma de exterio-rizar-se, mas que são inerentes ao próprio médium"; mas esta maneira de opinar ou deafirmar não resolve inteiramente o problemadas manifestações espíritas e metapsíquicas,pois que se apresenta desprovida de força pe-rante os fatos como, por exemplo, os fenô-menos de materializações.

A posição do dr. Troise diante de todos os fenômenos da mediunidade é, até certo

sofia poderia subsistir completamente, quanto à metapsíquicae, mesmo, quanto a um sistema científico.

Com efeito, ela compreende o conjunto das ciências davida e está baseada, antes de mais nada, em nossos conheci-mentos relativos à evolução.

Eugenio

DIALÉTICA E METAPSÍQUICA - Humberto Mariotti 58

ponto, falta de lógica filosófica, desde queraciocinemos sobre o fato ectoplásmico do seguinte modo:

Qual a razão a que obedece, para que a existência dessas forças "inerentes ao próprio médium", primeiro se manifestem em diver-sos modos, e logo culminem em materializaçõesde seres vivos, tão vivos quanto os própriosexperimentadores, que raciocinam, falam, ges-ticulam e andam? Por que essas forças as-sumem sempre representações humanas dehomens e mulheres já falecidas, dando pro-vas do que foram em vida, com dados quefornecem aos experimentadores e não se apre-sentam, ao contrário, desde que sejam "forçasnão comuns" do indivíduo, com outras repre-sentações e formas de manifestar-se?

A simples análise de um único caso dematerialização deita por terra o raciocínio fi-losófico e, queiram-no ou não, uma nova ideiado ser e do mundo começará a mover-se namente do pensador.

Bom é aqui recordar que na produçãodos fenômenos metapsíquicos e espiritistasabsolutamente não intervêm os mesmos pro-cessos históricos da sociedade, que o mate-rialismo dialético descobre muito bem naexistência de quase todas as formas sociais.

Estes fatos novos — para a cultura clás-sica — a despeito do processo dialético que

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seguem as coisas, ainda mesmo que sejamunicamente o resultado da "existência de for-ças não comuns" e "inerentes ao próprio mé-dium", estão a mostrar-nos o único caso dahistória em que os modos de produção não intervêm de nenhuma maneira, e a necessidadede praticar uma severa revisão do materia-lismo dialético, no que respeita à sua inter-pretação que, do ponto de vista do parale-lismo psicofisiológico, postula sobre o indi-víduo.

Nada obstante, a existência dessas forças"não comuns" não convenceram o dr. Troise.Por isso, ao examinar em seu livro os pro-blemas do conhecimento, diz: "Nas condições psicofisiológicas do conhecimento não faze-mos referência à chamada psicologia supra-normal"

Parece oportuna a ocasião de fazer umapergunta.

Por que o Dr. Troise não fez referênciaà psicologia supranormal, como ele a denomi-na, se quis estabelecer em seu livro uma ver-dadeira teoria do conhecimento? Por queagora, se esta nova psicologia for real, seexistir, estará ele seguro de que o materialis-mo dialético seja um conhecimento completoe verdadeiro e não corra o perigo de ser im-pugnado por novos fatos, oferecidos por essapsicologia? Entretanto, posto a reconheça

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como verdadeira e chegue, até, a propor-lheuma explicação, fez ouvidos moucos e conti-nuou, com fé materialista, a considerar as con-dições do conhecimento e da história, dedi-cando-lhe apenas duas páginas.

A explicação e interpretação do fenômenometapsíquico, mais que qualquer outra coisa,é um problema de caráter espiritual e de com-preensão revolucionária, pois assim como sãomuitos os homens de ciência que teimam emnão enxergar, por detrás dos fenômenos so-ciais, as manifestações da injustiça social, as-sim também muitos são os que se recusam a ver nos fenômenos metapsíquicos e espiritistasmanifestações da imortalidade espiritual doSer.

Ora, se de acordo com a concepção dia-lética do mundo pensamos que tudo é vibra-ção e reação, e que tudo quanto existe estáem constante movimento, como poderemos ad-mitir, então, que esse eterno movimento dascoisas, mesmo dessas "forças não comuns",mediante um simples fenômeno de transemediúnico, logre a gestação de fatos ectoplás-micos, que culminam na materialização de se-res vivos, que falam, pensam e revelam todauma personalidade'? Que "ideia diretriz"existe ou vive no processo dialético do mundoe do universo, que consegue realizar, no curtoespaço de tempo que dura o transe supranor-

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mal, aquilo que custa todo um processo degestação no ventre materno?

Se concedermos aos fenômenos metapsí-quicos toda a importância que eles têm, a concepção dialética tornar-se-á insustentável,desde que a encaremos do ponto de vista doparalelismo psícofisiológico, no que tange aoindividualismo do Ser. Pois se o homem e a matéria são ambos de natureza dialética,a que fator será devido que o ser individualda pessoa se mantenha coeso e sem se diluirna corrente dialét ica das coisas? Por que, ao passar através do fluxo e do refluxo damatéria e por todas as contingências e provashistóricas, o Ser se mantém inalterável, vivoe consciente de si mesmo?

Uma prova disso é o que se observa noprocesso dialético que se realiza nos próprioslóbulos e localizações cerebrais que, não obs-tante o mesmo processo, não se desvanece a identidade individual do Ser por um instantesequer. Com este resultado não seria, pois,aventuroso deduzir que movimento e inteli-gência não se confundem numa expressão úni-ca do processo dialético, mas seriam duasmanifestações da Vida, que se atritam conti-nuamente.

As interrogações que temos erguido, jun-tamente com muitas outras que existem, nãoseriam mais que confirmações da doutrina

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espiritista, isto é, as provas indiretas da teseespírita, relativamente ao conteúdo dos fe-nômenos metapsíquicos.

Por mais que se queira opinar em con-trário, a união do espiritismo e do materia-lismo é um fato, pois o Espírito, a força e a matéria são, em última análise, fases suces-sivas da unidade criadora do universo.

Como já dissemos de outras vezes, já pas-sou a hora do materialismo filosófico. Büch-ner, Moleschott e os demais sustentadores domaterialismo moderno, posto tenham pres-tado grande serviço à ciência e ao gênero hu-mano, para o emancipar do espírito sectárioque os dominava, em nossos dias estão rele-gados a segundo plano, de vez que a biologiae a psicologia, por processos diversos, vãoprovando "as múltiplas radiações do corpohumano, chamadas raios vitais, ondas etéreas,vibrações neuropsíquicas, fluidos magnéticos,emanações ódicas ou matéria ectoplásmica."

"Constata-se experimentalmente na natu-reza que os eflúvios vitais emanam de todosos objetos, quer sejam estes minerais, ve-getais ou animais, pois já hoje se sabe quenela tudo vibra e radia, agindo e reagindo.

"A ciência provou que as células nervo-sas trabalham como se fossem circuitos elétri-cos oscilantes, carregando e descarregando

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periodicamente sua energia vital. Algumasdestas ondas vivificantes, que se geram nascélulas, são chamadas raios mitogênicos, de-vido à influência que projetam nas célulasde outros tecidos orgânicos, cooperando, as-sim, para o seu desenvolvimento e multipli-cação.

"Atualmente, sob a ação de ondas rá-dio-elétricas curtas, é possível fazer germinarem pouco tempo um grão de trigo ou de mi-lho, tal como o fazem os faquires, pela impo-sição magnética das mãos.

"Está provado no organismo humano queos pensamentos e as emoções se manifestamatravés de uma zona de influência eletro-magnética, chamada aura vital, por meio deradiações, de um certo modo semelhantes aosraios X, de comprimento e intensidade va-riáveis" (7) .

A teoria do paralelismo psicofisiológico,sustentada por homens ilustres, como Vogt,Haeckel, Büchner, Le Dantec, Molleschott e Sergi, na hora presente chega ao seu ocaso.

"Entre outras considerações", escreve Er-nesto Bozzano, "apresentaremos dois ou trêscasos que demonstram como a fórmula de que"o pensamento é uma função do cérebro" é

(7) F. Roberto Caimi.

Eugenio

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insustentável como teoria científica e filosófica".

(*) Indigência, penúria, grande pobreza. (Nota do Pense)

"É sabido que os casos que vamos mencio-nar se multiplicaram com a grande guerrapassada e foram observados na França, naItália, na Inglaterra, na Alemanha, nos Esta-dos Unidos, na Bulgária e em outras partesdo mundo. Todos eles estão sob os nossosolhos, apresentando cada um traços caracte-rísticos, que os tornam teoricamente impor-tantes e lamentamos que a falta de espaçonão nos permita transcrevê-los."

Assim refere o dr. Gustave Geley o fatoque se segue:

"Será necessário recordemos a inópia (*) dateoria das "localizações cerebrais," que tãobelas esperanças alimentou há cerca de umquarto de século? Será preciso mencionemosos casos famosos e relativamente frequentesde lesões profundas dos centros nervosos, emregiões consideradas essenciais, e que não sãoseguidas de nenhuma perturbação psíquica decaráter grave, nem de qualquer outra res-trição da personalidade?

"Baste que lembremos apenas aquele casotípico, publicado em 1917 pelo dr. Guépin:"Um jovem, chamado Louis B . . . , havia so-frido a ablação de uma parte considerável dohemisfério cerebral esquerdo (substância cor-tical, substância branca e centros corticais)e, nada obstante, ficou intelectualmente nor-

Raoni

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mal, a despeito da ausência das circunvolu-ções consideradas como sede de funções es-senciais. Casos análogos — alguns verdadeira-mente clássicos — foram publicados em todaparte".

"Se a teoria das 'localizações' se tornacada vez mais insustentável, não é menos certoque em sua queda também arrasta a tese do'paralelismo estrito'. Se ainda é possível— mas infelizmente não se pode prová-lo — que a cada fenômeno psíquico correspondauma modificação cerebral, não seria mais pos-sível sustentar que cada modificação cerebraltenha aparelhado um fenômeno psíquico; e, emtodo caso, não se tem mais o direito de pre-tender que a perda de uma parte da substân-cia encefálica corresponda uma deficiênciapsicológica; ao mesmo tempo há que renun-ciar, de uma vez por todas — como já o ha-via previsto Bergson em 1897 — à hipótesede um cérebro conservador de 'recordaçõesimagens' e achar novas teorias que determi-nem seu papel no processo do ato memorial.Muito longe de ser indispensável condição dopensamento, o cérebro não é mais do que o prolongamento deste no espaço, o seu 'acom-panhamento motor' e, em relação àquele, po-deria ser considerado como um órgão de pan-tomima."

