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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E NARRATIVAS
MESTRADO PROFISSIONAL
II SEMINÁRIO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, ENSINO E
NARRATIVAS
Local de Realização:
Auditório do Curso de História – Centro Histórico
Dias 28 de dezembro de 2016
Textos Completos
ISBN: 978-85-8227-136-0
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MESTRADO PROFISSIONAL
ISBN: 978-85-8227-136-0
RELACIONANDO LITERATURA E HISTÓRIA: NOVAS PERSPECTIVAS
PEDAGÓGICAS DO ENSINO DA II GUERRA MUNDIAL NA EDUCAÇÃO
BÁSICA
Priscilla Piccolo Neves
A historiadora Márcia Menendes Motta (2012) destaca que segundo Nolte,
ao contrário de outras tragédias da humanidade, a experiência nazista havia deixado
marcas indeléveis na história alemã e era reiteradamente lembrada como uma história
do passado que havia fincado raízes no presente. Na mesma linha, o historiador alemão
Hinnerk Bruhns, postula que a construção de uma nova identidade alemã no contexto da
reunificação não deveria eliminar a experiência de Auschwitz. Assim, seria legitimo
guardar na memória coletiva alguns esforços em prol da democracia nos períodos
anteriores ao nazismo, inclusive ressaltando determinadas possibilidades não realizadas
desse passado. Mas a verdade é que para este autor aqueles elementos tinham menos
importância como parte da identidade alemã “do que os que marcaram o advento e os
horrores do nazismo”.
A pequena exposição dos posicionamentos dos historiadores acerca dos
horrores do nazismo e, por consequência, das atrocidades cometidas durante a II Guerra
Mundial, demonstram a atualidade do tema. Os embates em torno da memória do
nazismo e, destacadamente, sobre o holocausto, dividem os historiadores e são
responsáveis por uma das mais intensas querelas entre os estudiosos do tema.
Muito já foi produzido sobre o tema. Incontáveis são as obras sobre as
estratégias militares, a trajetória pessoal de Hitler, seus aspectos psicológicos que
explicariam os horrores do nazismo. Inúmeros são os museus que buscam manter viva a
memória do holocausto. Até mesmo um Estado independente foi criado em decorrência
do ocorrido com os judeus. No entanto, quando os componentes curriculares “Nazismo
e Segunda Guerra Mundial” adentram o cotidiano escolar, vem a tona, como ferramenta
pedagógica primordial, o livro didático, em todo seu formalismo e limitações.
A proposta central desta pesquisa reside na possibilidade de introdução de
novas perspectivas no ensino do Nazismo e da II Guerra Mundial a partir do recurso a
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uma ferramenta muito divulgada, mas, de fato, ainda pouco utilizada em sala de aula: os
estudos literários, mas especificamente obras biográficas.
Parte-se aqui da perspectiva de que o uso da literatura como ferramenta
pedagógica em sala de aula é crucial para compreender o caráter de mudança e
continuidade em torno dos novos métodos de investigação da história e de seu ensino.
Algumas obras literárias reproduzem de uma forma mais didática fatos históricos.
Impossível pensar no ensino de história sem levar em consideração sua multiplicidade
pedagógica existentes na atualidade.
De acordo com Christian Laville (1999), no passado o dever do ensino de
Historia era apenas uma forma de educação cívica, ou seja, tinha o papel de confirmar a
nação no estado em que se encontrava no momento, legitimando sua ordem social e
política. Ensinado ao povo respeito por ela e dedicação para servi-la. O aparelho
didático desse ensino era simples: uma narração de fatos seletos, momentos fortes,
etapas decisivas, grandes personagens, acontecimentos simbólicos e, de vez em quando,
alguns mitos gratificantes. Cada peça de narrativa tinha sua importância e era
cuidadosamente selecionada.
Com a modernização tecnológica e com avanços no campo das pesquisas
pedagógicas, surgiu a necessidade de se repensar as formas de ensino, embora muitas
instituições ainda optem por usar métodos arcaicos e se aterem apenas ao livro didático
como recurso metodológico. A progressão dos estudos didáticos vem mostrando que
cada vez mais é possível ensinar e formar uma consciência critica com recursos que
acompanham a modernização.
Usando como principio a constatação de Vesna Gidiva e Valentina Hlebec
(1999) de que é mais do que evidente que ensinar História é antes de tudo um trabalho
ideológico e político e não uma questão de normas profissionais, pode-se destacar o
quanto a utilização de outras formas de ensino é importante para a formação de uma
consciência critica do aluno.
A importância deste estudo remete ao fato de se sublinhar e tentar
comprovar teorias pedagógicas de utilização de outras ferramentas para além do livro
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didático. Um dos objetivos finais a serem alcançados pela minha pesquisa será a
elaboração de um manual didático para professor sobre como utilizar obras biográficas
acerca do Nazismo e da Segunda Guerra Mundial. O presente trabalho gira em torno de
três obras: A lista de Schindler de Mietek Pemper; O diário de Anne Frank; e A Trégua
de Primo Levi. Cada obra aborda uma perspectiva sobre o Holocausto e de uma noção
geral dos efeitos do Nazismo na Europa.
Esta pesquisa é fruto dos estudos realizados para a obtenção do diploma de
pós graduação do Programa de Mestrado Profissional em História Ensino e Narrativas
da Universidade Estadual do Maranhão, por meio da linha de pesquisa Memória e
Identidade. O presente estudo se propõe construir ferramentas pedagógicas capazes de
viabilizar a inserção de obras literárias no ensino de Historia, envolvendo temas que
permeiam os fatos ocorridos no período da Segunda Guerra Mundial. Estás sendo
proposto, então, a utilização de obras literárias que tenham como plano de fundo
acontecimentos ocorridos durante a II Guerra Mundial, através de obras que perpassam
por relatos de indivíduos que presenciaram e fizeram parte direta ou indiretamente desta
época.
Em função da utilização de novos recursos didáticos, foi possível a
implementação de novos métodos de transmissão do conhecimento no ensino básico
escolar. As obras literárias são apenas mais um desses recursos. Sua utilização deve ser
sublinhada, pois permite a quebra das barreiras disciplinares nas escolas.
O Brasil ainda possui muitas escolas em que as formas de ensino ainda não
dialogam com as novas formas de se pensar o Ensino de Historia, continuando presas a
paradigmas doutrinários mais próximos ao século XIX do que ao XXI. Para muitos
pesquisadores, ainda é valida a ideia de que o Ensino de Historia tem como sua
principal função moldar a consciência e a ditar as obrigações e os comportamentos para
com a sociedade, ao invés de guiar os cidadãos para desenvolverem uma capacidade
autônoma e reflexiva para participarem da sociedade de uma forma colaboradora.
O papel do professor é saber conciliar as diferentes interpretações de um
fato, explorando a diversidade presente na pluralidade das interpretações, estimulando
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assim um senso critico no aluno, ensinando-o a questionar todo o tipo de verdade, pois,
para a história não existe uma diversidade absoluta. Pode-se vê-la como uma
investigação permanente dos fatos, uma vez que seu objeto de estudo foi produzido
através de interpretações de algumas pessoas de um mesmo tema. As obras literárias,
desta forma, podem ser uma importante ferramenta para esta investigação, pois, muitas
vezes, são escritas de uma forma mais clara e interessante, o que acaba estimulando o
interesse dos alunos pelo tema. Podem se constitui, assim, poderosas ferramentas
capazes de dinamizar o cotidiano escolar.
Segundo Katia Maria Abud (2003), a história como disciplina escolar,
também é histórica e, como campo de conhecimento, passa por mudanças e
transformações que a fazem filha do seu tempo. As novas abordagens, os novos objetos,
outras fontes, outras linguagens foram se incorporando ao Ensino de História. As novas
tendências e as correntes historiográficas que entendem a História como construção,
aliadas a concepções que envolvem o processo de ensino-aprendizagem, provocaram
transformações bastante profundas na construção da história como conhecimento
escolar. Tais transformações produziram modificações na Didática da História e
provocaram uma reformulação na prática pedagógica. É necessário que se destaque a
introdução e a permanência, nos documentos curriculares, de orientações sobre o uso
das novas linguagens, a despeito da inércia da organização escolar no sentido de
consolida-las como práticas cotidianas.
Ainda segundo Abud, a História escrita pelos historiadores dos Anales
indicou novos caminhos para a Historia e no Pós-Guerra, no período que cobre os anos
1950 e 1960, pelo menos duas correntes desdobraram-se da proposta francesa: a
chamada história social e a da história das mentalidades. No mesmo período, nos
Estados Unidos, Suíça, França e Itália, educadores e estudiosos da Psicologia da
Aprendizagem opunham-se às práticas pedagógicas tidas como tradicionais, visando a
uma educação que pudesse integrar o individuo na sociedade e, ao mesmo tempo,
ampliassem o acesso de todos à escola. Reconheciam que as transformações pelas quais
a sociedade ocidental passava exigiam a utilização de diferentes métodos de ensino que
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enfatizassem o lado criativo do aluno e as possibilidades de participação na elaboração
do conhecimento. A noção de que cabia a criança descobrir o conhecimento por meio
dos sentidos, e que era a partir do trabalho em sala de aula, ou em atividades
extraclasses que o saber deveria ser construído pelo aluno, individual e coletivamente,
pesava na organização das propostas metodológicas para o ensino. As novas tecnologias
eram apontadas como recursos didáticos para o desenvolvimento dessa Escola Nova,
como passou a ser denominado o conjunto de ideias que combatia o ensino tradicional.
No entanto, em que pesem os novos recursos disponibilizados no Ensino de
História, ainda é imensa a dificuldade enfrenta pelos professores de História, como
destaca Antonio Simplicio de Almeida Neto
No ensino de História, tal questão se faz sentir com maior evidência,
pois que os professores lidam com o tempo passado e, dessa maneira, têm como matéria-prima uma vastidão de temas intricados com suas
variantes e contradições a serem exploradas e explicadas podendo dar
algum sentido e significado ao presente e, inevitavelmente, serem lançados nas projeções do ato educativo, considerando que os
ensinamentos dessa disciplina seriam capazes de contribuir para uma
sociedade melhor que a passada e aquela que se esta vivendo. Alguns temas habitualmente abordados pela disciplina, como poder, relações
de classe, revoluções, guerras, regimes políticos, movimentos sociais,
concorrem para esta visão da história como provedora de lições do
passado a serem aprendidas pelo presente (ALMEIDA, 2010, p. 222).
Assim, o professor se depara com diversos problemas, tais como a
precariedade dos instrumentos didáticos fornecidos, número de alunos muito acima do
ideal em um espaço de aula muito pequeno, carga horária reduzida, indisciplina e,
principalmente, desinteresse dos alunos. A introdução de estudos literários, portanto,
pode ser um caminho para ruptura desse círculo vicioso, capaz de despertar nos alunos o
prazer pelos estudos históricos.
Para alguns autores, como Lefebvre, a representação é um importante aliado
na hora de se ensinar História, pois não é possível viver e compreender uma situação
sem representá-la. Segundo este autor, as representações formam-se no cotidiano onde
ocorrem a construção e formação de uma sociedade. Nesta sociedade, as representações
se constituem entre o concebido e o vivido, “emergindo da consciência individual e da
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correlação com as condições históricas particulares e gerais. São, portanto, fruto do ser
individual e social.” (ALMEIDA, 2010, p. 224)
Após a Segunda Guerra Mundial, o Ensino de História conseguiu uma
enorme conquista, pois a vitoria dos países ocidentais passou a ser vista como a vitória
da democracia, significando que o ensino de historia, segundo a visão de Laville, passa
a ter “a função de educação para a cidadania democrática, substituindo sua função
anterior de instrução nacional.”(LAVILLE, 1999, p. 126). Fazendo assim com que os
jovens tenham a capacidade de participar democraticamente da sociedade estimulando
sua capacidade intelectual e afetiva.
O “professor critico” investe nesse modelo, dando ao ensino de História
um caráter de luta, de combate cuja arma é fornecida em sala de aula: a “consciência a
leitura de clássicos, textos engajados, musicas de protestos e leituras de jornal, mas
também desfiles cívicos, festas juninas, eleições do Centro Cívico Escolar, passeatas e
manifestações. Diversas formas de se adquirir consciência revelam diferentes
entendimentos do que seja “consciência critica” (ALMEIDA, 2010, p. 232).
No Brasil, a Didática da História é frequentemente entendida como um
tema subordinado à área de Educação, sem vínculos com a atuação do pesquisador da
área de História. Essa concepção se fundamenta na crença de que o papel da didática é
adaptar ao contexto escolar o conhecimento criado pelos historiadores. Porém,
diferentemente do que supõe essa concepção, as disciplinas que integram a ‘cultura
escolar’ — culture scolaire — possuem uma autonomia considerável em relação ao
‘saber universitário ou erudito’ — savoir savant. Segundo André Chervel “o que a
escola ensina não é ‘a História dos historiadores’”.
Suas diversas pesquisas sobre a história das disciplinas escolares lhe
permitiram afirmar que a cultura escolar não é apenas uma simplificação ou uma
vulgarização do saber erudito, da ‘História dos historiadores’. O autor demonstra que
muitos dos saberes escolares foram criados “pela própria escola, na escola e para a
escola” e afirma que um dos objetivos da escola é a criação das disciplinas escolares,
vasto conjunto cultural amplamente original que ela secretou ao longo de decênios ou
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séculos e que funciona como uma mediação posta a serviço da juventude escolar em sua
lenta progressão em direção à cultura da sociedade global. No seu esforço secular de
aculturação das jovens gerações, a sociedade entrega-lhes uma linguagem de acesso
cuja funcionalidade é, em seu princípio, puramente transitória. Mas essa linguagem
adquire imediatamente sua autonomia, tornando-se um objeto cultural em si e, apesar de
um certo descrédito que se deve ao fato de sua origem escolar, ela consegue contudo se
infiltrar sub-repticiamente na cultura da sociedade global (CARDOSO, 2008, p. 154).
No caso brasileiro, os professores têm mais espaço para a criação das
disciplinas escolares, já que não possuímos um currículo nacional unificado. Essa
liberdade individual é limitada apenas pelos outros professores da mesma escola, uma
vez que o livro didático é selecionado em conjunto, delimitando o currículo. A liberdade
também é restringida pelas tradições de ensino de cada escola e, no caso das escolas
privadas, pela autoridade do dono ou do coordenador pedagógico. Porém, não há
qualquer restrição governamental à elaboração do currículo pelos professores (pelo
menos ainda não), o que nos leva a crer que tenhamos mais liberdade que os franceses
para participar da criação cotidiana das disciplinas escolares.
Na perspectiva de utilização dos estudos literários como elemento central da
dinamização pedagógica, o conceito de cultura escolar tangencia um debate brasileiro
das décadas de 1980 e 1990 sobre a História escolar: a idéia de ruptura com o ‘ensino
tradicional’ e ‘renovação’ do ensino dessa disciplina. Esse debate pode ser caracterizado
como uma tentativa de ruptura com tradições de ensino de História que remontam à sua
origem, na primeira metade do século XIX. Assim, destaca o autor:
Se a História escolar é uma criação da escola, e não uma versão simplificada
da História dos historiadores’, a Didática da História não pode ser uma
coleção de métodos — Unterrichtsmethoden — utilizáveis tanto no ensino de História quanto no de outras disciplinas escolares. Quando reconhecemos a
autonomia das disciplinas escolares, a Didática da História perde seu caráter
prescritivo, deixa de ser um conjunto de procedimentos para melhor
transmitir aos alunos a ‘História dos historiadores’. A Didática da História
também perde o status de ‘dramaturgia do ensino’ ou ‘arte de ensinar’ —
Lehrkunst —, que ela tinha tal como concebida no século XVII por Jan
Comenius (CARDOSO, 2008, p. 157)
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Os profissionais que trabalham com a cultura histórica são sobretudo os
professores de História, mas também podem ser, entre outros, museólogos, jornalistas,
escritores, letristas, roteiristas, cineastas, desenhistas, turismólogos, diretores e autores
de teatro que utilizam conteúdos históricos em seus produtos ou obras. Se todos esses
profissionais podem ignorar a presença da História escolar em seu trabalho, o inverso
não é verdadeiro para os professores de História. Isso porque tudo que tem relação com
a cultura histórica — por exemplo, filmes, programas de televisão, romances históricos,
peças de teatro, histórias em quadrinhos, pontos turísticos, museus, comemorações de
datas históricas, revistas de divulgação científica e outros textos jornalísticos — que
chega às aulas de História pelas mãos dos próprios professores ou por meio de
referências trazidas pelos alunos.
A cultura histórica é a forma de expressão da consciência histórica —
Geschichtsbewußtsein. Jörn Rüsen afirma que a consciência histórica está a um
“pequeno passo” da cultura histórica, definida como a “efetiva associação da
consciência histórica com a vida de uma sociedade” (CARDOSO, 2008, p. 159)
O tema central da pesquisa, o uso de obras literárias como ferramenta
dinamizadora do ensino da II Guerra Mundial, remete a uma discussão que vem
permeando os debates históricos já algum tempo. Discussão esta que se refere às razões
que poderiam justificar a inserção no campo histórico de períodos mais recentes como
objetos passíveis de um olhar e de uma abordagem científica já que há muito o campo
de atuação do historiador tem tido como locus privilegiado o chamado passado mais
recuado, distante, temporalmente afastado do historiador - haja visto a importância que
os estudos medievais assumiram na historiografia.
Ao escolher o Nazismo e a Segunda Guerra Mundial como centro da
minha pesquisa em busca de novas técnicas para se ensinar o ensino de história, estou
dando um foco para a chamada história do tempo presente. Os temas escolhidos são
relativamente recentes para um historiador, mesmo tendo se passado 72 anos desde o
ocorrido, as marcas deixadas pelo Nazismo ainda são encontradas e influenciam a vida
de milhares de pessoas, principalmente os sobreviventes do Holocausto.
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O uso de biografias no ensino de história nos permite ter uma visão mais
pessoal e esclarecedora acerca do ocorrido na época do tema em questão, porém deve se
ter um cuidado em como trabalha-la, como será tratada como fonte histórica deverá
receber as mesmas ressalvas. Como as obras escolhidas para este estudo narram um
trauma, muitas vezes será preciso prestar atenção ao uso de metáforas, a linearidade da
narrativa e suas repetições.
Como afirmava Aristóteles A Memória “é um arquivo de imagens (...) um
conjunto de imagens mentais das impressões sensuais, com um adicional temporal;
trata-se de um conjunto de imagens de coisas do passado” (SELIGMAN-SILVAS,
2008, p. 33). Algumas memórias precisam se manter vivas além do tempo, para isso são
construídos lugares de memórias como museus e monumentos. Esses lugares possuem a
função de manter viva memórias que não podem nem devem ser esquecidos.
O Nazismo foi escolhido como tema principal desta pesquisa, pois
representa um dos regimes mais importantes da história contemporânea e por
desencadear a Segunda Guerra mundial. Seu líder Adolf Hitler escreveu um dos livros
doutrinários mais importantes da humanidade. Nesta obra, intitulada Mein Kampft, ele
difundi uma ideia antissemitista e de pureza racial, que é posta em prática quando
assume o poder em 1933.
Como diz Eclea Bosi “a memória é a alma da própria alma, ou seja, a
conservação do espírito pelo espírito” (BOSI, 2003), usar biografias no ensino do
Nazismo e da Segunda Guerra mundial permite uma aproximação maior com o tema
escolhido. Através destas obras estão vivas as memórias de sobreviventes de algo que
por mais que a humanidade saiba que aconteceu, ainda tem dificuldades em acreditar
que tais atos tão violentos puderam ser cometidos por seres humanos contra seres
humanos.
Muitos sobreviventes não conseguem falar sobre o que sofreram ou
presenciaram ao longo dos anos em que Hitler ficou no poder. Quando conseguiam
eram massacrados pela sociedade, sendo muitas vezes chamados de mentirosos, as
atrocidades eram algo inimagináveis até então. Era e ainda é, muito difícil para a
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humanidade aceitar que algo tão monstruoso aconteceu e por isso os sobreviventes
dispostos a compartilhar suas memórias precisavam buscar mecanismos convincente de
que isto realmente aconteceu.
Ao utilizar obras literárias em sala de aula para ensinar os temas pré
selecionadas, este estudo se propõe a demonstrar a importância da interdisciplinaridade
para a dinamização da prática pedagógica no ensino de História, principalmente na
interconexão entre História e Literatura, introduzir no cotidiano escolar um instrumento
de trabalho que traga diferentes interpretações sobre um mesmo tema, assim ensina-los
de que há diversas formas de se retratar uma realidade, fazendo com que a pluralidade
dos estudos históricos possa ser uma constante no cotidiano escolar e por consequência,
promovendo a dinamização do cotidiano escolar através da incorporação à prática
docente das estratégias pedagógicas elaboradas a partir da análise das obras literárias.
As fontes utilizadas para a produção da dissertação de mestrado serão
obtidas através de produções literárias, que foram baseadas em algum fato real na qual
haja a utilização da memória de alguém que teve uma participação direta ou indireta
com os fatos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, e de livros que colocam em
seu enredo descrições de como era a situação das pessoas, dando uma ideia realista dos
fatos ocorridos, transportando o leitor para aquela época. Os livros escolhidos foram: A
Lista de Schindler; O Diário de Anne Frank; e A Trégua.
A lista Schindler – A verdadeira e mais completa história sobre a lista de
Schindler, que salvou milhares da morte certa, contada por um sobrevivente e
importante personagem deste drama, Mietek Pemper, que mesmo sendo judeu atuou
como secretário de Amon Goth, o nazista que comandava o campo de concentração.
Devido a sua importante atuação em toda a operação de salvamento ele foi consultor do
filme a Lista de Schindler de Steven Spielberg. Pemper foi a única testemunha que
poderia dar uma visão completa e precisa de operação de Schindler. Seu livro é
cuidadoso e triste, contando o triunfo de ambos e da incapacidade de superar a dor.
O diário de Anne Frank – Este livro trás o relato obtido através do diário da
pequena Anne Frank, uma menina que após passar anos escondida no sótão de uma casa
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em Amsterdã é encontrada e morta pelo nazistas. O relato tocante e impressionante das
atrocidades e dos horrores cometidos contra os judeus durante a segunda guerra, faz
deste livro um precioso documento e uma das obras mais importantes do séc. XX.
A Trégua - Primo Levi (Turim, 1919-87) inscreveu seu nome entre os
maiores escritores do século XX, a partir da experiência de prisioneiro e sobrevivente
do campo de extermínio de Auschwitz. Sua prosa literária tem a força expressiva das
narrativas em que a voz da testemunha alia-se ao trabalho da memória e da recriação da
vida nos limites máximos da dor e da destruição. A trégua narra a longa e incrível
viagem de volta para casa depois da libertação de Auschwitz e do fim da guerra. Numa
Europa semidestruída, o autor e vários companheiros de estrada viajam sem destino
pelo Leste até a URSS, premidos entre as ruínas da maior de todas as guerras e o
absurdo da burocracia dos vencedores.
O tratamento metodológico conferido às obras listadas acima será
organizado da seguinte maneira: em primeiro lugar, as obras serão relidas para que
sejam destacadas as interpretações sobre a II Guerra Mundial presentes no texto;
posteriormente, haverá uma comparação entre as informações presentes nas obras
literárias e nas interpretações clássicas no campo dos estudos históricos sobre o tema.
Esta pesquisa está em andamento, mas ao final espero que sirva como
base para melhorar e ampliar as opções de recursos para o ensino de história na
educação básica brasileira.
Referencia Bibliográficas
Fontes documentais
a) Obras Literárias sobre a II Guerra Mundial
FRANK, Anne. O diário de Anne Frank;
LEVI, Primo. A trégua
PEMPER, Mietek. A Lista de Schindler;
b) Documentação
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NORA, Pierre. Da História Contemporânea ao Presente Histórico. Atas da jornada de
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IDENTIDADES EM CENA: NARRATIVAS DE ESTUDANTES SOBRE O
BAIRRO VILA EMBRATEL EM SÃO LUÍS-MA
Peterson Passion Birino Miranda1
1. INTRODUÇÃO
Em trabalho produzido anteriormente, pudemos refletir sobre a
elaboração de representações sobre o bairro Vila Embratel - situado na região do Itaqui-
Bacanga na cidade de São Luís-MA -, as quais enfatizavam, de modo geral, uma
suposta natureza violenta inerente a este espaço social. Percebemos que alguns meios de
comunicação locais contribuem de forma relevante na consolidação de um imaginário
associado ao bairro assentado em representações estigmatizantes que nos apresentam
uma imagem de terror constante: aqui a criminalidade impera.
Longe de negar a existência de crimes violentos, criticamos a construção
de tal quadro representacional que imputa ao bairro a “fama” de “violento”, associando
de forma quase automática violência e periferia. Na presente pesquisa, ainda em curso,
propomos refletir sobre a construção das identidades de estudantes que moram e/ou
estudam neste bairro, percebendo como suas experiências no bairro e interpretações dele
nos revelam o traços constituintes de suas identidades. Além disso, buscamos perceber
como a dimensão histórica contribui na configuração dessas identidades utilizando, para
tanto, as proposições do historiador Jörn Rüsen, em especial, a partir do conceito de
consciência histórica e suas implicações na construções identitárias dos discentes.
1 Mestrando do programa de pós-graduação em História, Ensino e Narrativas da Universidade Estadual do
Maranhão (PPGHEN/UEMA), orientado pela Profa. Dra. Ana Lívia Bomfim Vieira.
E-mail:[email protected]
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2. CONSCIÊNCIA HISTÓRICA E IDENTIDADE: APONTAMENTOS
TEÓRICOS
A partir da “virada historiográfica” observada na primeira metade do século
XX capitaneada pelo Movimento dos Annales, a ciência histórica abriu-se para novos
objetos e novos temas, antes relegados a segundo plano pelos historiadores. Mais do que
isso, o Movimento Annales desencadeou novas abordagens históricas voltadas para os
estudos de grupos silenciados até então na historiografia, como as mulheres, os negros,
os homossexuais, os trabalhadores, entre outros (CARDOSO, 1997).
Neste percurso de mudanças no fazer historiográfico iniciado pelos annales,
as contribuições da chamada nova história cultural exerceram grande impacto,
influenciando historiadores e estudantes da área, fundamentando pesquisas em diversas
áreas das ciências humanas, bem como vários programas de pós-graduação. A partir da
década de 1970, conceitos centrais para a nova história cultural como os de
“representação” e “imaginário” nortearam as incursões analíticas na ciência histórica,
em especial, com base nos escritos do historiador francês Roger Chartier
(PESAVENTO, 2010).
A pesquisa, em andamento, aqui apresentada ancora-se em alguns dos
pressupostos teóricos oferecidos pela nova história cultural. Chartier define como
objetivo fundamental desta abordagem historiográfica “identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada,
dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16-17). Em nosso caso, o lugar é a escola, o
momento é o presente. No entanto, não podemos pensar a escola como uma unidade
inequívoca descolada de seu entorno, da comunidade que o cerca; tampouco podemos
pensar no presente como uma dimensão desvinculada do passado e do futuro, sob pena
de perder uma característica estruturante do pensamento histórico: a historicidade.
Tempo e espaço. Dois conceitos, dois aspectos, duas dimensões
indissociáveis, que contribuem decisivamente na construção das identidades pessoais e
coletivas de um grupo/comunidade/sociedade. Sem dúvida, a consciência histórica
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dialoga diretamente com a percepção temporal e espacial que fundamentam a
configuração das identidades. Nesta direção, torna-se relevante nos indagarmos: Como a
consciência histórica contribui na construção das identidades dos jovens estudantes?
Como o ensino de história pode contribuir na formação da consciência histórica e, por
conseguinte, na constituição de identidades razoáveis?
Antes de respondermos tais questões, é necessário tentar dissolver outra
questão relevante: é função do ensino da história formar a consciência histórica nos
estudantes? Caberia aos professores o papel de inculcar nos discentes a conscientização
de sua historicidade? A resposta negativa se aplica às duas.
Primeiro, cabe ressaltar que o conhecimento histórico não é produzido
exclusivamente pelo saber escolarizado (universidades, escolas, etc). Há diferentes
fontes de difusão deste conhecimento potencializado em nossos dias pelos meios de
comunicação de massa: livros de ficção, poesias, contos, filmes, músicas,
documentários, blogs, jornais, redes sociais, entre outros, também emitem, sob formas
diversas, informações textuais e visuais acerca de aspectos gerais e/ou específicos de
sociedades e eventos do passado, atribuindo-lhe significações próprias e interpretações
que, em geral, não estão coadunadas com o rigor do trabalho de um historiador.
Negligenciar a produção dos “não historiadores de ofício” - expressão cunhada pela
historiadora Sônia Meneses Silva (2007) -, isto é, aquela elaborada no âmbito do saber
não-escolar, configura-se um equívoco.
As proposições do historiador alemão Jörn Rüsen (2010) abrem caminho
para reflexões indispensáveis para a compreensão do conhecimento histórico escolar e
não-escolar. Segundo Rüsen, para que se possa conceber os fundamentos
epistemológicos do conhecimento histórico científico é necessário antes nos debruçar
sobre o pensamento genérico sobre a história expresso na vivência cotidiana, isto é, o
conhecimento histórico tal como se apresenta usualmente na vida prática. Assim sendo,
afirma o autor, “são as situações genéricas e elementares da vida prática dos homens
(experiências e interpretações do tempo) que constituem o que conhecemos como
consciência histórica” (RÜSEN, 2010, p.54).
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Para o Rüsen a consciência histórica deve ser investigada no curso da vida
cotidiana, pois é nela que obtemos seus usos diversos, reconhecíveis quando de sua
expressão prática por meio de construções discursivas.
Seguindo nesta mesma direção, o historiador Luís Fernando Cerri (2011)
afirma que é necessário, diante do cenário atual, compreender que o conhecimento
histórico produzido na academia não é o único, mas apenas um dos possíveis, uma vez
que há diferentes produtores de saber histórico, como a escola e os meios de
comunicação de massa. Desta forma, a didática da história imperativamente se volta
para a aprendizagem histórica, o qual se encontra pulverizado - não concentrado apenas
na escola ou universidade. Assim sendo, a didática da histórica se preocupa com “a
produção, circulação e utilização social de conhecimentos históricos como seu objeto de
estudo”, sendo encaixado no campo da teoria da história (CERRI, 2011, p.52). Nesta
direção todo tipo de conhecimento histórico é submetido ao crivo analítico do
historiador: imagens, filmes, músicas, jornais, etc. Aqui a pesquisa histórica não ignora
ou menospreza o saber não-escolar, mas se volta para ele.
O ensino de história não objetiva a formação de uma consciência histórica,
uma vez que ela é inerente ao pensamento humano. Ao chegar à escola, traz consigo
uma consciência histórica em algum nível, via de regra, tradicional ou exemplar
(adiante aprofundaremos esta questão). Na formação da consciência histórica, o saber
histórico escolar exerce a função de produzir um aprendizado histórico.
Rüsen define a consciência histórica como “ a suma das operações mentais
com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu
mundo e de si mesmos, de tal forma que possam orientar, intencionalmente, sua vida
prática no tempo” (RÜSEN, 2010, p.57). Nesta senda, o autor aponta como função
prática da consciência histórica a orientação humana no tempo.
Há sem dúvida impressa nessa definição uma perspectiva de história como a
união harmônica das dimensões temporais - passado, presente e futuro - uma vez que, a
grosso modo, as experiências do passado são interpretadas e produzidas para a
compreensão do presente, dando aporte prático para o agir humano e projetando as
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ações no futuro. Deste modo, a consciência histórica envolve o conjunto de operações
intelectuais onde se estruturam nossa percepção temporal, uma vez que “trata do
passado, nos revela o tecido da mudança temporal dentro do qual estão presas as nossas
vidas, e as perspectivas futuras para as quais se dirige a mudança” (RÜSEN, 1992, p.32-
33).
Se não é função exclusiva do ensino de história formar uma consciência
histórica, qual seria, então, seu objetivo? Cerri nos aponta uma direção: cabe ao
professor contribuir no desenvolvimento do pensar historicamente entendido como o
ato de “nunca aceitar as informações, as ideias, dados, etc. sem levar em consideração o
contexto em que foram produzidos: seu tempo, suas peculiaridades culturais, suas
vinculações com posicionamentos políticos e classes sociais, as possibilidades e
limitações do conhecimento que se tinha quando se produziu o que é posto para análise”
(CERRI, 2011, p.59). Aqui a historicidade emerge como um elemento central para
compreender as sociedades e os eventos históricos: “a história permite, afinal,
compreender que todas as coisas estão sempre vinculadas a contexto, e só são
compreendidas se os contextos em que surgem e se desenvolvem são esmiuçados”
(CERRI, 2011, p.65). De modo mais agudo, o autor parte para uma definição mais
apurada, na qual o pensar historicamente é entendido como a “capacidade de beneficiar-
se das características do raciocínio da ciência histórica para pensar a vida prática.
determinadas formas de consciência histórica, por exemplo, tendem a excluir ou a
incompatibilizar-se com o pensar historicamente segundo essa definição, o que não quer
dizer que deixem de manejar alguma compreensão do que é o tempo, de onde vem e
para onde vai” (CERRI, 2011, p.61-62)
Nestes termos, se voltarmos nosso olhar para o bairro Vila Embratel,
podemos, sem exageros, afirmar que o conhecimento histórico formado em torno do
mesmo foi - e continua sendo - hegemonicamente construído por formas outras de
veiculação do saber histórico, principalmente, os meios de comunicação. Resta-nos
investigar como a consciência histórica em relação ao nosso bairro têm se estruturado
no aprendizado histórico dos estudantes do bairro. É justamente no aprendizado
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histórico que se manifesta a consciência histórica, que, por sua vez, grosso modo,
constitui as bases da identidade histórica. A construção de uma identidade histórica é
componente crucial na estrutura do pensamento histórico que resulta da formação da
consciência histórica. Se a consciência histórica está voltada para as necessidades
sociais inerentes à vida prática cotidiana, sem dúvidas, teremos a possibilidade de dotar
os sujeitos da capacidade de demarcarem suas experiências no tempo por meio de suas
percepções e interpretações de si e do mundo. Neste sentido, a narrativa emerge como a
forma de expressão privilegiada para a apreensão das interfaces identitárias operadas
mentalmente, na medida em que se configura como “um meio de constituição da
identidade humana” (RÜSEN, 2010, p.66).
Em nossa experiência pós-moderna, ou líquido-moderna, conforme propõe
o sociólogo Zigmunt Bauman (2005), as identidades são cada vez mais erigidas sob
bases movediças. Neste contexto, as identidades são um “monte de problemas” uma vez
que configuradas sob a liquidez das relações e estruturas sociais. Neste mundo líquido,
“as ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e
lançadas por outras pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para
defender as primeiras em relação às últimas” (BAUMAN, 2005, p.19).
Canclini ressalta que as identidades, imersas no processo de globalização,
não podem ser tratadas como estáticas ou dotadas de caracteres fixos. Diversamente,
elas são submetidas a fluxos de interconexão, nas quais as pessoas se apropriam de uma
gama bastante heterogênea de bens culturais e informações disponíveis em constante
circulação. Para dar conta dos arranjos de relações sociais e dos trânsitos culturais
específicos do mundo globalizado, Canclini centra sua análise sobre o que ele chama de
“processos de hibridização”, isto é, redes de (re)apropriação, muitas vezes
contraditórias, nas quais se fundem e se cruzam diferentes traços sócio-culturais. Assim,
as identidades híbridas são características da contemporaneidade (CANCLINI, 2008).
A contribuição seminal de Stuart Hall segue, a grosso modo, as proposições
anteriores: em uma sociedade bombardeada por imagens vindas de todos os lados
dentro de um espaço cada vez mais globalizado, o sujeito pós-moderno é atravessado
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por múltiplas identidades que se configuram de forma fragmentadas, fluidas, cambiantes
e mesmo contraditórias. Conforme Hall, o conceito de identidade na pós-modernidade é
utilizado para
significar o ponto de sutura, entre, por um lado, os discursos e as
práticas que tentam nos interpelar, nos falar ou nos convocar para que
assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem
subjetividades, que nos constroem como os sujeitos aos quais se pode
‘falar’ (HALL, 2000; p.111-112).
Diante do exposto, parece-nos inadiável refletir sobre a formação da
consciência histórica dos estudantes como elemento constituinte de suas identidades, as
quais se estruturam também em relação ao espaço em que praticam cotidianamente - o
bairro e a escola.
3. AS NARRATIVAS DOS ESTUDANTES: IDENTIDADES EM CENA
Historicamente, foi construído um quadro representacional sobre o bairro
Vila Embratel com forte poder estigmatizante, o qual se consolidou no imaginário
ludovicense a partir da associação entre periferia e violência. O resultado cruel disto
aparece de forma concreta na adjetivação da Vila Embratel como “bairro violento”,
como se a criminalidade se apresentasse como característica imanente ao bairro
atingindo em cheio seus moradores.
Assim, forjou-se ao longo do tempo uma memória ligada ao bairro que o
referencia como espaço de difusão da criminalidade e de produção de criminosos, tal
como ocorre com milhares de bairros considerados “periféricos”. Parece-nos
imprescindível investigar de que modo esta memória está sendo moldada no ambiente
escolar, o que, por sua vez possui implicação direta na constituição das identidades
estudantis. A partir da apreciação das narrativas dos estudantes de escolas públicas do
bairro buscamos perceber de que forma o imaginário construído acerca daquele espaço
social está sendo apropriado, lido e interpretado pelos sujeitos que estudam e em muitos
casos também residem no referido bairro.
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Para tanto, utilizamos da sugestão metodológica proposta pelo historiador
Jörn Rüsen que consiste na investigação acerca dos níveis de consciência histórica dos
estudantes, voltando-nos para suas percepções e interpretações sobre o bairro Vila
Embratel e a escola Centro de Ensino Dayse Galvão de Sousa - o espaço social que
praticam diariamente.
Antes de partimos para a análise das narrativas, faz-se relevante
compreender o ambiente de nossa pesquisa - a escola e o bairro - como espaço social
(CERTEAU, 2012), lugares praticados cotidianamente pelos discentes, os quais são
modificados pela ação astuciosa dos mesmos, ao passo em que influencia e transforma a
vida prática deles. Neste espaço, os sujeitos operam de forma imprevisível e astuciosa
suas práticas cotidianas (correr, brincar, trabalhar, estudar, etc.) produzindo sentido a si
mesmo e a experiência social em que estão inseridos (CERTEAU, 2012).
O centro de ensino Dayse Galvão de Sousa é uma escola da rede estadual de
ensino e atende estudantes oriundos do bairro Vila Embratel, mas também, em grande
número de bairros vizinhos como Sá Viana, Jambeiro, Residencial Paraíso, Vila Isabel,
Vila Bacanga e Gapara. A escola, inaugurada em 1999, é a maior do bairro, atendendo a
747 estudantes regularmente matriculados no ensino médio em três turnos de
funcionamento.
Entendemos, portanto, que a investigação acerca da construção das
identidades estudantis, especialmente, situado em um palco de conflitos de
representações sobre o bairro Vila Embratel, envolve necessariamente a compreensão
do processo de formação de uma consciência histórica nos discentes evocada por
intermédio de suas narrativas. Para tanto, utilizamos como metodologia a aplicação de
uma produção textual com alguns estudantes da escola Dayse Galvão de Sousa. De
modo diverso da tradicional redação, a utilização da produção textual se justifica por
trazer subjacente uma concepção de estudante como sujeito “(...) participante ativo do
diálogo contínuo: com textos e com leitores” (GERALDI, 2000, p.22).
Levando-se em consideração a função prática da consciência histórica em
articular uma orientação temporal dos sujeitos, pode-se afirmar que ela se realiza na
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narrativa. Em outras palavras, nas narrativas se manifestam os traços constitutivos da
consciência histórica. Para Rüsen, a “competência narrativa” seria a competência
específica da consciência histórica voltada para a efetivação da relação temporal entre
passado, presente e futuro na vida prática. A narrativa, portanto, tem a competência de
dar sentido à realidade passada, atualizando-a (RÜSEN, 1992).
A análise das narrativas dos estudantes segue as proposições metodológicas
sugeridas por Rüsen, para quem a narração ampara-se na consciência histórica onde
efetua a sua função prática de servir como parâmetro para a ação humana articulando
suas dimensões temporais. A consciência histórica efetiva tal função em quatro tipos
diferentes: tradicional, exemplar, crítico e genético (RÜSEN, 1992).
A consciência histórica de tipo tradicional estrutura-se a partir de tradições
que obrigam a conservação de valores e comportamentos. No âmbito externo, o tempo
tem significado na medida em que nele se inscreve a continuidade das relações sociais,
dos valores morais, modelos de vida. Já no âmbito interno, se estabiliza uma identidade
histórica que afirma um consentimento em relação aos modelos tradicionais
preestabelecidos. Tal permanência é rememorada para justificá-la.
O tipo exemplar de consciência histórica não envolve as tradições, mas as
regras, os parâmetros atemporais que dirigem o curso das nossas ações. Nossa
experiência com o passado referencia-se em casos exemplares que justificam nossas
práticas. No ponto de vista externo, abre-se um “horizonte temporal” significativamente
amplo, tendo em vista que a consciência histórica utiliza vários casos exemplares. Aqui
a história é vista como uma senhora que dá lições para o presente. Do ponto de vista
interno, a identidade é construída a partir da aplicação de regras gerais oriundas de
casos específicos a situações práticas diversas, tomando, desta forma, valores morais
como universais.
Por sua vez a consciência histórica de tipo crítica expõe uma negação da
realidade. Apresenta uma interpretação que refuta a validade do que está posto. Deste
modo, opera-se uma ruptura no continuum temporal. Internamente, a identidade é
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forjada afirmando aquilo que não queremos ser, rompendo com modelos pré-
determinados, fórmulas, representações apriorísticas e generalizações.
Finalmente, a consciência histórica genética enuncia a percepção das
mudanças temporais. O pensamento histórico erige-se dentro de valores atualizados. A
história é mudança e nela se operam as ações da vida prática e também se enquadram
diferentes ponto de vista. A identidade se vê ambulante, transitando no tempo, conforme
as mudanças ordinárias. Procura-se ver o outro como imerso nessas transformações
históricas (RÜSEN, 1992; 2006; 2010).
Diante disto, o esforço aqui empreendido consiste em promover uma
reflexão sobre a construção das identidades estudantis a partir da identificação dos tipos
de consciência histórica impressos nas narrativas dos estudantes, focalizando suas
percepções temporais - e espaciais - acerca da realidade que vivenciam hodiernamente
na escola Dayse Galvão de Sousa e no bairro Vila Embratel.
A produção textual aplicada junto aos estudantes da referida escola tinha
como tema norteador o bairro Vila Embratel: foi proposto que os discentes escrevessem
aquilo que pensavam sobre este bairro tendo como parâmetro suas experiências
cotidianas e suas interpretações acerca do espaço social que envolve a escola e o bairro.
Interessava-nos uma escrita livre das amarras de uma redação rigidamente estruturada -
introdução, desenvolvimento, conclusão -, direcionamento este que se revelou favorável
a abertura de caminhos escriturários pavimentados por improvisações, trilhas textuais
clandestinas e táticas diversas, ainda que, em alguns casos, pudesse se observar uma
“obediência” aos pressupostos da tradicional redação.
Aplicamos a produção textual em três turmas do 2º ano, nas quais 43 alunos
aceitaram participar da pesquisa construindo seus textos de forma espontânea.
Utilizaremos nomes fictícios para nos referir aos estudantes/autores dos textos, bem
como reproduziremos aqui ora fragmentos ora o texto completo produzido pelos
mesmos. Depreendemos, a partir das proposições de Rüsen, que as narrativas dos
estudantes operam uma construção coerente das experiências temporais vivenciadas em
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sua cotidianidade, possibilitando desvelar uma manifestação concreta da constituição de
suas identidades.
Na leitura das narrativas enunciadas pelos estudantes sob a forma textual,
percebemos a aparição de uma memória nostálgica que remonta um passado bom, no
qual o bairro era “bom de se viver”. Sobre este aspecto o estudante Pedro apresenta um
relato onde percebemos uma consciência histórica de tipo tradicional:
É aonde nós moramos foi um bairro muito bom tranquilo, aonde as pessoas podia ficar centado na porta não tinha violência essas coisas,
mas só que o tempo vai passando as coisas vão mudando, a violência
aumentou tudo mais tipo hoje em dia ficamos até comedo de sair de
casa porque nós não sabemos o que vai acontecer.
A memória que se presentifica na narrativa evocando um passado em que a
vida prática era supostamente harmoniosa, no caso dos jovens estudantes, tem como
referência a época da infância, onde as identidades já estão em construção, a partir de
suas vivências e interpretações acerca do mundo social (CARVALHO, 2012). A
narrativa de Robson apresenta também esta característica expressando um tipo de
consciência histórica tradicional e exemplar:
No meu ponto de vista a Vila Embratel é um bairro que já foi bom de
se morar, mas hoje em dia a criminalidade tomou de conta de nosso
bairro ontem mesmo morreu um homem pai de família na minha rua, ele estava indo para o serviço quando passou dois indivíduos de moto
e atiraram em sua direção asertaram dois disparos no homem e ele
morreu la no meio da rua isso aconteceu a tarde duas horas o horario
que as crianças tentam se divertir um pouquinho na sua propria rua, isso não era para acontecer em um bairro como a Vila Embratel que é
bastante movimentado… a continuar desse jeito a situação vai piorar
se a nossa comunidade se as crianças continuar vendo essas cenas isso nunca vai parar, porque daqui a um tempo essas pessoas vão achar
isso comum e também tem o trafico de drogas que e muito grande.
Nas duas narrativas acima reproduzidas percebemos a reafirmação da
imagem/representação da Vila Embratel como um bairro violento, esta última moldada
a partir de situações particulares utilizadas como substrato para uma visão generalizante
que associa o bairro à criminalidade. Em outros relatos, o bairro é visto como um lugar
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dominado pelo medo da violência, uma vez que os casos de crimes seriam constantes. É
comum nestes relatos a associação da ocorrência de delitos a inoperância da polícia. A
narrativa de Andreia, que expressa um tipo tradicional de consciência histórica, segue
nesta direção:
Falar sobre o bairro onde eu moro é fácil, difícil é ter que mostrar o
que acontece, a realidade vivida pelos moradores, o medo que temos
de até sair de casa por conta da violência. Os assaltos acontecem
diariamente por todos os lados, homicídios, violência contra a mulher e maltrato aos animais, mas e a polícia? Até porque tem uma
delegacia no bairro, a polícia não faz nada? É, até que faz, mas não
como deveria, não existe segurança suficiente para tanta violência
Outro fator que causaria a ocorrência da criminalidade no bairro seria a
atuação de facções criminosas. O relato de Ana se configura a partir da percepção de um
bairro bem pior do que era, especialmente por conta das facções. Sua narrativa
manifesta uma consciência história de tipo tradicional, senão vejamos:
Eu nasci na Vila Embratel e quando eu era menor o nosso bairro era
muito bom. eu não estou dizendo que hoje ele tá assim só que ele está sendo um mau ponto de vista para a sociedade”. (...) Hoje eu acho que
nosso bairro está muito violento por causa das facções que existem
agora, antigamente não tinha esse negócio de facção hoje eles não consideram as famílias, nosso bairro hoje é visto como um dos piores
bairros de São Luís.
O rótulo de violento imputado a bairros considerados periféricos vistos
como palcos quase exclusivos da criminalidade reverbera com grande força em diversas
narrativas estudantis. Nelas se manifestam a conformação de uma memória traumática
em torno das periferias, reforçando um quadro imagético que associa violência, pobreza
e periferia. O relato de Cecília expõe uma realidade marcada pela preocupação
constante a proliferação da “malandragem”:
(...) nosso bairro é perigoso mais bom de se viver so que a
malandragem na Vila Embratel ta de mais. delegacia da Vila Embratel so tá de enfeite por que não faz nada poxa um Bairro tão grande como
que vou querer meu filho morando em meio da malandragem de Hoje
na Vila Embratel. (...) a gente da Vila Embratel vivemo todos os dias com medo de sair pra compra um pão e ser morto porque a
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malandragem ta de mais so espero que depois disso tudo [talvez aqui
ele faça referencia a toda a história do bairro marcada pela violência]
alguém faça algo pra muda por que viver no bairro que tomado por
malandro e traficante ta de mais, nem nas escolas da Vila Embratel a gente tem segurança.
As narrativas expostas anteriormente apresentaram de modo predominante
uma consciência histórica de tipo tradicional, que evidenciaram representações sobre o
bairro pautada em visões deturpadas e estereotipadas que reforçam um suposto atributo
imanente a este espaço social, a violência, reproduzindo a “fórmula mágica”
criminalidade-periferia, atualizando e reafirmando estigmas historicamente construídos
sobre regiões periféricas. Além disso, o tipo exemplar de consciência histórica também
foi expressado pelos discentes nas sobreditas narrativas, onde pudemos notar uma
superlativização de representações viciosas sobre o bairro a partir de “casos”
específicos utilizados como regras gerais aplicáveis ao cotidiano do bairro.
Indubitavelmente, há nessas narrativas uma significativa influência das notícias
veiculadas sobre o bairro nos diversos meios de comunicação, como se pode observar,
por exemplo, no relato de Wesley que definiu o bairro como “o bairro do terror” e ainda
reproduziu quase que de modo idêntico em seu texto o seguinte trecho de um site da
internet2: “Vila Embratel é um bairro da cidade populosa, possui seu nome devido a
existência de uma torre da Embratel o bairro registra altos índices de violências no
bairro”. Aqui o estudante busca uma explicação, uma interpretação plausível para sua
realidade, a qual ele não consegue dar ao se ver em um tempo saturado de “agoras”
(SILVA, 2007), divorciado do passado, à deriva.
O tema violência e sua relação com o bairro emerge em todas os 43 textos
produzidos pelos discentes sob diferentes abordagens, no entanto observamos
referências a outros problemas sociais enfrentados diariamente no bairro, tendo como
motivação a ineficácia ou mesmo ausência de ações dos governantes com vistas
melhorar os serviços públicos no bairro, como por exemplo podemos perceber nas
narrativas de Ingrid e Paulo:
2 Referimo-nos ao site denominado Wikipédia que se caracteriza pela edição de seus conteúdos por
qualquer usuário. Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vila_Embratel acesso em 30 jun. 2016.
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O Bairro Vila Embratel é um ‘bom’ mais precisa da atenção dos
governantes e prefeito. Tanto na educação quanto na saúde. Nas
escolas precisam investi nelas contratar mas funcionários e professores que faltam. As ruas são esburacadas e deveriam fazer mas
um posto de saúde porque só tem um que serve para o bairro e outros.
Sinceramente, a Vila Embratel é um bairro muito mal visado. Até
pelos próprios moradores, porque falta tanta coisa. Como saneamento básico, como policiamento, como escolas bem estruturadas,
sinalização e o lixo, que também é bastante visto por aqui.
Podemos também inferir que as duas narrativas acima exprimem um tipo
tradicional e exemplar de consciência histórica emoldurando um quadro social “válido”
para os bairros periféricos tomados como espaços sem infraestrutura de serviços e
marcados por inúmeros problemas sociais, numa clara naturalização da ideia de
periferia em oposição a realidade ordenada, pacífica e “normal” de bairros nobres. As
estratégias representacionais adotadas pelos sistemas de produção dominantes
direcionam a uma legibilidade dos espaços, distinguindo-os e demarcando suas
fronteiras como naturalmente configuradas: desta feita, o tempo é solapado pelo espaço,
este sim inteligível e determinado (CERTEAU, 2012).
Segundo Rüsen, a leitura do passado operado na consciência histórica serve
para dar sentido a experiência humana no presente, fornecendo referencial valorativo
para a vida prática, permitindo, deste modo, adotar perspectivas para o futuro. Essa
ideia de futuro é aparente em várias narrativas dos estudantes, via de regra, tipificada
como a expressão de uma consciência histórica tradicional e exemplar, conforme
pudemos verificar nos relatos de Ramon e Josué, os quais expõem, em linhas gerais,
uma perspectiva de futuro pautada na tradição judaico-cristã tendo como fio condutor a
ideia de que a história caminha para uma redenção final. Neste ponto, uma identidade
associada a orientação religiosa é convocada, senão vejamos:
Eu sou evangélico, moro na avenida do contorno eu acho que um dia nosso bairro vai mudar para melhor as pessoas tem que ter
companheirismo, amar uns aos outros e ter paz no coração, para que
elas possam ser um bom ser humano, isto é, fazer um bom bairro e acreditar na paz, porque um dia ela vai chegar em nosso bairro.
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Pra mim isso deveria mudar ‘para melhor’ se entregar somente pra
Deus e largar essas pessoas dessa vida cruel, pois esses só são seus
amigos na hora que tamos de boa (dinheiro, droga, carro, etc…) e
quando agente fica na pior eles viram as costa, parece até que nem te conhece.
Nas narrativas anteriormente expostas, fica patente o trânsito pela linha
tênue - porém aparentemente confortável do “lugar-comum”, ainda que operado sob
diferentes “maneiras de escrever”. A repetição incessante do “mantra” Vila Embratel =
bairro violento sustentado em representações imagéticas que habitam no imaginário
ludovicense pode exercer atração maior aos leitores/consumidores, inclusive aos
próprios moradores/estudantes.
No entanto, em outras narrativas enunciadas pelos estudantes da escola
Dayse Galvão outras diversas maneiras de ver e interpretar o espaço social que praticam
hodiernamente. Observamos em pelo menos 11 relatos uma postura de negação ao
rótulo de violento imputado ao bairro, nos quais se manifestou um tipo de consciência
histórica crítica, mesmo que em alguns pontos mesclada com os tipos tradicional e
exemplar. A narrativa de Ribamar é taxativa ao relativizar as perspectivas
preconceituosas e generalizantes em relação ao bairro:
‘‘A Vila Embratel não entro nem morto”, “cruz credo Vila Embratel”,
vejo muitas pessoas falarem isso sem que eles venham até aqui (Vila
Embratel), mais agora me pergunto que Bairro não é perigoso, qual bairro não tem seus problemas. Neste Bairro não tem só ladrões,
também tem pessoas honetas que trabalham para ter o que viver.
Nas narrativas escritas pelos estudantes Márcio e Aparecida,
respectivamente, expressa-se uma percepção sobre o transcurso do tempo pautado numa
evolução inevitável. Nela, o bairro estaria paulatinamente caminhando para um futuro
melhor:
Eu vejo a Vila Embratel como um Bairro em evolução. As pessoas de fora criticam muito o bairro por não conhecerem, muitas dizem que no
bairro só tem o que não presta que só tem pessoas erradas (...) É
verdade sim que no Bairro existem pessoas erradas, pessoas que não querem nada com a vida, mas no meio de pedras há flores, pessoas
que lutam e se dedicam para ter uma boa condição.
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Mas no meu ponto de vista, a Vila Embratel, vejo pessoas hulmildes e
de bom coração, nos quais vale a pena ver um lado positivo, no qual
quem sabe um dia ela poderá ser um bairro com mais pontos positivos
do que negativo.
A postura crítica adotada por Márcio e Aparecida também encontra eco na
narrativa de Marcel rompendo com o quadro imagético/representacional construído de
forma estereotipada sobre o bairro, negando sua validade como esquema explicativo,
relativizando visões preconceituosas sobre o espaço social e seus moradores:
A Vila Embratel é o bairro onde eu fui criado. Tenho muito respeito
por esse bairro, mas eu sei que muitas pessoas tem pre-conceito. Mas
essas pessoas não sabem que nesse bairro de periferia tem pessoas do bem, tem pessoas com alto grau de conhecimento. Eu já fui tratado
com indiferença por viver nesse bairro. Os preconceituosos pensam
que porque eu vivo em um bairro periférico eu altomaticamente tenho que ser bandido, tenho que ser mau carater. Em meu bairro isso só vai
mudar se as pessoas que moram aqui fizer diferença.
Podemos afirmar que as narrativas dos estudantes revelam de maneiras bem
distintas suas representações sobre o espaço social pelo qual transitam ordinariamente,
trilhando de maneira própria pelo mesmo. As identidades, deste modo, são moldadas
constantemente tendo como referência a materialidade do espaço, estabelecendo laços
com ele, consolidando na memória referenciais que justificam sua vivência nele,
demarcando sua diferença em relação ao Outro - o “de fora”, reafirmando e dando
sentido a si mesmo e ao espaço que pratica. Assim sendo, em um contexto de “liquidez
moderna” (BAUMAN, 2005), percebemos que as identidades são construídas por
alguns estudantes pela necessidade de assegurar o pertencimento a um lugar e rechaçar
representações preconceituosas, conforme fica evidente nas narrativas dos estudantes
Luan e Flávia, respectivamente:
Vila Embratel é um bairro nobre como qualquer outro. Amo meu bairro da Vila Embratel. Tenho meus amigos e família e garanto que
todos eles são do bem. A estas pessoas que falam mal este bairro tão
querido, falo que ‘não juguem a capa pelo livro, porque nos livros de matematica tem sempre um menino tem sempre um menino se
divertindo em fazer cálculos.
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(...) a Vila Embratel não é um dos bairros mais bonito, mais
interessante, mas concerteza é o bairro mais importante da minha vida,
a Vila Embratel, pode até ter muitas pessoas que praticam, violencia,
usam drogas, etc… mas também é um bairro com varios pais de familia, pessoas de bom caráter e que tem um sonho na vida. Vila
Embratel, minha casa, meu lar. #amominhaquebrada.
As experiências destes jovens dentro das fronteiras do bairro praticando-o
em suas ações mais triviais lhes permitem produzir significados distintos de visões
estigmatizantes, nas quais o bairro aparece como “um lar”, confortavelmente
estabilizado em suas representações subjetivas.
Portanto, pudemos perceber nas narrativas que manifestaram um tipo de
consciência histórica crítica explicações que negam as representações pejorativas
impostas como estratégias produzidas para demarcar um processo de distinção social
em curso na cidade de São Luís. De acordo com estas interpretações os construtos
imagéticos carregados de estereótipos não elucidam a complexidade ordinária deste
“espaço-tempo” e, deste modo, invalidam a compreensão ancorada em concepções
generalizantes em relação aos bairros considerados periféricos.
CONSIDERAÇÕES INCONCLUSIVAS
À luz do exposto, entendemos, no entanto, seguindo as proposições de
Rusen, que é relevante a formação de uma consciência histórica crítico-genética nos
estudantes, desenvolvendo nos discentes a capacidade de perceber a si e ao bairro
imersos em mudanças temporais, isto é, “pensar historicamente” (CERRI, 2011), de
modo a identificar diferentes pontos de vistas acerca de seu “tempo-espaço”. Para além
da negação de representações estigmatizantes, o saber histórico pode contribuir também
para que se reconheçam enquanto sujeitos ativos e partícipes de sua realidade, esta
compreendida como um espaço plural, contraditório, historicizado.
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REFERÊNCIAS
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modernidade. São Paulo: Edusp, 2008.
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Janeiro:FGV, 2011. 138p.
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2012.
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2º Ed.reimp-Belo
Horizonte: Autêntica, 2005.
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_________. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso
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VAINFAS, R. “História das mentalidades e história cultural”. CARDOSO,
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Janeiro: Campus, 1997. Cap.5, p.189-241.
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DE “RAINHA DO LAR” A “MENSAGEIRA DA AURORA INTELECTUAL”:
IMAGENS DAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS NA PRIMEIRA REPÚBLICA.
Ilma de Jesus Rabelo Santos1
1. INTRODUÇÃO
As imagens acerca dos sujeitos sociais são produzidas de modo que se
confundem com os próprios seres que estas imagens representam. Isto não difere do que
ocorreu com as professoras primárias durante a Primeira República no Brasil, visto que
estas mulheres e professoras foram tidas como responsáveis por construir a imagem de
uma nação moderna, moralizada e moralizadora, na busca do progresso pela ordem e
pela norma (MULLER, 1998).
Para esta análise usamos como referência teórico-metodológica os estudos
sobre relações de gênero entendida como forma de problematizar as relações entre
homens e mulheres em determinado contexto sociocultural, considerando as definições
de feminino e masculino como marcas identitárias que são construídas pelas interações
sociais e aprendidas nas vivências tanto do espaço privado como do domínio público.
Para Scott há duas definições do gênero. Uma o explica como “um elemento
constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” e a
outra “é uma forma primeira de significar as relações de poder” entre os sujeitos (1989,
p.21), pois os princípios norteadores da organização social – dos papéis ditados e
esperados das mulheres e dos homens – são os mesmos que direcionam as
representações de poder nas diversas instituições sociais, como escola, igreja, espaços
público e privado.
Fazemos um diálogo com o conceito de representação do historiador
francês Roger Chartier enquanto categoria de análise entendida como a “apresentação
pública” de um “objeto ausente”, pensando as representações sociais como construídas,
e que “embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são
sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam (CHARTIER, 2002,
p.16-17).
1 Aluna do curso de mestrado de História, Ensino e Narrativa da Universidade Estadual do Maranhão –
UEMA. Trabalho apresentado no II Seminário do PPGEN. E-mail: [email protected]
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Usamos como suporte analítico a ideia de imaginário como “um sistema de
ideias e imagens de representações coletivas que os homens, em todas as épocas,
construíram para si, dando sentido ao mundo” (PESAVENTO, 2008, p.43). Uma
espécie de mundo paralelo de sinais construído sobre a realidade, nos apontando que o
imaginário social é algo construído e, como tal, tem objetivos explicativos, para as
práticas sociais.
Este artigo é um recorte da pesquisa de mestrado com o título A MULHER
NO MAGISTÉRIO: a constituição da identidade docente no Maranhão republicano
(1890-1940). Aqui, nos propormos a conhecer a prática de vida e as possibilidades de
atuação das professoras primárias no mercado de trabalho, no seu cotidiano, na sua vida
pública e privada, o que permitia tanto a construção de novas imagens sobre a
professora, quanto também reforçava alguns estereótipos que limitavam sua ação e
atuação.
No que tange propriamente às imagens elaboradas sobre as professoras
primárias buscamos apresentar os discursos sobre a idealização da mulher no
magistério, discutindo o processo de valorização e positivação do magistério e da
normalista com figura respeitável e disciplinada que reflete o ideal de sociedade para o
Positivismo republicano. Essa construção acontece em meio às contradições sociais
decorrentes da urbanização e industrialização da época e dos novos e antigos modelos
de domesticidade.
A pesquisa está alicerçada nas leituras bibliográficas acerca do tema,
produções acadêmicas no Brasil e Maranhão, legislação educacional do final do Império
e início da República Velha, como regulamentos e decretos, mas também jornais,
memórias, falas, discursos e produções de intelectuais e autoridades educacionais que
nos apontam para o pensamento social da época sobre as professoras primárias.
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2. ACERCA DAS PROFESSORAS
Para as mulheres das camadas médias do final do século XIX, as atividades
fora do espaço doméstico representavam um risco para sua imagem, pois as colocavam
no espaço predominantemente dominado pelo sexo masculino. Foi então necessário
domesticar essas atividades desempenhadas por elas no espaço público, como aconteceu
na enfermagem e magistério que se feminizaram, aliando características consideradas
peculiares às mulheres, como o “cuidado, sensibilidade, amor, vigilância, etc.”
(LOURO, 2001, p.454).
O processo de implantação da República no Brasil trouxe consigo um
remodelar da identidade feminina através de um olhar de classe, uma vez que o
imaginário social da época foi realinhado na perspectiva de atribuir-lhes novas funções.
Essa remodelação do discurso que atribuía às mulheres características como fragilidade,
doçura, paciência, tidas como inata ao sexo, tinha como objetivo torná-las agentes
regeneradores a serviço da nação.
A bandeira desse discurso eram as mães moralizadoras da sociedade. Nesse
sentido, Chartier, pontua que as “percepções do social não são de forma alguma
discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que
tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar
um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas” (CHARTIER 2002, p.17).
Sendo assim, essas imposições que visavam construir um padrão ideal de
mães perfeitas, se estendeu às professoras primárias que vivenciaram a docência em
meio à possibilidade de estudar, trabalhar e também de profissionalizarem-se, ao
incorporarem essa identidade maternal, supostamente nata a todas às mulheres, dando à
docência feminina uma configuração de extensão da maternidade.
A imagem da professora primária cristaliza-se de forma gradativa no
imaginário social da época, sendo um apanhado de incorporações de qualidades e
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atribuições que foram se agregando na passagem do século XIX e que se desdobrou em
símbolos e modos de entender o feminino.
Uma das imagens mais marcantes advindas desse ideal republicano
moralizante foi a prerrogativa da professora, necessariamente ser, uma figura
respeitável, sendo que esse atributo emanava do fato de seu caráter ser superior ao
homem em alguns pontos. Isto poderia soar como algo contraditório, por ser o homem
tido como o sexo forte e superior, porém, essa ideia reforçava o ideal de moralidade
feminina.
É nessa contradição que se assenta a opinião de Almeida Oliveira2 ao
reconhecer que a atuação da mulher no magistério não necessariamente significava que
ela seria desrespeitada em sala de aula por ser mulher, mas ao contrário disso. Seria
reverenciada por impor sua respeitabilidade com armas que lhe foram dadas pela
própria natureza.
Se, pois, o respeito não vem do sexo nem do cargo, mas das qualidades postas ao serviço deste, é claro que, em iguais condições,
tanto respeito deve merecer o mestre como a mestra. Até parece que a
mestra deve merecer mais. Primeiramente o saber é mais admirável na mulher que no homem. Em segundo lugar a bondade da mulher
sempre é credora de maior amor que a do homem. Ora o amor ajunta
ao respeito a sua dedicação, a admiração, o seu entusiasmo, e a
mestra não é só um ente de magia [...] mas um mito digno de toda veneração, um composto de todas as boas qualidades adoráveis
(OLIVEIRA, 2003, p.207, grifos nossos).
Percebemos que há uma associação bem demarcada entre o respeito que a
mestra inspira e seu comportamento diante da sociedade e de seus alunos, bem como há
uma espécie de arsenal de valores sobre ela que garantem essa dignidade e distinção em
relação aos homens. Nesse sentido os pressupostos da fragilidade e inferioridade
feminina, diante da imagem de virilidade e força masculina, acabaram se remodelando
frente a formação moral mais sólida que o discurso positivista conferiu às mulheres.
2Advogado, jornalista, educador maranhense, e autor de O Ensino Público publicado em 1874 no qual
debate sobre vários problemas do ensino no Brasil, responsabiliza o governo imperial propondo soluções,
e entre várias considerações acerca da organização educacional, faz defesa do magistério feminino
primário.
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As ideias de Oliveira coadunavam com o pensamento de autoridades
educacionais na primeira década do século XX. O professor da Escola Normal Justo
Jansen Ferreira em cerimônia de entrega de diplomas a suas alunas em 1910, após ter
assinalado a grande presença de mulheres nesta escola, pontua as superioridades
femininas que talvez explicassem o número crescente delas no Curso Normal.
Pois bem, esses predicados, a grande expansibilidade, os inexcediveis sentimentos affectivos, reunidos ao fato de occupar a mulher logar
intermediario entre a criança e o homem, pela estrutura, pela força
muscular e pela voz, explicam plenamente a comprovada superioridade com que ella exerce o professorado primario
(FERREIRA, 1910, p.11, grifos nossos).
Notemos que paradoxalmente o que as torna superiores, enquanto
professoras primárias, é justamente sua posição, numa escala evolutiva, de inferior ao
homem e próxima da maneira de ser própria das crianças, residindo nisto sua suposta
facilidade de entender e fazer-se entender pelos pequenos.
Depois de fazer considerações sobre o papel das mulheres maranhenses
como educadoras no nível primário, justificada por sua condição natural, Ferreira as
parabeniza pela conclusão do curso e incentiva a prosseguirem com o mesmo impulso
que lhes levou a Escola Normal. Faz um chamamento às alunas dizendo que “na
qualidade de professor desta Escola, onde já me encontrastes e onde ides deixar me em
nome, finalmente, do futuro do nosso Estado, termino este discurso aconselhando-vos:
Vivei para o ensino (FERREIRA, 1910, p.12, grifos nossos).
Podemos considerar que suas palavras apontam para a ideia de que, a partir
de então, as professoras, não tivessem outra razão de viver, que se comprometessem
com a missão do magistério que abraçavam naquele momento.
Conforme os estereótipos identitários da época, às mulheres eram atribuídas
características como paciência, afetividade e doação, que vão se articulando a tradição
religiosa e dando para a docência a aura mais de um sacerdócio que uma profissão. Isto
as colocava como “dóceis” e “pouco reivindicadoras”, o que de certa forma dificultava
mais ainda sua luta por melhores salários (LOURO, 2001, p.450).
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Articulada à essa aura sacerdotal temos a imagem da professora solteirona,
que não casava e dedicava-se a sua profissão de educadora. O ocupar-se com a
educação de seus alunos com desvelo era o que se esperava da mestra. Em uma
associação com uma segunda mãe, a professora dedicada devia agir de conformidade
com aquilo que se espera das mães exemplares do final do século XIX e início do XX.
Nesses termos, “o trabalho fora seria aceitável para as moças solteiras até o
momento do casamento, ou para as mulheres que ficassem sós – as solteironas e
viúvas”. Por outro lado, em geral casar significava abrir mão do magistério uma vez
que, depois de casadas estariam ocupadas com em cuidar do marido e dos filhos. Assim,
o trabalho da mulher casada podia configurava um conflito de interesses, visto que a
posição de provedor do lar era do homem, numa demonstração de sua virilidade
(LOURO, 2001, p.452).
Ismério (1995) pontua a construção da imagem feminina nesse período
como “rainha do lar e anjo tutelar” que se cristalizou no imaginário social com a
reclusão das mulheres ao espaço doméstico, sendo mal vistas socialmente as que
trabalhavam, ou taxadas como mulheres que falharam em sua missão de esposa e mãe.
A mulher que trabalhava fora ou exercia uma atividade intelectual era
aquela que não havia conseguido um marido e devido a isso buscava
reconhecimento social na profissão, a casada não precisava trabalhar. Portanto era solteirona frustrada que buscava em seus escritos os
sonhos perdidos de ter um dia um príncipe encantado (ISMÉRIO
1995, p.91, grifos nossos).
Mesmo que conciliasse a vida conjugal com o magistério, uma vez que
estavam fora do lar, ainda que por apenas um período, situações embaraçosas poderiam
surgir. A gravidez de uma professora poderia causar desconforto e abalar a imagem que
o magistério feminino conformava, pondo em xeque a moralidade que a escola buscava
exteriorizar.
Louro (2001, p.461) nos assinala para a construção e criação de um jeito de
professora assentado na corporificação e introjeção, por série de dispositivos e
símbolos, de normas para a confecção da mestra. Eram construídas “uma ética e uma
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estética”, através de uniformes sóbrios, desligados da moda, que deveriam esconder os
corpos quase assexuados, combinando com uma postura discreta e digna. Nessas
condições as professoras das escolas de formação, assim como as jovens professoras,
serviam de exemplo para as demais moças e meninas.
[...] as mestras deveriam também se trajar de modo discreto e severo,
manter maneiras recatadas e silenciar sobre sua vida pessoal.
Ensinava-se um modo adequado de se portar e comportar, de falar, de
escrever, de argumentar. Aprendiam-se os gestos e olhares modestos e descentes, as formas apropriadas de caminhar e sentar. Todo um
investimento político era realizado sobre os corpos das estudantes e
mestras (LOURO, 2001, p.461, grifos nossos).
Notemos que há um esvaziamento da posição individual dessas mulheres.
Além de assexuadas, por vezes, eram vistas como desprovidas de desejos, planos
pessoais, beleza física, preferências individuais. Estavam representando uma instituição
pública ou privada, corporificando a própria escola e/ou o Estado.
Nesse jogo de representações é pertinente ressalta que o que é dito sobre as
mulheres e sobre as mulheres professoras, ou o que elas dizem sobre si mesmas ou
sobre suas companheiras de sexo, uma vez que essas imagens são produzidas por uma
elite intelectual, composta por médicos, educadores, juristas. Pois,
[...] as representações de professora tiveram um papel ativo na
construção da professora, elas fabricaram professoras, elas deram
significado e sentido ao que era e o que é ser professora. Ao observar tais representações não se está apenas observando indícios de uma
posição feminina, mas se está examinando diretamente um processo
social através do qual uma dada posição era (e é) produzida (LOURO, 2001, p.464, grifos da autora).
Nas memórias de Humberto de Campos acerca de suas primeiras
experiências na escola primária, transparecem algumas imagens acerca de suas
professoras, além de um rico universo das dificuldades reais da vida docente para
muitas mulheres. O memorialista nos apresenta de forma diversa suas impressões mais
marcantes em diferentes momentos. A sua ida a escola aos seis anos é narrada de
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maneira aterrorizante. Diz que fora levado à escola primária masculina regida pelo Sr.
Agostinho Simões, que
era um homem alto, forte, moreno, de grandes e trágicos bigodes
negros. Completando a gravidade do aspecto, usava, por sofrimento da vista óculos pretos [...] A pessoa que me conduzira regressou,
deixando-me abandonado nas mãos do carrasco. [...] De minuto a
minuto um grito estrondava. Urro de onça em curral de bezerros. A bigodeira do professor Agostinho, os seus óculos a sua cara fechada,
as rugas da sua testa, e aqueles roncos que pareciam de trovão entre
montanhas, acompanhados, não raro, pelo estalar da palmatoria nas
mãos sujas aqueles pobres filhos de pescadores, acabaram por aterrorizar-me (CAMPOS, 2009, p.66-67, grifos nossos).
Notemos como ele se refere ao professor logo nos seus primeiros contatos
com o espaço escolar. Destaca as características físicas e psicológicas do mestre como
nada amáveis ou propensas à simpatia, a ponto de causar medo nas crianças e pavor no
autor. Esta descrição é bem diversa do modo como apresenta as professoras das escolas
mistas que frequentou: uma pública e outra particular. Matriculado na primeira em
1895, ele descreve a professora.
Dirigia-a uma senhorita que era quase menina, a qual, ainda hoje,
parece mais moça do que eu. Não lhe sei, ao certo, o prenome.
Davam-lhe o tratamento de Sinhá Raposo. Era miúda, gentil,
graciosa, de cor moreno-clara. [...] Vivia sempre para o interior da casa, na qual residia a família, [...] a escola era frequentadíssima,
principalmente por gente pobre, do bairro dos Tucuns (CAMPOS,
2009, p.104-105, grifos nossos).
Campos descreve a mestra como um ser mais agradável, com um aspecto
jovial que poderia inspirar confiança e segurança às crianças, em oposição ao rosto e
postura mais sisuda do professor Agostinho.
A segunda escola que Humberto de Campos frequentou também em
Parnaíba, época em que já sabia ler, era mista e particular, dirigida por uma senhora
casada, sem filhos. Campos esboça as características de sua nova professora nestes
termos:
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dona Marocas, ou melhor, Mestra Marocas, era uma senhora de
pequena estatura, morena, magra, de cabelos lisos e negros, e de uma
palidez terrosa e doentia. [...] consagrava-se maternalmente aos filhos
alheios, preparando as novas gerações para os caprichos misteriosos do destino. Era frágil, doce, triste e silenciosa. Mas exercia com a sua
tristeza e com o seu silêncio uma inquebrável autoridade (CAMPOS,
2009, p.120, grifos nossos).
Chama atenção os adjetivos que o autor usa ao falar de sua mestra, que
apesar da aparente fragilidade, conseguia impor grande autoridade, enquanto o Sr.
Agostinho Simões que lhe inspirava medo. Também afloram imagens cristalizadas
acerca da professora: devota como uma sacerdotisa; mãe espiritual dos seus alunos;
afetuosa e apegada emocionalmente aos seus discípulos e regeneradora da moral social
pela instrução. Nas palavras de Campos,
a professora primária, que nos faz digerir a primeira semente do
alfabeto ou nos ministra os ensinamentos rudimentares da ciência, é essa ave generosa e magnânima, reveladora da imensidade e do
mundo. É, finalmente, a Mãe-Preta do espírito que nos dá o leite da
primeira instrução. Dona Marocas Lima era um desses piedosos soldados do ensino primário, angélicos mas inflexíveis combatentes
na cruzada contra a Ignorância (CAMPOS, 2009, p.120-121, grifos
nossos).
Foi como verdadeiras cruzadistas contra a ignorância que muitos entusiastas
da docência feminina justificaram, durante as primeiras décadas do século XX, a
possibilidade da atuação feminina fora do âmbito doméstico. Entretanto, o espaço
público oferecia riscos à mulher e à sociedade na opinião de muitos médicos e
higienistas, por essa razão
[...] o trabalho da mulher fora de casa destruiria a família, tornaria os laços familiares mis frouxos e debilitaria a raça, pois as crianças
cresceriam mais soltas, sem a constante vigilância das mães. As
mulheres deixariam de ser mães dedicadas e esposas carinhosas, se trabalhassem fora do lar; além do que um bom número delas deixaria
de se interessar pelo casamento e pela maternidade (RAGO, 2001,
p.585).
As mulheres das camadas mais baixas trabalhar fora de casa era até
aceitável, pois as mulheres pobres precisavam cooperar na economia familiar,
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desempenhando tarefas tradicionalmente femininas, como costureiras, lavadeiras,
domésticas, do contrário, corriam o risco de serem confundidas com prostitutas, uma
vez que estas últimas transitam no espaço público. Esse entendimento localiza-se na
oposição entre o mundo do trabalho representado pela metáfora do cabaré e o lar como
um ninho sagrado, em uma época de efervescência urbana, desenvolvimento industrial e
proliferação de epidemias nas grandes cidades do país (RAGO, 2001).
A crescente urbanização dos grandes centros do país empurravam as
mulheres de diferentes classes para várias ocupações e embaralhava a linha que
separava atividades masculinas de atividades femininas. As mulheres ocupavam postos
de trabalho nas fábricas, escritórios, escolas, comércio e de infraestrutura urbana, que
fazia aflorar o fantasma da prostituição no imaginário social. Esse fantasma aparecia
como algo desconhecido, visto que pouco se conhecia do corpo feminino e representava
o perigo de habitar a sexualidade de todas as mulheres (RAGO, 2008, p.42). Dessa
forma,
nas entrelinhas dos discursos que advertiam as senhoras contra os usos
exagerados dos perfumes, das joias, das roupas decotadas, pairava a ameaça latente da identificação com a cortesã. A “mulher pública” era
visualizada como a que vendia o corpo como mercadoria: como
vendedora e mercadoria simultaneamente. E também a mulher que era capaz de sentir prazer, que era lugar de prazer, mesmo sem amar, ou
sem ser amada (RAGO, 2008, p.43).
Os modos de vestir, a sobriedade no uso de artifícios de beleza, tinham o
objetivo de disciplinar os comportamentos. Essa preocupação da em resguardar a
imagem da mulher que ocupa os espaços públicos se transveste na positivação da
professora versus prostituta, visto que por uma série de dispositivos elas eram
fabricadas.
No Maranhão, a própria adoção de um uniforme pelas normalistas3, além de
distingui-las socialmente, explicita a preocupação com a circulação das moças pelas
3 Sobre o uniforme das alunas da Escola Normal ver TOURINHO, Mary Angélica. As normalistas nas
duas primeiras décadas do século XX em São Luís do Maranhão: entre o discurso da ordem e a
subversão das práticas. São Luís: UFMA, 2008. (Dissertação – Mestrado em Educação)
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ruas da cidade, ficando suscetíveis a serem confundidas com mulheres de reputação
duvidosa. Esse o uniforme denotava quem eram estas mulheres: alunas de uma
instituição pública, respeitável e disciplinadora da moral, representantes de uma classe
privilegiada que tinha acesso à instrução e as futuras responsáveis pela educação
elementar das novas gerações maranhenses.
Algumas vozes de autoridades educacionais maranhenses são ouvidas, ainda
que de forma tímida, no sentido de caracterizar o magistério como profissão e onde se
percebe um novo remodelar de imagens sobre as professoras primárias. Conforme
discurso de Justo Jansen Ferreira, a autoridade concedida pelo Estado às professoras
normalistas via Escola Normal, as habilitava a nível técnico, portanto, diz ele,
sr.ª professoras Normalistas, o diploma que acabais de receber das
mãos do ilustrado Diretor desta Escola, cuja competência e dedicação no exercício desse alto cargo, cada dia se fortalecem mais, além de vos
dar o direito de exercerdes a profissão, para que cuidadosamente vos
preparaste, é, como disse, solida garantia de uma vida útil e independente (FERREIRA, 1910, p.12, grifos nossos).
Esta possibilidade de formação profissional via a escolarização significou a
ampliação dos espaços de circulação e de representações do ser mulher e professora em
nossa sociedade. Nesse mesmo discurso o referido autor faz outra alusão ao expressivo
número de alunas que estão formando e pontua que:
[...] certamente o futuro da nossa terra está confiado à mulher
maranhense que, pouco a pouco, constituirá o totalmente o professorado primário. E se ela já conquistou o lugar de “deusa do
lar”, nas escolas tornar-se-ha a mensageira da aurora intelectual.
Vel-a-hemos, então, crystallisando-se na força soberana que se encerra
nestas palavras – ensinar e educar (FERREIRA, 1910, p.11, grifos nossos).
As palavras do professor da Escola Normal apontam para a ocupação
majoritariamente feminina do nível primário do ensino, corroborando a ideia de que as
mulheres são as mais aptas à educação dos pequeninos e de sua atuação consagrada ao
lar. Entretanto, sinaliza uma possibilidade, antes legada apenas aos homens: a
capacidade intelectual e o domínio do saber secular.
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Isto também é referendado no Congresso Pedagógico de 1920, onde as
mulheres são citadas em vários momentos. Das dez sessões do congresso, uma foi
presidida pela professora da Escola Modelo, Dona Hermindia Soares Ferreira, além de
ter apresentado trabalhos pedagógicos nesse evento, assim como Rosa Castro e Zila
Paes. Na sessão de encerramento, o secretário do congresso Fran Paxeco, faz referência
à progressiva presença das professoras no evento, que conformava um espaço de debate
de concepções educacionais no Maranhão da época. Ele diz,
frisaremos, entretanto, que reverter em pról das mestras a melhor
percentagem da simpatia e dedicação por semelhantes assuntos. São
elas, de resto, as verdadeiras educadoras. No correr dos tempos, hão-de tomar aos homens o papel que lhes cabe hoje, nesse melindroso
ramo da atividade humana. As estatísticas provam-nos, aliás, sem
rodeios, que a matricula de meninas se avantaja de muito á dos rapazes, nas escolas maranhenses (CONGRESSO PEDAGÓGICO,
1920, p.39, grifos nossos).
Além de colocar as professoras como as verdadeiras educadoras, sinaliza
para um maior engajamento educacional do sexo feminino no Maranhão no início do
século XX tanto como alunas das instituições educacionais como na função de
professoras públicas e da iniciativa privada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar as possibilidades inerentes ao ser mulher e professora no Maranhão
da Primeira República é considerar toda uma gama de significados que estas definições
carregaram e carregam. Portanto, é preciso analisar estas possibilidades, que sejam:
instruir-se, estudar, ser professora pública ou privada, para além de ser algo inocente,
sem implicações sociais ou políticas. Significaram oportunidade de reconhecer-se e ser
reconhecidas, mesmo que inseridas num contexto de representações e imagens que as
legitimavam fora do espaço doméstico, mas também cerceavam sua atuação nas escolas,
na rua, em suas ações profissionais e suas vidas particulares.
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REFERÊNCIAS
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RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: PRIORE, Mary Del (Org.).
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RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade
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SALDANHA, Lilian Leda. A instrução pública maranhense na primeira década
republicana. Imperatriz, MA: Ética, 2008. (Dissertação)
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SALES, Tatiane da Silva. Brechas para a emancipação: usos da instrução e educação
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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. 1989.
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XX em São Luís do Maranhão: entre o discurso da ordem e a subversão das práticas.
São Luís: UFMA, 2008. (Dissertação – Mestrado em Educação)
OLIVEIRA, Antonio Almeida. O Ensino Público. Brasília: Senado Federal, o
Conselho Editorial, 2003.
Discurso pronunciado pelo Dr. Justo Jansen Ferreira na Escola Normal do
Maranhão por ocasião da entrega de diplomas às Professoras Normalistas de 1910. Maranhão: Imprensa Oficial, 1910.
Trabalhos do Congresso Pedagógico. São Luiz-Maranhão: Imprensa Oficial, 1920.
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OS FUZILEIROS DA FUZARCA: OS BALUARTES DO SAMBA
Maysa Leite Serra dos Santos
Nessa pesquisa, pretendemos apresentar uma análise história sobre o bloco
“Os Fuzileiros da Fuzarca” e suas relações sociais, tendo como referencial teórico os
estudos sobre carnaval, compreendendo como uma reprodução da identidade de um
povo.
O carnaval tem uma dimensão estrutural de caráter consciente e repetitivo,
em que experiências e atos socialmente definidos podem retornar a cada ano, mas
também possui sua própria história, tem contextos sociológicos distintos e diferentes
formas festivas, todas com sua história particular (CAVALCANTI, 1999).
Estudos como Carnavais, Malandros e Heróis, de Roberto DaMatta (1997),
nos apresenta o Carnaval como um período em que há uma suspensão das regras
hierarquizantes do cotidiano, em que são experimentadas novas formas de
relacionamentos que cotidianamente “jazem adormecidas”. Segundo DaMatta (1997), o
Carnaval é um ritual definido pela dialética entre o cotidiano e o extraordinário.
Para o autor, o carnaval propicia um abrandamento das formalidades que
envolve om o relacionamento social cotidiano, denotando assim uma inversão de
valores. De festa da confraternização universal á práticas de segregação espacial, o
carnaval é no mínimo contraditório. Das raízes do entrudo português á escola de samba,
o carnaval perpassa por várias fases. Nas ruas, praças, vielas e clube ele vai construindo,
reconstruindo e destruindo as relações sociais.
A partir das referências historiográficas destacamos que carnaval é um
objeto de estudo para as Ciências Sociais, sobretudo a História, pois se caracteriza como
uma vivência social com possibilidades de reestruturar as relações dos sujeitos
envolvidos nessa prática. Com o objetivo de compreender a diversidade das
manifestações carnavalescas em nosso Estado destacamos autores que trabalham com
essa temática, tais como: Eugênio Araújo (2001), Fábio Silva(2015) e Ananias Martins(
2001).
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Assim, na perspectiva de ampliação desse tema, nessa pesquisa pretendemos
colaborar com a discussão a respeito do carnaval maranhense, realizando um estudo
histórico sobre o bloco Fuzileiros da Fuzarca fomentando a discussão sobre a
valorização do patrimônio sociocultural brasileiro, perpassando pela narrativa e
memória de seus protagonistas. Onde poderemos perceber a memória como elemento
fundamental da narrativa histórica e que age no construto de identidades que
potencializam o pertencimento social e que por intermédio de “outras histórias” valoriza
a sua compreensão como objeto pensado historicamente.
Enaltecendo sua oralidade como instrumento de preservação e transmissão
do conhecimento histórico, onde se afirma que a memória é elemento fundamental da
narrativa histórica e que age no construto de identidades que potencializam o
pertencimento social e que por intermédio de “outras histórias’ valoriza a sua
compreensão como objeto pensado historicamente.
Assim sendo, a memória e a oralidade são atos de reconstrução dos
processos sociais, sendo fundamental para a construção das identidades. Para Delgado
(2006). A memória atualiza otempo passado, tornando-o tempo vivo e pleno de
significados no presente.
Para reforçar a ideia da importância da memória e oralidade, reporta-se a
D’Alessio (2005), que afirma que ambos são esteios das identidades, referenciais que
tornam os homens sujeitos de seu tempo.
Thompson (1992) apresenta inúmeras potencialidades nesta abordagem da
complexidade do conceito e do manuseio da memória através da história oral, tais
como, a guisa de exemplo: a característica de revelar novos campos e temas de
pesquisa; apresentar novas hipóteses; recuperar memórias locais, comunitárias,
regionais, entre outras, sob diferentes óticas; construir novas evidências através do
entrecruzamento de depoimentos; possibilitar a associação entre acontecimentos da vida
pública e da vida privada. A memória é um campo aberto para as mais variadas
abordagens e incursões.
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Na perspectiva de compreender as mudanças ocorridas nesse remanescente
das turmas de samba da década de 1940 considerado o bloco mais antigo em atividade
no carnaval ludovicense, propõe-se enfatizar os instrumentos de análise sobre sua
trajetória, sua preservação e transmissão de suas heranças identitárias e tradições,
privilegiando suas redes de relações sociais, as transformações internas e externas
representadas pelos atores sociais, viabilizando eixos norteadores que viabilize a
multiplicidade das experiências humanas em sociedade.
Último bloco sobrevivente dos grupos tradicionais da década de 1940 em
São Luís, o bloco Fuzileiros da Fuzarca foi fundado em 11 de fevereiro de 1936 por
poetas e compositores apaixonados por samba e carnaval. Composto atualmente por
cerca de 100 componentes, entre ritmistas (tocadores) e pastoras (cantoras), o grupo
formou no samba grandes compositores da música popular maranhense, como Cristóvão
Colombo da Silva (Alô Brasil), Sandoval Silva, Mané Caju, Pedro Pantaleão,
Astrogildo Silva, Carlos Moreira, José João, entre outros bambas e menestréis.
Adotaremos como tema central dessa pesquisa a tentativa de compreender
as mudanças pelas quais o bloco “Os Fuzileiros da Fuzarca” sofreu ao longo desses
oitenta anos no carnaval ludovicense. Analisamos as estratégias do bloco para
neutralizar a passagem do tempo e perceber a partir de uma visão de dentro, como os
bambas fuzarqueiros preservam e transmitem as suas singularidades através da memória
e narrativas.
Procurando entender como, apesar das transformações, não apenas em sua
composição, mas da própria sociedade que está em sua volta, sobrevivem e transmitem
suas histórias, símbolos e identidades peculiares. Na perspectiva de compreender a
metamorfose ocorrida em nosso objeto de estudo, elenca-se as seguintes indagações:
Considerado o bloco mais antigo em atividade no carnaval ludovicense,
como seus partícipes preservam e transmitem suas heranças identitárias e tradições?
É possível a reconstituição da identidade cultural do bloco através da
oralidade e memória de seus protagonistas?
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Podemos perceber credibilidade/confiabilidade na oralidade e na memória
como instrumento de preservação e transmissão do conhecimento histórico?
Que relações sociais contribuíram para o bloco permanecer no carnaval
citadino? Como se formou a base social do bloco Fuzileiros da Fuzarca? Que elementos
simbólicos visuais e musicais sofreram interferências na linguagem carnavalesca do
bloco? Que papel o bloco desempenhou para a consolidação do ritual das turmas de
samba em São Luís? Que influências o bloco sofreu em vistas das transformações
operadas na sociedade inclusiva, a nível político, econômico e urbano quando se mudou
para o bairro da Madre de Deus, bairro este que é tradicionalmente conhecido por
agregar inúmeras manifestações carnavalescas e juninas?
Para delinearmos melhor essa pesquisa, utilizamos uma metodologia
assentada na tradição histórica, do trabalho de campo; da recuperação oral e na
peculiaridade da narrativa. Será um estudo prospectivo, descritivo de corte transversal e
de caráter quantitativo e qualitativo, pois conforme Minayo e Sanches (1993), a
investigação quantitativa atua em níveis de realidade e tem como objetivo trazer à luz
dados, indicadores e tendências observáveis e a investigação qualitativa, ao contrário,
trabalha com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões.