Como se pode ver, o dr. Troise se deixalevar logicamente, pela mesma análise dos

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fatos, a conclusões que concordam de maneiraabsoluta com as teorias de Geley, Lodge,Flammarion e tantos outros, que se dedicaramao nobre estudo dos fenômenos espíritas.

"Descontamos de antemão", escreve Boz-zano, "que os partidários da fórmula: "opensamento é uma função do cérebro", hajamtratado de dar alguma explicação dos casosmencionados, supondo que, em determinadascircunstâncias, os lóbulos cerebrais que ficamintactos, substituam os que foram destruídos.Tal hipótese, entretanto, não só é gratuita e contradiz a teoria das localizações e a do 'pa-ralelismo psicofisiológico', mas se acha pe-rante um obstáculo insuperável, quando seanalisam aqueles casos em que o órgão cere-bral foi encontrado pela autópsia completa-mente destruído por um tumor, mau grado o enfermo tivesse conservado, até o último mo-mento, o uso de suas faculdades intelectuais."

Pa ra confirmar sua tese, Bozzano expõeo seguinte exemplo:

"Trata-se de um suboficial de guarniçãode Ambères, o qual há dois anos acusavaterríveis dores de cabeça, posto cumprisse comtodos os deveres inerentes a seu cargo. Umdia morreu de repente e o cadáver foi levadoao hospital, para ser autopsiado. Aberto o crânio, não se encontrou senão uma massade pus; e nem um traço de matéria cerebral.E, posto esta transformação de células em

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pus — isto é, sua destruição pela enfermidade— não se tivesse realizado instantaneamente,mas devesse ser a consequência da evoluçãolenta de um abcesso, podemos deduzir que du-rante um período bastante longo, aquele sub--oficial cumpriu seus deveres quando não pos-suía mais do que uns resíduos de seu órgãocerebral. É assim que se demonstra que o pensamento não está tão intensamente vin-culado ao cérebro, como pretende afirmá-loa tese materialista.

E, acrescenta Bozzano: "Fica, pois, de-monstrado que, em certas condições excepcio-nais, a inteligência não sofre alterações, a despeito da destruição do cérebro. A hipó-tese gratuita, formulada pelos filósofos, se-gundo a qual os lóbulos cerebrais intactossubstituem em suas funções àqueles que foramdestruídos, fica inexoravelmente desvirtuada.Deve, pois, concluir-se que os casos desta ca-tegoria são absolutamente inexplicáveis comhipóteses fisiológicas e, além disso, ao mesmotempo fica reduzida a nada a errônea teoriade que "o pensamento é uma função do cé-rebro". Devemos, pois, necessariamente, subs-titui-la pela hipótese oposta, segundo a qualo órgão cerebral é vigiado e dirigido em suasfunções por algo que é essencialmente dife-rente, onde reside a consciência individual.Po r outras palavras, tudo concorre para pro-var a existência de um "cérebro supranormal

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ou etérico", imanente no cérebro físico: e, porconseguinte, a existência de um "corpo su-pranormal ou etérico" imanente no "corposomático."

Ao dizer, pois, que o materialismo me-canicista e filosófico é um sol apagado que sesome no acaso, não o fazemos, como verá o dr. Troise, por pura fé romântica na exis-tência do Espírito, mas pelas inúmeras de-monstrações obtidas nos laboratórios metapsí-quicos e espiritistas, pelos mais representati-vos homens de ciência. Se dizemos que o cé-rebro não segrega o pensamento, como o fí-gado a bile; que um corpo pode ser destro-çado, rasgado pelo bisturi, mas que o espíritopode continuar pensando e agindo livremente,enquanto o corpo jaz insensível por meio dosefeitos de um narcótico, dizemo-lo porque o Espírito foi achado pelo imortal microscópiode William Crookes, ao descobrir um quartoestado da matéria e pela investigação cientí-fica do pensamento moderno.

Impossibilitada de explicar os principaisproblemas da personalidade humana, tais co-mo a subconsciência da pessoa, a despeito darenovação contínua das células cerebrais; asdesigualdades intelectuais entre indivíduosnascidos de pais idênticos, o caráter inatode certas faculdades, entre as quais as supra-normais; a natureza fisiológica do sonho etc,a psicologia clássica demonstrou, desde o co-

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meço do século 2 0 , a sua insuficiência cien-tífica, ao permanecer aferrada à doutrina doparalelismo psicofisiológico."

Vejamos o que diz o dr. Geley na ReviteMétapsychique de janeiro-fevereiro de 1922,às páginas 22 a 24. Com isto, por mais in-verossímil que pareça, deveremos aceitar de-finitivamente uma evolução do materialismocientífico para o espiritismo moderno. Dizele assim:

"Não existe paralelismo psico-anatômico,porque as ações dinâmicas sensoriais e psí-quicas podem realizar-se fora do próprio ór-gão, por uma verdadeira exteriorização. Nãohá paralelismo psicofisiológico porque o "transe", durante o qual o "subconsciente su-pranormal" se manifesta em todo o seu po-der, é uma espécie de aniquilamento da ati-vidade dos centros nervosos, que às vezeschega até o coma!

"Como poderíamos achar paralelismo navisão à distância, através de obstáculos ma-teriais e fora do alcance dos sentidos? Ouna lucidez?. . .

"Os fenômenos subconscientes tambémsão contrários ao velho ensino clássico, se-gundo o qual não existe mais do que a memó-ria cerebral; e é sabido que a memória cere-bral é limitada, infiel e caduca; não guardasenão uma parte ínfima das impressões —

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lembranças do Ser. A maior parte dessasimpressões parece que se perdem para sem-pre. Em compensação, nos estados subcons-cientes vemos aparecer uma memória muitodiversa, infinitamente vasta, fiel e profunda.

"Damo-nos conta de que tudo quanto hápassado pelo campo psíquico subsiste nessamemória subconsciente, em forma completae indestrutível. Hoje são inumeráveis osexemplos dessa prodigiosa criptomnésia, pro-vando que, sob a memória cerebral, estreita-mente vinculada às vibrações das células ce-rebrais, existe uma memória subconsciente su-pranormal, independente de toda contingênciacerebral.

"A humanidade é, portanto, dupla, comoo é a consciência.

"Há uma consciência e uma memóriavinculada estreitamente ao funcionamento doscentros nervosos, e que constituem tão somen-te uma pequena parte da individualidadepensante. Mas há, também, uma consciência e uma memória independentes do cérebro. Estaé a fração maior da individualidade pen-sante, que não está limitada pelo alcance doorganismo e que, consequentemente, podeexistir antes dele e sobrevivê-lo. Longe de ser o fim de individualidade pensante, a morte, aocontrário, parece que não faz mais do que li-bertá-lo das limitações cerebrais e determinara sua expansão.

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"Todas essas deduções — jamais me can-sarei de repeti-lo — não são meros postuladosmetafísicos, pois estão baseadas em fatos concretos. A lógica sobre que repousam é absolutamente racionalista e não foi possível insinuar nenhuma refutação a respeito."

Com a autoridade científica e filosóficado dr. Gustave Geley, não nos resta mais doque repetir que a escola materialista, mecani-cista e filosófica — a despeito das grandesdescobertas e benefícios que prestou à ciência— é atualmente inadequada para interpretare resolver o complexo-psicológico da indivi-dualidade do Ser, enquanto não se resolver a aceitar este postulado, que diz:

"Existe no ser vivente um princípio di-nâmico e psíquico, de ordem superior, inde-pendente do funcionamento orgânico, que preexiste ao corpo e o sobrevive. Esta certeza será a origem da imensa revolução que se haja realizado nos domínios da atividade intelectual e moral da espécie humana."

Hans Driesch também confessou decidi-damente o ocaso do materialismo e sua con-fissão se traduz numa enérgica repulsa aoparalelismo psicofisiológico. Ao afirmar a realidade dos fatos metapsíquicos e espíri-tas, Driesch estuda a importância que essafenomenologia supranormal tem para o conhe-cimento e para a filosofia, afirmando que duas

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ciências clássicas estão chamadas a transfor-mar-se radicalmente, devido a isso: a biologia e a psicologia. Diz ele: "Por conseguinte, a nossa filosofia deverá modificar-se substan-cialmente, por isto que toda ciência em par-ticular chega a estas conclusões finais: que a alma faz parte integrante da filosofia.

E conclui: "O 'paralelismo' impôs-se de1850 até 1900. Fazia parte integrante da psi-cologia ortodoxa. Esta situação teórica eraverdadeiramente curiosa, pois o paralelismonão passa de enorme absurdo, absolutamenteinsustentável. Hoje nada resta de pé do pa-ralelismo físico-mecânico. É-nos apenas per-mitido falar de um paralelismo psicofísicomuito geral, afirmando que nossa vida cons-ciente é paralela à ação de nossa alma sub-consciente. Mas é coisa muito diversa afirmar que existe um paralelo entre a vida conscien-te e a ação de uma máquina mecânica... —a independência do Espírito está, pois, a salvo: a alma e o corpo são duas entidadesem relação casual, mas não idênt icas . . . " E acrescenta: "Aqui é que se abrem as portasà metapsíquica. Nós construímos umas pon-tes sólidas e firmes que conduzem àquelaspartes de ciência que achamos normais e àque-las outras que consideramos anormais ou su-pranormais. O maior obstáculo da parapsico-logia, o materialismo sob todas as suas formas,

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foi eliminado." E nós acrescentamos: a cer-teza científica da existência do Espírito é a base ún i ca sobre que se assenta esse mundonovo, que os ideais de progresso querem hojedar de presente à humanidade.

A mediunidade, ou o fenômeno metapsí-quico, diz o dr. Geley, desprovida de todoensaio lógico de interpretação, consideradaisoladamente e sem levar em conta o problemafilosófico, que encerra o fato em si, é de mui-to pouco interesse.

Tomemos como exemplo os fenômenos fí-sicos da mediunidade: os movimentos dosobjetos, seu transporte de um ou outro ladodas salas de sessões, a levitação de um móvel,as percussões etc. Todos esses fatos, con-siderados em si mesmos, não oferecem abso-lutamente nada de notável. Sua importância,seu interesse liga-se inteiramente às pergun-tas : Como tais fenômenos puderam produzir--se sem intermediário apreciável? Por que força desconhecida e sob que direção inteli-gente foram produzidos?

E acrescenta: Que nos importariam aspercepções táteis ou a visão de fulgores, deórgãos, e de organismos materializados, semo mistério — mistério fisiológico, mistériopsicológico, mistério filosófico — que tais vi-sões, queiramos ou não queiramos, impõem à nossa reflexão?

DIALÉTICA E METAPSÍQUICA - Humberto Mariotti 74

Em seu livro La Connaissance Supra-normale" diz o dr. Eugène Osty: "É con-denar-se resolutamente à esterilidade crer e dizer, como tenho lido algumas vezes, que emmetapsíquica, ciência em formação, convémaglomerar fatos, muitos fatos, sempre fatos, deixando sua explicação ao cuidado das ge-rações futuras. Aquele que adotasse tal pro-grama tomaria uma tarefa fácil, mas de es-cassa utilidade e supérflua, do momento emque, logradas todas as variedades de fatos,não fará mais do que acumular aquilo que jáé conhecido."

William Crookes, que não era um religio-so, nem sequer um filósofo, que tantas luzesdeu com seu gênio ao conhecimento científicoe à técnica do homem, não se atreveu a dizerque "o que a mediunidade manifesta seja 'aexistência de forças não comuns', mas quesão inerentes ao próprio médium".

Katie King, comprovada tão escrupulosa-mente pelo grande físico inglês, não pode seruma força "inerente ao próprio médium",pois se a forma materializada de Katie fosseum prolongamento do próprio médium, te-ríamos então que aceitar estas duas propo-sições :

1.° — Que todo indivíduo de natureza me-diúnica é um taumaturgo maravilhoso que,acima dos demais seres, consciente ou incons-cientemente, pode criar, dando-lhes atributos

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de vida e de inteligência, órgãos e seres hu-manos, que jamais lograram ser produzidosnos laboratórios científicos, onde o pensa-mento do homem conseguiu as mais brilhantesconquistas; e

2.° — Que se existirem seres humanosque possam dar forma a outros seres vivos,nos quais o coração pulsa, o pulmão respira,e a organização corpórea é perfeita, teremosque duvidar de existência real de muitaspessoas que passam ao nosso lado, pois temoso direito de suspeitar que sejam as materia-lizações de certos médiuns, fugidas das salasde experimentação.

Como se vê, estas duas suposições se afi-guram muito mais inverossímeis que a pró-pria tese espírita.

Muitas são as hipóteses que foram cria-das, por não querer admitir-se a probabilida-de de que o Espírito humano possa manifestar--se, pelas condições especiais que cria a me-diunidade, depois que se haja despojado doorganismo fisiológico.

Um certo número de investigadores anti-espíritas recorreram à hipótese do subconsci-ente, pela qual os médiuns têm, consciente ouinsconscientemente, o poder de provocar todasas manifestações espíritas e metapsíquicas.

Esse poder do subconsciente dos médiunsleva a pensar que o homem normal é um ser

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impotente, enquanto que no estado supranor-mal é capaz de superar até o processo dasleis naturais.

Se isso fosse certo, a ciência deveria, nestesentido, apressar os seus estudos e procurarlevar o homem a esse estado mediúnico per-manente, isto é, criar uma raça supranormal,para aproveitar os poderes maravilhosos quetem o ser nesse mundo subconsciente.

Já que tratamos dos poderes subconsci-entes do médium, devemos fazer uma adver-tência ao dr. Troise: os espíritas admitema existência desse poder criador supranormal;muitos sãos os casos de mediunidade que seexplicam por sua simples intervenção, sendoestes catalogados pela ciência espírita comofenômenos de animismo, isto é, são inerentes ao próprio médium; mas daí a admitir quetoda a fenomenologia metapsíquica seja dessamesma natureza há muito que dizer e quepensar.

Segundo Hans Driesch, "a ação espíritanão consiste apenas numa ação procedentedo mais além; não é forçosamente dos espí-ritos que provêm as comunicações; ao con-trário, estas podem consistir numa leiturafeita pelo médium na consciência do Espírito,o que reduz a ação espiritual a uma leiturade pensamento, ainda mesmo quando esta nãose produza entre vivos".

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Deixando de lado, pelo momento, os de-mais fatos, o fenômeno das materializaçõesé, ao nosso entender, a prova mais conclu-dente de que o Ser é indestrutível pela mortee de que pode manifestar-se com a realidadetangível de nosso mundo, em certas circuns-tâncias especiais.

Quem houver meditado nas materializa-ções de Katie King, de Estela Livermore, deBien Boa, de Benjamin Franklin e de outros,ante essa plenitude espiritual do fenômenometapsíquico, recordará logo este pensamentode Charles Richet, em seu Traité de Mé-tapsychique: "Talvez amanhã a metapsíquicatenha o direito de subir ainda mais, para umamoral, para uma sociologia, para uma teo-dicéia novas."

Uma materialização que fala, que acari-cia, que dá consultas para o melhor resultadoe melhor controle das sessões; que senteafeto pelos investigadores, que tem o dom humano da pessoa, ou é a manifestação deuma entidade espiritual, ou forçosamente faráduvidar de tudo quanto manifestaram os in-vestigadores nas atas lavradas para dar tes-temunho dos fatos ou, por outro lado, faránegar a mesma realidade dos fenômenos.

Nesta grande questão, só a filosofia e a lógica em estado de liberdade poderão inter-pretar os fenômenos metapsíquicos e espíri-

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tas com probabilidades de alcançar a origemespiritual que os provoca, mas sem a elesvincular os velhos dogmas das ciências clás-sicas, que tudo reduzem ao indivíduo medi-único ou ao subconsciente, este deus ou de-mônio, que zomba da razão humana, criandofantasmas ilusórios e "revivendo os mortos para enganar aos vivos".

Por mais que se queiram desviar da teseespírita as formas humanas materializadas,que revelam toda uma constituição fisiológicae biológica, ela é a única que lhes pode daruma explicação que responda à lógica cien-tífica e à razão humana. Do contrário, queseriam as materializações, esse portento demistério.

Não era em vão que Jaime Ferrán, o grande sábio espanhol, se assombrava dasmaterializações, no prólogo que escreveu paraa edição espanhola do livro de Richet, já men-cionado, quando diz: "Temos que confessarque estas constituem o grande enigma da me-tapsíquica. O fato de aparecerem formasde contornos vagos, dotados de uma lumino-sidade especial, que acabam por adquirir o aspecto de órgãos, de membros e até de fi-guras humanas completas, que falam, que semovem, que respiram, exalando ácido carbô-nico; que têm pulsações arteriais, um coraçãoque bate, e temperatura normal; que se des-

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vanecem em presença dos espectadores e que,mesmo agarradas fortemente, se dissolvem,sem deixar o menor rastro — ninguém po-derá negá-lo — constitui um grande enigma".

Daí estarem estas conclusões materialis-tas, sempre desvalorizadas por esses fenôme-nos formidáveis, dando lugar a uma tesedogmática — se é que resistem à evolução— fazendo o mesmo que o dogma eclesiásticona ordem religiosa.

Continuar a pensar que as formas mate-rializadas de Katie King, de Bien Boa, deEstela Livermore, de Benjamin Franklin e as observadas por todos aqueles que atual-mente se dedicam a estudo desses fatos, são"inerentes ao próprio médium", é retardar o esclarecimento filosófico dos fenômenos e o advento da verdade que eles nos trazem.

Diz ainda Hans Driesh (8): "Podemosdesde logo afirmar que a parapsicologia enri-quece a psicologia, e com ela a metapsíquica,de maneira extraordinária; e que ela influen-cia igualmente, de modo excepcional e de-cisivo, as mais altas especulações metafísicas, o problema da morte e o da unidade de tudoquanto é Espíri to; e isso, quer se atribua o conteúdo espiritual do mundo a uma cons-

(8) Trechos do discurso pronunciado pelo Prof. HansDriesch no Congresso Metapsíquico Internacional de Paris,em setembro de 1927.

Eugenio

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ciência universal, quer se considere o mundodo Espírito, de acordo com o espiritismo,como uma sociedade de seres indestrutíveis,estreitamente unidos uns aos outros. Nessereino, tanto num caso como no outro, chega-seao conceito de Unidade".

William Crookes fala das materializaçõescomo se se tratasse realmente de seres hu-manos. Por que? É possível que a percepçãosensorial de um sábio, que teve suficienteacuidade mental para realizar tantos inven-tos e descobrir leis importantes na natureza,haja carecido dela perante as materializaçõescomo as de Katie King e não tenha podidodeduzir se essa forma era ou não uma força"inerente ao próprio médium"? Se assimfosse, ao referir-se à personalidade de Katie,não teria Crookes se exprimido assim: "Masé tão impotente a fotografia para pintar a perfeita beleza do rosto de Katie King, quan-to o são as palavras para descrever o encanto de suas maneiras. É certo que a fotografiapode dar um desenho de sua atitude; mascomo poderia reproduzir a brilhante pureza de sua cútis, ou a expressão incessantemente mutável de suas feições tão móveis, ora vela-das de tristeza, quando conta algum amargo episódio de sua vida, ora sorridente com toda a inocência de uma mocinha, quando eu havia reunido minhas crianças em torno dela, e as

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divertia a contar-lhes episódios de suas aven-turas na Índia"? (9)

Ademais, é bom mencionar as instruçõesdadas pela própria Katie King a Crookes,quanto à proteção que deveria dar ao seumédium, Florence Cook, uma mocinha deapenas quinze anos.

"Dessas instruções, que foram estenogra-fadas, diz William Crookes, referirei o se-guinte :

"A senhora Crookes agiu sempre muitobem e é com a maior confiança que eu deixo Florence em suas mãos, pois estou perfeita-mente segura de que não me faltará à fé quetenho nela. Em todas as circunstâncias im-previstas poderá agir melhor que eu mesma, porque tem mais força."