Utilizamos como alicerce para nossa investigação entrevistas com os
membros do bloco Fuzileiros da Fuzarca, sendo estas identificadas como um roteiro de
entrevista com perguntas fechadas, que será aplicado em uma amostra representativa
constituída pelos próprios atores sociais.
Através dessas entrevistas, entenderemos como se operam as mudanças, a
partir de uma visão de dentro, usando os discursos dos próprios integrantes,
possibilitando assim a abordagem da memória como fenômeno social, como instância
produtora de sentido e de representações, como espaço privilegiado onde o individual e
o coletivo, o passado e o presente se articulam, adquirindo significado único.
Ao falar do bloco, os entrevistados falaram deles mesmos. Sobretudo
porque quase todos compartilhavam experiências do bairro onde hoje é a sede da
brincadeira, a Madre de Deus. Na oralidade, os entrevistados construíram e
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reconstruíram suas memórias sobre a brincadeira, que neste ano de 2016 comemorou 80
anos de folia momesca.
Michel de Certeau (2008) destacou a arte da conversa como uma prática
transformadora ‘de situações de palavra’ de situações verbais onde o entrelaçamento das
posições locutoras instaura uma costura oral sem possuintes individuais, as criações de
uma transmissão que não pertence a ninguém. Para o autor, a conversa é um efeito
provisório e coletivo de competências na arte de manipular ‘lugares comuns’ e jogar
com o inevitável dos acontecimentos para torná-los habitáveis.
As entrevistas ressaltaram a relevância da história oral e memória como
fontes de pesquisa. Perceber como se operam as mudanças, a partir de uma visão de
dentro, usando os discursos dos próprios integrantes possibilitou a abordagem da
memória como fenômeno social, como instância produtora de sentido e de
representações, como espaço privilegiado onde o individual e o coletivo, o passado e o
presente se articulam, adquirindo significado único.
Assim, a história oral, foi uma das temáticas utilizadas comoum meio de
busca e esclarecimentos de situações conflitantes, polêmicas, contraditórias, buscando
entender como, apesar das transformações no bloco não apenas em sua composição,
mas dá própria sociedade que está em sua volta, podem estas comunidades transmitir
suas histórias, símbolos e identidades peculiares.
Dessa forma, a oralidade desses bambas, contada a partir das suas
memórias, à medida que forem transcritas por mim, ganharam sua materialização,
tornando-se um documento escrito. Uma das principais motivações e preocupações
desse estudo é a reconstrução da memória de um segmento carnavalesco que se
caracteriza pela escassez de registros e documentação escrita, organizada e
sistematizada.
Foi realizado também um amplo estudo com base na literatura específica,
que contribuiu para obter informações sobre a situação atual deste objeto de estudo e
também conhecer publicações existentes e as opiniões similares e diferentes sobre o
respectivo assunto.
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Assim, o objeto de estudo desta pesquisa ficou delineado: descrever
recursos e mecanismos acionados para preservar e para transmitir às atuais gerações de
fuzarqueiros e os conteúdos do passado dessa agremiação. Ou seja, o que se pretendeu
analisar com a pesquisa foram as estratégias empregadas no Bloco “Os Fuzileiros da
Fuzarca” para neutralizar a passagem do tempo e, em certa medida, transportar o
passado do bloco para o presente possibilitando a construção e preservação através da
memória e oralidade dos protagonistas da brincadeira no contexto cultural maranhense.
Essas estratégias permitiram a possibilidade de entender as representações
veiculadas no bloco “Os Fuzileiros da Fuzarca, como detentoras de uma identidade
cultural maranhense.
Pressupondo assim, que a preservação dessa cultura maranhense, com a
manutenção de suas tradições por meio da cultura oral e da memória de seus partícipes,
auxiliará na constituição da identidade do Maranhão como lugar, um reduto de poetas
populares, cantadores de sua própria história.
Pesquisar a fuzarca de 80 anos do grupo a partir das memórias e narrativas
de seus próprios integrantes será suporte para o entendimento das identidades coletivas
e do reconhecimento do homem como ser no mundo. E segundo Delgado ( 2006), nessa
dinâmica, memórias individuais e memórias coletivas encontram-se, fundem-se e
constituem-se como possíveis fontes para a produção do conhecimento histórico.
Com a realização desse estudo espera-se a demonstração e análise de que a
narrativa histórica e a memória são elementos de extrema importância para tentar
compreender as transformações que caracterizaram a festa carnavalesca maranhense,
tendo como objeto de estudo o bloco “Os Fuzileiros da Fuzarca”.
Diante desta conjuntura, com a realização desse estudo espera-se contribuir
para a sistematização de dados sobre a folia momesca maranhense, fomentando a
discussão sobre a credibilidade e confiabilidade da oralidade e memória como
instrumentos de preservação e transmissão do conhecimento histórico, subsidiando
assim, estudos, discussões e ações que enfatizem o fortalecimento da cultura
maranhense.
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Partindo-se dessas abordagens e leituras, este trabalho apresenta uma
discussão sobre a potencialidade do uso da metodologia da história oral na constituição
de fontes para a pesquisa, abordando aspectos e elementos relativo à este tipo de fontes
e a sua relação intrínseca com a memória.
REFERÊNCIAL TEÓRICO
ARAÚJO, Eugênio. Não deixe o samba morrer: um estudo histórico e
etnográfico sobre o carnaval de São Luís e a Escola de Samba Favela do Samba.
São Luís: UFMA/PREXAE/DAC, 2001.
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiro de Castro. Carnaval carioca. Rio de
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Historiografia:identidade,subjetividades, fragmentos, poderes. Projeto História(17).
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EDUCAÇÃO PARA UMA FORMAÇÃO CIDADÃ: UMA ANÁLISE DO
DISCURSO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA PAIDÉIA CLÁSSICA ATENIENSE
E NO PROJETO EDUCACIONAL BRASILEIRO
Marla Rafaela Lima de Assunção
1. JUSTIFICATIVA
Essa pesquisa tem por objetivo refletir as contribuições da Educação na
constituição de uma cidadania, tendo em vista que a legislação brasileira aponta a
‘formação cidadã’ como uma das premissas da educação contemporânea. Para tal
iremos buscar subsídios no ideal grego de Educação, o primeiro a relacionar a formação
de cidadãos, e no ideal de uma identidade ateniense segundo os princípios da Paidéia1.
A pesquisa prioriza o contexto da Atenas Clássica do V e IV séculos a.C., avaliando o
contexto cultural da sociedade grega e a influência da Paidéia no período clássico.
Após a Guerra do Peloponeso (431-404), houve um processo de
desestruturação da pólis clássica, que mergulhou o mundo helênico em uma profunda
crise social, econômica e política. Tal crise comprometeu a própria identidade do
sistema políade e, mais especificamente, da ‘identidade grega’.
É nessa conjuntura que nasce a preocupação de filósofos e comediógrafos
em exaltar ideais passados que retratem o legado de uma Atenas repleta de tradição. Tal
resgate se dá por meio dos mitos fundadores, pela diferenciação grega frente aos outros
povos (forte estigmatização do outro – bárbaro) e pela valorização dos ideais clássicos
da Paidéia2.
Sobre o processo educacional propriamente dito, há uma grande
preocupação quanto à formação de homens e cidadãos (harmonia entre corpo e mente).
1 O vocábulo Paidéia é encontrado primeiramente nos escritos de Ésquilo, estando relacionado à ideia de
“criação de crianças”. Em Aristófanes e Tucídides, a ênfase se desloca para os aspectos práticos da
instrução e da especialização. 2 O modelo de identidade e cidadania ateniense estava em conformidade com o modelo de Paidéia
delineado por filósofos como Aristóteles e Platão. Porém, apesar dos tratados serem datados do final do
Período Clássico, a sua concretização se dá apenas no Período Helenístico. (MARROU, 1966, p. 153).
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Somente o alcance da areté (excelência), garantiria indivíduos honrados e
virtuosos perante a comunidade. Neste sentido, a educação exercia um papel
proeminente no exercício da cidadania.
Além disso, a educação visaria à formação de indivíduos preocupados com
o bem-comum, atrelados a continuidade e fortalecimento do sistema políade. Por essa
razão, o cidadão não pertencia a si mesmo, mas a algo bem maior, no caso, a pólis
(ARISTOTELES, VII, I).
De fato, os gregos foram os primeiros a compreender a educação enquanto
um processo de construção consciente e político, centrado na formação de cidadãos para
o pleno exercício de seus direitos históricos e culturalmente conquistados. Ou seja, a
Paidéia grega formava o homem para a vida ética na pólis.
No geral, reconhecem-se dois períodos da História da Educação Grega: o
período antigo, baseado na Paidéia Homérica e na antiga Paidéia de Esparta e Atenas; e
o novo período, centrado na Paidéia do ‘século de Péricles’ (marcada pelo modelo
sofista e o modelo filosófico).
Apesar das mudanças no modelo educativo grego, os conceitos de formação
e nobreza foram nitidamente conservados. Podemos inferir que o avanço desse ciclo
educacional demonstra uma preocupação constante com a formação do indivíduo e a
permanência de valores aristocráticos. Afinal, é perceptível como o acesso ao ensino era
bastante limitado e privilegiado, tendo-se em vista a necessidade de recursos financeiros
para arcá-la. Como a cidadania, a Paidéia era um privilégio de poucos e se haviam
restrições3 a quem teria acesso a ela, haviam também a quem poderia manter-se nela.
É importante destacar que, ainda hoje, o projeto educacional é pensado e
condicionado ao projeto político de ‘formação cidadã’. A legislação brasileira, por
exemplo, aponta a ‘formação cidadã’ como uma das premissas da educação
3 O processo educacional não se estendia aos escravos, metecos ou mulheres, pelo menos não a instrução
cidadã.
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contemporânea. A Constituição4 reconhece que a justiça nasce do conhecimento, sendo
prioritário um projeto pedagógico que proponha a formação cidadã e o conhecimento
dos direitos os quais o indivíduo é titular e precisa saber como exercer5. Assim, será
possível manter a harmonia e o equilíbrio do Estado.
Podemos perceber como os conceitos de cidadania e educação ainda são
indissociáveis. Essa indissociabilidade ocorre, conforme defenderemos ao longo da
pesquisa, porque a cidadania só pode ser alcançada a partir de uma educação de
qualidade. Ou seja, a educação apresenta-se como um fator diferenciador, o que explica
a razão da cidadania ter sido ao longo dos tempos um privilégio de poucos.
2. PROBLEMATIZAÇÃO
Tendo em vista uma possível implantação da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), que preconiza a limitação conteudística da História Antiga, é
importante reaver as influências e apropriações da Antiguidade na atualidade,
reforçando a sua relevância para a grade curricular do Ensino Básico. Além disso, a
revisão dos conceitos e discursos produzidos acerca das culturas antigas, nos permite a
prática de uma História sempre repensada, crítica e atualizada.
Para Lucien Febvre o historiador deve estar aberto ao diálogo com as
demais ciências, estar atento para a relevância da interdisciplinaridade. Por isso,
trilharemos o caminho da história antropológica e sociológica. Adotaremos, para tal, os
conceitos propostos pelos antropólogos Marc Augé (cultura, identidade), J. G.
Peristiany e J. Pitt-Rivers (Sociedade de Honra, Vergonha e cultura) e pelos sociólogos
4 Na Constituição Federal de 1988, o Art. 205 apresenta a educação como formação cidadã: “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”. (Grifo nosso). (BRASIL, 1988, Art. 205). 5 Em consonância com a Constituição da República de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996, dispõe que: “Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. (Grifo nosso). (BRASIL, Lei 9.394, 1996, Art. 22).
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Kathryn Woodward (identidade, poder) e Tomaz Tadeu Silva (identidade,
representação, diferença).
As relações sociais de identidade/alteridade pressupõem códigos de valores
morais que vão nortear o comportamento social. Por consequência, provocam uma
institucionalização de práticas sociais e a produção de um sistema axiológico, no caso
da sociedade ateniense do Vº e IVº a.C., baseado em relações de honra e vergonha; de
fora e dentro; de identidade e alteridade e de cultura e selvageria.
O primeiro conceito pensado é o de cultura, aqui entendido como
construção. Em relação a esse conceito, optamos por associá-lo à concepção de
Peristiany e Pitt-Rivers onde a cultura apresentaria uma relação dialética com a
sociedade. Nessa relação, a cultura é construída e, constantemente, recriada
(PERISTIANY & RIVERS, 1965).
Essas proposições facilitam a compreensão das diversas alterações sociais e
político-econômicas sofridas por Atenas, bem como a atuação dos seus grupos sociais.
Para isso, é preciso termos em mente: 1º as práticas sociais e os laços de inclusão e
exclusão que atuam sobre a conduta das pessoas; 2º as pessoas utilizam-se dessas
práticas para resolver diversos problemas que enfrentam no cotidiano; 3º os grupos ou
as pessoas, através de relações informais, podem alterar noções sociais e organizações
formais; 4º o pertencimento a determinado grupo social perpassa uma construção social
e cultural6, com variantes no tempo e no espaço e interligadas ao contexto estrutural
7 e
histórico; 5º esses fatores nos permitem estabelecer a configuração do espaço social8 e o
conceito de identidade adotado.
A partir daí, passamos a nos remeter ao conceito de identidade. Woodward
assimila identidade como construção, algo mutável e constantemente repensado em
6 Aqui compreendido enquanto conjunto de crenças, valores e símbolos compartilhados por grupos
sociais numa determinada sociedade. 7 O contexto estrutural permite a formação de vínculos, onde se localizam identidades e alteridades
sociais diversificadas. Quatro fatores estruturais são essenciais: parentesco, gênero, estratificação social e
classes de idade. 8 Pensado enquanto área onde o indivíduo goza de um grau relativo de autonomia.
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momentos de crise econômica, política ou social (WOODWARD, 2000). O período
analisado é um exemplo disso. Durante o IV século, Atenas enfrentou uma profunda
crise política, econômica, social e cultural após a Guerra do Peloponeso.
Consequentemente, a crise colocou em perigo o sistema políade e seus
ideais de autonomia e autossuficiência.
É diante dessa fragmentação do “presente” que ocorre o resgate de um
“passado” real e autêntico, que garanta uma segurança identitária para as relações
sociais. No caso de Atenas, dois momentos se destacam: a batalha de Maratona e o
combate naval de Salamina9. Dessa forma, criam-se “mitos fundadores” para reafirmar
sua identidade:
Fundamentalmente, um mito fundador remete a um momento crucial do
passado em que algum gesto, algum acontecimento, em geral heroico, épico,
monumental, em geral iniciado ou executado por alguma figura
‘providencial’, inaugurou as bases de uma suposta identidade nacional [...].
(SILVA, 2000, p. 85).
O resgate de momentos específicos acaba por reconstruir esse passado, visto
que os elementos recuperados estão sendo relacionados a uma identidade no presente.
Isso demonstra que as identidades são construídas, sendo tanto simbólicas quanto
sociais, visando um sentimento de diferenciação frente aos outros povos – no caso
grego, através do aspecto cultural (língua, tradição e cultos comuns).
Essa relação identidade/diferença acaba implicando uma relação de poder,
pois, o ato de diferenciação é exercido de modo unilateral, produzindo novas
representações. Logo, essas representações estabelecem identidades individuais e
coletivas, dentro de um processo cultural.
Segundo Silva, esse processo de diferenciação é marcado por diversos
procedimentos que trazem a presença do poder, tais como: incluir/excluir, demarcar
9 Esses dois momentos são destacados por Isócrates no discurso A Filipe: “(...) o que mais celebra nossa
cidade (é) a batalha de Maratona, e o combate naval de Salamina, e mais que tudo o abandono dela
(Atenas) na hora certa por seus cidadãos para o bem comum de todos os gregos (...)”. (ISÓCRATES,
1944).
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fronteiras (nós – gregos, eles – bárbaros); qualificar os sujeitos (gregos são melhores,
bárbaros são piores) e normalizar os comportamentos (quando uma identidade é
concebida como supostamente normal e as outras identidades são avaliadas a partir
dela). (SILVA, 2000, p. 73-102). Todos esses sistemas classificatórios contribuem para
estabelecer diferenças, a estigmatização do outro (o bárbaro) e uma ordem social.
No caso da identidade ateniense, podemos observar que esta englobava uma
‘identidade grega’ (puramente do ponto de vista cultural) e uma identidade particular
(baseada em um modelo singular de política e cidadania). Por meio dessa distinção,
podemos enfatizar o pensamento e cultura vigentes na época e compreender a
organização da sociedade e de seus anseios.
O debate em torno do conceito de cidadania é importante tendo em vista
que, segundo Martins, “atualmente, o termo cidadania é amplamente difundido,
contudo, seu conceito acaba por ser distorcido, sendo confundido com eleitor, sujeito,
indivíduo ou consumidor” (MARTINS, 2010, p. 11). Como então pensar numa
educação voltada para a constituição da cidadania, sem ter claro a definição de tal
conceito?
No caso ateniense, é preciso analisar o modelo exclusivista da lei de 451
a.C. 10
, promulgada por Péricles, que reforça o afastamento social de mulheres, metecos
(estrangeiros) e escravos. Ao mesmo tempo, é preciso discutir a ampliação da cidadania
ateniense durante todo o século V e as deturpações da lei de 451 em favor de alianças
e/ou interesses políticos. Desse modo, podemos definir quem era o cidadão ático, alvo
de um processo educacional elaborado para o benefício da pólis.
Apesar de alguns historiadores ainda defenderem que a cidadania ateniense
era reservada aos grandes proprietários de terra (elite fundiária), acreditamos que o
principal requisito era a masculinidade. Ou seja, o fato de ter nascido homem e em
10 Segundo essa lei, a cidadania era reservada ao filho de pai e mãe atenienses, livre, maior de 18 anos e
que tenha completado a efebia (serviço militar). Este cidadão, polités, podia adquirir propriedades, tinha
voz e voto na Eclésia (Assembleia Popular) e participação nos tribunais e conselhos.
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Atenas, independente de riqueza ou ocupação, é o que de fato vai inserir um indivíduo
nesse quadro político. A não igualdade dos recursos econômicos explica a concentração
do poder por uma elite intelectual e política (detentora de bens fundiários e adepta do
escravismo), mas não impede a participação e a conquista dos direitos de cidadania por
um homem pobre11
.
No discurso fúnebre em honra dos atenienses mortos no primeiro ano da
guerra do Peloponeso (431 - 404 a.C.), o mesmo Péricles define um ideal ateniense de
democracia, fundado sobre a liberdade, igualdade e respeito dos valores:
Nós utilizamos de um sistema de governo que não copia as leis de outros
vizinhos, antes sendo um modelo para eles do que imitação deles. Nossa
constituição é chamada de Democracia porque a maioria governa e não a
minoria. E todos são iguais diante da lei, em disputas pessoais, contando mais
a habilidade com a virtude do que pertencer a posições sociais. E ninguém,
desde que servindo à cidade, terá obscuridade política devido a sua pobreza.
Governamos de maneira livre e assim é a nossa relação uns com os outros no
dia a dia. Não interferimos na vida pessoal do próximo... nem o desprezamos... mas na vida pública respeitamos o governo e as Leis...
(TUCIDIDES, 1961).
Em outras palavras, para os atenienses do Período Clássico, a cidadania não
apresentava um caráter universal e não era inata ao ser humano. Na realidade, possuía
uma qualidade social por ser fruto de uma construção coletiva (ninguém nasce cidadão,
torna-se cidadão).
A partir daí, centramos a discussão no modelo educacional grego (Paidéia)
e na formação do homem individual como kalos kai agathos (belo e bom) e como
cidadão. Segundo Claude Mossé, esse modelo incluía todas as atividades educacionais e
culturais que se desenvolveram a partir da segunda metade do século V: práticas
intelectuais (escrita e leitura), práticas físicas (esportes, caça), militares (efebia) e os
11 A despeito da distância entre discurso e prática, vale lembrar que o mesmo Péricles se aproximou do
político Efialtes, que defendia a cidadania para os pobres. Além disso, a adoção da mistoforia
(remuneração das funções públicas) tinha como objetivo aumentar a participação popular na vida política.
E, de fato, após 459 a.C., verifica-se a participação de cidadãos de condições modestas (zeugitas) nas
altas magistraturas. (CARDOSO, 1990, p. 47).
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valores éticos necessários para a convivência na pólis (MOSSE, 2004 pp.107-108). Ou
seja, a Paidéia definia os pré-requisitos para a vida políade.
Assim como no caso da cidadania, a Paidéia era pensada para uma camada
bem restrita, os polités (cidadão). Dentro deste grupo, os cidadãos chamados “bem-
nascidos” (grupo abastado da sociedade ática) acabam tendo maior atuação e influência
política por serem os portadores da skholé (ócio necessário e produtivo) e por poderem
custear essa educação. Afinal, possuíam terras suficientes que lhes permitiam bons
rendimentos, além de escravos e administradores de negócio, obtendo tempo livre para
dedicarem-se ao aprendizado e ao exercício político.
Dessa forma, podemos observar como a Paidéia reforçava um modelo de
cidadania excludente, frente aos não-cidadãos e entre os próprios cidadãos. Tal fato
demonstra como educação e cidadania são elementos de diferenciação e
indissociáveis12
.
Atualmente, a questão da acessibilidade e qualidade da educação escolar
ainda é questionada e repensada pelas políticas públicas brasileiras. Afinal, o tipo de
educação que se objetiva oferecer, precisa estar em conformidade com o projeto de
cidadania vigente. Somente dessa forma, será possível garantir a formação de sujeitos
críticos e autônomos.
A Constituição de 1988 assegura o direito à educação gratuita como um dos
princípios norteadores da cidadania plena13
. Para garantir a valorização do ensino, da
reforma curricular e das práticas pedagógicas, a Constituição ainda estabelece o Plano
Nacional da Educação (PNE), a Lei de Diretrizes e Bases (Lei Nº 9.394/96) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
12 Para Cunha & Pacheco, o sentido grego de educação é aquele “que não dispensa a informação, mas
que não a transforma em objetivo das práticas escolares. A informação é a matéria prima com a qual
nós, educadores trabalhamos. Educação de qualidade para os gregos, garantia de cidadania e, portanto,
de realização do humano, é aquela em que o filósofo/educador, por interessar-se pelo humano e prezar o
conhecimento, é destinado socialmente, por sua livre vontade e por decisão coletiva, a realizar-se no
espaço de construção de cidadania que é o da educação”. (CUNHA & PACHECO, 2009, p. 561). 13 “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”, sendo “o não-oferecimento do
ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, (...) responsabilidade da autoridade
competente”. (BRASIL, 1988, Art. 208, § 1-2).
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Por isso, a educação deve ser caracterizada como um processo contínuo
onde pessoas constroem conhecimentos em interação e inter-relação. Para Brandão,
“ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja, ou na escola, de um modo
ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para
ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver”
(BRANDÃO, 2007, p. 7).
Enfim, apesar de a sociedade atual estar mais vinculada ao mundo do
trabalho e a concepção de homem produtivo (necessidade de acelerar a formação de
mão-de-obra), é importante retomar os ideais da Paidéia grega e restaurar o verdadeiro
sentido e finalidade da formação humana – a periagogé (conversão da alma).
3. OBJETIVOS
GERAL
Refletir a importância da Educação para uma formação cidadã,
tendo como referência o modelo de educação (Paidéia) legado pela Atenas
Clássica do V e IV séculos a.C.;
ESPECÍFICOS
Apontar as especificidades dos modelos educacionais
desenvolvidos na Grécia Antiga, em particular a Paidéia Clássica ateniense;
Examinar o modelo de identidade e cidadania ateniense,
rediscutindo o sistema políade, a lei de 451 a.C. e a ampliação da cidadania no
século V;
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Estabelecer um quadro comparativo dos projetos educacionais
grego e brasileiro, destacando sua influência em cada modelo político
respectivo;
4. METODOLOGIA
No que diz respeito ao percurso metodológico da pesquisa, em seu
primeiro momento, se fundamentará na leitura de uma bibliografia básica no que se
refere à noção de conceitos que norteiam o comportamento e, consequentemente, a
institucionalização de práticas sociais. Para tal, adotaremos os conceitos abordados por
Marc Augé (identidade e cultura), J. G. Peristiany e J. Pitt-Rivers (Sociedade de Honra,
Vergonha e cultura), Kathryn Woodward (identidade, poder) e Tomaz Tadeu Silva
(identidade, representação e diferença).
No segundo momento da pesquisa, buscar-se-á analisar o modelo
educativo grego (Paidéia) e sua influência no modelo de identidade e cidadania
ateniense. Inicialmente, apontamos o estudo de Werner Jaeger (1986) sobre o conceito
de formação moral, física, poética e teológica do homem da Antiguidade.
A grande contribuição de Jaeger está na análise descritiva e crítica dos dois
períodos em que se divide a História da Educação Grega: o período antigo, que
compreende a Paidéia Homérica e a antiga Paidéia de Esparta e Atenas; e o novo
período, o da Paidéia do ‘século de Péricles’, que se inicia com os sofistas e se
desenvolve com os filósofos/educadores gregos (como Sócrates, Platão e Aristóteles).
Continuando, a leitura de Franco Cambi (1999) nos permite visualizar a
História da Pedagogia Ocidental, reconstituindo as distintas e singulares maneiras pelas
quais as diferentes sociedades refletem, propõem e atuam na educação. No caso
específico da Grécia, o pedagogo destaca o começo da instituição escola em seus
aspectos administrativos e culturais. Sendo ora estatal, ora particular, essa escola acolhe
os filhos das classes dirigentes e médias, oferecendo uma cultura retórico-literária,
persuasiva e eficaz para manter em vigor as regras estabelecidas.
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Franco Cambi ocupa-se em realizar conexões entre a pedagogia/educação
e as principais estruturas sociais, como a família, a organização do Estado, os mitos
educativos, e os ritos de passagem da infância para a adolescência. Assim, o ato de
educar não é visto apenas como formação ou informação, mas no sentido amplo de
construir cidadãos com visões de mundo compatíveis com determinado entorno social.
Por último, temos a tese de mestrado do professor Evandson Paiva
Ferreira (2003) que destaca o ideal de educação grega centrado na formação do homem
cidadão. Tendo como ponto de partida a análise dos conceitos cultura/filosofia/paidéia,
a pesquisa exalta a tradição socrático-platônica na defesa de um saber racional e
humanizado.
A terceira fase da pesquisa centrar-se-á na análise de algumas obras
clássicas de Homero (Ilíada e Odisséia), Aristóteles (Política), Platão (As Leis e a
República) e Aristófanes (Os Acarnenses e As Nuvens); além da apropriação de alguns
exemplos da cerâmica ática. Essas fontes primárias são fundamentais para compreender
de forma mais nítida os valores e a estrutura da sociedade ateniense em sua essência.
Na quarta e última fase, analisaremos os apontamentos relativos à
educação na legislação brasileira: Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, o Plano Nacional de Educação (PNE), os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs dos Ensinos Fundamental e Médio) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei Nº 9.394/96). Dessa forma, podemos contrapor o projeto pedagógico
brasileiro e a Paidéia grega.
Para a análise da documentação textual optamos pelo método da Análise
de Discurso de acordo com o modelo de Dominique Maingueneau. Por
compreendermos a linguagem como um meio de comunicação e interação social,
carregada de sentido e apropriação ideológica/social, é fundamental considerarmos os
processos e as condições de sua produção.
Em relação à documentação arqueológica, destacamos os trabalhos de
Claude Bérard (1983) e Claude Calame (1986) que apresentam a imagem enquanto
sistema de signos criadores de significados, estabelecendo um código de leitura. Ambas
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as abordagens favorecem na percepção e construção do modelo educacional ateniense,
apreendendo seus valores e sua inserção social.
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NOTAS SOBRE HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO DO
CAMPO14
Iara Souza Silva*
1. INTRODUÇÃO
Partindo da perspectiva de que existe uma relação irremediável entre Ensino
de História e Teorias da História, isto é, trata-se de, tanto na pesquisa quanto no ensino,
construir consciência histórica, considerando que “a práxis é o fator determinante da
ciência” (RÜSEN, 2007, p. 85), este artigo preocupa-se em refletir como a História e o
Ensino de História podem ser pensados como possibilidade para a construção de uma
Educação do Campo, tomada a partir dos debates da consciência histórica.
Pensar acerca do ensino e escrita da história na contemporaneidade é refletir
de que maneira as relações entre o que vem sendo produzido e o que “possivelmente” é
ensinado nas escolas públicas brasileiras, sobretudo nas Escola do campo, norteiam
professores(as) e alunos(as) para uma tomada de consciência histórica. Como bem
lembra Leandro Karnal (2005) o verdadeiro potencial transformador da História é a
oportunidade que ele oferece de praticar a “inclusão histórica” (KARNAL, 2005, p. 28).
Michel de Certeau (1982), em A Escrita da História, afirma que todo
conhecimento é centralizado, e a história não foge à regra neste caso. Para Certeau, a
história é uma “fabrica” que se norteia a partir de determinadas finalidades, sejam de
cunho culturais, sociais e, sobretudo, política. Certeau afirma que “toda pesquisa
historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e
cultural”. Além disso, “ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios,
enraizada em particularidades” (CERTEAU, 1982, p. 65).
14
Este trabalho consiste num recorte de pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em História, Ensino e Narrativa (PPGHEN), da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA, sob
orientação da professora Dra. Viviane de Oliveira Barbosa. * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativa (PPGHEN), pela
Universidade Estadual do Maranhão. Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre África e
o Sul Global (NEÁFRICA- UEMA/UFMA).
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Ora, Michel de Certeau afirma que todo historiador escreve a partir de um
lugar social, que está ligado as “práticas científicas” e a “escrita”. A esse movimento,
Certeau dá o nome de operação historiográfica e sugere ainda que, “é em função desse
lugar que se instauram os métodos, que se delineiam uma topografia de interesses, que
os documentos e as questões, que lhes são propostas, se organizam” (CERTEAU, 1982,
p. 65-66). Para o estudioso “à cronologia reconhece que é o lugar da produção que
autoriza o texto, antes de qualquer outro signo” (CERTEAU, 1982, p. 97).
A partir de Michel de Certeau, pode-se questionar a quem é direcionado o
conhecimento produzido pela comunidade de historiadores. Marc Bloch já falava que o
bom historiador “deve saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos estudantes”. E nesse
sentido, cabe aqui problematizar qual a história tem sido apresentada para os estudantes
da Educação Básica do Brasil.
As epistemologias que norteiam a produção de conhecimento
historiográfico objetivaram durante muito tempo a sistematização de todo conhecimento
histórico, num processo de articulação com determinados fins, como já pontua Certeau.
Nessa lógica, as especificidades dos sujeitos subalternos têm sido descartadas e/ou
ignoradas da História dita “Oficial”, como por exemplo, as experiências de
trabalhadores do Estado do Maranhão e mesmo do Brasil
Sabe-se que desde a antiguidade clássica diferentes intelectuais ou
historiadores dedicaram-se a encontrar e definir as leis da história. Evidentemente, nos
dias atuais, a história é muito menos nomotética do que ideográfica, isto é, não está
ocupado com universais, como estariam os filósofos da história do século XIX, mas está
sim no território da contingência, identificando seu objeto no mundo empírico das
realidades irrepetíveis e específicas (DOSSE, 2003; BOURDÉ; MARTIN, 1983).
É com o movimento denominado Nova História (BLOCH, 2001; BURKE,
1992) que a História alarga seus olhares e propõe uma “história total”, uma análise das
estruturas dos acontecimentos a partir de vários ângulos e de uma ampliação da noção
de fontes (BURKE, 1992). Esse movimento direciona para uma renovação da
historiografia que nasce com a Escola dos Annales e passa a considerar que o
conhecimento se produz, sobretudo a partir da vivência dos sujeitos. A Nova História
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estaria voltada “não mais para os determinantes, mas para seus efeitos [...]. Não mais os
acontecimentos em si mesmos, mas sua construção no tempo, o apagar e o ressurgir de
suas significações” (DOSSE, 2003.p.9).
Essas reflexões são essenciais para (re)pensar a produção do conhecimento,
e partem de duas ideias norteadoras, a saber: a História é uma ciência e, enquanto tal,
uma ciência da/para práxis que possui uma lógica própria (RÜSEN, 2006;
THOMPSON, 1981), que longe de ser algo negativo, representa um enriquecimento
para a cientificidade da História. Segundo, pensar Didática da História significa refletir
sobre Teoria da História e seu impacto na Educação, nesse caso na Educação do Campo.
A intenção é buscar (re)pensar novas epistemologias para o sul global,
sobretudo para o Estado do Maranhão de maneira que possa vir a (des)naturalizar o
conhecimento de cunho eurocêntrico – perspectiva essa que busca homogeneizar os
sujeitos e, se contradiz de fato com a realidade do aluno do campo, subjugando dessa
maneira as várias diversidades e sociedades existentes no globo.
Essas discussões e outras noções que a elas se relacionam serão
evidenciadas de modo a apontar em que medida o uso delas fazem sentido na análise
das experiências dos indivíduos que estão inseridos nesse contexto da Educação do
campo, no que confere a formação de consciência histórica.
2. EDUCAÇÃO DO CAMPO: IDENTIDADE E CONSCIÊNCIA NA
FORMAÇÃO HUMANA
Diferenciando-se da educação urbanocêntrica, a Educação do campo é
construída pelo e para os diferentes sujeitos, pensado o território as práticas sociais e
identidades culturais que compõem a diversidade do campo. Por conseguinte, será
interessante para esta análise conhecer o percurso histórico da Educação do Campo no
Brasil para compreender como esse processo está se dando nos dias atuais no Estado do
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Maranhão, bem como o que tem sido feito no Estado para o acesso a uma educação
especifica e diferenciada.
Essas análises levam a refletir sobre o tipo de conhecimento que circulas nas
escolas do campo, visto que, a educação ainda é pensada de fora pra dentro do contexto
camponês. Ora, ocupa-se em problematizar e descontruir uma ideia de educação
homogeneizada oferecida nesse cenário.
A educação do campo “amplia possibilidades que homens e mulheres do
campo possam criar e recriar condições de existência no universo campesino”
(CAVALCATI, 2010). Conforme Gimonet (2007, p. 20), renomado intelectual francês
compreende-se que,
com a Pedagogia da Alternância deixa-se de lado uma pedagogia
plana para ingressar numa pedagogia no espaço e tempo e diversificam-se as instituições, bem como os atores implicados.
Assim, os papéis destes não são mais aqueles da escola costumeira.
Essas discussões sinalizam como se têm debatido sobre educação do campo,
com o intuito de refletir sobre uma política de educação voltada para o contexto
campesino, remontando à ideia de pensar a identidade e a territorialidade de maneira
conjugada. Desse modo, a história e a própria localidade passam a ganhar significados e
ressignificações através do debate sobre a educação.
É importante o aluno do campo compreender a história enquanto vida, assim,
“quanto mais o aluno sentir a História como algo próximo dele, mais terá vontade de
interagir com ela, [...] não como uma coisa externa [...], mas como uma prática” (
KARNAL, 2005, p. 28). A ideia é pensar, compreender e reconsiderar a maneira como
os sujeitos criam e recriam o mundo e significam suas experiências.
A alternância não é uma mera justaposição de espaços e tempos, uns dedicados ao trabalho e outros aos estudos. O currículo integra esses dois
polos despertando nas consciências dos alunos, das famílias, das
comunidades, das instancias políticas e técnicas um ousado projeto de
desenvolvimento social, integrador dos recursos da cidade e do campo.
NOSELLA, 2007, p.10)
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Ora, os conteúdos contemplam as discussões, sobre valorização do local e da
identidade camponesa. Os estudantes, além de aprenderem os conteúdos necessários
para o processo de ensino aprendizagem, aprendem, de maneira prática, técnicas que
perpassam sua vida no universo campesino.
O enfoque para as relações do mundo do trabalho maranhense podem
necessariamente compor os livros didáticos e/ou paradidáticos de História no Estado do
Maranhão, tendo em vista que são intrínsecos à realidade e o cotidiano dos estudantes
maranhenses, e é nesse sentido que este projeto se insere almejando a construção de um
livro didático sobre o universo do trabalho no Maranhão.
O campo é algo concreto, e por isso é importante tomar partido de lutas por
políticas públicas educacionais efetivas que contemplem suas especificidades. Assim, é
possível produzir uma (re)escrita histórica norteada pelo reconhecimento e legitimidade
das práticas, narrativas, memórias, identidades, modos de vivência de homens e
mulheres que estão envolvidos com a dimensão campesina e ao longo do tempo foram
excluídos e marginalizados na sociedade.
Segundo Caldart (2010, p. 20) a Educação do Campo é, “pensar a[...]
particularidade dos sujeitos que vivem do trabalho do campo, [pensar] sua realidade,
suas relações sociais [no campo]”. A Educação do Campo, de acordo com Caldart
(2012, p. 259),
nomeia um fenômeno de realidade brasileira atual, protagonizado pelos
trabalhadores do campo e suas organizações, que visa incidir sobre a política
da educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas. Os
objetivos e sujeitos a remeterem às questões do trabalho, da cultura, do
conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e ao debate (de classes)
entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura que tem implicações no
projeto de país e de sociedade e nas concepções de políticas públicas, de educação e de formação humana.
Partindo dessa concepção, percebe-se que há uma especificidade no que diz
respeito a educação do campo, logo é importante reconhecer que há um modo de
conceber a educação para tal contexto, isto é considerar suas identidades, memórias e
posicionamentos políticos-ideológicos. Afinal, é importante considerar as narrativas dos
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sujeitos envolvidos no contexto campesino e, assim buscar compreender a realidade
desses sob, à luz de suas experiências cotidianas.
Segundo Caldart (2012), o conceito de educação do campo está em constante
construção, isso porque consiste em uma “nova” prática educativa que nasceu de um
recente processo político de lutas e embates. É fundamental iniciar e pensar o debater
acerca da Educação do Campo sabendo que ela não resultado de políticas públicas
educacionais verticais. Ela foi e está sendo construída “de baixo pra cima”. Isso não
simplifica seu alicerce teórico-metodológico. Portanto, ideia de educação abstrata deve
ser (des)construída.
A Educação voltada para o campo em seu percurso histórico foi se
desenvolvendo ao longo de décadas e devido as muitas transformações desdobrou-se em
duas corrente, causando oposições de ideias. A primeira pautou-se em uma Educação
Rural, constituída a partir dos paradigmas capitalistas e modelo urbanocêntrico. Já, a
segunda foi pensada para uma educação mais humana e que de fato corresponderia a
realidade do campo. Os projetos direcionados a educação do campo foram concebidos
de maneira meramente instrumental, descontextualizada da realidade, voltados apenas
para o trabalho. Para Caldart (2001, p. 62),
não há escola do campo num campo sem perspectivas, com um povo sem horizontes e buscando sair dele. Por outro lado, também não há como
implementar um projeto popular de desenvolvimento do campo sem um
projeto de educação, e sim expandir radicalmente a escolarização para todos
os povos do campo. E a escola pode ser um agente muito importante de
formação da consciência das pessoas para a própria necessidade de sua
mobilização e organização para lutar por um projeto deste tipo.
Além de não promover uma educação de perspectiva mais humana tomou
com referência uma identidade urbana/ industrial, impondo aos camponeses uma
educação de cunho instrumental apenas mão de obra. Essa estrutura silenciou,
narrativas, saberes, memórias, identidades, histórias, legitimou a ideia na qual os
sujeitos do campo não possuíam inteligibilidade, negligenciou grupos indenitários e sua
produção de existência.
Em meio a esse cenário, é somente no fim da década de 60 que as mudanças
chegam de maneira paulatina, após um longo processo de lutas (movimentos sociais,
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movimentos dos trabalhadores, etc.) a Educação do campo é construída para fortalecer
os povos/trabalhadores(ras) do campo em defesa de uma ideologia-política construída a
partir de outras pedagogias. Após um longo período de embates foi criado o
Observatório sobre a Educação do Campo com o intuito de realizar pesquisar que possa
desenvolver políticas, nas quais o homem e a mulher do campo sintam-se parte
integrante.
Como resultado houve várias ações com o objetivo de fomentar a discussão
no âmbito da Educação do Campo, valorizando os sujeitos do campo inseridos em
processos de participação e construção de conhecimento. Nesse sentido, cabe afirmar
que “toda experiência social produz e reproduz conhecimento e, ao fazê-lo, pressupõe
uma ou várias epistemologias” (SANTOS, 2010. p.52) .
Por conseguinte, é interessante perceber o percurso histórico da Educação
do Campo no Brasil para compreender como esse processo está se dando nos dias atuais
no Estado do Maranhão, bem como o que tem sido feito no Estado para o acesso a uma
educação especifica e diferenciada. Nesse ínterim, será fundamental compreender e
reconsiderar a maneira como os sujeitos criam e recriam o contexto campesino. Desde
modo, o intuito será “quebrar” alguns paradigmas de hierarquização do conhecimento
que fomentam a educação do campo por meio da História e o Ensino de história.
Assim, esta reflexão busca somar à produção de conhecimento “do” e
“sobre” a Educação do campo no Maranhão, constituindo-se enquanto uma nova escrita
da “história oficial” dos sujeitos. Busca-se dar visibilidade e legitimar a história e,
sobretudo, a memória de diversos grupos indenitários no Maranhão, isto é, privilegiar
suas experiências enquanto sujeitos históricos envolvidos no desafio do fazer
historiográfico.
As abordagens tornam-se significativas por se preocupar em elucidar as
vozes de sujeitos historicamente excluídos da História Oficial do Brasil. Memória e
identidades também emergem nesse cenário campesino entram em disputa e também
permeiam discussões.
Primordialmente, na perspectiva de Michael Pollak aponta-se que, “a
importância de memórias subterrâneas [...], como parte integrante das culturas
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minoritárias e dominadas, se opõem à ‘memória oficial” (POLLAK, 1989, p. 4), nesses
aspectos é importante salientar a memória dos sujeitos que vivem no campo através das
fontes orais, como práticas, formas de resistência e protesto para um reconhecimento e
legitimidade, sob uma perspectiva de produção de conhecimento, próprios desses
sujeitos, “as experiências não só usam linguagens diferentes, mas [..] distintas
categorias, diferentes universos simbólicos” (SANTOS, 2010. p.52).
Assim, para Maurice Halbawachs (2006) a memória é um fenômeno
construído coletivamente e submetido à flutuação, transformações e mudanças
constantes. Em acordo com esta concepção Elizabeth Jelin (2002) ressalta que a
memória está sempre em ‘constante mutação’
Portanto, as identidades também são evidenciadas nesta reflexão, visto que,
a contemporaneidade está sendo apontada como um período no qual as identidades
“entram” em crise. São, indubitáveis as contribuições de Stuart Hall (2011) ao explicar
que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno”.
Nota-se, a construção de novas identidades, visto que outras passam por um
período de declive. Entretanto, faz-se indispensável nessa problemática apontar em que
medidas a construção das identidades dos sujeitos inseridos no cantexto camponês estão
sendo apresentadas em sala de aula.
É necessário refletir acerca das memórias que foram legitimadas pela
História Oficial, as eleitas e “autorizadas” a compor o livro didático. Durante muito
tempo a própria historiografia tem feito a eleição de certas memórias ao mesmo tempo
em que silencia outras (ALMEIDA, 2009; LE GOFF, 2012; PORTEELLI, 2014).
Por muito tempo, uma geração de historiadores, anteriores ao que se pode
chamar de revolução historiográfica (BLOCH, 2001; BRAUDEL, 1989; LE GOFF,
1976; CARDOSO, 1997), elencou como conhecimento histórico válido apenas a
vertente que toma a Europa e o Ocidente como referência/modelo, e isso tem refletido
fortemente na educação básica brasileira.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desse modo, essas reflexões são importantes, para (re)pensar como História
e Ensino de história podem ser pensadas como possiblidade para construção de uma
Educação do campo que toma como víeis a perspectiva de consciência histórica.
Apresentando discussões que sinalizam para significativas mudanças e rupturas sobre o
ensino de história na educação do campo no Maranhão e, sobretudo, a reflexão de
consciência histórica dos alunos.
Pensar uma escrita histórica norteada pelo reconhecimento e legitimidade
das práticas, das narrativas, das memórias, das identidades, dos modos de vivências de
homens e mulheres que estão envolvidos com a dimensão campesina e que ao longo do
tempo foram excluídos e da sociedade. Fazer essas histórias ecoarem nos espaços
oficiais de formação, como a escola. Demostrando aos discentes a importância de
aprender história e as várias versões dela, quando assim eles poderão se perceber como
sujeitos da história.
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PORTELLI, Alessandro. Sobre os Usos da Memória: Memória, Monumento, Memória
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A LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A CONSTRUÇÃO DA
MEMÓRIA E IDENTIDADE NA SALA DE AULA
Clécia Assunção Silva1
1. INTRODUÇÃO
Trabalhando a literatura como ferramenta no ensino de história para a
construção da memória e identidade nacional, mostrando a importância da (re)
construção pela força da palavra, que é a literatura, do modo de viver, pensar e agir de
uma sociedade, em uma determinada época e espaço social. O objetivo aqui é discutir
sobre parte da pesquisa de Mestrado, na qual busco refletir sobre a literatura no ensino
de história para a construção da memória e identidade na sala de aula. Na leitura e na
escrita de texto literário podemos encontrar o senso de nós mesmos e da comunidade a
que pertencemos.
A literatura nos diz o que somos e nos possibilita a desejar e a expressar o
mundo por nós mesmos. Isso acontece porque ela nos permite experiências e, ainda
assim, sermos quem somos. É por isso que ela é considerada uma experiência a ser
realizado. Ela é mais do que um conhecimento a ser reelaborado, ela é a incorporação
do outro em mim, sem a renúncia da minha própria identidade (COSSON, 2006).
Cabe assim questionar. Qual o papel que a literatura pode desempenhar no
ensino de História? Como a literatura pode ajudar na construção da memória e
identidade na sala de aula? De início podemos responder que a literatura traz no seu
bojo além de aspectos cognitivos, fatos histórico-culturais, fazendo assim o resgate dos
significados culturais historicamente atribuídos a um meio social, ao autor, a obra, ao
gênero, ao estilo etc. Fazendo assim cada ato de leitura uma descoberta, um fato
inusitado, como também um exercício coletivo e pessoal de reverencia. E quando é vista
1 Aluna do mestrado de História, Ensino e Narrativas da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.
E-mail: [email protected]
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pela dimensão cultural, temos o reconhecimento individual dos significados e valores
culturais historicamente associados ao texto.
Antônio Candido (2006) discutindo o fato de que a literatura possui aspectos
da realidade, observa que os aspectos históricos, sociais e culturais estão presentes no
texto literário, mas é o texto que deve fomentar esse contexto, ou seja, o texto literário
não deve ser visto como um lugar onde se busca encontrar um determinado aspecto ou
um fator histórico e social, porque o texto traz uma verdade “imaginada”, “
representada” e expressa esteticamente e esses aspectos são o elo entre o leitor e o real.
Na atualidade, a escola busca formar o cidadão pleno, que saiba perceber o
mundo ao seu redor de forma crítica e saber agir sobre sua realidade. Com este intuito é
necessário que seja oferecido ao educando situações de leitura que oportunizarão a este
o pensar sobre. Assim o acesso a literatura na educação básica é de extrema importância
para a formação cidadã dos alunos. A literatura e a história têm uma relação complexa e
de intimidade, no que se refere aos seus textos e também as discussões travadas em
torno dos mesmos.
Para o historiador, um livro de literatura deixa de ser um passatempo ou
uma distração. E passa a ser uma fonte reveladora de aspectos que não aparecem nas
fontes ditas oficiais e, nos leva a pensar nas representações que um determinado fator
pode ter e suas mudanças no decorrer do tempo, ou seja, é uma nova forma de pensar
história em um âmbito cultural. A literatura, por sua vez, procura na história, uma
inspiração e uma fonte para, a partir de algum fato histórico, construir seu enredo.
O objetivo do ensino de história é compreender os processos e os sujeitos
históricos, desvendando as relações que são estabelecidas entre os grupos humanos em
diferentes tempos e espaços. A metodologia utilizada para esse trabalho num primeiro
momento, foi estudo bibliográfico, devido à necessidade de uma fundamentação teórica
a respeito do tema e constatação da relevância da literatura como fonte para o ensino de
História. Os historiadores precisam estarem atentos as múltiplas possibilidades e
alternativas apresentadas nas sociedades, tanto nas de hoje quanto nas do passado, que
emergiram da ação de forma consciente ou inconsciente dos homens; procurando
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apontar para os desdobramentos que se impuseram com o desenrolar das ações dos
sujeitos que compõem um determinado meio social (BEZERRA, 2007).
O professor necessita ter conhecimento de outros contextos para usar como
ferramenta no ensino de história. E a literatura pode favorecer aprendizagens essenciais
que auxiliem os alunos em sua formação como cidadãos autônomos, críticos,
participativos, que possam atuar na sociedade com competência, dignidade e
responsabilidade. O uso desta no ensino de história pode favorecer ao aluno se perceber
como ser social, como alguém que vive numa determinada época, oriundo de uma
determinada classe social. É de extrema necessidade, deixar claro que o ensino de
história não tem o intuito de forma historiador, e sim organizar os conteúdos e articular
as estratégias para trabalhar com eles, levando em conta os procedimentos para a
produção de conhecimento histórico.
Assim, a História pensada como processo, busca aprimorar o exercício da
problematização da vida social, tendo esta como ponto de partida, para a investigação
produtiva e, identificar as relações sociais de grupos locais, regionais, nacionais e de
outros povos. As diferenças e semelhanças, as tradições, os conflitos, as igualdades e
diferenças existentes nas sociedades, nos ajudam comparar problemáticas atuais com as
de outros momentos históricos, de forma a analisar criticamente o seu presente e buscar
relações possíveis com o passado afim de agregar valores na construção da sua
identidade.
Neste artigo trabalhamos a literatura no ensino de história para a construção
da memória e identidade nacional, mostrando a importância da (re) construção pela
força da palavra, que é a literatura, do modo de viver, pensar e agir de uma sociedade,
em uma determinada época e espaço social. E fez-se uma subdivisão em três tópicos,
onde o primeiro trabalha a Literatura e o ensino de história, pretende-se mostra a
contribuição que a literatura pode agregar ao ensino de história, o segundo argumenta o
currículo e a identidade, tratando assim, da importância do mesmo ser multicultural,
respeitando e valorizando as características étnicas, e culturais dos diferentes grupos
sociais. Já o terceiro tópico traz a discussão sobre a literatura, memória e identidade,
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onde a literatura como arte reflete as representações da cultura de um povo conseguindo
traduzir suas peculiaridades locais e expressando na memória os traços do momento
histórico e da realidade social aqui a memória é pensada como um dos elementos
imprescindíveis para a reelaboração identitária de um povo.
2. O USO DA LITERATURA NO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A
CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA E IDENTIDADE NA SALA DE AULA
Havia na cidade uma pedra mágica. Durante o dia, escura e opaca, absorvia
a luz e tudo que a circundava. À noite, transmudava-se em brilho iluminando a tudo e a
todos com a luz que recolhera anteriormente. “A literatura trabalha nos interstícios da
ciência: está sempre atrasada ou adiantada com relação a esta, semelhante à pedra de
Bolonha, que irradia de noite o que aprovisionou durante o dia, e, por esse fulgor
indireto ilumina o novo dia que chega”. (Mencionada por Roland Barthes em Aula,
1980, p. 19). Assim funciona o texto literário em relação aos saberes que guarda a cada
escritura, mas sem aprisionar dentro de si. Ao contrário, libera-os com brilho a cada
leitura.
Segundo Barthes, a literatura tem o poder de se metamorfosear em todas as
formas do discurso, pois ela nos narra o que fomos, o que somos e o que seremos. Sua
magia nos transporta para vários lugares, várias épocas, mantendo um diálogo entre
leitor e escritor, tornando o mundo compreensível, repleto de cores, sabores e formas. É
preciso que a literatura ocupe um lugar especial nas escolas e que seja vista como uma
forma de expansão de conhecimentos, experiências e expressão do ser humano.
A literatura abre portas para o conhecimento, é através dela que buscamos
entender a evolução da humanidade, o nosso agir, a história do passado e do presente,
renovamos e tecemos conceitos. O mundo literário é vivo e está presente em nossas
vidas não só no ambiente escolar, mas em nosso cotidiano. Por esse motivo, devemos
valorizá-lo e incentivar a sua prática. Barthes afirma que a literatura faz girar saberes,
não fixa, não fetichiza nenhum deles: ela lhes dá um lugar indireto, e esse indireto é
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precioso. Por um lado, ele permite designar saberes possíveis – insuspeitos, irrealizados:
a literatura trabalha nos interstícios da ciência: está sempre atrasada ou adiantada com
relação a esta (BARTHES, 2006, p. 18-19).
Nota-se então, que o saber que a literatura mobiliza nunca é inteiro,
acabado, ela não nos diz que sabe alguma coisa, ou melhor dizendo, que ela sabe algo
das coisas, ou que sabe muito sobre os homens.
Antônio Candido nos diz que
a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser
satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar
forma aos sentimentos e à visão do mundo, ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura
é mutilar a nossa humanidade (CANDIDO 1995, p. 186).
A partir da ideia compartilhado por Antônio Candido o nosso corpo é a
soma de vários outros corpos ou identidades. Ao corpo físico, somam-se um corpo que
é linguagem, um que é sentimento, outro que é o imaginário, um outro que é
profissional, e assim vai sendo construído um ser, isso quer dizer que somos a mistura
de todos esses corpos, e é essa mistura que nos torna ser humanos. E as diferenças
existentes entre nós se devem na forma como nós exercitamos esses diferentes corpos
ou identidades. Quando deixamos de usar um desses corpos, ocorre o atrofiamento do
mesmo por falta de atividades.
Nesse sentido, o nosso corpo designado linguagem funciona de modo
especial. Pois todos nós a usamos de muitas e variadas formas em nossa vida, isso
acontece de tal modo que o nosso mundo é aquilo que ela nos permite dizer, isto é, a
materialização constituída do mundo é, antes de mais nada, a linguagem que o expressa.
E nós constituímos o mundo a partir dela, ou seja, basicamente por meio da palavra.
Sintetizando, podemos dizer que quanto mais exercitamos a linguagem, mais aumentará
o cabedal de informações e mais fortalecida era estará. “Na ordem do saber, para que as
coisas se tornem o que são, o que forma, é necessário esse ingrediente, o sal das
palavras. É esse gosto das palavras que faz o saber profundo, fecundo” (BARTHES,
2006, p. 20).
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No exercício da literatura, podemos ser outros, viver como os outros, e
ultrapassar o tempo e o espaço de nossa experiência e, ainda assim, sermos nós mesmos.
E é por isso que internalizamos com muita mais intensidade as verdades representadas
na poesia e na ficção. De acordo com Cosson,
a experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da
experiência do outro, como também vivenciar essa experiência. Ou
seja, a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita matéria na
poesia são processos formativos tanto da linguagem quanto do leitor e do escritor. Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos
expressar e nos falam de maneira mais precisa o que queremos dizer
ao mundo, assim como nos dizer a nós mesmos (COSSON, 2006, p. 17).
É por ter essa função maior de tornar o mundo mais compreensível,
transformando sua materialidade em cores, odores, sabores e formas que são
intensamente humanas que a literatura tem e necessita de lugar especial na escola.
Portanto, para que ela possa cumprir o seu papel de humanizar, precisamos mudar os
rumos da escolarização.
[…] A literatura faz girar os saberes […] é categoricamente realista,
na medida em que ela sempre tem o real por objeto de desejo; e direi
agora, sem me contradizer, porque emprego a palavra em sua acepção familiar, que ela e também obstinadamente: irrealista; ela acredita
sensato o desejo do impossível (BARTHES, 2006, p. 23).
Ela traz no seu bojo além de aspectos cognitivos, fatos histórico-culturais,
fazendo assim o resgate dos significados culturais historicamente atribuídos a um meio
social, ao autor, a obra, ao gênero, ao estilo, etc., fazendo assim cada ato de leitura uma
descoberta, um fato inusitado, como também um exercício coletivo e pessoal de
reverencia. E quando é vista pela dimensão cultural, temos o reconhecimento individual
dos significados e valores culturais historicamente associados ao texto.
3. LITERATURA E ENSINO DE HISTÓRIA
O Ensino de História, assim como das demais disciplinas tem o intuito de
assegurar a formação cidadã e fornecer subsídios para progredir no meio social do
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trabalho. Desse modo o ensino precisa ser feito de forma contextualizada, sendo que
para isto o professor necessita ter conhecimento diversificado. De acordo com Karnal,
o professor é o elemento que estabelece a intermediação entre o
patrimônio cultural da humanidade e a cultura do educando, e necessário que ele conheça, da melhor forma possível, tanto um
quanto outro. O professor precisa conhecer as bases de nossa cultura:
as formas de organização das sociedades humanas, a evolução das civilizações, as cidades-estados da Antiguidade, a Revolução
Francesa, a escravidão no Brasil, o desenvolvimento do capitalismo,
os movimentos sociais, as condições de vida das populações no
passado, sua cultura material e suas ideias, a música de Beethoven, o cinema de Charlie Chaplin, a literatura de Machado de Assis e por ai
afora. (KARNAL, 2016, p. 23).
O professor necessita ter conhecimento de outros contextos para usar como
ferramenta no ensino de história. E a literatura pode favorecer aprendizagens essenciais
que auxiliem os alunos em sua formação como cidadãos autônomos, críticos,
participativos, que possam atuar na sociedade com competência, dignidade e
responsabilidade. O uso desta no ensino de história pode favorecer ao aluno se perceber
como ser social, como alguém que vive numa determinada época, oriundo de uma
determinada classe social.
Nesse contexto,
Faz parte da construção do conhecimento histórico, no âmbito dos
procedimentos que lhe são próprios, a ampliação do conceito de fontes históricas, que podem ser trabalhadas pelos alunos: documentos
oficiais, textos de época e atuais, mapas, ilustrações, gravuras,
imagens de heróis de histórias em quadrinhos, poemas, letras de música, literatura, manifestos, relatos de viajantes, panfletos,
caricaturas, pinturas, lotos, rádio, televisão etc. O importante e que se
alerte para a necessidade de que as fontes recebam um tratamento adequado, de acordo com sua natureza (BEZERRA, 2007, p. 28).
É de extrema necessidade, deixar claro que o ensino de história não tem o
intuito de forma historiador, e sim organizar os conteúdos e articular as estratégias para
trabalhar com eles, levando em conta os procedimentos para a produção de
conhecimento histórico. Assim, a História pensada como processo, busca aprimorar o
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exercício da problematização da vida social, tendo esta como ponto de partida, para a
investigação produtiva e, identificar as relações sociais de grupos locais, regionais,
nacionais e de outros povos. As diferenças e semelhanças, as tradições, os conflitos, as
igualdades e diferenças existentes nas sociedades, nos ajudam comparar problemáticas
atuais com as de outros momentos históricos, de forma a analisar criticamente o seu
presente e buscar relações possíveis com o passado a fim de agregar valores na
construção da sua identidade.
O aluno precisa se perceber como sujeito histórico, ser humanizado e nada
mais interessante para isto, do que um ensino de história que o proporcione refletir
sobre essa realidade, pois as informações contidas (conteúdos) se transformam em
conhecimento, e este faz parte do cotidiano do aluno para transforma a realidade que o
cerca pois, o conhecimento histórico por si próprio, carrega profundo potencial
transformador.
Fazendo assim,
perceber a complexidade das relações sociais presentes no cotidiano e
na organização social mais ampla implica indagar qual o lugar que o indivíduo ocupa na trama da História e como são construídas as
identidades pessoais e as sociais, em dimensão temporal. O sujeito
histórico, que se configura na inter-relação complexa, duradoura e contraditória entre as identidades sociais e os pessoais, e o verdadeiro
construtor da História (BEZERRA, 2007, 45).
Assim, é preciso enfatizar que o contexto apresentado pela História não é o
resultado apenas da ação representada pelas figuras em destaque, consagradas pelos
interesses explicativos de grupos, mas sim a construção de forma
consciente/inconsciente e imperceptível de todos os agentes sociais, individuais ou
coletivos pertencente a esse grupo.
4 . CURRÍCULO E IDENTIDADE
Daí percebemos a necessidade de se trabalhar um currículo multicultural
onde podemos contextualizar e compreender o processo da construção das diferenças e
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das desigualdades. Perceber as diversas identidades contida no ambiente escolar, nos
proporciona um engajamento na luta pela equidade e igualdade de direitos.
A democratização dos contextos educacionais nos remete questionarmos
sobre os currículos em vigor que em grande parcela das escolas, dado seu tratamento
privilegiado aos elementos provenientes da cultura dominante e, daí, à inserção e
problematização daqueles conhecimentos advindos das culturas subordinadas (HALL,
2003). Percebe-se a necessidade de desafiar e desarticular o currículo escolar
monocultural, fazendo assim a desestabilização da hegemonia da cultura ocidental,
passando a questionar as representações, as imagens e os interesses expressos em
diferentes artefatos culturais, buscando explicar as relações de poder existentes nos
mesmos (MOREIRA e CANDAU, 2014).
As investigações sobre o currículo inspirados na multiculturalização
retificam seu papel decisivo na constituição de identidades. Onde “a cultura
transformou-se, assim em um dos elementos mais dinâmicos e imprevisíveis das
mudanças históricas na contemporaneidade” (MOREIRA e CANDAU, 2014, p.8).
Assim o impacto da revolução cultural influencia fortemente na construção da nossa
subjetividade, da nossa própria identidade e, do nosso comportamento no meio social,
perde-se então a visão da identidade de forma coerente, concebida no nascimento e
desenvolvida ao longo da vida, sendo esta substituída pela concepção da identidade
como fragmentada, contraditória e permanentemente em processo de construção, ou
seja, as identidades são construídas culturalmente e formadas pela representação
constituída, no âmbito cultural.
As modificações culturais desestabilizam as estruturas sociais que ancoram
os sujeitos, causando mudanças nos modos de ser, sentir e pensar. Na visão de Hall
(1997), a linguagem assume função primordial quanto à estrutura e organização das
sociedades, dada a intensificação do fluxo de produção, circulação e trocas culturais. A
cultura, por sua vez, exerce um papel constitutivo em todos os aspectos da vida, pois
todas as práticas sociais comunicam um significado. Hall enfatiza que a centralidade da
cultura é um fator constituinte do sujeito, pois a identidade é resultado do processo de
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identificação que os discursos culturais fornecem, posicionando os sujeitos nos sistemas
simbólicos, ou seja, no interior de cada cultura. O autor assevera que a centralidade da
cultura dissolveu a fronteira entre a subjetividade e a identidade, entre o psíquico e o
social. Qualquer artefato cultural, portanto, implica processos de representação,
identidade, produção, consumo e regulação (MOREIRA e CANDAU, 2014).
A reorganização de todo o campo cultural a partir do impacto da expansão
do capitalismo, é outro fator determinante para a eclosão da educação multicultural. O
acesso à TV e à publicidade foi democratizado, disseminando variadas imagens e textos
culturais que enfraqueceram o poder cultural das elites. Veja-se, por exemplo, o
borramento das fronteiras entre alta e baixa cultura, antes claramente delimitadas pelo
usufruto de artefatos culturais. Hoje, a literatura de ficção científica, a música clássica, o
balé, o esporte amador, etc., se deparam com as produções da indústria cultural, o balé
contemporâneo e o esporte profissional. Estes artefatos da cultura de massa ajudaram a
tornar opaca a linha que separava alta e baixa cultura, produzindo novos deslocamentos
e hibridismos entre os grupos, novas imagens e sentidos, enfim, outras fronteiras.
As modificações culturais desestabilizam as estruturas sociais que ancoram
os sujeitos, causando mudanças nos modos de ser, sentir e pensar. Na visão de Hall
(1997), a linguagem assume função primordial quanto à estrutura e organização das
sociedades, dada a intensificação do fluxo de produção, circulação e trocas culturais. A
cultura, por sua vez, exerce um papel constitutivo em todos os aspectos da vida social,
pois todas as práticas sociais comunicam um significado.
Hall enfatiza que a centralidade da cultura é um fator constituinte do sujeito,
pois a identidade é resultado do processo de identificação que os discursos culturais
fornecem, posicionando os sujeitos nos sistemas simbólicos, ou seja, no interior de cada
cultura. O autor assevera que a centralidade da cultura dissolveu a fronteira entre a
subjetividade e a identidade, entre o psíquico e o social. Qualquer artefato cultural,
portanto, implica processos de representação, identidade, produção, consumo e
regulação. Diante desses argumentos, a questão da identidade e das formas como elas
são representadas tornam-se fundamentais. Onde o que interessa saber é como as
identidades foram produzidas e como as representações que se fazem delas as afetam e
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imobilizam. O importante é entender como os discursos e práticas atuam de modo a
levar os sujeitos a assumirem certas posições no sistema social e como os sujeitos são
construídos por esses mesmos discursos e práticas. Em outras palavras, é preciso
conhecer o processo de identificação.
5. LITERATURA, MEMÓRIA E IDENTIDADE
A memória, como estratégia narrativa, garante ao narrador conservar o
passado na forma que é mais apropriada a ele. Na realidade, o que se vê então não é
livro sobre memória, nem sobre história, fica na interseção dessas realidades. Aqui a
memória é como um dispositivo de construção textual é a estratégia responsável pela
arquitetura geral do romance penetrando no passado a partir do presente e dessa forma
dando ao leitor vários níveis do passado revisitado, como quadro-cenas.
Pierre Nora afirma que memória é vida, cheia de revitalizações e
identificações através de seu jogo de lembranças e esquecimentos:
[...] porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a
confortam, ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou
flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências,
cenas, censuras ou projeções (NORA, 1993, p. 9).
Sobressai-se, ainda dentro da temática, Jacques Le Goff (1994) quando
afirma que a memória não é uma propriedade da inteligência, mas a base sobre a qual se
inscrevem as concatenações dos atos. Para o autor, a memória representa uma invenção
em nível complexo, sendo conquistada progressivamente pelo homem na busca do seu
passado individual; assim como a história constitui para o grupo social a conquista do
seu passado coletivo. Daí esta ser compreendida como “a propriedade de conservar
certas informações; ou ainda, como conjunto de funções psíquicas que pode levar o
homem a atualizar impressões passadas, ou que ele represente como passadas” (LE
GOFF, 1994, p. 423). Ainda segundo o autor a dualidade memória e história foi
reafirmada; em “Documento/Monumento”, entre “a memória coletiva e a sua forma
científica, a história” (LE GOFF, 1998. p. 535).
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Como a literatura interage com o meio social e cultural sendo visto pelo
historiador como materiais propício a múltiplas leituras, por sua riqueza de significado
para “o entendimento do universo cultural, dos valores sociais e das experiências
subjetivas de homens e mulheres no tempo” (PINSKY; LUCA, 2013, p. 83). Isso
significa que toda ficção está enraizada na sociedade, pois em determinadas condições
de espaço, tempo, cultura e relações sociais, o escritor explora ou inventa possibilidades
de linguagem construindo um objeto autônomo de significados.
Em nível discursivo, parece haver uma mudança que tornou a problemática
cultural parte imperiosa nos estudos acadêmicos. A produção literária dentro ou fora da
academia sempre se relacionou com questões culturais. Partindo de tal premissa, pode-
se dizer que as obras literárias esboçam respostas, implícita ou explicitamente, às tais
questões, bem como oferecem uma gama de modelos implícitos de como se formam
conceitos como cultura, identidade e memória. Em vista do exposto a literatura deixa de
se constituir enquanto texto autônomo e independente e passa a estabelecer
representações espaciais e ideológicas, atribuindo ao mundo literário evidências do
mundo dito real.
A reconstituição da identidade cultural é feita através da memória. A
memória é um recurso essencial para conservação do passado, além de explicar ou
justificar os processos de transformação do presente, sendo ela individual e coletiva,
para Halbawchs (2006), o indivíduo compartilha das duas memórias, e estas se
aproximam no mesmo universo histórico e cultural.
Dessa forma, Halbawchs defende que:
[...] a memória individual existe, mas ela está enraizada dentro dos quadros diversos que a simultaneidade ou a contingência reaproxima
momentaneamente. A rememoração pessoal situa-se na encruzilhada
as malhas de solidariedade múltiplas dentro das quais estamos
engajados (HALBAWCHS, 1990, p. 14).
A memória é uma ferramenta de que o homem dispõe para reconstituir e
reconstruir o passado e assim reafirmar suas identidades no presente. E a literatura serve
como forma para a representação de traços característicos da sua cultura. Para Chauí
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(1999, p.125), “a memória é uma evocação do passado”. É a capacidade humana para
reter e guardar o tempo que se foi salvando-o da perda total. É a nossa primeira e mais
profunda experiência do tempo. Halbwachs (1990, p.26) diz que “os fatos sociais
consistem em modos de agir, pensar, sentir, exteriores ao indivíduo e dotados de poder
coercitivo pelo qual se lhe impõem”.
Pode-se dizer que a memória é um recurso utilizado pelo homem para
armazenar uma grande variedade de informações, como objetos, gestos, palavras,
músicas, dentre outros. A memória vence o passado, pois tem a função de manter
registrado este passado. E a literatura vem abrir esse diálogo com a atualidade, pois está
inserida na cultura da coletividade a partir do processo cognitivo e comunicativo
diferenciado dos quais o indivíduo define a realidade que faz parte. Nora (1993, p. 9)
sintetiza muito bem a especificidade de cada campo de saber quando diz que “a
memória é um absoluto e a história só conhece o relativo”.
A cultural é representada na obra de arte literária de forma clara. E, a partir
dessa visibilidade, a questão do imaginário é vagarosamente desvelada enquanto ato de
consciência, como modo de perceber o mundo em que autor e leitor estão inseridos.
Desse modo, percebe-se que o texto literário pode se transformar num elemento
mediador da memória, servindo de suporte à cultura, à identidade social e étnica, à
tradição, à possibilidade de materialização de formas simbólicas da vida cotidiana, bem
como aos dramas e tramas históricos. Assim, as entrelinhas do texto literário podem ser
interpretadas como memórias reconstruídas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para tanto, o aluno precisa se perceber como sujeito histórico, ser
humanizado e nada mais interessante para isto, do que um ensino de história que o
proporcione refletir sobre essa realidade, pois as informações contidas (conteúdos) se
transformam em conhecimento, e este faz parte do cotidiano do aluno para transforma a
realidade que o cerca, pois, o conhecimento histórico por si próprio, carrega profundo
potencial transformador. Percebe-se então, que nessa perspectiva o texto literário serve
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de suporte para o aluno compreender um meio social, os comportamentos, a política e a
cultura de uma determinada sociedade, pois os textos literários possibilitam abordagens
mais complexas que merecem ser introduzidas na sala de aula pelo professor de história.
Nesse sentido este trabalho continua com o debate de ampliação da
literatura como como suporte para o ensino de História e, sendo esta arte, reflete as
representações da cultura de um povo conseguindo traduzir suas peculiaridades locais e
expressando na memória os traços do momento histórico e da realidade social
obviamente, é uma das formas de manifestar a cultura. (PINSKY & LUCA, 2013).
Portanto, sendo a literatura uma instância crítica de reflexão sobre a história, e que
trabalha com as múltiplas representações discursivas presentes nas práticas sociais,
reinventando de forma verossímil e mimética a realidade e, assim problematiza questões
existentes nas sociedades, ela é um meio de refletir sobre a realidade, deixando de ser
mera ficção para dialogar com a realidade.
REFERÊNCIAS
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BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. In.:
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In. CANDAU, V. M.(Org.). Sociedade, educação e cultura (s): questões e propostas.
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CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. 8 ed. São Paulo: T. A. Queiroz;
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COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
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_________. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2003.
HALBWACHS, Michel. Memória coletiva. Tradução de Beatriz Sedou. São Paulo:
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KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 5ª
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NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História
(Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História/Departamento de História,
PUC-SP), São Paulo, v.10, p.7-28, 1993.
PINSKY, Carla Bassanezi; LUCA, Tânia Regina de (orgs.). O historiador e suas
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GÊNERO, MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA
Gleiciane Brandão Carvalho1
1. INTRODUÇÃO
É necessário reconhecer que a construção de comportamentos e práticas
democráticas, e justas, devem ter no espaço escolar um lugar central. A escola é hoje
nomeadamente um local tanto de discussão de saberes e disseminação de
conhecimentos como de possibilidade de construção de sujeitos reflexivos e críticos e,
ao mesmo tempo, de reprodução de ideologias dominantes nas quais comumente cabe
aos homens um lugar de superioridade em relação às mulheres, algo similar ao que
ocorrer na relação negro/não negro, pobre/ não pobre. Se esse é um debate que toma
fôlego, sobretudo a partir do século passado com a luta pelos direitos civis das mulheres
e de seu lugar como sujeitos históricos, resta saber até que ponto se mantém a
construção da subserviência do feminino num mundo que não deixa de ser marcado pela
dominação e hegemonia masculina.
Ao mesmo tempo, a escola pode, sob certa perspectiva, ser vista como uma
caricatura da sociedade. Por ela passam como não passam por nenhum outro lugar,
limitadas por diminutivos, todas as idéias que uma sociedade quer transmitir para
conservar aquilo em que se acredita ou quer que se acredite (MORENO, 1999)
Esta pesquisa tem como foco a descrição e análise de discursos e
representações de gênero e de mulheres, em suas múltiplas conexões com outras
variáveis, a exemplo da classe (mulheres pobres e de outros estratos sociais) e do
pertencimento étnico-racial (mulheres negras, mulheres mestiças, mulheres brancas), no
universo do Ensino de História, a partir de Cabo Verde. Assim, tem-se como foco
buscar compreender as diversas formas de expressão do conceito de gênero e a presença
das mulheres, tanto em livros didáticos de história como no cotidiano escolar.
1Licenciada em Ciências Humanas- Sociologia, Campus de Bacabal, Universidade Federal do Maranhão. Membra do
Grupo Núcleo de Ensino Pesquisa e Extensão Sobre África e Sul Global (UFMA/UEMA/IFMA), Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade social- UFMA, Mestranda em Ensino História e Narrativas- UEMA
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O enfoque de análise aqui proposto perpassar questões acerca de
estereótipos e discriminação, dando-se destaque às representações da mulher, da mulher
negra, da mulher pobre e de outras vinculações e pertencimentos étnico-raciais, e como
isso se configura desde uma perspectiva de gênero. Qual lugar da mulher na história de
Cabo Verde, como podemos perceber o papel por elas desempenhado? Qual lugar da
mulher na literatura didática? Como são representadas as diferenças de gênero? Como
essas diferenças/desigualdades são tratadas e urdidas no universo escolar e nos livros
didáticos? Como a educação pode significar mudanças nas percepções das identidades
de gênero?
2. GÊNERO E MULHERES COMO FONTE DE ESTUDO
Na historiografia contemporânea, a categoria gênero é um termo recente e se
relaciona, embora não se reduza, à história social e à história das mulheres. Ao longo de
toda a história da escrita da história, chegando-se à profissionalização da disciplina
histórica no final do século XIX, o papel das mulheres e, mais que isso, a inscrição do
que seria o feminino e mesmo seu lugar na narrativa e no processo histórico, quase
sempre esteve subordinada à presença e à representação dos homens.
Seria sobretudo a partir da primeira geração da Escola dos Annales, com
Lucien Febvre e Marc Bloch, que começou a ser lançado um novo olhar sobre a imagem
das mulheres, desta vez como sujeitos históricos. Isto acabou ampliando as
possibilidades para a história das mulheres, na medida em que foi proporcionado “o
desenvolvimento de conceitos capazes de relacionar o cotidiano dos seres individuais e
concretos aos sistemas abstratos e aos processos históricos em que estavam inseridos”.
(DIAS, 1992)
A partir de uma conexão direta entre a história das mulheres e o movimento
feminista, passou-se, como lembra Michelle Perrot (1992), ao “desenvolvimento de uma
antropologia histórica na qual o estudo da família e os papéis sexuais estavam em
primeiro plano”.
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Assim, com o gênero, novas temáticas passam a ser abordadas no campo
historiográfico: ao estudo das mulheres, somam-se aqueles das crianças, das famílias e
das ideologias presentes nos gêneros.
Se, de um lado, pode-se afirmar que de dentro das próprias transformações
do campo historiográfico foi surgindo uma nova ênfase sobre o feminino, de outro lado,
não se pode deixar de reconhecer que será sobretudo com as primeiras manifestações
feministas, que incluíam demandas como a extensão do direito de voto às mulheres, que
o debate sobre a história das mulheres e mesmo sobre uma visão mais política sobre o
gênero, toma corpo. No campo do feminismo, desde os anos 1960, surgem
preocupações em problematizar não apenas a história das mulheres como aquela
construída a partir do conceito de gênero.
Como lembra Boaventura de Santos Souza (2002), o feminismo é daqueles
poucos movimentos que se torna de fato emancipatório: partindo de uma demanda
apresentada por uma realidade concreta, percebível no senso comum (aquela da
desigualdade produzida por uma diferença de gênero), constrói-se uma reflexão teórica
profunda, uma teoria propriamente dita, a teoria feminista, mas esta teoria não se esgota
no mundo da reflexão teórica, ela, em certa medida, volta ao mundo da vida, e atinge os
espaços do mercado, da produção, da cidadania, da comunidade, atinge, assim, o mundo
da educação e do ensino formal. Será assim importante tentar observar como este
conhecimento que se apresenta como emancipador, isto é, promotor da igualdade de
gênero e de reconhecimento da história das mulheres enquanto sujeitos, se realiza na
realidade do ensino de história a partir de algumas de suas experiências no Maranhão.
O fato é que, a partir da década de 1960, surgem preocupações em se
teorizar e problematizar o conceito de gênero. Geralmente, são militantes feministas
inseridas no mundo acadêmico, as principais responsáveis por trazer esse debate para o
interior das universidades e escolas. Nessa esteira, vão surgindo os estudos da mulher.
A institucionalização dos estudos do gênero e da mulher se dá nos anos 1980. Os
estudos feministas acabaram evidenciando uma série de discursos de dominação
masculina: por exemplo, mostraram que quando as mulheres exerciam atividades fora
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do lar, comumente essa atividade era vista como algo secundário, uma espécie de
trabalho de apoio; denunciaram a presença diminuta ou a ausência feminina nas
ciências, nas artes e nas letras, bem como na política e na economia.
Extremamente significativo é notar que os estudos relacionados ao
feminismo vão se tornando fonte de discussões em diversas áreas, escapando ao próprio
universo estrito de origem do movimento, aquele do feminismo. É quando o termo
gênero ganha notoriedade. Como argumenta Joan Scott (1992), a categoria gênero se
propõe para a análise histórica no sentido de compreender e explicar significativamente
o caráter relacional, transversal dos processos sociais. Gênero é uma categoria de
análise histórica, cultural e política, e expressa relações de poder, o que possibilita
utilizá-la em termos de diferentes sistemas de gênero e na relação desses com outras
categorias, como raça, classe ou etnia, e, também, levar em conta a possibilidade da
mudança. (SCOTT, 1992).
Nos Estados Unidos, Joan Scott trabalha no cruzamento do feminismo e a
da história das mulheres. Do outro lado do Atlântico norte, na França, Michelle Perrot
(1992) questiona o lugar da história das mulheres dentro da disciplina de história:
mostra que os primeiros trabalhos sobre as mulheres tinham como preocupações o
debate sobre dominação e opressão, e posteriormente vão se preocupando cada vez mais
em dar visibilidade a mulheres guerreiras, ativas, criando-se o que se poderia chamar de
cultura feminina.
No contexto do Brasil, parece ter sido somente a partir dos anos 1980 que as
discussões sobre essa temática se tornam mais difundidas. De modo geral, uma das
questões centrais se torna tentar entender como o gênero constrói identidades.
Como lembra Buttler (2013), a invisibilidade das mulheres no mundo das
representações reflete no modo como a figura feminina tem sido historicamente
apreendida pela sociedade e nos locais a elas destinados.
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea
humana assume no seio da sociedade. (BEAVOUIR, 1967). Ou seja, a mulher é uma
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construção social variante, que pode se modificar de acordo com o local, costume,
cultura, religião e época.
Gênero tem sido cada vez mais usado como uma referência qualquer que
tenha a ver com a distinção masculino/feminino, incluindo as construções que separam
corpos “femininos” dos corpos “masculinos”. E nessa construção social a mulher foi
sempre vista como o outro.
Na realidade, as mulheres foram oprimidas, excluídas e silenciadas da
história oficial do mundo, e aparecem nos livros didáticos como “figurantes” no
processo de construção social do país; pouquíssimas mulheres e muito menos mulheres
negras são citadas e apresentadas nos livros didáticos.
No decorrer da história as representações de gênero foram pautadas dando
ao homem a obrigação de ser forte, e à mulher de ser submissa, fraca e frágil e isso
perpassou os anos. Precisa-se problematizar até que ponto estes estereótipos ainda se
poderiam observar no livro didático e na história ensinada.
No que tange especificamente às mulheres negras é importante salientar que
dentre as desigualdades, a desigualdade contra a mulher negra ainda é uma das mais
alarmantes, visto que esta é constantemente vítima de preconceito de gênero e racial.
Esse preconceito é fruto da “herança de um processo injusto de abolição da escravatura
e de uma sociedade construída sobre base patriarcal e machista colocou as mulheres
afrodescendentes como alvo de duplo preconceito, o racial e o de gênero. (SANTOS,
2009) Para a compreensão dessa condição, a que foi submetida a mulher e seus desafios
de resistência e superação, faz-se necessário buscar relações entre o presente e o
passado.
Os estudos sobre essa temática revelam quão dramática e exacerbada é essa
desigualdade em que as mulheres e, particularmente, as mulheres negras e pobres, estão
inseridas, e apontam que são as maiores vítimas da desigualdade em nossa sociedade.
Desigualdade que não está relacionada apenas com as péssimas condições
socioeconômicas da população negra, mas também pela negação cotidiana de ser
mulher e negra como algo positivo. Os estereótipos, a imagem e os papéis sociais
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destinados as mesmas tentam alimentar um sentimento de inaptidão intelectual,
inferioridade e exclusão social.
De acordo com Pereira e Freire (1991), o público, o oficial e os “grandes”
nomes da história continuam com lugar assegurado, enquanto as mulheres, os pobres, as
crianças, como não estão efetivamente presentes na vida pública, continuam de fora, ou
no máximo entram como parte complementar, fora do texto principal, na maioria das
vezes ganhando o status de peculiar e exótico.
Partindo do pressuposto que gênero é uma expressão social história, Scott
(1990) em seu artigo intitulado “Gênero: uma categoria útil de analise história” coloca
gênero como uma percepção das diferenças entre os sexos, sendo construído para
demarcar relações de poder e afirma que “inscrever as mulheres na história implica
necessariamente na redefinição e o alargamento das noções tradicionais do que é
historicamente importante para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quanto as
atividades públicas e políticas.”
De um lado “gênero” foi desenvolvido e é sempre usado em oposição a
“sexo”, para descrever o que é socialmente construído, em oposição ao que é
biologicamente dado (NICHOLSON, 2000)
Nicholson (2000), assim como Scott, parte do pressuposto que gênero é uma
construção social para diferenciar homens e mulheres e compreende que a sociedade
forma além de personalidade e comportamento, o modo como o corpo aparece, ou seja,
a maneira como a sociedade representa o corpo e os espaços que esses sujeitos vistos a
partir dos seus corpos ganharam na história.
Lauretis (apud CASTRO, 1992) acredita que gênero é um construído nos
interstícios, na própria ambiguidade de estar através e contra discursos. Partindo das
ideias de Barbosa (2007), reconhece-se que as relações sociais sobre o feminino e o
masculino muitas vezes não coincidem com as práticas cotidianas, e as identidades de
gênero são comumente construídas desde este lugar ambíguo.
A partir do momento que gênero foi visto como categoria vê se a
necessidade de problematizá-lo compreendendo seu papel em cada período histórico.
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3. GÊNERO, MULHERES E ENSINO DE HISTÓRIA
A disciplina de História dispõe de subsídios para compreender as
diversidades que nos cercam, e a escola faz parte da construção da identidade do aluno.
Por meio de sua organização, seja da estrutura física ou das práticas pedagógicas, a
escola institui valores que auxiliam na (des)construção de estereótipos que inferiorizam
as mulheres, principalmente as mulheres negras. O conceito de gênero e raça atrelado à
educação auxilia o aluno a compreender o processo de construção histórica e os papeis
socais de cada sujeito em uma dada sociedade.
Trabalhar gênero em sala de aula possibilita que o estudante entenda a
construção do ser “homem” e do ser “mulher” em uma dada sociedade e um período
específico do tempo, buscando resgatar silêncios esquecidos da história, principalmente
de mulheres que dificilmente aparecem como seres agentes na construção histórica do
mundo.
A inserção da discussão em torno de gênero na história enquanto disciplina
possibilita compreender que a participação das mulheres na construção social não foi
tão passiva e nem submissa, trabalhando dessa forma a mulher na história de maneira
mais problematizada. Compreendendo e demonstrando os papéis destinados às
mulheres em cada período histórico, a participação em fenômenos históricos e sua
contribuição em cada um deles, auxiliando a romper com alguns estereótipos que tem
contribuído para inferiorizar a mulher e colaborando assim para equidade entre alunos e
alunas a partir do momento que conseguem se ver como sujeitos históricos e não
simplesmente o outro.
Nos PCNs a questão sobre gênero encontra-se nos eixos transversais. De
acordo com Gadelman (2003, p. 213), a inclusão de gênero nos debates da sociedade
contemporânea é fundamental. A autora também critica as formas como se discute
gênero nos PCNs, pois nessas diretrizes “a categoria gênero aparece esvaziada dos
aspectos políticos e históricos, dizendo respeito, ao contrário, unicamente no âmbito da
família e das relações interpessoais”.
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Nesse sentido, Tania Silva (2008) aborda sobre a invisibilidade das
mulheres nas narrações dos acontecimentos históricos e que isso foi uma questão que
alcançou até mesmo a historiografia de países nos quais as lutas das mulheres, suas
manifestações, por direito e igualdade havia se iniciado séculos antes no Brasil e em
Cabo Verde. Ou seja, a exclusão do papel da mulher das narrativas históricas e o
homem como ser universal é uma discussão que existe a muito tempo e por isso deve
ser trabalhada em sala de aula.
Nessa perspectiva, como lembra a filósofa Ivone Gebara, o discurso da
igualdade universal do seres humanos ocultou e oculta a desigualdade histórica e
cultural na experiência vivida, e este oculto atinge muito mais as mulheres que os
homens, bem como muito mais negros que brancos, e pobres que ricos.
A partir do momento que gênero foi visto como categoria vê se a
necessidade de problematizá-lo compreendendo seu papel em cada período histórico.
Ganldeman (2003), que discute gênero e ensino, relata que “cada vez mais
os historiadores contemporâneos têm reivindicado para a história um papel
desestabilizador, por assim dizer”. Nesse pensamento, é central “a noção de
contingência. A noção de que as coisas não precisavam necessariamente ter sido como
foram e principalmente, a de que não precisam continuar sendo de determinada maneira.
Assim, gênero seria “uma série de artefatos sociais sobrepostos aos dados biológicos do
sexo”. (GANDELMAN, 2003, p. 210)
É importante salientar que no livro didático a sociedade é representada na
grande maioria das vezes pelo “homem” branco. A mulher e os negros são apresentados
em alguns poucos momentos. De acordo com Chartier (1991, p. 183), há uma dupla via
quando se pensa em representação: a construção das identidades sociais como
resultantes sempre de uma relação entre representações impostas que detêm o poder de
classificar e de nomear e a definição de aceitação ou resistência que cada comunidade
produz de sim mesma; outra que considera o recorte social objetivado como tradução do
critério conferido à representação que cada grupo dá de si mesmo, logo a sua
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capacidade de fazer reconhecer a sua existência a partir de uma demonstração de
unidade..
De acordo com os PCNs a disciplina de História tem como função combater
as visões anacrônicas e etnocêntricas sobre acontecimentos sociais do passado e dos
dias atuais. Vendo gênero como temática, verifica-se que é de suma importância a
abordagem desse tema em sala de aula como forma de combater visões unicêntricas de
história, além de compreender as particularidades que foram atribuídas e que são
atribuídas ao gênero na sociedade atual.
Em todo os PCNs, há uma preocupação em se trabalhar a formação cidadã e
crítica do indivíduo e por isso é necessário que se estabeleça relações entre identidades
individuais, sociais e coletivas. Sendo que, nesse contexto, a memória é fator primordial
na construção da identidade.
A memória é um elemento constituinte do sentido de identidade, tanto
individual quanto coletivo, na medida em que ela é também um fator extremamente
importante no sentido de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em
sua construção de si. ( POLLAK, 1992, p. 5)
O livro didático é uma importante ferramenta na construção social do
indivíduo, tendo em vista que grande parte dos estudantes de escolas públicas possuem
apenas ele como material de pesquisa e fonte de conhecimento.
O fato é que é fundamental a inclusão dos estudos sobre gênero nos
currículos escolares (GANDELMAN, 2003), numa perspectiva de se compreender a
ideia de gênero como uma construção cultural (SCOTT, 1990; NICHOLSON, 2000), e
se reconhecer a questão da memória como importante para entender o que de fato foi
importante para escrita histórica, compreendendo-se a memória como um fenômeno
construído social e individualmente (POLLAK, 1989, 1993)
Os livros didáticos e o professor são ferramentas importantes na construção
identitária do indivíduo, um enfoque maior sobre as questões relacionadas a gênero faz
o aluno reconhecer como as construções sociais foram pautadas e como a memória aí se
alicerça. O ensino é um lugar de produção e transmissão de saberes e auxilia em uma
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reflexão do aluno sobre o seu “lugar na memória” relacionando o passado com o
presente.
Partindo do pressuposto de Nora (1993) a memória é vida, sempre carregada
dos grupos vivos e, nesse sentido ela está em permanente evolução, aberta à dialética da
lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável
a todos os usos e manipulações. A história é a reconstrução sempre problemática e
incompleta do que não existe mais. (NORA, 1993, p.8) E é nessa reconstrução que
algumas memórias são desconsideradas da construção histórica do sujeito. Ainda de
acordo com Nora (1993) a memória está em permanente evolução, aberta à dialética da
lembrança e do esquecimento, inconstante de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos de manipulações susceptíveis de longas latências e de repentinas
revitalizações. (NORA, 1993, p.16)
Chartier (1991, p. 183) afirma que a “construção das identidades sociais
como resultante sempre de uma relação entre representações impostas pelos que detêm
o poder de classificar e de nomear e a definição de aceitação ou resistência que cada
comunidade produz de si mesma”
Deve-se destacar, com o reconhece Bitencourt (2002), que o livro didático é
um portador de sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Livros dessa
natureza transmitem estereótipos e valores de grupos hegemônicos, generalizando temas
de acordo com a visão eurocêntrica.
O livro didático é uma importante ferramenta na construção social do
indivíduo, tendo em vista que grande parte dos estudantes de escolas públicas possuem
apenas ele como material de pesquisa e fonte de conhecimento. O livro didático tem
uma força extremamente relevante. Trata-se de um recurso didático fundamental na
formação dos alunos. Trata-se portanto de um objeto muito influente no ambiente
escolar. Seus conteúdos, suas imagens, suas metodologias, despertam a curiosidade do
alunado.
Entende-se que o livro didático é uma importante ferramenta na construção
social do indivíduo e que após a implementação da Lei 10.639/2003, que torna
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obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro brasileira nos currículos das
instituições de ensino básico, esse material passou obrigatoriamente a reservar um
espaço para se trabalhar acerca do continente africano.
Nos assuntos destinados a relatar sobre Cabo Verde, mais especificamente
sobre a descolonização de Cabo Verde, presente nos assuntos do terceiro ano do ensino
médio, percebe-se uma análise superficial sobre o conteúdo, além de não problematizar
acerca da presença das mulheres nesse contexto.
É sabido que Cabo Verde assim como o Brasil constitui um país onde os
padrões de gênero detêm um impacto significativo sobre a população feminina. De
acordo com Grassi (2003), as mulheres representam cerca de 64% dos analfabetos,
possuem as menores taxas de instrução e possibilidade de frequentar escolas, sobretudo,
aquelas que vivem no meio rural. A partir de 1990, com o apoio político internacional, é
possível observar que os níveis educacionais alcançaram índices satisfatórios,
possibilitando um maior acesso a educação. Isso pode ser verificado no aumento das
taxas de alfabetização no ensino básico, secundário e superior. Todavia, isso não
significou a diminuição da pobreza relativa, especialmente, quando analisada segundo
critérios de gênero. Ao avaliar a questão da pobreza entre os agregados familiares
chefiados por mulheres, Furtado (2008) percebe que embora os índices de analfabetismo
tenham se tornado menos desiguais entre homens (17%) e mulheres (19%), à medida
que aumenta o nível de escolaridade são os agregados chefiados por homens que estão
mais representados: 10% destes completaram o ensino secundário contra 5% das
mulheres
É necessário problematizar cada vez mais acerca das discursões
relacionadas a gênero e mulheres, tanto em Cabo Verde, quanto no Brasil a fim de
perceber o quão estigmatizada tem sido a mulher na escrita histórica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário notar conexões e rupturas entre as representações e práticas
instituintes das diferenças entre homens e mulheres na história produzida nos livros
didáticos e aquela ensinada em sala de aula, e ainda a vivência no cotidiano. Isto é,
perceber como se conectam a memória histórica sistematizada no livro didático e aquela
memória histórica vivida no cotidiano escolar na qual mulheres e homens tem papeis
inscritos frequentemente desde o lugar da natureza, e não da cultura. Entendendo o
espaço do ensino de história e da história ensinada no cotidiano escolar – quando se
conectam narrativa histórica e o ensino, acaba se configurando como lócus privilegiado
da produção de identidades que potencializam determinados tipos de posição social, a
exemplo daquelas relacionados ao gênero, em suas conexões com a raça/cor e a classe.
Pois, de fato cotidiano escolar é um local propício para interações e trocas
de culturas, onde a mente pode se abrir para esses assuntos, onde a relação ensino-
aprendizagem se faz presente, o conhecer passa a ser uma forma de garantir posições na
sociedade. É no cotidiano escolar que iremos aprender a nos identificar como
indivíduos, como cidadãos, sendo neste mesmo local onde aprenderemos o “certo” e o
“errado”, por isso desde cedo devemos ensinar isso a nossas crianças e adolescentes,
para que não saíam da escola com informações negativas, preconceituosas sobre tudo
aquilo que acompanhará em toda sua vida, não servindo apenas para sua trajetória
escolar, mas para sua formação como indivíduo.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. - 4. ed. São
Paulo: Cortez, 2011.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Teoria e métodos dos estudos feministas: perspectiva
histórica e hermenêutica do cotidiano. In: COSTA, Albertina de Oliveira &
BRUSCHINI, Cristina (org.) Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992,
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FURTADO, Cláudio. Dimensões da pobreza e da vulnerabilidade da pobreza em Cabo
Verde: uma abordagem sistemática e interdisciplinar. Dakar: Codesria, 2008
GEBARA, Ivone. Rompendo o Silêncio. São Paulo: Editora Vozes, 2000.
GRASSI, Marzia. Rabidantes; comercio espontâneo transatlântico em Cabo Verde.
Portugal: Instituto de Ciências Sociais e Spleen Edições. 2003
MARLI, André. O cotidiano escolar, um campo de estudo. In. PLACCO, Vera Nigro de
Souza (Orgs.). O coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo: Loyola,
2003.
MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. Trad.
MOREIRA, Jailma dos Santos Pedreira. Feminismos locais na sala de aula. In.
SANTOS, Cosme Batista dos; GARCIA, Paulo C. S.; SEIDEL, Roberto H. ( Orgs.).
Crítica Cultural e Educação Básica: diagnósticos, proposições e novos agenciamentos.
São Paulo: Cultura Acadêmica,2011.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Rio de Janeiro, Estudos
Históricos. vol. 2, p. 3-15, 1989.
SANTOS, Boaventura Sousa. A razão crítica da razão indolente: contra o desperdício da
experiência. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002.
SCOTT, Joan W. "Gênero: uma categoria útil de análise histórica". Educação e
Realidade,
Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.
SILVA, Tatiana Raquel Reis. A arte de comerciar: gênero, identidades e
empoderamento feminino no comércio informal transatlântico das rabidantes cabo-
verdianas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Estudos Étnicos e
Africanos. Universidade Federal da Bahia, 2012.
ZAMPARONI, Valdemir. A África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro.
Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252007000200018&script=sci_arttext> Acesso em 12 de Setembro de 2015
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O ENEM E O ENSINO DE HISTÓRIA: A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA
LOCAL NO ENSINO MÉDIO
Francineia Pimenta e Silva
1. INTRODUÇÃO
Nossa atuação como professora de História da rede Estadual de Ensino do
Maranhão há 13 anos nos permitiu perceber muitas ações isoladas de professores de
História levando seus alunos para conhecer a historicidade que lhe cerca através de
atividades extraclasse em locais de memória da cidade, por entender que a realidade
local na qual o aluno está inserido é fundamental para sua compreensão de mundo.
Fatos como estes revelam que as políticas educacionais organizadas sem a participação
do professor comprometem de forma significativa o processo ensino aprendizagem, haja
vista que as determinações sobre o que ensinar, desconstrói o princípio de autonomia da
escola. Bittencourt chama atenção, “o professor é quem transforma o saber a ser
ensinado em saber aprendido, ação fundamental no processo de produção do
conhecimento. Conteúdos, métodos, e avaliação constroem-se nesse cotidiano e nas
relações entre professores e alunos”1. Embora não tenhamos aqui a pretensão de discutir
politicas educacionais, registramos nossas ressalvas por compreender a importância do
professor na definição das políticas públicas educacionais.
Considerarmos a possibilidade de transformar nossa problemática sobre a
importância do ensino de Historia do Maranhão no Ensino Médio, em objeto de estudo
no Programa de pós-graduação em Historia, Ensino e Narrativas da Universidade
Estadual do Maranhão- UEMA. Para tanto nosso objetivo com esse trabalho é analisar
as implicações do ENEM para a minimização do ensino da História Local nas aulas de
História do Ensino Médio, tomando como referência a voz dos professores e alunos do
CE liceu Maranhense, escola campo de nossa pesquisa por meio da aplicação de
questionários cujas questões investigaram sobre o ENEM e o ensino de História local.
1BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. p. 50.
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O fato de ser preenchido pelo próprio pesquisado, sem a
presença do pesquisador, garante o anonimato muitas vezes
necessário. O anonimato contribui para que o pesquisado se
sinta mais seguro e, consequentemente favorece respostas mais
verdadeiras2.
Esta temática nos interessou mais ainda pela expectativa de identificar o
direcionamento dado pelos documentos oficiais que regulamentam a educação básica,
especificamente a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), as DCNEM (Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio) e, principalmente, o ENEM que é um
mecanismo de avaliação que interfere diretamente no cotidiano escolar do Ensino
Médio, portanto o privilegiamos também como alvo de nossa abordagem.
Importante, observar a compreensão de como o ENEM trouxe implicações
pedagógicas no campo do currículo para o Ensino Médio, orientando a seleção e
ordenamento dos conteúdos. Nossa hipótese é de que a implantação do Exame Nacional
de Ensino Médio - ENEM - reforçou a minimização dos conteúdos de História local nas
aulas do Ensino Médio. Por isso, a importância de uma análise mais detida sobre as
prerrogativas do Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM - e seus os efeitos na
minimização dos conteúdos de História local, no Ensino de História do Maranhão.
Diante do protagonismo do ENEM e suas fortes implicações no cotidiano da
sala de aula, direcionando os conteúdos a serem abordados e interferindo na prática
pedagógica do professor, ressaltamos algumas preocupações dentre as quais, a
minimização dos conteúdos de Historia do Maranhão no currículo escolar. A adesão das
universidades públicas federais ao Exame Nacional de Ensino Médio contribuiu de certa
forma para que o ensino de História local deixasse de fazer parte dos interesses dos
alunos e sua presença nos planos anuais das instituições escolares públicas fosse restrita
a temas vinculados ao contexto nacional como exige o referido exame. Com isso,
acredita-se que os conteúdos abordados nos livros didáticos, geralmente História Geral e
do Brasil, satisfazem as necessidades dos alunos no que tange ao componente curricular.
2FACHIN, Odília. Fundamentos de Metodologia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.p.151.
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Nessa lógica, desconsideram a importância da História local como campo
essencial para a compreensão da realidade em que os discentes estão inseridos.
De acordo com os PCN’S, as escolhas do que ensinar são provenientes de
fatores inerentes a realidade social do aluno, não exclusivamente das mudanças
historiográficas. A construção da noção de identidade faz parte do objetivo do ensino de
História. Portanto, estabelecer uma relação entre o particular e o geral, no que tange ao
indivíduo é essencial. Priorizar sua localidade e sua cultura permite identificar as
diferenças e ao mesmo tempo a compreensão do outro3.
2. O ENEM E A REORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO
O Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), como uma política
educacional reorganizou a base curricular do Ensino médio no Brasil, dando a este
maior visibilidade. As bases legais que o instituíram como mecanismo de avaliação
contribuíram para um replanejamento das propostas pedagógicas direcionadas ao ensino
médio, promovendo inovações introduzidas no processo educativo. Porém, é necessário
compreender as bases histórica da educação brasileira sobre as quais está assentado o
processo de (re)organização do ensino médio no Brasil (re)conhecendo-se as legislações
e as políticas públicas que definiram sua identidade integradora na atualidade.
Criado pela portaria nº 438, de 28 de maio de 1998, o ENEM já tinha suas
bases lançadas desde 1996, pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que na ocasião
estabeleceu as chamadas competências e habilidades como matrizes de referência para o
exame. A proposta do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira) instituição responsável pela normatização e execução do mesmo, era
de início elaborar um modelo de avaliação para aferir o rendimento dos alunos do
ensino médio, a partir dos conteúdos adquiridos nesse período.
3 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação e Tecnológica. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999. p. 41-55.
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O exame promoveria o reconhecimento das possíveis falhas no currículo
dessa fase escolar dos estudantes e indicaria os caminhos para as mudanças previstas
para melhorar a qualidade da educação no país, desde então. A Portaria MEC nº 438,
definia enquanto objetivo do ENEM, o de proporcionar uma avaliação de desempenho
dos alunos, ao término de sua escolaridade básica, obedecendo a uma estrutura de
competências associadas aos conteúdos disciplinares, apreendidos na escola pelos
estudantes. Em seu Artigo 5º, a portaria estabelece ainda,
A participação no ENEM é voluntária, circunscrita aos egressos do ensino médio em qualquer um de seus cursos,
independentemente de quando o concluíram, e aos concluintes da
última série do ensino médio, também em qualquer uma das suas modalidades, podendo o interessado participar do exame quantas
vezes considerar de sua conveniência4.
Em 1998 a não obrigatoriedade do exame, e o fato de sua proposta ainda
não contemplar a ideia de seleção que proporcionasse uma porta de acesso para o
mercado de trabalho ou para complementação dos estudos nas universidades públicas,
como viria a acontecer posteriormente, talvez por isso a adesão dos estudantes tenha
sido mais restrita, como demonstra a participação na primeira edição realizada em 1998.
Foram 157,2 mil inscritos e 115,6 participantes de acordo com o INEP na comparação
com os anos seguintes, pode-se constatar um aumento significativo5. Naquele momento
o ENEM, era visto como uma avaliação de referência individual, que permitia ao
examinando verificar seu desempenho em relação aos outros participantes através de
um boletim individual divulgado após correção das provas no site do INEP.
O ENEM ocupou o lugar dos principais vestibulares do país, e passou a
orientar as propostas curriculares definindo os conteúdos abordados nas salas de aula,
assim entende-se nesta investigação que a exigência das diretrizes que amparam o
4BRASIL. Portaria MEC Nº 438, de 28 de maio de 1998. Institui o Exame Nacional do Ensino Médio
ENEM. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério da Educação, Brasília, DF, 1
jun. 1998. Seção 1, p. 5. 5BRASIL. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): Relatório pedagógico 2002. Brasília:
MEC/INEP, 2002.
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exame, interfere diretamente na possibilidade de lograr êxito quanto a parte
diversificada, haja vista que fatores como a carga horária, o despreparo dos professores
e quiçá o desinteresse dos alunos por conteúdos que não são contemplados pelo ENEM,
geram um descompasso na aplicação da letra da lei da LDB, que prevê uma parte
diversificada para o currículo, mas no entanto deixa-a de fora do exame que averigua a
qualidade do Ensino Médio.
Em 2009, as mudanças implantadas deram origem ao novo ENEM, através
da portaria nº109 de 27 de maio deste mesmo ano. Nessa reformulação, o número de
questões aumentou de 63 para 180, o MEC incluiu o método da seleção unificada, onde
as universidades públicas federais aderiam ao projeto usando as notas do exame como
porta de acesso aos cursos de graduação. O MEC acenava para a possibilidade de
locomoção dos estudantes pelo território nacional, pois a medida previa que o mesmo
utilizasse sua nota na instituição desejada independente da região. De acordo com o
MEC, mesmo que o vestibular tradicional desempenhe de maneira satisfatória a função
de selecionar os candidatos mais preparados para cada um dos cursos, dentre os que se
inscreveram, ele traz implícitos inconvenientes, por exemplo, a descentralização dos
processos seletivos, que acaba limitando o pleito e favorecendo os candidatos com
maior poder aquisitivo, capazes de diversificar suas alternativas na disputa por uma das
vagas oferecidas6.
Nessa nova versão, o MEC disponibilizou uma lista de conteúdos, o que foi
denominado de objetos de conhecimentos presentes na matriz de referência, estes
seriam, portanto os conteúdos possíveis de serem exigidos pelo exame. A proposta
inicial do MEC era que estes conteúdos fossem elaborados em parceria com as
instituições. O documento diz que, a inovação seria uma avaliação estruturada a partir
de uma matriz de habilidades e um conjunto de conteúdos integrados a elas. Esta
estrutura traria para perto do exame das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos
6BRASIL. Portaria MEC Nº 109 de 27 de maio de 2009. Institui Dispõe sobre Alterações da Portaria
438/98. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério da Educação, Brasília, DF, 1
out. 2009. Seção 3, p. 49.
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currículos exercidos nos colégios, contudo sem abdicar o padrão de prova situado nas
competências e habilidades7.
Desse modo, o ENEM, acabou por determinar os conteúdos a serem
trabalhados nas salas de aula. Em meio a isso, as escolas organizaram seus currículos e
os alunos direcionam seus interesses nesse sentido, visando à aprovação. Os conteúdos
de história local que não estão inseridos nos contextos abordados, ou que não estão
presentes nos livros didáticos parecem não ter mais significado. O Exame é um modelo
de avaliação que prima por uma história nacional em detrimento das especificidades
locais e regionais. Mediante as características regionais do nosso país, um exame com
essas características remete algumas discussões, considerando as diversas realidades
brasileiras do norte ao sul. As particularidades e problemas, experiências em todos os
grupos de pais, professores e alunos sugerem aparências bastante diversas, demandando
estudos e comprometimento, na finalidade de gerar, a médio e longo prazo equiparação
de rendimentos, partindo de um trabalho formativo e cooperativo em grandes
proporções8.
O ENEM endossa as políticas de financiamento mediante os resultados de
desempenho dos examinados, o governo federal tem nele um instrumento que permite
aferir a realidade educacional de todo o país e diagnosticar o fosso entre a rede
particular e pública de ensino. O monitoramento da educação a partir desses
instrumentos de avaliação perpassa pela imposição de instituições financeiras como o
Banco Mundial que tem seus alicerces capitalistas e precisam, portanto ajustar todos os
setores incluindo o educacional aos moldes dos organismos internacionais. Assim o
ENEM além de direcionar os conteúdos, o acesso às universidades também insere a
educação na cadeia financeira. E limita as especificidades regionais de uma participação
mais concreta.
7BRASIL. Ministério da Educação. Matriz de Referência para o ENEM. Brasília: MEC/INEP, 2009. 8FAMBRINI, V. O impacto do ENEM no processo seletivo da PUC. São Paulo: Faculdade de
Educação, PUC-SP, 2002. Dissertação de Mestrado em Educação, Faculdade de Educação PUC-SP,
2002.
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3. O LUGAR DA HISTÓRIA LOCAL NO ENSINO DE HISTÓRIA
A partir do século XX, a história política deixa de ser determinante, na visão
dos historiadores ligados a Escola dos Annales, que por sua vez defendem que a tarefa
das ciências humanas é explicar o social, “no lugar da história política ou do Estado, de
alguns indivíduos ou das elites, ao invés da historia narrativa e factual, linear e detentora
da verdade, eles queriam estudar a sociedade, os grupos sociais”9.
Epistemologicamente, as correntes contemporâneas, se harmonizaram com o ambiente
intelectual e político que inspiravam um desejo de fazer a revolução historiográfica,
encerrando com o reinado da historia política e arcando com os custos da renovação,
onde os povos e a sociedade seriam os protagonistas. Aproximar a historia das outras
áreas do conhecimento passou a ser uma preocupação dos historiadores que distribuíram
seus interesses, desejosos de ir ao fundo das coisas e de captar os fenômenos registrados
numa longa duração.
As novas perspectivas históricas que condenaram a historia política
tradicional, passaram a incorporar alguns termos e conceitos, no sentido de justificar
uma possível decadência ou mesmo uma omissão em relação ao político. “A isso se
segue uma exigência metodológica mínima: a obrigação de compreender os conflitos
sociais e políticos do passado por meio das delimitações conceituais e da interpretação
dos usos da linguagem feitos pelos contemporâneos de então”.10
O lugar secundário que
a historia política assumiu teve com a segunda geração dos Annales uma abordagem
centrada no tempo curto, constatou-se, portanto, a necessidade de agregar novos
argumentos teóricos e empíricos para fortalecer as exigências das múltiplas histórias, de
uma historiografia que se convencionou chamar de “nova história”. Noutro patamar de
observação, pretendeu- se redefinir o político a partir da noção de social e
representação. Constituem objeto da historia social a busca das gêneses das sociedades
9LARA, Silvia Hunold. A herança dos Annales: o princípio e seus discípulos. Porto Alegre: Editora da
UFRGS. 2000, p. 235-245. 10KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2006. p. 103.
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ou as estruturas constitucionais, de tal modo como as relações entre grupos, camadas e
classes; a história social investiga as conjunturas nas quais ocorreram determinados
eventos, focando nas estruturas históricas de médio e longo prazo11
.
Enquanto campo de pesquisa a historia local ocupa o interesse dos
historiadores a partir das décadas de 1960 e 1970, quando a instancia cultural passou a
ser uma preocupação, de repente valores e atitudes passaram a significar uma
possibilidade de compreensão da realidade. “A História Local traz uma maneira
bastante complexa de pensar e fazer a Historia, em termos de aprendizagens e
concepções, colocando em destaque a perspectiva da diversidade e pluralidade das
identidades”12
. Nessa perspectiva consubstanciamos mais uma vez a História Local
como uma produção historiográfica reconhecida entre as novas formas de escrita, pois a
mesma ao aproximar-se de historicidades culturais que dar voz as especificidades
convertem-se em conhecimento histórico. Em face do exposto, a teoria da historia é
desafiada por novas questões e mudanças sociais e culturais que renovam as construções
teóricas e reforçam a cientificidade das narrativas contemporâneas.
O encontro dos historiadores com a questão regional coincide com o período
em que o conceito de “região” advém por intensas alterações, propostas especialmente
pelos geógrafos. Muitos geógrafos têm deixado a antiga e difundida utilização
determinista do conceito como sinônimo de “região natural”, ou seja, de um conjunto
relativamente homogêneo de dados naturais como clima, relevo, vegetação, hidrografia
etc, cuja influência se amontoar-se a ação do homem e até mesmo a determina13
. O
termo “região” é definido pelos geógrafos críticos como a categoria espacial que
expressa uma especificidade, uma singularidade dentro de uma totalidade, assim a
região configura um espaço particular dentro de uma determinada organização social
mais ampla, com a qual se articula.14
Essa concepção inova ao conferir uma
11KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2006. p. 103. 12SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria
F.C.GASPARELLLO, Arlette Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Ed. Maud X,
2007. p.190.
13 AMADO, Janaína. História Regional e Local. In: ___. República em Migalhas. São Paulo: Marco Zero, 1990. p.8.
14 AMADO, Janaína. História Regional e Local. In: ___. República em Migalhas. São Paulo: Marco Zero, 1990.
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possibilidade de análise mais enriquecedora à medida que alia a questão geográfica um
pouco de historicidade. O que pretendemos demonstrar é que o conceito de região
legitima as diferenças e a diversidade que existem na organização espacial brasileira,
nos ajudando a compreender os aspectos políticos, sociais, econômicos, históricos e
ideológicos que interferem nessa configuração e propiciam uma historiografia regional.
O regionalismo é visto como um elemento da nacionalidade brasileira. [...]
As regiões, no Brasil, se definiram, então, por histórias deferentes.15
Estaria na
historiografia regional à possibilidade de aglutinar as especificidades de um
determinado lugar, desmistificando a ideia de homogeneidade elaborada pelo Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro, que ao reproduzir o modelo de civilização europeia
transforma a história regional e local em mera complementação da historia nacional. “É
privilegiada a perspectiva de considerar as regiões não nas suas especificidades,
descartando com isso a polêmica do regionalismo, mas na sua intrínseca organicidade
ao conjunto nacional” 16
.
A incorporação desses novos elementos na historiografia, nos remete a
debater também nessa pesquisa sobre a História enquanto disciplina, repensando o fazer
docente a partir de novos patamares.
Abriu-se uma perspectiva com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional lei N° 9394/96, de valorização do ensino regional, a saber:
Art.26 - Os currículos do ensino fundamental e médio
devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada
sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e da clientela. 17
Dessa forma o ensino de Historia do Maranhão, contempla os interesses
pedagógicos e curriculares dessa nova conjuntura educacional comprometida com a
1990,p.8.
15 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 2009. Ed. Cortez, p.75.
16GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história
nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 23-24. 1988.
17BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília-DF: Casa Civil, 1996. p. 14-15.
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ideia de “base nacional comum” exigida pelo novo modelo de acesso à universidade
publica o ENEM. Haja vista que este por sua vez, contribui para a definição dos
conteúdos a serem abordados nas escolas de ensino médio de todo o país.
O ensino de História e as mudanças pelas quais a disciplina tem passado e o
contexto em que ela se encontra hoje, com o intuito de compreender a incorporação do
estudo de História do Maranhão no currículo das escolas do ensino médio, como
também a pratica do docente pra tornar esse conteúdo, interesse do aluno. O palco de
investigação que estamos titulando de “ensino de História” tem como núcleo inicial a
metodologia do ensino da Historia, porém ampliou-se expressivamente nas últimas
décadas, englobando primeiramente as questões relacionadas com o “como” ensinar,
passando pela discussão sobre os conteúdos (o que ensinar) e objetivos (para quem, a
serviço de quem e por que ensinar) chegando a busca sobre a aprendizagem histórica
como fenômeno social, capaz de assinalar elementos para a compreensão da
atualidade18
.
Dito de outra forma o ensino da história local é uma perspectiva
metodológica que possibilita ao aluno indagar-se sobre o mundo da qual faz parte,
colocando as especificidades em conexão com o espaço nacional.19
Algumas
possibilidades de trabalho com a história local encontram respaldo na teoria de Jorn
Russen, cuja concepção sobre a consciência histórica relacionada a relevância das
experiências individuais e coletivas se aprimoram constituindo identidade ao sujeito20
.
A articulação entre a história universal, nacional e local recria possibilidades
de envolvimento dos alunos nas aulas de História, pois demanda o reconhecimento da
heterogeneidade e distinção das particularidades que permeiam a compreensão das
raízes históricas que aproximam os sujeitos sociais. As diversas metodologias que o
18CERRI, Luís Fernando (Org). Ensino de História e educação: olhares em convergência. Ponta Grossa. Paraná: Ed. UEPG, 2007.
19 SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de história local e os desafios da formação da consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria
F.C.GASPARELLLO, Arlette Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Ed. Maud X,
2007.
20Ibid.
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trabalho com a história local desperta coloca o aluno na condição de protagonista da sua
historicidade, colocando o de frente com seu objeto de estudo, propiciando experiências
que despertam indagações e permite descobertas que constituem sentido ao fazer
pedagógico nas aulas de História.
A riqueza das fontes no trabalho com o local diversifica e amplia as
possibilidades de aprendizagens, ademais propõe um ”aprender a aprender”21
que vai
além dos livros didáticos e vincula o aluno ao espaço social em que vive. Levando em
conta os desafios de ensinar História hoje para essa juventude irrequieta e cheia de
informações, considerando ainda as diversas realidades da sala de aula, percebemos
como é urgente redefinir o conhecimento histórico que chega até eles. Acreditamos que
o ensino da História do Maranhão com metodologias que incitam a participação abre
novas perspectivas para o Ensino de História. O perfil do aluno hoje aumenta o desafio
do professor, principalmente o de História que precisa desconstruir sua relação com as
narrativas factuais, que tornam a disciplina coadjuvante na formação do aluno. “Trata-se
de gerações que vivem o presenteísmo de forma intensa, sem perceber liames com o
passado e que possuem vagas perspectivas em relação ao futuro pelas necessidades
impostas pela sociedade de consumo que transforma tudo, incluindo o saber escolar em
mercadoria” 22
.
Diante dessa argumentação, com a qual concordamos atribui-se História o
papel de estimular posturas críticas, daí a necessidade de aulas que dialoguem com a
pluralidade de saberes e potencialize praticas pedagógicas inovadoras ligadas ao aparato
tecnológico que intensifica o conhecimento do mundo e de si mesmo.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Essa investigação envolveu o debate sobre o ENEM e o ensino de História,
com o intuito de encontrar o lugar da História Local no ensino médio, em meio às
21 UNESCO. Relatório da reunião Educação para o Século XXI. 1999. 22BITTENCOURT. Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In: ___. (Org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed.
São Paulo: Contexto, 1998. p. 14.
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especificidades que envolvem a relação do ENEM enquanto política de avaliação que
definiu as normas de orientação do trabalho na sala de aula com a minimização dos
conteúdos de história local pela disciplina história no nível médio de ensino. Com a
expectativa de confirmar nossa inquietude buscamos conhecer a priori o ENEM a partir
da portaria 438/98 que institucionalizou o exame e seus principais pressupostos
enquanto instrumento avaliativo que teve seu nascedouro em meio às políticas
neoliberais da década de 1990.
Nesse âmbito o exame tornaria um mecanismo para diagnosticar os
problemas do ensino médio a partir da avaliação dos egressos da educação básica e
medir a qualidade do ensino ofertado nas escolas. A análise da portaria 438/98 nos
permitiu conhecer a estruturação do exame pautada nas competências e habilidades e
em perfeita sintonia com os documentos oficiais que regem a educação – a LDB, as
DCNEM e os PCN`s, bem como a observação das mudanças ocorridas ao longo de sua
implantação, entre elas a reformulação de 2009, que inclusive repercutiu no cenário
brasileiro caracterizando o exame como um modelo novo agora reconhecido como
Novo ENEM, que dentre as novidades implantou uma matriz de referência que lista os
conteúdos nomeados de objetos de conhecimento e associados as suas respectivas
competências e habilidades que fazem parte das áreas de conhecimento.
No conjunto dos estudos realizados nos deparamos ainda com a necessidade
de discutirmos nosso objeto de estudo- a História Local, (definida por nós como lugar
cuja singularidade aproxima o aluno da sua historicidade, a História do Maranhão) e sua
relação com o ensino de História, em meio às mudanças historiográficas que permitiram
a escrita da história avançar rumo às novas perspectivas do saber histórico.
A diversidade de abordagens na historiografia contemporânea permitiu a
ampliação do campo de atuação do historiador, com a incorporação de novas fontes e
novos objetos de estudo. A história local, por exemplo, apresenta novas perspectivas
que rompe com a ideia de nação, concepção criada pelo Estado moderno e amparada
aqui no Brasil pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que conforme
MARTINS (2013, p.137) alcançou significativa uniformidade dos comportamentos das
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pessoas no interior de seus territórios. A nação homogênea ignorava as especificidades
locais.
REFERÊNCIAS
AMADO, Janaína. História Regional e Local. In: ___. República em Migalhas. São
Paulo: Marco Zero, 1990.
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 2009. Ed.
Cortez, p.75.
BITTENCOURT. Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de
História. In: ___. (Org.). O saber histórico na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Contexto,
1998. p. 14.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo:
Cortez, 2004. p. 50.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999. p. 41-55.
BRASIL. Portaria MEC Nº 438, de 28 de maio de 1998. Institui o Exame Nacional do
Ensino Médio ENEM. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério
da Educação, Brasília, DF, 1 jun. 1998. Seção 1, p. 5.
BRASIL. Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): Relatório pedagógico 2002.
Brasília: MEC/INEP, 2002.
BRASIL. Portaria MEC Nº 109 de 27 de maio de 2009. Institui Dispõe sobre Alterações
da Portaria 438/98. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Ministério da
Educação, Brasília, DF, 1 out. 2009. Seção 3, p. 49.
BRASIL. Ministério da Educação. Matriz de Referência para o ENEM. Brasília:
MEC/INEP, 2009.
CERRI, Luís Fernando (Org). Ensino de História e educação: olhares em
convergência. Ponta Grossa. Paraná: Ed. UEPG, 2007.
FACHIN, Odília. Fundamentos de Metodologia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
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FAMBRINI, V. O impacto do ENEM no processo seletivo da PUC. São Paulo:
Faculdade de Educação, PUC-SP, 2002. Dissertação de Mestrado em Educação,
Faculdade de Educação PUC-SP, 2002.
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 23-24. 1988.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 103.
LARA, Silvia Hunold. A herança dos Annales: o princípio e seus discípulos. Porto
Alegre: Editora da UFRGS. 2000, p. 235-245.
MARTINS, Marcos Lobato, História Regional, In: PINSKY, Carla Bassanezi ( Org).
Novos temas nas aulas de História, 2ª ed, São Paulo: Contexto, 2013.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. O ensino de história local e os desafios da formação da
consciência histórica. In: MONTEIRO, Ana Maria F.C.GASPARELLLO, Arlette
Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: Sujeitos, saberes e
práticas. Rio de Janeiro: Ed. Maud X, 2007.
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A HISTÓRIA DO MARANHÃO NO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO
(1996 – 2016)
Márcio Henrique Baima Gomes1
1. O CURRÍCULO ESCOLAR
Nesta seção, pretende-se abordar as relações entre o currículo e o ensino de
História levando-se em consideração que o currículo é um artefato social e histórico e
como tal tem influência sobre o ensino da disciplina de História.
1.1 Currículo: conceito e implicações para o ensino de História
Etimologicamente, a noção básica do termo currículo é de origem latina,
Scurrere, correr, que se refere a curso (ou carro de corrida) (GOODSON, 1995).
Designa também, o que deve ser aprendido e ensino em determinada instituição de
ensino, conteúdos e programas previamente definidos. Consideramos esse entendimento
inicial importante para a discussão. Mas é bom lembrar que a noção de currículo vai
muito mais além e não se esgota em hipótese alguma na etimologia uma, vez que
somente o significado não abrange outras questões (históricas, sociais, culturais, etc.)
que permeiam o currículo.
Ampliando a definição, consideramos também que o currículo pode ser
entendido como:
[...] a seleção dos conhecimentos historicamente acumulados, considerados
relevantes e pertinentes em um dado contexto histórico, e definido tanto por
base o projeto de sociedade e formação humana que a ele se articula; se
expressa por meio de uma proposta pela qual se explicitam as intenções da formação, e se concretiza por meio das práticas escolares com vistas a dar
materialidade a essa proposta. (BRASIL, 2013, p. 179, grifo nosso).
Segundo a citação acima, o currículo deve contemplar os anseios de
formação da sociedade por meio do conhecimento selecionado e disposto no próprio
1 Aluno do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – PPGEHN-UEMA.
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currículo, para se efetivar no cotidiano das práticas escolares dos respectivos sistemas
de ensino, resultado também dos contextos históricos e sociais específicos.
É de suma importância, ao iniciarmos uma discussão sobre o currículo,
levarmos em conta que o mesmo é entendido aqui como um construto social e histórico,
marcado por intencionalidades, objetivos e interesses sociais, políticos e ideológicos. Na
condição de construto social, o currículo escolar existe para atender a certos objetivos
humanos de natureza específica, principalmente voltado para a área da organização do
conhecimento (GOODSON, 1997). Sendo assim, o currículo deve ser cuidadosamente
analisado levando em consideração as forças históricas, sociais, econômicas, culturais,
ideológicas e políticas que o produz e o concretiza no interior da sociedade.
Encarado dessa forma, o currículo não pode ser entendido como instrumento
de formação neutro, ou seja, desprovido de um sentido maior, uma vez que o mesmo
extrapola o âmbito do escrito/técnico em suas diretrizes e normas para o ensino. É
também um produto da cultura onde se institucionaliza e serve de referência para a
organização do ensino e, por conseguinte, do tipo de sociedade que se pretende
construir, nos mais diversos níveis.
O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada de conhecimento social. O currículo está implicado em
relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares. O
currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo
não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história,
vinculada as formas especificas e contingentes de organização da sociedade e
da educação. (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 8).
O currículo2 implica, portanto, em um processo de intenções e seleções que
demarca, em um determinado contexto histórico os anseios de formação da sociedade,
que tem como vetor inicial de grande alcance as relações de ensino-aprendizagem dos
2 Segundo Goodson (1997) a existência do currículo escrito serve de fonte para o entendimento de toda
estrutura institucionalizada de escolarização existente. Portanto, ao se investigar a natureza e o propósito
dos currículos escolares podemos vislumbrar as expectativas de formação da sociedade que se
concretizam nos sistemas de ensino. Podemos considerar também que da forma como a sociedade
seleciona, transmite e avalia o conhecimento nos seus mais diversos níveis educacionais, se reflete as
tensões e disputas de classe no meio social/educacional.
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sistemas escolares. Dessa forma, as relações de ensino estão completamente permeadas
pela intencionalidade dos currículos que são estabelecidos como normas a serem
seguidas nos respectivos sistemas de ensino, determinando a prática docente e seu
reflexo sobre as disciplinas e conteúdos escolares inseridos e que deverão ser
trabalhados nas salas de aulas ou em outros espaços de formação.
Com o currículo assim concebido é possível verificar com clareza as implicações sociais da escolarização e do conhecimento promovidos pela
escola. Consequentemente tudo que os alunos e alunas aprendem mediante
um modelo de ensino e aprendizagem específico, é determinado por variáveis
sociais, políticas e culturais que interagem em um determinado espaço
geográfico e em um particular momento histórico. (SANTOMÉ, 1998 apud
MARTINS, 2014, p. 42).
Tomando como base a citação anterior, podemos observar que na prática
nem sempre o que é aprendido na escola se relaciona com a vida cotidiana dos
educandos uma vez que o currículo pode ser distorcido ou não adaptado a realidade
social e cultural da clientela a qual o mesmo se destina.
As estruturas das disciplinas (carga horária, dias letivos) que conhecemos na
atualidade emergem da legislação educacional vigente e da organização e inserção
curricular, própria de cada sistema de ensino, que por sua vez devem atender a
determinadas demandas políticas, sociais, econômicas e culturais.
As disciplinas que integram o currículo escolar são influenciadas por uma
série disputas, e não estão livres, assim como o currículo, de sofrerem mudanças. É bom
lembrar que o modelo de educação e currículo brasileiro se encontra amparado em
legislação e referenciais válidos em todo país. Mais adiante trataremos de explicar
melhor a fundamentação legal do currículo segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional / LDB, Lei 9.934/1996, e sob a ótica das Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica3 , dando atenção especial a disciplina de
História.
Na transição do século XX para o XXI, inúmeras foram as mudanças que
romperam com modelos que eram tidos como inabaláveis. Globalização, revolução
3 Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010.
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digital e novas mídias, velocidade da comunicação eliminação de barreias culturais,
pressionou os sistemas escolares a adotarem uma nova proposta para a educação.
Consequentemente, essas demandas educacionais implicariam em alterações
curriculares. Dessa forma, é necessário imprimir um ritmo de desenvolvimento
educacional que possa ser assimilado pela maioria, e contemple os anseios de formação
e identidade histórica da sociedade. A nível regional, o ensino de História do Maranhão
no Ensino Médio poderia contribuir para a formação de uma identidade histórica, capaz
de reforçar a noção de pertencimento e valorização da cultura maranhense. Vivenciamos
esse embate entre a História Integrada (com conteúdos da História Geral e da História
do Brasil) e a História do Maranhão (mencionada em alguns poucos conteúdos da
História do Brasil).
As escolas são ao mesmo tempo, espaços de reflexão e tensões em
decorrência dos desafios que as mesmas enfrentam com a emergência de novos
paradigmas na sociedade do terceiro milênio, sem deixar de mencionar é claro, as
profundas desigualdades sociais que se refletem no sistema escolar.
Nesse sentido, é importante repensarmos o papel do currículo escolar, uma
vez que, como construto social e histórico, é resultado das transformações que irão
construí-lo e reconstruí-lo durante o seu processo de elaboração e legitimação nos
sistemas que o adotam, o que por sua vez estão permeados por novas
[...] formas de socialização, novos processos de produção e até mesmo novas definições de identidade individual e coletiva. Diante desse mundo
globalizado, que apresenta múltiplos desafios para o homem, a educação
surge como uma utopia necessária e indispensável. O fundamental é que os
alunos se apropriem de competências básicas que lhes permitam desenvolver
a capacidade de continuar aprendendo. (CIAMPI, 2010, p. 2).
A concepção de currículo a ser adotado pelos sistemas de ensino leva em
conta, de uma maneira lógica e também sociocultural, as mudanças e exigências do
novo contexto histórico que surge, alterando os padrões educacionais existentes.
Como exemplo, podemos considerar segundo Ciampi (2010, p. 11), que
com as transformações ocorridas na transição do século XX para o XXI no campo das
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tecnologias de informação, “a natureza do saber” se alterou, uma vez que o processo de
produção da sociedade capitalista também passa para outro estágio de desenvolvimento.
Para Young (1989 apud MENEZES; SANTIAGO, 2014, p. 48) as questões
relativas ao currículo precisam ser analisadas levando-se em conta o contexto social,
histórico e econômico em que a constituição do mesmo está situada, para possibilitar a
compreensão das relações de poder que marcam a sua elaboração.
Daí então, um currículo que por sua vez venha a se basear na noção de
competência4, por exemplo, imbuído de uma forte influência do novo momento do
sistema de produção capitalista, cujo objetivo seria formar indivíduos que se integrem
ao mercado, onde o saber deixa de ser formativo para ser útil ao sistema produtivo. O
saber deixa de ser a fonte de onde se retira os indivíduos da ignorância e passa a ser um
instrumento para potencializar a mão de obra no processo de produção capitalista.
“Nesse sentido, constata-se que a racionalidade técnica se opõe à visão humanista, à
visão crítica e aos movimentos de emancipação; que o caráter efêmero das
competências faz obstáculo à perspectiva universalista dos saberes.” (VALLE, 2014, p.
83). Assim, o ensino desempenha um papel importante nesse processo de reordenação
do saber propagado nas escolas.
O ensino desempenha aqui um papel de destaque: assegura e atualiza as
competências e as qualificações dos trabalhadores, o que é essencial quando
se deseja dispor de uma mão de obra capaz de adaptar-se às mudanças
contínuas que resultam do progresso da tecnologia. Essa superabundância de informações nas sociedades pós-modernas, nas quais as mídias são
onipresentes, coloca novos problemas para a escola, que não é mais a
principal fonte de informação. (RAJOBAC; ROMANI, 2011, p. 14 - 15).
Com o exemplo acima, é possível determinar que o currículo, dando vazão
ao processo de ensino, não se resume a uma lista escrita de normas técnicas, conteúdos
4 Segundo Ciampi (2010, p. 6, grifo do autor), o conceito de competência, pode ser entendido como a
capacidade de agir de forma eficaz em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas
sem limitar-se a eles. Para enfrentarmos uma situação, colocamos em ação vários recursos cognitivos,
entre os quais os conhecimentos. As competências não são, em si mesmas, conhecimentos. “Elas utilizam,
integram, ou mobilizam os conhecimentos”. As competências são, para Perrenoud (1999, p. 8, grifo do
autor) “[...] complexas operações mentais cuja orquestração só pode construir-se ao vivo, em função tanto
do seu saber e de sua perícia quanto de sua visão da situação.”
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e procedimentos. O currículo expressa as intencionalidades de determinados grupos ou
setores (políticos e econômicos) da sociedade. Não há neutralidade na constituição dos
currículos escolares. E dependendo de quem os elabora, os reflexos no ensino e
desenvolvimento das disciplinas podem ser positivos ou negativos, podem aprisionar o
indivíduo/educando ou libertá-lo intelectualmente. Consideramos também que por meio
da educação escolar, grupos dominantes podem exercer sua influência e controle de
forma dissimulada, interferindo na programação curricular. “Quem desconfiaria que as
escolas e os professores podem estar a serviço da dominação econômica?” (MELÔNIO,
2012, p. 109).
É certo também que os currículos dos sistemas de ensino nem sempre são
aceitos de forma passiva pelos agentes educacionais, “[...] esse conhecimento não é
mais percebido como algo estático, como um conjunto de informações e materiais
inertes, para ser absorvido passivamente.” (MOREIRA; SILVA, 1994 apud
GASPARELLO, 2004, p. 87).
Existem constantes disputas e tensões permeiam a institucionalização de um
currículo em um sistema escolar. As relações entre o conhecimento posto pelo currículo
e os agentes que viabilizam ou materializam o mesmo por meio das práticas
pedagógicas são dinâmicas e também ambíguas. E na luta pela construção de um
currículo crítico-emancipatório5 é que nos deparamos com essa dinamicidade e as
contradições no campo da construção e legitimação do currículo escolar. “As dimensões
curriculares ora se aproximam, se mantêm, ora se distanciam, ora se contrapõem num
movimento real, dinâmico, dialético, logo, histórico.” (SILVA; FONSECA, 2010, p.
25).
5 Paulo Freire foi um dos grandes pensadores da educação brasileira a propor uma alternativa ao currículo
técnico, padronizado, mecânico. Suas ideias deram fundamento ao paradigma curricular de
racionalidade crítico-emancipatória. Inicialmente, Paulo Freire critica a chamada “educação bancária”,
que se assentava nas teorias tradicionais do currículo, entendido nessa concepção como instrumento
técnico e acrítico, se distanciando da realidade social dos educandos. Ao criticar esse modelo de
educação, Freire nos mostra que “[...] o currículo padrão, o currículo de transferência é uma forma
mecânica e autoritária de pensar sobre como organizar um programa, que implica, acima de tudo, numa
tremenda falta de confiança na criatividade dos estudantes e na capacidade dos professores!” (FREIRE;
SHOR, 2008 apud MENEZES; SANTIAGO, 2014, p. 50).
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A tensão entre grupos divergentes na construção do currículo escolar é
colocada pela argumentação de Freire (1980), onde o mesmo reconhece que a educação
com uma proposta de currículo crítico-emancipatório, que se opõe ao currículo
tradicional, mecânico e acrítico, deve ter como principal objetivo a transformação do
homem em sujeito crítico, capaz de transformar a realidade em que se encontra inserido.
Nessa perspectiva, “[...] é preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus
programas e em seus métodos [...]” (FREIRE, 1980, p. 39) – adaptada para este fim
maior.
A defesa de um currículo crítico-emancipatório serve como base para
repensar as práticas de ensino nas escolas, com o reflexo sobre as disciplinas e seus
respectivos conteúdos, uma vez que é a partir da matriz curricular que encontramos o
que ensinar em cada disciplina, quais conteúdos devem ser abordados ou não. A
exemplo, podemos mencionar o que ocorre com as Diretrizes Curriculares da Rede
Estadual de Ensino, implementada a partir de 2013. Os conteúdos de História do
Maranhão praticamente não são mencionados na matriz curricular por disciplina que é
apresentada nesse documento. Questiona-se então o potencial crítico de um currículo
que não propõe a discussão e o ensino da história do seu povo, não resguardando o
lugar da História do Maranhão.
Em relação aos livros didáticos de História que são distribuídos pelo
Programa Nacional do Livro Didático – PNLD6 aos alunos das escolas públicas no
Brasil, a maioria segue a linha da História Integrada7 que, utilizando o critério temporal
e linear de base eurocêntrica, articula, quando possível, a História do Brasil, da América
e da África (SILVA;FONSECA,2010). Nesse caso, a supressão ou o silenciamento de
6 O PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) tem como finalidade melhorar a qualidade dos livros
didáticos que são distribuídos pelo governo federal para as escolas públicas. Após um processo de
avaliação, os livros e as coleções didáticas recebem conceitos diferenciados, e, em alguns casos, são
excluídas do processo de compra pelo Estado. Por razões diversas, os professores das escolas continuam
interferindo pouco no processo de indicação e compra dos livros, que continua favorecendo a utilização
das coleções didáticas das editoras com maior poder de influência no mercado.
Segundo o Guia de Livros Didáticos PNLD 2011 – História, anos finais do ensino fundamental,
entende-se por livros de História Integrada, as coleções cujo agrupamento pauta-se pela evocação da
cronologia de base europeia, integrando-a quando possível, a abordagem de temas relativos a História
brasileira, africana e americana.
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conteúdos regionais, como a História do Maranhão é quase certa na maioria das
coleções de História Integrada.
Cabe então aos docentes da disciplina de História refletirem sobre os
mecanismos de elaboração dos materiais didáticos sobre a égide do currículo oficial
para que não se reproduzam modelos e discursos hegemônicos/eurocêntricos sobre o
ensino de História.
Não estamos aqui dizendo que isso é ruim ou bom, mas que é uma realidade
que deve ser analisada, pois os docentes precisam ter consciência dos
processos de produção dos manuais que utilizam como suportes didáticos em
suas aulas. Pensar o livro didático e sua produção é ampliar as margens de
reflexão sobre métodos e formas nas quais o ensino – em nosso caso, de
história – vem sendo efetivado no Brasil, e assim, construir espaço para um
ensino independente, consciente e crítico. (MATOS, 2012, p.73)
Podemos considerar então, que a produção dos materiais didáticos que
seguem as propostas curriculares vigentes, pode se constituir em um “[...] instrumento
de controle do ensino por parte dos diversos agentes do poder” (BITTENCOURT, 2009,
p. 298), sejam eles instituições de governo nas suas mais diversas esferas ou o próprio
mercado editorial que acabada ditando suas regras na produção e distribuição dos
materiais didáticos com uniformidade na organização dos conteúdos na área de História.
Dessa forma, segundo Matos (2012, p. 63-64),
[...] a partir da criação da Comissão Nacional do Livro Didático, instituiu-se
no Brasil uma nova cultura editorial que investirá em manuais escolares sob
as orientações dos governos, visando à aprovação dos mesmos, ou até, como
ocorre nos dias atuais, à aquisição dos livros/produtos pelo próprio Estado
[...].
A defesa e manutenção de um currículo nacional não se assentam apenas
nos ideais de qualidade e de cidadania para o ensino nas regiões brasileiras, leva em
conta também aspectos de ordem gerencial e prática para o governo nacional, como
facilitar a mobilidade dos alunos de um estado para outro, padronizar a produção de
livros didáticos (o que afeta consideravelmente os conteúdos da História regional),
instituir sistemas de avaliação ou capacitação dos professores da rede pública em todo
Brasil (MATOS, 2012).
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A produção de livros e conteúdos didáticos para as escolas públicas de
Ensino Médio, que serão distribuídos em todas as regiões do Brasil, estariam alinhadas
a uma estrutura curricular nacional que, a grosso modo, é pensada inicialmente para
amalgamar e reconhecer a base nacional comum8 e a parte diversificada
9. A questão é
que, como disposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, caberá
“[...] aos órgãos normativos dos sistemas de ensino expedir orientações quanto aos
estudos e às atividades correspondentes à parte diversificada do Ensino Fundamental e
do Médio, de acordo com a legislação vigente [...]” (BRASIL, 2013, p. 32), ou seja, é da
competência dos estados e municípios atuar no sentido se viabilizar os estudos e os
conhecimentos sobre as características regionais e locais. Paradoxalmente, mesmo com
a abertura oficial para se trabalhar aspectos relacionados a história regional e local,
encontramos um cenário pouco favorável para discutir e colocar em prática essas
questões, principalmente no tocante ao ensino de História do Maranhão.
A dessacralização e a flexibilização do currículo escolar nacional, e a
atuação crítica dos profissionais da educação diretamente envolvidos com ensino de
História se faz necessário nesse momento em que, em uma primeira análise, o poder
público estadual e municipal manifestam pouco interesse em relação a História do
Maranhão.
Preliminarmente, sem esgotar outras possibilidades de compreensão,
podemos considerar que não é por falta de pesquisas ou de uma historiografia regional
que os conteúdos de História do Maranhão não estão sendo contemplados no currículo
da rede de ensino estadual. É provável que a falta de interesses dos gestores públicos no
financiamento e distribuição de materiais didáticos específicos sobre a História do
Maranhão, ou ainda que o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) tenha
inviabilizado o estudo da História Regional, ou até mesmo uma possível falta de
8 Segundo Moaci Alves Carneiro (2015, pp. 318-319), “A base nacional comum constitui, em termos de
desenvolvimento sob forma de disciplinas, o conjunto de conteúdos programáticos articulados que
garante, aos sistemas educacionais do país, se organizarem adequadamente para, respeitadas as
diversidades culturais, regionais étnicas, religiosas e políticas, construírem uma sociedade múltipla e
democrática”. 9 Ainda segundo Carneiro (2015, p. 319), “A parte diversificada do currículo, por outro lado, atende as
necessidades de uma escola que trabalha práticas pedagógicas e conhecimentos referidos a contextos
específicos e a realidades culturais, econômicas sociais e políticas demarcadas no espaço e no tempo.
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formação docente capaz de dificultar o ensino de História do Maranhão nas escolas da
rede estadual.
É possível que as soluções para as indagações acima partam da ação do
poder público, ou ainda dos próprios professores da rede estadual ao se mobilizem no
sentido de propor a valorização, o estudo e o ensino de História do Maranhão, ou ainda
da formação docente nas licenciaturas de História a partir do aprofundamento dos
estudos sobre a História do Maranhão.
Dessa forma, as relações entre o ensino de História, quer nacional, quer
regional ou local e os currículos institucionalizados encontram-se completamente
imbricadas. Machado (1999, p. 114), considera que
[...] o ensino de história é executado sob um planejamento curricular,
pressupõe-se, antes de mais nada, que esse esteja estruturado
condizentemente com as possibilidades da clientela a ser entendida,
estruturando o programa de conteúdos e sua seleção de forma a possibilitar a
construção conceitual necessária para a aprendizagem significativa.
As questões epistemológicas e práticas que consolidam a relação entre o
currículo e o ensino, muitas vezes conflituosa, definem quais disciplinas e conteúdos
devem fazer parte do cotidiano escolar nas redes de ensino público, sejam elas
nacionais, regionais ou locais. Com base nessa argumentação, abordaremos na próxima
seção os efeitos dessa relação entre currículo e ensino, no que se refere a História do
Maranhão.
2. O ENSINO DE HISTÓRIA DO MARANHÃO: do surgimento da disciplina aos
dias de hoje
Nesta segunda seção, objetivamos fazer uma análise sobre surgimento e a
trajetória da disciplina História do Maranhão, que vai do início da Primeira República
até o presente momento em que a referida disciplina não faz mais parte do currículo do
Ensino Médio da rede estadual de ensino do Maranhão.
2.2 No início da República nasce a disciplina de História do Maranhão
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A constituição das disciplinas escolares não pode ser compreendida apenas
pela lógica de articulação técnico-científica e inserção curricular que se apresentam nos
sistemas escolares. É importante considerar como parte fundamental desse processo, o
sistema de crenças e valores em um determinado contexto histórico e social
(HOBSBAWN; RANGER, 2012 apud MARTINS, 2014, p. 57), assim como também a
prática e a cultura escolar, as representações sociais, os materiais didáticos que estão
acessíveis a comunidade escolar (ABUD, 2005, p. 29).
Dessa forma, é importante caracterizar o contexto histórico, social e político
em que surge a disciplina escolar de História do Maranhão, e a maneira como tal
contextualização tem influência nesse processo, uma vez que currículo, disciplina
escolar, seleções de conteúdo, entre outros elementos da cultura escolar, não são
impenetráveis, mas o contrário, emergem do meio social em que estão inseridos.
O surgimento da disciplina escolar História do Maranhão ocorre no
momento em que o Brasil, e também o Maranhão, sentem os reflexos da transição do
regime monárquico para o regime republicano, instaurado no final do século XIX, e em
processo de consolidação nas três primeiras décadas seguintes.
Ao se fazer um recorte histórico-temporal do período compreendido entre
1889 e 1930, conhecido como Primeira República ou República Oligárquica, buscamos
destacar o momento como sendo de grande transformação e/ou adaptações das
instituições nacionais, em especial a questão educacional, em função da implantação do
regime Republicano. Porém, é importante frisar
[...] que também do ponto de vista da história da educação nem a República
se implanta a partir de 1889 nem a Primeira República termina em 1930.
Simples marcos cronológicos, essas duas datas de forma alguma significam mudanças profundas no sistema escolar brasileiro. (NAGLE, 1997, p. 261)
Concordando com a citação acima, de fato, não são somente os marcos
cronológicos que determinam as rupturas ou permanências na História. Na prática, eles
representam referências temporais selecionadas para a compreensão do tempo histórico
em uma determinada sociedade. O que movimenta a história é o fluxo social da
existência humana no tempo, com seus avanços, recuos e permanências, que na maioria
das vezes extrapola os marcos a rigidez dos marcos cronológicos.
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No período da Primeira República (1889 – 1930), era nítida a preocupação
de se discutir a identidade e os rumos da nação brasileira. Os vários seguimentos da
sociedade tinham algo a dizer - políticos, militares, empresários, trabalhadores,
médicos, educadores, e também artistas e intelectuais. A educação se torna alvo de
grande debate e interesse por parte do Governo e da sociedade civil. Como propõe
Nagle (1997), o novo regime republicano vai discutir inicialmente quais os rumos que a
nação deve tomar para alcançar o progresso, e a educação nesse propósito, adquire
status de “redenção”.
A República recebe uma herança caracterizada pelo fervor ideológico, pela
sistemática tentativa de evangelização: democracia, federação e educação
constituíam categorias inseparáveis apontando a redenção do país. A
República proclamada recebe assim um acervo rico para pensar e repensar
uma doutrina e um programa de educação. (NAGLE, 1997, p. 261, grifo nosso.)
De fato, era necessário repensar a instrução nacional naquele momento,
ainda mais quando o mesmo era pouco eficaz e desarticulado em relação aos interesses
sociais. No alvorecer da República, o jornalista e crítico literário José Verissimo10
em
sua obra mais conhecida - A Educação Nacional, de 1890 - já tecia severas críticas ao
modelo de instrução da época, considerado pelo mesmo fragmentado e incapaz de se
constituir como um sistema orgânico verdadeiramente nacional.
A crítica mais contundente dirigia-se ao que considerava excessos do regime
federativo implantado pela República. Para ele, a situação do ensino primário
teria se agravado ainda mais, pois, sob a forma da federação, foi concedida a
cada estado plena liberdade para gerir os negócios da instrução pública.
(SCHUELER; MAGALD, 2008, p. 41)
Como assevera Schuller e Magald (2008), a descentralização ocorrida a
partir da implantação do federalismo, complicou ainda mais a situação da instrução
pública. As oligarquias em cada um dos Estados não conseguiam administrar de forma
coerente os recursos voltados para a educação, situação que ainda hoje é entrave na
10
Jornalista e crítico literário, José Veríssimo Dias de Matos nasceu no Pará em 1857, transferiu-se para o
Rio de janeiro me 1891, onde faleceu em 1916. Suas primeiras obras foram publicadas ainda no Pará. O
destaque da sua obra virá a público no Rio de Janeiro, primeiro nas páginas do Jornal Brasil e depois em o
Imparcial. Como educador, teceu importantes análises sobre os problemas do sistema educacional do país
na jovem República, herdeira de problemas como a recente escravidão, e tantos outros. (PILETTI;
PILETTI, 2013, p. 112).
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melhoria da educação pública nacional. O novo regime republicano propôs então um
programa de reformas para alinhar um projeto de educação nacional.
Muitas foram as reformas educacionais nesse período (Benjamin Constant,
de 1890, Epitácio Pessoa, 1901; Rivadávia Correa, 1911; Carlos Maximiliano, de 1915;
Luís Alves e Rocha Vaz, 1925.), cujo intuito de uma maneira geral, era estruturar e
sistematizar a educação nacional, de maneira a garantir então um projeto de
desenvolvimento mais amplo, que atenderia as demandas do novo regime republicano
instaurado em 1889.
Infelizmente, os resultados dessas reformas educacionais não foram
totalmente satisfatórios. Umas das razões para o fracasso dos projetos educacionais
nacionais seria a própria política federalista do novo regime republicano, que acentuou a
autonomia dos Estados e controle das oligarquias, tanto no plano político e econômico,
como também no plano educacional, com as suas tradicionais disparidades regionais.
“Cada província, ou estado da federação, apresenta singularidades significativas nos
processos de construção dos sistemas, normas e redes de ensino primário e secundário.”
(GOMES, 2002 apud SCHUELER; MAGALD, 2008, p. 40). A questão do ensino ficou
à mercê dos interesses políticos e econômicos locais, o que só aprofundou a distância
entre as redes de educação estaduais.
Todas essas reformas, porém, não passaram de tentativas frustradas e, mesmo
quando aplicadas, representaram o pensamento isolado e desordenado dos
comandos políticos, o que estava muito longe de poder comparar-se a uma
política nacional de educação. (ROMANELLI, 1991, p. 43, grifo nosso).
No Maranhão do início da República, ocorreram também ajustes
institucionais próprio do período de transição política em andamento (do Império à
República). Segundo a historiadora maranhense Lúcia Castro (2013), as notícias sobre a
educação no Maranhão no alvorecer da Primeira República não seriam muito
satisfatórias em função do contexto vigente, onde o
[...] desequilíbrio econômico porque passou o Maranhão irá se refletir no
social, cultural e na vida política da região durante todo esse período. Nesse
sentido, diremos que o ludovicense sentiu saudades do tempo do Império,
período considerado a Idade do Ouro do Maranhão, onde os ápices dos
ciclos econômicos do algodão e da cana-de-açúcar, proporcionaram o
enriquecimento cultural dos filhos da terra. (CASTRO, 2013, p. 284, grifo do
autor.)
A crise política em que se encontrava o Maranhão no início da República,
devido a descontinuidade das ações dos governadores nomeados em mandatos curtos e
irregulares afetou negativamente a educação maranhense nesse período (MARTINS,
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2014). Os interesses das oligarquias que comandaram o Estado foram priorizados em
detrimento das questões sociais e educacionais do período. “Em várias regiões
brasileiras, violentas disputas entre os grupos oligárquicos reforçam a sensação de
regressão social.” (DEL PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 244).
Não tardariam, no entanto, as mudanças no cenário educacional
maranhense. O movimento reformista nacional, mesmo não tendo alcançado seus
objetivos por completo, serviu para viabilizar ações em favor da instrução pública,
seguindo o discurso do progresso e do papel redentor que a educação assumiu no novo
regime republicano.
Cabe destacar, no contexto maranhense, as reformas curriculares no Liceu
Maranhense e a criação da Escola Normal logo após a implantação do regime
republicano. O Liceu Maranhense passou a dotar um currículo inspirado no Positivismo,
que priorizou disciplinas científicas, diminuindo o espaço das disciplinas humanísticas.
Tanto o Liceu quanto a Escola Normal apresentavam disciplinas de cunho científico
nesse período.
Segundo Antônio Azevedo (1999), as ideias positivistas tiveram grande
influência no Brasil, sendo decisivas para a consolidação do ideário republicano. O
movimento republicano apoiou-se no ideário positivistas, tendo de Benjamim Constant
(1836-1891) como uma das figuras mais relevantes.
Na educação, a influência positivista se fez presente nas reformas
curriculares no início da República brasileira, o que definiu a inserção de disciplinas
voltados para as ciências exatas, contrapondo-se a educação de tradição humanista,
predominante nos currículos anteriores. Como assevera Piletti e Piletti (2013), quanto
aos conteúdos curriculares, “[...] verificou-se uma redução da carga horária dedicada às
humanidades e aos Estudos Sociais, em benefício de Matemática e Ciências e outros
estudos [...]” (PILETTI; PILETTI, 2013, p. 117).
O Liceu Maranhense e a Escola Normal tiveram um papel significativo para
instrução pública no Estado na fase inicial do regime republicano. O primeiro, foi
responsável pela formação de muitos jovens que mais tarde ocupariam um lugar de
destaque na sociedade maranhense. Já a segunda, contribuiu para a formação de
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professores que atuaram no sistema de ensino, o que se constitui em um avanço para a
instrução pública maranhense.
Em 14 de janeiro de 1911, o inspetor geral da instrução pública Antônio
Lôbo11
, divulga o seu parecer sobre a situação das escolas primárias e grupos escolares
da capital, destacando a condição satisfatória do trabalho dos professores em exercício
nesse período. Sobre as professoras normalistas, o inspetor tece elogios:
[...] todas ellas diplomadas pela nossa Escola Normal, e muitas delas
dispondo já de longos anos de prática continuada de ensino, que os seus
esforços não foram totalmente infructiferos e que as promoções realizadas
nos grupos e as approvações concedidas nas escolas representam o atestado
seguro da realidade de semelhante fructificação. (ARQUIVO, 1911)
Tal apontamento do relatório da Inspetora Geral da Instrução Pública de
1911 sinaliza para novos caminhos, ainda com alguns obstáculos, que a Escola Normal
seguiria no Maranhão Republicano, uma vez que nesse momento há o entendimento que
a educação seria o meio para impulsionar o desenvolvimento econômico e social na
região.
Para tanto, foi necessário o investimento e reformas na instrução pública,
expandindo o número de Escolas Normais, estruturando o currículo, adquirindo
materiais didáticos, acompanhando a frequência dos discentes, reformando e
construindo novos prédios escolares, entre outros (SILVA, 2015). É nesse contexto que
surge a disciplina de História do Maranhão, disposta no currículo da Escola Normal.
No ano de 1900, como resultado do processo de reestruturação da Escola
Normal promovida por Benedito Leite, o programa de ensino é modificado com a
inserção da disciplina de História do Maranhão, cabendo ao Prof. Antonio Baptista
Barbosa de Godóis a missão de ministrar as aulas da referida disciplina.
O ensino de História já se encontrava presente nos currículos do Liceu e da
Escola Modelo. Estando sobre a influência do modelo curricular francês, a disciplina era
ministrada a partir da perspectiva eurocêntrica. Como afirma Abud (2011, p. 163-164): 11
Jornalista, poeta, romancista, professor, tradutor, publicista e polemista compulsivo. Dirigiu a
Biblioteca Pública, o Liceu Maranhense e a Instrução Pública. Diretor d´ARevista do
Norte (1901/1906), periódico ricamente ilustrado, e do jornal A Tarde(1915/1916); colaborou em
diversos outros órgãos da imprensa maranhense. Antônio Lobo é, sem favor nenhum, uma das mais
importantes figuras de sua geração. Amigo da mocidade, foi o principal agitador de ideias de seu tempo
e o entusiasta da renovação mental do Maranhão. Um dos fundadores da Academia, onde,
curiosamente, não teve papel relevante, ali instituiu a Cadeira Nº 14, patrocinada por Nina Rodrigues.
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A História e seu ensino, no Brasil, encontram suas raízes mais longínquas na
historiografia francesa. Surgiram ao mesmo tempo e com os mesmos
pressupostos: positividade e linearidade dos acontecimentos históricos. O
nascimento da História no Brasil coincide temporalmente com o nascimento
do curso secundário e a inclusão da História como uma de suas matérias.
Nesse contexto, o modelo francês continua a existir mas tendo que
incorporar elementos da História do Brasil, com intuito de forjar uma identidade para a
jovem República brasileira. Essa condição abre o precedente para a inclusão de uma
disciplina de caráter regional, como a História do Maranhão.
Sem fugir da atribuição de fomentar o sentimento de pertença entre os
cidadãos da jovem República, como aconteceu com o ensino de História do Brasil, a
História do Maranhão vai demarcar não só o posicionamento dos intelectuais
maranhenses sobre que tipo de história deveria ser ensinada, como também despertar o
orgulho pelo Maranhão por parte dos seus cidadãos, resgatando um passado glorioso e
indicativo de progresso, que se contrapunha a um presente marcado por dificuldades no
início do regime republicano (MARTINS, 2014, p. 80).
Em 13 de abril de 1905, a disciplina de História do Maranhão passou a fazer
parte do currículo oficial da rede estadual de ensino (MARTINS, 2014, p 77). O ensino
dessa disciplina ganha maior projeção social, inclusive material didático específico para
ser trabalhado na rede, demonstrando a sua relevância no período.
É importante destacar a obra História do Maranhão para uso dos “alunos”
da Escola Normal, de autoria do professor Barbosa de Godóis, publicada em 1904. A
História do Maranhão enquanto saber histórico disciplinar ganha força. Temos então um
pioneirismo relativo a abordagem sobre a história regional com desdobramentos para a
história local.
Com essa produção podemos inferir que obras como a de Barbosa Godóis,
deram enfoque a uma outra escrita da história que colocou em evidência elementos da
construção da identidade maranhense, em conformidade é claro, com o que se projetava
no cenário político e cultural nacional, no discurso da intelectualidade republicana que
no Maranhão tinha seus adeptos.
Consideramos também a importância do lugar social em que a produção
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historiográfica se opera, pois, o autor fala a partir do seu papel enquanto intelectual
maranhense daquele período, ou seja, admitir a influência da realidade da qual faz parte,
e que a mesma pode ser apropriada “enquanto atividade humana”, sua práxis. Portanto,
a operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas científicas e
de escrita, que resultam nas obras e publicações, reconhecidas pelos seus pares
(CERTEAU, 1982, p. 66), um grupo seleto de intelectuais que compactuam na
elaboração de um projeto de nação republicana.
Dessa forma, a ênfase sobre a história regional e local não se opõe ao
contexto histórico nacional. E a inclusão da disciplina História do Brasil e de História
do Maranhão no currículo oficial demonstram o interesse político e ideológico da elite
intelectual que conduziu a acomodação do regime republicano. Nas palavras de Gomes
(2013, p. 317, grifo nosso):
Ao mudar o protocolo oficial, erguer monumentos, criar datas cívicas e
rebatizar ruas, peças e instituições com os nomes de novos heróis nacionais, o
regime procurava, na verdade, conquistar os corações e mentes dos
brasileiros até então arredios ou apáticos diante da Proclamação da
República. No fundo, buscava-se dar uma identidade ao país, deslocada
de seu passado monárquico, projeto que acabaria por alterar o próprio
ensino de história do Brasil e teria grande impacto nos livros didáticos,
na literatura, no teatro, na pintura e em outras formas de arte.
Na próxima seção, abordaremos uma outra etapa da disciplina de História
do Maranhão, buscando compreender os impactos das alterações curriculares ocorridas
no período de 1930 até a década 1980, sobre a referida disciplina.
2.3 Os Estudos Sociais e a História do Maranhão
A década de 1930 representou um momento singular no que diz respeito as
transformações no campo educacional, e como reflexo, os currículos escolares passaram
por mudanças. O debate entre a educação científica e a educação humanista ainda não
estava superado. E a disciplina de História estava situada nesse contexto, com a
responsabilidade de formar cidadãos preparados para conduzir a nação brasileira ao
progresso. Cabe ressaltar, no entanto, que mesmo com uma política nacionalista forte no
início da chamada “Era Vargas”, o ensino de História do Brasil continuou sem maiores
alterações em seu currículo. “ A história nacional continuou sendo um apêndice da
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História da Civilização, assim como a História da América” (BITTENCOURT, 2009, p.
81).
Em relação a História do Maranhão no final da República Velha e início da
Era Vargas, permaneceu a exaltação da cultura regional abordada nos conteúdos e
manuais didáticos, assim como também os desfiles cívicos eventos comemorativos
relacionados a memória regional/local contemplados na instrução pública (MARTINS,
2014).
Ainda na Era Vargas, com a reforma Capanema12
(Lei 4.224 de 1942)
ocorreu uma maior valorização do ensino de História do Brasil, inclusive o aumento da
carga horária dessa disciplina. Os principais conteúdos continuavam a cumprir os
objetivos da formação da nacionalidade.
De um modo geral, podemos inferir que o estudo da disciplina de História
do Brasil até o início da década de 1970, esteve vinculado a uma concepção de
“genealogia da nação”, que alternava a valorização de aspectos políticos ou
econômicos. O personagem principal dessa história continuaria sendo o Estado-nação,
comandado pelas elites (BITTENCOURT, 2010).
Na década de 1970, o Brasil se encontrava em uma conjuntura autoritária, e
o governo mais uma vez alterou os currículos escolares. Temos a emergência dos
currículos tecnicistas, alinhados a proposta nacional-desenvolvimentista do governo
civil-militar. Os efeitos sobre as Ciências Humanas se fizeram sentir nas mudanças
ocorridas nas disciplinas escolares. A História do Brasil, como exemplo das mudanças
ocorridas, “[...] se mescla a estudos de Geografia, Educação Moral e Cívica e
Organização Social e Política do Brasil (OSPB), formando uma amálgama de
conhecimentos sem base científica” (BITTENCOURT, 2010, p. 197). Essa mescla
configurou o saber na área de Estudos Sociais.
Sobre as novas orientações curriculares instituídas a partir da Lei nº. 5.692,
12 O ensino secundário foi modificado pelo Decreto-lei n. 4.224, de 9 de abril de 1942 (PILETTI;
PILETTI , 2013, p. 186).
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de 11 de agosto de 1971, o ensino de História regional e local do Maranhão se integram
aos currículos de formação para o Magistério. “No ensino primário, a disciplina foi
nomeada Estudos Regionais do Maranhão.” (MARTINS, 2014, p. 130).
Martins (2014) destaca como obras didáticas de referência para a disciplina
de Estudos Regionais do Maranhão no período, o livro Pequena História do Maranhão
(1959), de Mário Meireles, e o livro Terra das Palmeiras (1977), de Nadir Nascimento e
Deuris Moreno Dias Carneiro.
Ao fazer uma análise das obras, Martins (2014) reconhece a influência dos
Estudos Sociais do Maranhão no período, pelo próprio alcance dessas produções
didáticas que foram introduzidas na rede escolar maranhense, produzindo memórias
sobre a trajetória histórica do povo maranhense, com material e didático e metodologia
específica. Sobre esse aspecto, a autora reconhece que
Os livros didáticos em questão de início não foram comprados pelo poder
público. Com o avanço dos programas de implementação do ensino, o
alcance dos livros didáticos ampliou-se no contexto dos sistemas públicos
educacionais propiciando a difusão do conhecimento histórico local
disciplinarizado. (MARTINS, 2014, p. 143).
No entanto, a autora faz ressalvas em relação a obra de Mário Meireles,
Pequena História do Maranhão. Reconhece que os conteúdos abordados no livro são
desprovidos de qualquer problematização. A obra foi inovadora para o ensino da história
regional no período de implantação dos Estudos Sociais, mas, em contrapartida, possuía
uma abordagem tradicional da História (MARTINS, 2014, p. 137).
Quanto a obra Terra das Palmeiras, de Nadir Nascimento e Deuris Moreno
Dias Carneiro, a análise de Martins (2014, p. 144) é mais positiva, ao reconhecer que “A
metodologia utilizada na referida disciplina preconizava como complementação ao livro
didático, o emprego de métodos ativos [...]”, em que se considera o aspecto cognitivo do
aluno no aprendizado, valorizando a relação com o meio em que o esmo se encontra
inserido.
O livro Terra das Palmeiras permeou a mentalidade popular maranhense no
período em que esteve em circulação, sendo considerado um dos grandes fenômenos
editoriais da história regional do estado do Maranhão.
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Em pesquisa realizada pelo autor no mês de junho de 2016, direcionada a
educadores da rede pública do Estado, é possível confirmar o alcance da obra Terra das
Palmeiras na formação escolar dos educadores. Ao todo foram 42 profissionais que se
dispuseram a responder aos questionamentos sobre a presença da produção científica de
autores maranhenses, dentre os quais o livro Terra das Palmeiras. Vejamos resultados.
1 - Na sua formação escolar, você estudou com o livro Terra das
Palmeiras?
73,8% disseram ter estudado com o Livro Terra das Palmeiras.
2 – Você obteve conhecimento sobre a realidade histórica, social e
geográfica do Maranhão estudando com o Terra das Palmeiras?
57,1% responderam que sim, obtiveram conhecimentos sobre história, social
e geográfica do Maranhão.
Interpretando os dados, é possível verificar que a o livro Terra das
Palmeiras esteve presente na formação escolar de uma geração que atualmente se
encontra exercendo à docência. O que surge como questionamento, no entanto é: como
um livro de História regional de grande circulação na rede escolar maranhense, e que
contribuiu para a formação inicial de uma geração de professores deixou de ser
publicado e distribuído nas redes de ensino do Estado?
Sobre esse questionamento, Martins (2014) sinaliza para a não adequação da
obra ao contexto curricular no período posterior a vigência da LDB 9394/96. E mesmo
sendo praticamente uma das únicas fontes sobre a História do Maranhão presente por
aproximadamente três décadas nas escolas do estado, deixou de fazer parte do catálogo
do PNLD no ano de 2007.
Mesmo diante do revisionismo no âmbito da produção histórica e dos
avanços nas medidas educacionais relacionadas ao currículo escolar por meio
do PNLD, o livro didático Terra das Palmeiras manteve-se soberano como
obra de História do Maranhão, caracterizando a única opção de embasamento
para conteúdos históricos regionais no sistema público de ensino. Assim,
durante 30 anos, constituiu o principal referencial adotado pelos estudantes
para o aprendizado da história local, galgando um lugar na memória
educacional maranhense. (MARTINS, 2104, p. 158).
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Podemos inferir que no cenário educacional maranhense da década de 1970
até a primeira década do século XX, o ensino de História do Maranhão esteve presente
nas escolas, contribuindo para a formação da identidade cultural do seu povo.
Analisaremos no próximo tópico, a atualidade da disciplina de História do Maranhão.
2.4 O presente da disciplina de História do Maranhão
Ao iniciarmos esse estudo sobre o ensino de História do Maranhão, algumas
indagações vieram à tona. Como o os novos paradigmas da História e do ensino tiveram
efeitos (ou não) sobre o ensino de História no Maranhão na rede pública estadual? Se a
própria história nacional, frente aos avanços da globalização vem perdendo espaço,
como garantir o ensino de História do Maranhão nessas escolas? Para Bittencourt (2010,
p. 186),
Trata-se de uma reflexão sobre o ensino de História do Brasil relacionado ao
problema da identidade nacional no atual momento histórico em que as
histórias nacionais, não apenas entre nós, cabe ressaltar, mas em todos os
países do mundo ocidental, têm sido questionadas e repensadas, sobretudo no que se refere à produção escolar.
A preocupação em relação ao ensino de História do Maranhão não é recente
como já foi apontado nas seções anteriores. Estudos mais atuais, como o de Cabral
(1987)13
intitulado “Ensino de História do Maranhão no 1° grau (3a. e 4a. séries), já
apontava uma série de dificuldades enfrentadas pelos profissionais que ministravam
aulas de História do Maranhão nesse período. Segundo a autora, ao se referir a um dos
livros didáticos mais adotados nas escolas da época, a mesma ressalta que
[...] a periodização tradicional e o rol de conteúdo sugerido no documento oficial, os livros didáticos começam registrando os fatos históricos referentes
ao Maranhão Colônia. Esses acontecimentos, entretanto, são narrados
13 Maria do Socorro Coelho Cabral nasceu em 4 de julho de 1946, em Balsas, Maranhão. Formou-se em
História pela Pontifícia Universidade Católica, de Goiás. Foi professora da Universidade Federal do
Maranhão, durante 25 anos, em São Luís. Fez mestrado em História na Pontifícia Universidade
Católica, de São Paulo, e doutorado pela Universidade de São Paulo. Autora de três livros, dentre
eles Caminhos do gado é obra de referência.
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segundo uma ótica que não mostra a complexidade da trama histórica, ou
seja, não contempla a participação dos vários segmentos que compõem a
sociedade maranhense[...]. (CABRAL, 1987, p. 11).
Já sobre a atualidade do Maranhão, naquele período, Cabral (1987, p. 16)
considera que falta criticidade e questionamento no teor do conteúdo analisado:
Os dados sobre o Maranhão atual contidos nesses livros também não
levantam nenhum questionamento, destacando sempre a ação dos
governantes e ocultando os conflitos e as contradições. Segundo esses livros,
estamos todos, em comum cooperação, construindo o progresso do
Maranhão.
Uma outra contribuição da professora Cabral (1987) com seu estudo diz
respeito a problematização da questão curricular. A mesma apontou que a maioria das
escolas pesquisadas naquele período não elaborava os seus programas e se limitavam a
seguir o livro didático e os conteúdos sugeridos pelo currículo oficial.
A autora fez uma crítica à maneira como a História do Maranhão era
ensinada. Propôs também que professor deveria ter uma postura mais autônoma, e
questionar tanto o currículo quanto material didático a que tinham acesso no intuito de
buscar um ensino mais crítico e significativo para o aluno.
A história do Maranhão, ensinada nas escolas, não deve se constituir, pois,
num relato sem vida, que deve ser memorizado pelo aluno, provocando por isso, muitas vezes, por parte deste, descaso e desinteresse. Para isso o
professor tem que questionar o livro didático e os guias curriculares, a fim de
se tornarem instrumentos úteis na aprendizagem. (CABRAL, 1987, p. 10).
Como podemos observar, em meados da década de 1980 o ensino de
História do Maranhão necessitava de uma reformulação, assim como também a própria
História do Brasil, dada as circunstâncias do período. De acordo com Bittencourt (2010,
p.197)
As reformulações curriculares iniciadas em meados da década de 1980, no
momento dos intensos debates de redemocratização do país, trouxeram novas
perspectivas para o ensino de História do Brasil. O aumento da produção
historiográfica, contemplando variados temas, as críticas a uma determinada
formulação da História Política, a crescente produção da História Social e a
mudança do perfil dos alunos criavam novas necessidades e possibilidades de
repensar o ensino de História nacional e de seu papel na constituição da
identidade nacional.
Dessa forma, os estudos historiográficos se ampliaram, viabilizando mais
pesquisas na área do ensino, e também as discussões sobre a História regional e local.
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Com as produções dos programas de pós-graduação em História, muitos trabalhos
foram elaborados com temáticas e documentação disponíveis em acervos regionais e
locais, surgindo então uma nova geração de historiadores preocupados com a as “[...]
conexões obliquas entre o regional, o local e o nacional, em que o elemento espacial
ganha relevância, ombreando-se ao tempo” (MARTINS, 2014, p. 142).
Em busca de mais pesquisas sobre o ensino de História do Maranhão,
tomamos conhecimento de um estudo um pouco mais recente, especificamente, uma
monografia de graduação cuja autora é Santos (1999), intitulado O ensino de História
do Maranhão no 1º Ciclo (3ª e 4ª séries). O mesmo faz referência ao trabalho docente, e
também aos livros didáticos adotados para o ensino de História do Maranhão. A autora
destaca também as limitações dos livros didáticos adotados para o ensino nessa área:
[...] esses livros focalizam com muita superficialidade os aspectos ligados à
História do Maranhão. Por exemplo, na fase da República Nova, os enfoques dados são superficiais e muito resumidos. E dificilmente uma criança irá
entender esse tipo de texto. O assunto é colocado de forma bem solta,
dificultando assim, uma maior compreensão do texto. (SANTOS, 1999, p.
47).
Santos (1999) continua tecendo uma crítica ao ensino de História
desprovido de “vida” em seus relatos, enfadonho e desinteressante, o que acaba por
qualificar a História como disciplina “decorativa”. Conclui dizendo que:
Tendo como base essas observações, não se poderia qualificar os pressentes
livros como adequadamente satisfatórios. A História do Maranhão ensinada
através desses manuais, constitui-se, pois, num relato de fatos, datas, de
vultos ilustres. E a vida da classe menos favorecida, seus anseios, suas reivindicações, a vida cotidiana do homem simples, onde fica? (SANTOS,
1999, p. 54).
Em outro trabalho de natureza igual ao aludido por último, com autoria de
Ferreira (2002), intitulado O Processo de Ensino Aprendizagem no Brasil: reflexões
sobre o ensino de História no Maranhão, chama atenção pelo título, mas o conteúdo
destoa do que se procura, pois não está diretamente relacionado ao ensino de História do
Maranhão propriamente dito. No entanto, é uma importante fonte de pesquisa para se
analisar a evolução do ensino de História no Brasil, assim como a posição do ensino de
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História na legislação educacional atual.
Como dissemos, com avanço dos cursos de pós-graduação no contexto
maranhense, o cenário para pesquisas no campo da educação e do ensino se tornou mais
favorável e produtivo, trazendo à tona as discussões relativas aos conhecimentos de
caráter regional, seja no campo da educação ou da história.
No final da década de 1980 surge o Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFMA. Vinculado a esse programa, existe um núcleo específico voltado
para o estudo da História da Educação, o NEDHEL - Núcleo de Estudos e
Documentação em História da Educação e Práticas Leitoras, que têm apresentado
produções sobre a história e cultura educacional maranhense.
Não poderíamos deixar de mencionar também Programa de Pós-graduação
Cultura e Sociedade da UFMA, com trabalhos de referência sobre a História do
Maranhão, dentre os quais é importante destacar a dissertação da Profª. Msc. Dayse
Marinho Martins intitulada Currículo e historicidade: a disciplina História do
Maranhão no sistema público estadual de ensino (1902 – 2013), apresentada em 2014.
O estudo de Martins (2014) se constitui em uma fonte segura e consistente
no que diz respeito a compreensão das práticas curriculares na sua relação com o
surgimento e ensino da disciplina de História do Maranhão e a atual situação em que a
referida disciplina se encontra, bem como o ensino decorrente da mesma.
Destacamos também o funcionamento do Programa de Pós-Graduação em
História e Narrativas (PPGHEN) do curso de História da Universidade Estadual do
Maranhão, do qual essa pesquisa faz parte. O PPGHEN tem como principal foco
[...] qualificar profissionais dedicados à docência no ensino básico e
contribuir com o seu papel de agente condutor de práticas pedagógicas. A
finalidade é atualizar competências e habilidades capazes de proporcionar um
refinamento teórico-metodológico e pedagógico do historiador-docente, ante
as novas diretrizes para o Ensino de História, estabelecidas desde a
elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Assim, pretendemos
contribuir para a transformação do professor-docente em agente ativo do
processo de construção de novas estratégias pedagógicas, capazes de alterar o
cotidiano do ensino da História em nosso Estado. Para tanto, a reflexão sobre os aspectos epistemológicos e metodológicos que envolve o campo da
História, será apreendida a partir da interface entre História, Ensino e
Narrativas, eixos a serem desenvolvidos e articulados a partir do
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conhecimento historiográfico, estratégias metodológicas e múltiplas
linguagens, inseridas no cotidiano escolar. (PPGHEN, 2013, p. 1)
O PPGHEN trará grandes contribuições para o ensino de História no Estado
do Maranhão à medida que as pesquisas realizadas no programa alcançarem os seus
destinatários, teremos resultados satisfatórios, principalmente no que diz respeito ao
ensino de História do Maranhão.
Ainda assim, de um modo geral, podemos afirmar que o quantitativo de
pesquisas sobre o ensino de História do Maranhão não é suficiente para possibilitar
maior aprofundamento da problemática em questão, o que não inviabiliza um esforço de
pesquisa para se preencher essa lacuna.
Como foi observado, os estudos relativos ao ensino de História do
Maranhão aqui mencionados, tinham como foco discutir as possibilidades de ensino
dessa disciplina nas redes educacionais do Estado. A problemática ainda persiste em
função da não efetivação dessa disciplina no contexto escolar maranhense na atualidade.
A análise das Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Ensino,
implantada em 2013 no Estado do Maranhão, são um exemplo de ambiguidade em
relação ao ensino de História do Maranhão, pois definem “o que deverá ser ensinado;
como deverá ser ensinado; o que deverá ser avaliado (MARANHÃO, 2014, p.37, grifo
nosso) sem no entanto deixar claro quais conteúdos de História do Maranhão deverão
ser trabalhados. Nas matrizes curriculares por área de conhecimento que são
apresentados nas Diretrizes Curriculares (2013) para o ensino de História no Ensino
Médio, existe apenas uma menção à História do Maranhão.
Em outro documento importante que foi objeto de análise, as Orientações
Normativas para o Funcionamento Escolar da Rede Estadual de Ensino de 2015,
verificou-se a ampliação da quantidade de conteúdos de História do Maranhão na sua
estrutura curricular. Tais conteúdos aparecem a título de “sugestão”, mas ainda assim, se
observou um maior destaque para os conteúdos de História do Maranhão em relação as
Diretrizes Curriculares de 2013.
Na proposta das Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Ensino, a
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disciplina de História tem como principal objetivo estimular nos estudantes a noção de
que os mesmos são sujeitos da sua própria História (MARANHÃO, 2014). Como então
contemplar a perspectiva da historicidade dos educandos da rede de ensino se os
mesmos não têm acesso a história da sua própria região? Da sua cidade? Do seu bairro?
No próximo capítulo, faremos uma abordagem mais específica sobre as questões
referentes as Diretrizes Curriculares da Rede Estadual de Ensino de 2013 e as
Orientações Normativas de 2015 no tocante ao ensino de História do Maranhão, na
intenção de apontar direcionamentos a alguns desses questionamentos.
A historicidade, como propõe Cerri (2011) é condição própria da existência
humana, antes mesmo de ser ensinada ou pesquisada. É o que dá sentindo a experiência
humana no tempo, nos permitindo evoluir na perspectiva da coletividade aos
estabelecermos laços de identidade comuns, que por sua vez vão se solidificando
através de um passado/história também comuns.
Devemos considerar também que tal processo (atribuir sentido a experiência
humana no tempo) não é natural, apesar de ser intrínseco a vida humana. Na
coletividade, produzimos narrativas históricas que, dependendo das intenções (sociais,
políticas, culturais), serão legitimadas ou não. E a escola, através do seu
currículo/ensino e transmissão do conhecimento/narrativa para as gerações futuras, tem
um papel significativo, cabendo a disciplina escolar de História orientar os indivíduos
quanto a relação que os mesmos travam com o tempo histórico.
Dessa forma, atribuição de sentido a História pelo educando seria mais
eficaz quando o mesmo experimentasse discutir com maior frequência narrativas que
são próximas da sua realidade. Palpáveis, no sentido de se integrar ao contexto em que
compartilham suas vivências e as relacionam com a História do lugar em que se
encontram.
Conhecer o lugar onde se vive, como se deu sua formação, a forma de integração entre os elementos humanos que o compõem, sua organização
política e cultural, enfim, sua história, permite ao sujeito compreender sua
sociedade, e dessa forma agir sobre sua realidade. Além disso, o
conhecimento e a compreensão acerca de seu espaço social é essencial para a
formação e a afirmação da noção de pertencimento e identidade (PRADO;
MACEDO, 2013, p. 1204).
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Com a ausência de um ensino de História significativo nas escolas, os
educandos são privados de “[...] simbolizar o seu lugar, de situar-se numa complexa
rede de forças e de analisar as suas relações [...]” (CERTEAU, 1989, p. 13), ou seja,
perde-se a capacidade crítica e de representação da realidade na qual estão inseridos.
Não estamos aqui a defender que o estudo da História das sociedades a nível
mundial ou nacional não seja significativo. A inserção de estudos históricos sobre a
região/local no currículo não invalida o estudo sobre global e o nacional, já
comtemplados há décadas nas propostas curriculares vigentes para a disciplina escolar
de História.
Segundo Martins (2010), as exigências por novas narrativas e interpretações
da história local e regional vem crescendo. Seguindo esse argumento, é interessante
propor uma valorização da História regional/local (em especial a História do Maranhão)
nos currículos e livros didáticos no intuito de tornar o ensino de História mais
significativo e proveitoso aos alunos do Ensino Médio da rede Estadual do Maranhão.
A importância do ensino de História Regional na Educação Básica demarca o
dimensionamento entre o local e global, de modo a estabelecer a
possibilidade do aluno se perceber e se posicionar como sujeito dentro dos
processos sociais. Os conteúdos referentes à essa abordagem regional devem
se pautar em três grandes princípios: contribuir para a formação intelectual e
cultural dos estudantes, favorecer o conhecimento de diversas sociedades
historicamente constituídas, por meio de estudos que considerem múltiplas
temporalidades e proporcionar a compreensão deque as Histórias individuais
e coletivas se integram e fazem partes da História. (MARTINS, 2014, p.
177).
Não haveria antagonismos entre esses recortes históricos nas práticas de
ensino, e sim, complementariedades, que seriam fundamentais para a compreensão do
papel e da historicidade dos sujeitos que atuam ao mesmo tempo e em dimensões
espaciais distintas na construção de identidades histórico-sociais.
Em uma conjuntura onde a globalização tem influência na circulação de
ideias, valores e comportamento através do consumo de massa e das novas tecnologias
de comunicação, é importante analisar as relações entre o global, nacional,
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regional/local.
Acredita-se que a globalização trouxe um grande impacto sobre a identidade
nacional na contemporaneidade. Esse fato é percebido pela integração cada vez maior
dos mercados, pelo intercâmbio cultural, pela comunicação em tempo real, pela
[...] ‘compressão espaço-tempo’– a aceleração dos processos globais, de
forma que se sente que o mundo é menor em e as distâncias mais curtas, que
os eventos em um determinado lugar têm impacto imediato sobre pessoas e
lugares situados a uma grande distância. (HALL, 2015, p. 40).
Esse impacto da globalização acarretaria em um processo de
homogeneização cultural? Devemos considerar que os processos de trocas culturais
entre os diversos povos do mundo foram, e são dinâmicos. E mesmo quando há a
imposição de uma cultura sobre a outra, e a possibilidade de se perder uma estabilidade
identitária, os particularismos do nacional – regional – local resistem e se articulam,
produzindo novas identificações sociais sem perder a originalidade. Nas palavras de
Martins (2010, p. 138)
[...] aos observadores mais atentos da história do último quartel do século XX
e dos acontecimentos do início do terceiro milênio, fica claro que o planeta
não caminha no sentido de ser libertado das originalidades regionais e locais.