Por outro lado, é preciso lembrar que estamaterialização não cessa nunca de afirmarcom insistência a sua individualidade inde-pendente, isto é, que não é uma forma "ine-rente ao próprio médium", como diz o dr.Troise. Dá a saber aos experimentadores o nome que tinha em vida; narra tristementeas dolorosas vicissitudes de sua curta exis-tência terrena, como nos diz o engenheiroErnesto Bozzano e, ainda, trata de provar deoutra maneira a sua independência espiri-

(9) William Crookes: Novas experiências sobre a Força Psíquica, págs. 204/5.

Eugenio

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tual, aparecendo ante os olhos dos experimen-tadores ao mesmo tempo que o médium, dei-xando-se fotografar com este e com Crookes,permitindo que este e a escritora FlorenceMarryat a toquem, a beijem e escutem asbatidas de seu coração, enfim, despertando o médium e com ele conversando.

Na inolvidável sessão em que fez a suadespedida dos investigadores, Katie Kingtraçou, definitivamente, para o bem da hu-manidade e da ciência, uma linha divisóriaentre o seu ser espiritual e a personalidadehumana do médium, senhorita Florence Cook.

Vejamos como Crookes relata este últimoepisódio que, na opinião de Bozzano, revesteum grande e decisivo valor psicológico.

Diz ele: "Uma vez terminadas as suasinstruções, Katie me convidou a entrar comela no gabinete e me permitiu que ali esti-vesse até o fim. Depois de haver corrido a cortina, falou comigo durante alguns instan-tes, depois atravessou o aposento para apro-ximar-se da senhorita Cook, que jazia inani-mada no solo. Inclinando-se sobre ela, Katietocou-a e lhe disse: "Desperta, Florence, desperta! Agora é preciso que eu vos deixe".

A senhorita Cook despertou e, banhadaem pranto, pediu a Katie que ficasse aindapor algum tempo. Katie respondeu: "Que-rida, não posso; minha missão está cumprida. Que Deus te abençoe! "E continuou falando

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a senhorinha Cook. Durante alguns minutosfalavam ambas, até que, por fim, as lágrimasembargaram a voz da senhorinha Cook. Se-guindo as instruções de Katie, lancei-me paraamparar a senhorinha Cook, que ia cair aosolo e soluçava convulsivamente... Olhei emvolta de mim, mas Katie e seu vestido brancohaviam desaparecido." (10)

Neste maravilhoso episódio, diz ErnestoBozzano, estão reunidas as melhores provasque a ciência tem direito de exigir, para admi-tir a independência psíquica de uma perso-nalidade mediúnica. Isto é, de um lado temoso fato da forma materializada, visível ao mesmo tempo que o médium; e do outro, a circunstância, psicologicamente decisiva, deduas individualidades distintas, ambas deposse de suas faculdades conscientes, que con-versam afetuosamente e, comovidas, trocamos últimos adeuses. Como é possível, antetais provas, falar seriamente de "prosopopéia--metagnomia"? Quem pode imaginar hones-tamente que as duas metades de uma mesmapersonalidade tenham o poder de desdobrar-see transformar-se em duas individualidadescompletas, dotadas de traços intelectuais ca-racterísticos, e cada um a seu modo? Quemse atreveria a sustentar que a personalidadesubconsciente do médium, exteriorizando-se

(10) Opus cit., pág. 207.

Raoni

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e materializando-se se transformasse, comoque por artes de encantamento, numa perso-nalidade que ignora por completo, que per-tence à outra metade da "vida de si mesma",que tem à sua frente e que além do mais,essa ignorância, compartilhada, fatalmentepela outra metade, possa chegar a motivar queessas duas desgraçadas secções da alma,ambas deploravelmente enganadas, acabempor imaginar — e não se sabe por que ocul-tos mistérios da prosopopéia — que em brevetêm de separar-se para sempre, e que o sin-tam tanto que se prodigalizem, reciprocamente,frases afetuosas e desoladas palavras de des-pedida? Digamos com o professor Hyslop: "Nãotem limites a credulidade de quem seja capazde sustentar seriamente uma tal interpreta-ção dos fatos".

Não nos parece inútil examinar o episó-dio acima descrito do ponto de vista psico-fisiológico. Neste caso, acrescenta Bozzano,achamo-nos em frente a duas personalidadesreais, perfeitamente visíveis, tangíveis, foto-grafáveis: o médium, senhorinha FlorenceCook, de um lado, e o fantasma materializadode Katie King, do outro, os quais amiúdeconversam carinhosamente. Em termos psico-fisiológicos, este fato significa que as duaspersonalidades mediúnicas acionavam si-multaneamente os centros corticais da iner-

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vação da linguagem falada. O fim e o temade seus diálogos era a separação definitivaque se fazia iminente, correndo as lágrimasdo médium ante as comovedoras manifesta-ções de carinho, expressas pela entidade ma-terializada. Do ponto de vista psicofisioló-gico, isto demonstra que ambas faziam atuarsimultaneamente os mesmos centros corticais de elaboração dos sentimentos afetivos. Nes-tas condições achamo-nos ante um fenômenoirrefutável de duplicidade real, indiscutível,dos centros e faculdades psíquicas, o quenunca logrará explicar a "prosopopéia", porisso que, no caso de "personalidades alter-nantes" de origem patológica, prova-se cons-tantemente que as faculdades psíquicas oupsicofisiológicas de que, num momento dado,se serve uma das ditas personalidades, faltamna outra, o que, além do mais, era fácil deprever mesmo a priori.

Aliás, não será inútil acrescentar, emapoio a esta tese, que a personalidade deKatie King, longe de submeter-se sempre e passivamente aos desejos formulados mental-mente, ou de viva voz, pelas pessoas reunidas,longe de refletir automaticamente a von-tade do médium, ou a de Crookes, comporta-secomo bem entende; aconselha, exorta, cen-sura, nega-se, às vezes, a responder a algumasperguntas indiscretas e, quando interrogada

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a propósito das causas de seu reaparecimentona Terra, responde que seu regresso é o resul-tado de uma missão, de fato uma expiação,e que constitui para ela um meio de ulteriorprogresso espiritual.

E eis que um dia a personalidade mediú-nica, de que falamos, anuncia a seus bonsamigos da terra que sua missão está chegan-do a termo e que em certo dia deixará demanifestar-se de modo tangível. Mas — per-guntareis — apesar da vontade intensa detodos de não a perder; apesar das lágrimase da insistência do médium; apesar da oni-potência da ideia plasticizante e organiza-dora do médium, como não foi possível, nemmesmo por apenas um dia, que aquele fan-toche criado pela "prosopopéia", não se mos-trasse profundamente sensível a tantas de-monstrações de afeto e tivesse que se despe-dir de seus amigos, como se obedecesse a umavontade suprema, de uma origem muito maiselevada ?

Que raça de títeres prosopopéicos é esta,pergunta Bozzano, que apenas nascidos sefazem independentes intelectualmente; pen-sam como lhes apraz; agem como querem;tomam a identidade dos seres que outroraviveram na terra; demonstram que é certoaquilo que dizem por todas as provas pessoaisque humanamente é lógico exigir; manifes-tam-se quando lhes convém; despertam os

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médiuns e falam com eles; vão-se e voltamquando menos se espera; falam de uma mo-rada espiritual que habitam, e não obedecemà vontade de ninguém, salvo, quiçá, à de umaentidade espiritual superior, à qual incessan-temente fazem alusão com o maior respeito?

Na verdade, dr. Troise, quantos casosformidáveis para serem resolvidos, se só nosacudir a hipótese da "prosopopéia-metagno-mia", e a que diz que "são inerentes ao pró-prio médium"?

"Aquilo que a mediunidade manifesta'' — é evidente para o estudioso — antes de revelarfatos e fenômenos que se possam explicarpelos poderes subconscientes ou supranormaisdo médium, mostra-nos outras manifesta-ções, que são provas inegáveis de que o ho-mem é uma essência espiritual eterna e que,em ocasiões propícias, faz-se presente ao pen-samento humano, para ir conhecendo sua ver-dadeira natureza e vislumbra, posto que,veladamente, o sublime destino que lhe estáreservado no infinito do universo.

"Faz-nos pensar na instituição de outrasexperiências, sequência das primeiras, desti-nadas a determinar a natureza das relaçõesentre o cérebro e o pensamento e, como con-sequência eventual, a possibilidade de sobre-vivência do homem, já como indivíduo perdu-

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rável, já como representação mnésica naconsciência universal." (11)

Numa palavra, "o que a mediunidademanifesta, nos inclina a buscar "a solução doproblema da pessoa humana real, explorando experimentalmente o homem vivo", como dio dr. Osty ao referir-se aos métodos a em

z

pregar com os indivíduos metagnomos e emseus valores psicológicos.

Oliver Lodge, esse gênio da física mo-derna, não teve dúvidas em afirmar o con-teúdo espírita da mediunidade. Em seu livroA realidade de um mundo espiritual, sintetizade modo preciso os fundamentos da tese es-pírita, dizendo:

"Em sua forma mais simples e crua, a hipótese espírita consiste na afirmação deque somos espíritos atuando sobre corpos materiais, estando, por assim dizer, encar-nados na matéria por algum tempo, mas quenossa existência verdadeira não depende de nossa associação com a matéria, ainda quando esta constitua um indício e uma demonstra-ção de nossa atividade.

"Mostramo-nos aos nossos semelhantespor meio dos organismos materiais que in-conscientemente construímos para esse fim;daí que se o organismo for lesado, nossa ma-nifestação será imperfeita; e se a lesão for

(11) Eugène Osty — La Connaissance Supranormale.

Eugenio

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séria, é possível que tenhamos que abandonar o organismo e ficar dissociados da matéria.

"De acordo com esta hipótese, após essa dissociação, nossas atividades psíquicas con-tinuam como antes, mas então localizadas no Espaço.

"E somente quando conseguirmos estabe-lecer algum contado temporário com a ma-téria, estaremos capacitados para fazer algum sinal ou demonstração da continuidade de nossa existência aos outros seres ligados à matéria e obrigados a perceber por seus sen-tidos normais".