É verdade que a globalização afeta cada quilômetro quadrado da superfície
terrestre, aumentando a pressão sobre as culturas tradicionais e sobre as
regiões. [...] Mas também é verdade que ela faz isso de maneira desigual. Os impactos da globalização não desencadeiam processos iguais no Brasil e na
China, no interior mineiro ou na metrópole paulista. Enfim, o regional
continua importante.
Pode ocorrer ainda, o fortalecimento das identidades regionais e locais por
parte de certos grupos que se sentem ameaçados diante da presença de culturas
exógenas com a expansão da globalização. O que poderia gerar um processo de
homogeneização, acaba tendo dois possíveis efeitos: o fortalecimento ou a produção de
novas identidades.
É certo que a globalização pode contestar e deslocar as identidades (HALL,
2015), sem, contudo, acabar com as mesmas. Portanto, o discurso sobre a
impossibilidade de afirmação das identidades regionais e locais com sua história e
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tradições específicas, é precipitado. Da mesma forma também, é afirmar que o ensino de
História do Maranhão, depois da implantação do ENEM – Exame Nacional do Ensino
Médio, está fadado a desaparecer das salas de aulas, em função do caráter de seletor
unificado do referido exame para todo o Brasil, ocasionando “ [...] um decréscimo na
participação do ensino de história local e regional na composição das provas que que
seriam respondidas pelos concluintes do Ensino Médio em território nacional”
(SILVA;ARAÚJO, 2015, p. 8).
Em 1998, o MEC institui pela Portaria nº 438, o Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), na perspectiva de avaliar a qualidade da educação pública do país. Em
2009, o exame passa ser o instrumento de seleção para o ingresso nas universidades
públicas em todo país. Com o intuito de padronizar o processo de avalição, o antigo
vestibular foi substituído pelo ENEM.
A nota do ENEM oferece uma referência cujo desempenho serve: a) para
escolhas futuras em relação ao universo de trabalho e continuidade dos
estudos; b) como modalidade alternativa ou complementar aos processos de
seleção do universo de trabalho; como modalidade alternativa ou
complementar aos exames de acesso aos cursos profissionalizantes pós-médios e à educação superior; para ascender a programas governamentais
como o PROUNI; e) como exame supletivo para os maiores de 18 anos,
permitindo a certificação de conclusão do ensino médio; f) como avaliação
de desempenho das escolas de ensino médio; g) como avaliação do
desempenho acadêmico dos estudantes que ingressam nas instituições de
ensino superior (PILETTI, 2010 apud MARTINS, 2014, p. 194).
O ENEM hoje, é a porta de acesso para as universidades públicas, institutos
de ensino superior federais, faculdades e universidades privadas. Também é instrumento
de avalição de desempenho dos estudantes a nível nacional. Sendo o ENEM seletor
nacional unificado para o ingresso nas instituições de nível superior, impõe aos
estudantes de todo o país programas com abordagens dos conteúdos dispostos no
currículo nacional. Os professores do Ensino Médio diante de tal realidade, precisam
trabalhar para que seus alunos alcancem resultados satisfatórios no ENEM (MOURA
PINTO; PACHECO, 2014), focando nos conteúdos globais que são exigidos pelo
exame. Como consequência, a História Regional fica em segundo plano.
A partir do impacto das políticas curriculares nacionais, ocorreu uma
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diminuição nas abordagens relativas a História Regional e Local. E a História do
Maranhão não mais se constitui como disciplina do currículo do Ensino Médio do
Estado. A abordagem temática da disciplina “[...] vem se desagregando diante das
propostas que centralizam o ensino de História a partir dos conteúdos previstos do MEC
e dos exames nacionais [...] ” (MARTINS, 2014, p. 198).
Atualmente, somente a Universidade Estadual do Maranhão – UEMA (o que
estimula a procura dos alunos pela História do Maranhão) exige em seu programa de
processo seletivo Processo Seletivo de Acesso à Educação Superior – PAES) conteúdos
de História do Maranhão. As universidades que utilizam o ENEM como critério para o
ingresso de estudantes em suas instituições priorizam conteúdos globais, em detrimento
dos conhecimentos regionais e locais, ainda mais quando se trata da disciplina de
História.
O que nos chama atenção em relação ao processo seletivo para acesso de
alunos à UEMA e o seu programa que contempla a História do Maranhão, é o fato de os
alunos do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino não possuírem um livro didático
específico para História do Maranhão. Como os mesmos podem alcançar um bom
desempenho nesse processo seletivo sem acesso ao conteúdo de História do Maranhão?
Nas escolas onde a pesquisa foi realizada, nenhum material didático relativo a História
do Maranhão foi encontrado, o que só dificulta aprendizagem desse conteúdo.
A competição entre os estudantes nas escolas públicas do Estado na
atualidade é acirrada. Cada questão é importante para alcançar o resultado esperado e
ingressar na UEMA. Sendo assim, alguns alunos da rede que podem investir em cursos
pré-vestibulares, assistem as aulas de História do Maranhão, e os que não tem como
fazer esse investimento saem em desvantagem. Mesmo sabendo que pelo sistema de
cotas para as escolas públicas os alunos da rede concorrem entre si, cria-se uma
diferenciação quanto ao acesso à História do Maranhão.
O Processo Seletivo de Acesso à Educação Superior – PAES - UEMA
acontece em duas etapas. A primeira é uma
[...] prova constituída de 60 (sessenta) questões objetivas de múltipla escolha,
por área de conhecimento, abrangendo os conteúdos programáticos dos
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componentes curriculares que integram o ensino médio, segundo as diretrizes
dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s. [...] prova constituída de 12
(doze) questões analítico-discursivas, abrangendo conteúdos programáticos
de 2 (dois) componentes curriculares que integram o ensino médio,
específicos por curso, e prova de produção textual, segundo as diretrizes dos
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s. (UNIVERSIDADE, 2016a, p. 7-
8)
Na segunda etapa, as questões analítico-discursivas vão exigir uma bagagem
muito consistente do candidato. Em relação a História, é provável que o mesmo não se
sairá bem se não souber desenvolver uma escrita lógica e coerente com discurso
histórico, seja ele globalizante ou regional. De certo que, se o candidato não teve acesso
ao conhecimento sobre a História do Maranhão, o mesmo será prejudicado na soma
total dos resultados, e provavelmente não ingressará na UEMA, se estiver concorrendo
as vagas dos cursos mais procurados.
Dessa forma, uma possível ausência do ensino de História do Maranhão nas
escolas públicas de Ensino Médio implicaria em um duplo processo de exclusão: o
primeiro diz respeito ao fato de alunos se encontrarem privados de conhecer a história
de sua região, do seu Estado, e em segundo lugar, a dificuldade em fazer uma boa
segunda etapa no processo seletivo da UEMA.
Fica claro um descompasso entre a proposta curricular do Estado e os
conteúdos que são exigidos pela UEMA quando a questão é História do Maranhão. Essa
incongruência pode se manifestar no cotidiano escolar da rede de ensino estadual.
Confirmamos esse distanciamento quando comparamos o programa de História da
UEMA com “o que deve ser ensinado” a partir das Diretrizes Curriculares do Estado,
em vigor desde de 2013.
Diante de tal realidade acerca do ensino de História do Maranhão, é possível
que a história e a cultura do povo maranhense se encontrem em vias de um
“silenciamento” pelo fato de não ser ensinada com mais frequência nas salas de aula das
escolas públicas do Estado?
Sabemos que a História Regional/Local é de suma importância para o
resgate e a afirmação da cultura e identidade de um povo. É importante para os
indivíduos, sensibilizados por meio de uma reflexão sobre as questões do regional/local,
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contextualizar historicamente e problematizar a sua noção de identidade, seu lugar no
mundo, como sujeitos de sua própria história.
Sendo assim, defendemos uma maior presença da História do Maranhão no
currículo e nas salas de aulas do Ensino Médio da rede Estadual por entendermos que o
protagonismo de um povo se torna efetivo quando o mesmo conhece e reconhece a sua
própria história. E para conhecer a sua própria história, a mesma precisa ser ensinada e
valorizada nas escolas, e em outras instituições que dialogam com a sociedade.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Diante do exposto, consideramos que a análise do currículo sob a
perspectiva de constructo social e histórico, mediador das relações entre escola,
conhecimento e sociedade (SILVA; GUIMARÃES, 2012) contribuiu
consideravelmente para o entendimento da atual situação do ensino de História do
Maranhão nos espações escolares em que a pesquisa foi realizada. Fruto da
intencionalidade, tensões e ambiguidades que norteiam os eu processo de construção, o
currículo acaba por expressar os anseios de formação educacional da sociedade em que
é estabelecido como elemento norteador das práticas educativas. Seus efeitos são
sentidos na organização escolar e na sala de aula. Dessa forma, a inclusão ou
silenciamento de determinada disciplina ou conteúdos no currículo escolar, expressa o
interesse de certos grupos especializados na sua elaboração, e que nem sempre se
encontram dispostos a contemplar a participação dos professores nesse processo.
Consideramos também a importância de se discutir a historicidade do ensino
de História, entendendo que as diversas formulações e reformulações sofridas em cada
período destacado na pesquisa foram frutos de intensas disputas políticas, educacionais
e sociais. Essa trajetória nos permitiu reconhecer avanços e conquistas, bem como
retrocessos e permanências, que fizeram (e fazem) parte das elaborações sobre o que é o
ensino de história hoje.
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Essa abordagem nos permitiu ainda reconhecer a trajetória da História do
Maranhão enquanto saber disciplinarizado, sem a qual não seria possível compreender a
atual situação do ensino de História do Maranhão nas escolas selecionadas para a
pesquisa. Hoje, a história do Maranhão não é mais disciplina do currículo da rede
estadual de ensino. E nas escolas onde a pesquisa foi realizada, o ensino de seus
conteúdos é praticamente inócuo tendo em vista a relevância dada a História Regional e
Local nas diretrizes curriculares nacionais e regionais.
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MESTRADO PROFISSIONAL
A EDUCAÇÃO DA MULHER NO ASSENTAMENTO CAJAZEIRA – MA: A
CONTINUIDADE DOS ESTUDOS A PARTIR DO PRONERA
Ilma do Socorro Santana Pinheiro
1. INTRODUÇAO
A educação é vista não apenas como forma de as pessoas se tornarem
economicamente mais produtivas, mas como uma condição para a liberdade (RUA e
ABRAMOVAY, 2000, P, 72).
Esta pesquisa problematiza qual o impacto do PRONERA no assentamento
Cajazeira e até que ponto o PRONERA contribuiu para a ascensão social das
educadoras egressas do projeto UEMA/INCRA convênio nº 13.000/07 realizada no
assentamento Cajazeira. Para essa contribuição pensou-se em analisar os impactos do
PRONERA no assentamento Cajazeira no município de Barra do Corda – MA,
especificando o PRONERA no Maranhão, em especial caracterizar o PRONERA no
assentamento Cajazeira e conhecer a sua relação com a ascensão social das mulheres
educadoras do PRONERA.
Parece-me que é urgente pesquisar as desigualdades históricas sofridas pelos
povos do campo. Desigualdades econômicas, sociais e para nós desigualdades
educativas, escolares. Sabemos como o pertencimento social, indígena, racial, do campo
é decisivo nessas históricas desigualdades. Há uma dívida histórica, mas há também
uma dívida de conhecimento dessa dívida histórica. E esse parece que seria um dos
pontos que demanda pesquisas. Pesquisar essa dívida histórica (ARROYO, 2004,
p.104).
Desse modo, a crítica feminista também deve compreender como a
categoria das “mulheres”, o sujeito do feminismo, é produzida e reprimida pelas
estruturas de poder por intermédio das quais busca-se a emancipação (BUTLER,
2003,19).
É nesse sentido que a educação tem um papel relevante na
emancipação da mulher na sociedade como forma de libertá-la de uma condição social
imposta pelos limites das relações de gênero construídas historicamente.
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A história da mulher apareceu como um campo definível principalmente nas
duas últimas décadas. Apesar das enormes diferenças nos recursos para ela alocados, em
sua representação e em seu lugar no currículo, na posição a ela concedida pelas
universidades e pelas associações disciplinares, parece não haver mais dúvida de que a
história das mulheres é uma prática estabelecida em muitas partes do mundo (BURKE
apud SCOTT, 1992).
Desde muito tempo, as mulheres das classes trabalhadoras e camponesas
exerciam atividades fora do lar, nas fábricas, nas oficinas e nas lavouras.
Gradativamente, essas e outras mulheres passaram a ocupar também escritórios, lojas,
escolas e hospitais. Suas atividades, no entanto, eram quase sempre como são ainda
hoje, em boa parte rigidamente controladas e dirigidas por homens e geralmente
representadas como secundárias (LOURO, 2010).
Nesse contexto, assim, não mais focalizam-se as mulheres no mundo do trabalho, da
política, no terreno da educação, ou dos direitos civis, mas também introduzem-se
novos temas na análise, como família, a maternidade, os gestos, os sentimentos, a
sexualidade e o corpo, entre outros. Convém ressaltar, que as diferentes tendências
radicais encontram-se e completam-se em sua denúncia da sociedade patriarcal.
O argumento predominante são que as mulheres são oprimidas e
exploradas individual e coletivamente em razão de sua identidade
sexual. Acorrente radical postula que não há domínio privado em uma
existência pessoal que não seja político e da primazia às lutas das
mulheres. (SWAIN, 2000, p.18)
Assim, o questionamento radical interessa-se em particular às múltiplas
manifestações sociais de opressão / exploração das mulheres; às relações de
interdependência entre reprodução biológica e a produção social; ao arbítrio da divisão
social em domínio público e privado e à desvalorização – ocultação do trabalho
mercantil e não mercantil produzido pelas mulheres.
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Dentre os múltiplos espaços e as muitas instâncias onde se pode observar a
instituição das distinções na qual são constituídas pelos gêneros, destaca-se neste estudo
o Assentamento Cajazeira, situado a 36 km da sede do município de Barra do Corda,
onde as mulheres são sujeitos fundamentais no processo de plantio e colheita e de
colaboração na renda familiar. Cajazeira conta com 500 residências onde moram 3.000
habitantes, porém a capacidade de assentados para o INCRA é de 202 famílias apenas.
No âmbito dessa questão, nota-se a relevância da temática em apreço, pois
ao dizer que as mulheres são diferentes dos homens se constitui, a princípio, numa
afirmação irrefutável. Assim para (BUTLER, 2003) “em primeiro lugar, devemos
questionar as relações de poder que condicionam e limitam as possibilidades
dialógicas”.
Nesse contexto, a escolha do tema encontra-se em princípio, vinculada a
minha experiência enquanto estagiária do Programa Nacional de Educação em áreas de
Reforma Agrária (PRONERA) em parceria com o Instituto Nacional de Colonização em
Reforma Agrária (INCRA) e a Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Alia-se a
isso, outra experiência vivenciada como aluna do Curso de Aperfeiçoamento em Gênero
e Diversidade na escola, que contribuiu significativamente para articular os
conhecimentos adquiridos durante o processo de aprendizagem enquanto estagiária com
os fundamentos teóricos tão bem abordados durante o curso de aperfeiçoamento.
2 A EDUCAÇÃO COMO PROCESSO EMANCIPATÓRIO DA MULHER
As conquistas obtidas na luta pela emancipação feminina passaram a ser
vistas como conquistas da civilização, que os homens deviam ampliar em próprio
interesse, por ser uma condição do progresso humano (ALVES et al, 1982).
Embora a história das mulheres esteja certamente associada à emergência do
feminismo, este não desapareceu, seja como presença na academia ou na sociedade em
geral, ainda que os termos de sua organização e de sua existência tenham mudado.
À medida que se consolidava a história das mulheres tornava-se mais nítida
a forma pela qual ela própria seria capaz de contribuir inovando, questionando ou
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reforçando algumas linhas básicas da historiografia, sobretudo daquela influenciada pela
nova História.
Nessa perspectiva, a ausência da educação feminina pode ser explicada pela
exclusão da mulher do processo educativo pelo menos até o final do século XVII, quase
dois séculos de diferença em relação aos homens (ARIES, 1981).
Observa-se que as concepções de gênero diferem não apenas entre
sociedades ou momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade. Assim,
bem coloca a autora:
A questão da mulher é em grande parte uma questão econômica, mas pode
acontecer que seja ainda mais uma questão cultural [...] mas antes de mais ela
é uma questão de direito, porque é apenas na base dos direitos escritos [...]
que podemos pretender encontrar-lhe uma solução que seja segura
(GONÇALVES, 2006, p. 29).
Durante muito tempo se pensou que seria muito difícil mobilizar as
mulheres trabalhadoras, porque se considerava irregular e provisória sua inserção no
mercado de trabalho. Também prevalecia a convicção de que elas fossem as principais
depositárias e reprodutoras dos valores patriarcais dominantes na sociedade rural
brasileira (PINSKY, 2011, p.645).
No campo, a autoridade do chefe de família – do pai ou do marido –
extrapola o espaço doméstico e muitas vezes impõem-se, negando a participação das
mulheres nas decisões nas cooperativas, nos bancos, nas associações de produtores e
nos sindicatos (PINSKY, 2011).
Para Lucena (2003, p.130) as mulheres brasileiras trabalham cada vez mais,
sendo que o trabalho é um valioso recurso para modificar a situação político-cultural-
econômico do Brasil. É nesse contexto que podemos pensar que as mulheres tem
relações muito específicas com o trabalho. Além disso, a mulher brasileira vem se
tornando cada vez mais a única responsável pela família, pois as mulheres vem
assumindo a responsabilidade da família, porém ganha menos que o homem e é maioria
entre os trabalhos de carteira assinada. Essa diferença de rendimentos entre os sexos,
embora presente, tem registrado redução com o passar do tempo, em razão, sobretudo,
do aumento do nível de escolaridade das mulheres.
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Segundo Toledo (2008, p. 33) a mulher não nasceu oprimida, mas passou a
sê-lo devido a inúmeros fatores, dentre as quais os decisivos foram às relações
econômicas, que depois determinaram toda superestrutura ideológica de sustentação
dessa opressão: as crenças, os valores, os costumes, a cultura em geral.
No que concerne a memória e a cultura, o camponês recusa-se a assumir sua
identidade, pois:
[...] ao longo de sua história, foi considerado como “rude” e inferior. O
próprio campo é visto como um espaço inferior à cidade. A consciência de
classe passa pela consciência de identidade, que, no caso aqui discutido, é a
da cultura camponesa [...] (COMILO, 2008, p. 21).
Na cultura camponesa uma vez que a palavra foi dita, ela e somente ela já
basta, sendo esta regulada pela honra. O tempo possui uma concepção diferenciada do
homem urbano, pois o homem do campo está sempre utilizando o tempo de colheita e
plantio como referência. Por outro lado, o artigo 28 da LDB aponta direcionamento
específico à escola do Campo. Na oferta de educação básica para a população rural, os
sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às
peculiaridades da vida rural e de cada região, no que se refere a organização escolar do
campo, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (LDB, 1996).
Os povos do campo têm uma raiz cultural própria, um jeito de viver e de
trabalhar, distinta do mundo urbano, e que inclui diferentes maneiras de ver e de se
relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, bem como de viver e de organizar a
família, a comunidade, o trabalho e a educação. Nos processos que produzem sua
existência vão também se reduzindo como seres humanos. (ARROYO; CALDART;
MOLINA, 2004 p. 16).
Assim sendo é de extrema importância mencionar a pretensão em entender o
gênero como constituinte dos sujeitos. Ao aceitarmos que a construção do gênero é
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histórica e se faz incessantemente, estamos entendendo que as relações entre homens e
mulheres, os discursos e as representações dessas relações estão em constante mudança.
A construção de gênero também se faz por meio de sua construção (LAURETIS, 1994,
p. 209).
Entende-se que o conceito passa-se a ser usado, então como um forte apelo
relacional, já que é no âmbito das relações sociais que se constroem os gêneros. Deste
modo, ainda que os estudos continuem priorizando as análises sobre as mulheres, eles
estarão agora, de forma muito explícita, referindo-se também aos homens. Busca-se,
intencionalmente, contextualizar o que se afirma ou se supõe sobre os gêneros, tentando
evitar as afirmações generalizadas a respeito da “Mulher” ou do “Homem”.
Há pouco avanço, segundo Lauretis, em dizer que a diferença sexual é
cultural; o problema que permanece é o de conceber as diferenças (sejam elas
consideradas culturais, sociais, subjetivas) “em relação ao homem – sendo ele a medida,
o padrão, a referência de todo discurso legitimado”.
Lauretis (1986, p.12) aponta, que o próprio significado da diferença sexual é
colocado em termos de oposição o que é um modo de compreensão que está muito
próximo da conhecida expressão “anatomia do destino”.
Dessa forma, as desigualdades só poderão ser percebidas e desestabilizadas
e subvertidas, na medida em que:
Estivermos atentas/os para suas formas de produção e reprodução. Isso
implica operar com base nas próprias experiências pessoais e coletivas, mas
também, necessariamente, operar como apoio nas análises e construções
teóricas que estão sendo realizadas (LOURO, 2010, p.121).
Assim sendo, temos de admitir que qualquer iniciativa ou proposta de
desestabilização dos atuais arranjos sociais, de acolhida ou de estímulo a novos arranjos
precisa contar, necessariamente, com a construção de redes de aliança e solidariedade
entre os vários sujeitos envolvidos na prática educativas e escolares – dentro e fora da
escola
De acordo com Cardoso (1997, p.279), gênero tem sido, desde a década de
1970, o termo usado para teorizar a questão da diferença sexual. Assim,
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[...] Foi inicialmente utilizada pelas feministas americanas que queriam
insistir no caráter fundamental social das distinções baseadas no sexo [...]o
gênero se torna, inclusive, uma maneira de indicar as “construções sociais” –
a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e
às mulheres.
Dentro dessa visão, a relação de poder e status entre grupos está ligada à
identidade social, que permite ao grupo dominante na sociedade, por deter o poder e o
status, impor valores e ideologias que, por sua vez, servem para legitimar e perpetuar os
estatus quo. Vale lembrar, ‘que os indivíduos nascem já inseridos numa estrutura e,
simplesmente em função do sexo ou classe social, entre outros itens, são “colocados”
num ou noutro grupo (LUCENA, 2003).
Scott (1988), aponta o equívoco de se conceber o par “diferença-igualdade”
como um “dilema”, ao qual as feministas teriam necessariamente de se entregar.
Lembra que a luta primeira se centrava na reivindicação da igualdade entre mulheres e
os homens (igualdade social, política, econômica).
Portanto, se admitimos que a escola não apenas transmite conhecimentos,
nem mesmo apenas os produz, mas que ela também fabrica sujeitos, produz identidades
étnicas, de gênero, de classe; se reconhecemos que essas identidades estão sendo
produzidas através de relações de desigualdade; se admitimos que a escola está
intrinsecamente comprometida com a manutenção de uma sociedade dividida e que faz
isso cotidianamente, com nossa participação ou omissão; se acreditamos que na prática
política, isto é, que se transforma e pode ser subvertida; e, por fim, se não nos sentimos
conformes com essas divisões sociais, então certamente, encontramos justificativas não
apenas para observar, mas, especialmente, para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades (LOURO, 2010, p.85)
Quando afirmamos que as identidades de gênero e as identidades sexuais se
constroem em relação, queremos significar algo distinto e mais complexo do que uma
oposição entre dois polos; pretendemos dizer que as várias oposições de sexualidade e
de gênero são interdependentes, ou seja, afetam umas às outras.
Ainda, que os movimentos coletivos mais amplo sejam certamente
importantes, nos sentido de interferir na formulação de políticas públicas- em particular
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políticas educacionais – dirigidas contra a instituição das diferenças e a perpetuação das
desigualdades sociais, também parece urgente exercitar a transformação a partir das
práticas cotidianas mais imediatas e banais, nas quais estamos todas/os
irreversivelmente envolvidas/as. Há, no entanto, um modo novo de exercer essa ação
transformadora, pois, ao reconhecer o cotidiano e o imediato como políticos, não
precisamos ficar indefinidamente à espera da completa transformação social para agir
(LOURO, 2010, p.122).
Afinal, homens e mulheres, através das mais diferentes práticas sociais,
constituem relações em que há constantemente, negociações, avanços, recuos,
consentimentos, revoltas, alianças. Nas palavras de Foucault (1988, p.91) “lá onde há o
poder, há resistência e, no entanto esta nunca se encontra em posição de exterioridade
em relação ao poder”. A resistência ou melhor, a multiplicidade de pontos de
resistência, seria inerente ao exercício do poder.
Desse modo, é importante trabalhar os conceitos citados para que haja uma
melhor compreensão do que é o PRONERA, educação do campo, memórias e
identidades, e assim, possa-se discutir e analisar as narrativas das mulheres campesinas
que buscam a ascensão no campo educacional e de que forma o PRONERA contribuiu
para sua vida profissional e pessoal.
Portanto, constitui-se como tarefa epistemológica a busca dos elementos
estruturados das relações desiguais entre os sujeitos. Considerando a relevância dos
aspectos da formação educacional na vida da mulher do campo.
3 METODOLOGIA
Para investigar e analisar os impactos do PRONERA no assentamento
Cajazeira em Barra do Corda – MA, fundamenta-se no método objetivo exploratória
que para (PRODANOV, 2013, p.52) “permite o estudo do tema sob diversos ângulos e
aspectos”. E para o seu delineamento, recorreu aos procedimentos técnicos da pesquisa
de campo que requer como primeiro passo uma realização de pesquisa bibliográfica
sobre o tema em questão com referência à natureza das fontes, buscando assim, extrair
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os elementos empíricos através dos instrumentos como questionários e entrevistas para
fins de interpretação dos dados.
Para tanto, realizar-se-á uma pesquisa de natureza qualitativa e quantitativa,
buscando ampliar os conhecimentos relativos a educação do campo e a alfabetização de
jovens e adultos. Tal estudo será analisado a partir da pesquisa de campo, bem como
investigar as políticas educacionais para a Educação do Campo desde o período
imperial, passando pela Primeira República, e chegando à atualidade.
Optou-se pelos pressupostos da pesquisa qualitativa que, segundo Triviños
(1987), não admite visões isoladas, fragmentadas. A ênfase é no processo de
investigação, que ocorre através de uma interação constante possibilitando avanços e
reformulações na pesquisa. A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como a
tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais
apresentadas pelos entrevistadores, em lugar da produção de medidas quantitativas de
características ou comportamentos (RICHARDSON 1999, p.12).
Com a pesquisa qualitativa pretende-se analisar as narrativas que foram
realizadas com as mulheres alfabetizadora do Assentamento Cajazeiras, na expectativa
de coletar informações em relação a educação da mulher com o processo emancipatório,
assim como compreender e diagnosticar as principais perspectivas das mulheres do
campo a partir do processo educacional.
Nessa concepção, será realizada uma investigação no assentamento no que
diz respeito ao papel da educação, e se a ampliação da escolaridade trouxe melhorias e
qual a contribuição do PRONERA na sua vida pessoal e profissional.
Além disso, será realizada uma análise quantitativa mediante aplicação de
questionários com questões fechadas para perceber qual o perfil das mulheres que atuam
como educadoras da Educação de Jovens e Adultos no assentamento e assim confrontar
os dados com o referencial teórico.
Tendo definido a modalidade da pesquisa, a escolha dos procedimentos
metodológicos, visando apreender a forma plena no universo da investigação,
estabeleceu-se dois instrumentos para a coleta de dados: a pesquisa de campo - que
permitirá um contato significativo com o objeto de estudo, na perspectiva de analisar as
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principais dificuldades em continuidade ao estudo; e, a entrevista semiestruturada, que,
de acordo com Triviños ao mesmo tempo em que valorizam a presença do pesquisador,
oferecem ao informante liberdade e espontaneidade, o que enriquece a investigação e
resgate da literatura (TRIVIÑOS, 1987).
Sendo a categorização um dos procedimentos indispensáveis na análise de
conteúdo, Minayo recomenda que trabalhar com categorias significa agrupar elementos,
ideias ou expressões em torno de um conceito. Neste sentido a opção é pela análise dos
dados, prestando atenção ao rigor epistemológico, controle ideológico e
comprometimento com a fidedignidade das informações (MINAYO, 1995).
Para o autor esta abordagem:
É a expressão das Ciências Sociais, porque descreve o desafio da pesquisa
social, ou seja, [...] o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo
[...] possui instrumentos e teorias capazes de fazer uma aproximação da
suntuosidade que é a vida dos seres humanos em sociedade, ainda que de
forma incompleta, imperfeita e insatisfatória. Por isso, ela aborda o conjunto de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos nos sujeitos
nos significados e nas representações (MINAYO, 1995, p. 15).
De modo geral este trabalho se perfaz através de uma pesquisa bibliográfica
e de mídia sustentada o seu referencial teórico, e se concentra em um estudo de campo.
Assim, o universo da pesquisa será constituído pelas mulheres do campo do
assentamento Cajazeira. Sendo que a amostra será definida pelo critério de
acessibilidade isto é, a seleção será mediante a facilidade de acesso aos sujeitos
pesquisados.
4 PERSPECTIVAS DA MULHER DO CAMPO A PARTIR DO PROCESSO
EDUCACIONAL
No projeto ofertado no assentamento Cajazeira, contava-se com sete
mulheres ao total, sendo seis educadoras e uma coordenadora local. Uma das
educadoras não reside mais no assentamento, morando atualmente no Estado de São
Paulo.
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Neste processo de aplicabilidade do questionário, a identificação das
participantes das entrevistadas será caracterizada pelas iniciais dos nomes.
Tabela 11 – Perfil da coordenadora local e educadoras egressas do PRONERA no
assentamento Cajazeira (2016)
Nome Idade Estado Civil Filhos Raça/cor Religião Escolaridade
R. D.B 35 a Casada 2 Parda Católica Ens. Superior incompleto
E. S. R 38 a Solteira 1 Parda Católica Ens. Superior Completo
J. D. S 34 a Casada 2 Branca Católica Ensino Médio (magistério)
M.A.L 33 a Solteira 1 Branca Católica Ens. Superior incompleto
R. P. S 56 a Casada 4 Branca Católica Ens. Superior Completo
W.M.C 52 a Casada 2 Branca Católica Ens. Superior Completo
Fonte: Elaborada pela pesquisadora com base em questionários aplicados, 2016
Dentre as mulheres que responderam ao questionário, cinco delas realizaram
o Curso de Magistério pelo PRONERA e uma no ensino fundamental, também
escolarizada pelo Programa em 2007-2009. Outro ponto a ser observado em relação à
escolaridade são as mulheres que prosseguiram com os estudos após o término do
projeto, sendo que três delas atualmente tem nível superior completo, duas estão em
fase de término no Curso de Pedagogia, e uma delas realizou o Ensino Médio no Curso
de Magistério.
É importante observar que das seis mulheres que responderam ao
questionário, quatro consideram-se como raça/cor branca, duas delas se identificaram
de cor parda. A faixa etária das educadoras varia entre 33 e 56 anos.
Observa-se, pelo levantamento dos dados, que as educadoras têm um
número reduzido de filhos, sendo que apenas uma educadora tem quatro filhos. Esse
resultado se organiza na intencionalidade das mulheres em crescer profissionalmente e
buscar melhorias de vida para sua realização pessoal e ajustando a jornada de trabalho,
estudos a tarefas domésticos.
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As mudanças são visíveis em relação ao complemento da escolaridade, e
uma das variáveis, talvez a mais importante, é a explicação da queda da fecundidade em
que:
[...] O avanço da escolaridade feminina, pois há uma significativa correlação
entre mais anos de estudo e menor número de filhos. De 1981 a 2013, a
proporção de mulheres jovens adultas, de 25 a 34 anos, com ensino médio
completo passou de 19% para 65%, enquanto a taxa de analfabetismo
funcional caiu de 38% para 6% nesse grupo (GOIS, 2016, p.01)
Nesse contexto, as educadoras estão mais preocupadas em sua vida
profissional e conceder melhor condições de vida para os filhos. Para Gois (2016), na
matéria em o Globo intitulada “Mais educação, menos filhos”, o autor aponta que as
mulheres brasileiras do Nordeste, que se encontram entre as 20% mais pobres do país,
estão tendo um número reduzido de filhos.
Essa preocupação percebe-se na PNAD (2013), a média era de duas crianças
por mulheres no Nordeste. Assim, as educadoras do Projeto em Cajazeiras que tem um
a dois filhos têm idade entre 33 e 52 anos. Das seis educadoras, incluindo a
coordenadora local, quatro atuam como professoras concursadas, três exercem a
profissão no assentamento Cajazeira e uma no município de Barra do Corda. As demais
educadoras que estão no trabalho doméstico são as que têm ensino superior incompleto.
Assim, para Bulgacov et al. (2010) a mulher trilha a sua carreira tentando
equilibrar a vida com a família e os seus objetivos pessoais com a vida profissional,
diferente do homem que busca o trabalho como sua principal atividade, sem colocar
nenhuma outra ação no meio. Percebe-se então, que a atividade fora e dentro do lar para
as mulheres é uma alternativa de gerar renda, organizando o seu tempo, seu futuro e seu
destino profissional. Desse modo, as mulheres estão cada vez mais ingressando no
ensino superior, “[...] consequentemente, o nível educacional das mulheres é maior do
que o dos homens na faixa etária dos 25 anos ou mais [...]” (PORTAL BRASIL, 2016).
Porém as mulheres ainda estão na invisibilidade do trabalho, essa condição
consiste na redução da remuneração e a dupla jornada de trabalho, porém as políticas
públicas para as mulheres rurais, que foram implementadas pelo Governo Federal por
meio do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, têm o intuito de buscar
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melhorias quanto à remuneração adequadas à jornada de trabalho e acesso com o
desenvolvimento na educação, “[...] estimulando uma inserção soberana na família, na
economia e na participação cidadã [...]” (DI SABBATO, 2009, p.9).
Destaca-se a responsabilidade das mulheres pelo trabalho doméstico e
dos cuidados que elas têm em função da sua conexão à maternidade. Essa visão é
pensada mediante o trabalho destinado ao homem como produtivo, enquanto às
mulheres destina-se a esfera reprodutiva. Em muitos casos, as mulheres participam
tanto dos trabalhos produtivos quanto reprodutivos.
Constata-se que as mulheres do assentamento têm mais acesso a
educação, e esse fato se dá devido ao desejo de obter um bom emprego e poder
ajudar com as despesas da casa, como apontou à educadora (R. D. B, 35 anos).
Logo, percebe-se esse acesso às salas de aula quando se observa um número
expressivo de mulheres inseridas no mercado de trabalho, e essa inserção só é
possível a partir “das conquistas obtidas na luta pela emancipação feminina
passaram a ser vistas como conquistas da civilização” (ALVES; PINTANGUY,
1982, p. 36).
Porém, nem sempre a inserção dessas mulheres nos bancos escolares foi
positiva, ainda se percebe que a mulher fica a mercê somente do trabalho doméstico,
sem muitas possibilidades de estudos, nesse caso, “[...] o papel designado à mulher
resumia-se em ser boa esposa e excelente mãe [...]” (COLLING, 2010, p.37).
Essa afirmação se adequa com a opinião do marido de uma das
educadoras quando o projeto em Cajazeira iniciou, pois os homens não permitiam as
mulheres serem escolarizados em São Luís - MA, pois para eles a “mulher é para
cuidar dos filhos” (João, 2007), porém, esse pensamento mudou com a persistência
das educadoras em continuar no Programa. Contudo, veremos que a
responsabilidade da mulher enquanto educadora do PRONERA não mudou nos
papéis que elas exercem “os papéis de esposa, de mãe, de filha, de organizadora do
orçamento doméstico, de provedora, de profissional competente” (GIULANI,
p.651,2011) pelo contrário, ficava ainda mais atarefada com triplas jornadas de
trabalho.
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MESTRADO PROFISSIONAL
ENTRE O ORAL E O ESCRITO: EDUCAÇÃO NOS EXEMPLA LLULLIANOS
EM FÉLIX, O LIVRO DAS MARAVILHAS (1288-1289)
Flávia Santos Gomes
A supremacia do oral sobre o escrito na sociedade medieval é fato há muito
discutido, questões como os índices de analfabetismo e a falta de acesso à cultura
letrada são elementos que acompanham as explicações sobre a predominância da
oralidade no medievo.
Neste sentido, Jacques Verger destaca que o escrito, no ocidente medieval,
assumiu função de “simples ligação ou anexo da oralidade e da memória” (VERGER,
2001, p. 10). Percebemos assim a estreita relação ente o oral e o escrito na sociedade
medieval.
Ao discutir sobre a ascensão dos códigos jurídicos no medievo, Batany
afirma que mesmo as leis são tornadas públicas e, portanto, aceitas socialmente, não no
momento de sua aprovação enquanto legislação, mas a partir do momento que esta é
lida publicamente e sua composição seguiam o que o autor denominou “modelos de
diálogos”. Ou seja, sobre sua composição repousava a ideia que esta era feita para ser
publicizada oralmente, como podemos perceber no texto a seguir:
Um senhor que recebe uma carta, mesmo que sua instrução lhe permita
inicialmente examiná-la por si próprio, faz em seguida que ela seja relida em
voz alta, para melhore compreendê-la, melhor compreender a voz de seu
correspondente [...] quase sempre, o escritor ditava sua obra em voz alta, ás
vezes após tê-la rascunhado sobre tabuinhas enceradas, logo apagadas,
simples auxílio da memória. (BATANY, 2002, p. 390)
Em geral, os textos medievais são construídos na perspectiva da leitura
pública, assim, a esta estaria à serviço da narrativa e estava cercada de elementos
populares que aproximavam o leitor/ouvinte dos textos/narrativas, estes em geral
escritos e propagados pelos clérigos, grupo que dominava a cultura escrita no Ocidente
Medieval.
Ao pensar a categoria erudito na sociedade medieval Verger destaca que na
Alta Idade Média, esta era composta por clérigos e monges que em geral restringiam-se
à leitura e escrita do “latim de maneira mais ou menos correta” (VERGER, 1999, p. 16)
e que os leigos compunham, em geral, uma massa de iletrados. Destaca ainda que nos
séculos XII e XIII embora se percebesse o aumento da quantidade de laicos que
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dominavam, mesmo que superficialmente, a leitura e a escrita, estes pertenciam à uma
elite, fato que nos leva a entender que significativa parte da sociedade medieval
continuava à margem do acesso à educação formal (VERGER, 1999).
Compreendemos assim a preponderância do oral sobre o escrito na
sociedade medieval por meio da perspectiva da limitação do acesso às camadas mais
populares espaços de ensino na Idade Média.
Mesmo dentro do currículo educacional medieval, baseado no sistema das
Artes Liberais, o oral assume um papel de relativa importância. Dividido em trivium
(gramática, lógica e retórica) e quadrívium (geometria, aritmética, astronomia e
música), as artes liberais formavam a base do conhecimento na Idade Média, compondo
o trivium, “as artes da palavra e do signo” e o quadrivium “as artes dos números e das
coisas” (VERGER, 2001, p. 74).
Nos reportaremos aqui essencialmente às artes do trivium para destacarmos
a estreita relação ente o oral e o escrito na estrutura de saber do ocidente medieval.
Na obra Didascalicon, que Marchionni descreve como “um divisor de águas
no saber mundial” (2001, p.9), encontramos uma “introdução aos estudos” à qual
tinham acesso os estudantes do início do segundo milénio. Escrita em 1127 por Hugo de
São Vítor (1096-1141), esta obra tinha como base outros expressivos pensadores da
educação na Idade Média, como Santo Agostinho, Marciano Capella e Isidoro de
Sevilha (MARCHIONNI, 2001).
Ao discorrer sobre as artes do trivium, Hugo de São Vítor descreve a
gramática inicialmente como a “ciência de falar sem erro” e posteriormente completa
“atua gramaticalmente qualquer um que escreve e fala corretamente” (HUGO DE SÃO
VÍTOR, 2001, p. 129).Assim, percebemos que esta disciplina, conhecimento ou ciência
como refere-se o autor, não estaria associada unicamente à escrita, mas essencialmente à
oratória.
Ramon Llull, filósofo catalão medieval que viveu entre 1232 e 1316, em
Doutrina para Crianças (1274-1276) reafirma o conceito estabelecido por Hugo de São
Vítor e conceitua a gramática como “falar e escrever retamente” (LLULL, 2010, p. 54)
e afirma ser esta o “portal pelo qual se passa para saber as outras ciências” (LLULL,
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2010, p. 54). A Retórica por sua vez seria “falar bela e ordenadamente, através das
palavras que são agradavelmente ouvidas” (LLULL, 2010, p. 55).
Percebemos assim que, mesmo no universo da cultura letrada, o falar ocupa
lugar de destaque, nos séculos XII e XIII, período que Le Goff afirma ter havido uma
ascensão da escrita, chegando defender a ideia de uma “civilização do livro”, servindo a
grafia constantemente ao propósito da oralidade, uma vez que esta última alcançaria
maior público, pois os livros ainda estavam relegados à uma pequena parcela da
sociedade, em geral “ricos e poderosos”. (LE GOFF, 2010, p. 180-182)
Ao se reportar à questão da escrita no mundo medieval, Batany destaca que
se faz necessário “encontrar a fala atrás do escrito (...), tentar escutar sua voz”
(BATANY, 2002, p. 388-394). Isto serve ao propósito ao qual nos debruçamos, que é
pensar como si constrói o sistema educacional nas obras do filósofo catalão Ramon
Llull.
Na obra Didascalicon, acima citada e da qual já falamos da importância no
cenário medieval, Hugo de São Vítor destaca uma característica fundamental para
pensar a educação por meio da oralidade e escrita no mundo medieval que é a questão
da necessidade da brevidade dos ensinamentos. Para o autor o ato de ensinar deve estar
amparado da síntese para facilitar a aprendizagem.
Quando ensinamos, tudo deve ser resumido sinteticamente e exposto de
maneira a ser facilmente compreendido, devendo bastar uma exposição
quanto mais breve e rigorosa possível sobre aquilo que está sendo tratado,
para evitar que, ao multiplicarmos as explicações não pertinentes, turbemos ao estudante ao invés de edifica-lo. Não deve ser dito tudo aquilo que
podemos dizer, para que não seja dito de modo menos aproveitável aquilo
que devemos dizer. (HUGO DE SÃO VÍTOR, 2001, p. 145)
A obra que nos propomos analisar aqui, a fim de identificarmos os modelos
educativos propostos por Llull para a composição de uma sociedade harmônica – que
seria alcançada com a efetivação da pedagogia llulliana, esta por sua vez, não serviria
unicamente ao propósito da educação formal, mas em especial à uma educação que
levaria os homens à salvação.
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Propomo-nos a analisar obra Félix, O Livro das Maravilhas (1288-1299)
que está permeada pela relação oral-escrito, composta essencialmente com o uso do
exemplum, gênero amplamente utilizados nas obras medievais, e que servem ao
propósito do ensinamento breve.
Este estilo é utilizado na obra do maiorquino com função educativa, sendo
caracterizados pela brevidade e fácil memorização, a fim de instruir os homens entre
outras coisas, sobre os padrões de comportamento, os dogmas religiosos, o
conhecimento das coisas, o ordenamento social e principalmente a forma como alcançar
as glórias do paraíso, uma vez que o propósito maior da obra de Llull era conduzir a
sociedade à salvação.
O EXEMPLUM E SUA FUNÇÃO EDUCATIVA EM FÉLIX, O LIVRO
DAS MARAVILHAS (1288-1299)
A obra Félix, o livro das maravilhas de Ramon Llull foi escrito entre 1288 e
1289 durante a visita de Ramon à cúria romana e à corte de Felipe, o Belo, e marca o
momento em que o autor entra no cenário político europeu para além de Maiorca.
Na visita à Roma Ramon tinha por finalidade convencer o Papa Honório IV
da importância da edificação de mosteiros onde fossem ensinadas a língua árabe e dos
demais infiéis a clérigos que se dedicassem à conversão destes, entretanto, por ocasião
do falecimento do pontífice Ramon dirige-se à corte francesa.
A obra é uma novela que tem como finalidade a educação do mundo cristão.
Passando uma visão pessimista da sociedade em que vive, pois, segundo o autor, os
homens não estavam no cumprimento do propósito de sua criação, “conhecer, amar e
seguir a Deus”. Assim, Ramon desenvolve uma narrativa que tem como protagonista
Félix, que segundo Batllori seria uma “extensão metafórica e literária do próprio Llull”
(BATLLORI apud COSTA, 2009, p. 13).
Toda a narrativa é construída com base nos exempla, que Jacques Le Goff
conceitua como “conto breve dado como verídico (=histórico) e destinado a ser inserido
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num discurso a fim de convencer um auditório por meio de uma lição salutar” (LE
GOFF, 1994, p. 123).
O autor afirma ainda ser o exemplum:
É uma historinha, dada como verídica e destinada a inserir-se num discurso
(em geral um sermão) para convencer um auditório através de uma lição
salutar. A história é curta, fácil de guardar, convence. Utiliza-se da retórica e
dos efeitos da narrativa, impressiona. Engraçada ou, mais frequentemente, de
dar medo, a historinha dramatiza. O que o pregador oferece é um pequeno
talismã, que, bem compreendido e realmente levado a efeito na prática, deve
trazer a salvação. É uma chave para o paraíso (LE GOFF, 2007, p. 16)
Fica claro no conceito do autor a importância do exemplum no discurso, um
estilo que serve à propagação por meio da oralidade que compre à funcionalidade da
educação, da padronização do comportamento humano a fim de conduzir os homens à
salvação.
Le Goff afirma ainda que o exemplum teve no século XIII sua “idade de
ouro”, justo o período em que Ramon viveu maior parte de sua vida (1232-1316),
recebendo grande influência deste estilo, popular entre os frades mendicantes, aos quais
Llull tinha grande admiração e buscava seguir seus modos de vida (LE GOFF, 1994).
Segundo Matoso, estes breves textos de caráter sapiencial são mutuamente
baseados nas narrativas populares e transmissoras de “preceitos que a Igreja
institucional, as ordens religiosas ou os pregadores procuram difundir a partir do fim do
século XII” (MATTOSO, 2013, p. 193), inserindo-se no contexto da propagação da
pregação como meio de conversão, estes textos possuem um forte caráter educativo,
uma vez que são carregados dos valores morais e religiosos que se pretendiam para a
época.
Quanto à do exemplum na funcionalidade da educação moral dos homens
medievais, Mattoso afirma que na Península Ibérica as narrativas exemplares ganharam
popularidade, uma vez que “vem ao encontro da tradição mediterrânica transmitidas
pelos árabes, e acolhida com interesse pelos clérigos nas cortes senhoriais e régias”
(MATTOSO, 2013, p. 194).
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É neste contexto que Ramon Llull desenvolve a obra Félix, o livro das
maravilhas, construído com ampla utilização do exemplum, que na obra assume a
função de educar por meio das possibilidades de analogias que podem ser feitas na vida
cotidiana dos homens medievais, e está sempre inserido na busca das ‘verdades’, dos
‘conhecimentos’ inquestionáveis, que na concepção dos homens do período, entre ele
Llull, vem de Deus.
De origem na Antiguidade greco-romana, o exemplum é cristianizado,
cumprindo na Idade Média uma intensa função educativa, tidos como “instrumentos de
ensino e/ou edificação” do homem, dando ciência a este sobre como agir em diferentes
situações, tendo os exempla como “semelhança”1 de qual postura tomar frente às
adversidades vividas (LE GOFF, 1994, p. 123).
O exemplum llulliano esboça-se temporal e espacialmente em lugares não
definidos, contrariando-se, pois, ao tempo histórico, no qual Le Goff afirma estar
amparado os textos exemplares do século XIII, o tempo do exemplum llulliano é o da
eternidade, que o autor visa garantir aos homens ao lado de Deus, uma vez que sua obra
tem como finalidade máxima a salvação humana.
Ao caracterizar os exempla contidos em Félix, o livro das maravilhas,
Ricardo da Costa afirma:
O exemplum luliano nunca é realista e não pretende ter um valor de
documento histórico. Embora o objetivo seja o mesmo, o de converte ou
reformar através de histórias moralizantes, Ramon busca uma atemporalidade
e uma utopicidade aplicáveis universalmente. (COSTA, 2009, p. 16)
O prólogo nos é bastante revelador quanto às finalidades da obra que, em
nossa ótica, visa promover a educação do mundo cristão, forjando os modelos
pretendidos ou rechaçados pelo autor e pela sociedade do período. Como era comum
nas obras de Ramon, ele dedica Félix, o livro das maravilhas a Deus que, segundo
discutimos anteriormente, era a figura central da mentalidade da época, para a qual
todas as estruturas convergiam. Assim inicia-se a obra:
1 O termo ‘semelhança’ é usado em Félix, o livro das maravilhas para nominar os exempla.
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Deus, em virtude de Sua Bondade, Grandeza, Eternidade, Poder, Sabedoria e
Vontade, começa este livro das Maravilhas.
Em tristeza em languidez estava um homem em terra estranha.
Fortemente se maravilhava como as gentes deste mundo conheciam e
amavam tão pouco a Deus, que criou este mundo com grande nobreza e
bondade e o deu aos homens a fim de que por eles fosse amado e conhecido
(LLULL, 2009, p. 30 grifo nosso).
Como citamos anteriormente a obra é permeada por um tom pessimista e
crítico, conforme podemos observar desde o início da obra. Também destacamos
anteriormente que a obra fora escrita durante a viagem de Ramon à Santa Sé e à corte de
Felipe, o Belo fato que é posto na obra quando o autor destaca que o homem,
personagem inicial da narrativa, encontra-se em “terra estranha”, assim, tanto o homem
quanto Félix são representações literárias do próprio Llull, percebendo-se em algumas
passagens que o protagonista da obra é um personagem autobiográfico do autor.
A falta de homens que conhecessem e amassem a Deus no mundo
configura-se como o elemento inicial para a composição da obra, feita a fim de que
fossem conhecidas pelos homens as formas de retornar-se ao cumprimento da ‘primeira
intenção’ da Criação.
No texto que segue ao citado anteriormente, temos a apresentação de Félix,
protagonista da narrativa, que recebe de seu pai, o homem citado anteriormente, a
missão que ele cumprirá no decorrer da obra.
Este homem tinha um filho que muito amava e tinha por nome Félix, ao qual
disse estas palavras:
-Amável filho, quase mortas estão a sabedoria, a caridade e a devoção, e
poucos são os homens que estão na finalidade para qual Nosso Senhor os
criou. Não existem mais o fervor e a devoção que costumavam existir nos
tempos dos apóstolos e dos mártires que, por conhecerem e amarem a Deus,
definhavam e morriam (LLULL, 2009, p. 30).
Eis que neste fragmento Ramon explicita os modelos sociais perfeitos da
época e que são refletidos na obra, o ideal dos apóstolos e dos mártires, aos quais o
próprio filósofo se põe a seguir e que transformará no padrão de perfeição de santidade
em sua obra.
Ramon enfatiza que as virtudes estão em desuso e que precisam ser
retomadas, tendo como ideal o tempo dos apóstolos e mártires. O ideal de santidade não
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é único durante toda a medievalidade, no decorrer período os modelos se transformam,
com a valorização de padrões diferentes ou ainda a coexistência de modelos diversos.
Vauchez destaca alguns destes modelos que se configuraram como padrões de santidade
no decorrer do período. Em geral estes indivíduos, que são vistos exemplos de
seguidores e imitadores de Deus, em especial na pessoa do Filho, que buscavam em
vida aproximar-se da “perfeição cristã”.
Os séculos XII e XIII são marcados pela valorização do estilo de vida
eremítico caracterizado pela vida de contemplação, adotando uma postura de seguidor
do exemplo de Cristo. O eremita do período em questão é essencialmente um peregrino
e um pregador (VAUCHEZ, 1989).
Filho de seu tempo, é justamente neste ideal de santidade que Ramon Llull
irá seguir, e é este padrão que irá propagar como exemplo a ser seguido. Ao colocar
Félix como um homem que anda pelo mundo em busca da ‘verdade’, que será
encontrada, no decorrer da obra, a partir do momento que este personagem se encontra
com outros diversos homens que seguem também este modelo.
Estes andarilhos, que seguem ao propósito de ensinar e aprender, inspiram-
se no exemplo de Cristo, que podemos encontrar no Evangelho de Mateus quando assim
fala Jesus: “Jesus percorria toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o
Evangelho do Reino e curando toda e qualquer enfermidade do povo” (Mateus 4, 23).
Antes de adentrarmos no modelo humano representado por Félix na obra,
retornamos ao prólogo da novela a fim de percebermos o propósito dado ao protagonista
por seu pai e que será seguido e defendido como ideal de comportamento do bom
cristão no decorrer da narrativa. A missão dada a Félix é a seguinte:
Convém que vás maravilhar-te onde a caridade e a devoção se foram. Vai
pelo mundo e maravilha-te porque os homens cessam de amar e conhecer a
Deus. Que toda tua vida seja em amar e conhecer a Deus, e chora pelas faltas
dos homens que ignoram e desamam a Deus (LLULL, 2009, p. 30).
Como já dissemos anteriormente, Ramon usa um tom depressivo na obra,
por considerar que os homens já não cumprem ao propósito da Criação, assim, propõe
que Félix maravilhe-se com o fato dos homens não mais conhecerem e amarem a Deus.
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Na viagem Félix encontra ou tem conhecimento de diversos modelos
humanos – reis, cavaleiros, peregrinos, clérigos, mulheres, sábios, burgueses –
exaltados e/ou condenados por Ramon a fim de que os homens percebessem os padrões
a serem seguidos ou negados para que o projeto universalista da sociedade proposto por
Llull fosse efetivado.
Num caminho criteriosamente pensado por Ramon Llull, a busca por
conhecimento empreendida por Félix segue a seguinte ordem: De Deus, Dos Anjos, Do
Céu, Dos Elementos, Das Plantas, Dos Metais, Das Betas, Do Homem, Do Paraíso, Do
Inferno. Os dois primeiros livros referem-se aos seres celestiais (Deus e os Anjos), os
seis livros seguintes alude-se à Criação de Deus (céu, elementos, plantas, metais, bestas
e homens) e os dois últimos referem-se ao destino das almas após a morte (paraíso ou
inferno).
Seguindo à lógica da Criação, Félix segue conhecendo o mundo partindo de
Deus e dos anjos, adquirindo ciência sobre a ‘verdade’ de Suas existências, em seguida
parte a conhecer o mundo que, assim como na Criação, principia com a criação do céu e
da terra, no primeiro dia, e encarra com o homem, no sexto dia, e, finalmente, parte para
rumo desfecho da obra, o destino da humanidade ao fim de sua viagem, o paraíso ou o
inferno.
O termo ‘maravilha’ que é central na obra, a começar pelo subtítulo ‘o livro
das maravilhas’, é usado no sentido de ver, observar. Diferente do ‘maravilhoso’
discutido por Jacques Le Goff, que herança da tradição pagã é cristianizada no decorrer
da Idade Média referindo-se ao sobrenatural e ao milagroso, relacionado diretamente às
ações de Deus, mas, visto por vezes como ilusões ou magia diabólica, associadas à
engodos produzidos por Satã. (LE GOFF, 1990; LE GOFF, 2002). Ricardo da Costa
destaca que o maravilhar-se em Ramon Llull com “ato de admiração”, “de
experimentar”, refere-se à uma “curiosidade intelectual”:
O ato de maravilhar-se, conceito que percorre todo o Livro, é a forma
llulliana de contemplação do mundo, ao lado da meditação solitária
tipicamente medieval, uma “evasão metafísica e transcendental do mundo real”. O maravilhoso em Ramon Llull é, sobretudo, pura admiração, um ato
de experimentar sentimentos de admiração. (COSTA, 2009, p. 15)
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Em um ato tipicamente clerical, cumprindo ao propósito ao qual é destinado
por seu pai, Félix é obediente e sai a andar pelo mundo maravilhando-se com as ações
dos homens.
Félix foi obediente ao seu pai, do qual se despediu com a graça e a bênção de
Deus. E, com a doutrina que seu pai lhe deu, andou pelos bosques montes e
planícies, pelos lugares ermos e povoados, encontrou com príncipes e
cavaleiros pelos castelos e pelas cidades e se maravilhava com as maravilhas
que existem no mundo. Perguntava o que não entendia, explicava o que sabia
e metia-se em trabalhos e perigos a fim que a Deus fizesse reverência e
honra. (LLULL, 2009, p. 29-30)
Destacamos neste fragmento da obra que Félix se dispõe a cumprir o
propósito de ser um andarilho, um viajante, em busca essencialmente de conhecimento,
para tanto ele percorre diversos espaços, encontra com inúmeros personagens e passa
por diversas provações, expondo-se ao perigo. Félix pode assim ser então caracterizado
como um peregrino, que se expõe aos perigos do mundo em busca de observar o
comportamento humano e pondo-se à uma prova física e espiritual.
Para os homens medievais, dedicar-se à peregrinação estava relacionado à
purificação do corpo, à expiação dos pecados, por meio da qual se purificaria a alma
conduzindo os homens à proximidade com Deus e consequentemente à salvação (SOT,
2002).
Assim, o exemplo que Félix passa aos homens medievais é o do penitente, o
peregrino que mortifica o corpo, purificando-o, a fim de cogitarem as glórias do Paraíso,
pois segundo Costa, “o objetivo da obra é salvar almas perdidas, pois à medida que o
leitor caminhar com o protagonista da novela conhecerá Deus e suas obras” (COSTA,
2009, p. 15)
O comportamento de Félix é condizente com o entendimento e submete a
sua vontade para o pleno cumprimento de sua missão. O segundo objetivo da missão do
protagonista é o martírio, a peregrinação.
Estes dois elementos, conhecimento e peregrinação, são as bases do
comportamento de Félix, o que o aproxima dos eremitas, sem dúvida o modelo humano
mais recorrente na obra.
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Os eremitas descritos na obra, a exemplo do próprio Félix, fazem dos
lugares ermos em que vivem os seus claustros, seguindo uma vida próxima à monástica,
vivem a preservação da virgindade e em estado de oração, somando-se a estas práticas o
estado de contemplação, a busca do conhecimento, a mortificação do corpo por meio do
martírio e a dedicação à pregação, por meio da propagação das “verdades da fé”
adquiridas pela observação do comportamento humano, da contemplação da obra de
Deus e do estudos da Filosofia e da Teologia.
Em Félix, o livro das maravilhas Llull explicita sua intensa preocupação
com a necessidade de que os homens conheçam a Deus. Para Llull, os homens que mais
conhecem a Deus são os que mais possuem a capacidade de amá-Lo. Assim, nutrido de
conhecimento os homens estariam mais aptos a valorizar a Deus e sua criação. Como
percebemos no fragmento a seguir, no qual Félix mostra seu desejo em saber o que é
Deus.
-Senhor eremita, disse Félix, sabereis me dizer o que é Deus? Desejo muito
sabe-lo, porque com o conhecimento que teria ao saber o que é Deus, minha vontade exaltar-se-ia parara amar a Deus mais fortemente do que O amo,
pois é natural que graças ao entendimento iluminado a vontade tenha
mais força para amar aquilo que o entendimento conhece (LLULL, 2009,
p. 37 grifo nosso)
Da mesma forma que conhecer Deus é caminho para mais fortemente amá-
lo, Ramon defende que o conhecimento de Deus auxilia os homens a afastarem-se do
pecado e dos deleites do mundo.
Quando os homens deste mundo têm prazeres nos deleites temporais, mas
não amam estes deleites pelo Criador para que com eles e neles saibam amá-
lo e conhecê-Lo, Deus se distancia daqueles homens, e por este
distanciamento, os homens não podem ter conhecimento de Deus, nem em Deus podem ter deleite que teriam se O conhecessem. Porém, quando deixam
de amar os deleites deste mundo, usando dos deleites e do mundo para amar a
Deus, então os deleites do mundo e o mundo interrogam o homem, e lhe
ensinam o modo de amar e de ter conhecimento de Deus. Por isso belo filho,
disse o eremita, podereis ter neste mundo o conhecimento do que é Deus. Se
amardes o mundo por ele mesmo, Deus fará que o mundo o afaste do amor a
Ele; se amardes o mundo para conheceres a Deus, ele fará que o mundo vos
signifique Deus (LLULL, 2009, p. 39).
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Para Llull, o conhecimento de Deus não pode ser alcançado por todos os
homens, a exemplo desta questão, o autor afirma que os burgueses não seriam capazes
de ter a ciência de Deus, e que, suprindo tal impossibilidade, os homens que não
possuíssem conhecimento de Deus fossem movidos pela fé. Como podemos perceber no
exemplum a seguir:
- Numa cidade, um mercador, que tinha muitos dinheiros e com ele
trabalhado por muito tempo, ficou muito doente, tanto corporal como espiritualmente. Ele estava doente espiritualmente porque duvidava da Santa
Trindade de Nosso Senhor Deus, já que não podia entender que Deus pode
ser Um em essência e em Trindade de pessoas. E como não entendia, e crer
não sabia, duvidava da fé, pela qual dúvida estava em estado de danação (...)
enquanto aquele mercador estava nesse grande perigo, desejou ter trabalhado
tanto para amar e conhecer a Deus da mesma forma que tinha juntado as
riquezas deste mundo, as quais sabia que não poderiam ajudá-lo (...) Assim,
pelo grande desejo que o mercador tinha de servir a Deus, Ele lhe espirou a
luz da fé em sua alma, com a qual entendeu o que não entendia da Santa
Trindade de Deus não devia descrer, pois Deus ordenou a fé nos homens para
que com a fé eles acreditem no que não entendem, já que a Trindade é coisa
tão elevada para se saber que os homens que são mercadores e negociantes de coisas mundanas não podem entende-La. (LLULL, 2009, p. 51)
O conhecimento de Deus estava assim relegado aos homens que por meio
do sacrifício corporal, da contemplação, da purificação, do seguimento dos preceitos
cristão, do exercício das virtudes e do afastamento do mundo e dos vícios
aproximavam-se de Deus.
Félix, o livro das maravilhas tem uma variedade de modelos educativos
maior que O livro dos mil provérbios, o modelo de comerciante, grupo que ganha
notoriedade principalmente a partir do século XII, período do ‘renascimento urbano’ e
do florescimento comercial’, expresso na primeira obra, não chega a ser citado na
segunda. Associado ao pecado da usura que Jacques Le Goff afirma ser “um dos
grandes problemas do século XIII”, especialmente pelo fato do tradicional antagonismo
entre o cristianismo e o apego aos bens materiais, em especial ao dinheiro (LE GOFF,
2007, p. 12).
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O apego ao dinheiro, avareza, elevado à condição de pecado, responsável
pela condução dos usurários ao inferno era negado pela Igreja, que amparada na
tradição bíblica, o coloca como não pertencente às coisas de Deus2.
No exemplum a seguir Ramon discorre sobre como os bens materiais são
incapazes de satisfazer os homens:
Um mercador tinha mil besantes3 e desejou poder ter outros mil. Quando teve
dois mil, imediatamente desejou ter mais, e assim ganhou cem mil besantes, mas ainda não obteve a satisfação em sua alma. Por isso, o mercador ficou
muito maravilhado e cogitou que a satisfação de seu desejo não estava nos
dinheiros, e teve opinião que seu desejo ficaria satisfeito em ter castelos, vilas
e posses, os quais desejou ter e teve, mas ainda não encontrou satisfação, pois
quanto mais comprava e tinha, mais crescia sua vontade de ter vilas e
castelos. Enquanto o mercador multiplicava suas riquezas vendo que não
podia saciar-se, pensou em sua alma que podia saciar-se tendo mulher e
filhos. E teve mulher e filhos, e ainda não satisfeito, desejou ter honraria e
muitas outras coisas. E quanto mais tinha, mais sua alma desejava ter. muito
fortemente se maravilhou o mercador por não poder saciar sua alma com
nada deste mundo, e no fim considerou ter Deus em sua alma. E então
quando amou e serviu a Deus com o que Deus lhe tinha dado, ficou satisfeito e pleno, e não quis ter mais nada. (LLULL, 2009, p. 40)
Na Idade Média havia uma visão pessimista sobre o mercador, o comércio,
costumeiramente associado ao judeu e sua prática inevitavelmente conduziria à danação
eterna. Entretanto, Ramon propõe que por meio da fé, do desamor ao dinheiro e
especialmente da caridade estes homens poderiam cogitar a salvação. Isso nos mostra,
que o burguês, embora em um contexto geral apresente-se na Idade Média como um
homem em estado de danação, para Llull é parte integrante do projeto educativo que
visa levar a sociedade à salvação.
Assim, nos exempla llullianos, o autor visa dar alternativas para que este
grupo social cogite alcançar as glórias do paraíso, uma vez que o projeto pedagógico de
2 Sobre contrariedade entre dinheiro e Deus, encontramos exemplos no Evangelho de Mateus: “Então
Jesus disse-lhes: “O que é de César, dai a César: o que é de Deus, a Deus”. E ficaram muito admirados a
respeito dele” (Mateus, 12, 17); “Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará
o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis seguir a Deus e ao Dinheiro”
(Mateus, 6, 24). 3 Besante, originalmente a versão bizantina do solidus romano e, durante séculos, uma das moedas
básicas do comércio no Mediterrâneo – Ricardo da Costa.
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Ramon é universalista, uma vez que inclui tanto a educação do mundo cristão quanto a
conversão de todos os homens ao Cristianismo, vista como verdadeira fé.
Destacamos que na viagem de Félix são os mestres que seguem à vida
eremita, costumeiramente caracterizados como santos homens que transmitem ao
personagem o conhecimento do mundo e que vivem a mortificação do corpo por meio
da fome, do sofrimento, das doenças e da morte, havendo assim uma íntima relação
entre a santidade, almejada pelos homens, o sofrimento e a salvação.
Em Félix também percebemos a importância do conhecimento de Deus para
a salvação dos homens, o protagonista por duas vezes cai em pecado, a primeira por
questionar a existência de Deus, nesta ocasião, exposta logo no início da obra, ele
encontra com uma pastora temente a Deus e que é morta por uma raposa ao defender
seu rebanho. Félix cogita como Deus havia permitido que uma mulher tão fiel havia
sido abandonada por Ele. A partir de então o protagonista terá, por meio dos
ensinamentos do um ‘santo homem’, o conhecimento da existência de Deus, sobre o que
é Deus, sobre a Unidade e a Trindade, de onde Ele existe, da Encarnação e por fim da
Paixão.
O segundo momento em que Félix cai em pecado se dá por meio da dúvida
da fé. Ao presenciar como o mundo está corrompido da intenção de sua Criação, pois
em seu caminho encontra com um clérigo na companhia de uma “louca fêmea” a quem
estava conduzindo até um prelado com que ‘cometeria pecado’. Uma falta tida como tão
grande por um alto membro da Igreja, leva Félix a questionar da fé como percebemos
no fragmento a seguir:
Félix considerou muito a respeito do prelado que andava com a louca fêmea.
Depois considerou a pobreza na qual Jesus Cristo e os apóstolos estiveram no
mundo. Enquanto Félix assim cogitava teve a opinião que o prelado não
acreditava em Jesus Cristo, nem na fé católica, porque se acreditasse, veria que por causa da louca fêmea ele estava contra Deus e contra sua ordem.
Enquanto Félix assim cogitava, teve a tentação de pensar que a vida de Jesus
Cristo foi em vão, e começou a duvidar de sua fé, dúvida que o fez cair em
grande meditação. (LLULL, 2009, p. 68)
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Como citamos anteriormente, para Llull o maior pecado é aquele cometido
pelo membro da Igreja, pois este deveria mais fortemente cumprir o propósito da
Criação e manter-se fiel à Primeira Intenção, a fim de dar exemplo à sociedade.
Percebemos na descrição de Ramon da ‘louca fêmea’ o modelo de mulher
negado na concepção do autor, associada à vaidade e à luxúria, este era o
comportamento a ser evitado pelas mulheres medievais. Félix repreende a mulher
advertindo-a quanto ao seu estado de danação:
- Oh, louca fêmea! Como me fazes muito maravilhar! Choraste quando caíste
do palafrém na água e molhaste tuas vestimentas, ornadas para poder usá-las
na sujeira da luxúria. Louca fêmea, por que não choras por caie da celestial
glória para a qual foste criada? Tu mesmo te enterraste no caminho pelo qual
cairás no abismo infernal, pois tem destruído e sujado teu lembrar, teu
entender e teu amar no fedor da luxúria. Chora louca fêmea, porque perdeste
Deus e porque sujaste tua alma em tal vil obra. (LLULL, 2009, p. 68)
O questionamento da fé que surge em Félix, mostrando-se como porta de
entrada para outros vícios, o protagonista. Esta concepção era comum entre os
medievais, especialmente o pecado da luxúria, que segundo Llull “emporcalhava o
corpo” levando a ama à danação, era visto como condição para que o desejo pela prática
dos demais vícios se manifestassem.
Félix, pela descrença, pela dúvida na “encarnação do Filho de Deus”,
incorre no pecado da luxúria. Ao sofrer a “tentação muito grande de pecar” com uma
mulher que perdera seu filho e que estava a caminho de um eremitério, indo ao encontro
de Blaquerna, caracterizado como santo homem que tinha muito conhecimento de
Teologia e Filosofia.
Esta mulher, que é descrita na obra como devota e sábia, estava a caminho
de um eremitério no qual buscaria consolo pela grande ira e sofrimento em que se
encontrava devido à morte de seu filho.
Nesta passagem encontramos o que para Ramon era um dos padrões de
comportamento feminino, caracterizada pela devoção, pela grande sabedoria e pelas
santas palavras.
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A seguir dá-se mais um encontro com um eremita (Blaquerna) do qual Félix
receberá por meio de diversos exempla as respostas aos seus questionamentos e a saída
para a situação de pecado na qual estava. Fortalecido na ciência e na fé Félix sai errante
pelo mundo a descobrir a Criação de Deus.
Na obra fica claro que todos os elementos da Criação possuem as virtudes
originárias de Deus, como criaturas de Deus, perfeito em virtudes, toda a Criação recebe
e reflete exemplo da perfeição divina. Assim, a busca de Félix em conhecer o mundo
mostra aqui seu sentido, conhecer a Deus por meio de Sua criação.
Outra característica comum aos homens medievais expressa na obra é a do
homo viator. O homem medieval vê a vida como uma passagem, uma viagem, na qual
caberia a cada um tornar-se merecedor de ao fim da jornada de desfrutar das glórias do
paraíso. A morte seria assim, para os homens medievais, o momento em que todas as
suas ações, em vida, seriam medidas e os seus destinos, salvação ou danação eterna,
seriam definidos mediante seus merecimentos (PAYEN, 1996)
O próprio Félix, no decorrer da narrativa, mostra-se como um seguidor da
vida eremita, virgem, em busca do conhecimento, viajante, o protagonista, em sua
jornada, no cumprimento da missão proposta por seu pai, percorre diversos espaços, que
tanto podem ser relacionados com o real – bosques, vilas, cidades, cortes – quanto
podem estar relacionados ao imaginário maravilhoso. É o caso da fábula que compõe o
sétimo livro de Félix, O livro das maravilhas, uma fábula onde os personagens são
animais que compõem um reino, aos moldes dos reinos humanos.
Na fábula segue-se, neste reino maravilhoso, a eleição de um rei, dentre os
animais o escolhido fora o Leão, entretanto, discordâncias surgem entre as bestas sobre
a soberania do Leão frente aos demais animais. A escolha do rei é conduzida na fábula
em meio a um jogo de interesses dos animais, em busca de um rei que concordasse com
as particularidades de cada um, e cada personagem defende a realeza de um animal
diferente, enaltecendo as virtudes de cada “candidato” à realeza, dentre elas destacam-se
grandeza, humildade, beleza, ligeireza e especialmente força, característica que acaba
por conduzir definitivamente o Leão ao posto.
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A seguir, dá-se a escolha dos conselheiros do rei, ponto primordial da obra
uma vez eu a intencionalidade da obra repousa justo no aconselhamento ao rei da
“maneira sobre a qual deve reinar e como deve se proteger dos maus conselhos e dos
homens falsos” (LLULL, 2009, p. 235).
Na obra o mal conselheiro do rei é a personagem Dona Raposa, que insufla
outros integrantes da fábula contra o Leão, chagando mesmo a tramar sua morte.
Entretanto, seguindo às virtudes divinas, que devem ser exercitadas pelos reis a fim de
conduzir seus súditos à salvação, em especial à justiça, o Leão mantém a finalidade de
sua função, mata a Dona Raposa e restitui o ordenamento no reino.
Os pesquisadores que se dedicam a analisar o Livro das bestas afirmam que
esta fora feita em para Felipe IV, o Belo (1268-1314) rei da França. Como afirmamos
anteriormente, Félix, O livro das maravilhas foi composto durante a visita de Ramon à
corte francesa. Ao caracterizar o reinado de Felipe IV Jacques Krynen afirma:
Com Felipe, o Belo, a França experimenta de súbito, em todos os campos,
um absolutismo monárquico exasperado. Isso é incontestável. Entretanto, parece que esta maneira de governar se quer absolutamente pura, não
somente consolidada por princípios e procedimentos extraídos do direito
romano, mas plenamente justificada na missão religiosa da realeza capetiana
(KRYNEN, 2013, p. 297).
Felipe, o Belo converge com as características de um bom administrador e
de rei temente a Deus que busca exercer a função de conduzir seu povo à salvação. No
exemplum a seguir Ramon deixa muito claro quais seriam as atribuições encontradas em
um bom rei e em um mal rei:
- Um louco rei desejava ser rei e senhor do reino de outro rei que era muito
sábio, tinha bons costumes e mantinha seu reino em paz e justiça. Este rei que
era sábio desejava ser rei do reino do louco rei, porque lhe parecia má coisa
um rei reinar onde não existissem sabedoria, justiça e regimento. Aconteceu
que ambos os reis combateram, aquele rei que tinha sabedoria e justiça foi
vencido e o louco rei foi senhor do reino do rei vencido. O louco rei manteve
os dois reinos que possuía em grande sofrimento, porque não era sábio em possuir a terra, e, por sua ignorância e mau costume as gentes tiveram em
guerras e na pobreza, e muito mal se seguiu. (LLULL, 2009, p. 44)
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As mesmas características contidas no exemplum anterior são encontradas
em diversos outros, como percebemos no texto a seguir:
- Em uma terra havia um rei que era muito belo e tinha muito bons costumes
nas virtudes. Aquele rei tinha grande poder sobre as gentes e riquezas,
era forte e tinha coragem muito nobre. Um cavaleiro seu tinha grande
desejo de que existissem no muno muitos reis semelhantes a ele, para que no
mundo houvesse amor e concórdia entre um rei e o outro, e que ao mesmo tempo o mundo estivesse em tal disposição que Deus fosse conhecido e
amado pelas gentes (LLULL, 2009, p. 44. Grifo nosso).
A vontade do cavaleiro de que houvesse mais reis bons, expressa na última
citação é associada ao maior conhecimento e amor de Deus pelos súditos, ou seja, ao
cumprimento da intenção da criação de Deus. Assim, o reino ordenado, conduzido por
um rei de bons costumes seria também condição de salvação do seu reino, enquanto o
mal rei seria o responsável pela danação das gentes.
Como dissemos anteriormente, o principal modelo expresso na obra é o de
eremita – homem que se retira da vida em sociedade para viver em contemplação,
expiando pelos pecados da humanidade e desenvolvendo por meio da Filosofia e da
Teologia o conhecimento de Deus, aproximando-se Dele e cogitando as glórias da
Salvação – percebemos isto por meio da recorrência deste padrão na obra, sem sombra
de dúvidas ele é o mais citado.
Nota-se principalmente a importância destas figuras na obra por ser
representado pelo protagonista. Félix é um eremita e se põe como modelo a ser seguido.
No desfecho da obra – ao chegar a uma abadia, onde após contar sobre suas
experiências, encontra a morte, fim de todos os homens – é enaltecida a necessidade de
que mais homens como ele se dediquem à vida eremita em busca das ‘maravilhas’ da
Criação, por meio das quais se conhece Deus.
O ato de contar as experiências vividas é comum na Idade Média, constitui-
se como um elemento educativo, uma vez que, pelo exemplo, ínsita os homens a
tomarem uma postura semelhante à do narrador, e busca dar testemunho das obras e das
‘verdades’ de Deus. Em Félix, o livro das maravilhas Ramon assim afirma:
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Félix contava todos os exemplos e as maravilhas ao abade e aos monges e,
em recontar, o abade e todos os monges se deleitavam, porque eram palavras
muito prazerosas de se ouvir, e existiam muitas coisas de sabedoria e de
doutrina, e muitas coisas o homem sabe a respeito do estado deste mundo e
do outro (LLULL, 2009, p. 346)
É por meio do recontar, enquanto ato de doutrinar, de educar que ao fim da
vida Félix encontra, na abadia onde morre. No leito de morte, desolado por não poder
continuar no propósito de andar pelo mundo ‘maravilhando-se’ Félix pede a Deus: -
“Senhor Deus, se te agrada que eu falhe em cumprir este ofício, que Tu o dês a outro
que seja mais digno que eu, e que aquele complete, por mérito, o que falhei por ter a
vida abreviada” (LLULL, 2009, p. 347).
Segue-se a narrativa do sepultamento de Félix, enterrado na dita abadia
diante do altar, momento no qual durante a pregação do abade um monge descrito como
“homem santo, de boa vida” (LLULL, 2009, p. 347) se dispõe a seguir a missão de
Félix.
O monge [...] clamou misericórdia ao abade, ajoelhou-se diante dele e de
todo o convento e, em lágrimas e com grande devoção, pediu que recebesse o
ofício que Félix tinha, e que andasse pelo mundo conforme o que fora
concebido a Félix. O abade e todo o convento consentiram, colocaram-lhe o
nome de “segundo Félix”.
O abade deu sua bênção a Félix, e Félix andou pelo mundo recontando o
Livro das Maravilhas, e multiplicando-o conforme as maravilhas que, por
todos os tempos, tivessem naquele monastério um monge que recebesse
aquele ofício, e que tivesse o nome de Félix (LLULL, 2009, p. 347-348).
Assim, Félix configura-se como o modelo ideal de homem em busca da
santidade e da salvação. Suas atividades em vida serviriam para orientar a sociedade a
forma como cogitar a o gozo das glórias do Paraíso, todos os personagens com que
Félix encontra ou de quem ouve falar são elementos para sua construção enquanto
homem que alcança a sabedoria da Criação e principalmente a ciência de Deus, que na
obra é tida como caminho para que os homens alcançassem a salvação.
A obra revela-se assim como um manual educativo, que visa por meio das
semelhanças expostas dar conhecimento aos homens de como comportarem-se em vida
a fim de alcançar no pós-morte a salvação, objetivo maior dos homens medievais, que
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se daria, como discutido, por meio da prática das virtudes, do afastamento dos vícios e
do cumprimento dos dogmas estabelecidos pela Igreja.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada sociedade e tempo histórico produz seus modelos humanos. Como visto, o
modelo humano instituído na Idade Média foi amparado na religião cristã. Frente à uma
sociedade diversificada e heterogênea, principalmente quando nos referimos à Baixa
Idade Média, período em que viveu Ramon Llull, e sobre o qual refletem suas obras, o
Cristianismo foi o fator unificador desta sociedade.
Para Ramon Llull a educação seria o meio de ordenar a sociedade em torno
de um projeto pedagógico pautado nos dogmas cristão. Assim, o autor visava fornecer à
sociedade ocidental do século XIII modelos de comportamento que deveriam ser
seguidos e que tinham como fundamento o pleno segmento dos preceitos cristãos.
Frente à dinamicidade da sociedade do século XIII, os diversos indivíduos – reis,
mulheres, cavaleiros, citadinos, comerciantes – deveriam servir ao princípio de amar,
adorar e servir a Deus. A fé cristã seria assim o elemento de coesão destes diversos
grupos.
Os exempla enquanto elemento educativo levava aos homens medievais os
valores pretendido na época a fim de dar aos indivíduos modelos que deveriam ser
seguidos ou refutados pelos homens do século XIII.
Assim, os modelos humanos aqui expostos, assim como os demais
integrantes da sociedade medieval estão ligados pela religiosidade, fator primordial para
se compreender a sociedade do ocidente medieval. Ambos faziam parte de um mesmo
projeto de ordenamento social que tinha como função maior levar os homens à Salvação
no pós-morte.
REFERÊNCIAS
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ENTRE A ESCOLA E O TERREIRO: ENCANTARIA E CULTURA
ESCOLAR NO MARANHÃO
Reinilda de Oliveira Santos
1. INTRODUÇÃO
O interesse em discutir religiões afro brasileiras em sala de aula surgiu de
uma entrevista com um filho do afamado pai de santo José Negreiros1 durante o
desenvolvimento do trabalho monográfico. Na ocasião ele alegou ser a escola o
ambiente em que se sentiu mais reprimido e recriminado por fazer parte de terreiro.
Partindo dessa inquietação, decidir perceber os espaços e não espaços ocupados pelas
religiões afro brasileiras no âmbito escola de são Luís percebendo suas fragilidades na
cultura escolar, com foco na trajetória dessa temática no âmbito educacional do país.
Em um país onde, segundo Fernandes (2005), o mais adequado seria
falarmos em “culturas brasileiras” ao invés de “cultura brasileira” ainda é comumente
perceptível um desconhecimento e despreparo em se trabalhar essa diversidade cultural
no ambiente escolar. Constantemente, é observado na sociedade, manifestações de
incompreensão e preconceito existente em relação às religiões afro-brasileiras. No
universo escolar, crianças e adolescentes oriundos dessas vertentes religiosas
geralmente passam por situações constrangedoras devido a esse processo de desrespeito
que está arraigado na própria constituição do Brasil. Na realidade, é nesse ambiente que
elas se sentem mais reprimidas em assumir determinadas identidades.
Antes de tudo, deve-se destacar que em vários estados do Brasil é possível
perceber a disseminação dos cultos afros. Esta proliferação pode ser vista, de certa
forma, como a vitória de saberes e fazeres que, através de homens e mulheres africanos
que atravessaram o oceano, se arraigaram á sociedade brasileira. Assim, variando de
acordo com a origem territorial africana e o contato com práticas e saberes nativos, foi
se configurando um campo múltiplo, diversificado e rico de expressões culturais e
religiosas de marca popular e negro-mestiça. No caso do Maranhão, tornou-se muito
1 SANTOS, Reinilda de Oliveira. José Negreiros: “pulava e brincava, rufava o pandeiro”. In: Boletim da
Comissão Maranhense de Folclore. Número 56, junho de 2014, p. 14-15.
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comum o Tambor de Mina, no Piauí o Catimbó, no Amazonas a Pajelança, em Alagoas,
Sergipe e Pernambuco o Xangô, na Bahia o Candomblé, na região central a Umbanda, e
na região sul o que se convencionou denominar de Batuque. Essas são categorizações
comuns, entretanto há inúmeras variações no âmbito de cada uma dessas regiões.
Em vista disso, é inquestionável a necessidade de se explorar esses temas
em sala de aula levando em conta sua diversidade e peculiaridades. No Maranhão, a
partir da análise da literatura existente sobre a temática e experiência no universo da
macumba2, pode-se aferir que são mais comuns na cidade de São Luís a pajelança e o
tambor de mina, contudo no interior do estado essas expressões recebem classificações
diversas: Badé, Berequete, Pajelança, Jirumga, Panguará, Iemanjá, Baía, Terecô, Cura,
Brinquedo de Cura ou simplesmente Brinquedo.
Desta forma a escola, que deveria ser um ambiente que subsidiasse uma
leitura crítica da diversidade religiosa existente no país, muitas vezes se posiciona de
forma inadequada, trazendo elaborações equivocadas com o intuito de desqualificar e
demonizar essa religião. Diante disso é válido frisar que, além das ações afirmativas de
grupos específicos como o movimento negro e o advento da lei 10.6393, um passo
importante e demasiado necessário que precisa ser trilhado é o da mudança no processo
educacional, sobretudo, no ensino fundamental. Nesse contexto, a disciplina de História,
assim como a de Ensino Religioso,4 deve colaborar nesse processo de valorização e
legitimidade das diferentes concepções de religião, desde que as mesmas sejam
ministradas por profissionais qualificados para tal tema, concentrando, assim, a atenção
2 De acordo com Berkenbrock (1998) o termo está associado à vertente religiosa de origem afro originaria
no Rio de Janeiro, e embora seja utilizada de forma pejorativa por não membros das religiões afro brasileiras é uma referencia comumente utilizada por membros de terreiros, sobretudo, no interior do
estado, para designar a as festas, além de ser um instrumento musical. É interessante destacar que na
maioria das vezes os membros desconhecem os termos “acadêmicos”, “cientificizados” e em vista disso,
o termo acaba abarcando as diversas vertentes. 3 O advento da Lei nº 10.639/2003 se deu em meio a um intenso debate social amplificado pela mídia,
que expressava os primeiros impactos da implantação de programas de ação afirmativa em algumas
universidades brasileiras. O texto das "Diretrizes" apresenta dimensões normativas relativamente
flexíveis, sugerindo referências, conteúdos e valores para a ação docente, em consonância com o
pressuposto formativo e educativo da valorização da pluralidade cultural - mote, aliás, já presente nos
Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998. (PEREIRA, p.01, 2001) 4 Tendo base legal pela Constituição Brasileira/1988, art. 210 e LDB/1996, art. 33 alterado pela Lei 9475.
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necessária para se compreender a diversidade cultural e religiosa existente no país,
voltado principalmente para realidade a qual os alunos estão inseridos.
Vale destacar que o terreno da questão religiosa é, no campo educacional,
um dos mais árduos a se debater, especialmente no que se refere à cultura afro-
brasileira, considerando não apenas o processo histórico de estigmatização dessas
religiões desde o Brasil Colônia, mas também os movimentos mais recentes de ataque,
fomentado ,sobretudo, por igrejas evangélicas. Assim é necessário problematizar esse
tema nas escolas, pois, de um lado, ao incorporar essa discussão, abre-se a possibilidade
de um rompimento real com o proselitismo no ambiente escolar, por outro, deve-se
reconhecer este como um espaço indispensável para se pensar a problematização das
relações étnico-raciais no país. Partindo assim do pressuposto de que é significativo
criar um sentimento de pertencimento do aluno á realidade histórica.
Para tanto é preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si
capazes de fornecer o sentimento de identidade (por conseguinte, de
pertencimento) e ao mesmo tempo a capacidade crítica para reconhecer e lidar com as diferenças e situa-las no tempo, (ou seja,
situá-las historicamente) nesse sentido pode-se dizer que o objetivo da
História escolar é ensinar/aprende a pensar historicamente rompendo com as naturalizações e abrindo o horizonte de expectativa. (ROCHA,
2009, p.16)
Com isso, acredita-se que o Ensino de História é um campo profícuo para a
formação de “consciência histórica”, conceito desenvolvido por Rusen (2007), que
aprofunda uma defesa da necessidade de uma interligação entre ciência e ensino, amplia
a possibilidade de se compreender a relação aluno-professor e o papel da aprendizagem,
tornando-se o arcabouço teórico fundamental para o trilhar desse trabalho. Esta
informação torna-se pertinente uma vez que inclui a história científica como uma das
possibilidades, de orientação e constituição de identidades na vida prática. Vale lembrar
que sua compreensão é fundamental para os atuais estudos nas áreas de teoria e ensino
de história, afinal sua teorização acerca da história a torna mais abrangente ao entender
que todo o indivíduo é capaz de interpretar historicamente seus atos e se orientar na vida
prática. Neste sentido, a história científica como conhecemos, para Rüsen, será apenas
uma das facetas do conhecimento histórico.
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Posto isso, é interessante observar a relação do ensino com o tempo
histórico no processo de assimilação de conteúdos, “para fomentar a consciência
histórica”. “Rusen acredita que este processo ocorre através de narrativas do presente a
fim de explicar o passado,uma vez que o passado seria uma representação abstrata do
presente e serve para o engendrar da consciência histórica.” (CERRI, 2011, p.05). Com
isso, para problematizar o conteúdo referente às religiões de matrizes africanas, os
educadores precisam explanar acerca desse passado religioso, a fim de conscientizarem
os alunos de seu papel na história e fazê-los entender como se deu esse processo e,
sobretudo, a importância dele nos dias atuais. Sobre isso Monteiro salienta que:
Em primeiro lugar, o fundamental é levar o aluno a compreender e
aprender determinado conteúdo ou conceito, os quais fazem parte da História e são recontextualizados na cultura escolar, materializando as
correlações de força presentes no espaço de ensino – seja esse formal
ou não. Dessa forma, os conteúdos eleitos na História ensinada revelam uma faceta da História e, ao mesmo tempo, silenciam outras
tantas histórias. [...] A construção de um conhecimento que transpassa
o espaço físico da escola e o espaço conceitual da História é o
combustível motriz da História ensinada. (MONTEIRO, 2011, p.116)
Com isso, o professor deve ser preparado para priorizar a autocrítica, a
autoavaliação e trocar experiências, pois os alunos precisam ter consciência de si dentro
da história. Desta forma torna-se necessário fazer esse diálogo envolvendo os diferentes
tempos históricos, e essa ação não pode ser realizada como uma iniciativa isolada, mas
como fruto de um esforço coletivo em prol de um melhoramento na educação.
A história não deve e não pode confundir-se com o simples
aprendizado de conteúdos, mas deve perseguir a possibilidade de
adquirir competências especificas capazes de fundamentar uma reelaboração incessante da experiência temporal com relação ás
experiências passadas. Mas do que passar conteúdos através de uma
boa didática estas teriam que dá condições de criar as bases para o estabelecimento de relações com o passado que são necessariamente
distintas segundo os presentes vividos. (GUIMARÃES, 2009, p.49)
Após trazermos ao debate o que Rüsen define por razão, é interessante
pensar o papel do professor nesse processo de criação e definição de consciência dos
processos históricos, pois o pensador alemão trabalha com a ideia de que a consciência
histórica, formada por meio da razão, é desenvolvida através daquilo que o indivíduo
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valida como racional embasado na sua capacidade argumentativa. Segundo Bitencourt,
“atualmente, considera-se necessário ao público escolar das mais diferentes faixas
etárias [...] partir do conhecimento do vivido (senso comum) para que se possa situar as
problemáticas enfrentadas na vida em sociedade.” (2004, p.190), Pois como salienta
Rocha (2009, p. 18 ), “a História ensinada está entre a história do senso comum, a vida
prática e o que é produzido na corte acadêmica.” Não há como desvincular a vivência
do aluno dos conteúdos ministrados em sala de aula no processo de construção da
consciência histórica e do próprio aprendizado.
De acordo com o argumento de Martins, “a tessitura dos processos
reflexivos do pensamento e da consciência histórica se dá em diferentes círculos da vida
pessoal e social.” (p, 2001.45) Assim, pensar o ensino de história e seus
desdobramentos implica compreender a complexa maquinaria que circunda a realidade
escolar. Com isso, é interessante repensar, por exemplo, a forma de organização
curricular e também incentivar ações pedagógicas, esse é um dos passos mais
importantes nesse processo, a partir daí os professores reformulariam meios de
implantação do que está posto no currículo. Partindo disso, no âmbito da sala de aula é
interessante inicialmente trabalhar a sensibilização dos alunos, fazendo com que estes
entendam as diferenças religiosas dentro do contexto da História da nação,
contextualizando com o ambiente no qual estão inseridos.