O que a tese espírita sustenta sobre o indivíduo, isto é, que o ser é imortal, não só en-contra apoio nos fenômenos de materializa-ção, mas ainda nos surpreendentes fenômenosde moldagem em parafina de pés e mãos ma-terializados, nos quais se observam os deta-lhes da pele e a constituição anatômica e atéas impressões digitais do ser que se mani-festa, obtidos pelo dr. Geley no InstitutoMetapsíquico Internacional, de Pa r i s ; estesfatos, segundo a opinião do mesmo dr. Geley,encerram consequências absolutamente revo-lucionárias para a biologia e para a psico-logia.

O que é inegável e perfeitamente certoé que, mesmo admitindo por um momentoque a origem dos fenômenos metapsíquicosfosse devida a só "existência de forças não

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comuns", mas que "são inerentes ao próprio médium", este mesmo fato, com o qual crêsalvar-se a insuficiência científica do mate-rialismo, quer este seja mecanicista, querdialético, demonstra-nos, em uma palavra,que a mediunidade, e sobretudo a que serefere às materializações, significa forçosa-mente a negação desta teoria e que a ideia não pode ser considerada jamais como umproduto ou secreção da matéria.

Em conclusão, pode afirmar-se o seguinte:Tanto em biologia quanto em metapsí-

quica, tudo se manifesta como se o ser físicoestivesse substancialmente constituído poruma essência primordial única, cujas forma-ções orgânicas não passassem de simplesrepresentações, de onde se deduz que no indi-víduo não se desenvolve apenas uma fisiologianormal, mas também uma fisiologia supra-normal (Geley), que leva em si a necessidadede admitir-se a existência de um dinamismosuperior organizador, centralizador e dire-tor, o qual obedece por sua vez a uma ideia diretriz.

Segundo o dr. Geley, essa ideia diretrizencontra-se em todas as criações biológicas,quando se trata de uma materialização anor-mal, mais ou menos complexa. Não há plas-mação que não revele um objetivo definido. A ideia diretriz nem sempre consegue rea-

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lizar este objetivo definido. O resultado desua atividade frequentemente é imperfeito.Em fisiologia normal, tanto quanto emfisiologia supranormal, vemos que ela dá pro-dutos perfeitos, mas outras vezes os dá abor-tados ou monstruosos, posto que, não poucasvezes, simples simulacros. Mas, seja o que forque nos dê, a ideia diretriz jamais falta. Istoé de tal modo evidente, que, pode dizer-se,instintivamente se há encontrado o vocábulojusto para aplicar aos fenômenos de materia-lização — ideoplastia, ao qual se junta a "te-leplastia", para indicar que o fenômeno sereproduz mesmo fora do organismo descen-tralizado ou desmaterializado.

Que significa o vocábulo ideoplastia?pergunta o dr. Geley. E responde: significamoldagem da matéria viva pela ideia. Anoção de ideoplastia, imposta por esses fatos, é de capital transcendência.

A ideia deixa de ser uma consequência,um produto da matéria; muito ao contrário,fica convertida no agente modelador que procura a forma e os atributos da matéria.

Por outras palavras: a matéria, a subs-tância única se resolve, em última análise,num dinamismo superior que a condiciona;e este dinamismo, por sua vez, está submetidoà ideia.

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Como é fácil de ver, esta conclusão é a derrocada total da fisiologia materialista e,ainda mais, do conhecimento clássico dohomem.

Com efeito, com aquilo que temos visto,podemos, então, escolher a seguinte doutrinaespírita, que é o que sustenta todo investi-gador sério, e que o dr. Troise não quis levarem consideração nas páginas de seu livro.É a seguinte:

1.° — Todos os fatos supranormais quesão "inerentes ao próprio médium", deixamestabelecida a insuficiência do paralelismopsicofisiológico e de todas as demais hipó-teses do materialismo.

O Ser, ou o homem, não é o produtodas forças da matéria, mas um potencialpsíquico ou uma ideia diretriz, que se so-brepõe à organização física.

2.° — Existem fatos supranormais quenão "são inerentes ao próprio médium", ex-plicáveis unicamente pela intervenção de en-tidades espíritas, nas quais se descobre quea natureza do homem é um princípio subs-tancial e eterno.

VI

O FUTURO DA METAPSÍQUICA

Que importância haverá para a maioriados homens que um, entre milhões, possua a faculdade excepcional de ver sem utilizar os olhos, por exemplo? Acaso isto invalidao conceito de que o homem, em geral, nãoconhece o que seja a luz senão através dosentido de visão? Nenhum dos conheci-mentos que a ciência, com seu método, chegoua elaborar, perde o seu valor pelos fatos dapsicologia supranormal. O próprio Richet nos diz em sua obra: "Nada existe na me-tapsíquica em contradição com a ciência clás-sica. Trata-se apenas de afirmações novas" (Traitê de Métapsychique).

"Há uma vastíssima zona inexploradaem todos os âmbitos do saber. A metapsí-quica começa a inquirir numa região ainda obscura. É bom repetir que uma coisa são os fatos metapsíquicos e outra as teses queo espiritismo dá como provadas pela mesmaexistência dos fatos de psicologia supra-normal.

"Quem pretender fundar uma teoriageral do conhecimento, partindo dos fatos

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excepcionais da psicologia supranormal, che-gará, necessariamente, a uma lamentávelconfusão.

"A atitude do verdadeiro sábio peranteestes fatos não pode ser de negação siste-mática, de sarcástica hostilidade, mas deobservação, de comprovação serena e veraz.Todo o progresso do conhecimento está bali-zado por este conflito entre aquilo que seadmite como certo e aquilo que, em sua no-vidade, se choca com as ideias e com os con-ceitos estabelecidos.

Como disse Morselli, "tudo saiu doignoto para passar ao conhecido; em todasas partes do saber o oculto se tem tornadoostensivo". (Psicologia e Espiritismo).

"Nada obstante podemos continuar tendoconfiança em nossos dados sensoriais e sen-sitivos. Jamais poderá elaborar-se uma teoriado conhecimento que prescinda da sensopercepção, como ponto de partida de nosso contato com o real. Depois de tudo, é coma nossa estrutura senso perceptiva que abor-damos o fato supranormal: criptestésico,ectoplásmico ou premonitório!"

* * * Neste outro aspecto das considerações

feitas pelo autor do Materialismo Dialético está visível e manifesto o Espírito conser-

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vador do dr. Troise, que se aferra aos sen-tidos sensoriais do indivíduo, disposto a nãoconceder nenhuma importância às novas fa-culdades que possa o homem possuir e reve-lar. Como todos aqueles que estão confiadosnos cinco sentidos clássicos da humanidade,também ele faz caso omisso daquelas pessoasque, "entre milhões, possuam a faculdadeexcepcional de ver sem utilizar os olhos", pois este fato, posto que verídico para a razão científica, não o é suficientemente paraque o filósofo e o cientista deduzam novaspossibilidades de conhecimento.

De acordo com o sentido comum, o co-nhecimento, ou aqueles que se dão ao trabalhode o elaborar, deverão utilizar aquilo que jáfoi consagrado pelas idades. Só assim estarácerto e não provocará reações naqueles queestão conformes com o tipo humano normal e com todos os derivados psicológicos e mo-rais, pois o homem há de ser sempre o quefoi: o homem comum e impotente dos cincosentidos.

O conhecimento do mundo, como bemse compreende, há de ser um prolongamentoou concepção de um indivíduo que, por seuspobres cinco sentidos, julga conhecer toda a realidade do ser. Como se ele, ato pensante de um momento no eterno do conhecimento,pudesse registrar o conteúdo do ser ou a ple-nitude da realidade, Foi a senso percepção

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da massa que sempre matou a verdade. E esse conhecimento, elaborado por "nossosdados sensoriais e sensitivos", não é mais queo resultado desse sentido geral dos homens.

Esses poucos seres — que não são tãopoucos — que podem "ver sem utilizar osolhos", assemelham-se a esses outros que po-dem ver a essência da justiça sem utilizaro olho da realidade e, não obstante, a vêeme sabem como ela é.

Sem estar em contacto com o real dajustiça, elaboram o conhecimento do bem--estar humano. Ainda que se diga que talconhecimento provirá sempre de um con-tato com a realidade e com a justiça, emcompensação não a perceberão apenas com o sentido comum, mas com esse olho excepcio-nal, que possuem e que não é "geral e comuma todo indivíduo normalmente constituído".

Ao afirmar "que a natureza humana temprocessos de conhecimento diferentes dossentidos normais", Richet demonstrou que o homem é um ser que não está inteiramenteconhecido, como pensam os mecanicistas dafisiologia conservadora. Se o homem, comoser que é, estivesse totalmente conhecido, co-nhecido estaria também o resto das coisas;mas "como há uma vastíssima zona inexplo-rada em todos os ambientes do saber", o sabersobre o ser do homem apenas começa a deli-near-se, pois que "o nosso contato com o

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real", esse real cansado e apenas útil aos quequerem seguir no mundo como até aqui, co-meça a manifestar novas formas de existên-cia e de existir.

Por isso cremos que a revolução do mun-do não está unicamente nesta cultura socio-lógica, com que nos brindou o conhecimentodos cinco sentidos humanos. A revolução dahumanidade — e esta será, talvez, a verda-deira — virá do total conhecimento do ho-mem, pois somente quando isto for logradoserão alcançadas, "em espírito e verdade" astransformações da sociedade, sem que os ho-mens atraiçoem os princípios que antes tantoexalçavam e proclamavam.

À força de golpes contra a verdadeirarealidade do mundo querem estruturar umconhecimento que justifique uma filosofiasensorial do ser para, assim, dar forma a uma sociedade humana onde sonham com o império da justiça.

O estar no mundo há de ser à força e por uma sensação das coisas; o ser do homemestará sujeito ao ser do material e sua pró-pria mente, que pode individualizar a reali-dade do mundo, será um miserável fenômeno,que dimanará dessa realidade material.

Para este intento, necessário é "seguir,nada obstante, tendo confiança em nossosdados sensoriais e sensitivos", porque do con-trário, outros poderão ser os resultados. Pois,

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ainda que a metapsíquica e o espiritismoapresentem fatos que estão demonstrando o contrário, é necessário ir à frente com o que se sabe e se conhece, já que "depois detudo, é com nossa estrutura senso-perceptiva que abordamos o fato supranormal: criptes-tésico, ectoplásmico ou premonitório!"

Quando a inteligência souber que, toda-via, é aquilo que não é, começará a duvidarde suas sensações e de suas faculdades senso--perceptivas.