Neste sentido, é válido pensar que o motor da transformação historiográfica
é a demanda social, a realidade dos alunos, ou seja, a revisão da historiografia não
começa na academia, mas na sociedade e nesse momento se inclui a escola, como local
visível destes descompassos. Assim, é a partir da vivência dessas pessoas que o
professor precisa considerar o processo de problematização de determinados assuntos.
Esta informação torna-se pertinente uma vez que inclui a história científica como uma
das possibilidades de orientação e constituição de identidades na vida prática. Ou seja,
dentre os inúmeros polos formadores do pensamento histórico, capazes de atribuírem
sentido e orientação, à escola cabe o papel da inserção do conhecimento metodizado
como realimentação do conhecimento cotidiano. Nessa perspectiva,
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A formação histórica é, antes, a capacidade de uma determinada
constituição narrativa de sentido. Sua qualidade específica consiste
em (re)elaborar continuamente, e sempre de novo, as experiências
correntes que a vida prática faz do passar do tempo, elevando-as ao nível cognitivo da ciência da história, e inserindo-as continuamente, e
sempre se novo (ou seja: produtivamente), na orientação histórica
dessa mesma vida. Aprender é a elaboração da experiência na competência interpretativa e ativa, e a formação histórica nada mais é
do que uma capacidade de aprendizado especialmente desenvolvida.
Essa capacidade de aprendizado histórico precisa, por sua vez, ser aprendida. (RÜSEN, 2007, p.94)
Assim, ao ensino da História pode-se dizer, cabe uma dupla missão: a de
identificar a tradição presente nas narrativas e a de propiciar o desenvolvimento da
competência narrativa dos alunos, garantindo que não se perca neste processo a
racionalidade contida no conhecimento histórico em sua dimensão científica, capaz de
satisfazer interesses e orientar o aluno para um entendimento da sua vivencia.
Na realidade, como propõe Rüsen (2010) o indivíduo não mobiliza sua
consciência histórica intencionalmente, mas a utiliza com a necessidade de atribuir
significado a fluxos sobre o qual não possui controle. Ele a vivencia desde a percepção
de sua própria historicidade, até a inserção da consciência em diferentes contextos da
história humana. Ela é, de modo geral, inerente ao estar no mundo. Por outro lado,
advoga sobre a intencionalidade do agir no tempo, afinal os seres humanos só podem
agir no mundo se o interpretarem e interpretarem a si mesmo de acordo com suas
intenções.
Dessa forma, a relação entre a teoria da História e o ensino se dá na medida
em que compreendemos como dimensão da ciência especializada da história, sua
relação com o cotidiano, com os interesses e com a orientação da vida prática. Nesse
sentido se faz necessário frisar como a vida prática está sendo problematizada em sala
de aula, com foco especifico nas práticas religiosas. Na realidade, pensar a História
enquanto objeto de prática pedagógica e, sobretudo, fazer uma relação entre a História
escrita e a ensinada é uma tarefa árdua. Daí a importância de pensar em seus percalços
antes de entender como ela pode ser melhorada.
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2. RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: REFLEXÕES HISTÓRICO-
CULTURAIS NO COTIDIANO ESCOLAR
Tendo em vista que, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) n.º 9.394/96 estabelece, de início, no seu inciso III, do art. 3° que o ensino
deverá respeitar o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, o professor tem
que estar atento em não transmitir em sala de aula suas concepções religiosas e, sim,
como lembra CARNEIRO (1998), pelo “eixo igualdade/alteridade”. A heterogeneidade
cultural é o foco das escolas e do componente curricular, sobretudo das disciplinas
História, Sociologia e Ensino Religioso, entretanto, ocorre o contrário nas salas de aulas
do Brasil. Mesmo em lugares com fortes traços afro-brasileiros as escolas focam os
estudos apenas em católicos e protestantes. No caso do Maranhão, as religiões de matriz
africana deveriam ter uma abordagem ampla. Mesmo tendo em vista que o ensino
público deve ser laico os educadores têm que conviver com a religião para enegrecer,
não substituindo um sistema por outro e, sim, promover um diálogo.
A lei 10.639/03 muitas vezes é desconhecida pelos professores, pouco se
questiona se ela de fato está sendo seguida ou se as escolas estão preocupadas em
ensinar esses conteúdos aos alunos e como estão repassando, pois, para efetivar a real
aplicação da mesma, os diretores, a equipe pedagógica e os professores precisam
aprofundar o conhecimento teórico metodológico sobre o assunto e viabilizar condições
para consolidação deste conhecimento, com a intenção de implantar na escola uma
prática antirracista. Tendo em vista que uma prática que repudie o racismo e qualquer
forma de preconceito nas escolas, pode contribuir para um esclarecimento e
reconhecimentos dos alunos enquanto pertencentes á história, com voz e participação
ativa neste processo.
Assim, a prática e o ato de reflexão dessa prática exercida no espaço da sala
de aula contribuem para o surgimento de uma ressignificação do conceito de docente,
aluno, aula e de aprendizagem. Nessa perspectiva o professor deve assumir o papel de
facilitador e mediador do conhecimento, proporcionando uma aprendizagem em que o
estudante seja sujeito do processo de ensino-aprendizagem. Agindo como mediador, o
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docente está dando a oportunidade aos alunos de terem autonomia na construção do seu
próprio conhecimento como forma de compreender a realidade social em que vivem.
Nessa perspectiva, percebe-se que a preparação do professor para o ensino
voltado para a pluralidade cultural seja um importante caminho, bem como o estímulo
ao diálogo entre as diversas disciplinas, na tentativa de superar o eurocentrismo cristão,
que colocou o negro e sua cultura como inferiores no seio do processo histórico
educacional brasileiro. Assim, o primeiro passo é levar em conta os traços culturais que
formaram o povo brasileiro e, no que se refere à temática, considerar a imensidão de
caracteres do branco e do negro. Já é sabido que a contribuição cultural do africano
sempre foi posta sob um olhar etnocêntrico do europeu, mas, temos que aprender a
reconhecer a criatividade e perseverança dos seus descendentes em tentar reavivar seus
costumes e suas crenças. Como aponta Rodrigues (1977) “de todas as instituições
africanas, entretidas na América pelos colonos negros ou transmitidas aos seus
descendentes puros ou mestiços, foram às práticas religiosas do seu fetichismo as que
melhor se conservaram no Brasil.” (p. 240). Nessa perspectiva Monteiro argumenta
que:
Pensar o espaço da sala de aula como “lócus” argumentativo é um
desafio pedagógico para o professor na produção de sentido histórico
e na desnaturalização da realidade conforme o senso comum. A nosso ver, a função epistemológica essencial da História ensinada desafia o
professor a buscar meios e estratégias para que o aluno olhe com
estranheza para o que comumente é naturalizado e, em muitas das vezes, dogmatizado. (MONTEIRO, 2011, p. 114)
Apesar disso, o que vem acontecendo, em geral, é que o profissional adota a proposta
interconfessional cristã, evitando buscar informações sobre outras religiões, não
propondo um diálogo entre as diversidades religiosas, o entendimento do homem entre
o sagrado e a relação entre si, impossibilitando que o aluno tenha o sentimento de
pertencimento á História.
Sabe-se que as religiões afro-brasileiras fazem parte do grupo de religiões
minoritárias, mas não quer dizer que seja menos importante do que o catolicismo,
religião historicamente majoritária no Brasil. Assim, tendo em vista as comunidades
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religiosas, o movimento negro e outros grupos que vêm buscando valorizar suas raízes
africanas para redimensionar seu papel na sociedade brasileira a escola desempenha
papel primordial nessa militância e busca de reconhecimento e consolidação.
Com isso, diante da delicadeza e gravidade dessa temática o ambiente
escolar ao ser sensibilizado sobre o problema do racismo e preconceito, torna-se
responsável pela promoção de uma educação antirracista, no sentido de não medir
esforços para garantir igualdades de condições de aprendizagem visando essa
diversidade. Contudo temos o contrario dessa realidade, neste sentido, CAPUTO
destaca que:
Nos terreiros, as crianças e adolescentes sentem orgulho de sua fé, são tratados com respeito, recebem cargos como os adultos da hierarquia
do culto e aprendem, entre outras coisas, um vocabulário imenso em
yorubá. Já na escola, eles escondem a fé e inventam formas de invisibilidade para não serem discriminados. (CAPUTO, 2012, p.187)
Em andanças pelo maranhão, na casa Fanti Ashanti, e em contato com as
crianças oriundas de lá, a autora destaca que há forte semelhança entre a realidade
vivida pelas crianças da baixada fluminense, local onde fez pesquisas e as do maranhão
no tocante ao preconceito sofrido nas escolas, ela narra que as crianças desse terreiro
também relatam discriminação nas escolas. Welington Ferreira, por exemplo, conta que
sempre se sentiu discriminado. “Uma vez uma professora de matemática que era da
igreja católica disse que todo mundo que frequenta candomblé é filho do coisa ruim.
Nesse dia fechei meu caderno e sai da aula para chorar escondido.” (2012, p.190)
Portanto, “a maioria dessas mesmas crianças, ao serem discriminadas,
sentem vergonha e inventam maneiras de se tornarem invisíveis.” (CAPUTO, 2012, p.
197) a autora entrevista inúmeras crianças, e no geral as respostam são parecidas, a
escola é vista como local de maior preconceitos e discriminação e muitas vezes são
obrigados a adotar o catolicismo como mecanismo de defesa, ela destaca certa
imposição do desvalor dessas vertentes religiosas, enquanto há uma necessidade de
fortalecimento e legitimação do cristianismo.
Posto isso, é nítido que passado tantos anos do processo de escravidão os
membros das religiões afro brasileiras ainda omitem e disfarçam suas crenças por medo
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de repressão, sobretudo, no ambiente escolar e optam pelo silêncio de sua fé.
“continuaremos vendo que a escola, ao discriminar o candomblé, contribui ainda mais
para aumentar a dificuldade de identificação positiva de alunos (as) negros (as) com a
escola.” (CAPUTO, 2012, p. 208)
Na realidade não podemos perder de vista que a educação pública foi e
ainda é marcada pela catequese, com isso é preciso pensar nos impactos dessa
educação, que subtraiu um continente inteiro da História. Para entender a história da
educação brasileira, deve-se compreender primeiramente a chegada dos portugueses,
com seus métodos educacionais oriundos da igreja católica. No período colonial os
jesuítas fundaram o colégio da Companhia de Jesus, com isso percebemos a
perversidade em impor um modelo educacional, em que os próprios habitantes da
colônia eram excluídos, sendo obrigados a apreender uma história que em nada lhe
identificavam. Muitos anos depois, quando os jesuítas foram expulsos do Brasil, o
ensino público passou para as mãos de outros setores da Igreja Católica. Quase 500
anos depois e, apesar de, em 1891, a primeira Constituição republicana ter separado o
Estado da Igreja, o papel da escola pública, muitas vezes, ainda se reveste de práticas
de catequização e conversão, em que se evidenciou a imposição da educação europeia,
branca e católica no país. Com reflexo desse processo a história e cultura das
populações indígenas e dos africanos foram ignoradas.
Contudo, com o passar do tempo, inúmeras mobilizações por parte de
representações dos movimentos negros e alguns outros grupos da sociedade lutaram
para inserir sua história nos currículos escolares. Posto isso, podemos perceber que há
mais de cinco décadas há reivindicações por parte de movimentos sociais e outros
segmentos da sociedade pela inserção do negro na sociedade nacional, pautado no
pressuposto de diminuição do racismo através do acesso a educação. Na percepção de
Bakke “essa é uma mudança significativa em termos de posicionamento político e
marca o processo de gestação desse segundo projeto de nação que vem repercutir, para
além dos meios de militância nos dias de hoje.” (BAKKE, 2011, p.08)
Os anos 1970 são marcados por grande efervescência de discussões sobre
a temática, sobretudo no que tange o reconhecimento e valorização da identidade
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negra. Em 1978 cria-se o Movimento Negro Unificado5, que consegue com o processo
de redemocratização e através de mobilizações, inserir algumas contribuições na
Constituição de 1988. Outros marcos merecem destaque nesse processo, como os
desdobramentos da “Marcha 300 anos de Zumbi dos Palmares”, realizada no dia 20 de
novembro de 1995, contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, nessa ocasião cerca
de 30 mil pessoas se reuniram em Brasília para denunciar a ausência de políticas
públicas para a população negra. Em reconhecimento à importância de Zumbi, a data
foi transformada em 1971 no Dia Nacional da Consciência Negra.
[...] ao perceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a produção e a reprodução da discriminação racial contra os negros e
seus descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos
sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao
Estado Brasileiro, no que tange à educação, o estudo da história do
continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira. Parte desta reivindicação já constava na declaração final
do I Congresso do Negro Brasileiro, que foi promovido pelo Teatro
Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 04 de setembro de 1950, portanto, há mais de meio século.
(SANTOS, 2010, p. 23)
No âmbito educacional a ideia primeira de se trabalhar o conteúdo de
África foi instituída em 1997 com os Parâmetros Curriculares Nacionais, através dos
temas transversais no que tange à pluralidade cultural6 e efetivado em 2003 com a lei
10.639. A ideia era pensar na valorização das diversas contribuições dos povos
africanos na dita sociedade plural e multicultural, ou seja, situar os grupos étnicos
5DOMINGUES Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niteró,
v.12, n.23. 2007. P.114 Disponível em http://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a07 acesso em: 27
de jan de 2017. 6 O tema Pluralidade Cultural oferece aos alunos oportunidades de conhecimento de suas origens como
brasileiros e como participantes de grupos culturais específicos. Ao valorizar as diversas culturas
presentes no Brasil, propicia ao aluno a compreensão de seu próprio valor, promovendo sua auto-estima
como ser humano pleno de dignidade, cooperando na formação de autodefesas a expectativas indevidas
que lhe poderiam ser prejudiciais. Por meio do convívio escolar, possibilita conhecimentos e vivências
que cooperam para que se apure sua percepção de injustiças e manifestações de preconceito e
discriminação que recaiam sobre si mesmo, ou que venha a testemunhar — e para que desenvolva
atitudes de repúdio a essas práticas. (PCNs, 1997, p.137)
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presentes no território nacional percebendo sua crucial importância para a construção
do país enquanto nação.
A temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à
valorização de características étnicas e culturais dos diferentes
grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e
excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao
aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal. Este tema propõe uma
concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que
compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas
por desigualdades socioeconômicas e apontar transformações necessárias, oferecendo elementos para a compreensão de que
valorizar as diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos
valores do outro, mas respeitá-los como expressão da diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade
intrínseca, sem qualquer discriminação. A afirmação da diversidade
é traço fundamental na construção de uma identidade nacional (PCNs, 1997, p.121)
Desta forma, a inserção do conteúdo de África e cultura afro-brasileira na
literatura didática brasileira se deu devido a inúmeras pressões sociais e foi gestado
durante muitos anos, tendo seu marco mais significativo em 2003, com a realização do
ato público do então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva em sancionar a lei
10.639/037 e depois a lei complementar, 11.645/08
8, ambas tratam da inserção na
educação brasileira da história e cultura de indivíduos que colaboraram no processo de
construção do país.
Dessa maneira, o papel do professor é fundamental, ele deve fazer do seu
trabalho no ambiente escolar, um espaço de transformação epistemológica, não apenas
reproduzir, mas fazer emergir uma produção de novos conhecimentos através de uma
reflexão crítica dos alunos. Tendo em vista que, a prática educativa é percebida como
8 O ano de 2008 demarcou a promulgação da Lei 11.645, que dispõe sobre a obrigatoriedade do
tratamento da temática afro-brasileira e indígena em todo o sistema escolar brasileiro. Tal lei viria
ampliar o sentido previamente constituído pela lei 10.639, do ano de 2003, que pela primeira vez na
história do país tornava obrigatório o enfrentamento escolar da questão das relações étnico-raciais em
todas as suas implicações curriculares e cotidianas. As duas leis representam um ponto importante de
mudança numa estrutura de silenciamento e produção de muitos estereótipos que, ao longo de mais de
um século, vem demarcando práticas e discursos escolares. (PNLD, 2016, p. 31)
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um traço cultural compartilhado que estabelece uma relação com outros contextos da
sociedade, o que dificulta ainda mais o papel do professor no âmbito escolar para o
êxito em trabalhar com esses temas. Vale frisar que desconstruir concepções a muito
arraigadas e construir novos conhecimento sobre um continente complexo e
polissêmico como a África é complicado para os professores de história da Educação
Básica no Brasil. Esse fato pode ser justificado tanto pela imagem negativa, pautada,
sobretudo no processo de escravidão, que foram construídas e perpetuadas nos
matérias didáticos, quanto pelo desconhecimento dos profissionais da área sobre o
conteúdo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no exposto é válido destacar que as identidades religiosas são
frequentemente negadas e consequentemente silenciadas no espaço escolar, e com isso o
preconceito ganha contornos ainda mais nítidos, e é ante a esse contexto que as crianças
oriundas dessas vertentes religiosas criam estratégias de invisibilidade e adoção do
catolicismo como a religião a que pertencem. A proposta aqui foi delinear dificuldades e
identificar aspectos que permitam oferecer aos educadores do país contribuições para
trabalhar este tema na cultura escolar.
Por fim, saliento que a escola tem um papel importante no processo de
reconhecimento e valorização e deve contribuir para o empoderamento dos sujeitos
socioculturais, sobretudo, os subalternizados e negados. E esta tarefa passa por
processos de diálogo entre diferentes conhecimentos e saberes presentes na escola e
estratégias como a utilização de linguagens plurais, variedade de recursos didáticos, uso
da realidade dos alunos como forma de problematizar certos conteúdos, enfim, os
educando possuem ferramentas para ajudar no combate ao preconceito e discriminação
que marcam o contexto escolar.
Acredito ser essa uma importante forma de construção de uma escola mais
democrática e dinâmica, o que supõe articular igualdade e diferença nas salas de aula.
Tendo em vista que a dimensão cultural é inerente aos processos pedagógicos, pois,
como assegura Candal, (2008) “está no chão da escola” e potencia processos de
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aprendizagem mais significativos, no instante em que permite que os alunos se sintam
pertencentes enquanto sujeitos ativos. Ajudando assim no processo de combate a esse
silenciamento, invisibilidade e sentimento de inferiorização desses sujeitos.
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DESLOCANDO O SABER:
A HISTÓRIA COMO VIDA DESDE O SUL GLOBAL1
Aldina da Silva Melo2
Estudar África é interpretar, compreender e
sentir uma certa sociedade, no tempo e no
espaço, na plenitude da sua complexidade
(PIMENTA; VICTOR, [s.l]).
1. INTRODUÇÃO
Se for verdade que o mundo é epistemologicamente diverso, como propõe
Boaventura Santos (2009), e que a História preocupa-se em analisar a ação contínua de
homens [e mulheres] no tempo, como afirma Marc Bloch (2001), então os
questionamentos deste trabalho são: 1) Por que a Historiografia oficial tem privilegiado
as narrativas do norte do globo, especificamente da Europa, e silenciado, quando não
hierarquizado, as do sul global, sobretudo aquelas que emergem de e sobre África? 2)
Como a História tem construído, a partir de narrativas eurocêntricas, o “outro” não
europeu como diferente, como desigual, como “não humano”? 3) Como, ao longo dos
tempos, a História da África foi gestada e apropriada pela “Historiografia Oficial”
europeia? São essas algumas das inquietações a serem refletidas neste trabalho.
Os campos “revolucionários” da história, como a geração dos Annales ou a
historiografia alemã, não reconheceu por muito tempo a História da África, negando aos
africanos a condição de humanidade e produtores de história. Isso se reflete fortemente,
por exemplo, no silênciamento sobre África impressos na/pela “História Oficial”. Ora,
as transformações da ciência histórica em África impactou o campo da História
1 Este artigo consiste em um recorte da minha pesquisa de mestrado intitulada “A África na sala de aula
na África: os zulus se reinventam”, sob orientação do Professor Dr. Antonio Evaldo Almeida Barros. Esta
pesquisa é desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas -
Mestrado Profissional, na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – Mestrado, da
Universidade Estadual do Maranhão. Membro do Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão sobre África e o
Sul Global - NEÁFRICA. Bolsista FAPEMA.
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mundial, e levou a comunidade de historiadoras(es) a repensar sua práxis, bem como a
própria lógica da História.
Desse modo, no intuito de dar visibilidade as histórias do Sul global e
promover um diálogo, e não uma cisão, entre as epistemologias do Sul e do Norte, este
trabalho pretende analisar o modo como a história da África foi representada pela
historiografia oficial. A intenção é chamar a atenção para a necessidade de um
deslocamento e descolonização do saber, como possibilidade de reconhecimento de
outras formas de conhecimentos oriundas das experiências e narrativas dos sujeitos do
Sul global. Assim, para este estudo fez-se um levantamento bibliográfico acerca de
como as Ciências Humanas, com destaque para a História, construíram a História da
África e como tal construção impactou nas representações sobre África pela
historiografia oficial europeia.
2. HISTÓRIAS DA ÁFRICA: REPENSANDO A HISTORIOGRAFIA
OCIDENTAL
“Não civilizada”, “a-histórica”, “não humana”, “não desenvolvida” esses
são alguns dos adjetivos com os quais África foi historicamente representada pela
“historiografia oficial”. Em contrapartida, o ocidente, especificamente a Europa, foi
representado como “civilizado”, “humano” e “desenvolvido”. À Europa foi destinado o
lugar por excelência da história, da produção do conhecimento. Os europeus impuseram
sua história como universal e todos os outros povos passaram a ser pensados a partir do
crivo eurocêntrico. Ora, mas ao fazer isso, são violentadas e silenciadas outras histórias,
outras culturas, outros modos de organização social, outras formas de ver, sentir, pensar
e se inscrever no mundo.
Em se tratando da universalização da história europeia e do silenciamento
da História da África, dois aspectos devem ser problematizados, a saber: as Ciências
Humanas, sobretudo as narrativas históricas, tenderam, e muito, a desconsiderar,
homogeneizar e hierarquizar as experiências dos sujeitos, dando vozes a uns e
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silenciando outros; A própria ideia de “África” foi construída no/pelo/a partir do
ocidente.
No tocante as Ciências Humanas, é evidente que “a epistemologia ocidental
tem subestimado certas formas de conhecimento [...]” (PIMENTA; VICTOR, [s.l], p.
6), como os que partem de África. Até o final do século XX, por exemplo, a
historiografia tendeu, e muito, a desconsiderar as especificidades dos grupos étnicos
africanos e de suas culturas. Isso foi mudando, embora lentamente, a partir do que ficou
conhecido com revolução historiográfica provocada pela Nova História (MELO, 2014).
Nesse sentido, recai-se num problema de ordem epistêmica da produção de
conhecimento. Afinal, como narrar a história da África se os padrões de narração
sempre foram europeus? Em África e as disciplinas: as contribuições da pesquisa sobre
a África às ciências sociais e humanas, coletânea publicada em 1993 pela Universidade
de Chicago, diversos autores são instigados a responderem o questionamento de um
reitor/diretor de instituto a um chefe de departamento: “por que, numa conjuntura de
escassez de recursos, contratar um historiador [ou antropólogo, economista, cientista
político, filósofo, estudioso da literatura] que seja especialista em África, em vez de um
perito em outra área geográfica?” (SLENES, 2009, p. 21-22). De acordo com Robert
Slenes (2009), a resposta unânime dada pelos autores da coletânea a tal pergunta foi que
os estudos africanistas marcaram profundamente a própria formação
teórica e metodológica de suas respectivas disciplinas no século XX (é o caso especialmente na antropologia), provocaram profundas
reinterpretações dentro delas (o caso particularmente na história, na
história da arte e nos estudos literários na segunda metade do século) ou prometiam fazer isso dentro em breve (na economia e na ciência
política) (SLENES, 2009, p. 22).
Steven Feierman (1993) teve um artigo publicado nessa coletânea, no qual
chama a atenção para o modo como as ciências humanas, de modo particular a História,
teceu a história de África. As narrativas usadas nessa tessitura criaram a cisão
dicotômica hierárquica entre Norte e Sul. Convencionou-se situar o Norte como
produtor de conhecimento e o Sul como produtor de “sabedorias” (FEIERMAN, 1993).
É evidente que essa perspectiva impactou e influenciou as produções historiográficas
sobre o continente africano.
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Houve uma época em que os historiadores pensavam que certas
civilizações (aquelas ocidentais) apresentavam seus problemas
naturais, que alguns líderes políticos (Thomas Jefferson, Napoleão)
mereciam ser conhecidos, e que períodos e desenvolvimentos particulares (o Renascimento, o Iluminismo, o surgimento do Estado-
Nação) mereceriam nossa atenção. (FEIERMAN, 1993, p. 167)3.
Essa visão sugere que “outros lugares, outros povos, outros
desenvolvimentos culturais menos centrais para o curso da civilização ocidental não
contariam. Atualmente, tudo isto foi colocado em questão” (FEIERMAN, 1993, p.
167)4. Houve uma descentralização no campo da pesquisa na academia. O que foi antes
construído como história universal era na verdade apenas algo muito seletivo, local e
parcial (FEIERMAN, 1993). A partir daí os estudos africanos ganham destaque e força
dentro do universo acadêmico. Para Robert Slenes (2009) “desde aproximadamente os
anos de 1960 desmoronou-se boa parte do mundo que as ciências humanas haviam
construído” (SLENES, 2009, p. 19), e os historiadores foram levados a repensar os
alicerces nos quais a história da humanidade foi construída.
Esses historiadores se tornaram cientes de que seus próprios escritos,
seus modos de construção da narrativa, escondem alguns tipos de
conhecimento histórico mesmo quando eles apresentam outros, e que suas escolhas de temas e métodos é um produto de seu próprio tempo
e circunstâncias, não algo que brota inevitavelmente do progresso
impessoal da ciência histórica. (FEIERMAN, 1993, p. 168).5
Esse tempo e circunstância da qual fala Feierman (1993) leva a
problematizar outro aspecto da ciência histórica que deve ser considerada: o lugar
social de produção de conhecimento dos historiadores. De fato, Michel de Certeau
(1982) já convidava a comunidade de historiadores a refletirem sobre o lugar de
produção do conhecimento histórico. Esse lugar social da produção do conhecimento
3 Once upon a time historians used to know that certain civilizations (Western ones) were their natural
subject matter, that some political leaders (Thomas Jefferson, Napoleon, Charlemagne) were worth
knowing about, and that particular periods and developments (the Renaissance, the Age of
Engligtenment, the rise of the nation-state) were worthy of our attention. (FEIERMAN, 1993, p. 167). 4 Other places, other people, other cultural developments less central to the course of Western civilization
did not cout. Now all of that has come into question. (FEIERMAN, 1993, p. 167). 5 These choices have become acutely aware that their own writings, their ways of constructing a narrative,
conceal some kinds of historical knowledge even while they reveal others, and that their choice of subject
and method is a product of their own time and circumstances, not an inevitable outcome of the impersonal
progress of historical science. (FEIERMAN, 1993, p. 167).
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historiográfico possuiu por muito tempo uma singularidade ocidental (CERTEAU,
1982), gestado na/pela Europa e que tomou as experiências dos europeus como um
espelho e/ou modelo e as transformou em universais.
O conhecimento historiográfico é sempre centralizado, diz Certeau (1982)
em a Escrita da História. O “[...] historiador escreve [...] sendo ele próprio inserido em
um espaço e um tempo” (GINZBURG, 2008, p. 216). Essa escrita geralmente parte do
espaço e tempo europeu e impõe-se como universal. Assim, o Sul global foi sempre
pensado a partir do Norte. Ora, o conhecimento produzido na/a partir da Europa tem
sido posto como universal e aplicado a todas as outras realidades do mundo,
esquecendo-se que o mundo é plural e que diversas e singulares são as experiências dos
sujeitos.
A pluralidade, a diversidade e a singularidade de África e dos povos
africanos foram brutalmente violentadas pelas Ciências Humanas. África foi sempre
representada com narrativas que a exotizaram, quando não a inferiorizaram e a
desumanizaram. Friderick Hegel declarou que “a África não é um continente histórico;
ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento. Os povos negros são incapazes
de se desenvolver e de receber uma educação. Eles sempre foram tal como os vemos
hoje” (FAGE, 2010, p. 8). E um professor de História Moderna da Universidade de
Oxford, por exemplo, afirmou que “pode ser que, no futuro, haja uma história da África
para ser ensinada. No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos
europeus na África. O resto são trevas… e as trevas não constituem tema de história”
(FAGE, 2010, p. 8-9).
O discurso de uma África que só existe a partir da Europa era
constantemente reafirmado pelo discurso científico do século XIX. Durante a missão
civilizadora de Portugal em terras africanas, Teixeira Botelho chega a dizer que “o
intelecto do negro é muito inferior e incapaz de compreender os horrores da servidão;
além disso a raça é propensa ao vício, à incúria e à inércia, e, abandonada a si própria,
em breve cairia na mais selvagem brutalidade” (BOTELHO, 1921, p. 160 apud
MENESES, 2010, p. 59). Na revista África Ilustrada, volume I, 1892-1893, comumente
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os discursos das ciências eram acionados para legitimar e impor a “inferioridade” dos
africanos, a não dignidade do uso de “humano” aos africanos
[aos negros] a precocidade, a mobilidade, a agudeza própria das
crianças não lhes faltam; mas essas qualidades infantis não se transformam em faculdades intelectuais superiores [...]. Há decerto, e
abundam documentos que nos mostram ser o negro um tipo
antropologicamente inferior, não raro do antropoide, e bem pouco digno do nome de homem. A transição de um para o outro manifesta-
se, como se sabe, em diversos caracteres; o aumento da capacidade da
cavidade cerebral, a diminuição inversamente relativa do crânio e da
face, a abertura do ângulo facial que daí deriva e a situação do orifício occipital. Em todos estes sinais os negros se encontram colocados
entre o homem e o antropoide (MENESES, 2010, p. 60).
Percebe-se os esforços das várias narrativas científicas do período colonial
em construir a identidade dos africanos como não pertencente à humanidade. Em A
evolução da historiografia em África, Fage (2010) apresenta uma genealogia da história
de África, destacando vários períodos históricos que foram desconsiderados pela
historiografia europeia.
Os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão antigos
quanto o início da história escrita. [Os historiadores grego-romanos e os historiadores islâmicos medievais tinham uma visão limitada da
África tropical pela escassez de contatos que podiam estabelecer com
ela]. (FAGE, 2010, p. 1)
Mesmo os primeiros trabalhos sobre África já tendo uma longa datação, por
muito tempo reforçou-se a representação, no campo das ciências humanas, das culturas
africanas como igualitárias e estáticas, enquanto as “civilizações” europeias como
dinâmicas e superiores. Mas, entendendo que o mundo é epistemologicamente diverso
(SANTOS, 2010), por que as narrativas que tecem a História têm negligenciado e
obliterado a História da África?
A ideia de África foi construída na Europa e disseminada em todo o mundo.
De acordo com Anthony Kwame Appiah (1997), tal ideia teve como base a exploração
colonial sobre todo o continente africano. Appiah (1997), que propõe que se
problematize África na filosofia da cultura, defende que os africanos não pertencem a
uma “raça” comum, como impôs a perspectiva eurocêntrica. Dentro desse mesmo viés e
a partir da análise de teóricos africanos e afro-americanos, Appiah analisa como a
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“identidade africana” foi construída, e o quanto tais construções são “perigosas” e
violentas.
África é portadora de uma grande diversidade de povos e culturas,
“portanto, é errônea a percepção de uma África cristalizada em dezenas de povos e
centenas de ‘tribos’, com suas culturas específicas consolidadas” (PEREIRA, 2013, p.
15). É preciso rejeitar qualquer retrato homogeneizador, afinal, os africanos não têm
uma cultura, língua ou vocabulário religioso e conceitual em comum (APPIAH, 1997).
De fato, o processo da colonização em África não visava apenas colonizar as terras
africanas, mas, sobretudo, a colonização do saber. E o modelo de conhecimento imposto
foi então o eurocêntrico. Mas é bom lembrar que “o eurocentrismo não é
exclusivamente a perspectiva cognitiva dos europeus ou apenas dos dominantes do
capitalismo mundial, mas também do conjunto dos educados sob sua hegemonia”
(QUIJANO, 2009, p. 74-75).
Achille Mbembe (2001) muito corrobora nesse debate acerca da
constituição da identidade africana. Em As formas africanas de Auto-inscrição, o
teórico analisa e critica as diferentes formas com as quais se tentou construir e
representar a identidade africana a partir, basicamente, de um discurso nativista, por um
lado, e de outro, instrumentalista. Se, de um lado, Appiah adverte para o perigo da
construção da “identidade africana”, por outro, Mbembe “alerta para os perigos
advindos da busca irrefletida de uma alteridade africana sem o devido reconhecimento
das especificidades culturais, políticas e geográficas em África” (MBEMBE, 2001, p.
171).
Essa visão leva Mbembe afirma que
a história africana [...] é essencialmente governada por forças que
estão acima do controle dos africanos. Em última análise, considerava-se o africano como apenas um sujeito castrado, o passivo
instrumento de gozo do mundo. Sob tais condições, não poderia haver
uma visão mais radicalmente utópica que a sugestão de uma África
desconectada do mundo: o sonho louco de um mundo sem Outros (MBEMBE, 2001, p. 181).
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O “outro” africano foi construído basicamente a partir de três eventos
históricos: a escravidão, o colonialismo e o apartheid (MBEMBE, 2001). Apesar de
África não se reduzir a estes três eventos,
de acordo com a narrativa dominante, os três eventos citados
acarretaram a ausência de bens [...]. A isto se seguiu uma experiência
singular de sujeição, caracterizada pela falsificação da história da África pelo Outro, o que resultou em um estado de exterioridade
máxima (estranhamento) e de “desrazão”. A escravidão, a colonização
e o apartheid são considerados não só como tendo aprisionado o sujeito africano na humilhação, no desenraizamento e no sofrimento
indizível, mas também em uma zona de não-ser e de morte social
caracterizada pela negação da dignidade, pelo profundo dano psíquico
e pelos tormentos do exílio. (MBEMBE, 2001, p. 174).
É presente nesse debate a negação do “ser” e da humanidade dos povos
africanos. Essa visão se reflete fortemente na educação básica no Brasil. No caso
brasileiro, Anderson Ribeiro Oliva (2003; 2004) questiona o que sabemos sobre África,
o que a historiografia produziu sobre os africanos e como a História de África tem sido
abordada nos bancos escolares. Oliva denuncia que há cerca de 50 anos, “África
transitava no esquecimento daqueles que têm por ofício lembrar o que todos
esqueceram: os historiadores” (OLIVA, 2004, p. 10).
Ao que tudo indica, os silêncios sobre África no Brasil começaram a ser
quebrados, sobretudo, a partir da formação dos núcleos de pesquisas em História da
África no Brasil, do crescimento do número de publicações internacionais sobre a
História do continente africano, da atuação dos movimentos negros, da aprovação da
Lei 10639/03 e da obrigatoriedade de se estudar África nos cursos de graduações
(OLIVA, 2003).
Ainda no caso brasileiro, Valdemir Zamparoni (2007) questiona qual
referência cultural que temos de África e dos africanos no Brasil? Qual a imagem de
África e dos africanos que circulam em nossos meios midiáticos e acadêmicos e que
ajudam a formar nossa identidade?
A resposta é que o que ainda hoje predomina é a de uma África
exótica, terra selvagem, como selvagem seriam os animais e pessoas
que nela habitam: miseráveis, desumanos, que se destroem em sucessivas guerras fratricidas, seres irracionais em meio aos quais
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assolam doenças desvastadoras. Enfim, desumana. Em outra vertente
o continente é reduzido a uma cidade, nem mesmo um país. O termo
África passa, nesses discursos, a servir para referenciar um lugar
qualquer exótico e homogêneo (ZAMPARONI, 2007, p. 46).
E Zamparoni (2007) acrescenta ainda que
essas imagens não são aleatórias. Foram gestadas na Europa ao longo de séculos e tomaram corpo no Brasil. Recentes estudos mostraram
que [...] os homens da ciência, particularmente médicos, participaram
ativamente da discussão e produção de conhecimento no âmbito do racismo científico (ZAMPARONI, 2007, p. 46).
Sem dúvidas, as representações de África “inferior” à Europa foram sendo
moldadas ao longo de séculos. No XVIII, por exemplo, “[...] a principal tendência da
cultura europeia começava a considerar de forma cada vez mais desfavorável as
sociedades não-europeias e a declarar que elas não possuíam uma história digna de ser
estudada” (FAGE, 2010, p. 7). Nessa época, o consenso entre os ditos intelectuais
europeus era de que “[...] os objetivos, os conhecimentos, o poder e a riqueza de sua
sociedade eram tão preponderantes que a civilização europeia deveria prevalecer sobre
todas as demais” (FAGE, 2010, p. 8). Ora, seguindo essa lógica, seria evidente que a
Europa inscrevesse sua história como portadora de todo o conhecimento, em
contrapartida, as sociedades não europeias não teriam história digna para ser contada ou
mesmo inscrita.
Mas, se como coloca Boubo Hama e Joseph Ki-Zerbo (2010, p. 23), “o
homem é um animal histórico” – e o africano é pois um homem – então ele não escapa a
essa definição. E “como em toda parte, ele faz sua história e tem uma concepção dessa
história” (HAMA, KI-ZERBO, 2010, p. 23), embora tenha sido silenciada por muito
tempo no âmbito da “Historiografia Oficial” europeia. Mas o fato de ser silenciada não
significa que ela não exista. O silenciamento pode ser compreendido como mais um dos
mecanismos acionados pelo eurocentrismo para reforçar a identidade de “superioridade”
da Europa, para pensar o mundo em termos hierárquicos e dicotômicos ou mesmo para
confinar África ao mundo do esquecimento.
Apesar das várias tentativas de silenciamento e da negação da condição de
humanidade a África, “os africanos têm consciência de serem os agentes de sua própria
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história” (HAMA, KI-ZERBO, 2010, p. 23), mesmo isso sendo impugnado pelos
escritos históricos, que negam a própria concepção de História e Tempo africano.
Analisando o lugar da história nas sociedades africanas, Hama e Ki-Zerbo (2010)
afirmam que o tempo em África é mítico e social, e a história como vida, é sempre
engendrada na prática. E tal enfoque mítico não deslegitima o caráter de cientificidade e
veracidade da História ou do tempo africano, muito pelo contrário, afinal, “toda história
é originalmente uma história sagrada” (HAMA, KI-ZERBO, 2010, p. 28).
Na perspectiva de uma história sagrada, assume grande importância a
tradição oral em África. Ela é apontada como “o único caminho para penetrar a história
e o espírito dos povos africanos” (BÃ, 2010, p. 167). De acordo com Hampaté Bã
(2010, p. 169), “a tradição oral [no contexto africano] baseia-se em uma certa
concepção do homem, do seu lugar e do seu papel no seio do universo”. E isso deve ser
levado em consideração pela história, pelas ciências humanas.
Ora, a partir da prerrogativa de que o mundo é diverso e pluricultural, é
preciso que se considere nas abordagens das ciências humanas os saberes que circulam
o mundo, que se promova o diálogo entre as epistemologias do Norte e do Sul global,
sem necessariamente hierarquizá-las ou dicotomizá-las. Dentro desse mesmo viés,
Boaventura de Sousa Santos (2010) diz ser urgente a necessidade de se criar um mapa
emancipatório como um meio de imaginar e viver novas e diferentes possibilidades na
produção do conhecimento e nas experiências sociais dos sujeitos. As narrativas das
ciências humanas negligenciaram por muito tempo o lugar de África na história da
humanidade, acarretando em uma série de desigualdades sociais que perduram ainda
hoje.
O modo como a História da África foi gestada e apropriada pelas ciências
humanas, e mesmo pela ciência histórica, construíram os africanos como os “últimos
outros” humanos. As representações produzidas sobre África pela História tiveram
impacto muito mais forte na própria construção do conhecimento e da identidade do
“ser africano”. As narrativas ocidentais que representaram os africanos os inseriram
como sendo os últimos “outros” desumanos, além de reduzi-los a corpo, natureza e
sexualidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A historiografia tem privilegiado largamente as narrativas dos sujeitos do
Norte do globo e acionado o discurso de alteridade para representar o africano como “o
outro” não humano. Isso porque a História da África foi gestada e apropriada pelo
ocidente e impactou diretamente as representações sobre os africanos. Os europeus
construíram uma identidade superior de si e a História tive grande peso nessa
construção. O discurso da ciência histórica foi um dos responsáveis por fundamentar e
legitimar a “superioridade” da Europa e por narrar os africanos como os “últimos
outros”. Como diz Maria Paula Meneses, “o peso das representações coloniais sobre
África marcou e marca ainda o imaginário de muitos sobre o continente”.
Nesse sentido, é urgente, e necessário, a problematização de que tipo de
conhecimento histórico está sendo produzido e quais suas finalidades. É preciso se
romper com a vertente que tende a pensar o mundo e os sujeitos numa perspectiva
“unilateral”. É necessário, “desvendar novas formas de pensar o conhecimento, gerando
novas formas de acomodar a diversidade do saber da humanidade” (MENESES, 2009,
p. 208). É mister o deslocamento e descolonização do saber, possibilitando assim o
diálogo entre o mosaico de experiências humanas oriundos também das experiências e
narrativas de sujeitos do sul global.
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COMITÊ DE DEFESA DA ILHA DE SÃO LUÍS: UMA PROPOSTA DE
MATERIAL PEDAGÓGICO
Ana Raquel Alves de Araújo*
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo expor a proposta de um material
pedagógico que aborde a trajetória do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís, do ano do
seu surgimento, em 1980, até 1984. Criado como resposta ao projeto de instalação de
uma fábrica de alumínio norte-americana chamada ALCOA (Aluminium Company of
American), esse movimento ecológico, considerado pioneiro no estado, organizou um
conjunto de ações para impedir a consolidação do empreendimento, mas que acabou
sendo inaugurado em agosto de 1984. Compreende-se que o tema sobre o Comitê se
constitui numa oportunidade para abordar o conceito de sujeito histórico, permitindo
indagar qual o lugar que os grupos organizados ocupam na trama da história e, ao
mesmo tempo, problematizar a questão ambiental emergente no Maranhão na década de
1980.
Como orientação para propor esse material, foram analisados os Parâmetros
Curriculares Nacionais de História, publicados em 1998, e os Parâmetros Curriculares
Nacionais – Temas Transversais – Meio Ambiente, lançado no ano anterior. Esses
documentos serviram de justificativa e de iniciação, no caso da questão ecológica, para
aprofundamento posterior sobre essa temática. Em seguida são abordados os
fundamentos teóricos da educação ambiental. O objetivo é, a partir dos seus
pressupostos, balizar o trabalho com a questão ecológica nas disciplinas escolas, tanto
para uma abordagem de forma isolada ou conjunta.
Também é discutido o ensino de história na perspectiva de abordar a relação
sociedade-natureza que tradicionalmente esteve ausente dos temas desse componente
curricular. A ideia é esclarecer como a temática do meio ambiente, por meio da
trajetória do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís, pode se inserir no ensino de história
a partir da interdependência de vários elementos da realidade. Por último, serão
* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – PPGHEN/UEMA.
Bolsista FAPEMA.
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apresentados os eixos centrais da proposta do material pedagógico que estruturarão a
construção posterior do texto para o material.
2. QUESTÃO ECOLÓGICA, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ENSINO DE
HISTÓRIA
Foram analisados os Parâmetros Curriculares Nacionais: História (1998),
documento publicado pelo Ministério da Educação, e voltado para o ensino
fundamental, procurando primeiramente contemplar o conceito de sujeitos históricos.
Um dos objetivos expressos no documento a ser alcançado pelos alunos é “questionar
sua realidade, identificando problemas e possíveis soluções, conhecendo formas
político-institucionais e organizações da sociedade civil que possibilitem modos de
atuação” (BRASIL, 1998, p. 43).
Com base nesse objetivo, a atuação do Comitê de Defesa da Ilha de São
Luís se constitui em exemplo de como sujeitos históricos coletivos se organizaram
fazendo oposição às formas político-institucionais nas décadas de 1970 e 1980, e que
apresentou significado relevante e de conteúdo novo para a história brasileira. Maria da
Glória Gohn considera esses anos os mais ricos da história do país em relação aos
movimentos sociais, que naquele momento, articulavam-se como forma de
enfrentamento ao regime Empresarial Militar1, e, concomitantemente, elaboraram
propostas para a mudança social (GOHN, 2013, p. 113-114 e 125).
Nas palavras de Maria da Glória Gohn,
o surgimento de inúmeros movimentos sociais em todo território
nacional, abrangendo diversas e diferentes temáticas e problemáticas,
como das mulheres, negros, crianças, meio ambiente, saúde,
1 O termo empresarial militar é referente às elaborações de René Dreifuss em sua obra 1964: A conquista
do Estado, em que defende que a sociedade civil participou de maneira preponderante na organização do
golpe militar. Os civis, a que o autor se refere, se reuniram no complexo IPES/IBAD. Após o golpe
chegaram a ocupar cargos na burocracia estatal. Demian Bezerra de Melo corrobora com esse
entendimento em artigo intitulado A miséria da historiografia: uma crítica ao revisionismo
contemporâneo, em que o autor aponta que o golpe foi arquitetado com o apoio de civis, especificamente
a classe burguesa e empresarial, articulados no IPES. Essa instituição foi criada no início do governo de
João Goulart, e foi responsável pela campanha de desestabilização desse governo e pelo golpe de Estado.
O IPES também chegou a planejar um projeto de poder que se consolidou durante todo o período
ditatorial.
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transportes, moradia, estudantes, idosos, aposentados, desempregados,
ambulantes, escolas, creches etc., todos, em seu conjunto, revelaram a
face de sujeitos até então ocultos ou com as vozes sufocadas nas
últimas décadas (GOHN, 2013, p. 126).
Esses sujeitos ocultos estavam apartados do âmbito político de forma, que
impedia qualquer debate sobre as decisões estatais. E no caso do Comitê, os sujeitos
expressavam a insatisfação com o modo de operação das políticas de desenvolvimento
no Maranhão realizadas de maneira escusa e, obviamente, autoritária, excluindo
ocasiões de debate com a sociedade civil. Disso é possível entender o surgimento desse
movimento, que ocorreu de maneira contingencial, por não se formar a partir de uma
teoria ecológica em que seus participantes se considerassem ecologistas/ambientalistas.
Mas se constituiu como um movimento de denúncia, que mobilizou a sociedade
maranhense para fazer frente às ações tanto do governo como da ALCOA.
A atuação do Comitê também é entendida como ações de educação
ambiental, só que realizada por meios informais, visto que promovia palestras,
caminhadas, distribuía panfletos, realizava atos públicos, e até mesmo o lançou de um
livro, colocando em pauta temas como lixo químico, acúmulo de poluição, ecologia de
forma geral, além de questões relacionadas aos trâmites de instalação da fábrica de
alumínio, como as denúncias de corrupção e privilégios dados à multinacional.
A trajetória dessas ações coletivas em defesa da ilha maranhense foi
percebida como uma oportunidade para introduzir a temática da questão ambiental no
componente curricular de história sobretudo porque a relação sociedade-natureza não
chega a se constituir, tradicionalmente, em tema da disciplina. Por isso buscou-se nos
PCN – História as sugestões de conteúdos que estivessem articulados, ao mesmo tempo,
com o tema do meio ambiente e com ações sociais da sociedade civil. Foram elencados
dois de maior aproximação com o objetivo aqui proposto: “1) As lutas e as conquistas
políticas travadas por indivíduos, classes e movimentos sociais; 2) A relação entre o
homem e a natureza” (BRASIL, 1998, p. 48).
Dos PCN história passou-se a analisar os Parâmetros Curriculares
Nacionais – Temas Transversais – Meio Ambiente, publicado em 1997. A construção
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argumentativa desses PCN está elaborada a partir de uma abordagem sistêmica da
questão ambiental, contra a concepção de conhecimento fragmentado, na qual a escola
se baseia para estabelecer as disciplinas. Os PCN Meio Ambiente defendem que
a complexidade da natureza exige uma abordagem sistêmica para seu
estudo, isto é, um trabalho de síntese, com os diversos componentes
vistos como um todo, partes de um sistema maior, bem como em suas correlações e interações com os demais componentes e seus aspectos
(BRASIL, 2001, p. 22).
A partir de uma visão holística, capaz de apreender a complexidade dos
problemas ambientais, os PCN Meio Ambiente direcionam a discussão para um embate
sobre a natureza da crise que a humanidade vive atualmente: crise ambiental ou crise
civilizatória? O questionamento da crise atual que ameaça toda a humanidade levou os
estudiosos a perceberem que a origem da crise está no modelo de desenvolvimento.
É o físico Fritjof Capra (2006) que oferece uma explanação convincente
sobre as limitações da visão de mundo mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana
que embasaram a formulação do modelo de desenvolvimento da contemporaneidade.
Segundo Capra, essa visão é obsoleta, e é incapaz de resolver os problemas atuais, e
propõe uma visão ecológica, em que os fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e
ambientais sejam percebidos como interdependentes. Na sua proposta está explícita a
promoção de uma nova ciência, que seja capaz de assimilar mentalmente a realidade na
sua complexidade.
Marcos Reigota corrobora com Capra ao sugerir o rompimento definitivo
com a velha ciência, carregada de autoridade, de “validação” de discurso, propondo
uma prática pedagógica consciente da questão ecológica, que considere a “importância
dos sentidos e da subjetividade nas atividades científicas e cotidianas com a natureza,
abandonando o paradigma racionalista de ciência e de exploração dos recursos naturais”
(REIGOTA, 2004, p. 19).
Com base na concepção de ciência que as pesquisas no campo da física
contemporânea ofereceram, a questão ambiental é concebida, primeiro, como um
problema sistêmico, que engloba a totalidade do planeta em que as partes estão inter-
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relacionadas e só podem ser entendidas como um processo dinâmico. E segundo,
tomando o ser humano como parte desse todo que influencia e é influenciado pelo meio.
Essa natureza holística do problema ecológico é o maior obstáculo para a sua resolução,
já que envolve a totalidade a partir de dois vieses: o do espaço geográfico da Terra e da
vida de mulheres e homens (CAPRA, 2006; REIGOTA, 2004, p. 18).
As conferências internacionais que abordaram a temática ecológica, a partir
dos anos 1970, como a Conferência de Estocolmo (1972) e a Conferência de Tbilisi
(1977) resultaram na formulação da educação ambiental como estratégia de vencer esse
obstáculo. A primeira compreendeu como necessária uma consciência ambiental, e a
segunda marcou a institucionalização da educação ambiental, chegando a resultar no
documento publicado pela UNESCO: A Educação Ambiental: as grandes orientações
da Conferência de Tbilisi, lançando seus pressupostos fundamentais: 1) a aquisição de
novos conhecimentos e valores; 2) novos padrões de conduta; 3) a interdependência. E
com a proposta de que estes devem ser trabalhados a partir de um enfoque
interdisciplinar e sistêmico (RAMOS, 2001, p. 205).
A proposta de uma prática pedagógica da educação ambiental implica,
inicialmente, o trabalho com a concepção de meio ambiente, e como o ser humano se
relaciona com seu entorno. Com base na visão holística, o meio ambiente compreende o
que circunda o ser humano, independente de se tratar de algo natural ou produzido
socialmente. Assim, meio ambiente é mais que os elementos naturais.
De acordo com Elisabeth Ramos,
o meio ambiente é um conceito chave para o debate das questões ambientais, pois envolve questões de poder, tanto no universo
econômico quanto ideológico. Não pode ser visto isoladamente, e tão
pouco ser reduzido à sua dimensão biofísica, ou ser tratado segundo os parâmetros da tradição científica e filosófica hegemônica,
reproduzindo a dicotomia cartesiana entre o homem e a natureza. Em
outras palavras, o meio ambiente não se refere apenas aos aspectos naturais de um lugar, tais como o ar, o solo, a água, a fauna e a flora,
mas pressupõe o ser humano e o produto de suas ações. Ao maximizar
os efeitos naturais, ao não considerar as repercussões sociais das
relações do ser humano com seu ambiente, e ao não problematizar essas relações, reduz-se os problemas ambientais aos problemas de
poluição e de destruição da flora e da fauna. Onde e como fica o social
e o político? (RAMOS, 2001, p. 212).
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Ramos sugere que a principal problemática que se coloca como obstáculo da
educação ambiental para que se concretize os seus objetivos é o paradigma da
fragmentação, no qual está baseado o conhecimento científico, que no século XX
consolidou a divisão das ciências, em naturais e humanas, e que ainda é hegemônico.
Porém, a concepção de meio ambiente também se constitui em uma
problemática porque ainda não é um termo bem definido tanto na comunidade científica
como no senso comum. Marcos Reigota oferece várias definições de especialistas e
também de professores, coletadas com uma turma de pós-graduação, para demonstrar a
variedade de entendimento (REIGOTA, 2004, p. 12-14 e 70-71). Conclui que, por
apresentar um caráter difuso e variado, e por não haver um consenso entre os cientistas,
meio ambiente é uma representação social, ou seja, um “senso comum que se tem sobre
um determinado tema, onde se incluem também os preconceitos, ideologias e
características específicas das atividades cotidianas (sociais e profissionais) das
pessoas” (REIGOTA, 2004, p. 12).
Dentre as várias definições colhidas por Reigota, o autor cria uma definição
que, segundo ele, pode orientar os interessados na aplicação da educação ambiental:
Meio ambiente é
o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e
sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações
implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído
(REIGOTA, 2004, p. 14).
Nessa definição, o autor confirma as bases da filosofia da ciência defendidas
por Capra que apontam, com base nos fundamentos da física contemporânea, a
concepção de equilíbrio dinâmico para o entendimento de que o meio ambiente está em
constante transformação e, que se constitui tanto nos elementos provenientes da
natureza como nos que são criados pelos seres humanos.
A educação ambiental se inicia com o questionamento das concepções
dominantes sobre o meio ambiente que excluem os fatores sociais e políticos da questão
ecológica, e que muitas vezes a colocam como uma questão de atitude individual,
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perdendo a multiplicidade de aspectos. Por isso ramos defende que a problematização
deve ser ampliada para as consequências e resultados da base material de produção da
sociedade, observando seu princípio de desigualdade, que interfere de forma desigual
sobre os seres humanos e sua relação com a natureza (RAMOS, 2001, p. 215).
O questionamento sobre a base material de produção da humanidade
implica na condução de uma educação política porque não é neutra e não é inofensiva
quanto ao desnudamento da realidade para os alunos ao abordar o princípio de
desigualdade. O que se realiza é uma tentativa de desenvolver uma compreensão sobre a
gestão do meio ambiente, a atuação dos Estados e do mercado, em especial, das
multinacionais, e dos padrões modernos de produção e de consumo.
Isso é complementado pela ressalva de Pelegrini e Vlach, ao afirmarem que
o tratamento da questão ambiental trará resultados pífios se
permanecer restrito ao discurso pedagógico e desconsiderar a luta
política e ideológica que vem sendo travada, no mais das vezes, por motivos econômicos e estratégicos, segundo interesses de corporações
e Estados hegemônicos, em nível planetário (PELEGRINI e VLACH,
2011, p. 188).
O que as autoras abordam é a ação da educação ambiental a partir da
exigência de uma luta política. É o mesmo que Reigota defende: uma educação
ambiental enquanto educação política, em que as propostas se aproximem da conquista
da autonomia da sociedade civil, e da construção de uma sociedade mais justa. Para isso
é necessário a problematização da condução autoritária das sociedades, onde o poder
político é exercido para o benefício dos grandes grupos econômicos (PELEGRINI e
VLACH, 2011, p. 189; REIGOTA, 2004, p. 22).
De acordo com essa perspectiva, é possível perceber porque a configuração
política mundial se constituiu em um desajuste ambiental entre países ricos e pobres,
tornando a temática ambiental variada, pois o uso dos recursos naturais difere
dependendo da condição econômica do país.
As sociedades pobres e tradicionais prejudicam o meio ambiente local
de muitas maneiras, e vão prejudicá-lo ainda mais quando tiverem o dobro ou o triplo da população; mas, são os países industrializados
que estão causando os problemas ambientais globais mais graves
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como o efeito estufa, o buraco na camada de ozônio, o esgotamento
dos recursos naturais não-renováveis e a acumulação de lixo tóxico.
(MARTINE, 1996, p.13 apud PELEGRINI e VLACH, 2011, p. 190).
Assim, uma regulação mundial deve considerar essas diferenças, que vão
além do tratamento dos recursos humanos, mas também é reflexo da dinâmica
econômica com trocas desiguais entre os países, e a sujeição dos países pobres às taxas
abusivas dos juros dos empréstimos do FMI (Fundo Monetário Internacional) e da
OMC (Organização Mundial do Comércio), que só reforçam a tendência à pobreza, que
leva ao desrespeito aos direitos humanos e aos direitos de autonomia dos povos
(PELEGRINI e VLACH, 2011, p. 190).
É interessante pontuar o caso do Brasil, país pobre, que mergulhou em uma
dívida externa exorbitante no início da década de 1980. O governo, ainda ditatorial
naquele período, implementava uma política de favorecimento dos investimentos com a
concessão de benefícios às indústrias que quisessem se instalar no país. Foi o que
ocorreu com a fábrica norte-americana ALCOA que se instalou no Maranhão nesse
período. Considerada uma “indústria suja”, foi rejeitada na Austrália, mas recebeu aval
e privilégios fiscais e de infraestrutura do governo para que se instalasse no Brasil.
Nesse episódio é possível vislumbrar a complexidade que a questão
ecológica suscita, como a gestão econômica e o modelo de desenvolvimento
promovidos pelo governo, a atuação das multinacionais nos países pobres e a condução
autoritária na decisão sobre a implantação desse empreendimento. Disso, se compreende
a necessidade do enfoque holístico e do esforço para apreender a complexidade das
relações entre os elementos da realidade.
Os temas citados acima já estão presentes em alguns conteúdos tradicionais
do ensino de história. Dessa forma, a inserção da educação ambiental vai promover a
conexão entre esses temas e o lugar da natureza no viver social. O objetivo principal é
discutir as mudanças das relações sociedade-natureza ao longo do tempo, e como
assumiram um novo ritmo após a revolução industrial, a partir do século XVIII, em que
os recursos naturais passaram a ser explorados em uma escala cada vez mais
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destruidora, e o consumo ganhou uma proporção que, se não realizada uma intervenção,
o planeta não se sustentará.
Para Ely Bergo de Carvalho (2012), a constituição do ensino de história é
resultado da representação disjuntiva de natureza e cultura, que excluiu desse
componente curricular os temas “naturais”. Circe Bittencourt (2003) e Carvalho
propõem que a inserção da temática do meio ambiente natural em história perpassa a
contribuição da historiografia com o que denominou-se chamar de história ambiental.
Mas diante da escassez de produções com esse foco, os autores coadunam a ideia de que
“fazer educação ambiental no ensino de história não se reduz a transmitir o saber
produzido alhures” (CARVALHO, 2012, p. 113). Na ausência de trabalhos de história
ambiental, Bittencourt sugere a realização de estudos do meio, aproveitando para
relacionar história local e história mundial, como oportunidade de discutir a
complexidade da questão ambiental.
Outro ponto a ser discutido na inserção da educação ambiental na sala de
aula é a totalidade, que pressupõe a supressão das barreiras entre as áreas de estudo. Isso
significa fazer uso da interdisciplinaridade. Há um entendimento comum de que, por
essa perspectiva, as disciplinas escolares deveriam ser extintas. Mas Circe Bittencourt
(2011) pontua que para existir interdisciplinaridade, é preciso além das disciplinas, que
estas “estabeleçam vínculos epistemológicos entre si, e a criação de uma abordagem
comum em torno de um mesmo objeto de conhecimento” (BITTENCOURT, 2011, p.
256).
Ainda é Bittencourt que destaca que, paradoxalmente, o trabalho
interdisciplinar exige do professor o aprofundamento do seu campo de trabalho, com o
bom entendimento dos conceitos, para que possa realizar a melhor seleção dos
conteúdos. Deixando para a parte metodológica o trabalho conjunto dos professores, em
que deverão decidir os caminhos da atividade a ser desenvolvida (BITTENCOURT,
2011, p. 256).
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José Alves de Freitas Neto, ao abordar a transversalidade, salienta que os
temas transversais propostos pela legislação brasileira2, aí incluso o Meio Ambiente,
devem estar associados à realidade de cada escola para balizar a reflexão dos conteúdos
a serem ensinados em sala de aula. É uma proposta para superar a visão conteudista ao
focar nos temas do cotidiano dos alunos, na compreensão da realidade em que eles
vivem, e, consequentemente, sugerir uma mudança na prática escolar (FREITAS
NETO, 2003, p. 62-65).
Por isso essa também é a perspectiva da educação ambiental, bem explicada
por Ramos:
A educação ambiental é antes de tudo uma questão da educação geral, portanto, não pode ser apresentada apenas como uma nova
estratégia de ensino sem que sejam questionados os fundamentos, os
princípios epistemológicos e conceituais sobre os quais a educação da sociedade atual se desenvolve. A visualização desta perspectiva não
permite, pois, a ingenuidade de se defender, quer a escola como
simples lugar de transmissão de conhecimentos, quer a escola
transformadora da sociedade com o apelo sentimental de salvadora dos problemas, no caso, os problemas ambientais (RAMOS, 2001, p.
216).
A formulação da educação ambiental foi pensada para romper
definitivamente com a velha ciência e propor uma prática pedagógica consciente da
questão ecológica inserida na realidade do aluno. Assim, a proposta de um material
pedagógico, pode auxiliar o professor nessa tarefa. A abordagem sobre o Comitê de
Defesa da Ilha de São Luís, que foi um movimento ecológico maranhense, surgido a
partir de uma questão local gerada por fatores ligados à conjuntura política e econômica
nacional, e às modificações no capitalismo mundial, pode oferecer subsídios para
refletir sobre as influências na vida dos moradores da ilha, como o fornecimento de
água e energia à ALCOA, enquanto bairros da capital sofriam problemas com a falta de
água e a energia elétrica chegava ao consumidor final a preços exorbitantes.
2 Aqui interessa que o tema Meio Ambiente, juntamente com Saúde, é uma das propostas de Temas
Transversais lançadas pelo Ministério da Educação do Brasil, além dele tem foram propostos Ética,
Pluralidade Cultural, Orientação Sexual e por último, Consumo e Trabalho.
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Todas essas questões podem ser trabalhadas as relacionando com os temas
já tradicionais do ensino de história. O objetivo principal é fazer com que os alunos
percebam as interligações e, obviamente, a totalidade da questão que a “simples”
instalação de uma fábrica de alumínio pode suscitar. Aproveitando para, a partir de um
único objeto histórico, introduzir problematizações do cotidiano dos alunos.
3. A PROPOSTA
Propõe-se a produção de livro físico paradidático, voltado para o público do
ensino fundamental maior, que possa ser utilizado pelo professor, mas também possa
ser manuseado pelo aluno sem a mediação do docente. O livro será construído em torno
de três questões para nortear a construção da narrativa.
1) O que foi o Comitê de Defesa da Ilha de São Luís?
Nesse eixo será abordado a apresentação do tema, a sua relevância histórica
em relação à defesa do meio ambiente, e também o engajamento político da sociedade
maranhense. Será trabalhado, principalmente, o conceito de sujeitos históricos colet ivos.
A perspectiva é mostrar que indivíduos se organizaram em torno da causa ambiental na
tentativa de defender o meio ambiente da ilha de São Luís, questionando o governo, e
exigindo a participação da população na decisão sobre o empreendimento em um
contexto de Transição política.
2) Por que a ilha de São Luís precisava ser defendida?
Compreende as relações entre o local e o mundial, a partir da noção do que
é uma empresa multinacional (ou transnacional), do porquê da ALCOA decidir se
instalar em um país periférico como o Brasil, seguido dos motivos para a escolha da ilha
de São Luís e das facilitações oferecidas pelo governo brasileiro, na época ditatorial.
Para isso será necessário a explanação sobre as modificações do capitalismo no século
XX, em especial, a partir da sua segunda metade, e o que isso significava para os países
pobres, como era o caso brasileiro, e como o governo empresarial militar promovia a
constituição de uma economia favorável aos grandes grupos econômicos.
3) Como o Comitê defendeu a ilha de São Luís?
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Por último, pretende-se abordar as estratégias de ação do Comitê, suas
conquistas e seus fracassos, concluindo com o significado da sua trajetória, entre os
anos de 1980 e 1984, para a história do Maranhão. Assim, a partir desse material, a
intenção é oferecer subsídios para um trabalho com o tema do meio ambiente no ensino
de história, de maneira holística e política, pois questionadora do modelo de
desenvolvimento imposto à sociedade maranhense.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sugestão descrita nesta proposta se constitui na primeira experiência na
produção de um material pedagógico, e ainda não passou pelas etapas da diagramação.
Mas este artigo se propôs a abordar a etapa inicial de formulação de um tema profícuo
para a sala de aula, em especial, para as aulas de história.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de História e do Meio Ambiente
ofereceram direcionamentos para a construção desta proposta ao apontar as
problematizações que o tema possibilitava, podendo avançar na produção de um
material suficientemente rico nos caminhos a serem tomados pelo professor ao fazer o
seu uso. O professor é mencionado porque será ele que decidirá como utilizar esse
material, traçando os objetivos, as etapas e os métodos a serem trilhados, e os resultados
a serem alcançados, de acordo com sua sala de aula e com as condições da instituição de
ensino em que trabalha. Pode ainda se juntar a professores de outras áreas para
promoverem um projeto interdisciplinar. O importante é refletir sobre o que exatamente
se pretende com esse tema em sala de aula e como alcançar os objetivos a partir da
utilização do material paradidático.
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Cortez, 2011.
______. Meio ambiente e ensino de história. História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 37-
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Janeiro: Espaço e Tempo: IUPERJ, 1987, p. 63 – 110.
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ENSINO DE HISTÓRIA QUESTÃO NO MARANHÃO
Mariana da Sulidade
1. INTRODUÇÃO
História e Ensino de História são caminhos que nem sempre se cruzam em
sala de aula, a distancia estabelecida entre os conteúdos presentes no livro de história e
reflexão e produção do conhecimento histórico faz parte de uma invenção antiga que
estabeleceu um fosso entre ensino a pesquisa. Mas uma outra questão se coloca de
forma imperativa: o que pensar e refletir em sala de aula sobre o tempo, a humanidade e
o espaço, e que relação essa dinâmica estabelece com a construção do conhecimento
histórico e suas múltiplas linguagens?
A operação historiográfica apresentada por Michael Certaeu na obra A
Escrita da História oferece-nos um espaço para pensar o processo de formalização do
conhecimento histórico. Ao pensar a produção do discurso sobre o tempo e como é
produzido a história, o autor desmonta a anatomia da operação historiográfica como um
cirurgião do tempo, ou melhor da escrita sobre o tempo e dos modos operantes. É bem
verdade que a análise filosófica do autor em questão chamou atenção sobre o fazer da
prática (operação) historiográfica, o que dizer? como dizer? onde é fabricado o dizer?
de certa forma essas indagações contribuíram para a reflexão teórica sobre o
conhecimento histórico.
O conhecimento e elaboração do mesmo em sala de aula, ora os materiais
didáticos e paradidáticos que circulam em sala de aula também são historiografia?
Arrisco dizer que uma vez que tal "escritura" dialoga com determinada produção e
especificidade de uma linguagem de conhecimento, no caso o conhecimento histórico, é
sim, uma produção historiográfica
(... )Mas receptível é apenas a teoria que articula uma prática, a saber,
a teoria que por um abre as práticas para o espaço de uma sociedade e, que, por outro lado, organiza os procedimentos próprios de uma
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disciplina. Encarar a história como uma operação será tentar, de
maneira necessariamente limitada, compreendê-la como relação entre
um lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.),
procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que ela faz parte da “realidade” da qual
trata, e que essa realidade pode ser apropriada “enquanto atividade
humana”, “enquanto prática”. DE CERTEAU, 2002, p. 66
Compreender a prática escolar em combinação com De Certeau lança luz ao
objeto que nos interessa O ensino de História e a Questão Agrária no Maranhão, ou
seja, traduzir uma historiografia que pontue sua relevância no ensino de história na
construção de saber histórico de uma lugar social, ou mesmo na perspectiva de
construir uma operação em que consiste o conhecimento histórico em ação
Como Certeau, emprego-o para designar a própria operação em que
consiste o conhecimento histórico empreendido em ação. Essa escolha de vocabulário tem uma vantagem importante que não aparece se se
reserva esta denominação para a fase escrita da operação, como o
sugere a própria composição da palavra: historiografia, ou escrita da
história. Para preservar a amplitude do termo historiográfico, não chamo a terceira fase de escrita da história, mas de fase literária ou
escriturária, quando se trata do modo de expressão, fase
representativa, quando se trata da exposição, do mostrar, da exibição da intenção historiadora considerada na unidade de suas fases, a saber,
a representação presente das coisas ausentes do passado. RICOEUR,
2007, p. 148 apud PENA, 2012)
No sentido de contribuir para a construção do conhecimento histórico
procuramos desenvolver um ensino de história capaz reconhecer a relevância da
Questão Agrária e dos agentes envolvidos que pese a atuação dos movimentos de luta
pela terra, na construção política e social do Maranhão e do Brasil tendo em vista as
particularidades do estado durante a Ditadura Empresarial-militar e no processo de
Redemocratização, a partir dos conflitos emergentes em torno das disputas pela terra
nos anos de 1979-1988 no Maranhão.
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2. ENSINO DE HISTÓRIA E QUESTÃO AGRÁRIA NO MARANHÃO:
REPENSANDO O CONHECIMENTO HISTÓRICO.
A problemática da Questão Agrária é crucial para compreender o caráter de
mudança e continuidade em torno da história política, econômica e social do país. Terra
e poder formam o binômio cuja permanência marcaram e marcam as relações
construídas em diferentes tempos históricos no Brasil. Impossível pensar nos
desencontros políticos do Brasil e não pensar na Questão Agrária, assim como pensar
em movimentos sociais sem pensar nas diversas atuações do movimento camponês.
O presente trabalho possui o propósito de analisar a Questão Agrária no
Maranhão envolvendo as categorias de propriedade, posse, terra, poder, trabalho,
reforma agrária e movimento camponês a partir dos conflitos emergentes em torno das
disputas pela terra na Ditadura Civil Militar nos anos de 1970-1988 no Maranhão,
conferindo uma revisão do material didático utilizado nas escolas públicas de Educação
Básica.
Ademais esse período é marcado por forte mobilização política dos
camponeses. No Maranhão, nos anos de 1975-1985, o cenário de disputas agrárias e
modificações do campo são alvos de pesquisas e denúncias sobre a situação do
camponês, das comunidades tradicionais e da estrutura fundiária do estado. Em um
contexto dúbio de autoritarismo e abertura política os conflitos ligados à terra se
estendem por todo estado, do Bico do Papagaio às regiões de Pindaré, Baixada e
Mearim mostram as multiplicidades de organização política e sobretudo os impactos das
políticas estatais de fortalecimento do latifúndios na vida de milhares maranhenses. A
despeito de um historiografia marcada pela ausência do reconhecimento da luta
camponesa no período da Ditadura Civil Militar é válido reconhecer que os sujeitos
envolvidos nas disputas agrárias durante o período ditatorial lançaram mão de diferentes
estratégias na luta de acesso à terra.
Durante a Ditadura Civil Militar o projeto de concentração fundiária passa
ser o centro da política econômica. Nas décadas de 1970-1980 o que vemos é tanto a
repressão militar ao movimento camponês quanto a emergência do agronegócio.
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Embora compreendamos o Estado como o principal patrocinador da política
latifundiarista, é importante ressaltar os movimentos contra-hegemônicos envolvidos na
problemática da Questão Agrária. Assim, podemos observamos a emergência do
movimento camponês, do movimento quilombola, da questão indígena e de tantas
formas possíveis de modo de produção e relação com a terra negligenciados pelas
políticas públicas em especial às de cunho estadual.
A partir da década de 1980 o debate sobre a Questão Agrária ganha fôlego
com o processo de abertura política. A criação do MST (Movimento Sem Terra), da
Comissão Pastoral da Terra e do "alargamento" da participação da sociedade civil. A
participação política, todavia, pode ser encarada como limitada visto o modelo de
transição política negociada com permanência da tradição autoritária do Brasil
verificados pelas limitações da própria redemocratização do país.
A tarefa de repensar o ensino de História do Maranhão pautando na questão
agrária está intimamente relacionado com os conceitos de tempo histórico e sujeito
histórico uma vez que permite o conhecimento de um conjunto complexo de vivências
humanas ligadas à questão agrária do estado através do reconhecimento de diferentes
relações com a terra. É compreendendo a realidade histórica do estado que se desperta a
noção de pertencimento e de sujeito ativo, noções essas de extrema importância para o
saber histórico escolar.
Nesse contexto, os estudos históricos desempenham um papel
importante, na medida em que contemplam pesquisas e
reflexões das representações construídas socialmente e das
relações estabelecidas entre os indivíduos, os grupos, os povos e
o mundo social, em uma época. Nesse sentido, o ensino de
História pode fazer escolhas pedagógicas capazes de possibilitar
ao aluno refletir sobre seus valores e suas práticas cotidianas e
relacioná-los com problemáticas históricas inerentes ao seu
grupo de convívio, à sua localidade, à sua , região e à sociedade
nacional e mundial (PCN, 1998, p.34)
A ausência das discussões sobre a questão agrária no ensino de História,
assim como seu silêncio nos materiais didáticos contribuem de forma drástica para: a)
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hierarquização de temas históricos; b) incompreensão das especificidades e da
multiplicidade da sociedade maranhense, que dificulta a percepção do aluno sobre si
como sujeito histórico e sobre a realidade que o cerca; c) dificuldade em conhecer
realidades históricas singulares, distinguindo diferentes modos de relação nelas
existentes gerando uma percepção única de uma realidade histórica múltipla
comprometendo a noção de multiplicidade do saber e do tempo histórico.
3. LIVRO DIDÁTICO E A LUTA PELA TERRA: APONTAMENTOS PARA UM
DIÁLOGO SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA
Pontuadas as questões acerca da historicização do livro didático em sala de
aula, retomamos a presença da luta pela terra nos livro didáticos. Como explicitamos no
primeiro momento do presente texto, essa temática tem grande relevância, uma vez que
as múltiplas experiências de resistência de grupos distintos em uma sociedade são
indispensáveis para uma leitura do tempo que agregue sujeitos históricos com realidades
históricas divergentes.
Se por um lado, a qualidade do livro didático tem sido significativa para
construção de uma material diversificado e crítico, em que pese a historicidade desse
processo, avaliamos também um grau ainda hierarquizado na produção do saber
histórico que evidencia um contexto de homogeneização do ensino de História através
da pasteurização do material didático, que tem como eixo de produção e
problematização das realidade das regiões sul e sudeste, tal aspecto coloca em questão o
caráter urgente de se repensar o ensino História Local e da relação entre conhecimento
histórico e saber histórico escolar.
Para tanto, diante das minhas experiências em sala de aula durante as
disciplinas de Estágios I e II na Rede Pública, e posteriormente, como professora de
História na Educação Básica da Rede Privada, foi possível perceber a ausência de
materiais didáticos, ou paradidáticos, voltados para entender a questão agrária assim
como sua interface na formação do Maranhão Contemporâneo. A questão da terra é
transferida para problemas referentes à disciplina de Geografia, impossibilitando a
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construção do conhecimento histórico sobre o tema e sobre as categorias que envolvem
a relação SER HUMANO e NATUREZA: as diversas formas de relação com a terra
(propriedade, posse etc), as defesas políticas e os variados modelos de reforma agrária,
as diferentes maneiras de exploração da natureza, as múltiplas sociedades e suas
especificidades com a terra, assim como a luta dos movimentos sociais rurais e suas
pautas políticas. Todo esse arranjo historiográfico é indispensável para pensar a História
do Maranhão.
Nesse contexto de homogeneização do ensino de História, através da
pasteurização do material didático, que tem como eixo de produção e problematização
da realidade das regiões sul e sudeste, evidencia-se o caráter urgente de se repensar o
ensino História no Maranhão e da relação entre conhecimento histórico e saber histórico
escolar.
Grande parte das escolas públicas tem utilizado a Coleção Projeto Aribabá -
História como único material didático disponível para alunos da Educação Básica do
Ensino Fundamental II sendo produzido em São Paulo.
A temática da questão agrária aparece apenas uma vez durante os ciclos do
Ensino Fundamental II referente às discussões sobre às Reformas de Base. o material
não apresenta distinção entre reforma agrária e questão agrária e sobretudo não aborda
as especificidades das lutas pela terra.
Durante o ano letivo o aluno do 9º terá contato com um texto de três
parágrafos sobre as problemáticas a respeito da Questão Agrária do país. Termos como
"desapropriação", "arrendamento" não são explicitados no texto (Projeto Aribabá, 2012,
p. 210).
Na Biblioteca da Escola Modelo (instituição pública de ensino) há
disponível o livro didático História do Maranhão, que embora não utilizado na sala de
aula consiste em um dos poucos materiais didáticos sobre o Maranhão. O livro tem 102
páginas abarcando o período colonial até o Maranhão na Nova República. A autora
Maria Nadir Nascimento (ligada a Secretaria de Educação do Governo de Roseana
Sarney -2000) faz referências às lutas camponesas de forma geral e sintética.
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Sobre os territórios indígenas e outras ocupações tradicionais, estes são
mencionados no inicio do material fazendo referência ao processo de colonização.
A Ditadura Empresarial Militar é abordada em duas páginas e pela primeira
vez a autora apresenta três parágrafos sobre as condições dos camponeses no Maranhão
(FIGURA II). Nas atividades sugeridas pela autora há um enunciado que solicita o
aluno a citar "duas grandes obras do Governo Sarney". Embora a autora faça referência
de forma rápida às condições dos camponeses e as relacione ao problema da Questão
Agrária do estado, o material se faz insuficiente, não dando conta das complexas
relações entre terra e poder no período ditatorial.
FIGURA I FIGURA II
Fonte: NASCIMENTO, 2001, p. 87. Fonte: NASCIMENTO, 2001, p. 22.
As condições dos materiais didáticos apresentados e seus silenciamentos
sobre a questão agrária e as especificidades históricas do Maranhão justificam o
presente trabalho e sua validade em construir um novo conhecimento histórico a partir
da elaboração de material paradidático que contemple as contradições a respeito da
estrutura agrária no Maranhão.
A Universidade Estadual do Maranhão é a responsável, há vinte anos, pela
formação de grande parte (senão a maioria) do professores de História no estado do
Maranhão. Durante a graduação relevantes problemáticas são postas para discussão
historiográfica e construção do conhecimento histórico. Não raras vezes essas questões
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se transformam em problemas-chave para a iniciação à pesquisa científica que resulta
em trabalhos de conclusão de curso.
Enquanto isso, já em sala de aula, professores contam com discussões
frágeis a respeito das complexas relações históricas, com materiais didáticos
insuficientes para se pensar noções básicas do ensino de História. Tal fenômeno revela
uma invenção duradora: o desencontro entre Pesquisa e Ensino e expõe a lacuna entre
conhecimento histórico e saber histórico escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração aas contribuições de uma História Política (o que
não é menos importante) optamos por uma interpretação política pautada na luta de
classe sobre a atuação do Estado e das relações deste com a sociedade civil nas pautas
sobre questão agrária. Conferir uma análise histórica do Maranhão sem falar sobre as
problemáticas agrárias é impossível. Compreender o fenômeno político entre terra e
poder no estado Maranhão é o ponto nodal para se construir o conhecimento histórico
sobre o Maranhão Contemporâneo e se reconstruir enquanto sujeito histórico
participante desse processo.
A relacionado dos conceitos de tempo histórico e sujeito histórico nos
permite o conhecimento de um conjunto complexo de vivências humanas ligados à
questão agrária do estado através do reconhecimento de diferentes relações com a terra.
É compreendendo a realidade histórica do estado que se desperta a noção de
pertencimento e de sujeito ativo, noções essas de extrema importância para o saber
histórico escolar.
RFERÊNCIAS
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Cortez, 2004.
______. Livros didáticos entre textos e imagens. In: O saber histórico na sala de
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RELEMBRANDO O ESQUECIMENTO: AS ESPECIFICIDADES DA LEI DE
ANISTIA ATRAVÉS DA IMPRENSA NO MARANHÃO
Leonardo Leal Chaves
1. JUSTIFICATIVA
Reverberando a política de conciliação nacional fundamentada sobre os
benefícios de uma anistia atrelada à ideia de uma imposição do esquecimento como
peça fundamental para que haja a tão reclamada "pacificação da família brasileira", o
jornal O Estado do Maranhão apresenta em suas páginas, quando da discussão acerca da
elaboração do projeto de anistia, um vasto desfile de expressões como "necessidade de
se esquecer o passado", a existência de um "clima amistoso e de confraternização" e da
redemocratização como o resultado do "trabalho em comum" para se referir a concessão
dessa medida.
Mesmo nas publicações no ano de 1978 figuram notícias sobre as
possibilidades (já insinuantemente restritas) de se pensar a anistia dentro dos limites
prefixados pelo governo. Anunciava-se o retorno de políticos cassados com base nos
AI's, o posicionamento de órgãos como a OAB criticando uma anistia restrita e matérias
sobre a defesa dos direitos humanos.
Em uma publicação na edição de 08 de dezembro de 1978, replicada do
Jornal do Brasil, o periódico apresenta o futuro presidente Figueiredo com sua "mão
estendida aos brasileiros numa proposta de conciliação nacional" de modo a garantir a
tarefa nacional de "fazer deste país a democracia que todos sonhamos". Curioso notar
que na mensagem que antecede o projeto de lei da anistia Figueiredo conclui com uma
emblemática frase sobre sua convicção da importância do envio deste para apreciação
dos congressistas, afirmando ter "a mesma serena confiança com que, na informalidade
da vida cotidiana, estendo a mão a todos os brasileiros".
Amplificando a tese das microtransformações que conduziriam o Brasil
rumo à redemocratização, em uma reportagem sobre o posicionamento do líder da
Arena no Senado, o senador Eurico Resende declara que medidas como a queda do AI5,
a revogação dos banimentos e a extinção das Comissão Geral de Investigações (CGI)
permitiriam completar o processo rumo à anistia. Muito embora afirmasse que a
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concessão deste benefício deveria ser restrita e sem outra providência intermediária,
devido à "promiscuidade de políticos e criminosos comuns".
No fluxo da "harmonização do país", as palavras do deputado federal Edson
Vidigal, eleito pela Arena, em entrevista publicada no dia 13 de janeiro de 1979 se
tornam emblemáticas do posicionamento do jornal acerca dessa ideia de pacificação.
Segundo Vidigal, "não podemos perder tempo em querelas que não interessam à causa
maior, dividem os homens, impedem o diálogo e com as quais o povo diretamente nada
tem a ver." Deste modo, mostra-se evidente a tentativa quase que diária de construir um
consenso sobre a necessidade desse "desarmamento do espírito".
Continuam as reportagens e trechos de entrevistas que corroboram a
perspectiva pacificadora da anistia, mesmo que reiteradas vezes fique evidente a
manifestação favorável a uma anistia restrita, sob alegação de manutenção da ordem
nesse processo de transição. Em março de 1979 é apresentada a transcrição de um artigo
chamado "O clima da democracia" que vincula os relativos avanços em direção à
redemocratização e à liberdade de imprensa. Democracia esta que só seria possível se
houvesse concessão a seus governados de benefícios a que eles tem direito. Logo, a
anistia deveria ser limitada e controlada para evitar tumulto ou revanchismos contra o
próprio governo.
Nos meses que antecedem a sanção à Lei da Anistia, se intensificam as
matérias que apresentam pontos de vista aparentemente díspares como atos promovidos
pelos representantes locais do Comitê Brasileiro para a Anistia ou o posicionamento do
deputado emedebista Haroldo Saboya afirmando que essa anistia é a mais dramática da
história brasileira e por isso mesmo será a de frutos mais duradouros. Essa convergência
de interesses pelo "bem comum" se integra perfeitamente na lógica de consonância com
o discurso do Executivo. Assim, na véspera da aprovação da Lei são veiculados os
passos finais em direção a esse projeto de anistia recíproca, restrita e garantidora da
impunidade dos "crimes conexos" que, obviamente, não são abordados pelo jornal.
No mesmo mês de agosto é veiculada a entrevista com Clemente Domingos
Pinheiro, presidente do Sindicato dos Arrumadores de São Luis, sobre os problemas
trabalhistas, salariais e anistia. Esta última abordada tangencialmente e exaltando que os
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sindicatos foram favorecidos com o indulto da anistia e a possibilidade de volta à cena
política de seus dirigentes que foram afastados. O jornal apresenta as afirmações de uma
agremiação tão combatida e perseguida pelos AI's e que agora se mostra receptiva ao
projeto proposto pelo governo.
Nas palavras do próprio José Sarney, em 29 de agosto de 1979, chamando
esta luta pela anistia de "traumática e difícil", caracteriza essa fase atravessada por
Figueiredo como necessária para a reconciliação entre os brasileiros e fundamental para
"cicatrizarmos as feridas do passado", devendo, portanto, ser saudada a anistia.
A pequena introdução ao tema que será aqui, por excelência, o foco de
investigação, deixa clara não só a importância que o projeto de Anistia obteve nas
páginas do mais destacado impresso maranhense, O Estado do Maranhão, como o
envolvimento direto de importantes figuras do cenário local nos embates em torno do
projeto. Tais questões, todavia, continuam ausentes daquele que é considerado o mais
poderoso instrumento condutor da prática pedagógica: o material didático. Distante,
assim, do cotidiano escolar nas escolas de Educação Básica do Maranhão, mais
especificamente de São Luís.
O ano de 2014 foi marcado pela explosão de lançamentos bibliográficos,
documentários, filmes, exposições, programas televisivos e intensos debates que tinham
como foco os cinquenta anos do movimento, ora considerado Civil-Militar, ora somente
Militar, ou ainda Empresarial-Militar, responsável pela ruptura institucional que
promoveu a destituição do então presidente, democraticamente eleito, João Goulart.
Esta miríade de produções, todavia, embora tenha chegado até a sociedade
como um todo, não foi capaz de romper o fosso que separa a produção dita acadêmica e
o cotidiano escolar.
Sustento tal hipótese a partir de minha prática docente como professor
regente da rede privada de ensino da cidade de São Luis. No material didático,
instrumento básico de atuação do colégio Educator, não acompanhou a pluralidade de
interpretações, de hipóteses, manteve-se distante dos embates pela memória entre
perseguidos e perseguidores do regime e, principalmente, não trouxe para o centro de
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suas explicações as especificidades do período da ditadura, aqui caracterizada como
Empresarial-Militar, no Maranhão.
Ainda predominam, não só no material básico do Colégio Educator,
como também nos livros didáticos utilizados nas escolas da rede pública, municipal e
estadual, as leituras do período ditatorial que tem no Centro-sul do país o palco por
excelência dos principais acontecimentos históricos. Nesse sentido, são nacionalizadas
explicações que dão conta do universo histórico de cidades como Rio de Janeiro, São
Paulo e Minas Gerais, mas que não contemplam as especificidades das demais regiões
do Brasil, como por exemplo o Maranhão. A proposta de estudo aqui apontada caminha
em outra direção. O que está sendo aqui proposto é a recuperação das especificidades do
período da Ditadura Empresarial-Militar no Maranhão como forma de, não só elaborar
um texto meramente acadêmico, mas como e, principalmente, promover algum tipo de
intervenção nas práticas pedagógicas até então vigentes. Nesse sentido, propõe-se aqui a
construção de um canal direto, dinâmico e interativo, ou seja, um blog histórico capaz
de fornecer ao corpo docente, e quiçá discente, múltiplas ferramentas capazes de
possibilitar o repensar e a reelaboração das estratégias pedagógicas no ensino das
singularidades maranhenses durante o período ditatorial.
No entanto, faz-se necessário destacar que, nas palavras de Jayme Pinsky
e Carla Pinsky (2005), o elevado grau de transformação nas esferas políticas e
econômicas ocorridas no final do século passado acentuaram o ceticismo entre
professores e estudantes de História em geral em relação ao próprio conhecimento
histórico e seu potencial transformador. Nas escolas, este ceticismo desdobrou-se no
questionamento acerca do sentido do ensino de história. Paralelo a tal processo, o
próprio livro didático, enquanto instrumento ímpar do processo de aprendizagem,
também tem sua validade posta em xeque, principalmente diante da explosão de novas
tecnologias que passaram a ser vistas como sepultadoras do livro impresso. Sepultados
seriam, também, tanto a figura do professor como agente de ensino (tidos como
comunicadores inábeis e incompetentes) quanto das propostas curriculares ligadas às
realidades nacional e local (vistas como inadequadas e ultrapassadas).
Assim,
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procurando acompanhar as mudanças, os novos tempos, muitos
professores acabem comprando a ideia de que tudo que não é muito
veloz é chato. Na sala de aula, o pensamento analítico é substituído
por "achismos", alunos trocam a investigação bibliográfica por informações superficiais dos sites "de pesquisa" pasteurizados, vídeos
são usados para substituir (e não complementar) livros. E o passado,
visto como algo passado, portanto superado, tem tanto interesse quanto o jornal do dia anterior (PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla,
2005, p. 17-18).
No entanto, ainda destacam os autores, absorvidas as críticas iniciais, há a
necessidade premente de mostrar que é possível desenvolver uma prática de ensino
adequada aos novos tempos: rica em conteúdo, socialmente responsável e sem
ingenuidade ou nostalgia.
A proposta da construção de um blog está em consonância com as reflexões
acima apresentadas. Não se advoga aqui que a utilização de um recurso poderoso, de
livre e direto acesso e em consonância ao cotidiano conectado de alunos e professores
venha a significar o abandono da investigação bibiográfica ou da importância das fontes
documentais. Contribui-se, deste modo, para a renovação e crítica do conhecimento
científico relacionando-o à produção do saber escolar. Segundo Forquin (apud
MONTEIRO, 2003, p. 11)
a produção do saber escolar é permeada pela dimensão educativa que
desempenha papel estruturante em sua configuração, contribuindo de forma significativa para sua especificidade epistemológica, além de
ser instrumento fundamental para a crítica, superação e reconstituição
do senso comum.
Assim a transmissão e assimilação dos saberes selecionados compõem uma
cultura escolar diferenciada que transcende os limites da própria escola no que tange à
reorganização, reestruturação e transposição didática desses saberes. Deste modo, a
construção de uma ferramenta atual, dinâmica e interativa se insere na perspectiva de
instrumentalizar a transformação das práticas pedagógicas do profissional docente em
sua atuação diária, tornando-o crítico e seu
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Em função da longa duração do período ditatorial, será realizado um corte
cronológico e temático para que essa proposta se torne viável de realização no período
de duração do mestrado. Assim, o blog terá como tema central o processo de transição
política da Ditadura rumo à democracia, sendo, portanto, privilegiadas questões como:
a) o projeto de abertura durante o governo Geisel marcado por avanços e retrocessos; b)
o fim do AI5 no governo Figueiredo e seus desdobramentos políticos e institucionais; c)
a aprovação da Lei da Anistia; d) o renascimento dos movimentos sociais, cujo ápice foi
a campanha pelas Diretas Já; e) as eleições estaduais de 1982; f) o retorno dos exilados;
g) a eleição indireta da chapa Tancredo-Sarney, seguida pela morte do primeiro e pela
posse do segundo.
Para que as singularidades do Maranhão possam emergir em meio a esse
arco de questões aqui anunciadas, esse estudo terá como corpus documental uma
multiplicidade de fontes compostas por jornais de circulação local, como O Estado do
Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno, música compostas por artistas regionais,
produção literária, fontes iconográficas, entrevistas como personagens destacados do
período e outras possibilidades que poderão vir a ser construídas durante a pesquisa.
Esta proposta identifica-se com a linha de Historiografia e Linguagens uma
vez que se concebe como variáveis intrinsecamente articuladas conhecimento
historiográfico, aspectos metodológicos e cotidiano escolar. Tal perspectiva materializa-
se no projeto de produção de uma linguagem midiática (o blog histórico) como
estratégia para intervenção no cotidiano escolar.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Em sua obra Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no
Brasil 1974-1985, publicado em 2009, Francisco Carlos Teixeira se propõe a analisar o
que chama de “crise das ditaduras”, elencando seus atores e condicionantes principais,
bem como entender a natureza das ditaduras latino americanas, evitando assim a
“instrumentalização do esquecimento” ensejada como arma política contra as
democracias, pela Lei de Anistia.
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Os intensos movimentos de redemocratização por toda a América Latina
no final dos anos 1970 e a década de 1980, objetivando a substituição dos governos
militares, tem estreita relação com o contexto internacional. Francisco Carlos Teixeira
refere-se especificamente à eleição do democrata Jimmy Carter em 1979 que recoloca
na agenda governamental questões como a defesa dos direitos humanos, crítica a um
partido oficial (ou instituição que se apresente como tal), restabelecimento da liberdade
de expressão e de organização e denúncias de práticas das polícias políticas na repressão
das dissidências. Constitui-se, desta forma, espaço para a atuação das oposições no
Brasil e em todo continente latino americano, sinalizando o encerramento de um longo
histórico de apoio dos Estados Unidos a essas ditaduras, devendo cada governo
“empenhar-se em direção à redemocratização – no falar político do continente, era o
momento das aberturas -, capazes de estabelecer regimes democráticos estáveis”.
(TEIXEIRA, 2009, p. 252)
Como condicionante externo, são apresentados os impactos das crises na
economia mundial notadamente a crise do petróleo (1973) e crise dos juros (1982)
obrigando o Brasil, para cumprir suas obrigações referentes a seu endividamento
externo, a aumentar suas exportações enquanto financia as importações de petróleo. Não
obstante o esgotamento do modelo econômico do “milagre”, este, isoladamente, não
explica o início da abertura, mas sim seu ritmo.
Essa abertura se desenrolaria no Brasil através de dois pontos de ação: a
tentativa de inserção do Brasil em um Estado do Direito (Projeto Geisel-Golbery) e a
elástica vitória do MDB nas eleições parlamentares de 1974, demonstrando assim uma
clara insatisfação popular com o regime. As pressões e críticas efetuadas por uma
sociedade civil organizada através de Igrejas, sindicatos, artistas, imprensa e
universidades impeliam o MDB a uma postura mais firme diante do regime militar,
condicionando os projetos de abertura internamente.
Desta forma, o autor apresenta a constitucionalização do país como
resultado de uma lenta, gradual e segura distensão, que comportaria garantias básicas ao
regime: evitar o retorno de pessoas, instituições e partidos anteriores a 64; proceder-se
lentamente (aproximadamente 10 anos, garantindo a escolha segura do sucessor de
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Geisel) e a incorporação de uma Constituição sem que esta fosse fruto de uma
constituinte. Em outros termos, reconstitucionalização sim, mas não exatamente uma
redemocratização. O país deveria permanecer sob a tutela militar continuada,
procedendo com uma abertura lentamente ritmada e limitada, resultando na escolha do
candidato de Geisel e Golbery, o então chefe do SNI, João Baptista Figueiredo.
Dentro do projeto de abertura, um dos pontos principais na agenda de
Figueiredo é a questão da anistia, apresentada como “item fundamental para a retomada
do processo político de abertura, cada vez mais sob o risco de ultrapassagem do governo
pelo movimento popular” (TEIXEIRA, 2009, p.269). A mobilização popular
intensificava sua luta contra violação dos direitos humanos dos presos políticos e o
retorno dos exilados, enquanto multiplicavam-se as bandeiras em torno do lema Anistia
ampla, geral e irrestrita pelas ruas, salas de aula, clubes e igrejas.
Decretada em 28 de agosto de 1979, sem negociação com a oposição, a
Lei 6.683, que concede anistia e dá outras providências, assegurou que não houvesse
revanchismos contra o regime e seus agentes. Contudo, esta deveria ter devolvido ao
governo a iniciativa e controle sobre o processo de abertura, retirando dos seus críticos
sua principal bandeira de mobilização popular (potencializada pela criação, em 1975 e
1978, respectivamente, do Movimento Feminista pela Anistia e do Comitê Brasileiro
pela Anistia). A tentativa da linha-dura de desestabilizar o projeto de abertura toma
forma com vários atentados a bombas, como no episódio do Riocentro em abril de
1981.
Como fase final da abertura, Francisco Carlos Teixeira nos mostra o
crescimento dos movimentos populares e da atuação de partidos políticos de oposição
reivindicando, depois das relativas conquistas da lei de anistia e do retorno dos exilados,
eleições diretas para presidência. Apresentando-se deste modo, a tentativa de uma
transição pactuada, em detrimento de uma forte ruptura de uma transição por colapso,
demonstra-se ameaçada. Sobre as Diretas Já, nos escreve que esta
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representava um rompimento radical com a abertura limitada e
pactuada que o regime vinha implantando e levaria, através da eleição
de um presidente pelo voto direto, com uma Constituinte, a uma
ruptura constitucional extremamente desfavorável para as forças que implantaram a ditadura militar no país (TEIXEIRA, 2009, p.273)
Conforme encerra seu artigo, o autor nos mostra o imobilismo do regime
militar aliado à falta de recursos e projetos que superassem a crise em torno da abertura,
já que seu ritmo era ditado pelas mobilizações nas grandes cidades e pela forte disputa
em torno dos partidos políticos e suas lideranças visando o Colégio Eleitoral que em 15
de janeiro de 1985 põe fim aos 21 anos de ditadura elegendo Tancredo Neves à
presidência do Brasil.
No artigo Anistia e crise política no Brasil pós-64, publicado na edição de
dezembro de 2002 da revista Topoi, Renato Lemos destaca a importância de
percebermos a anistia como parte da tradição política brasileira expressa na preservação
dos interesses fundamentais das classes dominantes, pela via da conciliação, e pela ideia
do desdobramento de uma contrarrevolução preventiva como estratégia anticrises.
São apresentadas as fundamentações do caráter contrarrevolucionário da
prática conciliatória das elites brasileiras e do surgimento de uma contrarrevolução
como forma de garantir a conciliação, defendidas pelos historiadores José Honório
Rodrigues e Arno Mayer, respectivamente.
Deste modo, o que se mostra como uma política de conciliação é, para
José Honório Rodrigues, sempre um instrumento utilizado para contornar as
contradições dentro da minoria dominadora, atenuando suas divergências internas.
Mesmo em nome da concessão de benefícios para o povo seu objetivo é a manutenção
da ordem.
A opção pela adoção de uma atitude conciliatória garante a harmonia
conservadora. Contudo, ao mostrar-se fraco e menos autoconfiante em tempos de crises,
a tendência a conciliação é substituída por métodos “mais eficazes”. Para Arno Mayer, a
contrarrevolução é a forma com frequência escolhida para garantir a conciliação.
A formulação das ideias de contrarrevolução surgidas na esteira da
Revolução Francesa são adaptadas ao longo do tempo e passam por uma importante
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transformação em sua função: adaptam-se aos interesses das camadas dominantes da
burguesia. Reitera Mayer que a contrarrevolução é um produto da instabilidade e, de
modo pretensamente harmonioso, desenvolve-se como uma estratégia anticrises. As
classes dominantes são convencidas de que a crise é revolucionária e que necessário se
faz uma “contrarrevolução preventiva” (Mayer apud Lemos).
Em sua análise sobre a Lei de Anistia, Lemos a caracteriza como
resultado de uma
grande transação entre setores moderados do regime militar e da
oposição, por iniciativa e sob o controle dos primeiros. Integrou a
agenda de microtransformações, buscadas desde 1973 por lideranças militares e civis do governo: ampliação do leque de oposições
partidárias, abrandamento da legislação repressiva etc. (Lemos, 2002,
p. 293)
Pode-se entender a anistia como um instrumento contrarrevolucionário
agindo preventivamente no contexto de crises políticas sinalizando sua gravidade. Atua-
se na divisão e enfraquecimento no campo dos contestadores e reunifica setores
divergentes dentro do bloco dominante, (re)alinhando seus interesses fundamentais e,
consequentemente, garantindo a ordem.
O resultado expõe-se como uma limitação do confronto de posições,
impedindo assim que se compreenda a raiz do problema que gera a crise, com seus
elementos tendendo a agravar-se. Configura-se assim a preparação do regime para outra
forma sem descartar a tutela militar, demonstrando seus limites, desde logo, pelo
direcionamento estritamente burguês na condução do processo político, preservando
assim as condições necessárias para manutenção da dominação política de nossa
burguesia “desprovida de vocação transformadora”. (Lemos, 2002, p. 293)
Os embates entre os diferentes projetos políticos que resultaram na Lei de
Anistia inserem-se na agenda de transição do regime de modo “lento, gradual e seguro”,
bem como na repercussão da retumbante vitória da oposição democrática e pelo
crescimento de movimentos que exigiam a redemocratização do país. Ao final do
governo Geisel, algumas medidas como o abrandamento das formas de dominação
política são tomadas. A revogação dos Atos Institucionais e a reforma da Lei de
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Segurança Nacional são exemplos da distensão pretendida. Contudo, o ritmo e a
condução do processo de abertura expressos nestas medidas não eram bem vistos pela
oposição militar de direita que se encontrava às voltas com o retorno de políticos
cassados pelo regime e pela suspensão dos processos em andamento na Justiça Militar.
A esquerda, por sua vez, exigia a anistia “ampla, geral e irrestrita” (lema
do CBA) juntamente com a apuração dos crimes praticados em nome do Estado contra
seus opositores políticos e a consequente punição dos culpados. Parte da oposição
entendia o projeto do governo como uma tentativa de “esvaziamento da mobilização
pela anistia”. (2002, p. 295) aliada a reforma partidária que visava o enfraquecimento da
oposição pelo seu fracionamento. A consubstanciação do caráter restrito da Lei se
apresenta sob a forma de exclusão do benefício da anistia os condenados por crimes de
terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. A tentativa de imprimir uma marca de
reciprocidade foi a inclusão dos acusados de “crimes conexos” (a saber, tortura,
assassinato e desaparecimentos forçados, por exemplo).
Guiados pelo “espírito da conciliação” que norteava a reciprocidade da
Lei, anistiou-se eticamente todos aqueles que sustentaram a violenta ditadura militar,
bem como obstou a apuração de tais crimes em nome da Segurança Nacional. A
manutenção de indivíduos e instituições também é típica de transições negociadas
conduzidas sob a força da ordem ditatorial, como estratégia de sobrevivência das
diferentes frações de classe dominante. Evitar que a situação de crise política evolua
para uma mobilização revolucionária, contestando a ordem social, demonstra-se uma
preocupação principal para evitar o aprofundamento das cisões no interior do bloco
dominante, expresso na natureza restrita e recíproca da Lei de Anistia.
O efeito simbólico de reparação foi juridicamente alcançado através da
Lei 9.140 de 1995, que oficializa a morte de pessoas “desaparecidas” por motivos
políticos, bem como estabelece uma indenização de acordo com o princípio da
reconciliação e em nome de uma pacificação nacional. Não obstante, o alto escalão
militar, funcionários do governo e civis envolvidos com as práticas obtusas de ação ou
financiamento da repressão aos opositores do regime seguem, na prática, juridicamente
irresponsáveis e nunca serão condenados por seus crimes, devido a reciprocidade
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embutida na Lei de anistia. O sentimento de “revanchismo” então reclamado pelos
militares desencadeia uma série de reações sobre o conteúdo desta lei, desde oposição às
investigações de desaparecimentos e tortura até discordâncias sobre os valores das
indenizações.
Lemos encerra sua análise observando atentamente o sentido do vocábulo
anistia, tanto em seu sentido jurídico quanto no linguajar leigo, sendo este “um ato de
perdão que torna inexistente uma atitude anteriormente considerada negativa.
Etimologicamente, anistia significa esquecimento”. (Lemos, 2002, p. 301). Decretada
esta, a natureza criminosa ligada a um determinado ato torna-se inexistente, adoção
politicamente conveniente ao legislador. Encontramos então a finalidade da natureza
política da anistia: a pacificação da sociedade pela via do esquecimento.
Opondo-se a tese que o Estado ditatorial militar estaria se transformando
em Estado democrático, Décio Saes em A questão da “transição” do regime militar à
democracia no Brasil, parte da crítica à ideia que o Estado é “uma organização
material/humana que pode, mesmo numa sociedade como a nossa (isto é, capitalista) ser
colocada a serviço de ‘todo o povo’, do ‘bem comum’ ou do ‘interesse geral’” (Saes,
2001, p. 33). A caracterização da função latente do Estado de atenuar os conflitos de
classes, limitando-os, expõe seu caráter classista, colocando-se a serviço dos interesses
mais gerais da classe exploradora.
Ao observar a “transição brasileira”, Saes levanta o esclarecimento
conceitual entre as formas de Estado burguês e regimes políticos burgueses, em suas
variantes ditatoriais e democráticas. Deste modo, as transformações
na forma do Estado burguês correspondem a mudanças na relação de
forças dentro do aparelho de Estado lato sensu: isto é, a relação de
forças entre o conjunto dos ramos propriamente burocráticos desse aparelho (administração civil, polícia, Exército, Justiça etc.), de um
lado, e um órgão de representação propriamente dita (Parlamento), de
outro lado. A forma ditatorial [...] de Estado burguês consiste na
monopolização, pela burocracia de toda a capacidade decisória
puramente estatal [...] em detrimento do órgão de representação
política . (Saes, 2001, p. 35)
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A militarização do Executivo (historicamente, a variante predominante
da forma ditatorial) sobrepondo-se sobre outros ramos civis certamente se diferencia da
forma democrática de regime político burguês pela participação efetiva do Parlamento
no processo decisório estatal, mesmo que não seja de modo “equilibrado” ou
dominante. Travam-se então contínuas disputas sobre repartição da chamada
“capacidade estatal total” entre o Parlamento e a burocracia, notadamente a militar.
No que tange a ideia dessas lutas no seio do aparelho de Estado burguês,
o autor nos esclarece a respeito da expressão “regime político”, assim entendido como o
padrão de organização da luta política dentro dos limites fixados pelo próprio Estado
burguês, ou seja, caracteriza-o como “cena política” distinguindo-o de “aparelho de
Estado”. Dentro dessa perspectiva, o modo ditatorial militar de regime político
impossibilita o pleno exercício das liberdades políticas, exclui a participação partidária
“civil” no processo decisório estatal e, na cena política, as Forças Armadas consolidam-
se como único partido.
Após os esclarecimentos conceituais, Décio Saes questiona como
poderíamos caracterizar a forma de Estado e o regime político no Brasil de 1988, ano
em que seu texto foi escrito. Assim, provoca-nos se as microtransformações registradas
no aparelho de Estado e na cena política brasileira, como revogação dos AI’s, a lei de
Anistia e revisão da Lei de Segurança Nacional, engendradas desde o governo
Figueiredo, nos autoriza a classificar a “Nova República” brasileira como uma
democracia burguesa ou apenas uma transmutação daquela velha ditadura reformulada
em seus aspectos secundários e com um discurso adaptado.
Apresenta-nos também a oposição à tese de que o Estado brasileiro de
então poderia ser considerado como democrático ou até mesmo semidemocrático (o que
nos leva a inferir também seu caráter semiditatorial), apoiada na esteira de que esses
“descolamentos moleculares” no jogo político não seriam suficientes para concretizar a
democracia burguesa. A necessária presença de alguns elementos nesta forma de
Estado, tais como “instituições políticas”, “pluripartidarismo” e “eleições majoritárias”
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não são suficientes para a concretização de uma democracia burguesa já que, inseridos
em uma ditadura militar burguesa, desempenham funções diferentes.
Logo, em uma democracia burguesa, é indispensável que o sistema
partidário (Parlamento) tenha
função governativa real, repartindo com a burocracia estatal (civil e
militar) a capacidade decisória estatal total; e isso implica a existência de possibilidades concretas de via política, civil e pré-burocrática,
ativa. Ou seja: numa democracia burguesa, a burguesia ‘governa’ (no
sentido mais amplo da palavra) simultaneamente por meio da burocracia estatal e do sistema partidário/Parlamento. (SAES, 2001.
p.39)
Caracterizada dessa forma, cabe às instituições políticas aparentadas com
traços dessas democracias burguesas cumprir a função de ocultar o caráter militarizado
do processo decisório estatal. Sua própria legitimação se dá perante os olhos das classes
trabalhadoras, sendo a presença de políticos civis no topo dos Executivos uma das mais
importantes dessas "instituições".
A manutenção do poder das Forças Armadas sobre o processo decisório
se dá sob forma de um "duplo protetorado", tanto sobre a burocracia civil, como sobre
os políticos que ocupam os cargos eletivos. A atuação do Conselho de Segurança
Nacional e do Serviço Nacional de Informação prefixando os limites do quadro político,
delimitando o quadro político geral, é obedecida pela não abordagem de temas "tabus",
reservado apenas às Forças Armadas, e pelo proposital vazamento da posição militar
sobre temas de responsabilidade civis.
Em suma, a presença e a influência desse subaparelho militar
metamorfoseado em seu discurso e carapaça continua(va) agilizando uma rede estatal
paralela, tornando o então presidente José Sarney um "refém civil do alto comando das
Forças Armadas". A análise do próprio processo constituinte, dentro desta perspectiva,
se desenrola dentro dos limites ditados pelos militares, atuando desta forma como o
grande partido político da burguesia.
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Esse breve painel historiográfico não esgota a discussão sobre o tema,
mas demonstra que há um intenso debate entre os historiadores acerca da transição
brasileira que necessita fazer parte do cotidiano escolar. Assim sendo, o blog histórico
pode constituir-se em um espaço de interseção entre a produção historiográfica e novas
fontes documentais, tornando possível o desvendar das singularidades maranhenses
durante o processo de abertura.
Em relação ao uso de impressos, faz-se necessário destacar que a
imprensa será aqui considerada como Aparelho Privado de Hegemonia, conceito
construído pelo teórico Antonio Gramsci e publicizado em sua obra Cadernos do
Cárcere, recentemente lançado no Brasil, sob organização de Carlos Nelson Coutinho.
Nessa perspectiva conceitual, a imprensa é um poderoso instrumento na construção de
consenso em torno de um determinado projeto que se pretende hegemônico. Assim,
transforma-se em partido, organizador da vontade coletiva. No entanto, vale a pena
destacar que os embates em torno da conquista da hegemonia também estão presentes
nos próprios impressos, que, portanto, publicizam projetos diretamente relacionados às
frações de classe ou interesses específicos que definem sua linha editorial. Desta forma,
a multiplicidade e a complexidade dos projetos em disputa no processo de condução da
abertura política podem ser apreendidos através de uma análise comparativa entre
impressos distintos, como aqui está sendo proposto quando da investigação nos jornais
O Estado do Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno. Destaca-se ainda, que a
seleção e publicização de tais impressos em um blog histórico podem viabilizar novos
estudos e novas formas de condução do ensino da história recente do Maranhão.
3. OBJETIVOS:
Geral:
- Construir um blog histórico que tenha como tema central o processo de transição da
Ditadura, enfatizando as especificidades maranhenses e publicizando novas ferramentas
pedagógicas capazes de alterar o ensino desta temática nas escolas de educação básica.
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Específicos:
- Selecionar e disponibilizar no blog novas fontes documentais sobre a transição política
brasileira, com destaque para as singularidades maranhenses.
- Publicizar propostas pedagógicas para o ensino da transição capazes de promover uma
intervenção no cotidiano escolar.
- Construir um canal de interatividade no qual docentes e discentes possam dialogar,
promovendo assim um profícuo e rico debate sobre o tema.
- Possibilitar novas perspectivas interpretativas sobre a história recente do Maranhão
que, em função do livre acesso ao blog, poderão cruzar a fronteira entre a academia e o
universo escolar.
4. METODOLOGIA
O processo de construção do blog dar-se-á em dois momentos distintos:
um primeiro em que será realizado um arrazoado teórico, metodológico e conceitual no
qual serão discutidas questões como o mapeamento da historiografia sobre o tema, o
uso de impressos como arcabouço documental, a importância do uso de novas
tecnologias como ferramenta pedagógica. O segundo será destinado ao processo
propriamente dito de construção do blog. Para tal, metodologicamente a pesquisa
seguirá os seguintes caminhos:i) levantamento e seleção de novas fontes para o estudo
das especificidades maranhenses durante o processo de Abertura, com ênfase nos
impressos O Estado do Maranhão, O Imparcial e O Jornal Pequeno ii) A investigação,
nas fontes selecionadas, das temáticas a) o projeto de abertura durante o governo Geisel
marcado por avanços e retrocessos; b) o fim do AI5 no governo Figueiredo e seus
desdobramentos políticos e institucionais; c) a aprovação da Lei da Anistia; d) o
renascimento dos movimentos sociais, cujo ápice foi a campanha pelas Diretas Já; e) as
eleições estaduais de 1982; f) o retorno dos exilados; g) a eleição indireta da chapa
Tancredo-Sarney, seguida pela morte do primeiro e pela posse do segundo; iii) a
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elaboração, tomando como referência o corpus documental selecionado, de propostas
pedagógicas capazes de promover a intervenção no cotidiano escolar.
REFERÊNCIAS
1. Legislação
CONGRESSO NACIONAL. Comissão Mista sobre a Anistia. Brasília, 1982
Decreto nº 84.143, de 31 de outubro de 1979, Regulamenta a lei nº 6.683, de 28 de
agosto de 1979, que concede anistia e dá outras providências.
Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, concede anistia e dá outras providências.
Lei nº 9.140 de 04 de dezembro de 1995, reconhece como mortas pessoas desaparecidas
em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas.
Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, Regulamenta o artigo 8º do Ato de
Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências.
Mensagem 59 de 28 de junho de 1979.
Mensagem 267 de 28 de agosto de 1979.
2. Jornais
O Estado do Maranhão. Janeiro à dezembro de 1978-1979
O Imparcial. Janeiro à dezembro de 1978-1979
Jornal Pequeno. Janeiro à dezembro de 1978-1979
3. Obras Gerais
CHARTIER, Roger. A História Hoje: Dúvidas, Desafios, Propostas. In: Estudos
Históricos, N°13. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, 1994.
DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder, e golpe de
classe. Rio de janeiro: Vozes, 1987.
FERREIRA, Jorge. O Governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Licília (orgs.) O Brasil Republicano. O tempo da
experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
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FICO, Carlos. Além do Golpe. Versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura
Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004
FURET, François. O Historiador e a História: Um Relato de François Furet. IN:
Estudos Históricos, N° 1, CPDOC-FGV, 1988
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: das ilusões
perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, vol. 3. Maquiavel e a Política do Estado
Moderno (caderno nº 13). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
JULLIARD, Jacques. A Política. In: GOFF, Jacques & NORA, Pierre.(0rg.) História:
Novos Problemas, Novos Objetos e Novas Abordagens. São Paulo, Francisco Alves,
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História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ; 7
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Terror de Estado. Revista História e Lutas de Classe, ano 3- edição nº 4. pag.49.
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consequente. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos,
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RODEGHERO, Carla Simone. A anistia de 1979 e seus significados, ontem e hoje. In:
REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (orgs.) A
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SAES, Décio. República do Capital. Capitalismo e processo político no Brasil. Rio
de Janeiro. Boitempo, 2001
SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Crise a ditadura militar e o processo de abertura
política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Licília (orgs.) O
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Brasil Republicano. O tempo da ditadura. Regime militar e movimentos sociais em
fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: De Castelo A Tancredo 1964 – 1985. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988.
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A DITADURA EM QUADROS E QUADRINHOS: A LINGUAGEM
ICNOGRAFICA DA CRÍTICA ILUSTRADA NA PRÁTICA DE ENSINO
SOBRE A DITADURA EMPRESARIAL-MILITAR BRASILEIRA (1975-1985)
Adriano Negreiros da Silva
1. INTRODUÇÃO
O ensino de História do Brasil sobre abertura política de fins do período
ditatorial brasileiro, por muito tempo suavizou as agruras sofridas pelos opositores do
regime pela exaltação apaixonada e também consciente daqueles anos derradeiros e a
possibilidade da retomada do Estado de Direito com nossa débil e torta democracia. Em
verdade, os livros didáticos brasileiros foram convenientes para por uma “pá de cal” à
memória problematizada sobre aquele tempo histórico.
Dessa forma, revisitar esse passado, tão presente, é uma necessidade. Afinal,
suas heranças não cessam nos noticiários e na política nacional. Elaborar meios para
quebrar os silêncios e prover à sociedade trabalhos historiográficos que despertem o
entendimento e a criticidade sobre esse contexto atroz são medidas honestas e coerentes
a um ensino pleno de História.
Assim, não há como pensar em um ensino de História pleno sem o uso de
múltiplas linguagens no processo de ensino-aprendizagem. Para esse trabalho, a
linguagem imagética satírica (charges, cartuns, caricaturas e tiras) presente em grandes
periódicos e jornais alternativos será pilar. Pois, sendo detentora de uma inegável
capacidade comunicacional, é impossível nos furtarmos à sua capacidade como
evidência histórica. Tendo em vista, a relevância e potencialidade dos seus registros em
Mestrando do Programa de Pós-Graduado em História, Ensino e Narrativas (PPGHEN). Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do
Maranhão (FAPEMA). Membro do Núcleo de Pesquisa em História Contemporânea (NUPEHIC),
coordenado pela professora do curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão –
UEMA, Profª. Drª. Monica Piccolo Almeida. Professor Substituto do Departamento de História e
Geografia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
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possíveis estudos sobre a disseminação de discursos e ideários diversos. A crítica
ilustrada é parcial por excelência, funciona para quem a detém; seu caráter persuasivo e
penetrante na mentalidade das massas interessava a todas as vertentes e segmentos
sociais e de poder do período ditatorial brasileiro.
Dessa forma, são objetivos projetados para esse trabalho, a análise das
peculiaridades e confrontos nos discursos da crítica ilustrada presente em periódicos
(convencionais e alternativos) da cidade de São Luís, capital do Maranhão, no contexto
da ditadura empresarial-militar brasileira e a partir desse produto de análise, elaborar
um material paradidático ilustrado, direcionado ao ensino fundamental
(especificamente, turma do 9º ano), que exponha as perspectivas ideológicas e políticas
do país no contexto de transição e final da ditadura (1975-1985) por um método de
ensino-aprendizagem instigante e autônomo.
2. A CRÍTICA ILUSTRADA E O ÚLTIMO DECÊNIO DA DITADURA
EMPRESARIAL MILITAR
O Brasil nas décadas de 1960, 1970 e 1980, esteve envolto em um contexto
político conturbado de ditadura. Nas duas primeiras décadas, o país vivenciara um
período político muito rígido em que a ditadura empresarial-militar ascendeu e se
consolidou; a restrição ideológica vigorava aparatada pelos braços coercitivos do
Estado. Na transição da década de 1970 para 1980, há o advento de um revés na
sistemática política nacional; a redemocratização estava em curso. Uma grande euforia
toma conta de ampla parcela da população com a abertura política. Os discursos que
aclamam o Brasil, enquanto uma possibilidade democrática, a partir daquele momento,
imperam. Democracia e liberdade eram palavras de primeira ordem. Vários segmentos
de classe as ratificavam nos gritos e discursos apaixonados pelas ruas de mãos dadas
por uma nova era política simbolizada na campanha por eleições diretas, as “Diretas já”.
A população brasileira estava mobilizada nesse contexto. Movimentava-se e
expressava a sua condição por diversos canais, dentre eles, a crítica ilustrada
(caricaturas, charges, cartuns e quadrinhos ou tiras). Nesse contexto, ascenderam e
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notabilizaram-se nos meios jornalísticos da grande imprensa e imprensa alternativa do
país discussões sobre os destinos políticos, sociais e econômicos, através do
mencionado discurso imagético satírico. Uma arte discursiva e crítica que há muito
permeava o cotidiano jornalístico do país acompanhando os debates e contextos
políticos de perto, proporcionando assim, um valioso caminho comunicativo e vestígio
histórico.
Deste modo, sendo a crítica ilustrada detentora de uma inegável capacidade
comunicacional, é impossível nos furtarmos à sua relevância como evidência histórica e
meio de acesso à inteligibilidade pretendida junto à prática de ensino-aprendizagem dos
conhecimentos históricos. Visto que, observados em particular, todos os seus
subgêneros exercem um viés comunicativo com seu receptor. A caricatura não é
subordinada à estética, tem validade crítica por expor as imperfeições dos padrões
sociais, um flagelo direcionado a ridicularizar. O cartum tem temáticas amplas, não
versa sobre fatos delimitados no tempo e espaço; o que lhe confere um caráter universal,
genérico; seus temas são a fome, a corrupção, a criminalidade, a paz, etc.
A charge é a crítica burlesca de um fato ou acontecimento específico de
conhecimento público. Tem como matéria-prima para a sua inteligibilidade, os fatos do
dia-a-dia e o conhecimento prévio do leitor. Ela está presente em jornais e revistas, tem
papel importante na opinião pública, pois viabiliza a disseminação do pensamento
reflexivo por meio da imagem sobre um acontecimento e o que oculto nas suas
entrelinhas. Visa polemizar, refletir, desnudar e trazer à tona por via do humor tudo que
está maquiado por outros discursos.
Por fim, a tira ou quadrinhos, em suas histórias transitam discursos entre a
abrangência temática dos cartuns e a especificidade das charges na exposição da
sociedade. Direto, trata-se de um texto curto construído em um ou mais quadros, com a
presença de personagens fixos quase sempre, que criam uma narrativa com desfecho
inesperado no final; conciliando textos imagético e escrito ao mesmo tempo, como
regra.
Portanto, como elemento da arte cômica, “o riso ‘castiga os costumes’.
Obriga-nos a cuidar imediatamente de parecer o que deveríamos ser” (BERGSON,
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1982, p. 13). Dessa forma, a crítica ilustrada funciona como o vetor do cômico que
extrai pelo ridículo o que está oculto e presente na matéria-prima diária da charge, do
cartum, da tira ou quadrinho e da caricatura. Tendo em vista, a proeminência e
potencialidade dos seus registros em possíveis estudos sobre a disseminação de
discursos e ideários múltiplos.
Logo, enquanto seres plurais, detemos múltiplas capacidades
comunicacionais que não somente a linguagem verbal. A primazia da língua, como
forma e meio de comunicação padronizada, é explicada por um condicionamento
histórico que nos levou à crença de que as únicas formas de conhecimento, de saber e de
interpretação do mundo são aquelas veiculadas pela linguagem verbal, na sua
manifestação oral ou escrita; haja vista, que essas nos permeiam de maneira mais
constante e usual. Tal distinção nos fez por muito tempo acreditar cegamente que o
único meio autêntico e sólido de comunicação seria pela escrita alfanumérica, excluindo
e no máximo, relegando às outras formas não-verbais para um patamar secundário e
constantemente suspeito de ilegitimidade (SANTAELLA, 2003).
Por conseguinte, as autoras Crislane Barbosa Azevedo e Aline Cristina Silva
Lima vão além. Enfatizam que no âmbito da educação histórica essa visão negativada
adveio de uma herança dos antigos sistemas educacionais, que concebiam esse tipo de
arte como “negativa” para a formação das crianças (AZEVEDO e LIMA, 2011). Essa
concepção, para os padrões atuais de fonte histórica, é no mínimo retrograda e
limitadora das possibilidades imbricadas nos códigos imagéticos. A crítica ilustrada faz
parte da construção do conhecimento histórico.
A partir do que se desenvolveu na Nova História, que se configurou como
uma corrente historiográfica surgida na segunda metade do século XIX na França,
através de historiadores como Jacques Le Goff e Pierre Nora (correspondente à terceira
geração da chamada Escola dos Annales) foi observada a expansão do universo do
historiador, que passou a dispor de uma ampla variedade de novas abordagens
históricas, ou seja, houve a ampliação do conceito de fontes históricas.
A proeminência da palavra sobre a imagem, por exemplo, quebrou-se;
porém, sem prescindir da escrita alfanumérica. Hoje, podemos trabalhar junto aos
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alunos diversas evidências históricas, por exemplo: documentos oficiais, textos de
época e atuais, mapas, ilustrações, gravuras, imagens de heróis de histórias em
quadrinhos, poemas, letras de música, literatura, manifestos, relatos de viajantes,
panfletos, caricaturas, pinturas, lotos, rádio, televisão, etc. O importante é que se alerte
para a necessidade de que as fontes recebam um tratamento adequado, de acordo com
sua natureza (KARNAL, 2003). “O essencial é enxergar que os documentos e os
testemunhos só falam quando sabemos interrogá-los” (BLOCH, 2002, p. 27). Toda
imagem se bem trabalhada pode vir a ser uma evidência histórica. Haja vista, que não
buscamos uma “janela literal” para o passado. Por exemplo, não podemos ter em uma
pintura da escola romântica francesa ou inglesa do século XVIII, um indício “melhor”
que um rabisco chárgico qualquer do mesmo período.
A priori, o tratamento das imagens figura como uma “balança” em busca de
equilíbrio entre os perigos da forma e do conteúdo. Uma vez que, por exemplo,
tomando os aspectos da forma em excesso, podemos ser iludidos pelo primor da técnica
realista de uma pintura ou desenho, e sem percebermos, já estaremos a olhá-los como a
própria realidade de uma dada época a eles relacionada. Do mesmo modo, ainda dentro
da forma, se temos uma imagem de estética confusa, podemos incorrer a uma série de
interpretações de seu conteúdo alheias às reais evidências contidas. Destarte, os
testemunhos de imagens são sempre mais confiáveis quando expõem pelo método de
investigação àquilo que os seus confeccionadores não sabiam que estavam transmitindo,
mesmo dentro de suas intenções (BURKE, 2004).
A linguagem é eminentemente um fator de interação, em detrimento das
concepções de língua como fluxo de pensamento ou como estrutura tão somente. Ela
encontra sua essência no fenômeno social da interação verbal e não-verbal (enunciação
ou enunciações), próprio do indivíduo humano por sua necessidade de comunicação. A
linguagem seria como um macro elemento, composto por micro elementos distintos uns
dos outros, que são os gêneros. Esses gêneros conteriam características próprias, o que
garantiria autonomia em relação aos demais. Isso não quer dizer, no entanto, que não
possam compartilhar características, haja vista que gêneros linguísticos são inter-
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relacionais e autônomos. São relativamente estáveis, assim, não funcionando como
caminhos fixos que paralisem a atividade social (SANTAELLA, 2003).
Logo, através do humor despertado pela caricatura, cartum, charge e
quadrinhos, aflora um valioso caminho comunicativo que se gesta entre o autor e o
leitor. Uma relação que está localizada no tempo, cujos aspectos irão variar de acordo
com os objetivos, os conhecimentos prévios e os elementos socioculturais que
englobam tanto o autor da ilustração, quanto o público leitor de seus trabalhos. Sendo
que em nenhum momento a História estará dissociada e, por consequência, também, se
gestará um meio efetivo de inteligibilidade do conteúdo histórico aos discentes; situação
que poderá diluir recorrentes estigmas da disciplina de História como “matéria
decorativa, monótona e chata”.
Assim, o que se conclama é a utilização de fato da linguagem icnográfica da
crítica ilustrada no universo escolar. É sabido, segundo Crislane Azevedo e Aline Lima,
que desde a segunda metade do século XIX, esses gêneros (as autoras dão destaque às
Histórias em Quadrinhos – HQ’s) ingressaram no ambiente escolar como ferramenta de
ensino, apesar da suspeição sobre a validade de sua utilização por muitos profissionais
da área da educação. “O fato é que o professor não pode utilizar as HQs apenas como
ilustração ou reforço para o conteúdo desenvolvido nas aulas. Sem reflexão não há
aprendizado” (AZEVEDO e LIMA, 2011, p. 66).
Ainda segunda essas autoras, o trabalho com imagens e sua demonstração
como fonte histórica são importantes atividades a serem desenvolvidas em sala de aula.
Nesse sentido, é imprescindível fazer com que os alunos percebam a importância de
refletir sobre o que veem e a partir disso, interpretar, compreender e reinterpretar a
história.
Dessa maneira, a priori, o imperativo aqui, está na capacidade de
analisarmos a crítica ilustrada enquanto uma paródia reflexiva da realidade política
brasileira na ditadura empresarial-militar (1964-1985) sob o ângulo de visão analítica de
charges, cartuns, caricaturas e quadrinhos de alguns jornais locais e nacionais da grande
imprensa e imprensa alternativa da cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão.
Observando suas peculiaridades e confrontos discursivos; os déficits criados pela sua
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não utilização no âmbito escolar e a carência (ou mesmo, inexistência de materiais
didáticos de História com foco local). Desse modo, a elaboração de um material
paradidático ilustrado direcionado ao público discente do ensino fundamental sobre o
tema, que exponha as vertentes ideológicas e políticas em oposição e outras abordagens
que lhe competem, faz-se fundamental para que se atinja o modelo de educação
multifacetada expresso nos Planos Curriculares Nacionais de História.
3. LINGUAGEM ICNOGRÁFICA, HUMOR E ENSINO DE HISTÓRIA
O imperativo desse trabalho está na capacidade de analisar as ilustrações
satíricas (charges, cartuns, caricaturas e quadrinhos) enquanto uma paródia reflexiva da
realidade, com seus traços de humor munidos de transcendência e deformidade sobre o
real, ou seja, o cotidiano sobre o qual os ilustradores se debruçam para compor seus
textos, recriando significados e ampliando reflexões para então exercer a comunicação
independente de seu teor entre o emissor e o receptor.
Assim, sobre esses subgêneros linguísticos temos primeiramente a
caricatura. Essa se incumbe de exagerar, ressaltar certas características do retratado,
com a intenção gozadora de atingir diretamente seu alvo com o ridículo. Logo, a
caricatura tem por característica fundamental a distorção anatômica, excedendo nos
traços mais marcantes da personalidade retratada.
Outro subgênero mordaz é a charge, que tem natureza intrínseca ao
jornalismo, pois partilha do factual cotidiano dentro de uma perspectiva de curta
duração. Efêmera, seu objetivo é a crítica burlesca de um fato ou acontecimento
específico de conhecimento público através do olhar do chargista. Ela pode se
apresentar de dois modos: somente através de imagens ou combinando imagem e texto
escrito. Tendo como matéria-prima para a sua inteligibilidade, os fatos do dia-a-dia e o
conhecimento prévio do leitor.
Diferente da caricatura e da charge, os cartuns são textos atemporais, que
veem o seu sentido atravessar os séculos sem ter seu entendimento prejudicado.
Geralmente, não fazem nenhuma referência a alguma personalidade ou fato do
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noticiário em específico, por exemplo, um escândalo da política nacional. Pelo
contrário, suas temáticas são amplas, tendendo a ser menos comprometido com o dia-a-
dia dos fatos; o que lhe confere um caráter universal. Seus temas versam entre o bem e o
mal, a guerra e a paz, o ambientalismo, a fome, a miséria, etc.
Por fim, temos os quadrinhos ou tiras, a evolução desse subgênero só foi
possível graças ao desenvolvimento da imprensa. Dessa forma, são atrelados a temáticas
conectadas à realidade (política, social, cultural, entre outros) por sua identidade
jornalística. Uma característica elementar é a criação de personagens fictícios com
identidades próprias (principal elemento de distinção para com os cartuns e as charges),
por exemplo: “Níquel Náusea” de Gonzales; “As cobras” de Luís Fernando Veríssimo;
“Mafalda” de Quino; “Graúna” de Henfil e outros.
Dada a sua validade como fonte histórica, esses subgêneros linguísticos
atenderiam a demanda de um ensino de história prazeroso e de múltiplas vias de acesso
ao conhecimento do passado que o entorna. Pois, como assevera Jayme Pinsky e Carla
Bassanezi Pinsky, no capítulo “Por uma História prazerosa e consequente” do livro “A
História na sala de aula”, organizado por Leandro Karnal, o objetivo primeiro do
conhecimento histórico é a compreensão dos processos e dos sujeitos históricos, o
desvendamento das relações que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes
tempos e espaços (KARNAL, 2003). Para tanto, é fundamental que o aluno tenha prazer
no saber e compreenda-se como ser inseparável do tempo pretérito da sociedade em que
vive.
Contudo, para que a sátira ilustrada seja inteligível ao leitor em todo seu
potencial de criticidade são necessários elementos referenciais, concernentes ao
contexto social, político, cultural, etc. Uma vez que nenhuma crítica ilustrada se cria do
nada, não surge sem uma base, acontece sempre a partir de outro texto, fato ou elemento
que justifique a paródia, a crítica ilustrada não causa seus efeitos se não for produzida a
partir de um contexto, de um fato referencial, de uma realidade local que a justifique.
Portanto, sua utilização como recurso didático não é mera alegoria para complementar
aula. Os quadrinhos, cartuns, caricaturas e charges podem, e devem, ser alçados ao
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protagonismo de análise, ser um vetor atraente e instigante aos alunos sem se constituir
como uma alegoria.
O conhecimento histórico, como área científica munida de vários caminhos
inteligíveis, tem influenciado o ensino, os conteúdos e os métodos tradicionais de
aprendizagem. Contudo, não têm sido essas transformações as únicas a afetarem o
ensino de História. As escolhas do que e como ensinar são provenientes de uma série de
fatores e não exclusivamente das mudanças historiográficas. Associa-se com as
transformações da sociedade, especialmente a expansão escolar para um público
culturalmente diversificado, com a intensa relação dos estudantes com as informações
difundidas pelos meios de comunicação, com as contribuições pedagógicas e com
propostas pedagógicas que defendem trabalhos de natureza interdisciplinar (MEC/SEF,
1997).
Por isso, esse trabalho inevitavelmente partirá para uma proposta de
abordagem do uso da crítica ilustrada em sala de aula conciliada à investigação histórica
e a outros ramos do conhecimento também. Afinal, o fato captado pelo ilustrador é
sempre fundido a uma série de cargas simbólicas e sócio-históricas que materializado na
ilustração satírica, não mais é o fato em si, mais o enunciado do fato e seus múltiplos
sentidos. Logo, o enunciado é permeado por uma significação que lhe atravessa, pois o
sentido está no todo e não só no fim. O aluno alcança essa significação através dos
componentes do desenho, como, por exemplo, as figuras de linguagem. Esse caráter
metafórico da imagem vinculado a palavras resulta em um modo de conhecimento
interativo, criativo, crítico, reflexivo e irradiante.
Destarte, a partir dessa compreensão basilar, temos como primordial a
composição de uma análise discursiva entre alguns dos canais jornalísticos da grande
imprensa e imprensa alternativa e seus respectivos trabalhos ilustrados no contexto da
ditadura empresarial-militar. Por esse viés, utilizaremos a categoria teórica do
intelectual marxista italiano Antônio Gramsci, no caso, o conceito de Aparelhos
Privados de Hegemonia e sua eficácia na construção de estereótipos políticos à opinião
pública.
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Em que a possibilidade ou impossibilidade do desenvolvimento de
consenso, isto é, momentos em que os valores das classes dominantes são adotados
pelas classes dominadas como se seus fossem, demandando-se que seja instituído um
campo de significados agregados. Os aparelhos privados de hegemonia se tornam assim
instrumentos culturais de pensar e construir, fazer e desconstruir. (GRAMSCI, 2005).
Para tanto, quem orquestrava esses aparelhos? Para elucidar tal questão, nos
valeremos da carga conceitual de autores como René Dreifuss, historiador e cientista
político uruguaio que esmiuçou como poucos as entranhas da ditadura empresarial-
militar por meio de obras como “1964: a conquista do Estado - a ação política, poder e
golpe de classe”. Conceito esse que se confronta ao de “civil-militar”, inclusive,
elaborado pelo mesmo autor, tendo em vista que não admitia pela complexidade sócio-
político-econômico daquele contexto histórico brasileiro, o reducionismo dos militares
como agentes unilaterais na consecução e controle do Estado pela via anti-democrática
golpista.
Para Demian Melo, a expressão “civil-militar” foi apresentada pela
historiografia como meio mais coerente para adjetivar o golpe de 1964 e o consequente
regime. Seu propósito foi apresentar a ação golpista e os governos do período ditatorial
como não restritos a atuação única das Forças Armadas. Adverte que segmentos civis
vinculados ao capitalismo nacional e transnacional, por exemplo, apoiaram o golpe e
participaram da condução do processo político entre abril de 1964 até 1985, quando a
historiografia majoritária limita o encerramento do regime. Contudo, é interessante
frisar, que por conta de apropriações teóricas superficiais do conceito de Dreifuss, parte
da historiografia (à qual se vincula Demian Melo) passou a encampar uma denominação
diferente, e também elaborada por Dreifuss, ditadura como “empresarial-militar”
(MELO, 2012).
Para René Dreifuss, a liderança do processo político que culminou no golpe
em 1964 não foi protagonizada exclusivamente pelos militares. Seus conspiradores
estavam distribuídos em diversos nichos civis, entre eles a iniciativa privada, nacional e
internacional. Tendo na atuação de associações como o IPES (Instituto de Pesquisa e
Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) os mecanismos
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necessários para tal ação golpista; somado ainda o apoio da burguesia tradicional,
setores oligárquicos (no qual se insere Victorino Freire) e rede de apoio das forças
armadas (DREIFUSS, 1987).
Sobre esse período, desenvolveu-se uma vasta bibliografia sobre o foco de
abordagem tanto da grande imprensa, quanto da imprensa nanica ou alternativa.
Segundo Bernardo Kucinski, diante da truculência progressiva da ditadura, gestou-se
um sentimento de contraposição e crítica ao Estado de Exceção por meio de segmento
da imprensa, denominado como imprensa alternativa, nanica ou independente. Ela, em
contrapartida a complacência de parte da grande imprensa nacional diante do regime
militar, fazia críticas sistemáticas do modelo econômico e político e realidade social do
país com deboche e muito humor. (KUCINSKI, 1991).
A questão é que uma parcela da historiografia brasileira padronizou o relato
sobre a história do regime no centro sul-sudeste, como sendo a história de todo o país. A
história da Ditadura Empresarial-Militar Brasileira abrange todos os estados,
independente da sua extensão e/ou distância. Cada um é coautor e colaborador da
história nacional, não estando necessariamente sujeito unilateralmente às influências do
centro-sul, pois, a priori, cada um viveu o regime no seu contexto regional repleto de
singularidades.
Logo, depreende-se que tal pesquisa deve priorizar as questões concernentes
a ditadura empresarial-militar no Maranhão, em específico, São Luís, nos dez últimos
anos do regime (1975-985) mantendo um diálogo saudável e não submisso com a
historiografia do centro-sul do país. Assim sendo, até que ponto a crítica ilustrada
presente na imprensa alternativa (O Baú de Cartuns e A Folha de São Luís), ou mesmo
incutida na grande imprensa (Jornal Pequeno, O Imparcial e O Estado do Maranhão),
pôde transitar disfarçadamente pela opinião pública? O que definia a permissividade ou
não para com essas imagens? Afinal, tínhamos uma capacidade ilustrativa nos pequenos
jornais realmente incômoda e na grande imprensa, realmente apologética ao regime?
Qual era o real nível de perseguição da censura? A população tinha acesso efetivo a esse
meio linguístico icnográfico? Quais as temáticas recorrentes dessas críticas ilustradas
tanto na grande imprensa, quanto na imprensa nanica local? Como pensar os potenciais
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confrontos discursivos desse vetor linguístico no processo de ensino-aprendizagem dos
discentes ao estudarem o conteúdo de ditadura empresarial-militar ainda no ensino
fundamental? Quem são os autores das ilustrações? Depois da leitura dessas imagens,
qual a impressão do conteúdo histórico para o aluno? Como levar ao conhecimento dos
alunos todas essas problematizações sem que a imagem pareça alegoria, assumindo, de
fato, o seu protagonismo?
Poucas perguntas de um amplo e complexo arco de questionamentos que
podem revelar um passado jornalístico maranhense aguerrido e/ou conivente através da
imagem, frente ao contexto de transição e final da ditadura empresarial-militar (1975-
1985). Nesse corte cronológico, teremos como foco temático os seguintes aspectos: a
coerção e censura utilizada pela ditadura e viabilizada pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-
5); o Milagre Econômico; a Abertura Política e o Movimento das “Diretas Já”.
Essas questões nortearão a todo tempo o foco prioritário de análise das
imagens satíricas. A crítica ilustrada nesse trabalho funcionará como um auxílio
paradidático para que compreendamos, e façamos com que os alunos também entendam
a realidade histórica do país no contexto em questão por um prisma de múltiplos vieses
e como a democracia nascida ao final desse corte cronológico guarda em seu âmago
“heranças” não superadas no modelo de República Democrática vigente.
4. IMAGEM, HUMOR E ESCOLA: POR UM ENSINO DE HISTÓRIA
INSTIGANTE
Esse trabalho se desenvolverá em sintonia com um dinamismo nos diálogos,
discursos e debates. Nesse processo as fontes a serem utilizadas giram em torno de
jornais, fundamentalmente; logo, pesquisas em bibliotecas e acervos de órgãos
públicos1 e/ou privados serão cruciais. Além de outras fontes como: livros relacionados
1 As fontes primárias dos jornais da grande imprensa (Jornal Pequeno, O Imparcial e O Estado do
Maranhão) de São Luís - MA necessárias para a realização do projeto já foram levantadas (assim como as
da imprensa alternativa), por meio de minha participação como bolsista graduado e de outros bolsistas (no
período de 01/05/2013 a 30/04/2015), todos vinculados ao Núcleo de Pesquisa e História Contemporânea
(NUPEHIC), no projeto “Organização, Indexação, Informatização e Publicização do Acervo Documental
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à temática; revistas especializadas de época, ou não; quadrinhos ou tiras, charges,
cartuns e caricaturas variadas; biografias de artistas da área; artigos correlatos, imagens,
fotos, entre outros.
Assim, à medida que a pesquisa se desenvolver, uma troca de informações e
ideias com outros campos do saber serão quase que uma condição para a conclusão do
trabalho. Para tanto, diálogos com a linguística, a semiótica, a sociologia e o jornalismo
se farão necessários a todo tempo. Nesse último, por exemplo, é que se encontrará a
matéria-prima (fontes históricas) relacionada ao contexto desse trabalho, os jornais de
época da grande imprensa e imprensa alternativa ludovicense. Logo, apesar da relação
de proximidade ou distanciamento com a realidade do humor ilustrado jornalístico da
imprensa alternativa no eixo sul-sudeste e alguns outros focos regionais, há de se
ressalvar que a prioridade de abordagem será a crítica ilustrada dos jornais
ludovicenses.
Portanto, pensando uma lógica de poder estatal empresarial-militar no Brasil
com um centro (sul-sudeste) e áreas periféricas (nordeste, por exemplo) analisaremos a
coerção e censura utilizada pela ditadura e viabilizada pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-
5); o Milagre Econômico; a Abertura Política e o Movimento das “Diretas Já”.
Trabalharemos com as perspectivas de abrangência e legitimidade do poder do Estado
por vias discursivas da crítica ilustrada apologéticas em jornais de grande rodagem da
capital maranhense (por exemplo, Jornal Pequeno, O Imparcial e O Estado do
Maranhão). Para então adentrarmos ao estudo das vias de crítica ilustrada oposicionista,
investigando a atuação de alguns jornais alternativos (O Baú de Cartuns e Folha de São
Luís, por exemplo) na transição do regime ditatorial para o regime democrático.
Sendo a crítica ilustrada um texto que expõe uma realidade de maneira
opinativa e parcial, mediante a persuasão pela imagem, logo, temos um vetor
ideológico. São inúmeras as linguagens, tais como: artes plásticas, cinema, teatro,
televisão, internet, entre outros. Contudo, é a crítica ilustrada uma linguagem legítima e
sobre História Contemporânea Brasileira Presente no Maranhão (1964-2002)”, coordenado pela
professora Dra. Monica Piccolo Almeida, docente do Curso de História Licenciatura da Universidade
Estadual do Maranhão. Esse macroprojeto teve como instituição de fomento a Fundação de Amparo à
Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
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um vetor factual histórico, compilado em quatro subgêneros imagéticos (caricatura,
cartum, charge e quadrinhos), que nos dará os indícios necessários a tal investigação
histórica sob um prisma não convencional de análise. Destarte, ao esmiuçar seus
conceitos e elucidar os seus objetivos centrais, permitam ao leitor, mediante um olhar
satírico, irônico e humorístico, uma reflexão e/ou compreensão do comportamento
humano em diferentes situações e épocas, fazendo deste gênero de imagem uma fonte
potencial na tentativa de revertemos as debilidades do ensino sobre esse contexto
histórico brasileiro, inserindo, assim, esse arcabouço documental no cotidiano escolar
da Educação Básica de São Luís - MA.
Pois, como afirma Mikhail Bakhtin em sua obra Marxismo e Filosofia da
linguagem, a natureza de todo sistema de comunicação, de toda linguagem é
eminentemente ideológica e múltipla. Todo signo é ideológico, caracterizado como uma
realidade ideológica, que tem sua materialidade e que se constrói no ambiente social da
comunicação, pela interação verbal e não-verbal. Dessa forma, estudaremos a
intencionalidades incutidas em cada desenho analisado, a crítica propriamente dita pelo
olhar da forma e do conteúdo mediante auxílio da linguística, ao analisarmos o discurso
pela iconografia e sua acessibilidade informativa consequente.
Contudo, cientes de que a imagem é concebida como uma via profunda e
variada de apreensão do passado; todavia, não menos perigosa. Esse tipo de fonte
histórica impõe certos cuidados quando da investigação e elaboração do saber histórico,
haja vista que “para utilizar a evidencia de imagem de forma segura, e de modo eficaz, é
necessário, como no caso de outros tipos de fonte, estar ciente de suas fragilidades”
(BURKE, 2004, p.18).
Por conseguinte, este projeto além do aspecto científico de análise
icnográfica histórica, tem por finalidade também conectar o âmbito acadêmico e
escolar. Criar pontes indestrutíveis entre esses dois universos, teoricamente
indissociáveis, mas que podem ser proficuamente articulados por uma prática
pedagógica diversificada. O que é produzido pelos círculos intelectuais de construção de
conhecimento de uma sociedade, deve ser entendido e apreendido pela mesma na
formação humana e social dos indivíduos que a compõem. De maneira, que não basta
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pensar em linguagens variadas sobre um determinado conhecimento, sem que o mesmo
não reverbere na sociedade; pois, do contrário, teremos apenas uma retórica acadêmica,
circunscrita aos seus muros materiais e imateriais.
Por conseguinte, temos na escola o meio de irradiação e diálogo elementar
desse conhecimento. A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do
conhecimento histórico, seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico
escolar, torna-se um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um
olhar consciente para sua própria sociedade e para si mesmo.
Segundo Holien Gonçalves Bezerra, no capítulo “O Ensino de História:
conteúdos e conceitos básicos” do livro “A História na sala de aula”, organizado por
Leandro Karnal, apesar dos estudantes terem no conhecimento algo efêmero, ainda
assim devem ser observados meios que cristalizem o próprio conhecimento, mas não de
uma forma mecânica e decorativa. O aluno deve ter condições de aprender refletindo o
mundo ao seu redor, logo: problematização das questões propostas, delimitação do
objeto, exame do estado da questão, busca de informações, levantamento e tratamento
adequado das fontes, percepção dos sujeitos históricos envolvidos (indivíduos, grupos
sociais, entre outros), estratégias de verificação e comprovação de hipóteses dinâmicas,
organização dos dados coletados, aprimoramento dos conceitos, proposta de explicação
para os fenômenos estudados, elaboração da exposição, redação de textos. Todos esses
pontos são necessários para a formação educacional do discente (KARNAL, 2003).
Assim sendo, o importante é que a disposição dos conteúdos e sua
articulação pedagógica leve em conta esses procedimentos para a produção do
conhecimento histórico. O aluno deve compreender-se como peça ativa no processo de
ensino, fazendo-se um artesão do próprio conhecimento, o qual será elaborado na
interação com materiais transcendentes e isentas dos vícios conteudistas, ou seja, como
alude o próprio Parâmetro Curricular Nacional de História (Ensino Fundamental). O
discente deve utilizar as diferentes linguagens (verbal, matemática, gráfica, plástica e
corporal) como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e
usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a
diferentes intenções e situações de comunicação e, por conseguinte, saber utilizar
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diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir
conhecimentos (MEC/SEF, 1997).
A história não é dogma, ou seja, é constante, mutável. Porém, isso não lhe
confere a pecha relativista e/ou ficcionista que por vezes salta ao imaginário do aluno a
partir do seu senso comum; afinal, refletir não é necessariamente relativizar. Dessa
maneira, questionar a realidade ao seu entorno observando problemas e tratando de
resolvê-los, valendo-se para isso do pensamento lógico, da criatividade, da intuição, da
capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação
é uma noção primordial para que mais que quantidade do conhecimento, tenhamos a sua
qualidade como um norte vitalício (MEC/SEF, 1997).
Adiante, todo esse produto de análise entre o universo acadêmico e sua
preocupação em reverberar no âmbito do ensino escolar terá sua expressão na confecção
de um material paradidático de linguagem icnográfica e abordagem histórica não
habitual. O foco primário será compilar todas as discussões (a coerção e censura
utilizada pela ditadura e viabilizada pelo Ato Institucional Nº 5 (AI-5); o Milagre
Econômico; a Abertura Política e o Movimento das “Diretas Já”) acerca do período em
questão da ditadura empresarial-militar (observada pelo prisma da grande imprensa e
imprensa alternativa da cidade de São Luís - MA e seus discursos da crítica ilustrada)
com abordagens e imagens (caricaturas, charges, cartuns e quadrinhos) diversificadas.
Em verdade, intenta-se que ao longo do ensino fundamental, os alunos
gradativamente possam ler e compreender sua realidade e tenham condições para ter um
posicionamento crítico. Nesse sentido, a partir da elaboração desse material paradidático
escolar, almeja-se que os discentes possam utilizar esse recurso e que essa ação lhes
desperte o interesse por métodos de pesquisa e de produção de textos de conteúdo
histórico diversos (linguagem escrita, iconográfica, sonora, cênica, entre outras).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se configurou mais como uma análise preliminar, que um
objeto acabado. Ainda há muito a se contribuir à historiografia da ditadura empresarial-
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militar, principalmente, em seus últimos anos. A democracia sonhada renasceu torta e
eivada daquilo que em um sentido utópico de democracia jamais poderia ter, vícios
antidemocráticos. Logo, como se pôde perceber, a investigação histórica por caminhos
que privilegiem múltiplas linguagens para uma historiografia consoante ao seu tempo e
a um ensino de História aprimorado, existem, há muito tempo, por sinal. Não se deve ter
o uso da icnografia, por exemplo, no ofício do historiador como algo absurdo, uma vez
que os signos são um conjunto compreensível que não pressupõe hierarquia entre si.
Destarte, a crítica ilustrada presente nos grandes jornais e jornais
alternativos são vestígios históricos autônomos e de amplo potencial para o
desenvolvimento da própria concepção de escrita da História, pois são muitos os que
têm a linguagem icnográfica por inferior. Ao buscar o ensino de História e sua relação
com a iconográfica, o humor e a escola, novos meandros se abrem e o entrelaçamento
desses universos parece possível. A charge, o cartum, a caricatura e os quadrinhos/tiras
são transcendentais e necessários ao ensino.
Tudo que está imbricado em seus traços é permeado de códigos inteligíveis
a qualquer um, o indivíduo só precisa estar vivo para um dos múltiplos sentidos lhe
tocar; visto que é uma arte do cotidiano para todos os indivíduos sociais. A sociedade
heterogênea que é, faz então catarses por meio da crítica ilustrada através do cômico,
pela reflexão burlesca. Desse modo, por vezes, a sensação que temos é a de que os
chargistas e/ou cartunistas nos leram a mente e falaram por nós.
REFERÊNCIAS
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A Folha de São Luís (imprensa alternativa – São Luís - MA) – (1979-1985)
BIBLIOGRAFIA:
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em jornais ludovicenses no contexto do regime militar brasileiro – 1964-1974 /
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Adriano Negreiros da Silva.– São Luís, 2012. Universidade Estadual do Maranhão,
Monografia, Curso de História.
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HISTÓRIA ECONÔMICA E ENSINO DE HISTÓRIA: CONCEITOS
ECONÔMICOS EM PERSPECTIVA
Werbeth Serejo Belo
1. INTRODUÇÃO
Partindo de novas experiências durante alguns estágios curriculares de
ensino de História no ensino básico, algumas reflexões teórico-metodológicas tem
emergido em torno do período caracterizado, erroneamente, como “milagre econômico”
(1969-1973) em função dos elevados índices de desenvolvimento econômico que o
Brasil obteve então.
Em alguns livros didáticos, como no intitulado “História: conecte”, lançado
pela editora Saraiva e de autoria de um grupo composto por destacados historiadores da
atualidade e professores do departamento de História da Universidade Federal
Fluminense, Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina Santos,
temos o período do milagre econômico trabalhado através do binômio crescimento
econômico e “endurecimento” do regime ditatorial. De forma que aqueles anos,
Foram os piores tempos da ditadura, conhecidos como “anos de chumbo”,
mas também um período de grande crescimento econômico, fator
fundamental para a legitimação do regime militar perante a sociedade
brasileira (FARIA. VAINFAS. [et al]., 2014, p.720).
Percebe-se que no trecho apresentado os autores não se propõem a
apresentar a quem esse crescimento econômico beneficia na sociedade, nem no texto
principal nem como informação extra em algum texto paralelo.
Esses dois pontos são de extrema importância para a compreensão do
período. A grande questão a qual se pretende analisar aqui está em torno da abordagem
dada a essas temáticas, sobretudo no que diz respeito à temática do desenvolvimento
econômico ocorrido no período.
No livro didático intitulado Oficina de História, de autoria de Flavio de
Campos1 e Regina Claro
2, ao contrário do livro anteriormente mencionado, já temos
1 Professor doutor do departamento de História da Universidade de São Paulo. 2 Doutoranda na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
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uma percepção minuciosa de que o “milagre econômico” brasileiro beneficiou
determinada fração social burguesa. Como pode ser percebido no trecho a seguir,
As taxas de crescimento econômico eram mantidas também pela expansão
das linhas de crédito ao consumidor – privilegiando a classe média, ávida
por bens de consumo duráveis – e pelo estímulo à poupança interna,
atualizada pela correção monetária das taxas de juros. Dirigido por
tecnoburocratas civis e militares, o Brasil era anunciado pelas campanhas
oficiais como um iminente integrante do Primeiro Mundo (CAMPOS,
CLARA. 2015. P. 702. Grifos nossos).
Esta minuciosa percepção de quais frações de classe estão sendo
privilegiadas pelo projeto desenvolvimentista é um posicionamento eficaz para que os
alunos possam perceber que havia um objetivo da defesa dos interesses de determinada
classe no jogo político-econômico do período. Além disso, esta demarcação é eficaz,
também, para que se perceba e seja discutida a própria nomenclatura dada ao período, a
saber: “milagre econômico”.
Um terceiro material didático em análise intitulado História: conexões com
a História, elaborado por Alexandre Alves3 e Letícia Fagundes de Oliveira
4 e lançado
pela editora Moderna, apresenta o período do “milagre econômico” de forma que
também apresenta uma análise que localiza bem os grandes beneficiados desse período,
ou seja,
A entrada maciça de capitais estrangeiros também impulsionou a
economia brasileira. Ao mesmo tempo, o aumento da população urbana
garantia mão de obra farta e de baixo custo para a expansão industrial
dos grandes centros econômicos do país. Além disso, a censura e a
repressão dificultavam os protestos contra a política de arrocho salarial do
governo e contribuíam para implantar uma ordem fortemente disciplinada no
mundo do trabalho (ALVES. OLIVEIRA, 2015, p. 651).
É importante destacar que mesmo adotando livros didáticos que apresentem
uma escrita bem elaborada a respeito do período aqui apresentado é necessário que os
3 Mestre e doutor em ciências (área: História econômica) pela faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo. 4 Mestre em ciências (área: História Social) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. Professora e Ensino Superior.
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professores de História do ensino básico possam apresentar debates a respeito das
relações que não são expostas no material didático, como a relação existente entre
Estado, economia, política e sociedade, muito importante para que não sejam
naturalizadas relações que são historicamente construídas.
Além da temática a respeito do termo “milagre econômico” e das frações
privilegiadas nesse período, é válido perceber que os materiais didáticos em questão
utilizados no ensino de história aqui no Maranhão são elaborados a partir de uma
perspectiva que pretende abordar a realidade histórica do centro-sul como hegemônica,
sem levar em consideração as especificidades regionais. Portanto, pensando nessa
questão como um dos pontos centrais desta pesquisa e, ainda, na utilização de impressos
locais para a constituição de um novo saber histórico a respeito do período, nos
propomos a utilizar impressos locais com o intuito de aproximar a produção acadêmica
do cotidiano escolar e de perceber as especificidades regionais do Maranhão ao longo
do período do “milagre brasileiro”.
Então, acredita-se que a partir da análise historiográfica a respeito do
período e a inserção de novas linguagens, como o uso dos impressos, gráficos, tabelas,
podemos elaborar uma nova abordagem a fim de construirmos no ensino básico um
conhecimento histórico de forma que possamos auxiliar os alunos a perceberem a
diversificação de fontes para o historiador, rompendo com a caracterização da história
como unicamente escrita a partir de documentos oficiais.
Assim, este trabalho se insere na linha de pesquisa deste programa de pós-
graduação intitulada: historiografia e linguagens, a fim de construirmos uma história
econômica a partir da utilização dos impressos locais, gráficos, tabelas, que não cause
um afastamento do aluno ao se analisar as questões econômicas do período. Portanto em
consonância com o terceiro eixo da já mencionada linha de pesquisa: História,
Historiografia e Recursos Didáticos – novas fontes de pesquisa / novas estratégias
pedagógicas.
Para tanto, serão utilizados impressos locais, gráficos, tabelas, de modo que
a seleção de reportagens/editoriais a ser feita tem como base de sua escolha a área da
História que se pretende trabalhar, a História Econômica.
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Portanto, far-se-á a seleção de reportagens/editoriais que abordam a questão
econômica entre 1969-1973 de forma que se possa construir um conhecimento histórico
em sala de aula a partir da apresentação de temas transversais que estarão contidos no
dicionário de História econômica para crianças que pretendemos elaborar, de modo que
este material possa auxiliar tanto professores quanto alunos do ensino básico a
entenderem as relações capitalistas entre Estado e sociedade a fim de que os fatos não
pareçam emergir a partir de uma simples relação causa-consequência.
2. PERSPECTIVAS EM TORNO DO ENSINO DE HISTÓRIA
A História como disciplina escolar tem passado por uma série de
reformulações. No entanto, segundo Katia Abud (2006), esta permanece com o mesmo
código curricular durante muito tempo, tendo sido permanente a reprodução da história
dos grupos dominantes e muitas vezes legitimada pelas “narrativas dos feitos daquela
classe, comprovados pelos documentos que os mesmo protagonistas produziam”
(ABUD, 2006, p. 167).
O primeiro marco de grandes reformas data da reforma feita por Francisco
Campos (ministro da educação e saúde) em 1931 que, segundo a autora, “transformou
radicalmente o ensino” dando “autonomia às escolas” (ABUD, 2006, p.167). O segundo
marco data de 1942 – reforma Gustavo Capanema (ministro da educação) - que,
segundo Abud, “não modificou os aspectos essenciais dos programas de História para o
curso ginasial” (ABUD, 2006, p. 168).
Dentre as reformulações do ensino de História que possibilitam renovações
metodológicas, temos a utilização de novas fontes como forma de elaboração de
estratégias didáticas em salas de aula do ensino básico. Essas estratégias emergem de
novas pesquisas acadêmicas em torno da utilização destas fontes. Essa nova relação dos
historiadores com suas fontes permitiu uma “transformação do próprio entendimento
daquilo a que se está chamando como contemporâneo; de sua história e de sua
historiografia. Essa transformação tem como eixo central a mundialização da noção de
historicidade” (PICCOLO, 2010, p.36).
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Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s (2000, p. 28),
temos como uma das competências dos alunos “Criticar, analisar e interpretar fontes
documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos
diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção”.
Portanto, competência a ser desenvolvida com o uso dos impressos, análise de gráficos
e tabelas, além da discussão de conceitos econômicos, como estratégia didática eficaz
para desenvolver o olhar crítico e analítico dos alunos.
A História como disciplina escolar tem sido discutida por diversos
estudiosos que se dedicam à exaustiva pesquisa de diversos elementos que podem
auxiliar no aprimoramento do ensino de História. Alguns pontos merecem ser
destacados, a fim de que possamos perceber os pontos centrais destes debates.
Holien Gonçalves Bezerra (2003) aponta que a História “busca aprimorar o
exercício da problematização da vida social, como ponto de partida para a investigação
produtiva e criativa, buscando identificar as relações sociais de grupos locais, regionais,
nacionais e de outros povos” (BEZERRA, 2003, p.44) o que mostra que a História tem
por função despertar a capacidade crítico-analítica dos indivíduos em sociedade e não
um simples registro dos acontecimentos passados como ponto de partida para a
compreensão das relações contemporâneas do indivíduo. Partindo desse pressuposto,
percebemos a ampliação da noção de História que rompe com o positivismo do século
XIX e traça novos caminhos adotando uma nova função que se assemelha a uma ação
social.
Nesse contexto de reformulação da História como ciência, o ensino de
História deve acompanhar essas reformulações de forma que a escrita da História
quanto pesquisa acadêmica deve estar relacionada ao ensino de uma nova história em
salas de aula do ensino básico, a fim de que possa haver a recomposição do ensino a
partir das inúmeras reformulações historiográficas dos últimos anos, pois,
[...] identificar as mudanças, que são de ordem conceitual, abre caminhos
para melhor conhecer o processo numa análise que reconheça a pluralidade
de saberes e o papel das diferentes subjetividades e interesses envolvidos no
processo (MONTEIRO, 2003, p.15).
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Entre essas reformulações nos diversos campos da História temos a
preocupação com a utilização de alguns conceitos como: História, Processo Histórico,
Tempo, Sujeito Histórico, cultura, cidadania, Estado, entre outros (BEZERRA, 2003)
que podem ser alvo de debates para a construção do conhecimento histórico. Segundo
Circe Bittencourt (2008) é uma das tarefas do pesquisador “selecionar os conceitos-
chave, contextualizá-los e utilizá-los na organização e sistematização dos dados
empíricos” (BITTENCOURT, 2008, p. 191).
Acreditamos que não seja somente tarefa do pesquisador tomar determinada
postura, mas também, do professor de História do ensino básico, haja vista que os
conceitos são aplicados a momentos distintos e em sociedades díspares. Portanto, a
apresentação e contextualização destes conceitos em sala de aula são de fundamental
importância para que os alunos possam compreender a lógica de toda uma estrutura
social e relacioná-la a determinada conjuntura estudada. Segundo Bittencourt o
conhecimento histórico escolar produz-se “por intermédio da aquisição de conceitos,
valores e informações” (BITTENCOURT, 2008, p. 195).
Além da discussão a respeito dos conceitos empregados a determinadas
conjunturas e estruturas temos que a utilização das diversas fontes como recurso para
uma nova abordagem da história em sala de aula tem um caráter valioso na construção
do conhecimento histórico renovado, sobretudo pela ampliação do conceito de fontes
históricas desde a Escola dos Annales.
Os impressos se constituem como fonte privilegiada para as diversas
análises históricas. No entanto é necessário que se faça um trajeto para a utilização
desses periódicos como forma de construção do conhecimento histórico em um
ambiente escolar:
A catalogação de fontes, a organização e a análise que permita uma interpretação do material são ações que envolvem tanto o professor como os
alunos, propiciando um aprendizado que visa à valorização da História e do
acervo histórico. (RODRIGUEZ, 2010, p. 37).
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Para a utilização dos impressos em sala de aula é preciso perceber o
processo de produção desta fonte e estar atento a um método de análise específico que
envolva todo o processo constitutivo desta fonte, isto é,
A produção do documento não se fecha em si mesma, ela está
contextualizada e adquire conotação histórica à medida que reflete ou explica
um fato e um tempo específicos da produção humana, seja ela material ou
simbólica. (RODRIGUEZ, 2010, p. 43).
O trabalho que se pretende iniciar neste programa de pós-graduação nasceu
a partir de reflexões feitas durante estágios curriculares de ensino de história.
Paralelamente ao ensino de História estávamos em processo de conclusão de curso,
realizando pesquisa envolvendo o campo da História econômica com o tema:
posicionamento do jornal O Imparcial frente à política econômica do “milagre
econômico”.
Este trabalho foi realizado a partir do projeto intitulado Publicizando o
Acervo Documental sobre História Contemporânea Brasileira Presente no Maranhão
(1964-1985) coordenado pela prof.ª Dr.ª Monica Piccolo ao longo do ano de 2013 e
2014 culminando no trabalho monográfico intitulado Uma perspectiva “imparcial” do
“milagre econômico”: construindo o consenso em torno do projeto desenvolvimentista.
Algumas inquietações surgiram a partir de duas experiências que ocorreram
de forma concomitante: a pesquisa acadêmica e o momento de experiência inicial no
ensino básico: a) a resistência que há, por parte dos alunos, em fazer análises
econômicas de diversos temas da história; b) o questionamento a respeito da
“veracidade” das fontes, nos levando a perceber que, para os alunos, a história só
poderia ser escrita a partir das chamadas fontes oficiais; c) a desconexão entre teoria de
Estado Capitalista e a sequência dos fatos históricos de forma que, no livro didático em
uso, os fatos emergem unicamente por decisões do poder executivo sem nenhuma
relação com defesa de interesses; d) a ausência de gráficos e apresentação de fontes
alternativas no material didático que ampliem - e facilitem - a compreensão dos alunos a
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respeito do “milagre econômico” e; e) a não relativização e análise em torno do termo
“milagre econômico” no livro didático.
Então o que se propõe neste tópico é uma discussão teórico-conceitual que
apresente análises em torno destas inquietações e uma relação com a renovação do
ensino de História, mas, sobretudo, do ensino de História Econômica da ditadura
Empresarial-Militar5. Levando-se em consideração que no âmbito da História
Econômica do período do regime ditatorial pós-1964 um dos períodos que causa mais
discussões é o período caracterizado como “milagre econômico”, nos concentraremos
nas análises do ensino de História do dito regime ditatorial entre 1969 e 1973 (governo
Médici).
Partindo da primeira inquietação supracitada - a resistência que há, por parte
dos alunos, em fazer análises econômicas de diversos temas da história – é que
iniciaremos as discussões que nos propomos a fazer nesta sessão.
Ciro Flamarion Cardoso (2002) em sua obra Os métodos da História aponta
que “a história econômica não pode (...) limitar-se a um mero comentário de índices e
curvas, ou à construção de modelos puramente econométricos” (CARDOSO, 2002, p.
49) é necessário que esta esteja inserida na lógica globalizante e da totalidade, a fim de
que se possam perceber as relações que ocorrem nas esferas políticas e sociais de dada
sociedade. 5Debates que dizem respeito à própria caracterização do regime, a atuação dos principais agentes
envolvidos durante todo o período e, ainda, das próprias instituições inseridas no Estado Restrito que
atuaram como ferramentas para que determinado projeto se tornasse hegemônico, além de instituições no
âmbito da Sociedade Civil que foram agentes também na disputa por hegemonia, tem sustentado diversos
argumentos a respeito do período ditatorial vivido no Brasil a partir de 1964. René Dreifuss (1987)
analisa os principais aparelhos localizados na Sociedade Civil que visavam sustentar um projeto em
hegemonia. Lista os agentes inseridos nesses aparelhos – sobretudo tecnoempresários – e aponta que estes
agentes eram membros da Sociedade Civil que estavam ligados aos militares do Estado Restrito e, muitas vezes, se localizam no Estado Restrito também. O objetivo de Dreifuss é perceber, então, o golpe e o
regime como Civil-Militar, tese que rebate a sustentada por Carlos Fico de Regime Militar. Portanto,
Dreifuss localiza no Estado Restrito a atuação desses civis e sua ligação ao capital multinacional e
associado, o que nos permite aferir que as reformulações ocorridas em toda a estrutura financeira do país
e, claro, o próprio episódio golpista de 1964, estavam diretamente relacionados à reformulação capitalista
que vinha ocorrendo mundialmente desde 1945. (DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação
política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.). Portanto, a partir da leitura de René
Dreifuss a concepção sobre o golpe aqui adotada é Empresarial-Militar, pois os militares e os grandes
grupos de empresários estavam na condução do novo projeto que almejava se tornar hegemônico, haja
vista que estes civis, segundo Dreifuss, podem ser chamados de “empresários ou, na melhor das
hipóteses, de tecno-empresários” (DREIFUSS, 1987, p.417).
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Inúmeras fontes podem ser utilizadas para a elaboração de esquemas que
facilitem a compreensão de relações socioeconômicas, como dados estatísticos, por
exemplo. Além disso, “os dados econômicos são absolutamente necessários à
elaboração da história social” (CARDOSO, 2002, p. 51) o que demonstra a imbricação
entre os campos de conhecimento da História e não uma atomização destes.
Os trabalhos, no campo da História Econômica podem estar inseridos em
dois eixos que caracterizam perspectivas de análise diferentes que culminam em escritas
distintas. O primeiro eixo tem como referência os especialistas anglo-saxões que tem
“certa dependência da ciência econômica, uma sólida formação econômica e
matemática e limitavam-se à esfera econômica não recorrendo à análise social”
(CARDOSO, 2002, p. 53) o que nos permite constatar uma aproximação com a
elaboração de quadros numéricos excessivos para a explicação de determinada
conjuntura sem se ater a outras relações políticas e sociais.
O segundo eixo tem como referência os historiadores da Europa Continental
(especialmente os franceses) que “não separavam a análise econômica dos fatores
históricos globais e, principalmente, da análise social” (CARDOSO, 2002, p.53).
Portanto, a relação que se pretende fazer neste trabalho entre História Econômica e
ensino de História tem por base a análise econômica que segue a lógica do segundo eixo
interpretativo, portanto, este trabalho privilegia a análise do “milagre econômico”
percebendo a imbricação constante entre as esferas econômica, política e social.
Portanto, partindo desse eixo de análise que pretendemos elaborar o dicionário de
História Econômica para crianças que servirá de apoio a professores de História e
alunos. Este material deverá ser composto de fontes históricas que auxiliem na lógica de
compreensão do “milagre econômico” de modo que não seja construída uma História
em sala de aula que privilegie somente fontes oficiais em detrimento das chamadas
“novas” fontes.
No que tange ao conceito de estrutura muito utilizado nos trabalhos que
envolvem a História Econômica em diversas instâncias, entende-se aqui que para o
historiador a estrutura e os movimentos são inseparáveis, isto é, a estrutura não deve ser
entendida como um conceito estagnado, mas como um conceito mutável que
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acompanha os movimentos conjunturais que variam de acordo com o tempo e a
sociedade que se pretende analisar. Portanto, os “fenômenos conjunturais (...) vem à luz
e se explicam pelas contradições da estrutura econômica” (CARDOSO, 2002, p. 263).
As fontes que podem ser utilizadas em análises econômicas variam de
acordo com o tema que se pretende abordar. Como exemplo de fontes, temos: livros
contábeis, mercuriais, relações, memoriais e outros documentos oficiais, documentos
aduaneiros, registros cartoriais (CARDOSO, 2002).
Além destas fontes, tem-se o uso de “periódicos e jornais diários em que
haja cotações de certos artigos” (CARDOSO, 2002, p. 283). Percebendo a possibilidade
desta utilização que se pretende analisar a construção do conhecimento histórico em sala
de aula e produzir o dicionário de História Econômica para crianças, no campo da
História Econômica, a partir da utilização de impressos locais.
Entremos agora no debate a respeito da segunda inquietação acima exposta:
o questionamento a respeito da “veracidade” das fontes, nos levando a perceber que,
para os alunos, a história só poderia ser escrita a partir das chamadas fontes oficiais.
Este ponto nos leva ao debate a respeito do uso dos impressos como fontes latentes para
a construção de um novo saber histórico em sala de aula haja vista que
O uso das fontes no ensino de história pode ser uma estratégia adequada e
produtiva para ensinar história a indivíduos que não têm como objetivo se
tornar historiadores, mas para os quais o conhecimento da história pode fazer
muita diferença na compreensão do mundo em que vivem (PEREIRA. SEFFNER, 2008, p. 113).
Os impressos não se constituem como fontes que pretendem trazer à
realidade dos alunos uma verdade inquestionável a respeito do período. Vale salientar
que o que se busca neste trabalho é uma aproximação entre a escrita da história
conforme o método científico e o ensino de história e não uma representação de uma
única “verdade” a respeito do tema ensinado em sala de aula, haja vista que não é
função do historiador, nem do professor de história, apresentar uma única verdade, mas,
sim, analisar, criticar para que se possa chegar ao mais próximo possível das funções de
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um historiador que, segundo Dosse, são três: a função crítica, cívica e ética (DOSSE,
2012, p. 19).
Tais funções serão exercidas a partir da compreensão que temos da relação
entre o historiador e seu objeto: a renovação do caráter científico e histórico da História
Contemporânea e a reconstrução de um entendimento acerca das relações entre passado
e presente (NORA, 1992, p.49).
Então, os impressos como fontes para uma nova abordagem didática do
ensino de História são utilizados partindo do pressuposto de que são Aparelhos Privados
de Hegemonia, conceito elaborado como parte do conceito de Estado do filósofo
italiano Antonio Gramsci.
Enquanto para Marx e Lenin o Estado Capitalista era composto por
superestrutura e infraestrutura, para Antonio Gramsci (2012) 6 em Cadernos do
Cárcere: notas sobre a política de Maquiavel, esse Estado é elaborado a partir de uma
concepção de que este (o Estado) é ampliado, isto é, o Estado é Sociedade Política
(Estado no sentido restrito) e Sociedade Civil. No seio da Sociedade Civil estão os
Aparelhos Privados de Hegemonia7 e, inseridos nesses aparelhos – ou não – estão os
intelectuais orgânicos8 que transitam entre a Sociedade Política e a Sociedade Civil com
o objetivo da nacionalização deste projeto. Segundo Carlos Nelson Coutinho,
6 A obra aqui utilizada foi escrita entre 1932 e 1934. “Um dos fundadores do Partido Comunista Italiano.
Estudou literatura na Universidade de Turim, cidade aonde frequentou círculos socialistas. Filiou-se ao
Partido Socialista Italiano, tornando-se jornalista e escrevendo para o jornal do Partido (L'Avanti) e tendo
sido editor de vários jornais socialistas italianos, tendo fundado em 1919, junto com Palmiro Togliatti, o
L'OrdineNuovo. O grupo que se reuniu em torno de L'OrdineNuovo aliou-se com Amadeo Bordiga e a
ampla facção Comunista Abstencionista dentro do Partido Socialista. Isto levou à organização do Partido
Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partido desde
sua fundação, porém subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança em 1924. As teses de Gramsci
foram adotadas pelo PCI no congresso que o partido realizou em 1926. Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Veneto. Ele começou a organizar o lançamento do jornal oficial do partido, denominado
[[L'Unità]]. Em 8 de novembro de 1926, a polícia fascista prendeu Gramsci (apesar de sua imunidade
parlamentar, permaneceu preso até próximo da sua morte, quando foi solto em liberdade condicional dado
ao seu precário estado de saúde. (Disponível em:
www.marxists.org/português/dicionário/verbetes/g/gramsci.htm) 7 São considerados aparelhos privados de hegemonia as instituições localizadas na sociedade civil como a
imprensa, por exemplo, utilizadas para garantirem a hegemonia de determinado projeto, ou mesmo,
garantirem que um novo projeto se torne hegemônico. 8 Os intelectuais orgânicos podem ou não colaborar na elaboração do projeto que pode vir a ser
hegemônico, no entanto, como foi dito no corpo do texto, seu principal objetivo é a nacionalização do
projeto.
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O pensador italiano (Norberto Bobbio) indica corretamente uma diferença
essencial entre os conceitos de Sociedade Civil em Gramsci e em Marx:
enquanto Marx identifica Sociedade Civil com base material, com infraestrutura econômica, a Sociedade Civil em Gramsci não pertence ao
momento da estrutura, mas ao da superestrutura. (COUTINHO, 1989, p.73).
Portanto, para Gramsci, as relações são estabelecidas de forma dual, isto é,
através da coerção e do consenso e dentro da Sociedade Civil e da Sociedade Política9 e,
ainda, em uma relação entre ambas. Quando a disputa ocorre dentro da sociedade
política Gramsci caracteriza como fissura do bloco no poder e, quando na Sociedade
Civil, podem ser caracterizadas como movimentos contra - hegemônicos. Esses
movimentos contra hegemônicos se tornam hegemônicos a partir da crise de hegemonia
de determinado projeto que conduz a organização do Estado. Esta crise de hegemonia
ocorre
[...] ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande empreendimento
político para o qual pediu ou impôs pela força o consenso das grandes massas
(como a guerra), ou porque amplas massas (sobretudo de camponeses e de pequenos burgueses intelectuais) passaram subitamente da passividade
política para uma certa atividade e apresentam reivindicações que, em seu
conjunto desorganizado, constituem uma revolução. Fala-se de “crise de
autoridade”: e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou crise do Estado
em seu conjunto. (GRAMSCI, 2012, p.60).
Há, ainda, para Gramsci, os partidos, que são responsáveis por organizar a
vontade coletiva que geralmente são movimentos contra – hegemônicos, isto é, que
possuem projetos diferentes do que o que está hegemônico.
No que tange à tomada de poder, para Antonio Gramsci, a partir de sua
concepção ampliada do Estado, o poder pode ser tomado de duas formas: no que ele
chama de Guerra de Movimento e Guerra de Posição. Guerra de movimento seria a
tomada do poder de assalto e a chamada Guerra de Posição seria a tomada do poder a 9 A partir das concepções de sociedade civil e sociedade política Gramsci elabora os conceitos de
sociedade ocidental e sociedade oriental. Essa divisão de formas de sociedade em ocidental e oriental
nada tem a ver com a divisão geográfica, mas com a capacidade de organização da Sociedade Civil. A
Sociedade de tipo Oriental possui uma Sociedade Civil fraca, isto é, com pouca capacidade de
organização, enquanto nas Sociedades de tipo Ocidental a Sociedade Civil é forte. São exemplos de
Sociedade de tipo Oriental as em que predomina a forma de Estado Imperialista.
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partir da elaboração de projetos contra hegemônicos capazes de serem nacionalizados e
se tornarem hegemônicos a partir de estratégias.
Os pontos supracitados serão relacionados neste trabalho à produção
historiográfica sobre a ditadura Empresarial-Militar de 1964, especificamente no que
diz respeito ao “milagre econômico”, que tem sido alvo de debates no âmbito
acadêmico e fora dele também, sobretudo no ano de 2014 com advento dos 50 anos do
golpe. Além disso, serão base da elaboração do dicionário de História Econômica para
crianças a ser utilizado por professores como ferramenta paralela à elaboração de suas
aulas sobre o “milagre econômico” de forma que estes profissionais possam ampliar
discussões em torno do período acrescentando concepções que pouco são apresentadas
nos livros didáticos, como: capital financeiro, imperialismo, conglomerados de
financeiras, hegemonia, desenvolvimento, entre outros.
A concepção de Estado supracitada e os pontos paralelos a esta concepção
podem ser fundamentais para rompermos com a terceira inquietação apresentada neste
trabalho: a desconexão entre teoria de Estado Capitalista e a sequência dos fatos
históricos de forma que, nos livros didáticos citados, os fatos emergem unicamente por
decisões do poder executivo sem nenhuma relação com defesa de interesses.
No que diz respeito à quarta inquietação - a ausência de gráficos e
apresentação de fontes alternativas no material didático que ampliem - e facilitem - a
compreensão dos alunos a respeito do “milagre econômico” – acreditamos que a
História econômica do período caracterizado como “milagre econômico” tem sido
utilizada em larga escala nacionalmente para suster debates acerca do
desenvolvimentismo adotado pela política econômica do período. No entanto,
localmente, tem-se uma produção escassa a respeito da análise desta política econômica.
Além disso, são escassos também estudos que se proponham a analisar
como a imprensa escrita local se posiciona frente a essa política desenvolvimentista
adotada entre 1969 e 1973, isto é, são necessárias análises, por exemplo, sobre o
posicionamento institucional dos impressos locais, o espaço destinado a reportagens que
consolidem – ou não – essa política econômica para posterior relação com o ensino de
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História e estratégias do uso dos impressos como forma de compreensão da lógica do
período.
Este trabalho se insere na nova lógica do fazer historiográfico do Tempo
Presente sem tentar romper com a história política, mas seguindo o que Marieta Ferreira
(2000) aponta como um caminho percorrido pela história desde os Annales que tinha
como principal objetivo “questionar a hegemonia da história política” (FERREIRA,
2000, p.116), este trabalho, então: privilegia a história econômico-social; acredita que
comportamentos coletivos tem mais importância sobre o censo da história que os
comportamentos individuais; prima pela análise das estruturas e; objetiva identificar as
relações (...) que comandam os mecanismos econômicos, organizam as relações sociais
e engendram as formas do discurso (FERREIRA, 2000, p.116).
Além disso, este trabalho, em um segundo momento, pretende perceber
como os conceitos econômicos podem ser utilizados na construção do conhecimento
histórico em sala de aula a fim de despertar os profissionais em ensino de história para
uma renovação do método de ensino da história nas escolas básicas.
Então, partindo do conceito de transposição didática10
elaborado por
Chevallard e apresentado por Ana Monteiro no trabalho intitulado A História ensinada:
algumas configurações do saber escolar temos como pano de fundo teórico as análises
que nos propomos a fazer os conceitos de educação e jornalismo elaborados por
Antonio Gramsci. O filósofo italiano parte do princípio de que a escola é “o instrumento
para elaborar os intelectuais de diversos níveis” (GRAMSCI, 2012, p. 19), portanto esfera de construção
do conhecimento e formação de intelectuais, neste caso, intelectuais tradicionais e possíveis intelectuais
orgânicos11.
10Segundo Chevallard, a transposição didática nos remete à “passagem do saber acadêmico ao saber
ensinado e, portanto, à distância eventual, obrigatória que os separa, que dá testemunho deste
questionamento necessário, ao mesmo tempo em que se converte em sua primeira ferrameta”
(CHEVALLARD, Y. La transposicióndidáctica. Del saber sábio al saber ensiñado. Buenos Aires: Aique
grupo editor, s.d. Apud: MONTEIRO, Ana Maria F. C. A História ensinada: algumas configurações do
saber escolar. Londrina, Historia & Ensino, v.9, p. 37-62, out. 2003. 11 Os intelectuais orgânicos não necessitam, necessariamente, de uma educação formal pra executarem
sua função na sociedade civil, ou seja, para nacionalizarem determinado projeto que almeja estar
hegemônico. Esta é a diferença apresentada pelo autor entre os intelectuais tradicionais – que são os que
necessariamente precisam de uma educação formal para assim serem chamados - e os intelectuais
orgânicos.