Se o fenômeno supranormal não tivessesido abordado com as nossas sensações, aindamesmo que aqueles que o comprovaram seesganiçassem durante uma eternidade emproclamá-lo, ninguém o teria acreditado e aceitado como verossímil. Em compensação,ao intervir na metapsíquica e no espiritismo,a mão sensível do homem impossibilita quealguém possa duvidar dos fatos, mesmo aque-les que o reconhecem como real, mas que o põem de lado, por considerá-lo infinitesimal e ineficaz para a construção do conhecimento.

É claro que esse orgulho de nossa per-cepção humana talvez houvesse desejado — num mundo sobrenatural — um organismoextraterrestre para controlar os fatos supra-normais.

Mas o fenômeno metapsíquico e espírita,ao ser abordado com a sensação humana, estádemonstrando que o mundo real é tal como

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se manifesta, sim; mas não é como o perce-bem os doutores do materialismo filosóficocom seus sentidos clássicos.

As formas da realidade não são tal for-ma nem tal realidade: a própria ciência o está demonstrando com suas experiênciasfísicas. Um resultado disso é o incômododos físicos diante do indeterminismo das leisuniversais.

A substância do conhecimento não po-derá ser apreendida enquanto alguns searroguem no direito de conhecer a realidadeestudando sobre o ser dos demais. Esse co-nhecimento, que nos vem das faculdades sen-soriais históricas, é apenas um pálido reflexoda realidade essencial, que há no homem e nas coisas.

Um conhecimento que morre com o indi-víduo é uma derrota do homem. Por issoa Justiça, que é a introdução ao verdadeiroconhecimento, jamais será realizável enquan-to o ser do homem fundar o conhecimentofora de sua mesma realidade, da qual apenasse conhece uma parte mínima.

Acreditou-se e continua se acreditandoque o conhecimento captado por vias espiri-tuais impedirá a manifestação da justiça nohumano; mas isto é um grande erro, se selevar em conta que o ser metapsíquico dohomem não dá formas a um conhecimentosimilar ao idealismo clássico, cujos criadores

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fizeram com as coisas do Espírito um enredoque nem eles próprios entendem. Ao con-trário, o conhecimento metapsíquico, que seestá manifestando através do indivíduo, daráao conhecimento das massas a realidade desuas aspirações. Não irá deter o curso desua justiça, tirando-o do mundo: ao contrário,dir-lhe-á que seu estar no mundo é devidoprecisamente aos impulsos e às realidades dajustiça essencial, que é seu aperfeiçoamentoe seu ser.

Ufanar-se tanto de nosso contato com o real pois, não fica bem, se atentarmospara a maneira por que estão propondo osproblemas filosóficos e científicos de nossotempo.

O real, o ser da realidade, pode-se dizerque se tornou uma ilusão. Consequentemente,não falamos perante um redescobrimento oureapreensão do conhecimento. As mesmasformas sociais que foram alcançadas basean-do-nos nesse conhecimento, o qual nos veio denosso contado com o real, estão sofrendo umacrise de indecisão e de desorientação. Abala--se a sociedade, porque se renova um períododo conhecimento. Isto quer dizer que pro-gresso e conhecimento não são iguais emessência, nem que a técnica surgida do real seja o fim do estar no mundo, nem tampoucouma verdade inabalável do conhecimento.

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A técnica e as formas sociais, tanto aspassadas quanto as futuras, descobertas ouapreendidas pelo conhecimento sensorial, quepensam ser o absoluto, são estruturas nãode realidade permanente, mas de uma reali-dade cambiante ou dialética, porque as for-mas de sensação com o real se intensificame extensificam à medida que o ser do homemrealiza o seu próprio conhecimento.

A metapsíquica pode fundar um conheci-mento do Universo, porque, antes de inquirirno real, isto é, no organismo da realidade,inquire na substância do conhecimento, paranela diluir o fenomenismo do mundo.

Nesta substância do conhecer está o ser da realidade, a qual não é limitada nem peloobjetivo, nem pelo subjetivo, que são con-siderados como os opostos da realidade; poiso objetivo e o subjetivo são duas manifes-tações do ser do homem que, dentro da reali-dade substancial, não são reais. Seus fenô-menos duram enquanto o Ser do homem con-diciona seu estar no mundo e nas formashistóricas do conhecimento.

O materialismo filosófico não se dá contade que todo o conhecimento até agora apre-endido foi um conhecimento de ilusão. Ma-terialistas e idealistas disputaram o campodo conhecimento, discutindo-o sobre as con-dições psicofisiológicas do indivíduo, semcompreenderem que assim como existem re-

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voluções que transformam radicalmente osorganismos da sociedade, podem ocorrer revo-luções capazes de transformar as condiçõesdo organismo do homem.

Porque o estar do homem no mundo não é a condição definitiva de seu estar, mas um tempo criado pela substância do conhecimen-to, que agora marcha para o supranormal, a fim de dar realidade a outro tempo do conhe-cimento e do estar.

O conhecimento da ilusão material, comoo é o atual, se aplicasse por um momentoa penetração dos raios de Röentgen da inte-ligência sobre a realidade, como que se dariaconta de que o fenomênico tem um interiormuito diferente do exterior, apesar de todosos esforços feitos para justificar a existênciareal da matéria.

Como já deixamos entrever, o conceito domaterial não deixa de ter sua utilidade parao conhecimento. Mas daí a querer dar-lheexistência definitiva é ir contra os própriosfatos da experiência científica.

Além disso, ao assentar seu conhecimentona dinâmica da matéria, isto é, no todo es-tando em constante movimento e transfor-mação, o pensar dialético inclina-se para o conceito do ser espiritual e eterno. Ao diferirdo materialismo mecanicista, naquilo que con-cerne à inteligência, o materialismo dialético

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não é um materialismo propriamente dito.Sua concepção dinâmica do mundo é umaespiritualização da matéria: daí o tornar-seum pensar desmaterializado do mundo.

É uma grande lástima que, depois deaceitar o essencial da realidade, logo rechaceo ser eterno da matéria pensante, que é o seu próprio ser apreendendo o conhecimentode toda realidade, mediante sua mesma pa-lingenesia!

O conhecimento histórico realizou seu conhecer, ao que parece, de modo acertado,com a estrutura e a forma de seu ser material.Mas esta estrutura e esta forma de seu sermaterial têm segurança bastante para dizerque seu conhecer é o verdadeiro ? Não ha-verá na verdadeira realidade, não só domundo, mas do Universo inteiro, outro conhe-cimento que as formas atuais do homem e a sociedade não permitem apreender?

A metapsíquica humana do homem, comoa metapsíquica cósmica, que dão categoria defaculdades aos fenômenos supranormais, sãoformas preliminares de outro tempo do co-nhecimento. A forma, que é um fenômenoque não se sabe por que se nos apresenta damaneira por que a identificamos, sobretudono homem e no animal, é o melhor índicepara suspeitar um Eu essencial no Ser indi-vidual dos seres.

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A metapsíquica corrobora essa suspeitado eu essencial pelos fenômenos de materia-lizações e desmaterializações. Se a realidadedo universo se materializa e desmaterializa emfenômenos ou formas humanas que se movem,falam e pensam, logo o conhecimento histó-rico do homem careceu do saber necessáriopara aprender a verdadeira substância doconhecimento.

O ser real, dentro da realidade do conhe-cimento histórico, não é, então, apenas de es-trutura e de forma, mas de substância; subs-tância dotada de uma única propriedade, cuja faculdade única consistirá em poder mo-dificar convenientemente a produção do fe-nômeno, que necessitará em cada instante desua existência.

O conhecimento histórico, que há con-fiado continuamente em nosso contato com o real, jamais pôde dizer com seguros dadosexperimentais se a inteligência estava dentroou fora da forma e da estrutura. O ser in-teligente deveria estar sempre aderente a umaforma; mas a metapsíquica, que supera o co-nhecer metapsíquico por sua natureza expe-rimental, pode hoje dizer que a vida e o ser individual vivem fora das limitações de forma,a qual outra coisa não é senão uma repre-sentação do estar no mundo.

A vida, o ser e a inteligência não são, pois,meros reflexos do material. A história in-

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telectual do homem o testemunha, já que aoinquirir este sobre o conhecimento das coisas,demonstra que não é a coisa mesma investi-gada, mas um ser de pensamento que, ao rea-lizar o conhecimento do mundo, revela, demais a mais, a sua natureza infinita que, emvez de se esgotar no conhecer realizado, au-menta e revela as possibilidades de sua es-sência.

Em suma: a metapsíquica autoriza a fi-losofia a postular o conhecimento do ser es-sencial, que é de onde saiu e sairá todo o processo fenomenológico do mundo. Ser es-sencial que se realizará no tempo e no espaço,sem pertencer definitivamente às suas re-latividades, pelo movimento infinito que é seupróprio ser.

"Que tudo quanto é, em essência e aci-dente, é da Essência, na Essência e pelaEssência ;

"Que em seu ser e em sua maneira deser, é imutável e eterno;

"E que se se oferece em fenômenos poli-crômicos, é pelo tanto de atividade que seaprecia em cada um deles.

"Tudo é da Essência, na Essência e pelaEssência; porque se houve algo que não fossedela, nela e por ela, esse algo teria sido tantoquanto ela, teria anulado a sua "seidade",anularia o seu ser.

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Tudo está em seu ser e em sua maneirade ser eterno e imutável; porque a Essêncianão tem mais que uma propriedade; e estapropriedade também não tem senão uma sómanifestação no eterno.

E tudo, enfim, se nos oferece em fenô-menos policrômicos pelo tanto de atividadeque apreciamos; porque todos os seres "ra-cionais" e "irracionais", como seres e como su-jeitos de percepção e de incognição, como in-divíduos submetidos ao existir, não somosmais do que "atividade diferenciável" paranós; e para os outros, "reflexos de ativida-de diferenciada." (12)

A iluminação de um renovado sentir e conhecer do homem está sendo operada cons-ciente ou inconscientemente, nos novos rumosque está tomando a cultura. O conhecimentohistórico, a despeito de seus erros, dá outrasluzes ao saber ou à humanidade, porque desua mesma cultura surgirão novas noçõessobre o existir e o estar no mundo, assim comodo homem histórico estão surgindo outras viasde conhecimento, que antes não eram suspei-tadas, porque ele se julgava totalmente co-nhecido e explorado.