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A partir deste princípio Gramsci apresenta sua formulação a respeito da
escola: a chamada escola unitária. Segundo Gramsci,
A escola unitária (...), ou de cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir
os jovens na atividade social, depois de tê-los elevado a um certo grau de
maturidade e capacidade para a criação intelectual e prática e uma certa
autonomia na orientação e na iniciativa (GRAMSCI, 2012, p. 37).
Portanto, o que se pretende neste projeto é, a partir da concepção de escola
unitária como formadora de sujeitos ativos em sociedade, repensar a prática do ensino
de História como ferramenta de formação crítico-analítica dos alunos a fim de que estes
possam atuar em sociedade. Então o ensino de História se insere na lógica do sistema
escolar básico de forma que essa escola seja, nas palavras de Antonio Gramsci, uma
“escola criadora”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GOVERNO JOÃO GOULART E IMPRENSA: UMA PROPOSTA DE
RECONFIGURAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DO
MARANHÃO.
Manoel Afonso Ferreira Cunha1
1. INTRODUÇÃO
O centro de análise deste trabalho é a elaboração de uma dissertação de mestrado
e um produto didático sobre o Governo João Goulart (1961 a 1964) que sirva como recurso
metodológico nas escolas da Rede Básica do Maranhão abordando as nuances do último
mandato democrático antes da ditadura empresarial-militar2 e tendo como arcabouço
documental os impressos maranhenses.
Os jornais a serem investigados serão o Jornal Pequeno e O Imparcial , dois dos
maiores veículos de comunicação do Estado do Maranhão naquele período. A partir da
construção desse conhecimento histórico temos outros objetivos: refletir sobre as
especificidades do Maranhão no contexto do Governo Goulart e destacar a importância da
utilização dos jornais impressos como importante ferramenta pedagógica.
Passados cinquenta anos do golpe de 1964 e trinta anos do processo de
redemocratização, notamos ainda inúmeras permanências do regime ditatorial vigente por
duas décadas anos em nosso país. Uma dos principais, sem dúvida, é a pouca ou quase
inexistente abordagem desse período da história do Brasil sob uma perspectiva regional em
materiais didáticos no ensino público e privado do Estado.
1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação: História, Ensino e Narrativas vinculado ao curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Membro do Núcleo de Pesquisa em História Contemporânea
(NUPEHIC) vinculado à mesma instituição. Bolsista de Mestrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Ciência no Maranhão (FAPEMA). 2 A adoção do termo "Empresarial-Militar", no que se refere tanto ao golpe de 1964 quanto ao regime autoritário
subsequente, representa a marcação de um posicionamento dentro dos embates teóricos em torno do caráter da
conspiração que destituiu João Goulart do executivo federal e dos posteriores anos de estado de exceção. Tendo
em vista a utilização do termo "Civil-Militar" por uma corrente revisionista que confirma e reproduz uma série
de mistificações sobre o período, endossamos a aplicação do termo "Empresarial-Militar", originalmente
proposto pelo historiador René Armand Dreifuss em sua obra 1964: a conquista do estado. Ação política, poder
e golpe de classe, na qual é ressaltado o caráter classista do Golpe e da Ditadura.
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2. OS JORNAIS E OS ESTUDOS DO TEMPO PRESENTE
Outro ponto a ser considerado é o estudo da História do Tempo Presente3, tendo
em vista que as investigações históricas acerca desse período (governo Goulart e golpe de
1964) estão englobadas nessa categoria. Portanto, é de suma importância atentar para o
entendimento pleno desse momento ímpar para a História Contemporânea nacional, tendo
como foco a análise dos principais estudos históricos sobre essa temática.
Aquele que se propõe a escrever sobre a História das últimas cinco, seis décadas,
tem que ter noção do quanto o mundo mudou nesse pouco intervalo de tempo, como afirma o
historiador Eric Hobsbawm:
E, para aqueles que querem escrever a história do século XX, uma das
preocupações mais importantes reside no simples fato de saber, sem
nenhum esforço especial, o quanto as coisas se modificaram. Os últimos trinta ou quarenta anos foram os mais revolucionários da história. O mundo,
ou seja, a vida dos homens e mulheres que vivem na Terra, nunca foi
transformado de maneira tão profunda, dramática e extraordinária dentro de um período tão curto. (HOBSBAWM, 1995, p.107)
Em consonância com os estudos sobre o Tempo Presente, temos a necessidade
de enfatizar a pontualidade da utilização dos jornais impressos enquanto fontes para a
produção de conhecimento histórico.
Após a superação da noção dominante ao longo do século XIX de que os jornais
eram documentos pouco apropriados para o desenvolvimento de reflexões sobre o passado,
os impressos constituíram-se fontes primordiais para a produção histórica atual. Falando da
realidade da historiografia brasileira, o recurso aos jornais trouxe grandes avanços às
pesquisas históricas.
Necessário salientar que o uso da imprensa enquanto fonte histórica se dava de
maneira apenas secundária, como recurso para confirmação de análises pautadas em outras
documentações. Utilizar-se de periódicos impressos tem benefícios para a produção
3 Como afirma Hobsbawm, o tempo presente é o período durante o qual se produzem eventos que pressionam o
historiador a revisar a significação que ele dá ao passado, a rever as perspectivas, a redefinir as periodizações,
isto é, a olhar, em função do resultado de hoje, para um passado que somente sob essa luz adquire significação.
(FERREIRA, p.9, 2000)
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historiográfica, pois estas, enquanto objetos de estudo, são instrumentos de intervenção
social e manipulação de determinados interesses.
Não há como negar que para o estudo da História do Brasil contemporâneo,
utilizar fontes impressas tem grande relevância. Tânia Regina de Luca, no seu artigo
História dos, nos e por meio dos periódicos, presente no livro Fontes Históricas, organizado
pela professora Carla Bassanezi Pinsky, afirma que o papel desempenhado pelos jornais em
qualquer tempo histórico, mas especialmente em períodos de regime autoritário, tem
ressonância nas preocupações contemporâneas.
Para Tânia de Luca, uma melhor historicização das fontes impressas, em especial dos
jornais, requer:
Condições materiais e técnicas em si dotadas de historicidade, mas que se
engatam a contextos socioculturais específicos, que devem permitir localizar a fonte escolhida numa série, uma vez que esta não se constitui
em um objeto único e isolado. Noutros termos, o conteúdo em si não pode
ser dissociado do lugar ocupado pela publicação na história da imprensa,
tarefa primeira e passo essencial das pesquisas como fontes históricas. (DE LUCA, 2008, p.139)
A aula de História tem sua perspectiva ampliada a partir do momento em que
existe a percepção de que a sala de aula é um espaço de compartilhamento de experiências
individuais e coletivas, de relação dos sujeitos com diferentes saberes envolvidos na produção
do saber escolar (SCHIMIDT, p.299, 2005). Ao recuperar a vivência pessoal e coletiva de
alunos e professores, notá-los como participantes da realidade histórica, contribui-se para a
construção de uma consciência histórica. Ao oferecer uma "função prática" de dar identidade
aos sujeitos, a consciência histórica dá uma dimensão temporal à realidade que em os alunos
vivem. Sendo assim, cabe pontuarmos às diferentes conceituações do que é História.
O conceito de História pode ser empregado de várias formas segundo Estevão
Martins em artigo intitulado História: consciência, pensamento, cultura, ensino, publicado na
revista paranaense Educar em Revista, no ano de 2011. O primeiro emprego se dá no sentido
de que a História se refere à totalidade das ações humanas no tempo e no espaço; o segundo, e
mais comum, enquanto produto de procedimentos teóricos e metodológicos de investigação
do passado, ou seja, a ciência da História através de uma narração demonstrativa; e a última
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se define como um produto finalizado da narrativa científica, a chamada historiografia,
submetida à convenções e controles metódicos de espacialidade.
Neste sentido, o propósito deste trabalho, que já foi exposto acima, nasce de um
importante debate acerca de como a História, enquanto matéria escolar, ainda apresentar uma
grande defasagem entre o conhecimento histórico produzido na academia, através de pesquisa
científica, e os seus "resultados" difundidos nos sistemas de ensino pedagógicos da educação
básica. Em Historiografia, memória e ensino: percursos de um reflexão , a professora Maria
da Glória Oliveira destaca que dentro do ofício de historiador, um dos traços e tarefas mais
importantes é a sua atuação como professor de História.
Em convergência com os estudos acerca do ensino de história e da importância do
papel do professor em sala de aula, apontamos também a necessidade de elaboração de
materiais didáticos, e no caso específico do trabalho proposto aqui nesse espaço textual, um
material paradidático. Marieta Moraes Ferreira, em Desafios do ensino da História, entende
que os materiais didáticos devem desenvolver a capacidade crítica do aluno mediante
problematização dos diversos discursos e interpretações existentes.
3. GOVERNO JANGO E O GOLPE DE 1964: UMA REVISÃO HISTORIOGRÁFICA.
O debate historiográfico sobre a conjuntura que levou ao golpe em 31 de março de
1964 parte de interpretações tanto no campo da História quanto da Ciência Política. Os
primeiros estudos históricos relativos ao Golpe de 1964 tardariam, tendo em vista as
dificuldades inerentes a chamada "História do Tempo Presente", além é claro da carência de
fontes documentais.
Discutir as mais diversas concepções sobre esse momento histórico, seja no
campo da história ou da ciência política, constitui-se parte importante deste projeto.
Identificar e refletir sobre as principais perspectivas de entendimento do Golpe de 1964 é de
suma importância para qualquer investigação, seja voltada para a educação e suas estratégias
pedagógicas ou para a pesquisa acadêmica. Com objetivo de problematizar as relações entre
Estado e oposição, levando em consideração os complexos mecanismos de dominação
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política e social a partir do golpe de 1964, Maria Helena Moreira Alves4 faz uma análise do
período presidencial de João Goulart.
A cientista política afirma que o governo de Jango foi o período mais fecundo
para a organização proletária no país. Naquele momento o clima político fomentava o
desenvolvimento de formas de organizações mais profundas e efetivas, no entanto, parte da
sociedade brasileira não via aquela politização das massas com bons olhos, como vemos:
A rápida organização da classe trabalhadora e do campesinato assustou as
classes mais altas, que nunca antes haviam sido forçadas às mínimas
concessões em questões como salários, condições de trabalho ou mesmo organização sindical. (MOREIRA ALVES, 1985, p.22)
Nesta visão, o golpe de Estado, orquestrado pelos setores dominantes da
sociedade brasileira, em aliança com o capital internacional, teve como premissa ideológica a
Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento:
Um dos meus principais objetivos é examinar como a Doutrina de Segurança
Nacional e Desenvolvimento tem sido utilizada para moldar as estruturas de Estado, impor formas específicas de controle da sociedade civil e delinear
um projeto de governo do Brasil. (MOREIRA ALVES, 1985, p.27)
Outra vertente da Ciência Política que confere menos atenção ao Golpe como
resultado de uma ação projetada de uma coalizão de classes e foca a análise no regime em
seus anos subsequentes, tem como precursor Alfred Stepan e sua obra “Os militares na
política: mudanças de padrões na vida brasileira”. Segundo o estudioso, as Forças Armadas
nada mais era que um subsistema que inserido em um sistema político de maior amplitude,
calcando suas ações a partir da busca de unidade interna e de uma ação regente, ou melhor,
"moderadora".
Portanto, as três armadas buscavam reequilibrar, em unidade, pelo viés autoritário,
o sistema político em crise, atribulado por desavenças e pressões ideológicas diversas. Para
Stepan, o golpe rompe com modelo de intervenção militar na política nacional, levando o
exército a permanecer no poder por muito mais tempo.
4MOREIRA ALVES, Márcia Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora Vozes, 2°edição, 1984.
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No campo da História alguns trabalhos merecem destaque. Nesta parte
enfatizaremos pesquisas de diversas orientações teóricas e que trazem perspectivas
importantes sobre o tema. Para iniciar, traremos pontuais contribuições dos estudos que
tomaram como eixo teórico o marxismo.
Seguindo uma tendência de força dentro da ciência política na década de 1980,
que recolocou a ação política no eixo de análise, René Armand Dreifuss, autor da obra 1964:
A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe, publicada em 1981, produz
uma tese extremamente pontual acerca do que foi a conjuntura do governo Goulart e do Golpe
de 1964. Sustentado por uma vasta documentação, o historiador uruguaio analisa a luta por
hegemonia desencadeada pela grande burguesia em associação com o capital multinacional.
As reflexões de Dreifuss, ao colocarem luz sobre duas importantes organizações
empresariais existentes na década de 1960 no Brasil, o Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), acabam por destacar o
caráter extremamente classista do movimento político autoritário exitoso em 31 de março.Ao
classificar essas agências (IPES e IBAD), na visão gramsciana, como Aparelhos Privados de
Hegemonia, Dreifuss prova que os empresários elaboraram um projeto de tomada e
remodelamento do Estado brasileiro.
Existia, portanto, claro propósito de explicitar que o capital multinacional e
associado não encontrava correspondente liderança política na figura de João Goulart.
Naquele momento, na ótica de Gramsci, acontece a nacionalização de um projeto de classe,
ou melhor dizendo, de fração de classe, falando especificamente do capital multinacional e
associado.
Sendo assim, o complexo IPES/IBAD, para Dreifuss, se constitui enquanto
Estado-Maior da burguesia multinacional, pois esta passa a planejar e desenvolver um projeto
de condução ao poder, ou seja, de tomada do Estado. Para isso, amplas campanhas de
desestabilização do presidente João Goulart foram realizadas, envolvendo atividades de
instrução anticomunista e também de profunda crítica ao "atraso" das oligarquias rurais, do
intervencionismo estatal e da corrupção desenfreada incrustada, segundo eles, na essência
política "populista".
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O segundo grande trabalho no campo do marxismo, relacionado aos estudos sobre
o golpe de 1964 e a ditadura empresarial militar de 1964 foi o livro “O Combate nas Trevas.
A Esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada”, de Jacob Gorender, historiador
marxista e membro do Partido Comunista Brasileiro. Em sua famosa obra, Gorender traz uma
excelente análise daqueles momentos efervescentes vividos pelo Brasil na década de 1960.
Enfocando o espectro da atuação das esquerdas, Gorender tem postura crítica em
relação ao presidente João Goulart que, acima de sua condição política pessoal, preferiu
manter a ordem burguesa com tal, sem responder ao golpe. Para ele, Jango evitou um
confronto por medo de perder o controle político. O historiador vai mais além ao falar de uma
literatura corrente sobre esse momento da história recente do Brasil
Tornou-se corrente na literatura acadêmica a assertiva de que, no pré 64,
inexistiu verdadeira ameaça à classe dominante brasileira e ao imperialismo.
Os golpistas teriam usado a ameaça apenas aparente como pretexto a fim de implantar um governo forte e modernizador. (GORENDER, 1987, p.66).
Novas interpretações sobre o governo João Goulart, sua destituição (Golpe de
Estado em 1964) e o regime seguinte (Ditadura) ganharam força nos últimos anos. Na visão
destes, no contexto político da primeira metade da década de 1960, todos os sujeitos
históricos de relevância para o cenário nacional, seja à direita (militares "duros", liberais,
conservadores, direita civil, empresários), ou à esquerda (PCB, Brizola, as Ligas Camponesas,
CGT, UNE, sindicalistas, progressistas, nacionalistas, militares subalternos), tinham
pretensões conspiracionistas, sendo o Golpe iminente.
No âmbito dos historiadores, as concepções de Argelina Figueiredo encontram
respaldo nas elaborações de Daniel Aarão Reis Filho, e mais uma vez a pesquisa do cientista
político a tese de Dreifuss é alvo de críticas. Para Reis Filho, existe uma superestimação da
atuação do IPES. Isto posto, fica mais que compreensível que na concepção do autor de “O
colapso do populismo", a direita se apresenta como uma mera força de reação perante o
radicalismo das esquerdas, acusado-as estas de terem uma leitura apenas instrumental do
regime democrático.
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Um dos maiores expoentes dessa operação revisionista, Marco Antonio Villa
afirma em suas pesquisas que direita e esquerda se equivaliam em termos antidemocráticos.
Segundo o pesquisador, inexistia uma cultura política democrática na sociedade brasileira e
que, nessa perspectiva, determinados sujeitos políticos elaboraram um complexo projeto de
destituição do presidente Goulart e de tomada de estado.
Tomando como eixo de análise o comportamento das esquerdas, o historiador
Jorge Ferreira retrata que estas sempre foram radicais, sectárias, intolerantes e que faziam
ponderações revolucionárias e de rompimento institucional. Sendo assim, para o autor de O
governo João Goulart e o golpe civil-militar de 1964, a direita está quase sempre em
comportamento de resposta ao radicalismo das esquerdas, estando aquela "assustada" com as
ações de Brizola, CGT, Ligas Camponesas, subalternos militares, sindicatos, UNE, dentre
outros.
Na contramão da literatura revisionista, surgiu recentemente um campo de estudos
da historiografia que aprofundou os conceitos acerca da categorização do que foi o golpe e a
ditadura subsequente. A terminologia "empresarial-militar", trazida por esses historiadores,
significa um recado para a academia e a sociedade em geral que apenas apontar a ofensiva
golpista e o regime como "civil-militar" pode não ser suficiente, e a até mesmo suscetível a
generalizações.
A necessidade de uso da denominação "Empresarial-Militar", segundo estes
pesquisadores, se dá pelo profundo teor classista existente no Golpe de 1964, e do regime que
entrava em vigência a partir dali. Perceber como importantes associações civis como o
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática
(IBAD), em aliança com Escola Superior de Guerra (ESG) trabalharam incessantemente em
campanhas conspiracionistas e golpistas que descaracterizavam o regime democrático
denotam a necessidade de identificar quais segmentos civis elaboram um projeto de tomada e
remodelagem de estado.
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Renato Luís do Couto e
Lemos, em artigo intitulado “Contrarrevolução e Ditadura: ensaio sobre o processo político
pós-1964”, versa sobre o processo político brasileiro de 1964. Sua pesquisa corrobora com a
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leitura de Golpe e Ditadura Empresarial-Militar que surgiu recentemente em contraposição ao
revisionismo historiográfico sobre a temática aqui no Brasil.
Abordando as temporalidades de Fernand Braudel e a noção de contrarrevolução,
Renato Lemos traça um importante olhar as condições que fomentaram o Golpe de Estado em
1964 e sobre a ditadura subsequente. Na sua visão, explicar as razões do Golpe e da Ditadura
que ele denomina como burguês-militar é retomar cruzamentos históricos de longa, média e
curta duração do período de 1914 a 1989.
Para o historiador, a contrarrevolução é o elemento que conecta os tempos, ou
seja, percebendo a história política brasileira (história da luta de classes) na "longa duração", a
crise da democracia no país, o golpe de estado e o regime autoritário seguinte estão
articulados às lutas de classes no âmbito do sistema capitalista mundial. Assim, a partir da
revolução russa de 1917, passou a existir uma forte tendência à preservação dos privilégios do
capital.
Sendo assim, o Golpe de 1964 foi entendido como uma ação de classe pelo
historiador Demian Bezerra de Melo. Mais que um movimento classista, seus estudos
identificam quais frações da classe dominante conspiraram no golpe e que depois
enriqueceram abruptamente durante a ditadura. Para o autor de “O golpe de 1964 como uma
ação de classe”, a ditadura representou um grande negócio para o grande capital.
Para o pesquisador, algumas evidências reforçam a tese de que houve sim um
Golpe e uma Ditadura Empresarial-Militar. Como evidências disso, temos a aceleração da
acumulação capitalista, a expansão da fração do capital ligada à industria de bens duráveis e o
fortalecimento de outras frações das classes dominantes brasileiras.
Como exemplos eloquentes, pensemos o empresariado ligado à construção
civil (como os grupos Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht), à industria pesada (Gerdau, Votorantim, Villares, entre outros),
sem esquecer o sistema bancário (de que são exemplos os grupos Moreira
Salles, Bradesco e Itaú), grupos que construíram ou consolidaram seus
impérios naquele contexto. No ramo das telecomunicações, a maior empresa do país, a Rede Globo, cuja trajetória de colaboração com o regime ditatorial
está bem descrita no documentário Muito Além do Cidadão Kane, de Simon
Hartog (Reino Unido, 1993), deve ser incluída na lista. (MELO, 2012, p.3)
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A proposta de análise classificação por "empresarial-militar", surgida na tese de
René Dreifuss, talvez seja um caminho para criticarmos às novas abordagens que procuram
"anistiar historiograficamente" aqueles que procuram equiparar todos os sujeitos sociais que
participaram e viveram aqueles anos. Igualar as responsabilidades da "sociedade" e dos
"golpistas" e "ditadores" possa não ser opção para que as reflexões e análises históricas
contribuam de maneira direta na sociedade.
4. PROPOSTA PEDAGÓGICA: OS JORNAIS E O ENSINO DE HISTÓRIA
Dessa forma, buscamos, por meio do Programa de Mestrado Profissional em
História da Universidade Estadual do Maranhão, através da linha de pesquisa Historiografia
e Linguagens, produzir um recurso didático que investigue de que forma a imprensa escrita
maranhense, através dos jornais O Imparcial e Jornal Pequeno, interpretaram os principais
fatos e notícias referentes à crise institucional do governo Jango.
A partir de questões pontuais como a campanha da legalidade em torno da posse
de João Goulart, da emenda parlamentarista, das reformas de base, do plano trienal, da
conjuntura pré-golpe, do momento do golpe até à posse de militar Castelo Branco,
objetivaremos a construção do conhecimento histórico através da elaboração de um material
paradidático que exponha e problematize esses pontos sob o prisma da realidade maranhense,
servindo de conteúdo auxiliar para os professores de História da rede pública do Maranhão. O
interesse tal material têm em vista responder a uma necessidade muito comum no ensino de
História no Maranhão: a ausência de abordagem em materiais didáticos das escolas, sejam
elas públicas ou privadas, sobre o governo Goulart.
Exemplo claro se dá no colégio Santa Terezinha, localizado no centro de São
Luís. Esta instituição utiliza material da editora Saraiva para o ensino fundamental. Este
material é produzido fora do Estado do Maranhão, e traz um panorama "nacional" com ênfase
em acontecimentos e reflexões elaboradas no centro-sul, especialmente Rio de Janeiro e São
Paulo.
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Fonte: Saber e Fazer História (9 ano): Gilberto Cotrim e Jaime Rodrigues (Páginas
244, 250 e 251)
Este projeto também ambiciona tocar outras questões importantes que justificam a
necessidade de tal pesquisa. Trata-se da essência democrática do ensino estabelecida pelo
Ensino da História. A atual conjuntura brasileira de crise política, de criminalização dos
movimentos sociais, do conservadorismo e da intolerância e preconceito contra minorias
ressaltam ainda mais a importância do conhecimento histórico dentro e fora de sala de aula.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental para a disciplina de
História apresentam alguns objetivos importantes para se relacionar com a perspectiva
democrática de construção da cidadania dos alunos:
Compreender a cidadania como participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando
o outro e exigindo para si o mesmo respeito; Posicionar-se de maneira
crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;”
(PCN, 1998, p. 7)
Tais propósitos são condizentes com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9.394/96, que tem como um dos objetivos finais da Educação, o preparo para o
exercício da cidadania (art. 2º), que também apresenta como princípios basilares o respeito à
liberdade e o apreço à tolerância (art. 3º inciso IV).
Seguindo a linha de pesquisa Historiografia e Linguagens escolhida por este
projeto, a proposta de trabalho descrita no corpo deste texto tem como propósito desenvolver
uma perspectiva crítica, tanto de alunos quanto de professores. O conhecimento
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historiográfico acerca do governo João Goulart e dos primeiros momentos da Ditadura
Empresarial-Militar, além do enfoque na questão metodológica (jornais maranhenses como
recurso didático) utilizados para a pesquisa, desenvolverão uma consciência crítica que
transformará as ações do profissional docente no cotidiano escolar local.
Portanto, a utilização dos jornais como recurso metodológico para elaboração de
um paradidático que poderá ser usado em sala de aula construirá um conhecimento pautado
nas reflexões sobre as dimensões materiais, práticas e cognitivas do ensino aprendizagem.
Logo, esta pesquisa e produção histórica aqui proposta tem profunda ligação com o eixo
História, Historiografia e Recurso Didático, inserido na linha de pesquisa Historiografia e
Linguagens.
Neste sentido, concluímos que o seguinte projeto de pesquisa se encontra
plenamente contemplado na linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual do Maranhão. Tal proposta insere-se adequadamente na linha
Historiografia e Linguagens bem como na proposta de Mestrado - História, Ensino e
Narrativas.
Os jornais impressos se apresentam como um importante recurso pedagógico para
o ensino atual por gerar informações que favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento
crítico e cognitivo dos alunos. A leitura dos jornais, tanto para professores quanto para alunos,
tem sua vantagem por ser um instrumento de acesso fácil, e de atual e vasta carga de
informações, facilitando a apropriação de conhecimento.
Segundo Theodoro Silva em Revalorização do livro diante das novas mídias.
Veículos e linguagens do mundo contemporâneo: a educação do leitor para as encruzilhadas
da mídia, o discurso jornalístico enaltece três vertentes para o ensino. A primeira linguística,
por apresentar vários tipos de escrita (argumentativa, descritiva, dissertativa e narrativa); a
segunda cognitiva, importante na atualização de informações, conhecimento e crítica; e última
de cidadania, por se mostrar um novo espaço de cultura e socialização que se abre
diariamente.
Os jornais merecem valorização no âmbito pedagógico devido ao fato de
estimular a prática da leitura seja por satisfação pessoal ou por lazer, incentivando que o aluno
também leia em casa, nas bibliotecas e na sala de aula. A partir desse exercício o estudante se
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tornará um leitor criativo, crítico e consciente da sua realidade, fundamentando suas opiniões
e fugindo do senso comum. Portanto, cabe destacar as principais contribuições da utilização
dos impressos em sala de aula:
- desenvolver o hábito e o prazer pela leitura
- estimular o aluno a ser um sujeito informado e interesses em assuntos particulares e
coletivos
- transformar o aluno em um cidadão crítico, consciente e participante
- viabilizar a utilização dos jornais como recurso didático
- promover a integração entre o currículo escolar e a realidade do dia a dia
- atender aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's)
O estudo da crise institucional que motivou o golpe em 31 de março de 1964 e
que culminou com o rompimento democrático com a deposição do então presidente João
Goulart será efetuado por meio de investigação dos principais jornais impressos em circulação
na capital São Luís no período de 1961 a 1964. Esse recorte cronológico marca desde a posse
de João Goulart até a ascensão ao poder do marechal Castelo Branco no 11 de abril de 1964.
Os periódicos que serão objetos de análise são o Jornal Pequeno e o jornal O
Imparcial, dois dos impressos do Estado do Maranhão até os dias de hoje. As fontes estão
acondicionadas na Biblioteca Pública Benedito Leite, centro de São Luís. A instituição
permite livre acesso aos arquivos que se encontram em bom estado de conservação em sua
grande maioria.
O uso e manuseio dos jornais nesta pesquisa vêm a calhar com a opção teórica do
trabalho, tendo em vista que, segundo Antonio Gramsci, os impressos, inseridos no campo
dos meios de comunicação, constituem-se enquanto Aparelhos privados de Hegemonia. Neste
prisma, o posicionamento institucional destes jornais possui papel fundamental na luta de
classes e nas disputas entre projetos de classes e coalizões de classes distintas pelo controle do
aparato estatal.
O Estado ampliado, segundo Antonio Gramsci, consiste na união entre sociedade
civil e sociedade política, isto é, na hegemonia revestida de coerção. Assim, a sociedade civil,
a partir de seus aparelhos privados de hegemonia (sistema escolar, meios de comunicação,
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partidos políticos, sindicatos, sistema jurídico, Igreja, movimentos sociais, entre outros) se
constitui como espaço de hegemonia, ou seja, o espaço da luta de classes.
Logo, existe a necessidade de pensar as esferas econômicas em conjunto com as
culturais e políticas, ou seja, a realidade social apresenta uma perspectiva totalizadora. Assim,
o Estado apresenta uma figura educadora, "formadora de consenso em relação a determinadas
práticas culturais e morais"
“Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que -
através de sua ação política, ideológica, cultural - consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o
contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na
ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças no poder” (GRUPPI, 2000, p. 70).
A partir disso, é importante refletir sobre o protagonismo dos meios de
comunicação na função de construção de consenso em uma sociedade. Aquilo que então é
publicado nos jornais, na ótica gramsciniana, visa reverberar os interesses das classes
dominantes em detrimento das classes trabalhadoras. Isto é, os jornais assumem a função de
partidos políticos, de organizadores da vontade coletiva em torno de um projeto político-
ideológico elaborado por uma classe ou por uma coalizão de classes.
É neste campo que vai existir a possibilidade de universalização de um projeto de
classe, ou de frações de classe. Será na sociedade civil que as classes dominantes poderão se
tornar dirigentes, isto é, quando elas se tornam núcleo do Estado restrito. Partindo desta
perspectiva que os meios de comunicação, apresentados aqui como aparelhos privados de
hegemonia, que vamos problematizar sobre a função dos jornais durante o governo de João
Goulart e, principalmente, sobre as interpretações a respeito do golpe empresarial-militar de
1964.
Sendo assim, torna-se sumariamente necessário uma reflexão cuidadosa sobre os
editoriais, matérias, reportagens, imagens, colunas que expressem a opinião do jornal e
também do seu corpo de jornalistas. Os jornais, por diversos momentos, apresentaram
comportamentos convergentes e divergentes sobre determinados assuntos já pesquisados em
outros trabalhos que exigiam uma análise mais simples.
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No entanto, este projeto objetiva algo mais profundo, levando em consideração o
posicionamento dos jornais O Imparcial e Jornal Pequeno em relação a momentos marcantes
como a campanha da legalidade em prol da posse de Jango, a solução parlamentarista para a
questão, bem como outros temas (plebiscito presidencialista, greves, reformas de base, golpe ,
a ação do Supremo Comando Revolucionário e também a posse de Castelo Branco).
O primeiro momento será destinado a leitura da historiografia produzida sobre o
governo João Goulart e a ditadura, tanto em âmbito nacional quanto regional. Fará também
parte deste estágio a análise de obras de fundamentação teórica e historiográficas já
destacadas anteriormente. Essas primeiras etapas são de suma importância para uma melhor
leitura e compreensão das fontes jornalísticas que serão analisadas na pesquisa.
A segunda parte será marcada pelo mapeamento dos acervos documentais do
Jornal Pequeno e Jornal do Dia, localizados na Biblioteca Pública Benedito Leite.
Posteriormente essas fontes serão fotografadas, com enfoque nas matérias e/ou editorias de
cunho econômico e político do governo João Goulart.
Feito isso, o terceiro e último momento será analisar as matérias e editoriais,
tentando perceber o posicionamento destes jornais durante o período de 1961 a 1964,
contribuindo para a produção de conhecimento histórico a partir de novas estratégias
pedagógicas relacionadas à elaboração de material instrucional sobre esse período da história
do país, levando em consideração às peculiaridades do nosso Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste sentido, a pesquisa apresenta grande relevância, pois poderá contribuir no
caminho de solução para esse problema, já que o trabalho aqui proposto visa ampliar o
conhecimento da academia e da sociedade maranhense sobre esse importante momento da
História Política brasileira, estabelecendo novas estratégias pedagógicas através da elaboração
de um material paradidático sobre o período pré-golpe.
Sendo assim, necessita-se destacar as especificidades e singularidades históricas
do Maranhão, servindo de elo para o desenvolvimento de maiores estudos sobre a temática em
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nosso Estado. Pensando a realidade brasileira, especificamente o panorama local, ainda há
muito a se fazer com os jornais.
Existem atualmente importantes projetos de estudo utilizando os jornais para
racionar determinada temática, no entanto, o que ainda falta na historiografia nacional e,
principalmente, na escrita da História do Maranhão, são investigações acerca dos próprios
jornais, ou seja, uma história da própria imprensa.
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HISTÓRIA DO MARANHÃO NA SALA DE AULA: A CONSTRUÇÃO DA
ORDEM POLÍTICA IMPERIAL NA PROVÍNCIA DO MARANHÃO
(1823-1841)
Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus
1. JUSTIFICATIVA
Essa temática de pesquisa teve início com o projeto de iniciação científica1
desenvolvido ao longo da graduação em que analisei a participação popular nas lutas
sociais e políticas no período que corresponde à construção da nova ordem imperial no
Maranhão no pós-independência, apresentando suas motivações, características e a
relação dos segmentos populares com as elites liberais e seu ideário político. A pesquisa
resultou também na monografia de conclusão de curso intitulada: A Setembrada: lutas
políticas e participação popular no Maranhão oitocentista (1831-1832), além de alguns
trabalhos apresentados em congressos acadêmicos.
Na pesquisa monográfica analisei a participação popular nas lutas sociais e
políticas no período inicial da Regência por meio do estudo da Setembrada, um
movimento antilusitano ocorrido em 1831 na cidade de São Luís e em algumas partes
do interior da província, que contou com a participação dos liberais exaltados, povo e
tropa. O período regencial foi a primeira experiência brasileira de descentralização
política e durante essa fase o país foi palco de uma série de rebeliões que se espalharam
pelas províncias. Dentre as revoltas ocorridas em 1831, no contexto da abdicação do
imperador D. Pedro I, a que ocorreu no Maranhão recebeu o nome de Setembrada,
1 Intitulado “Cabras, Patrioteiros, Balaios e Bem-Te-Vis”: disputas políticas e participação popular no
Maranhão (1823 – 1841)’’ que foi coordenado pela Profa. Dra. Elizabeth Sousa Abrantes, do
Departamento de História e Geografia, da Universidade Estadual do Maranhão, tendo como subprojeto o
plano de trabalho intitulado “Bandidos ou rebeldes? - a participação popular nas lutas políticas no
Maranhão imperial (1823-1841)”, desenvolvido nos anos 2013 a 2015 no programa de iniciação
científica (PIBIC-FAPEMA). Em 2014, esse projeto de iniciação científica recebeu a Menção Honrosa no
XXVI SEMIC (Seminário de Iniciação Científica). No ano de 2015, esse projeto de iniciação científica
foi premiado como Bolsista Destaque no XXVI SEMIC (Seminário de Iniciação Científica).
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eclodindo no mês de setembro, com novos episódios de sublevação em novembro e uma
resistência que se estendeu até julho de 1832 contando com a liderança popular.
Apresentei neste estudo monográfico as motivações e características do
movimento, com destaque para a participação popular que foi omitida pela
historiografia tradicional e consolidou a imagem de que as camadas populares eram
rebeldes sem causa, desordeiros, vadios, bandidos, dentre outros adjetivos de conotação
pejorativa. Esses grupos de indivíduos sociais ficaram à margem da história, esquecidos
pela historiografia. No entanto, estudos recentes apontam uma nova leitura sobre a
participação popular nas lutas políticas do Maranhão pós-independente. Além da análise
documental, fiz uma breve análise bibliográfica da Setembrada, uma vez que é um tema
pouco abordado na historiografia maranhense, até o momento sem nenhuma obra
histórica completa dedicada ao tema, sendo seu estudo contemplado em alguns
capítulos de obras sobre o contexto político do Maranhão pós-independência, além de
um romance histórico.
A pesquisa possibilitou conhecer a temática de história política e social do
Maranhão na primeira metade do século XIX. A partir da monografia surgiu o interesse
de fazer abordagens didáticas e colocar essas questões além das discussões acadêmicas
e estendê-la a educação básica, especificamente ao Ensino Médio, permitindo ao aluno
conhecer esses processos históricos.
Muitas vezes a História Regional, sendo mais específico a História do
Maranhão, tem permanecido longe dos interesses e alcance dos alunos. Isso acontece
devido alguns fatores como a ausência de um material didático que aborde a História do
Maranhão. Outro fator foi à adesão das universidades públicas ao Exame Nacional de
Ensino Médio (ENEM) que fez com que os alunos dessem atenção a história que não
contempla os estudos regionais. Sobre a história regional, Giron (2000, p. 28-29, grifo
nosso), diz que:
[...] a história regional, filha do espaço e da dependência,
considerada por muitos como apenas bastarda do Clío [...] O
preconceito contra a história regional é tão antigo como a própria
História. Já os gregos rejeitam a história regional, ao estudar grandes
mudanças históricas que excluem, não só a história local, como os historiadores locais. A concepção histórica dos gregos,bem como sua
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filosofia, permanecem ao longo dos séculos. A história regional
continua sendo repelida para fora da história geral, tanto então como
agora. Tal rejeição tem um sentido e obedece a alguns pressupostos
teóricos e ideológicos.
Segundo os PCN’S, a importância da história no currículo escolar não se
prende apenas a uma preocupação com a identidade nacional, porém a disciplina pode
oferecer contribuição específica ao desenvolvimento dos estudantes como sujeitos
conscientes, capazes de apreender a História como conhecimento, como experiência e
prática de cidadania. O Saber histórico escolar, como conhecimento produzido no
espaço escolar, desempenha um papel de tornar o aluno um observador atento das
realidades em sua volta, capacitado para estabelecer relações, comparações e
relativizando sua atuação no tempo e espaço. Isso é importante para a construção de
uma história local parcialmente desconhecida, desvalorizada, esquecida ou omitida.
Geralmente os livros didáticos trazem em seu conteúdo temas mais gerais, e
às vezes de cunho historiográfico conservador e não trazendo a tona temas mais
específicos da História Regional. Ao observamos os livros didáticos, os espaços dados a
História do Maranhão, quando isso acontece, são minúsculos, sem muita expressão.
Sabemos que para a produção de um material didático há todo um processo e salienta
Engel (2009) que as produções didáticas são consideradas produto cultural dotado de
alto grau de complexidade, tendo sua autoria plural, na qual fazem parte, além do autor,
as figuras do editor, dos programadores visuais e dos ilustradores. Sobre quem produz o
livro didático Engel (2009, p. 30), diz que “enquanto formulador de um discurso
historiográfico específico, o autor do livro didático pode utilizar a produção
historiográfica acadêmica para fundamentar o conhecimento histórico abordado em
termos de argumentos de autoridade, buscando sua legitimação”.
Como quase não existem livros didáticos2 sobre História do Maranhão para
o Ensino Médio, e por na maioria das vezes desconhecerem as produções acadêmicas,
2 O professor de história, Joan Botelho, das redes pública, particular e cursos preparatórios de vestibular e
concurso, em 2007, lançou o livro intitulado Conhecendo e debatendo a História do Maranhão que visou
atender ao Ensino Médio, as provas de vestibulares e concursos, todavia não traz em seu conteúdo
questões que levem os alunos a pensarem como sujeitos ativos servindo apenas como um manual para
responder a provas de questões decorativas.
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os professores da educação básica utilizam as obras dos historiadores por ofício, como
Mário Martins Meirelles com sua obra História do Maranhão, publicada em 1960;
Carlos Lima em sua obra História do Maranhão, publicada em 1981. O que leva na
maioria dos casos o professor a reproduzir o conteúdo ideológico desses livros sem
tecer críticas e sem levar os alunos a refletirem sobre os processos históricos.
A motivação para fazer esse trabalho, através do Programa de Mestrado
Profissional em História, Ensino e Narrativas da Universidade Estadual do Maranhão,
por meio da linha de pesquisa Memória e Identidade, é contribuir para a produção
didática da história do Maranhão, divulgar a pesquisa acadêmica e a necessidade de
levar os alunos a tomarem conhecimentos da História do Maranhão, refletindo sobre os
processos históricos para ajudar na formação desses alunos, enquanto sujeitos ativos,
capazes de lerem o mundo a sua volta. Além de contribuir para que os alunos conheçam
interpretações da história do Maranhão, reflitam sobre suas origens e identidade e
passem a valorizar a pluralidade étnica, cultural que constitui a formação social do
Maranhão. De acordo com Cerri (2011, p. 116):
Retirar os jovens do presente contínuo é abrir as portas para a
sensibilidade em relação ao passado e a compreensão da dinâmica do
tempo [...] Conhecer as surpresas, as mudanças imprevistas do desenrolar dos acontecimentos abre as portas da inteligência a
possibilidade histórica. Viver apenas o presente tende a reproduzir a
condição atual – com todas as suas mazelas – pela ausência de sujeitos
interessados em tentar fazer as coisas de outra forma.
Dessa forma, este projeto de pesquisa propõe-se a produzir um material
paradidático destinado aos estudos de História Regional do Maranhão, fazendo recorte
temporal nos momentos históricos da Independência, Setembrada e Balaiada, ocorridas
na primeira metade do século XIX, na preocupação de trazer a memória histórica, as
identidades políticas com destaque para consciência política das camadas populares
envolvidas nesses movimentos, pois como afirma Engel (2009), os segmentos
subalternos, livres, libertos e cativos, tidos pela sua extrema “ignorância”, costumam ser
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vistos como aqueles que são incapazes de formular projetos políticos próprios, agindo
como “massa de manobra” das classes dominantes.
No Maranhão, existe um grupo organizado pelo professor da rede pública
Jânio Rocha que desenvolve o Projeto Balaiada, articulado por meios de grupos no
whatsapp, blog e facebook, tem por objetivo tentar reabilitar a Balaiada, inventar uma
tradição de comemorações, ou seja, pretende promover o resgate histórico cultural e,
ainda, a promoção do turismo voltado à história do movimento, especialmente na
Semana da Balaiada, que deve ocorrer todos os anos na segunda semana de dezembro,
tendo como marco o dia 13 de dezembro, considerado na historiografia como o início
do movimento balaio.
Esta pesquisa tem como objetivo levar para a educação básica (Ensino
Médio) os três importantes movimentos (Independência, a Setembrada e a Balaiada) que
constituem o processo de construção da ordem política imperial. Não se trata de querer
excluir a história nacional ou desqualificá-la negando sua importância, mas consiste em
não omitir outras histórias que ocorrem no Brasil. Bittencourt (2008, p. 168) advoga que
a história regional proporciona, na dimensão do “[...] estudo do singular, um
aprofundamento do conhecimento sobre a história nacional, ao estabelecer relações
entre as situações históricas diversas que constituem a nação” e coloca a importância da
memória para a história local. Para a autora, a “memória é, sem dúvida, aspecto
relevante na configuração de uma história local tanto para os historiadores como para o
ensino”. Desse modo acreditamos que esse trabalho se enquadra na linha de pesquisa
Memória e Identidade.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
No Brasil, os anos de 1980 e 1990 foram marcados por tentativas de
professores e intelectuais, que tinham interesses com o ensino de história, de
formularem propostas que congregassem a nova identidade nacional a formar alunos
socialmente críticos, revendo a história dos vencedores e dando espaço para outras
histórias, como a dos vencidos, dessa maneira tentando trazer para sala de aula homens
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e mulheres comuns e convencê-los do protagonismo essencial do povo nos processos
históricos (CERRI, 2011).
Segundo os autores Gontijo, Magalhães e Rocha (2008), os métodos do
professor de história na escola e do professor de história acadêmica são distintos,
porque o primeiro mobiliza outros recursos e saberes para além daqueles utilizados na
construção da história na academia. O segundo se orienta pelas regras de um método de
análise crítica das fontes e pelo exercício da narrativa escrita, dessa maneira o
conhecimento ganha uma forma complexa, que age com recortes, porém, propõe grande
número de articulações entre eles, de maneira a mobilizar os recursos críticos do leitor,
juntamente, estimular sua sensibilidade e emoções.
A história escolar se orienta por regras pedagógicas próprias, adaptadas aos
diferentes graus de formação dos alunos; por práticas aprendidas e pela erudição
conquistada mediante a formação profissional/intelectual do docente como historiador;
por saberes obtidos na vida e pela vivencia em sala de aula. A histórica acadêmica,
atualmente, encontra-se mais interessada em multiplicar as hipóteses, aumentando o
campo de possibilidades (GONTIJO, MAGALHÃES, ROCHA, 2008).
Para Cerri (2011), os professores de história com seu trabalho produzem em
seus alunos parte das suas identidades pessoais, políticas e profissionais, participando da
construção da identidade do outro. A “memória nacional, cuja construção é feita
sistematicamente a partir de uma série de instituições, da escola aos arquivos, passando
pelas festas e pelos monumentos de comemoração” (JOUTARD, 1993, p. 528). O
historiador Cerri (2011, p. 105, grifo nosso), chamou atenção para como a função do
ensino de história vem sendo desempenhando:
Por muitas décadas, e atravessando os séculos XIX, XX e XXI, a
função do ensino de história vem sendo a produção e reprodução da
identidade nacional. Com suas origens no século XIX, o ensino de história que conhecemos se vincula a um contexto de expansão da
educação pública o conjunto da população (juntamente com os
avanços do sufrágio universal e a consolidação das nações baseadas na soberania popular, e não mais na soberania monárquica).
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A memória não guarda o passado, e sim uma representação dele, que
acontece de maneira seletiva, pois o indivíduo rememora aquilo que faz parte do meio
dele naquilo que ele se sente inserido. Vale lembrar que um fato uma vez acontecido
nunca mais se repete o que vai acontecer são leituras, interpretações sobre ele. A
memória individual é aquela absorvida pelo indivíduo e se reflete as próprias
experiências vividas por ele, porém, contêm aspectos da memória do grupo no qual o
indivíduo foi socializado. A memória coletiva são os fatos enquadrados pela memória
oficial daqueles indivíduos (HALBWACHS, 2004).
Giron (2000), afirma que é “por meio da memória que o discurso do sujeito
se torna possível”. O historiador Le Goff (1990, p. 476), diz que a “memória é elemento
essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é
uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje” [...]. Para
Neves (2000, p. 113), “a memória, ao constituir-se como fonte informativa para a
História, constitui-se também como base da identidade, por meio de um processo
dinâmico, dialético e potencialmente renovável, que contém as marcas do passado e as
indagações e necessidades do tempo presente”.
Dada à importância da memória no processo de construção da Identidade
dos sujeitos históricos veremos como a historiografia tradicional ou oficial criou a
memória das camadas populares nas revoltas tidas como badernas e sem cunho político
na historiografia maranhense. No século XIX, o Maranhão foi marcado por vários
momentos de contestação da ordem em que foram protagonistas os segmentos
populares. Essas participações ou mesmo a visibilidade desses sujeitos precisam ser
melhor analisadas, pois os registros da historiografia tradicional em relação à
participação popular tem sido marcados por uma visão negativa. “Tradicionalmente, a
história tem sido encarada, desde os tempos clássicos, como um relato dos feitos dos
grandes. [...] o principal tema da história continuou sendo a revelação das opiniões
políticas das elites” (SHARPE, 2011, p. 40). A história desde muito tempo vem sendo
escrita ressaltando os grandes feitos dos grandes homens:
Desde os tempos de Heródoto e Tucídides, a história tem sido
escrita sob uma variada forma de gêneros: crônica monástica,
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memória política, tratados de antiquários, e assim por diante. A
forma dominante, porém, tem sido a narrativa dos acontecimentos
políticos e militares, apresentada como a história dos grandes
feitos de grandes homens – chefes militares e reis (BURKE, 2010, p.17, grifo nosso).
A História enquanto campo de conhecimento ganha seu lugar como Ciência
no século XIX. A escola metódica alemã, com destaque para o historiador prussiano
Leopold Von Ranke, contribui com seus aportes teóricos para imprimir um caráter
científico à História de acordo com os parâmetros de cientificidade em voga. Esse
historiador foi considerado como o pai da historiografia alemã. A sua proposta era
descrever os fatos históricos tal como realmente aconteceram. O historiador, dessa
forma, deveria reproduzir fielmente os documentos oficiais mantendo a imparcialidade.
A objetividade científica era destacada pelos historicistas no estudo do passado, faziam
análises lineares da História, ou seja, baseadas nos acontecimentos políticos, nos
grandes personagens históricos como reis, príncipe, governadores, etc. Os temas
políticos eram considerados como o “motor” das mudanças da sociedade, e nessa linha
de compreensão a produção cientifica levava em consideração a história dos Estados e
dos governantes. Os historiadores da corrente historiográfica “positivista” selecionavam
os eventos mais importantes, partindo do pressuposto de que os fatos falavam por si
próprios, precisando ser ordenados numa ordem cronológica e linear para reviverem o
passado real da humanidade. Por essa razão foram criticados pelos historiadores do
século XX como sendo “metódicos” ou “historiadores narrativos” (RODRIGUES,
2011).
A corrente historiográfica dita positivista em sua narrativa tradicional
buscava criar um consenso nos conflitos existentes, porque era um olhar de cima, das
elites políticas. Os outros grupos sociais estavam intencionalmente esquecidos, ou “à
margem” do processo histórico. A objetividade e a neutralidade diante do fato histórico
faziam com que o historiador tivesse um compromisso metódico diante do documento,
sendo praticamente obrigado a narrar o passado sem interpretação ou juízo do
acontecimento. O Estado Nacional era tido como o “motor” das transformações e do
progresso da História. A escola marxista trouxe para o cenário acadêmico aqueles
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sujeitos históricos que até então eram “esquecidos” ou “marginalizados”, os “vencidos”
das elites políticas e dos chefes de Estado (Reis, príncipes, etc.). As questões sociais e
econômicas passaram a categoria de sujeitos no processo histórico. Mas, o pequeno
enfoque dado às análises culturais e mentais, resultou numa visão parcial e determinista
da história, a perda da caracterização das ações individuais e o descrédito do
“acontecimento”, tornando-se de fato uma visão reducionista do passado
(RODRIGUES, 2011).
Essas duas escolas historiográficas possibilitaram um amadurecimento
teórico e metodológico dos estudos históricos. Mas, diante da necessidade de dar novos
olhares ao passado, ganhando novas tonalidades, surge a crítica feita pela Escola dos
Annales, fazendo com que a Ciência histórica atingisse sua fase adulta com novos
métodos, novas formas de abordagens, fontes, problemas, etc. Para os fundadores da
Revista dos Annales, a Escola Positivista da História, exaltava as ações “vazias” dos
líderes políticos, valorizando os estudos biográficos de reis, príncipes, chefes de Estado,
embasados nos fatos e acontecimentos políticos, não dando importância às ações dos
grupos sociais. Os historiadores da chamada nova história não poupavam críticas aos
historiadores “positivistas”, dizendo que estes visitaram apenas a superfície factual do
passado histórico. Por conseguinte, a Escola dos Annales, no século XX, representou
um fim ao velho ídolo da história política factual (RODRIGUES, 2011).
Com as mudanças ocorridas na historiografia no século XX, na forma de se
escrever a história, foi possível o diálogo com outras ciências como a sociologia,
economia, antropologia, assim como caracterizar os excluídos da história, dando um
novo lugar e entendendo seus anseios, motivações e revoltas. Trazer à tona a memória
histórica desses sujeitos que são vistos de maneira marginalizada.
A “História vista de Baixo” é importante para auxiliar no estabelecimento
da identidade das classes inferiores, necessita ser retirada dos lugares miseráveis e
utilizada para criticar, redefinir e consolidar a corrente principal da história (SHARPE,
2011). Segundo Barros (2004) a Nova História Política abriu espaço correspondente
para uma “História vista de Baixo”, ora se preocupa com as grandes massas anônimas,
como também se preocupa com o “individuo comum”. Dessa forma, quando a Nova
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História Política adota como seu objeto um indivíduo, não tem por objetivo a
excepcionalidade das grandes figuras políticas que antes os historiadores historicistas
afirmavam serem os grandes e únicos condutores da História. Para Sharpe (2011, p. 40),
ao se referir a “História vista de Baixo”:
[...] a maior parte daqueles que escreveram a história vista de baixo
aceitaram, em um sentido amplo, a opinião de que um dos resultados
de terem seguido essa abordagem tem sido demonstrar que os membros das classes inferiores foram agentes cujas ações afetaram o
mundo (às vezes limitado) em que eles viviam.
Ao caracterizarmos esses excluídos da história utilizaremos os conceitos
trabalhados por Hobsbawm (2010) em sua obra Bandidos3, em que analisa o banditismo
social, a fim de perceber nas ações populares formas de reação às injustiças sociais que
sofriam aqueles vistos como cidadãos de segunda classe, como um perigo à ordem
social. O ladrão nobre vai iniciar sua carreira na marginalidade não porque gosta do
crime, mas como vítima da injustiça social. O ladrão nobre “não é inimigo do rei ou
imperador, fonte de justiça, mas apenas da nobreza, do clero e de outros opressores
locais” (HOBSBAWM, 2010, p 69). Estabelecendo um paralelo com as lideranças da
Setembrada, os revoltosos desse período não eram inimigos do imperador, porque
quando estão comemorando o resultado do 13 de setembro, na Proclamação do redator
do Farol, o mesmo afirma “[...] que devemos manter sem mancha esta revolução.
Ordem e respeito às autoridades e a segurança individual” (apud. ABRANCHES, 1970,
p. 148).
De acordo com Barros (2004), é no dia a dia que as massas populares são
informes: executam como que silenciadas as tarefas que poderão garantir-lhes a
sobrevivência diária. As massas falam à história por meios de números que registram a
sua laboriosa e sofrida passividade. Porém, quando advém uma insurreição, um protesto
público, um motim, pela primeira vez a massa despossuída será escutada não através da
passividade dos números emudecidos, e sim por meio dos gestos violentos e ruidosos.
3 Segundo Hobsbawm, o termo tem origem no italiano bandito, que em síntese significa banido.
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Não existe limitação para aquilo que pode ser tomado como fonte histórica.
Para a História Social podemos achá-las em documentações oficiais (públicas) ou
particulares, se informarem dados massivos sobre uma sociedade. Para aqueles
indivíduos que foram de classes sociais elevadas, chega-se a conhecê-los por meio de
uma documentação vasta, como já é por nós conhecida. Por outro lado, ao pobre,
excluído, só adquirem voz quando os mesmo cometem um crime ou são acusados de tal
(BARROS, 2004).
Nos anos de 1970, começam a surgir múltiplos estudos sobre os
movimentos sociais no Brasil, enfatizando a história das camadas populares e suas
formas de resistências, aspectos esses que são destacados por uma “história vista de
baixo”. Não mais aquela produzida numa linha positivista que dava a conotação às
camadas populares de bandidos, “arraia-miúda”, “ralé” e “plebe ignara”. A
historiografia que trata dos movimentos sociais do século XIX no Brasil passou a ter
uma nova visão com novas abordagens metodológicas e novas fontes documentais, que
resultam em romper com a visão tradicional positivista, apresentando as camadas
populares brasileiras se manifestando em defesa de seus interesses, indo de encontro a
uma ordem dominante elitista e autoritária que vigorava no Brasil desde sua
colonização. Estudos historiográficos se propuseram a ressaltar as atuações de gente
comum, de homens e mulheres que participaram de muitos movimentos sociais e
populares e que passaram apagados ou deram lugar a uma história com versão falsa que
esconde as lutas e os conflitos (DIAS, 2003).
O Brasil e sua história são marcados por muitos movimentos de resistência
da população em relação aos padrões de dominação do colonizador europeu, ou das
elites nacionais, fazendo parte as populações nativas, os escravos negros, os mestiços e
mulatos, explorados pelos donos dos meios de produção (DIAS, 2003). Outro aspecto a
ser levado em consideração são os estudos regionais, pois nossa história concentra-se no
eixo Centro-Sul não dando ênfase as demais regiões brasileiras. Partindo desses
pressupostos, acreditamos que aos nos voltarmos para a nossa história local podemos
contribuir de forma significativa na mudança desses quadros na historiografia, na
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memória e buscar reconhecimento nacional para os nossos movimentos que fizeram
parte na construção da nova ordem do que chamamos hoje de Estado Nacional.
Na historiografia brasileira, as interpretações tradicionais apresentavam a
independência do Brasil de forma amistosa, como se todas as regiões aderissem quase
de imediato ao grito do Ipiranga, excluindo as camadas populares desse processo. A
independência política brasileira é interpretada como a aliança entre o príncipe
português e o “Partido Liberal Brasileiro”, havendo uma partilha de poderes entre o
monarca e os “homens bons”, ou seja, a junção entre o monarca e o liberalismo
constitucional correspondia a uma postura Moderada (MOREL, 2005). Assim, o
modelo de sistema político criado foi de exclusão e o poder concentrou-se na elite da
época, grandes fazendeiros e comerciantes (ABRANTES, 1996).
A lusofobia foi um sentimento recorrente nos brasileiros no período
imperial. Aparecia em vários segmentos da sociedade, os quais protestavam contra a
presença lusa no comércio de grosso trato e varejo das principais cidades do país.
Para a população miúda, esses portugueses não passavam de exploradores que
concorriam até mesmo em empregos considerados subalternos (BESSONE, 2008).
Assim, após a “adesão” do Maranhão a Independência a situação dos
portugueses passou a ficar instável, pois os que se reconheciam como brasileiros não
aceitavam suas presenças porque eram vistos como inimigos do Brasil e da causa
brasileira, sofriam “com saques, arrombamentos de casas e lojas, atos de violência e
repulsão como nas 'surras - chamadas de 'lustros' -, sofridas em lugares públicos”
(GALVES, 2010, p. 215). Esses episódios foram registrados na historiografia
maranhense durante a Setembrada, movimento antilusitano que teve início no dia 13
de setembro de 1831 na cidade de São Luís e em algumas partes do interior da
província, que contou com a participação dos liberais exaltados, povo e tropa.
Os termos balaios e bem-te-vis estão ligados à revolta da Balaiada, ocorrida
entre 1838 e 1841, na banda oriental do Maranhão, com desdobramentos até o sul da
província. A historiografia tradicional atribuiu aos rebeldes oriundos das camadas
populares a denominação de balaios, enquanto os liberais foram denominados bem-te-
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vis, mesmo que os registros indiquem que também os segmentos populares fizeram uso
desse simbolismo relacionado às ideias liberais.
Pretendemos questionar a memória daqueles como Thomas Alexander
Cochrane, Lord Cochrane, tido como o responsável pela capitulação do Maranhão no
processo de Adesão a Independência do Brasil e Luís Alves de Lima e Silva, que é
conhecido como “Duque de Caxias”, o “pacificador” da Balaiada, que são tidos como
heróis, como aqueles que puseram fim as badernas causadas pelas camadas populares,
como apresenta historiografia tradicional ou oficial que ainda são reproduzidas nos
livros didáticos. Sabendo que os “trabalhos regionais de pesquisa em história regional
servem para ampliar os horizontes da história nacional, oferecendo novas leituras da
multifacetada sociedade brasileira, sem abandonar o espaço, o tempo e a memória”
(GIRON, 2000, p.38).
3. OBJETIVOS
3.1 Objetivo Geral
Elaborar um material paradidático sobre a História política do Maranhão
imperial, no contexto do processo de Independência (1823-1841), com destaque
para a relação entre as elites liberais e as camadas populares.
3.2 Objetivos Específicos
Analisar a produção didática utilizada em sala de aula sobre o processo de
construção da ordem imperial no Maranhão Oitocentista.
Apresentar as interpretações da historiografia atual sobre a História política do
Maranhão na primeira metade do século XIX.
Destacar o protagonismo das camadas populares nos movimentos políticos e
sociais que marcaram o processo de construção da nova ordem imperial
(Independência, Setembrada e Balaiada).
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4. METODOLOGIA
De acordo com Cerri (2011, p. 115), “a metodologia da história consiste
essencialmente em saber o que aconteceu e em que nos baseamos para conhecer esses
fatos”. O historiador procura saber quem produziu as informações e quais eram as
possibilidades de que as coisas tivessem acontecido de outra maneira. O método
histórico esquadrinha os sujeitos suas intenções, ligações sociais e interesses em jogos,
para entender a informação trazida por cada um. Partindo para o ensino, se os alunos
puderem fazer isso e identificar pessoas e interesses que estão por trás de reportagens,
ações governamentais, processos históricos, a história terá cumprido outras de suas
funções educativas.
O professor de história se depara como fará com que os seus alunos tenham
uma aprendizagem significativa com os conteúdos que selecionou. A transposição
didática é o processo no qual o saber científico é transformado em saber escolar e
traduzido de maneira em que o aluno possa aprender (DREHMER, 2008). Para Fonseca
(2003), o trabalho em sala de aula demanda um professor que esteja sempre em situação
de investigação, que desperte a curiosidade, a criatividade e o interesse pelo ensino que
tem como pressuposto a descoberta. A historiadora Maria Aparecida Leopoldino Tursi
Toledo (2004), apresenta uma problemática no ensino de história ao afirmar que a
abordagem dominante permanece ainda privilegiando os fatos e a memorização dos
conteúdos estabelecidos.
Quanto ao ensino da história local “tem sido indicada como necessária para
o ensino por possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado
sempre presente nos vários espaços de convivência” (BITTENCOURT, 2008, p. 168).
Dessa forma, o trabalho intitulado História do Maranhão na sala de aula: a construção
da ordem política imperial na província (1823-1841) propõe como produto final a
produção de um material paradidático, com discussões da atual historiografia,
documentos, imagens, atividades interativas, reflexões. Assim, no primeiro momento
faremos uma análise bibliográfica de como autores locais e nacionais trabalham essas
questões da ordem política imperial. Como fundamentação teórica, utilizaremos
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trabalhos que tratam da nova História Política e da História Social, e também teóricos
da educação que tratem sobre as novas abordagens do ensino.
Em seguida, partiremos para as análises das fontes primárias oficiais, tanto
aquelas já utilizadas na pesquisa monográfica, assim como novas fontes, como um
acervo de ofícios expedidos pelas autoridades a fim de tratar das medidas para contornar
os acontecimentos políticos do contexto em análise, as Atas do Conselho Provincial e
Conselho Presidial, Relatórios e Falas dos Governantes, que se encontram no Arquivo
Público do Estado do Maranhão. Outro acervo precioso é constituído pelos jornais da
época, localizados na Biblioteca Pública “Benedito Leite”.
Desse modo, os textos e documentos selecionados darão uma visão do
processo histórico compreendido entre a Independência, Setembrada e Balaiada. Sua
escolha obedecerá a critérios que levem em considerações os seguintes aspectos: a
programação de leituras consideradas essenciais aos alunos de ensino médio;
apresentação da historiografia referente aos oitocentos; adequação dos textos, na sua
escrita e forma, para atender as reais condições de ensino e aprendizagem na educação
maranhense.
O paradidático será dividido em capítulos contendo textos e documentos em
cada um deles, que virão precedidos de uma apresentação do assunto e de questões que
poderão servir para discussões e trabalhos em sala de aula. Pequenos comentários
acompanharão os textos ou/e documentos que comporão os capítulos na finalidade de
proporcionar ao aluno elementos para uma melhor compreensão dos mesmos. O
paradidático servirá de estímulo para que os alunos e professores aprofundem leituras
acerca da história do Maranhão Oitocentista, especificamente a construção da ordem
política imperial na província (1823-1841).
O nosso tema está vinculado à preocupação de analisar a participação das
camadas populares nos movimentos políticos e na conjuntura da construção do Estado
Nacional brasileiro, onde apresentaremos as lutas políticas que se seguiram à adesão da
independência no Maranhão até culminar nos movimentos da Setembrada e da Balaiada,
inserindo essa abordagem no ensino de educação básica (Ensino Médio). Essa é uma
problemática nova, pois como já nos referimos anteriormente, a historiografia oficial
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não lhe deu importância, sendo a identidade dos rebeldes populares omitida pela
historiografia tradicional, o que se refletiu na sala de aula.
Como serão discutidas essas questões no paradidático, na Independência
abordaremos que esse processo não se deu de maneira amistosa, mas através de guerras
civis iniciadas do interior com a formação de um exército libertador originado das
províncias do Piauí e Ceará, que para alguns foram os que efetivaram a capitulação,
enquanto o Lorde Cochrane aparece como consolidador do que era iminente. Assim,
questionaremos sua imagem de responsável pela capitulação do Maranhão no processo
de Adesão a Independência do Brasil. Muitos dos que lutaram a favor da Independência,
após sua concretização foram excluídos. O feriado de 28 de julho que marca a adesão do
Maranhão à independência do Brasil, é pouco conhecido, discutiremos o porquê do seu
esquecimento/silenciamento, talvez por recair em um mês de férias quase não se sabe da
sua existência.
Quanto a Setembrada daremos destaque para a participação popular
mostrando por meio das atas do Conselho Presidial a Representação do “povo e tropa”
encaminhada ao então governo exigindo que suas reivindicações fossem atendidas, caso
contrários não largariam as armas. Em relação à Balaiada, daremos destaque à
participação popular e a resistência escrava ocorrida no Maranhão nesse período,
liderada por Cosme Bento das Chagas, conhecido por “Negro Cosme”. Outro aspecto de
reflexão na Balaiada, que merece ser colocado em xeque, é a memória heroicizante
construída sobre a figura de Luís Alves Lima e Silva, o “Duque de Caxias”, tido como
“pacificador” por ter debelado as rebeliões ocorridas no Maranhão, fazendo com que os
rebeldes conhecessem a mais dura face da repressão para a época. Desse modo, os
alunos poderão observar que a participação popular esteve presente nesses processos de
forma ativa, contribuindo para desconstruir a ideia de que a história é feita de heróis, de
uma história que está pronta e acabada como transparece em alguns livros didáticos.
Sabemos que o ensino de história do Maranhão enfrenta problemas quanto
à exclusão dos conteúdos a serem aplicados na educação básica (Ensino Médio). Isso se
deve em parte pelas ausências bibliográficas que abordem a história local de forma
didática e pelas escolas seguirem um currículo nacional para que os alunos tenham
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condições para prestar o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM). A exceção ainda
ocorre no vestibular da Universidade Estadual do Maranhão que não aderiu a esse
programa, mas mesmo assim os alunos na maioria das vezes só tem acesso aos
conteúdos de história do Maranhão em cursos preparatórios de pré-vestibular,
prejudicando aqueles que não têm condições financeiras para pagá-los.
Com essas problemáticas, cremos que será possível o desenvolvimento
deste estudo no Programa de Mestrado Profissional em História, Ensino e Narrativas da
Universidade Estadual do Maranhão na linha de pesquisa Memória e Identidade,
considerando a familiaridade com o tema da pesquisa e a disponibilidade de tempo para
nos dedicarmos às atividades do Curso.
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MODELOS EDUCATIVOS NA OBRA DOUTRINA PARA CRIANÇAS, DE
RAMON LLULL
Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus
1. JUSTIFICATIVA
O nosso interesse em analisar a educação medieval iniciou-se com o
projeto de pesquisa na iniciação científica durante a graduação1. Analisamos então a
importância da religiosidade para o homem medieval, e como os aspectos educacionais
eram fundamentais na busca pelo modelo ideal de cristão. Como trabalho de conclusão
de curso, elaboramos a monografia“Educação e Religiosidade na obra Doutrina para
Crianças (1274-1276) de Ramon Llull”, buscando perceber a relação entre a educação
medieval e a religiosidade, destacando a principal finalidade da educação daquela
época: educar para salvar.
O objetivo da pesquisa atual desenvolvida no Mestrado em História, Ensino
e Narrativas é dar seguimento à investigação sobre educação medieval, analisando a
obra Doutrina para Crianças, de Ramon Llull (1274-1276), compreendendo a
interpretação de ensino que o autor nos oferece, por entendermos que o presente de cada
época é único e particular. Desta forma, Llull nos apresenta o seu projeto pedagógico, o
currículo educacional e os principais elementos da educação como condição
fundamental para o alcance do ideário cristão, destacando a importância da
recordação/memória, ou seja, recordar as normas de comportamento, os ensinamentos
da Sagrada Escritura.
Durante a Idade Média a educação teve uma finalidade para além de
objetivos terrenos, pois o Homem daquela época não se via apenas como um ser preso
ao mundo terreno, mas acreditava em uma vida pós-morte. A memória estava no centro
do cristianismo, existia a preocupação com a preservação do passado. Por isso
interrogamos: qual o lugar do passado na sociedade medieval?
A educação sempre foi uma temática importante para os seres humanos,
embora o conceito e a função não sejam cabíveis para todo tempo histórico, visto que
1 Nos anos de (2012-2013) fomos bolsista de iniciação científica sob a orientação da Profª. Drª. Adriana
Zierer, com o trabalho intitulado “A salvação da Alma segundo as obras Doutrina para Crianças e Felix
o Livro das Maravilhas de Ramon Llull (1232-1311)”.
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cada época varia sua forma de ver o mundo e se comportar diante do mesmo. A
educação tem suas inúmeras finalidades. E para alcançá-las é fundamental um
direcionamento, seja no plano terreno ou espiritual.
Pensando nisso a fonte Doutrina se encaixa perfeitamente para
compreendermos o plano espiritual no medievo, já que na época serviu como um
manual pedagógico, um manual de instruções e preservação da memória cristã,
apresentando os possíveis modelos de comportamento que os indivíduos poderiam
seguir para alcançar a salvação da alma, além de trazer o currículo educacional da
época, que eram as disciplinas do trivium e quadrivium (desde o século V): gramática,
lógica e retórica; aritmética, geometria, musica e astrologia. Essa base da educação
medieval seria correspondente ao nosso ensino fundamental e médio.
Por que ensinar as sete artes liberais? Qual importância dessas disciplinas?
Para os grandes intelectuais da Idade Média, essas disciplinas tinham imensurável valor
para tais finalidades: contemplar as criações de Deus, apreciar a arte divina
(quadrivium) e permitir que as pessoas exprimissem de modo convincente e inteligível a
ação da sabedoria divina (WOOR JR, 2008. P.45) “As artes sete liberais revelaram ao
homem o seu lugar no universo e ensinaram-no a apreciar a beleza do mundo” (WOOR
JR, 2008. p. 45).
Além de nos apresentar os modelos educativos para se tornar um bom
cristão, Llull apresenta o programa de estudos, fundamentais para aprendizagem. O
autor aponta a importância da gramática, o aprendizado dos cálculos, a necessidade de
se comunicar bem, saber outras línguas, de se entender a música. O autor também
destaca outro aspecto necessário para aprendizagem do cristão: o uso da memória; para
ele era condição essencial para preservar o conhecimento.
Primeiramente é essencial não esquecermos que religião e educação
estavam intimamente ligadas. Seria impossível compreendermos a educação medieval,
sem levarmos em consideração o forte pensamento religioso da época. Para o homem
medieval, o referencial de todas as coisas era o sagrado, a “manifestação do sagrado”
(FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 30), e as bases fundamentadas nos preceitos cristãos. Era
a mistura do visível com o invisível, do material com o imaterial. Durante a Idade
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Média perdurou o ideal clássico quanto à formação da personalidade, ou seja, o
propósito de se plasmar o cristão perfeito, na aquisição das virtudes. A obra Doutrina
para Crianças revela-se como um manual que, além de indicar as regras de
comportamento e os ideais cristãos, define como função de manter e defender a fé cristã
com objetivo central de ensinar como ser um bom cristão e obter a salvação.
Por isso, inicialmente destacamos que o propósito de fazer ponte entre
memória, educação e identidade se dá pelo fato de que a memória cristã foi um
elemento fundamental na constituição da identidade daquela sociedade, visto que a
educação desejou preservar isso, já que a questão elementar, motivação e finalidade, era
a formação da consciência cristã.
É certo que a civilização medieval foi eminentemente religiosa, e
isso não apequena a proposta de educação daquela época. Acreditamos que temos muito
que aprender com aquela sociedade. Para isso é necessário nos despirmos de
preconceitos, e trazer para nós os pontos relevantes, respeitando a crença e forma de ver
o mundo de cada época, pois “o Homem, e, portanto a História é formado por seus
sonhos, fantasias, angústias e esperanças” (FRANCO JÚNIOR, 2001).
Ramon Llull foi um homem do seu tempo, e claro, foi influenciado pela
sociedade em que viveu e pelo convívio com outras pessoas. A princípio considerava-se
um pecador inútil, e na metade de sua vida e na metade de sua vida, momento de sua
“conversão”, passou ao dedicar-se integralmente à vivência do cristianismo, embora
tenha se mantido como um homem leigo, isto é, não pertencente ao grupo dos
eclesiásticos. Apesar da distância de séculos, é possível conhecermos parte de sua vida,
graças a sua autobiografia Vida Coetânea que chegou até nós, traduzida em catalão de
meados do século XV, do original escrito em Latim. Essa obra foi ditada, acredita-se, a
um amigo de Ramon Llull, um monge de Vauvert.
Nesse trabalho buscaremos mostrar como Ramon Llull, deixou um legado
de ensinamentos consolidados, e criou um projeto pedagógico, trazendo informações
importantes para compreendermos a pedagogia medieval. As obras deste filósofo
mostram como sua vida foi marcada pelos padrões cristãos, e forte uso da razão na
produção de sua Arte.
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Pouco se sabe da sua vida até os trinta anos, quando se converteu ao
cristianismo. Em sua autobiografia Vida Coetânea ele fala brevemente sobre sua vida,
sua adesão profunda à religião, destacando seus objetivos, e viagens que fez ao longo de
sua trajetória cristã. Ramon Llull foi um filósofo catalão do século XIII que elaborou
um projeto pedagógico, tendo como objetivo central levar o homem à salvação. A
formação educacional e científica do homem medieval do século XIII sofreu mudanças
significativas para que os mesmos pudessem se preparar para o novo saber. O
crescimento urbano, o surgimento das universidades e conhecimento greco-árabe que se
disseminava no Ocidente Cristão mudava as relações já existentes naquela sociedade,
divulgando um “novo mundo do saber”. Llull participou dessas mudanças, e ao mesmo
tempo, lamentava a sociedade daquela época.
Através de suas importantes obras literárias, conseguimos perceber que
propôs uma espécie de reformulação da sociedade, baseado no contexto em que vivia,
levando o leitor a ter uma educação cristã e elevar o seu pensamento espiritual, sendo a
vida terrena apenas passageira. Os manuais eram considerados espelhos, gênero literário
que traça o retrato de um ideal moral: “Encontrarás, filho, neste livro um espelho em
que poderás contemplar a saúde de tua alma” (LLULL, 2010, p. 43). O manual não se
reduz apenas a um tratado de moral ou espiritualidade, mas vai além, visando à
formação educacional. Como é de se esperar, no medievo, todas as lições estão voltadas
para Deus.
Ramon Llull viveu em contexto histórico extremante conturbado, nasceu na
Catalunha em 1232, em sua obra Vida Coetânea conta que antes de se entregar aos
serviços cristãos, estava envolvido nas “práticas mundanas”, mas após ter visto mais de
cinco visões do Cristo ressuscitado, converteu-se ao cristianismo. Para André Vauchez
as visões eram um importante meio de comunicação entre o homem e Deus
(VAUCHEZ, 1995, p. 162).
Após a sua conversão escreveu vários livros, e estes sempre voltados para
assuntos religiosos, filosóficos e dedicando grande parte para temas como a educação e
exemplos de conduta. O processo educativo, na concepção de Llull é convocado para
contribuir na transmissão de valores e conhecimentos de forma espontânea no ambiente
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familiar, religioso e no convívio social, entre outros, até a formulação de estratégias de
ensino, ou seja, uma educação centrada na formação de um bom cristão.
As fontes primárias que utilizamos são de extrema importância, pois são
reveladoras tanto da vida como da educação medieval. A obra “Doutrina para
Crianças” escrita por volta de (1276-1278) foi dedicada ao seu filho Domingos e pode
ser considerada como um dos primeiros manuais pedagógicos voltados à educação
infantil. Nesta obra podemos destacar os fortes ensinamentos cristãos. Compõe-se de
um Prólogo e treze capítulos, ao longo dos quais todos os ensinamentos giram em torno
de Deus e dos preceitos da Igreja Católica.
A orientação pedagógica da Idade Média daria continuidade a um plano e
educação traçado por Santo Agostinho. Na sua obra De Doctrina Crhistiana estimulou,
sobretudo, os estudos dos intelectuais cristãos, e serviu de ideário e programa para as
escolas. Para esse mestre a inteligência humana era composta por memória, inteligência
e amor, e a Sagrada Escritura era o principal foco da aprendizagem, e juntamente com
ela o ensino das sete artes liberais, as línguas e as ciências.
Nas igrejas e nos mosteiros, através dos livros, o saber antigo preservou-se.
Houve uma transmissão às gerações da Idade Média. Alguns autores da Antiguidade
foram de extrema importância, pois elaboraram manuais e enciclopédia tais como Santo
Agostinho e Marciano Capela. Já na Idade Média podemos destacar Cassidoro, Boécio,
Santo Isidoro de Servilha e São Beda que também copiaram manuscritos, produzindo
também manuais e enciclopédias.
Os monges desenvolveram um papel fundamental no resgate e na
conservação da cultura, permitindo que o pensamento do mundo antigo fosse
transmitido na Idade média. Os mosteiros, mais que centros religiosos, foram também
centros de ensino. A corrente educacional que cobre os primeiros séculos da Igreja
medieval corresponde ao período em que começam os trabalhos dos primeiros padres,
quase todos educadores que procuraram conciliar a cultura greco-romana com o
cristianismo.
Desta forma, por meio do Programa de Mestrado Profissional em História
da Universidade Estadual do Maranhão, com a linha de pesquisa Memória e
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Identidade, queremos dar continuidade a nossa pesquisa com a qual temos uma
familiaridade. Tivemos a oportunidade de trabalhar com a temática desde o 3º período,
através da bolsa de iniciação cientifica PIBIC/UEMA (2012-2013), até o presente. Essa
pesquisa já nos deu alguns frutos como apresentação de trabalhos fora do Estado e
publicação de capítulos de livros (MATEUS, 2016; MATEUS; ZIERER, 2014). Através
das nossas investigações desejamos ampliar os estudos sobre essa temática, tentando
estabelecer a relação entre educação, religiosidade, memória e identidade.
A importância dessa pesquisa não se dá somente pelo estudo do passado
medieval, mas podemos perceber a forte presença da educação medieval em nosso
presente. Como alguns modelos educativos nos nossos dias ainda preservam a memória
cristã? Quais heranças desse currículo educacional cristão temos hoje em nossa
educação? Como a educação e religiosidade se fortalecem na sociedade atual?
Precisamos reconhecer, ou melhor, compreender nossas raízes.
Na UEMA os estudos sobre o imaginário medieval têm se fortalecido na
área de Antiga e Medieval, através da criação de dois grupos de pesquisa na Uema,
o Brathair (Grupo de Estudos Celtas e Germânicos) e o Mnemosyne (Laboratório de
História Antiga e Medieval). Também são fortalecidos pelo importante papel exercido
pelos Encontros Internacionais de História Antiga e Medieval do Maranhão, iniciados
em 2005 e com realização bi-anual, onde sempre há atividades voltadas ao imaginário e
à educação através das conferências, mini-cursos e oficinas oferecidas por docentes
internacionais e nacionais. E importantes instituições como a ABREM – Associação
Brasileira de Estudos Medievais, também têm contribuído para o desenvolvimento
desses estudos.
O filósofo Ramon Llull, ainda é pouco estudado no Brasil, ele possui cerca
de mais de duzentos e oitenta obras, muitas foram preservadas e têm sido traduzidas
para nossa língua, o que permite estudarmos e compreendermos melhor seus
pensamentos. As obras lulianas tem contribuído bastante para inúmeras temáticas,
dentre as quais a educação. Hoje, a produção do filósofo maiorquino, vem cada vez
mais, chamando a atenção dos estudiosos (COSTA, 2006, p. 6).
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Diante disso, acreditamos que nossa pesquisa se enquadra de forma coerente
com a linha de pesquisa Memória e Identidade e na proposta do Mestrado História,
Ensino e Narrativas, pois o ensino cristão é memória e esta se manifesta, seja no
calendário, na comemoração de Jesus ou através da pregação, tendo o cristianismo
como base da fé, através da memorização e da recordação. O papel da memória no
ensino medieval é sempre lembrar, recordar e formar uma identidade cristã coletiva.
A espiritualidade está presente desde o início da História, são os homens
sempre preocupados com seu destino final. A suposta existência de uma vida pós-morte
muda complemente a conduta aqui em baixo, e a concepção de Além ganhou suas novas
interpretações ao longo do tempo, cada sociedade adaptando conforme as suas crenças.
Não importa se hoje vivemos um cotidiano agitado, tecnológico, ou científico, as
pessoas continuam acreditando em Deus e na vida depois da morte. Os espíritos
continuam existindo para muitas pessoas, as preces, as orações não perderam seu valor.
2. PROBLEMATIZAÇÃO
O tempo sem dúvida é uma das nossas maiores problemáticas, pois ele
não para, mas passa sem ficar estático, e não deixa um filme completo dos seus
acontecimentos. Isso nos causa um desconforto por não conseguirmos acompanhá-lo.
Assim cabe aos homens e mulheres a tarefa singular de reconstruir, fazer ou refazer o
passado, já que eles são dotados de mistérios, e entram em cena com sua mente,
memória e intelecto, formando assim as memórias que acarretam uma “representação
seletiva do passado”.
A memória é a presença do passado, segundo Halbwachs a memória
individual é a mistura do vivido, ou seja, ela não é puramente individual, pois o
indivíduo não está sozinho. Na perspectiva do autor toda memória é coletiva “[...] cada
memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva” (HALBWACHS,
1994, p. 69). Assim podemos dizer que cada indivíduo tem as suas particularidades,
porém está inserido em um meio coletivo, em uma construção psíquica, mas jamais
puramente individual.
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A construção da identidade está diretamente ligada à memória, já que
tanto no plano individual quanto no coletivo ela permite que cada geração compartilhe
com as outras, vínculos que passam de geração em geração sendo vivida no cotidiano de
outro tempo, de outra sociedade. Os indivíduos, a sociedade, procuram preservar o
passado, dar continuidade a algo já experimentado, já vivido, ou seja, reconstruir
memórias.
Para Patrick Geary a palavra memória no vocabulário medieval possui um
leque de sentidos. Para o mesmo autor a memória estava no centro do cristianismo:
englobava toda comemoração de ritual, celebração dos mortos, relíquias sagradas. Na
Idade Média a memória histórica oficial foi construída pela Igreja. A ação litúrgica, por
exemplo, a oração pelos mortos, é uma forma de comemoração, é um fazer memória. O
processo educativo era trazer á memoria “verdades” esquecidas, a igreja era uma grande
educadora, dela partiram os modelos educativos e as praticas de formação para se tornar
um bom cristão.
Segundo Le Goff “a memória cristã se manifesta essencialmente na
comemoração de Jesus, anualmente na liturgia que o comemora do Advento ao
Pentecostes, através dos momentos essenciais do Natal” (LE GOFF, 1994, p. 446).
Para o mesmo autor, “as numerosas representações do Inferno, do Purgatório e do
Paraíso, que devem ser vistas na maioria das vezes como ‘lugares de memória’, cujas
divisórias lembram as virtudes e os vícios” (LE GOFF, 1994, p. 434).
Os homens medievais se apropriaram do passado, e isso fica claro no
aspecto religioso, para construir o presente daquela sociedade (OLIVEIRA, 2009, p.
686). Esta presença do passado no presente é perfeitamente identificável na obra de
Llull que apresentava a constante necessidade da preservação do passado bíblico, que
era revivido e incorporado no presente. (LE GOFF, 1994, p.222). “A memória do
passado esteve tão presente no passado medieval” (OLIVEIRA, 2009, p. 686). Era
possível “reviver” o passado contido na Bíblia.
Para Ricardo da Costa, a Idade Média é um tempo que colocou a memória
como uma das funções da alma, um tempo que realçou a memória como fundamento do
conhecimento, um tempo que dignificou a memória como a posse do bem, aos preceitos
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do cristianismo. A Idade Média legou ao ensino a necessidade de se saber de memória o
que se aprendia. “Nesse tempo, saber era saber de cor, com o coração” (COSTA, 2006,
p. 15).
Nossa pesquisa se desenvolve no campo da História do imaginário, ou seja,
decifrar a “realidade do passado por meio de suas representações, tentando chegar
àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si
próprios e o mundo” (PESAVENTO, 2014, p. 42).
Segundo Pesavento, entende-se por imaginário um sistema de ideias e
imagens de representação coletiva que os homens, em todas as épocas, constituem para
si, dando sentido ao mundo, formando uma identidade coletiva. Imaginário é, portanto,
um aspecto tão importante das sociedades humanas quanto aquilo que chamamos de
realidade concreta.
Imaginário incorpora elementos simbólicos diversos que produzem e são
produzidos pelas representações sociais. Desta forma, existe alguma relação entre
imaginário e símbolos. Assim, para chegar até as sensibilidades de um outro tempo, é
preciso que elas tenham deixado um rastro, que cheguem até presente como um registro
escrito ( PESAVENTO, 2014, p. 46).
Ao apresentar a construção da identidade cristã, por meio de Llull, é
importante destacarmos, como afirma Patrick Geary (2006) que “A memória era
memória do pecado e de Deus, a memória como distração e como consciência, a ponte
entre a perfeição intemporal do Criador e da natureza temporal e múltipla da criatura
humana imperfeita”, ou seja, a memória estava ligada as questões do Além. Para Santo
Agostinho, a memória guarda o que se aprende com o coração (COSTA, 2009, p. 45).
Praticamente todas as correntes de ensino na Idade Média destacavam a importância da
memória no processo de absorção do conhecimento para se chegar à Sabedoria, ao
conhecimento bíblico.
Diferentemente do mundo antigo, da crença em vários deuses, na Idade
Média se fortalecerá a concepção de um Deus uno, aquele que rege toda a existência. E
como centro irradiador de valores, a Igreja Católica, designará uma espécie de “um
manual de comportamentos”. Assim temos de um lado a Igreja, uma instituição
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soberana, e do outro a figura de Deus único. O que isso influencia na educação? Muitas
coisas.
Os cristãos tinham sua fé voltada incansavelmente para salvação da alma, e
queriam se livrar dos tormentos do Inferno, das penas, do medo das coisas que
poderiam contemplar depois da morte. Por isso eles viviam em um constante combate,
lutando contra os prazeres carnais. Estavam cientes, através dos ensinamentos clericais,
que a vida terrena era simplesmente uma passagem para a glória ou para o Inferno.
Acreditavam que os indivíduos que ainda tivessem pecados teriam uma chance de
redimi-los no Purgatório, por onde passariam por tormentos temporários antes de atingir
o Paraíso.
A decisão estava sobre cada indivíduo, ele seria o responsável por qual
conduta de vida escolher através do seu livre-arbítrio. Aqueles que se purificassem dia
após dia, santificassem o seu corpo, honrassem a Deus e a Santa Igreja Católica
alcançariam um lugar especial na eternidade segundo o pensamento cristão “O destino
da humanidade ressuscitada não depende apenas da vontade de Deus todo-poderoso,
pois este respeita as regras que fixou, fazendo a situação dos homens e mulheres no
Além depender de como se comportaram durante sua vida terrena” (LE GOFF, 2002. p.
21-34). A luta era constante, mas:
Sobre esse campo de batalha de vida ou morte que é o mundo o
homem tem por aliados Deus, a virgem, os santos, os anjos e a igreja e sobre tudo, a sua fé e suas virtudes; mas têm também inimigos: Satã,
os demônios, os heréticos e, sobretudo, seus vícios e a vulnerabilidade
advinda do Pecado Original. A presença do Além deve ser sempre consciente e viva para o cristão, pois arriscar a salvação a cada
instante de sua existência, e mesmo se ele não está consciente, esse
combate por sua alma é travado sem trégua aqui embaixo. (LE GOFF, 2002. p. 22).
O imaginário daquela sociedade se afligia, pela constante transmissão da
memória, esta que sempre lembrava que o Inferno era para pecadores e o Paraíso para
aqueles que tivessem conseguido formar uma identidade cristã. Existia o pavor
constante de não conseguir a tão desejada salvação, já que havia um lugar determinado
para cada um diante da sua conduta aqui na terra. Llull acreditava que os seres humanos
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poderiam atingir o Paraíso através de corretas normas de comportamento, isto é, através
da educação.
Os espaços do Além podem ser atestados nas escrituras “Nos três
evangelhos ditos ‘sinóticos’, a versão de Mateus (25, 31-46) diz que depois do Juízo
Final, no fim do mundo Cristo fará os bons (os ‘justos’) sentarem-se a sua direita e os
maus à esquerda [...]” (LE GOFF, 2002. p. 22).
Segundo Baschet (2006), “não se pode compreender o homem medieval,
sua vida em sociedade, suas crenças e seus atos sem se considerar o inverso do mundo
dos vivos: o domínio dos mortos, onde cada um deve, finalmente, receber uma
retribuição á sua altura” (BASCHET, 2006, p. 374), retribuição essa que seria a danação
eterna ou beatitude paradisíaca. Na Idade Média, o aqui embaixo é concebido
juntamente com Além, que confere o verdadeiro sentido e traça uma verdadeira
perspectiva. (BASCHET, 2006, p. 375).
Segundo Adriana Zierer, em Oralidade Ensino e Imagens na Visão de
Túndalo (2013), a autora afirma que, no pensamento cristão o fiel se debatia entre o
desejo do Paraíso e medo do Inferno, e as ações enquanto vida eram determinantes “a
posição oficial no Ocidente desde o século XII foi de que ações em vida determinavam
o local para onde iam os mortos, sendo alguns deles já eternamente em estado de
danação” (ZIERER, 2013, p. 105).
Essa relação com o invisível é um forte traço da sociedade cristã. Todas as
atitudes humanas se resumem as virtudes e vícios. Tudo girava em torno dos critérios
clericais, ou seja, “vícios e virtudes” liga-se ao fato de que a moral oferece um discurso
totalizante sobre o mundo, assim a Igreja intervém na sociedade com a “missão” de
libertar o homem do pecado, das vaidades. Como era característica do período
medieval, existia uma forte contrariedade entre vícios e virtudes (BASCHET, 2006, p.
376). Ao longo de sua obra, Ramon Llull tratou muitas vezes das virtudes cardeais
(prudência, justiça, temperança e fortaleza) e três virtudes teologais (caridade, fé e
esperança), que são criações especificamente cristãs, e adquiridas pelo hábito guardado
na memória.
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A grande preocupação da Igreja era sustentar um discurso de boa conduta
para sociedade. Por isso era tão importante á prática das virtudes, e em contrapartida o
distanciamento dos vícios. Por exemplo, a inveja que levava a uma desenfreada
competição entre as pessoas, a ira que induzia a violência e a agressividade, o orgulho
que era um tipo de pecado mais temido pelos clérigos, esses três pecados rompiam com
a harmonia cristã. Por isso a importância da memória, o lembrar era determinante, pois
ter em mente que o pecado era responsável pela sentença eterna, era trazer a memória a
condenação eterna,
Entende quão grande pena tem a alma do homem infernado, pois a memória
lembrará que em todos os tempos terá pena, o entendimento entenderá que perdeu a Glória que não tem fim, e a vontade odiará a memória que
lembrará a infinita pena, e o entendimento que entenderá a Glória que
perdeu. Por isso, cada uma dessas potências terá pena na outra e em si
mesma. (LLULL, 2010, p. 91, grifo nosso).
Nesse sentido, nosso propósito é compreender de que maneira as
praticas educativas formuladas por Ramon Llull, podem nos ajudar a compreender o
ensino e estabelecer a estreita relação entre passado/presente no que diz respeito às
formas de educar. De acordo com Llull os homens devem aprender a Amar a Deus,
usando sua mente racional, para atingirem a glória que não terá fim. Era buscando a
sabedoria e aproximação com o Criador que o homem poderia consolidar uma boa
educação voltada para salvação da alma: “A educação é acostumar o outro ao hábito
mais próprio à obra natural. Pois assim como a natureza segue seu corpo e não se desvia
de sua obra, as crianças, no princípio, se acostumam à boa educação ou má” (LLULL,
2012, p. 78).