Conhecimento e homem histórico pro-longarão sua essência para novos modos deser. E é deste prolongamento que sairá a

(12) Quintin López Gómez – Doctrina Espírita – Filosofia, pág. 49.

Eugenio

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verdadeira revolução da humanidade que aochocar-se contra os interesses do homem clás-sico, acelerará a marcha, a fim de abrir novoscaminhos à raça terrestre, a qual, por outrolado, demonstrará como a essência infinita doSer estenderá sua presença no mundo e noUniverso.

Este novo sentido do homem e do cosmos,este novo órgão do conhecimento tanto corres-pondem à metapsíquica quanto à ciência es-pírita. Glória a elas, então, porque puderam,das formas efêmeras da realidade, levantaro Espírito do Homem!

Glória a elas, porque, de hoje em diante, a essência humana poderá aproximar-se da es-trela da verdade sem temer a morte, essadesconhecida nos mundos da luz! Glória a elas,porque assim a ciência tornar-se-á uma sín-tese de amor, pelo qual os homens e os povosabraçar-se-ão, definitivamente, como irmãos!

E por fim, glória aos homens espíritase metapsiquistas que, enfrentando o desprezoe o escárnio das universidades oficiais, es-truturam o conhecimento da alma, sem des-maios e sem vacilações!

Que a cultura de amanhã os brinde como merecido reconhecimento de que são dignos,já que o nosso tempo, tão belicoso e desnatu-rado, os desdenha — ó cegueira da história!— como se fossem iludidos e enganados.

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Que a telepatia das almas emancipadasvibre como uma carícia de reconhecimentosobre aqueles espíritos quando, serenos e ati-vos, contemplarem o advento das novas ida-des, nas quais o homem, sem morte, sem ódioe sem injustiça, reinará um dia assim comoa águia por sobre os píncaros dos mais altospenhascos. . .

VII

CARACTERES DA FILOSOFIA ESPÍRITA

Tarefa bastante delicada é estudar a filosofia espírita. Por isso que sua doutrinada personalidade humana e sua interpretaçãodo universo diferem, em grau supremo, detodos os sistemas clássicos conhecidos. Inda-gar no campo científico que nos oferece o es-piritismo significa, antes de mais nada, colo-car-se em posição imparcial perante o que teriasido aceito como uma conclusão exata e de-finitiva, isto é, que os dogmas da ciênciapositivista deverão ser momentaneamenteabandonados, para mais tarde, uma vez estu-dadas as doutrinas espiritistas que emergemdo fenômeno metapsíquico, compará-las como positivismo e valorizá-las entre si, sem es-pírito pré-concebido.

Com sobrada razão o eminente filósofomoderno e homem de ciência, dr. GustaveGeley, disse, ao referir-se ao estudo do espi-ritismo: Para apreciar esta doutrina emtodo o seu valor, é necessário momentanea-mente abandonar toda outra ideia filosóficaou religiosa que se tenha. Com efeito, o es-piritismo apresenta uma série de contrastes

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internos com os outros sistemas metafísicosou religiosos. O espiritismo difere das re-ligiões pela ausência total do misticismo, nãoinvocando revelações nem o sobrenatural.O espiritismo só admite fatos experimentais, com as deduções que dos mesmos decorrem. (13)

E assim é na verdade.Todo homem que se proponha a realizar

um estudo sobre o espiritismo, não poderáfazê-lo se trouxer em seu espírito uma fortedose de positivismo. Quando o pensamentoestá imbuído de ideias dogmáticas, jamaisserá possível assimilar aquilo que o progres-so pudesse oferecer à humanidade. Por issopensamos que a doutrina espiritista é umaideologia não apta para os espíritos conser-vadores, nem para aqueles que temem o ad-vento de uma verdade nova.

Muitos dos nossos contraditores costu-mam negar ao espiritismo seu caráter emi-nentemente revolucionário. Primeiro, por te-mor de uma subjugação, por parte dos repre-sentantes da sociedade contemporânea; se-gundo, porque esse qualificativo destrói mui-tos e antigos conceitos que se têm acerca da

(13) Isto quanto ao espiritismo experimental. Quan-to ao seu aspecto filosófico, o espiritismo torna-se umaciência social e religiosa dos espíritos e da sociedade, querevoluciona radicalmente todo o conteúdo espiritual da hu-manidade.

Eugenio

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doutrina. Dizer, por exemplo, que o espi-ritismo é revolucionário, é realmente per-turbar a faze antiprogressista de muitos es-píritos que vivem suportando todas as iniqui-dades humanas, devido a uma atitude con-formista ou resignada. Ao contrário, essequalificativo exige do homem uma nova in-terpretação da vida social e do sentimentometafísico que toda criatura guarda consigo,elevando-o ao estágio analítico da ciência, dafilosofia e da religião.

Não esqueçam os nossos contendoresmaterialistas que o ideal espiritista não ador-mece o Espírito humano com promessas ce-lestiais de uma vida futura, nem vem refor-çar a existência anacrônica dos dogmas reli-giosos ou a vida parasitária das castas sacer-dotais, que vivem encerradas dentro das lu-xuosas paredes das catedrais. Os espíritasestão muito de acordo com esse sentir con-temporâneo, no que respeita ao liberalismo,que caracteriza os ideais avançados. Mas re-clamam destes um critério mais equânime e profundo, quando julgam o espiritismo e o colocam, como faz o dr. Troise, entre as seitasreligiosas, como se fosse uma seita moderna,que viesse coarctar a libertação espiritual dospovos. Essa maneira de julgar uma doutri-na essencialmente científica, pelo fato de nãoadmitir a sobrevivência e a indestrutibilidade

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do Espírito, se nos afigura anódina e capri-chosa.

Se é verdade que existe uma boa partedos espiritistas que interpretam o espiri-tismo como uma nova religião, sem projeçõesidealistas nem científicas, não é menos queo prejulgam através do erro daqueles queacomodaram a doutrina ao seu paladar. A história apresenta numerosos exemplos sobrea falsa interpretação das ideias; e, sem ir mui-to longe, sabemos que há no Brasil um partidosocialista, que ostenta nas suas sedes os re-tratos de Karl Marx ao lado dos da VirgemMaria e de São José (14). Como se vê, o espiritismo, como outras ideias, não pôdeescapar de semelhante fenômeno, que a his-tória constata em todas as idades.

Nosso teatro nacional exibiu uma obrado dr. Vicente Martinez Cuitiño, intituladaHorizontes!.. . Verificamos no final da peça, na troca da ideias entre o autor e o público,que o vocábulo "espiritismo" repugnava aoauditório e que o escritor teve um especialcuidado de não apresentar a tese espírita natrama da obra, baseando-se tão somente nashipóteses metapsíquicas.

Posto de manifesto este cáustico, aindaque bastante suavizado para o espiritismo,por intelectuais e homens de ciência de todos

(14) Não sabemos se hoje subsiste este fato.

Eugenio

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os países, somos levados a cada momento a fazer uma pergunta: É acaso macabra, antinatural ou trivial a ideia da sobrevivência humana, a ponto de custar tanto ao homem admiti-la como uma ideia filosófica, moral e justa?

Esta repulsa pela imortalidade, segundo uns, não se deve a que os tempos não sejam chegados para os que assim sentem, nem a outras explica-ções de caráter religioso: a causa se prende, an-tes, à má exposição que as religiões fizeram so-bre a alma e conforme nele as teorias materialis-tas triunfaram sobre os dogmas bíblicos. Em sua aparição, o espiritismo não levou em conta o des-prestígio que no futuro adquiriria a ideia da imor-talidade da alma, pelo erro das religiões; e, esque-cendo esse dado tão importante, ofereceu-se à hu-manidade, não com o objetivo exclusivo de de-monstrar os erros da escola materialista, mas com o de amedrontar a todas as religiões com a grande-za de seus postulados, essencialmente superiores a quantos sistemas religiosos hão sido conhecidos.

* * * A filosofia espírita, como conhecimento

do mundo, não vem encadeiar as potências liber-tadoras do homem. Quiçá seja e la a únicaideia que dará ao indivíduo a segurança

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absoluta da eternidade de seu ser. Isto, po-rém, não quer dizer que venha proclamarque os bens terrenos, quando não alcançadosem nosso trânsito pela Terra, serão alcança-dos em mundos ultraterrenos.

A ideia do mundo, que nos dá o espi-ritismo, é uma ideia de combate e de evolução.Se a evolução, que nos vem do velho mundonormal, é uma evolução que se conforma comos obstáculos oferecidos pelo presente; emcompensação a ideia de evolução oferecidapelo espiritismo é revolucionária e inadaptá-vel ao que a sociedade manda guardar e res-peitar.

Além disso, a moral da filosofia espíritanão é um princípio que deverá amoldar-se a todos os espíritos. Em sentido geral aconse-lha o bem e a fraternidade, mas em particularnão impõe nenhum cânon moral, porque sabeque o homem é uma potência essencial que,à medida que vai realizando seu processo evo-lutivo, desenvolve novas formas de moral, quediferem das anteriores. (15)

Cada ser é um mundo moral que se vem realizando individualmente, apesar das rela-ções entabuladas com a sociedade. Sabe o espiritismo que o fator sociedade não inibe oespírito para realizar suas vivências pessoais.

(15) Hoje, porém, podemos dizer que a única moral que salvará omundo é a do cristianismo eterno, que emerge, fecunda e renovada, da doutrina espírita.

Eugenio

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soais. A sociedade marchará para novas for-mas de vida, sempre que o ser as manifesteessencialmente, pois toda forma social impos-ta pela força nem será natural, nem durável.Num momento dado, quando a essência espi-ritual das massas exteriorizar novos sentidosde vida, essa forma que não simbolizava a essência moral de todos cairá, dilacerandomuitos sentimentos e estados espirituais.

Em compensação as formas espirituaisfirmar-se-ão, quando as manifestações coleti-vas forem de uma mesma espiritualidade. Assim haverá harmonia na estrutura e no sermoral da sociedade, o qual não dará lugara lutas, a fim de manter certas classes so-ciais e certos privilégios.

A filosofia espírita concebe uma formaideal de sociedade. É claro, porém, que paraatingi-la não se propõe a gestar o amotinamen-to nem a rebelião daqueles que tiverem pré--formado na mente aquela idealidade social.

A rebelião e a revolução representampara a filosofia espírita elementos que, umavez passados ou realizados, não deixam noespírito nenhum valor permanente.

A verdadeira revolução não será, pois,nunca de caráter coletivo. Terá, antes, umcaráter individual. É no individual que searraiga a experiência e onde a manifestaçãoessencial logrará um novo estado ou outramaneira de ser do eterno existir.

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Por isso a moral que nos oferece o conhe-cer espírita não é única, mas variável e demúltiplas facetas. Cada ser traz consigo seupróprio mundo moral. A moral de Judas e a moral de Jesus são aspectos manifestantesda essência espiritual que, analisados sobcritério espírita, nem um é condenável, nemo outro venerável. Desde que Judas possuiessencialmente aquilo que o Cristo já mani-festou, o resultado é que um ser é menos de-senvolvido e deverá alcançar aquilo que já estádesenvolvido em Jesus, mas que em seu serexiste de toda a eternidade.

Pa ra o espiritismo a moral não é umainvenção nem um conjunto de preceitos que,uma vez confeccionados, a todos servirão porigual.

Mais que um animal de costumes, o Seré uma força psíquica que, para manifestar--se em toda a sua plenitude, necessitará de li-berdade moral. Sua verdadeira natureza é de processos evolutivos, cambiante, numa pa-lavra, dialética.

O amor e a liberdade serão o único go-verno do Espírito. Um amor amplo, cósmico,que abarque não só a natureza do nosso pla-neta, mas a vida de todos os sistemas pla-netários, de todos os mundos habitados e ha-bitáveis, que giram no espaço universal.

Com esta visão plena do existir, a filo-sofia espírita criará no Ser um novo tipo de

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pessoa que nem será o rotineiro habitante deum país ou de uma pátria, mas sê-lo-á doTodo, já que por sua essência individual par-ticipará da essência do cosmos e de tudoquanto tem realidade cósmica e essencial.

A ideia de comunidade é em seu espíritoum reflexo de sua própria unidade substan-cial. À medida que esta noção de unidadeadquire consciência no homem, as divisõesfictícias de sociedade irão desaparecendo.Por isso, aqueles que já conceberam a ideia de comunidade em seu Ser, é porque perce-beram a própria realidade substancial.

Os grandes legisladores sociais que al-cançaram a noção essencial do homem sãoum exemplo da revolução que implicam asgrandes visões do universo. A revolução quenem seja profética, nem esteja ligada à es-sência eterna do ser, por mais transcendentalque a consideremos, será um sucesso socialque com o tempo será absorvido pela rotina.Os fatores transformadores da sociedade,quando chegar a hora, mover-se-ão pelo im-pulso dos grupos interessados e não pelo es-pírito de revolução que, antes de mais nada,será um mandato imperioso de essência dohomem.

A sociologia do mundo é para o espiri-tismo mais que de caráter coletivo — seráde caráter individual.

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Se tivesse sido apenas de caráter co-letivo, como se chegou a pensar, a humani-dade já deveria ter esgotado o problema, quetodavia ainda subsiste, da sociologia do mun-do. Não obstante, a história continua a mo-ver-se aos impulsos da inconsciência coleti-va, inconsciência que não significa mais queo desconhecimento da natureza essencial dohomem, e que sociólogos e filósofos atribuema incapacidade das massas, sem que, todavia,se dêem conta de que as grandes transforma-ções do mundo serão reais e realizáveis quan-do, por intermédio do indivíduo, se haja des-pertado no coletivo o sentido cósmico e eternodo Ser.

Só assim existirá o ser revolucionário,não de um mundo econômico apenas, mas nacompreensão geral do mundo e do universo.

Sabe o espiritismo que o que se aspirana terra, como bem-estar coletivo e indivi-dual, já é realidade em outros mundos ha-bitados, porque a essência que move os seushabitantes alcançou o sentido do essencial, noque concerne à estrutura e às formas de suarealidade material.

Eis por que, se o filósofo espírita levan-ta o olhar para os espaços, não o faz apenaspara implorar a proteção de entidades ce-lestes, mas para perscrutar a realidade es-sencial dos mundos, que em breve serão ou-tras tantas fontes de conhecimento, posto

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ainda não seja uma realidade a comunicaçãointerplanetária.

O sentido espírita da vida dá ao Ser umacompreensão eterna do ato humano realiza-do. O homem não será, pois, o esfumantefantasma que se move entre dois pontos enig-máticos: o berço e o túmulo. Pa ra a filo-sofia espírita o Ser é uma mecânica que atuatanto antes do nascimento, quanto após a morte.

Com o espiritismo muda fundamental-mente a cultura de existência. Se hoje o homem e a sociedade se movem cegamente,é por falta de uma cultura dos fenômenosdo mundo. No dia em que a espécie possuiruma cultura do nascimento e de morte e, porcompreensão filosófica, uma cultura da dore uma cultura do prazer, será porque o indi-víduo e a sociedade mover-se-ão iluminados,em estado de plenitude, isto é, conscientes daessência eterna que os anima.

Possuir a cultura da existência é aproxi-mar-se da sabedoria. Enquanto o homem nãopossuir a cultura da existência, será um servacilante, que se moverá angustiosamente,entre a luz e a sombra. Saber que pisar o planeta nem implica a morte nem o nada é criar no indivíduo um sentido psicológico no-vo de estar no mundo.

Quando as formas fisiológicas do homem,com seu mecanismo maravilhoso, descerem

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aos túmulos, vencidas pelo tempo e pelas en-fermidades, nesse ato não se extinguirá to-da a essência do Ser. A filosofia espírita, ao contrário, sabe que esse gesto, que pareceo último realizado pelo homem, nada mais é que a entrega à terra de umas tantas peças,mas não a extinção total do pensamento oudo Ser, que, enquanto se movia e se achavasobre o planeta, era como um deus desafian-do o desconhecido.

Esse ato de agonia e de morte do Ser, segundo o pensar espírita, não aniquila o anjo terreno: ao contrário, dar-lhe-á opor-tunidade para chegar a ser esse deus, quese oculta no mistério de sua essência.

A morte ou o morrer são fatos que nãopodem aniquilar aquilo que não teve princí-pio nem terá fim. Pois tudo quanto existee está no universo são apenas fenômenos detransformação e processos: nada foi criado;a Criação não existe. Por isso a morte nãoé um fenômeno inteligente, isto é, real e certo.A morte é uma transformação do Ser ou,melhor dito, uma revolução do existir, quecoloca a Essência individualizada numa novaforma dentro da unidade do mundo.

O espiritismo nos diz que a Essênciaé a única realidade do cosmos e que, enquan-to a razão descobre em si mesma e em seuredor os efeitos do movimento, a Vida é e será eternamente.

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O movimento é uma expressão de eterni-dade. A essência é o ato puro infinitoque, através do tempo e das formas fenome-nológicas, adquirirá sensação e consciênciade si mesma. Se parece que a essência morrecom o falecimento do homem, é porque levaconsigo muitas formas expressivas de seuSer; e uma delas é a de transformar-se numfato de morte. Mas daí ao aniquilamentoabsoluto, ideia sobre a qual foi estruturadatoda a civilização do mundo, medeia um ver-dadeiro abismo.

A civilização e a cultura que nos oferecea filosofia espírita são sempre dialéticas, nofundo e na forma. O sentido de materiali-zação e de desmaterialização não está gene-ralizado, nem mesmo entre os pensadores e filósofos, que são a humanidade avançada.É por isso que o fato de morrer não é conce-bido como uma desmaterialização de essência.

Nascer — negação da negação (morte)— é pela mesma realidade da essência. Sehá um nascimento é porque se materializaa essência. A materialização que se desen-volve aos nossos olhos, depois do nascimento,realiza seu processo de crescimento porquepossui, em forma essencial, todo o necessáriopara desenvolver-se. Um nascimento, isto é, uma materialização, contém em si as mesmaspropriedades que contém o grão de trigo,o talo, as folhas, as espigas, a farinha, o pão

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e até o trabalho daquele que amassará a fa-rinha, para transformá-la em pão e tambéma criatura que com ele será alimentada.

Tudo quanto ocorre nos fenômenos domundo é, em última análise, uma manifesta-ção da Essência. Com esta visão filosófica,o processo histórico torna-se aos nossos olhoso desenvolvimento da essência coletiva, po-deríamos dizer, já que a única realidade his-tórica está no individual, isto é, nas manifes-tações da Essência.

RESUMO

Se forem falsas ou incertas as noçõesda filosofia espírita, o gênio e o destino dohomem serão pó, morte, nada. Seria bomexclamar: De que vale ser homem, se este é apenas uma sombra....

Como, porém, dia após dia, a ciência vemcomprovando que a filosofia espírita é verda-deira, a essência do Ser continuará, sob essaluz, desenvolvendo suas potencialidades. Postaa esperança em seu divino amanhã, entre au-roras e ocasos, entre amores e desenganos,continuará seu processo ascendente.

Entre dúvidas e crenças seguirá o co-nhecimento, buscando a explicação do mundo,até o dia em que o ser essencial do homem,dando-se conta de que, sendo parte no todo,é também unidade, unir o seu pensamento aopensamento do cosmos e, com mais inteli-gência, com mais vontade e com mais senti-mento, tornar a sua tarefa de exploraçãomais leve e menos dificultosa.

Continuem, entretanto, a filosofia e a re-ligião a sua busca. Como uma estrela deamor, a ciência espírita continuará iluminan-do o caminho de todos os peregrinos que vãoem busca da verdade, porque, marchando com

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o progresso das ciências, nunca se transviará;se novas descobertas demonstrarem que estáem erro sobre um ponto, sobre este modificar--se-á; e se uma nova verdade for revelada,aceitá-la-á (Allan Kardec).

A filosofia espírita, sempre pronta a re-novar-se, espera, pois, para o fazer, uma provacientífica de seu opositor: o materialismo. Enquanto isto, continuará forjando o aço des-se novo mundo espiritual, que vem assomandopor entre os fatos da psicologia supranormal,até que a prova mencionada seja produzida. Digitalização: PENSE - Pensamento Social Espírita www.viasantos.com/pense abril de 2009