Cabe apontar que Ramon Llull transmitia oralmente a mensagem cristã,
através de sermões com objetivo de serem memorizados, para que aqueles que tivessem
a oportunidade de ouvi-lo, lembrassem sempre da mensagem do cristianismo. “O ensino
cristão é memória, o culto cristão é comemoração (LE GOFF, 1994, p. 377). Nosso
intuito, portanto, é o expandir o conhecimento sobre a História da Educação Medieval,
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ressaltando limites, bem como a relação entre memória e identidade, compreendendo as
particularidades do ensino medieval.
3.OBJETIVOS
GERAL:
Analisar a obra Doutrina para Crianças como manual pedagógico de
preservação e divulgação da memoria cristã para salvação da Alma.
ESPECÍFICOS:
Identificar a utilização da memória como ferramenta para a construção do
projeto-pedagógico Luliano.
Apontar os ensinamentos de Llull para a educação com base nos preceitos
cristãos através da obra Doutrina para crianças .
Discutir a oralidade como uma estratégia na transmissão dos ensinamentos
religiosos, na obra Doutrina para crianças e vida coetânia, por Ramon Llull.
4. METODOLOGIA
Para alcançarmos os objetivos propostos, nossa pesquisa se debruçará nos
estudos atualizados sobre a nossa temática, ou seja, as diversas produções
historiográficas que abordam sobre os temas como: educação medieval, religiosidade,
identidade e memória.
Pesquisar sobre a educação, é trilhar por um campo do saber bastante
delicado, pois é necessário ter bastante cuidado para não cometermos anacronismos, já
que hoje vivemos em um tempo, onde a palavra “educação” tem sentidos tão complexos
e ao mesmo tempo confusos, com finalidades tão amplas. Em se tratando do medievo a
educação tinha uma finalidade bastante clara, educar para salvar. Assim tentaremos
mostrar que apesar das finalidades religiosas, a educação tinha um currículo educacional
que objetivava aperfeiçoar o homem.
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O modelo de “cristão perfeito” é tratado repetitivamente na obra Doutrina.
Para Llull o cristão perfeito era aquele que tinha uma boa educação, que para o mesmo
autor só poderia adquiri-la através do exercício da memória, do constante “hábito do
lembrar”, ou seja, era necessário que cada indivíduo guardasse e lembrasse sempre do
passado bíblico. Assim cada cristão deveria manter sempre um bom comportamento, e a
educação formaria o cristão perfeito.
O estudo sobre educação medieval será feito através das fontes primárias
“Vida coetânia” e “Doutrina para Crianças” de Ramon Llull. A obra Vida coetânia é
uma autobiografia de Ramon Llull, onde o mesmo relata que sua vida, antes dos trinta
anos, era “mundana” e totalmente longe dos padrões cristãos, assim essa obra serviria
como um exemplo para outras pessoas, ou seja, era muito comum no medievo, as
pessoas utilizarem sua conversão para alcançar outras pessoas ensinando como ter um
comportamento, ser um bom cristão para ser salvo. Nessa obra ele aponta como foi sua
conversão e desejo que teve posteriormente de construir escolas, mostrando sempre sua
preocupação com a educação cristã.
Na obra Doutrina para Crianças analisaremos de forma minuciosa os traços
primordiais da educação e religiosidade medieval, já que a educação medieval foi
construída através da memória cristã, e isso fica bastante claro quando o filósofo Llull
se propõe a construir um projeto- pedagógico que conduzissem o individuo a moral e a
fé cristã. Essa obra foi dedicada ao seu filho Domingos, onde o autor apresentava
métodos, filosofia, e principalmente os modelos educativos formulados por ele. Há
nessa obra, uma tentativa da preservação da memoria, do cristianismo, buscava-se então
fortalecer e construir uma identidade cristã. Dessa forma nos debruçaremos nas
memórias registradas de Ramon Llull, já que seu projeto pedagógico era destinado a
manter viva a memória de Cristo, a evangelizar e, portanto, formar um bom cristão.
Pretendemos fazer uma análise comparativa com outros educadores, e
dentre esses, Santo Agostinho, que foi um grande contribuidor para Educação Medieval,
considerado como principal teórico cristão, apresentou em suas obras as normas de
conduta e a pedagogia religiosa cristã. Tentaremos compreender a construção dos
aspectos educacionais propostos, Tanto por Santo Agostinho como por Ramon Llull.
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Para isso será necessário o contato com obras sobre filosofia Medieval,
utilizaremos a obra do autor Gilson “A Filosofia na Idade Média” e outras. Para nos
aprofundarmos sobre a temática, educação medieval utilizaremos as obras “História da
Educação Medieval” do autor Rui Afonso da Costa, onde o mesmo fez uma pesquisa
apresentando os legados da Educação da antiguidade, as mudanças e permanências na
educação medieval e suas finalidades, ele estabelece uma visão panorâmica sobre a
educação.
Algumas obras já traduzidas em português como Homens e Saber na Idade
Média e Cultura, Ensino e Sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII ambas de
Jacques Verger, Os Intelectuais na Idade Média de Jacques Le Goff e Cultura e
Educação na Idade Média de Luiz Jean Lauand. Dentre os pesquisadores nacionais
destacamos o professor Dr. Ricardo Costa (UFES) é um dos autores, aqui no Brasil,
com maior produção sobre Ramon Llull, além de traduzir as obras do filósofo para
nosso idioma. Utilizaremos para o desenvolvimento dessa pesquisa seus artigos, livros,
em específico sobre educação e o Além medieval. Outra pesquisadora que tem se
debruçado e feito trabalhos consolidados na área da educação medieval é a, professora
Drª. Terezinha Oliveira (UEM). Também visamos nos aprofundar nos estudos sobre
memória e Identidade pautados nas obras de autores que levantam tais discussões como
Jacques Le Goff, Pierre Nora, Michael Pollak e outros.
Outro elemento importante a ser analisado é a função da Oralidade utilizada
por Llull, pois o mesmo relata na sua obra Vida Coetânea que viajava para muitas
localidades para falar sobre seu projeto “da verdade cristã”. Como afirma Adriana
Zierer a oralidade é fundamental para regeneração e conversão de outros indivíduos
naquela sociedade eminentemente cristã (ZIERER, 2013, p. 124).
Por fim, será realizada a análise documental, buscando esclarecer as
representações da salvação Medieval nas obras de Ramon Llull, com ênfase na análise
de palavras-chave correlacionadas e de sentidos opostos, tais como Deus x Diabo,
Corpo x Alma, Paraíso x Inferno, Salvação x Danação, Fé x Razão. Como afirmam
Cardoso e Brignoli ao tratar sobre o método comparativo “Para Marc Bloc, é preciso
considerar, através de tal método, tanto as semelhanças quanto às diferenças entre os
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elementos comparados” (CARDOSO; BRIGNOLI, 1992, p. 411, grifos nossos), ou
seja, estabelecer as aproximações entre os sentidos opostos que compunham o
imaginário do homem medieval, apesar de serem semelhantes (em se tratando de
finalidades), distinguem-se.
REFERÊNCIAS
FONTES
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Pesquisas Medievais da UFES III [Felip e Dias de Souza, Revson Ost e Tatiana
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Graal: uma outra viagem pela Idade Média. São Luís: Ed. UEMA, 2013.
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SABERES DOCENTES E NOVAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS: USOS E
POSSIBILIDADES NO O ENSINO DE HISTÓRIA
Maria Aparecida Ferreira de Sousa
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo compreender as ideias e
concepções de professores de História do Ensino Médio da Rede Pública Estadual de
São Luís, Maranhão, sobre o uso das novas tecnologias no ensino História, buscando
analisar as práticas exercidas por esses agentes, a partir de suas representações sobre as
tecnologias educacionais considerando as potencialidades destas para o ensino de
História e a aprendizagem significativa dos alunos com base nas mudanças da sociedade
e, consequentemente, nas formas de aprender e ensinar.
O crescente processo de desenvolvimento social aliado à Globalização tem
suscitado profundas transformações à sociedade contemporânea, afetando variados
aspectos conjunturais e estruturais, entre estes, o setor educacional, trazendo consigo um
novo cenário formativo, com mudanças significativas para o processo ensino-
aprendizagem, em meio às tecnologias de informação e comunicação.
Tal revolução tecnológica afeta o conhecimento e a sociedade atual,
caracterizando-a pelo aumento exponencial do volume de informações circuladas,
apontando, para mudanças necessárias quanto a ação educativa, opondo-se ao
etnocentrismo relativo às disciplinas curriculares, abrindo espaço para acolher
conhecimentos múltiplos, interdisciplinares e veiculados por diferentes meios e
linguagens.
Nessa perspectiva, é importante destacar que a construção do currículo não
deve limitar-se a um enfoque puramente disciplinar, sobretudo quando se estuda o
passado havendo necessidade de se fazer referência às múltiplas experiências dos seres
humanos no tempo, que são, antes de tudo, permeadas por um conjunto de
conhecimentos e aspectos que não podem ser desconsiderados e nem reduzidos a um
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recorte disciplinar.
A escola é, por excelência, o local de construção, de socialização de saberes
e trocas de experiências e, por isso, deve estar à frente desse processo. Assim, de acordo
com Ferreira (1999, p. 87), “[...] não se pode admitir que justamente a escola, local onde
se deveria produzir conhecimento, fique à margem da maior fonte de informações
disponíveis e mais, não seja capaz de orientar sua utilização”. Urge, portanto, a emprego
de outras propostas educacionais, uma vez que os moldes atuais são incompatíveis à
metodologia tradicional de memorização, repetição e transcrição dos fatos, onde o
professor é considerado detentor do conhecimento.
A demanda crescente por conhecimento abre espaço para o surgimento de
novas metodologias de ensino – aprendizagem e para responder a tais demandas o
professor deve estar preparado para desenvolver com seus alunos estudos e pesquisas
mediado por outros meios, que não simplesmente os tradicionais e enciclopédicos. Essa
postura implica na mudança de comportamento dos envolvidos, principalmente quanto à
construção e aplicabilidade dos conhecimentos.
Nesse contexto, a instituição escolar, enquanto lócus privilegiado de
construção de saberes, deverá necessariamente desenvolver novas competências para o
ensino, incorporando às suas práticas o uso das tecnologias, tendo em vista que a
sociedade mudou, e junto com ela, as formas de aprender e ensinar, pois para esta nova
geração a tecnologia é algo extremamente natural a qual deve ser usado a favor desse
processo.
Sendo a História uma disciplina obrigatória pertencente ao núcleo comum
das matrizes curriculares das escolas brasileiras, conforme estabelece a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96, faz-se necessário apontar subsídios
que possam contribuir para o debate acerca do processo de ensino dessa disciplina
aliado à utilização de tecnologias, enquanto ferramentas pedagógicas que possibilitem a
construção de conhecimentos mais sólidos, dinâmicos e contextualizados aos alunos
(BRASIL, 1996).
Com base nesse aporte, o aluno poderá ser capaz de compreender que,
atualmente, o estudo da História, sobretudo como resultado das influências oriundas da
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Escola dos Annales, que permitiu a este campo de conhecimento uma significativa
ampliação dos objetos de estudo e das fontes de pesquisa, acerca da atividade humana
no âmbito do diacronismo, vai além da tradicional perspectiva positivista, pautada na
busca por uma verdade e na exploração minuciosa dos fatos políticos e diplomáticos do
passado. Esses traços, por muito tempo, remeteram a referida área do saber à simples
memorização de conceitos e termos científicos transmitidos pelo professor ou
encontrados em livros.
No âmbito das competências, científicas, técnicas, humanas, políticas e
pedagógicas desenvolvidas pelo professor, é essencial propiciar aos alunos condições
para a ampliação da capacidade de pensar crítica e logicamente, fornecendo-lhes meios
para a resolução de problemas inerentes aos conteúdos trabalhados nesse componente,
interligando-os ao seu cotidiano.
As tecnologias, de modo geral, permitem essa abertura, proporcionando
aprendizagem para além da estrutura física da sala de aula convencional, gerando, ao
mesmo tempo democratização de acesso às informações produzidas histórico e
socialmente.
Para o ensino de História, torna-se uma oportunidade particular, pois as
ferramentas tecnológicas ensejam ao indivíduo estabelecer relação entre o local e o
global, compartilhando informações que poderão ser debatidas e construídas
coletivamente, possibilitando a estes sujeitos interagirem com diversos e diferentes
lugares e pessoas.
Partindo dessa conjectura, observa-se que o uso de Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs) pode interferir de forma muito positiva no processo
de ensino e aprendizagem de História, vez que possibilita aos seus agentes (alunos e
professores) vivenciarem de forma mais efetivas as relações sociais que se estabelecem
na contemporaneidade e na qual estão inseridos. Outrossim, destaca-se, nesse contexto,
o trabalho com tecnologias no ensino médio, possibilitando, principalmente, o acesso a
diferentes formas de busca do conhecimento e pesquisa com base em documentos,
filmes, documentários, downloads de livros, visita a diversos espaços históricos,
museus, uso das redes sociais etc. No entanto, o uso de tais elementos está
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necessariamente ligado à capacidade criativa do professor e do aluno, desenvolvidas no
processo de intercâmbio entre estes segmentos, o contexto social e os meios utilizados.
Assim, o intento da pesquisa é fomentar discussões e trazer contribuições de
novos modelos didáticos-metodológicos para o ensino da disciplina História em meio às
transformações que a sociedade vem passando com o processo de Globalização e das
telecomunicações em que urge saber adquirir e transformar as informações difundidas
em conhecimentos necessários e válidos ao atual momento histórico.
O presente trabalho tem por objetivo apontar caminhos sobre o uso
pedagógico das tecnologias aplicadas à educação, e mais precisamente ao ensino de
História.
A relevância deste estudo, portanto, ocorre no sentido de mostrar o potencial
educativo e didático da TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) no ensino da
disciplina História, buscando, desenvolver uma consciência crítica e responsável sobre a
utilização das mesmas na compreensão da realidade. Essas tecnologias educacionais
podem colaborar para aperfeiçoar narrativas didáticas numa perspectiva crítico-
dialética, sempre em construção, colocando professores e alunos como sujeitos ativos de
compreensão e construção do conhecimento, tornando esse ensino bem mais
interessante, rico e criativo, contrapondo-se a História tradicional e factual.
As TIC’s trazem um mundo para o ambiente educativo, de forma interativa. Os alunos e os professores são agentes a interagir com estes
recursos, despertando o interesse e a vontade de aprender sempre,
funcionando como agente motivador. Não há limite(s) para o que pode ser feito na área educativa e na História. (FERREIRA, 1999, p.148).
O interesse pelo estudo sobre ouso das novas tecnologias no ensino de
História, inserido na linha de pesquisa Historiografia e Linguagens, surgiu a partir de
minha experiência profissional enquanto coordenadora pedagógica do Ensino Médio, da
rede pública estadual de educação do Maranhão e também por desenvolver atividade de
coordenação de ensino junto ao Núcleo de Tecnologias para Educação da Universidade
Estadual do Maranhão, onde foi e está sendo possível estimar as possibilidades
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oferecidas pelas ferramentas tecnológicas para o processo de ensino e aprendizagem,
especialmente no que refere ao ensino de História, pela dinamicidade inerente a essa
área de conhecimento, que pode ser abordada sob diferentes formas.
No tocante ao cotidiano da escola com relação a rotina vivenciada enquanto
coordenadora pedagógica, trabalhando diretamente com o processo de planejamento dos
professores foi possível lançar um olhar sobre as formas ainda um tanto “tradicionais”
das práticas exercidas pelos docentes, onde surgiu a inquietação, levando-me a refletir
sobre a possibilidade de introdução dos recursos tecnológicos e objetos de
aprendizagens, ao ensino de História na perspectiva de atualização da realidade escolar
aos tempos repleto de novas tecnologias via a criação de uma proposta pedagógica que
traga elementos teóricos e metodológicos para tal empreendimento no espaço escolar.
Outro dado que vale destacar, embora a priori em nível de observação, diz
respeito ao fato de que, mesmo que muitas escolas possuam laboratórios de informática,
estes em sua maioria são subutilizados havendo, ainda, muitas dificuldades para inserir
tais tecnologias no ensino básico, de modo a efetivamente contribuir com o processo de
aprendizagem dos educandos.
2 PROBLEMATIZAÇÃO
A ordem mundial vigente, no entanto, exige novas competências e
formações por parte dos que a integram, sendo papel da educação formar indivíduos a
partir da evolução do próprio conhecimento mediado pelo aparato tecnológico e
midiático ora existente.
Com base nessa realidade interessa lançar os seguintes questionamentos:
Como as novas tecnologias estão sendo incorporadas ao processo ensino-aprendizagem
nas aulas de História? Quais potencialidades essas ferramentas podem oferecer ao
ensino da História no Ensino Médio? O professor de História está preparado para
viabilizar a condução do processo ensino aprendizagem com uso de tecnologias? Que
preocupação os professores veem em aprender usar a tecnologia no Ensino de História?
A que Tecnologias os alunos têm acesso? É possível viabilizar uma proposta
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pedagógica para minimizar tais deficiências no ensino de História? O que dizer nesta
proposta pedagógica? O que indicar a fazer? Como dizer? Eis nossos desafios nesta
dissertação em formato de proposta pedagógica.
A pesquisa traz também como objetivo investigar as percepções (ideias,
discursos) dos professores de História, do ensino médio da Rede Pública Estadual do
Maranhão, sobre o uso de tecnologias nas aulas de História. Tais discursos nos ajudarão
(e já tem nos ajudado) a construir a proposta pedagógica a qual nos propomos.
Visando responder a esses questionamentos, faz-se necessário:
a) compreender o debate sobre o uso das novas tecnologias no Ensino de
História;
b) discutir concepções pedagógicas sobre novas tecnologias educacionais
no ensino de História;
c) compreender as percepções e as práticas dos professores de História
em relação ao uso das novas tecnologias;
d) analisar as diretrizes educacionais no âmbito Federal, Estadual relativo
ao uso de tecnologias na educação, especialmente no que diz respeito ao
ensino de História;
e) apontar caminhos sobre o uso pedagógico das novas tecnologias no
Ensino de História a partir da construção de uma proposta pedagógica.
3. METODOLOGIA
Quanto ao aspecto metodológico, trata-se de um estudo de natureza
qualitativa, que consiste na capacidade interpretativa e interativa dos dados obtidos, a
partir de experiências vivenciadas pelos atores sociais envolvidos no processo de
investigação, onde se optou pela utilização do método indutivo, caraterizado por
inferências gerais, com base em premissas particulares: “[...] de acordo com o raciocínio
indutivo, a generalização não deve ser buscada aprioristicamente, mas constatada a
partir da observação de casos concretos suficientemente confirmadores dessa realidade”
(GIL, 2008, p.10).
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Considerando-se a definição, quanto aos fundamentos teóricos
metodológicos, trata-se de uma pesquisa de campo, onde a coleta e análise de dados
aconteceu in loco, utilizando-se como instrumento de investigação entrevistas,
realizadas com os sujeitos que compunham o público-alvo da pesquisa.
3.1 Espaços da pesquisa
Entendendo que o estudo de campo consiste na observação e levantamento
dos dados no(s) locais onde acontecem o(s) fenômenos tais como ocorrem
espontaneamente, e que estes em tempo algum podem ser isolados em laboratórios,
dada a inserção em uma realidade dialética permeada por diversos fatores, sejam
econômicos sejam políticos sejam sociais, é que a referida pesquisa ocorreu em 08
(oito) escolas de Ensino Médio da rede Pública Estadual, localizadas na cidade de São
Luís – Maranhão.
A escolha dessas instituições deu-se de forma intencional, levando-se em
consideração seus portes, em termos de estruturas físicas, por se constituírem nas
maiores escolas que agregam esse nível de ensino, e por suas localizações, por
situarem–se nos bairros mais centrais da cidade. Assim foram pesquisadas as maiores
escolas que trabalham exclusivamente com esse nível de ensino, compreendendo os
turnos matutino e vespertino, conforme descritos na tabela 1 – a seguir.
Tabela 1 - Escolas pesquisadas - Centro de Ensino Médio de São Luís – MA
ESCOLA BAIRRO
CE Almirante Tamandaré Cohab
CE Cidade de São Luís Cohab
CE Gonçalves Dias Bairro de Fátima
CE Fernando Perdigão Centro
CE João Francisco Lisboa - CEJOL Centro
CE Liceu Maranhense Centro
CE Margarida Pires Leal Alemanha
CE Paulo VI Cidade Operária Fonte: Elaborado pela autora com base na pesquisa realizada
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3.2 Sujeitos da pesquisa
A base empírica da pesquisa foi constituída por 20 (vinte) professores
licenciados em História, que atuam no nível do Ensino Médio das escolas supracitadas,
entendidos aqui como sujeitos históricos determinados e também determinantes das
relações que se estabelecem e das práticas que se configuram por meio do uso
pedagógico das tecnologias no trato com essa disciplina. Neste trabalho são
identificados e convencionados pelo código P, seguido de numeração de 1 (um) a 20
(vinte) quando da necessidade de referir-se aos mesmos.
Dada a extensão do campo da pesquisa e as situações semelhantes
encontradas nos espaços pesquisados, o método indutivo configurou-se como o mais
apropriado, tendo em vista a impossibilidade de abarcar a totalidade dos sujeitos, em
função do tempo disponível para a investigação.
3.3 Procedimentos de coleta de dados
Com relação ao procedimento de coletas de dados, optou-se pela utilização
de roteiro de entrevista com vistas à consecução referente aos objetivos e finalidade da
pesquisa. Assim, as questões foram elaboradas com o objetivo de perceber as ideias dos
professores de História quanto ao uso das novas tecnologias no ensino dessa disciplina,
buscando-se mapear tais representações acerca do objeto proposto.
A aplicação desse instrumento baseou-se à luz dos referenciais teóricos, por
meio da pesquisa bibliográfica, por esta constituir-se numa importante e imprescindível
etapa do processo que perpassa todas as fases de investigação, balizando explanações
que facilitam a compreensão acerca do objeto abordado, uma vez que reúne
componentes teóricos que retroalimentam o processo investigativo.
Após as realizações das entrevistas, procedeu-se à transcrição das falas,
respeitando-se os discursos originais dos entrevistados, e considerando-se o potencial de
contribuição dos mesmos para a descrição, construção e compreensão do objeto
estudado.
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Com base nos dados coletas na pesquisa é apresentada a ideia de construção da
proposta pedagógica acerca da utilização de novas tecnologias educacionais no ensino
de História, considerando-se os saberes docentes e as representações que os professores
desta área de conhecimento detêm a esse respeito.
A noção de representação aqui perspectivada está alicerçada nos postulados
epistemológicos de Chartier (1991), ao esclarecer que representações sociais são
determinadas pelos grupos, ou seja:, são percepções do social, discursos que produzem
práticas e buscam legitimar ou justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas, onde as representações demandam práticas que resultam na construção de um
mundo social e de uma identidade. E de Paul Ricoeur (2007), este, ao tratar da dialética
da representação, entende-a como objeto privilegiado de explicação/compreensão, no
plano de formação dos vínculos sociais e das identidades que estão em jogo,
presumindo-se que as formas como os agentes sociais se entendem estão conectadas na
relação representação-objeto e a ação social, com implicação na representação e
operação dos agentes.
Roger Chartier (2002 apud RICOEUR, 2007) defende ainda as
representações com eco nas recepções, referindo-se às modalidades de operação com
relação os textos (historiográficos) e os novos modos de transmissão destas na era da
representação eletrônica, chamada por ele de revolução da técnica de reprodução e
revolução do suporte de texto, ligadas às prática de leitura, escrita, e apropriação dos
conhecimentos históricos.
A proposta sistematizada, será, direcionada à formação continuada dos
professores História do Ensino Médio, contemplando objetos de aprendizagem que
viabilizem um ensino de Histórico, rico, dinâmico, com base em abordagens históricas
que consolidem as relações entre os indivíduos e a sociedade presente. Compreendendo
que uma proposta pedagógica:
É um caminho, não é um lugar. Uma proposta pedagógica é construída no
caminho, no caminhar. Toda proposta pedagógica tem uma história que
precisa ser contada. Toda proposta contém uma aposta. Nasce de uma
realidade que pergunta e é também busca de uma resposta. Toda proposta é
situada, traz consigo o lugar de onde fala e a gama de valores que a constitui;
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traz também as dificuldades que enfrentam, os problemas que precisam ser
superados e a direção que a orienta (KRAMER, 1997, p.19).
A elaboração da proposta pedagógica como produto da dissertação será
sistematizada mediante os resultados constatados na investigação realizada com os
professores de História, onde foi possível observar a necessidade de serem propostas
orientações didático-metodológicas às práticas docentes nas aulas de História no Ensino
Médio, considerando-se a atualização e contextualização do ensino dessa disciplina
quanto à demanda e ao público atual.
A proposta visa contribuir para o enriquecimento da aprendizagem de
professores e alunos. Entendemos que, através da formação continuada de professores,
serão delineadas e desenvolvidas aprendizagens, que trarão contribuições
epistemológicas que incidirão sobre o processo de aprendizagens dos próprios alunos,
com vistas à formação cidadã, na medida em que lhes possibilitará a construção de um
conjunto de conhecimentos e de valores modernos, vivos e dinâmicos, permitindo tanto
ao educador quanto ao educando atuarem e participarem dos acontecimentos e
processos relativos ao seu tempo e espaço.
Entendemos que a Nova História traz em seu bojo possibilidades de
incorporação de novas temáticas inerentes ao cotidiano, acarretando concomitantemente
desafios para que o educador a o educando identifiquem suas próprias histórias, nas
quais o professor se projeta como um agente transformador. Sendo assim, mais do que
nunca o ensino da História deve estar aportado no presente, visto que, embora vivendo
em uma sociedade globalizada, existe a necessidade quanto à formação de identidades,
ou seja: da consciência histórica, em meio a esse processo.
Na Contemporaneidade, as relações sociais estão cada vez mais complexas e
mediadas pelas diferentes tecnologias (compreendendo seus produtos e equipamentos)
inseridas no cotidiano das pessoas, o que traz consigo mudanças no modo de ser, agir, e
de se relacionar com o conhecimento na sociedade, exigindo formação
institucionalizada, diferenciada para as gerações do século atual.
Nesse contexto, a legislação brasileira para a educação, Lei nº 9394/96, ao
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tratar do Ensino Médio, enquanto etapa final da Educação Básica destaca no artigo 35,
Inciso IV, dentre as finalidades desse nível de ensino a “compreensão dos fundamentos
científicos- tecnológicos, relacionando a teoria com a prática no ensino de cada
disciplina”, dentre estas no ensino de História.
Assim,
A educação formal no âmbito das diferentes disciplinas, tem a
responsabilidade de incluir condições favoráveis para o ensino
contextualizado, em que a inserção das tecnologias se torne parte de um
processo amplo, visando empoderar os estudantes para o domínio das
tecnologias de informação para sua atuação como cidadão (PAZIO; GOMES apud MULLER et al., 2015, p.24).
Compartilhando da mesma concepção, Moran (2015, p.8) enfatiza que
A tecnologia não é mero apoio, é um componente essencial da vida atual.
Pessoas não conectadas tem mais dificuldades em entender nosso mundo, em
ampliar as oportunidades de trabalho, de estudo, de participação em redes
importantes para a vida delas.
Nesse panorama, observa-se a necessidade dos segmentos, que compõem a
escola, em adequarem-se às exigências da sociedade presente, assumindo funções para
além da mera transmissão e aquisição passiva de conhecimentos. Onde os professores
possam ser mediadores no processo de busca dos conhecimentos, e os estudantes,
sujeitos ativos e proativos na construção do saber, haja vista que
[...] nos dias de hoje mesmo com todas as mudanças que vem ocorrendo ao
longo da história ainda se encontram muitas práticas pedagógicas, voltadas
ao reducionismo e a falta de reflexão do indivíduo. Dessa maneira encontra-
se na formação do professor um aporte para que ocorram mudanças na
maneira de se olhar e ensinar esses indivíduos (BEHRENS; RODRIGUES,
2014, p.52).
A História, enquanto Ciência e disciplina do currículo escolar, tem
importante função a cumprir na sociedade, e pela dinamicidade inerente a essa área de
conhecimento, em meio às gerações contemporâneas, requer a utilização de diversos
meios e linguagens para a consecução de seus objetivos educativos.
Um ponto crucial que se coloca nessa dinâmica diz respeito à preparação do
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professor, pois, de acordo com Drucker (2002 apud VASCONCELOS, 2008), os alunos
estão quase sempre prontos para a utilização das tecnologias, enquanto a maioria dos
professores não. Nessa perspectiva, o desafio iminente é justamente a integração desses
professores à cultura tecnológica para no processo de ensino e aprendizagem.
Nessa perspectiva, em se tratando do ensino médio, deve-se levar em
consideração, pela própria essência desse nível de ensino, exposta no inciso II, do artigo
35, LDB nº 9394/96, a preparação básica para o trabalho e para a cidadania, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores. Considera-se que a sociedade
do conhecimento exige profissionais generalistas. Porém, segundo Moran (2015), há
hoje um descompasso entre a vida social, o trabalho e o cotidiano das pessoas em
relação ao que a escola oferece aos seus alunos e professores.
Em relação ao sujeito generalista, Burke (2012), ao discorrer sobre a
enxurrada de conhecimentos advinda da sociedade presente, mencionando termos como
“explosão do conhecimento” e a consequente “sobrecarga” ou “excesso de informação”,
enquanto fenômenos relacionados principalmente à Internet, diz que estes elementos
podem trazer, no entanto, consequências negativas aos indivíduos, colocando-se como
um desafio às novas gerações o saber lidar com tais informações.
Nessa perspectiva, o grande dilema é tornar a Educação um processo mais
flexível para os segmentos que a compõem (professores e estudantes e demais
profissionais envolvidos) com vistas a adaptar-se aos novos tempos. Para Moran (2015),
um desses desafios é repensar profundamente a formação de professores num mundo
digital, ensejando-lhes compreender o seu espaço no âmbito de um novo modelo de
ensino.
Um outro desafio que se coloca, neste trabalho, em específico, diz respeito
ao entendimento dos conceitos e representações relativos ao uso das Tecnologias, para
além de uma consequência paradoxal, referente ao uso excludente das mesmas. Ou seja:
o que se busca é contribuir para uma proporção crescente de ajustamento de alunos e
professores em atingir os mais ousados objetivos da escola frente aos escopos do
contexto social maior.
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Nesse sentido concordo com Perrenoud (2000, p.128), ao afirmar que
Formar para as novas tecnólogas, é formar o julgamento, o senso crítico, o
pensamento hipotético e dedutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de
textos e imagens, a representação de redes, de procedimentos e estratégias de
comunicação.
Estes requisitos compõem, também, as competências necessárias ao uso das
novas ferramentas tecnológicas de informação e comunicação no contexto escolar dadas
suas múltiplas interfaces. De acordo com Drucker (apud VASCONCELOS, 2008, p.73),
esclarece que “A ênfase não pode ser em tecnologia, [...] A quantidade de computadores
nas escolas ou o sistema operacional a ser utilizado são temas secundários. O que conta
é o uso da tecnologia de modo imaginativo”.
Assim, deve-se compreender as transformações que vem atravessando a
sociedade contemporânea, com implicações no processo ensino e aprendizagem, a fim
de que o docentes possam instrumentalizar-se e instrumentalizar seus alunos ao novo
perfil exigido pelo contexto atual.
Encontra-se previsto na Meta 16, do Plano Nacional de Educação (PNE -
LEI nº 13.005/14), garantir a todo(as) os (as) profissionais da Educação Básica
formação continuada em sua área de formação, considerando-se as necessidades,
demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.
Nessa perspectiva, uma das questões fundamentais apresentadas pela
pesquisa realizada apontou que os professores têm noção e interesse quanto ao uso das
Tecnologias no ensino de História, no entanto lhes falta formação,
O que se percebe são situações desconfortáveis e as vezes até
constrangedoras que acontecem entre os professores por quererem usar os
recursos do laboratório, mas não se sentirem "competentes" no manejo de
softwares, de sites e de mídias. Sem tempo para fazer suas experiências
próprias, resignam-se e, muitas vezes, acabam rendidos aos métodos
conteudistas e explicadores de outras tecnologias educacionais. Cabe lembrar
que o caderno, o livro didático e o quadro-negro podem funcionar como
verdadeiros objetos de aprendizagens se explorados no limiar de suas
potencialidades. (BRASIL, 2013, p. 15)
Dessa forma, a proposta visa trazer contribuições significativas,
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apresentando, possibilidades de uso de ferramentas tecnológicas e orientações sobre
lidar com diferentes objetos de aprendizagem para consecução e elaboração de
atividades para serem realizadas com os alunos dentro e fora de sala de aula,
objetivando a integração de metodologias diferenciadas nas aulas de História.
Entendendo que a sala de aula não é o único lócus privilegiado de
aprendizagem, e que a Educação, hoje, segundo Moran (2015), precisa equilibrar o
contato físico com o virtual, as atividades lúdicas com as mais estruturadas, as
atividades mais exploratórias com as mais focadas.
Assim, para agregar o uso de Tecnologias na prática educativa do ensino de
História, faz-se necessária, sobretudo, a preparação do próprio professor. Então, este
passará a ser um mediador da aprendizagem, sem, contudo, e de forma alguma,
enfraquecer, o seu papel enquanto profissional da área. Visto que, nesse sentido, “O
papel do professor é o de ajudar na escolha e validação dos materiais mais interessantes,
roteirizar a sequência das ações previstas e mediar a interação com o grande grupo, com
pequenos grupos e com cada aluno” (MORAN, 2015, p. 10).
Com base no exposto, torna-se fundamental a formação continuada dos
docentes de disciplina História, que já estão em serviço na rede de ensino da Educação
básica, neste caso, em nível de ensino médio, a fim de percebam as diferentes
possibilidades de aplicação e uso das novas tecnologias no processo ensino–
aprendizagem nesse componente curricular.
Conforme afirma Nóvoa (1992, p.29), “[...] a formação deve ser encarada
como um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas, e
não como uma função que intervém à margem dos projetos profissionais e
organizacionais”.
A LDB nº 9394/96 dispõe em seu Artigo 62, Inciso 2º, que, para a formação
continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e
tecnologias de Educação a distância. Nesse mesmo artigo, Parágrafo único, estatui-se
que a formação dar-se-á em local de trabalho ou em instituições básica e superior.
Desta forma propõe-se que a formação continuada dos professores de
História dos Centros de Ensino Médio da rede Pública Estadual do Maranhão, relativa
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ao uso das novas tecnologias, seja mediada pelo Núcleo de Tecnologias da
Universidade Estadual do Maranhão, por entender que esta, além de compor o quadro
de instituições do Estado, no processo de formação de profissionais das diferentes áreas,
estre estas licenciados em História, enquanto instituição formadora em nível superior,
deve aproximar-se do ensino ministrado na Educação básica do seu Estado, visando,
nesse ínterim, ainda, desmistificar a dissociação entre os referidos níveis, Básico e
Superior.
Pierre Lévy (2009), ao tratar no capítulo X (dez) de sua obra Cibercultura,
sobre a nova relação com o saber, refere-se ao saber-fluxo, indicando que as novas
tecnologias da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do
problema da Educação e da formação, indicando que devemos construir novos modelos
do espaço dos conhecimentos. Nesse sentido, afirma que
No lugar de uma representação em escalas lineares e paralelas,
em pirâmides estruturadas em ‘níveis’, organizadas pela noção
de pré-requisitos e convergindo para saberes ‘superiores’, a
partir de agora devemos preferir a imagem de espaços de
conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo não
lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou
contextos, nos quais cada um ocupa uma posição singular e
evolutiva (LÉVY, 2009, p. 158).
Assim, defendemos que o referido processo de formação continuada
aconteça em formato de curta duração, fundamentado na modalidade do ensino a
distância, numa perspectiva coletiva e compartilhada, assentada em plataforma de
ensino-aprendizagem, que deverá comtemplar a sistematização do tutorial (passo a
passo) de uso de algumas ferramentas pedagógicas e um fórum, o qual se constituirá de
um espaço de discussão, interação e tira-dúvidas junto aos demais cursistas.
Nessa perspectiva concordo com Behrens (2002, p.64) ao afirmar este que
As práticas na formação do professor devem criar espaço para
contemplar uma dimensão coletiva, em que os professores possam
discutir, refletir e produzir os seus saberes e os seus valores. A proposição de formação continuada num processo participativo leva o
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professor a sair do seu isolamento em sala de aula, e esse desafio o
impulsiona a discutir com seus pares sobre sua ação docente.
Assim, ao pensar o processo de formação continuada de professores,
principalmente, por tratar-se de um segmento que está em pleno exercício, devem ser
levados em consideração diversos fatores que possibilitem a aceitação e participação
dos mesmos, no processo.
Considerando-se, ainda o rompimento de barreira e a delimitação espaço -
temporal, acredita-se que a referida proposta, se adequada à atividades exercida pelos
docentes, uma vez que estes não precisarão deixar de exercer nenhuma de suas
atividades nem deslocar-se para espaços físicos com vista a participar do Curso. Tal
proposta visa, ainda, tornar-se extensiva a um grande número de professores da Rede,
que de forma presencial seria inviável.
CONSIDERAÇÕES
A pesquisa aqui realizada permite observar que todos os professores
entrevistados possuem Licenciatura em História, sendo, no entanto, a maioria com mais
de vinte anos de exercício docente nessa área de conhecimento. Isto não deixa de ser um
dado relevante para a pesquisa, tendo em vista as mudanças ocorridas nesse intervalo de
tempo, entre a formação recebida por esses profissionais, a ausência de formação
continuada ofertada pela rede de ensino e a geração (público discente) atendida na
sociedade presente.
Nesse contexto, é possível inferir que tais aspectos estejam relacionados às
ideias e representações dos professores acerca do uso das novas tecnologias no ensino
de História e as práticas exercidas pelos docentes no espaço escolar, somadas às
situações estruturais vivenciadas por esses sujeitos.
A realidade encontrada nas escolas pesquisadas assemelha-se, no que diz
respeito ao ambiente, que em geral os professores o concebem como incompatível com
o uso tecnologias educacionais, dadas as dificuldades vivenciados por esses docentes.
Segundo eles, não se permite o uso de outras tecnologias além das tradicionais e usuais
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utilizadas no dia-a-dia, tais como quadro branco e pincel, livros didáticos e, em alguns
casos, a TV, o data-show, ou seja: demonstra-se, na maioria dos casos, não estarem
familiarizados com as inúmeras possibilidades que poderão ser oferecidas pelas TICs,
para além das paredes da sala de aula e da escola.
Por outro lado, dizem-se conhecedores das novas tecnologias, e atribuem
importância a estas, enquanto equipamentos, recursos que poderão auxiliar o processo
de ensino–aprendizagem da História no contexto atual, porém alegam, na maioria dos
casos, não utilizarem nem mesmo como recurso didático, pelos motivos por eles
destacados: tempo decorrido da formação inicial; falta de formação que os habilite a
manipularem as novas tecnologias; falta de interesse dos alunos nas diversas situações
de aprendizagem nas várias disciplinas, e entre estas a História; ausência de interesse
dos discentes em utilizarem a tecnologia para a aprendizagem, voltando-se mais
especificamente para o aspecto do entretenimento; e falta de condições estruturais
relativas ao espaço escolar.
Tais dilemas ampliam o olhar para as práticas docentes no ensino de
História revelando possibilidades de intervenções com base em proposta pedagógica
voltada para os professores de História, frente às inovações das tecnologias
educacionais nesse campo de trabalho, buscando novos caminhos que visem melhorias,
para o processo ensino e aprendizagem, relativos a essa disciplina, o que não deixa de se
constituir em um desafio permeado por obstáculos provenientes de sua própria trajetória
histórica.
Muitas vezes, esses obstáculos se estabelecem tanto em níveis materiais
quanto intelectuais, no que diz respeito à arquitetura do processo. No entanto, pela
própria dinamicidade inerente a esse componente curricular, e dada sua importância no
que diz respeito à formação do cidadão, faz-se necessário buscar mecanismos que
favoreçam a dinâmica inerente ao ensino da História.
Nessa perspectiva, este estudo tem possibilitado a compreensão de que a
função de ensinar exige, do professor de História, a realização de alguns processos
básicos e fundamentais, tais como uma seleção cultural definida entre os saberes
disponíveis socialmente e historicamente produzidos, percepção quanto aos recortes
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necessários a serem trabalhados com as atuais gerações, bem como os procedimentos e
recursos apropriados e favoráveis ao contexto.
Essas escolhas implicam, portanto, em opções culturais, técnicas, políticas e
éticas (conscientes ou inconscientes) que favorecerão tanto uma postura crítico-dialética
frente à ação de ensinar ou o contrário, a omissão ou negações de fatos históricos. Tal
seleção se realiza e se expressa nas práticas concretizadas pelos docentes, conforme
suas intenções educativas.
Assim, o ensino deve estar voltado para as transformações vivenciadas pela
sociedade contemporânea, ensejando aos segmentos envolvidos inserir-se no contexto
tecnológico, com vistas a atualizar seus saberes e práticas em sala de aula.
Do mesmo modo, torna-se fundamental que tais profissionais repensem suas
práticas, no sentido de perceber o potencial e as alternativas possibilitadas pela inclusão
da novas tecnologias no fazer pedagógico.
Visto que nas competências: científica, técnica, humana e política
desenvolvidas pelo professor, é essencial o uso pedagógico das tecnologias no seu
trabalho com os estudantes de modo que elas contribuam em relação a aspectos como o
que ensinar, por que ensinar e como ensinar a História, propiciando aos alunos
condições para formação ampla, atraente, construtiva e significativa, enquanto sujeitos
históricos inseridos no contexto contemporâneo.
Nesse contexto, entre os vários desafios, evidencia-se a necessidade de
revisão das metodologias no ensino de História, com vista a contemplar as novas
tecnologias sedimentadas nos processos educacionais, ainda na sociedade
contemporânea. É necessário perceber as transformações e interferências que as TICs
vêm apresentando às Instituições sociais, entre estas as educativas, as quais já se
constituem espaços colaborativos de construção do conhecimento, tendo como atores
principais os professores e os aluno, no processo ativo de construção do conhecimento.
Tal entendimento, referente ao ensino de História auxiliado pelo uso das
TICs, não se constitui apenas na questão de saber utilizar um determinado número de
recursos e programas, mas implica, sobretudo, numa alteração de mentalidade e de
postura perante o processo de ensino e aprendizagem, por parte dos que compõem a
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escola.
Entende-se que essas ferramentas podem e devem ser utilizadas, não
somente como suporte à realização de apresentações tanto pelos professores quanto
pelos estudantes, mas precisam convir para a produção da aprendizagem de forma
significativa. Pois, enquanto instrumento pedagógico, as TICs precisam ser incluídas na
ação docente do professor de História.
Em relação ao processo de formação para utilização das TICs, trazemos a
compreensão de que estes são conhecimentos que vão agregar valores aos saberes de
que eles já dispõem, construídos em sua trajetória profissional, a fim de que possam
ajustar o seu aprendizado e a sua experiência docente à realidade de sala de aula, frente
às necessidades de seus alunos e dos objetivos pedagógicos a serem atingidos.
Acreditamos, sobretudo, que a discussão da problemática investigada não se
esgota com a realização desta pesquisa, mas, inclusive, enseja espaços para a percepção
de novos olhares e problematizações que poderão surgir com base neste assunto. Está,
portanto, abertas para as considerações que se fizerem necessárias.
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O DESVIO DE FUNÇÃO DOCENTE DE PROFESSORES DE HISTÓRIA NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS
Leonor Viana de Oliveira Ribeiro1
O ensino de história na Educação de Jovens e Adultos ainda é alvo de
grandes desafios na educação brasileira. A docência no ensino de história nem sempre é
aquela caracterizada pela formação do historiador. Ainda é alarmante o número de
professores de História fora da formação específica lecionando a disciplina na Educação
Básica, na modalidade EJA nas escolas das diversas redes de ensino em São Luís.
Fenômeno este, caracterizado como desvio de função docente.
Este estudo apresenta um breve histórico sobre a modalidade EJA no
Brasil; traz considerações sobre a formação docente na educação de Jovens e Adultos;
discute o ensino de História nas turmas de EJA, e caracteriza o fenômeno desvio de
função docente nas redes de ensino à luz da legislação vigente, e ainda, identifica os
índices de formados e não formados em História. Fazendo as discussões através de
gráficos e tabelas que demonstram os dados do censo 2014 e ainda e apresenta os dados
das instituições formadoras para o ensino de História no Maranhão, de 1995 a 2014.
1.1 Educação de Jovens e Adultos no Brasil: breve histórico
A modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos - EJA surgiu há
pouco tempo, porém a prática existe desde os tempos da América portuguesa. A forma
empregada estava associada à educação não infantil, utilizada como meio de conversão
ao catolicismo pregado pelos jesuítas, até 1759. A prioridade educacional era dada às
crianças e jovens, a fim de formá-los para a vida, por meio de uma metodologia que
priorizasse o ensino voltado à religiosidade católica. Aos adultos cabia o trabalho, a
mão de obra dos grandes engenhos, ou mesmo atividades de manufatura daquela época.
Com a Independência, tal situação permaneceu inalterada. A Lei de 15 de
outubro de 1827, a primeira a versar sobre a educação no Brasil Império, e também a
primeira lei a tratar da educação pública no Brasil, visava atender as camadas mais
1 Mestranda no Mestrado Profissional em História Ensino e Narrativas – PPGHEN da Universidade
Estadual do Maranhão, orientanda do Prof. Dr. Marcelo Cheche Galves.
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pobres da população. Versava sobre o direito constitucional de educação primária
gratuita para todos os cidadãos. Em seu artigo 6º diz:
Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações
aritméticas, práticas de quebrados, decimais e proporções, as noções
mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e
apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos;
preferindo para as leituras a Constituição Império e a História do Brasil (BRASIL, 1827).
Observou-se que em nenhum de seus artigos tratou-se da educação para
adultos, pois a lei trata especificamente do ensino para os meninos, e cabia às
meninas, conforme rege o artigo 11 desta mesma lei, esperar que o lugar onde
morassem fosse populoso na compreensão do Conselho, na qual o texto: “haverão
escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas em que os presidentes em
Conselho julgarem necessário este estabelecimento”. A educação de adultos estava
bem distante de ser ofertada, de forma pública e gratuita.
Nesse tempo, os adultos não dispunham de escolas para estudar, a ausência
de uma lei que fosse capaz de incluir-lhes no processo de escolarização, o trabalho
que era sempre prioridade na vida adulta e a precariedade dos recursos como: boa
iluminação, pessoal especializado e material didático apropriado etc. que ainda hoje
perduram em todos os níveis e modalidades de ensino, contribuíram para que os
adultos ficassem fora do processo de escolarização empregado à época. Segundo a
UNESCO (2008, p.24), “Até fins do século XIX, as oportunidades de escolarização
eram muito restritas, acessíveis quase que somente às elites proprietárias e aos
homens livres das vilas e cidades, minoria da população”.
No Brasil República, somente na década de 1930 a Educação de Adultos
ganhou expressão, com a consolidação de um sistema público de educação a partir da
Constituição de 1934, que criou o primeiro Plano Nacional de Educação, e trouxe no
Art. 150, parágrafo único, alínea (A) que “ensino primário integral gratuito e
frequência obrigatória extensiva aos adultos” (POLETTI, 2012, p.139). Pela primeira
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vez surge na lei à oportunidade de estudos aos adultos como dever Estado. Tal
situação se explica pela ausência até o momento de um documento que legitimasse a
presença do adulto em sala de aula.
Conforme ressalta a UNESCO (2008, p.25), “Devido às escassas
oportunidades de acesso à escolarização na infância ou na vida adulta, em 1950 mais
da metade da população brasileira era analfabeta, o que as mantinha excluída da vida
política, pois o voto lhe era vedado.” Assim, o desafio a partir de então era incluir-
lhes no sistema educacional da época, pois muitos adultos permaneciam na condição
de analfabetos, por nunca terem frequentado uma escola, e muitos por não
reconhecerem seu potencial para os estudos.
Com o avanço da industrialização e o aumento das populações urbanas
uma parcela crescente da sociedade precisou se qualificar para operar equipamentos e
máquinas, com algum domínio das técnicas de produção. Desde então, a Educação de
Jovens e Adultos ganhou mais evidência. Para as indústrias, seu significado estava
relacionado à mão de obra qualificada, porém para os alunos da EJA, possibilidade de
ascensão social. Enquanto para a sociedade da época poderia significar um grande
progresso para o país; para os políticos traduzia-se em aumento do número de
eleitores, perspectiva atraente, em um país cada vez mais urbano.
Na década de 40, a criação de um Fundo Nacional destinado à Educação de
Jovens e Adultos traz alguns avanços para a modalidade EJA, registre-se ainda a
criação da UNESCO, em 1945, que ao ser instituído solicita aos países integrantes, dos
quais o Brasil é um deles, que atentem para a educação de adultos analfabetos.
Ressalta-se que nesse período o Brasil apresentava altos índices de analfabetismo, o
que deu origem à primeira campanha de alfabetização de adultos no Brasil,
objetivando diminuir um problema que era considerado uma “chaga” na sociedade
brasileira. Daí o termo “erradicar” o analfabetismo, como se o mesmo fosse uma
doença a ser extirpada da nação.
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Em 1947, o professor Lourenço Filho2lança a primeira Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, que tinha como objetivo a alfabetizar a
maior parte da população, e aprofundar conteúdos básicos do ensino regular.
Conforme nos afirma Vieira (2004,19-20 apud LOPES, 2005, p.4) “embora, apesar de,
no fundo, ter o objetivo de aumentar a base eleitoral (o analfabeto não tinha direito ao
voto) e elevar a produtividade da população, a CEAA contribuiu para a diminuição dos
índices de analfabetismo no Brasil”.
A campanha foi interrompida na década de 50, com o fim do período
populista, onde surgiram muitas indagações relacionadas às questões políticas,
ideológicas e diferentes opiniões. Anos mais tarde, viria à tona o paradigma
pedagógico, tendo como precursor o professor Paulo Freire. A alfabetização de adultos
preconizada neste período foi organizada e executada pelos movimentos populares,
como: Movimento de Educação de Base – MEB e Movimento de Cultura Popular –
MCP, tais movimentos utilizavam-se da construção dialética da metodologia de Paulo
Freire para alfabetizar adultos, com uma visão emancipatória dos sujeitos.
Na proposta pedagógica desenvolvida por Paulo Freire, o entendimento da
relação entre problema social e educacional teve como base a relação ensino
aprendizagem. Tal pensamento se expandiu em todos os programas de alfabetização de
adultos realizados na década de 60. As concepções e ideias não foram aceitas pelo
grupo político da época, e com o golpe militar, não houve continuidade da política
nacional de alfabetização de adultos, considerada um risco à ordem. Ainda assim, as
concepções freireanas continuavam a fazer parte da Educação de Jovens e Adultos,
mesmo que em proporções bem menores, para um Programa de abrangência nacional,
instituído pelo próprio Estado.
Em 1967, a Educação de Jovens e Adultos no Brasil enfrenta novos
desafios relacionados à implantação do Movimento Brasileiro de Alfabetização –
MOBRAL, dessa feita, encabeçado pelo próprio governo federal e não pelos
2Educador, psicólogo brasileiro nasceu em Porto Ferreira – SP, em 1937 organizou o Instituto Nacional
Estudos Pedagógicos – INEP, e dirigiu o Seminário Interamericano de Alfabetização de Adultos (1049)
recebeu o título de Maestro de Las Américas.
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movimentos sociais. Conforme Menezes (2012), o MOBRAL interessava-se pela
alfabetização funcional de jovens e adultos para tanto, a pessoa humana deveria
adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integração à sua
comunidade, objetivando permitir-lhe melhores condições de vida.
O MOBRAL atendia a população na faixa etária entre 15 e 30 anos,
posteriormente, concentrou suas forças nos chamados analfabetos funcionais,
instaurada a partir de então a “educação integrada”. Em 1985, em seu lugar o governo
instituiu a Fundação Educar, que visava à educação básica, e se propunha a promover
o apoio a programas educacionais por meio de apoio financeiro e técnico do próprio
Ministério da Educação e Cultura – MEC, de organizações não governamentais e
empresas (Parecer CNE/CEB nº11/2000, p.51) tal programa lançou bases para uma
nova proposta de alfabetização de adultos, e teve seu término em 1990.
Nos anos 90 inicia-se o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania –
PNAC no governo Fernando Collor para minimizar os altos índices de analfabetismo
encontrados a época. A partir de 1997 institui-se o Programa Alfabetização Solidária –
PAS no governo Fernando Henrique Cardoso, e por fim, o Programa Brasil
Alfabetizado que surge no governo Lula e se mantém até os dias atuais. Salienta-se,
que tais programas se efetivam através de parcerias entre governo, instituições
públicas, privadas e organizações da sociedade civil.
Em 1996, entra em vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 9.394/96, que no artigo 37, trata da criação de propostas alternativas para o
atendimento da Educação de Jovens e Adultos como modalidade de ensino. Apesar de
todas as mudanças preconizadas na nova LDB, a Educação de Jovens e Adultos inicia
no séc. XXI com alto déficit de atendimento à população jovem e adulta, e um
atendimento precário dos sistemas de ensino aos sujeitos da EJA. Segundo Arroyo
(2005, p.223) afirma que:
[...] a educação popular, a EJA e os princípios e as concepções que as
inspiraram na década de sessenta continuam tão atuais em tempos de exclusão, miséria, desemprego, luta pela terra, pelo teto, pelo trabalho,
pela vida. Tão atuais que não perderam sua radicalidade, porque a
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realidade vivida pelos jovens e adultos populares continua
radicalmente excludente.
Com a criação dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no
final da década de 90, especificamente por volta de 1996 no Rio de Janeiro, quando
houve a convocação para organização das plenárias locais de preparação para a V
Conferência Internacional da Educação de Adultos - CONFINTEA que aconteceu em
Hamburgo na Alemanha em julho de 1997. Após estas plenárias, surgiram os fóruns de
EJA e a partir de então, em 1999 deu-se o primeiro Encontro Nacional de Educação de
Jovens e Adultos – ENEJA, e em 2005 surge a Comissão Nacional de Alfabetização e
Educação de Jovens e Adultos – CNA-EJA.
Através dessas articulações, vários avanços foram conquistados para esta
modalidade de ensino: melhor articulação das políticas públicas educacionais
incluindo as especificidades da EJA; articulações propositivas com encaminhamentos
para as agendas de políticas educacionais nacionais; inclusão da modalidade EJA na
política de financiamento da educação básica; formação continuada específica aos
professores de EJA; inclusão do livro didático para EJA no Programa Nacional do
Livro Didático - PNLD; e a busca por políticas intersetoriais que atendam as
especificidades do público EJA3.
Neste sentido, é importante salientar o papel dos fóruns de EJA em todo
território nacional. Para Silva (2005, p.1) afirma que:
[...] os Fóruns de EJA configuram-se como sendo um espaço de discussão, reivindicação, de formação intelectual para os
educadores, de intercâmbio de experiências, bem como de uma
nova organização da EJA, tomando corpo a partir dos meados da
década de 90, no país, caracterizados como um Novo Movimento Social (NMS) e contribuindo para a formação de educadores de
EJA.
3Os debates para o fórum EJA no Maranhão tiveram início em 2003, no Congresso Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos, promovido pelo Sistema “S”, no prédio da Federação das Indústrias do
Estado do Maranhão – FIEMA. Após o evento, as discussões arrefeceram e só foram retomadas em
2005, quando organizei o convite aos segmentos representativos para que fosse reativado e pudéssemos
participar das plenárias nacionais. Assim, em 2005 o Maranhão participou do Encontro Nacional de EJA
– ENEJA em Brasília - DF. Fui a primeira coordenadora do Fórum EJA no Maranhão.
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A criação dos fóruns de EJA no Brasil deu visibilidade aos alunos desta
modalidade de ensino em quase todo território nacional. Com as novas reformulações
da LDB nº 9.394/96, a modalidade de ensino passou a ter lugar de importância no
planejamento e nas políticas educacionais do Brasil, integrando a Educação Básica. A
partir da criação do FUNDEB em 2007, a modalidade EJA obteve recursos para a
expansão de sua matrícula em todo território nacional, e os alunos com idade superior
a quinze anos começaram a fazer parte da demanda a ser atendida pela EJA.
Com a aprovação do atual Plano Nacional da Educação - PNE, instituído
pela Lei nº 13.005/14, a Educação de Jovens e Adultos aparece no cenário educacional
com grandes desafios a superar. Segundo Brandão, a primeira estratégia do PNE para a
EJA é: “Assegurar a oferta gratuita da Educação de Jovens e Adultos a todos os que
não tiveram acesso na idade própria” (BRANDÃO, 2014, p. 49). Observa-se, que o
PNE repete o texto da LDB nº 9.394/96, tentando assegurar que os sujeitos da
modalidade tenham garantia de matrícula e permanência nos sistemas de ensino.
A procura pela oferta de EJA vem caindo nos últimos anos, não porque o
Brasil atendeu toda sua demanda de baixa escolarização, mas porque a qualidade da
educação ofertada e os moldes como é ofertada não interessa ao público jovem e
adulto. Outro fenômeno está relacionado à oferta de EJA que é vincular sua matrícula
junto a programas sociais como o PROJOVEM4, que doa bolsas de participação para o
público jovem. Ao término dos programas as turmas ficam esvaziadas e a oferta
seguinte nem sempre tem o aporte financeiro para continuidade dos estudos.
O Brasil ainda conta com grandes bolsões de distorção idade/série
produzidos em nossa sociedade pelos próprios sistemas escolares, parte dos alunos que
cursam o fundamental ou médio e fracassam são levados a matricularem-se nas turmas
de EJA. Neste sentido, a demanda da EJA cresce, merecendo das políticas
4Programa do governo federal na modalidade urbano e campo, e tem como objetivo elevar a escolaridade
de jovens com idade entre 18 e 29 anos, que saibam ler e escrever e não tenham concluído o ensino
fundamental, visando à conclusão desta etapa por meio da modalidade de Educação de Jovens e Adultos
integrada à qualificação profissional e o desenvolvimento de ações comunitárias com exercício da
cidadania, na forma de curso, conforme previsto no art. 81 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
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educacionais um olhar interessado para mudar tal realidade. Se a demanda cresce, e a
matrícula diminui, algum fenômeno acontece que deve ser interrogado. Como anda o
ensino nas turmas de EJA? Que qualidade de educação lhes é ofertada? Em que
condições trabalham seus professores?
1.2 Considerações sobre a formação docente para o ensino de História na
Educação de Jovens e Adultos
A formação de professores enfrenta, atualmente, velhos e novos desafios.
Certo descrédito no ensino, altos índices de repetência na Educação Básica, baixa
qualidade dos cursos de formação de professores e desvalorização do professor pela
sociedade compõem um cenário desolador. Para Cerri (2013, p.180), “o contexto atual
da formação dos professores de História continua marcado pelas dificuldades, falta de
verbas e problemas sérios nas condições de trabalho dos professores formados”.
Questões perceptíveis ao longo das pesquisas sobre a qualidade da educação
no ensino e na formação dos professores. Vivemos em um mundo em constantes
mudanças, sem dúvidas a formação do professor deve acompanhar tais avanços,
preparando-os para a realidade escolar que encontrarão pela frente. Não inicia neste
século, a busca pela qualidade no ensino, especialmente nos discursos daqueles que
criam as leis e elaboram as políticas educacionais.
Segundo os estudos de Schmidt e Garcia (2006, p.15) dizem que:
[...] as investigações sobre a relação ensino/aprendizagem na década
de setenta, em sua maioria também não conseguiram responder às questões relacionadas com as mudanças e melhorias da qualidade no
ensino, frente aos desafios postos pelas transformações da sociedade
tecnológica, os quais exigiam formação de recursos humanos mais
qualificados e com mais conhecimentos.
O desafio da melhoria da qualidade do ensino permanece nos dias atuais. A
formação dos professores ainda tem lacunas que precisam de respostas por parte das
instituições formadoras. Uma questão importante a ser observada é o enfoque na
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formação dos educadores. Os currículos de formação do professor de História são
centrados no debate historiográfico/metodológico, sempre bem-vindo, mas pouco
dedicados à docência e suas especificidades na educação básica, lembrando que a sala
de aula é o locus da prática docente.
Cerri (2013, p.186) aponta para “uma longa tradição no Brasil no que se
refere à formação de professores, que remete à dicotomização entre formação teórico-
metodológica/metodológica/historiográfica e a formação para a docência”. As duas
nascem juntas e são inseparáveis na constituição do sujeito, pois o alicerce da prática é
a teoria, e ao praticar estabelecem-se novas teorias, novos porquês e novas respostas
que darão sentido a novos enfoques, e outras pesquisas sobre a educação em relação ao
conhecimento historiográfico.
Há a discussão de que o professor deve ser por natureza um pesquisador,
algo inerente ao seu ofício, e que o exercício da docência exige uma postura
investigativa. Tal concepção é relevante, no entanto, não se deve reduzir ao pesquisar
apenas. Nos estudos de Tardif (2012, p.293) “[...] a importância de melhorar a prática
profissional graças à pesquisa não pode ser reduzida somente à dimensão técnica; ela
engloba também os objetivos mais amplos de compreensão, de mudança e até de
emancipação.”.
A dimensão emancipatória é importante na formação dos sujeitos, mas não
deve ser considerada a única. Existem questões conceituais, epistemológicas que
fazem parte da pesquisa como um todo nos projetos de formação de professores.
Nesse sentido, não se pode trabalhar com o ensino sem a observação, a
análise, ou sem repensar a própria prática vinculando-a a novos saberes sobre o ato de
ensinar e aprender. Para Silva e Fonseca (2010, p.14), “ensinar História não é apenas
repetir, reproduzir conhecimentos eruditos produzidos noutros espaços, existe também
uma produção escolar.” É nela que se dão as observações e reflexões realizadas nos
espaços de sala de aula como fruto de práticas educativas que suscitam conhecimento
para o aluno, e o colocam na posição de aprendizes ativos. Sujeitos que repensam sua
própria história e dão a ela novos significados.
Ainda considerando os escritos de Tardif (2012, p.223) diz que:
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[...] o saber é um constructo social produzido pela racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações, racionalizações e
motivações que constituem a fonte de seus julgamentos, escolhas e
decisões. Nessa perspectiva acreditamos que as ‘competências
profissionais’, estão diretamente ligadas às suas capacidades de racionalizar sua própria prática, de criticá-la, de revisá-la, de
objetiva-la, buscando fundamentá-la em razões de agir.
O professor repensa sua prática para refazê-la e melhorá-la, quando
necessário. Nessas questões que residem sua competência técnica/pedagógica e
epistemológica para o ensino. A formação do docente se faz no processo de construção
e desconstrução de saberes, relacionando práticas cotidianas com novos saberes
adquiridos. Nada está pronto no universo de aquisição do conhecimento, estamos
sempre em processo de aprendizagem, não apenas os possíveis alunos, mas o homem
em sua natureza aprendiz.
[...] atemorizados por uma barbárie cada vez mais presente em
nossos cotidianos, repensar a história e seu ensino pode nos ajudar a
refazer a nossa humanidade esgarçada, tornando o passado não o
lugar seguro para as respostas que nos angustiam, mas a fonte [...] para nossa ação no mundo (GUIMARÃES, 2009, p. 50 apud
OLIVEIRA, 2013, p. 131).
Os conhecimentos adquiridos na disciplina História só farão sentido, se
forem repensados à luz da realidade vivida. Sem este sentido inerente à condição
humana, tornar-se-á a repetição da teoria. “A linguagem historiográfica exerce um
papel, se não fundamental, importante no espaço de aprendizagem da história
ensinada, agindo de forma estruturante no argumento construído pelo professor”
(MONTEIRO, 2011, p. 114). Por conseguinte, sabe-se que a formação do professor
definirá os rumos do ensino no espaço da sala de aula; é a sua formação que em certa
medida definirá sua consciência na formação de novos sujeitos na sociedade de sua
época.
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A formação dos professores de História deve possibilitar um olhar para
além das fontes do saber histórico. Segundo André (2006, p.123 apud AZEVEDO,
2012, p.112).
Ao utilizar ferramentas que lhe possibilite uma leitura crítica da prática docente e a identificação de caminhos para a superação de suas
dificuldades o professor se sentirá menos dependente do poder sócio-
político e econômico e mais livre para tomar decisões próprias.
O contato com a realidade da sala de aula no momento da formação o
levará a refletir sobre sua prática como professor. Não apenas o exercício de cumprir a
carga horária prescrita no estágio, mas o prazer de observar sem intervir sobre o que
acontece no ensino de história. A visão crítica sobre a realidade lhe possibilitará uma
postura diferente frente ao conhecimento seu e de seus alunos. É verdade que há
muitos desafios quanto à formação de docentes no Brasil, mas acredita-se que uma
nova configuração de formação dos professores da Educação Básica no ensino de
História é possível.
1.3 Ensino de História: possibilidades nas turmas de EJA
Neste momento histórico, o ensino de história no Brasil passa por
reformulações do ponto de vista estrutural e na forma como ele acontece em sala de
aula. Nos dias atuais, o olhar dos pesquisadores está mais voltado para as práticas
pedagógicas dos professores, observando como o aluno aprende história, e de que forma
esses conteúdos são abordados para os alunos; analisam-se como os conhecimentos
“aparecem” na sociedade, de que forma são cristalizados a partir da disciplina História,
e seus desdobramentos nos diversos níveis e modalidades da Educação Básica.
Para Rusen (2007, p.32), “Vale lembrar que os processos de aprendizado
histórico não ocorrem apenas no ensino de História, mas nos mais diversos e complexos
contextos da vida concreta dos aprendizes, nos quais a consciência histórica
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desempenha um papel”. Dessa maneira, o que se aprende nas turmas de EJA sobre
História deve, necessariamente, fazer conexão com a atual história dos sujeitos, pois, os
conhecimentos não estão isolados em determinada época, eles ultrapassam os tempos
históricos dos acontecimentos.
Ainda segundo Rusen (2007, p.32), “[...] um dos problemas do ensino de
história é que o saber histórico pode vir a ser percebido pelos estudantes como ‘um
ramo morto da área do conhecimento”. Penso que reside nessa questão à relevância de
se estudar História: os alunos devem estudar história não apenas para decorar conteúdos
e dar respostas nas avaliações ao final da disciplina, e sim para elaborar e reconstruir
novos conhecimentos que façam sentido, quando articulados ao saber histórico
construído através dos tempos. A História não é um conhecimento linear, isolado no
tempo. Ela é, sobretudo, uma disciplina viva e dinâmica, enquanto se estuda História, se
faz História.
As turmas da Educação de Jovens e Adultos têm um currículo aligeirado,
caracterizado, via de regra, pela carga horária noturna e as especificidades da baixa
escolarização dos alunos da EJA, que têm trajetórias desiguais em relação aos outros
níveis de ensino. Embora sua formação necessite da mesma base de conteúdo ofertada
em todo o sistema de ensino, seja ele, estadual, municipal ou privado, o que se vê na
prática são temas, textos, histórias e significados desconectados, como se esse público
não fosse capaz de saber como os alunos de outros níveis e modalidades de ensino.
Segundo Monteiro (2003, p.18):
Os valores são transmitidos não apenas através dos métodos de ensino (que podem induzir a passividade ou a posturas ativas e
críticas), mas, também por intermédio dos conteúdos selecionados
para o ensino. Eles (os valores) estão presentes em forma de
‘filigrana’ nos conteúdos escolares e revelam as escolhas éticas de uma sociedade.
Não basta ao professor ter um bom método de ensino. Os conteúdos devem
ser articulados conforme os interesses da formação dos sujeitos. O que pensam os
professores sobre os alunos da EJA? O que devem conhecer em relação ao que está
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posto no Projeto Político Pedagógico - PPP da escola? De que maneira os alunos
articulam o conhecimento dado em sala de aula?
Cabe ao docente analisar, conforme Abud (2011, p.164), “tanto o lugar
específico no currículo como o código disciplinar se definiram pelos interesses da
burguesia.” A história oficial organizada no currículo escolar precisa fazer parte do
cotidiano do aluno, pois, os assuntos ou temáticas que não fazem parte de sua vida e
nada tem a ver com sua própria história, não formam sua identidade histórica. Os
alunos precisam encontrar sentido naquilo que aprendem no que conceituam ou
diferenciam. E este sentido se dá na prática pedagógica do professor.
Para Guimarães (2009, p.49 apud OLIVEIRA, 2013, p. 141):
[...] a história não deve e não pode confundir-se com o simples
aprendizado de conteúdos, mas deve perseguir a possibilidade de
adquirir competências específicas capazes de fundamentar uma
reelaboração incessante da experiência temporal com relação às experiências passadas.
Ao ensinar História o docente deverá considerar os sujeitos aprendizes, e
sua condição para inserção no mundo, partindo do pressuposto de que os homens não
vivem sem história. Eles se reconhecem em sua historicidade. Como salienta
Magalhães, “nesta sociedade, cabe à história, junto com o seu ensino, ‘livrar as novas
gerações’ da amnésia social que compromete a constituição de suas identidades
individuais e coletivas.” (MAGALHÃES, 2006, p. 62). Assim, é na formação que os
sujeitos desenvolvem a construção de suas identidades, orientando a maneira como se
veem no mundo, e como são construídos por ele.
Entre os professores que atuam na modalidade EJA existe uma fala usual
de que o aluno não gosta de estudar. Percebe-se que tais discursos inviabilizam a
melhoria da qualidade do ensino na EJA. Pois, essa postura docente normalmente
ignora o saber existente na experiência do aluno jovem e adulto e estabelece uma
prática de conteúdos fragmentados e desvinculados de sua realidade histórica e social,
como se no saber escolar nenhuma relação houvesse com a realidade vivida. Para que
haja aprendizagem efetiva, o professor buscará em sua sala de aula possibilidades de
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participação e inserção de seus alunos, para que o conhecimento dogmatizado seja
desnaturalizado.
Na visão de Monteiro (2011, p.114):
Pensar o espaço de sala de aula como “lócus” argumentativo é um
desafio pedagógico para o professor na produção de sentido histórico
e na desnaturalização da realidade conforme o senso comum. A função epistemológica essencial da História ensinada desafia o
professor a buscar meios e estratégias para que o aluno olhe com
estranheza para o que comumente é naturalizado e, em muitas das vezes, dogmatizado.
É importante que o aluno seja capaz de pensar sua própria história, criar
seus próprios argumentos a partir do novo conhecimento articulado em sala de aula. O
aprendiz não deve ser ignorado no processo de aquisição do saber, este deverá
pesquisar conhecer, e assim chegar ao conhecimento histórico. A autonomia do aluno
jovem e adulto o aproximará das discussões de sua própria realidade.
O livro didático poderá ser um aliado do docente, não como fonte única do
saber, mas como possibilidade de aproximação dos conteúdos. Servirá de base para o
aluno fazer suas pesquisas e contrapor ideias trabalhadas na sala de aula, buscando
novas interpretações de forma crítica. As tecnologias trazem novos formatos de
conteúdos, que são a cada dia apropriados, incorporados e resinificados pelos alunos
nos mais diversos espaços e situações de aprendizagem.
Conforme estudos de Silva e Fonseca (2010, p.29):
[...] o livro didático é uma fonte útil para a cultura escolar desde que não mais seja considerado o lugar de toda história. Submetido à
leitura crítica, com ajuda interpretativa do professor e colocado em
diálogo com outras fontes de estudo – acervos, museus e arquivos, livros não didáticos, produção literária e artística, por exemplo -, ele
pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem da
história.
É neste sentido que o professor instrumentalizará o ensino com auxílio do
livro didático, sem considerá-lo a fonte única do que deseja ensinar, dando-lhe a
possibilidade de contrapor ideias e pontos de vista diferentes sobre uma mesma
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temática, fazendo-o entender que “confrontar diferentes fontes significa colocar em
diálogo uma multiplicidade de vozes e olhares, fazendo emergir sujeitos diversos e
buscando identificar em suas relações, tensões, conflitos, articulações e
temporalidades” (TOLEDO, 2011, p. 61), tornando assim, relevante o aprendizado do
conteúdo historiográfico.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs:
[...] um dos objetivos de ensino de História é, portanto, evidenciar
para o aluno que a construção do conhecimento histórico se nutre
da aproximação entre a História e as demais ciências humanas. Para atender a esses objetivos os professores podem criar situações em
que determinados temas sejam desenvolvidos por meio de trabalhos
interdisciplinares, constituindo um objeto de estudo comum com uma ou mais áreas e explorando a interação delas (BRASIL, 1998,
p. 114).
As diversas áreas do conhecimento articuladas produzem uma melhor
compreensão do que está sendo estudado. É de suma importância levar o aluno a
conhecer e refletir sobre as diversas formas como a nossa sociedade foi ou está
organizada; conhecer os variados grupos que a compõem, e em quais situações existem
e foram criados ou instituídos. “Mostrar ao aluno a necessidade de travar
conhecimento e refletir sobre os diversos modos de viver de diferentes grupos (étnicos,
sociais e populacionais), aliada ao desenvolvimento de uma postura de respeito às
diversidades” (BRASIL, 1998, p.115). Tais situações de aprendizagem posicionarão o
aluno frente ao conhecimento da realidade social de sua época.
Analisando o ensino de História, Silva Júnior (2011, p.290) faz o seguinte
relato: “a análise dos PCNs evidencia uma preocupação do estado com a inclusão da
diversidade cultural no currículo de história, com a formação para a cidadania e com a
intenção de integrar o ensino de história ao cotidiano do aluno.” Surge então, a
necessidade de observar como esta diversidade está sendo tratada na sociedade, e no
espaço escolar. Como ela é desmistificada, discutida ou mesmo induzida a cristalizar-
se. Conhecer como esta temática aparece nos livros didáticos ou mesmo na
argumentação dos professores.
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Segundo Fernandes (2005, p.386):
[...] precisamos, pois, propiciar por meio do ensino em todos os níveis, o conhecimento de nossa diversidade cultural e pluralidade
étnica, bem como a necessária informação sobre os bens culturais
de nosso rico e multifacetado patrimônio histórico. Só assim
estaremos contribuindo para a construção de uma escola plural e cidadã e formando cidadãos brasileiros cônscios de seu papel como
sujeitos históricos e como agentes de transformação social.
O ensino de história na Educação de Jovens e Adultos propiciará o
reconhecimento dos sujeitos jovens e adultos, com saberes próprios de sua experiência,
objetivando que a sala de aula busque novas intervenções didáticas, que respeite sua
condição de aprendizes e a disciplina faça sentido para o aluno. Só assim, cada um dos
conteúdos discutidos será um aprendizado para a vida, não se caracterizando apenas
como respostas à avaliação das disciplinas, sem maiores implicações para a vida.
1.4 Desvio de função docente na Educação de Jovens e Adultos em São Luís
Conforme definição legal, o desvio de função caracteriza-se pelo ato de
exercer função distinta da qual foi nomeado. Nesse sentido, encontra-se na Súmula 685,
do Supremo Tribunal Federal: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que
propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado
ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”
(STF, Súmula nº 685).
A partir desse entendimento, observou-se que docentes da disciplina
História das redes estadual, municipal e privada de São Luís, conforme demonstrado
nos dados apresentados a seguir, exerce funções em áreas para as quais não foram
nomeados ou sequer têm formação específica. O desvio da função, neste sentido, está
caracterizado pela ausência de formação em disciplinas diferentes da área/subárea
objeto do concurso ou da contratação pelas redes públicas ou sistemas de ensino.
Conforme interpretação da lei, o que fica configurado, é que: “desvio de função é
quando o servidor passa a exercer atribuições exclusivas de outro cargo, distintas do
cargo para o qual ele prestou concurso” (FERREIRA, 2014, p.05).
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E neste caso, a função exclusiva está atrelada ao exercício da docência em
área que não é sua especificidade. Para Ferreira (2014,p.2):
[...] a Constituição Federal é intransigente em relação à imposição à
efetividade do princípio constitucional do concurso público, como
regra a todas as admissões da administração pública, vedando
expressamente tanto a ausência deste postulado, quanto seu afastamento fraudulento por meio de transferência de servidores
públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foi
originariamente admitido.
Encontra-se no Plano Nacional de Educação - PNE, documento instituído
pela Lei nº 13.005/2014 e elaborado com vinte metas educacionais que devem ser
cumpridas até o ano de 2024, a meta 15: Formação dos profissionais da
educação/professores da educação básica com formação específica de nível superior
(licenciatura na área de conhecimento em que atuam). Seus principais objetivos são:
[...] garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência
deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da
educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os
professores e as professoras da educação básica possuam formação
específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam (BRASIL, 2014, p. 35).
A meta acima citada dialoga diretamente com o objeto desta pesquisa, pois
apresenta propostas sobre a política de formação de professores no Brasil no decênio
atual. Entende-se, por meio desse documento, que os sistemas de ensino conhecem as
lacunas quanto à formação de professores para a educação básica, e conhecem as reais
necessidades de formação específica para atuar nos diversos níveis e modalidades de
ensino.
Lê-se na Constituição Federal de 1988 e na LDB nº 9.394/96 que “educação
é um direito de todos,” na prática, a maneira como os sistemas de ensino lidam com
esse direito deixa à margem aqueles que necessariamente deveriam usufruí-lo. As
políticas educacionais de formação de professores no Brasil e as instituições de ensino,
sejam elas públicas ou privadas, tendem a tratar questões relevantes para melhoria do
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ensino como menos importante para a discussão da qualidade educacional ofertada,
especialmente, nas escolas públicas.
Essa qualidade passa, necessariamente, pela formação do professor e pela
sua atuação na área de formação, obviedade reiterada nos mais variados documentos
que versam sobre a Educação Básica, mas ainda pouco praticada nas redes de ensino do
Maranhão.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, por
exemplo, pode-se ler:
[...] a qualidade social da educação escolar supõe encontrar
alternativas políticas, administrativas e pedagógicas que garantam o
acesso, a permanência e o sucesso do indivíduo no sistema escolar,
não apenas pela redução da evasão, da repetência da distorção idade-ano/série, mas também pelo aprendizado efetivo (BRASIL, 2010,
p.151).
Neste sentido, a qualidade da educação também se caracteriza por uma
docência exercida por professor com formação específica em sua área de atuação, a fim
de que os alunos consigam avançar nas discussões e aprendizados que se tornem
relevantes sobre a disciplina em questão. A prática competente contribui para a
formação da cidadania não apenas do aluno, mas do próprio professor, uma vez que o
que se diz a respeito da pessoa que se deseja formar é exatamente o mesmo que se deve
exigir para a pessoa formadora, para o docente (RIOS, 2010, p.126). Sabe-se que a
docência se faz na prática e não apenas nos discursos isolados sobre a prática.
A análise a seguir explora os dados coletados junto a Superintendência de
Estatística da Secretaria de Educação do Estado do Maranhão (SEDUC-MA, 2014) 5,
5Superintendência de Estatística da Secretaria de Estado da Educação, comdados que migraram do
sistema de cadastro nacional das escolas que atendem a Educação de Jovens e Adultos no Maranhão.
Esclarece-se que o recenseamento educacional é uma atividade prevista na Constituição Federal, em seu
artigo 208, parágrafo 3º. O inciso I do mesmo artigo garante educação básica obrigatória e gratuita dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela
não tiveram acesso na idade própria, que são os alunos da EJA. A política de cadastro de alunos das redes
e sistemas de ensino faz parte da proposta do Ministério da Educação - MEC de financiamento da
educação e elaboração de indicadores educacionais.
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vinculados ao EDUCACENSO6 e disponibilizados a partir da política de cadastro do
Ministério da Educação para fins de cômputo da relação aluno/financiamento da
educação.
A partir da análise dos dados que originaram os gráficos apresentados a
seguir, pretende-se avançar em relação a alguns aspectos de interesse dessa pesquisa, a
saber:
1.5 Breve análise sobre os dados da formação inicial dos professores de História na
modalidade EJA em São Luís
Gráfico 1 - Professores formados atuando em História na EJA
Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)
6O Censo Escolar através do sistema EDUCACENSO, é o cadastro de alunos de todo território nacional,
conforme consta no caderno de instruções do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira – INEP é uma pesquisa declaratória realizada anualmente pelo INEP, órgão vinculado ao
Ministério da educação MEC em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios que tem por objetivo fazer um amplo levantamento sobre as escolas de educação básica do
país. É o mais importante levantamento estatístico educacional brasileiro sobre as diferentes etapas e
modalidades de ensino da educação básica e da educação profissional (BRASIL, 2015, p.5). Criado a
partir do decreto nº 6.425/2008, e define em seu artigo 2º que este, [...] será realizado em caráter
declaratório, e mediante coleta de dados descentralizada, englobando todos os estabelecimentos públicos
e privados de educação básica e adotando alunos, turmas, escolas e profissionais da educação como unidades de informação. Os dados são declarados pelas escolas e a responsabilidade pela fidedignidade
das informações prestadas é do poder executivo dos Estados, conforme se observa no parágrafo 1º do
artigo 2º do Decreto nº 6.425/2008, que é o documento de criação do censo nacional. As autoridades do
Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com suas respectivas
competências, são responsáveis pela exatidão e fidedignidade das informações prestadas para o censo
escolar, e as instituições de ensino são obrigadas a prestar anualmente as informações do seu cadastro de
matrícula, ao INEP conforme expressa o artigo 5º do decreto nº 6.425/2008: “toda instituição de
educação, de direito público ou privado, com ou sem fins lucrativos, é obrigada a prestar as informações
solicitadas pelo INEP, por ocasião da realização do censo da educação ou para fins de elaboração de
indicadores educacionais”.
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No quadro acima observa-se um total de 351 professores que lecionam
História na modalidade Educação de Jovens e Adultos, nas redes estadual, municipal e
privada do município de São Luís. A maioria dos profissionais (76%) não tem formação
para a docência em História, percentual preocupante e injustificável, dado o grande
contingente de profissionais formados em História, nas últimas duas décadas, no Estado
do Maranhão7.
Segundo a LDB nº 9.394/1996, em seu artigo 22, “a educação básica tem
por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável
para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores”. Nesse sentido, assegurar formação indispensável ao exercício da
cidadania significa que os alunos deverão ter acesso ao conhecimento por professores
qualificados, sob pena de os conteúdos disciplinares não corresponderem à formação
desejada.
O Plano Nacional de Educação - PNE, lei nº 13.005/2014, na meta 7,
estabelece a necessidade de: “fomentar a qualidade da educação básica em todas as
etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a
atingir as médias do IDEB.” Como atingir metas do IDEB sem professores exercendo a
função para a qual foram formados? Se em outras áreas do conhecimento a formação é
importante para o exercício da função, na educação ela é imprescindível, visto que os
alunos organizam sua aprendizagem a partir do ensinado em sala de aula.
Sobre a Educação de Jovens e Adultos, a meta 8 do PNE trata da elevação
da escolaridade média da população de 18 a 29 anos:
[...] elevar a escolaridade média da população de dezoito a vinte e
nove anos, de modo a alcançar, no mínimo, doze anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da
região de menor escolaridade no país e dos vinte e cinco por cento
mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros
declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (BRASIL, 2014, p.34).
7Mais adiante, retomarei essa questão.
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Observa-se que a meta é desafiadora, porém, a lacuna apresentada no
gráfico acima coloca em risco o alcance desta meta (para o município de São Luís) no
prazo apontado pelo PNE, visto que ainda temos 76% dos professores de História das
redes de ensino sem formação para atuar nas disciplinas que lhes são atribuídas.
Outra meta do PNE (15), referente à formação de professores, anuncia o
propósito de:
[...] garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência
deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da
educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurando que todos os
professores e professoras da educação básica possuam formação
específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de
conhecimento em que atuam (BRASIL, 2014, p. 35).
É forçoso lembrar que de pouco valerá o empenho na formação específica
de nível superior se o campo de atuação do professor permanecer “não específico”,
como na realidade aqui observada.
Como alento, registro que a grande maioria dos professores de História
formados na área são licenciados, e não bacharéis, como se observa no gráfico a seguir:
Gráfico 2 - Formação em História: Licenciatura e Bacharelado
Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)
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Como já observado, menos de 30% do total de professores das redes
públicas de ensino apresentam formação específica para atuação na docência em
História. Por outro lado, entre aqueles que têm formação em História, 97,5% são
licenciados e 2,5% são bacharéis.
Os dados coletados para a pesquisa demonstram que os professores sem
formação em História são formados em: Pedagogia, Matemática, Letras, Ciências
Naturais, Filosofia, Geografia, Engenharia Civil, Ciências Biológicas, Física, Ciências
Econômicas, Ciências Contábeis, Ciências Sociais, Biblioteconomia, Artes, Química,
Ensino Médio e outras.
De volta ao PNE, pode-se ler o seguinte na estratégia 15.9:
[...] implementar cursos e programas especiais para assegurar
formação específica na educação superior, nas respectivas áreas de atuação aos docentes com formação de nível médio na modalidade
normal, não licenciados ou licenciados em área diversa da atuação
docente em efetivo exercício (BRASIL, 2014, p. 80).
Por conseguinte, o professor deve lecionar a partir de um embasamento
teórico resultante de uma formação específica e continuada. Portanto, não é qualquer
formação que qualifica para a docência em História. Por mais óbvio que pareça essa
assertiva, a organização da rede escolar a partir do critério “formação = atuação”
encontra vários obstáculos, dentre eles, acordos cotidianos que inviabilizam decisões
necessárias e viáveis8.
No gráfico seguinte, temos a distribuição da oferta da EJA por rede de
ensino do município de São Luís. O gráfico contém ainda o percentual, por rede, de
professores formados e atuando na área de História.
8Retomarei essa questão mais adiante.
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Gráfico 3-Distribuição dos professores nas redes de ensino
Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)
Conforme se observa no gráfico acima, a rede privada mantém o maior número
de professores com formação em História ministrando aulas na disciplina. Em seguida,
temos a rede municipal (25%) e estadual (19%).
É responsabilidade dos sistemas de ensino manter uma organização para
inserção dos professores em seu quadro de atendimento na educação básica, porém, o
que se vê no gráfico 3transparece uma distribuição aleatória de disciplinas, que ignora a
formação dos professores para atuação na docência da disciplina história. Percebe-se,
com poucas variáveis, a mesma situação nas esferas estadual, municipal e privada.
Evidentemente, a dissociação entre formação e atuação traz consequências
desastrosas. Para os estudantes da EJA, compromete a formação dos sujeitos jovens e
adultos matriculados nas redes de ensino fundamental e médio.
Para a rede estadual de ensino, em que os indicadores são especialmente
graves, temos ainda os seguintes dados:
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Gráfico 4 - Professores com formação em História na Rede Pública Estadual do
Maranhão
Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)
Como já observado, do total de professores de História atuantes na rede de
ensino estadual, apenas 19% tem formação em História. Desse universo, 89% atuam nas
escolas de zona urbana, representando a maioria com formação e seu lugar de atuação;
para a zona rural, os números são ainda mais estarrecedores: menos de 10% (2 de 26)
dos professores da disciplina História atuam na área de formação. Sobre os professores
sem formação na área de História, 67% estão na zona urbana e 33% na zona rural.
Registre-se que a rede pública estadual é responsável pela EJA do Ensino
Médio, portanto, trata-se de atender as especificidades de um público que está prestes a
concluir a educação básica. “O ensino médio, assim como as demais etapas da
Educação Básica assumem diferentes modalidades quando destinadas a contingentes da
população com características diversificadas, como é principalmente, o caso dos povos
do campo” (BRASIL, 2010, p.159). Cada nível de formação tem especificidades
diferentes, que devem ser consideradas pelos gestores na organização dos sistemas de
ensino.
O Ensino médio corresponde à finalização da educação básica para ingresso
na educação superior, fator que exige um cuidado maior por parte daqueles que
planejam a organização do ensino. “No âmbito da educação escolar, o ensino público de
qualidade para todos é uma necessidade e um desafio fundamental” (LIBÂNEO, 2010,
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p.116). Neste contexto, os professores que atendem a educação básica na disciplina
História, também estão inseridos. O ensino médio nas últimas décadas tem lugar de
destaque nas políticas educacionais, visto que por muito tempo deu-se prioridade ao
ensino fundamental. A partir do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, os recursos
financeiros foram alocados para atender ao Ensino Médio. Os exames avaliativos ao
final deste nível de ensino demonstram as lacunas existentes na organização dos
sistemas de ensino e na aprendizagem dos alunos.
No gráfico a seguir apresentam-se os dados da rede municipal de ensino, a
formação e o lugar de atuação dos professores da rede.
Gráfico 5 - Professores com formação em história na Rede Municipal
Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)
Entre os 239 (duzentos e trinta e nove) professores atuantes na disciplina
História, na rede de ensino municipal de São Luís, somente 60 (sessenta) são formados
em História, o que representa apenas 25% do número de professores. Outro dado
relevante nesta análise é o número de professores formados em História exercendo a
docência em zona urbana: entre os 185 (cento e oitenta e cinco) que trabalham em zona
urbana, apenas 44 (quarenta e quatro) tem formação específica, dado que representa um
percentual de 23,8% com formação na zona urbana; enquanto na zona rural o percentual
é inferior à zona urbana, não chega a 10% dos formados atuando nas escolas rurais na
modalidade EJA, diante desse cenário, cabe lembrar a responsabilidade dos municípios
pela oferta dos níveis e modalidades de ensino.
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Segundo a LDB nº 9.394/96, artigo 11, inciso V, os municípios incumbir-se-
ão de:
[...] oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e, com
prioridade o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as
necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos
percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
Depreende-se que, para o município de São Luís, o ensino fundamental
deverá ser prioritariamente atendido e que o ensino médio não será ofertado por ora,
visto que a demanda do ensino fundamental ainda não foi plenamente atendida no
município. Conforme texto do Plano Municipal de Educação – PME, “No censo
demográfico do IBGE de 2010, a população residente de São Luís na faixa etária de 15
anos ou mais era de 774.459 habitantes, destes 36.131eram analfabetos.” (SÃO LUÍS,
2015, p.42). Dado que demonstra que uma parcela significativa desta clientela está na
EJA, com um atendimento abaixo da real necessidade de matrículas, mesmo
considerando que na rede municipal a matrícula do ensino fundamental é maior que no
Estado, tal situação não se constitui demanda plenamente atendida em São Luís.
Conforme se observou no gráfico 5, a zona urbana é mais bem atendida,
ainda que a demanda da EJA no Ensino Fundamental esteja localizada em grande parte
na zona rural, por vários fatores como: baixa escolaridade de sua população, escassez de
escolas, alto índice de evasão no ensino fundamental, ausência de políticas públicas que
articulem a educação ao mundo do trabalho, falta de capilaridade das secretarias para a
matrícula da EJA, desarticulação do ensino escolar com o cotidiano das pessoas, dentre
outras.
Dentre esses e muitos problemas, cabe reiterar, está à atuação dos
professores fora da sua área de formação, problema que não se restringe às redes
públicas que ofertam a EJA.
Embora a EJA seja prioritariamente atendida pelas redes públicas, às escolas
da rede privada também ofertam esta modalidade de ensino, mesmo que em escala
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menor. Na rede privada, observam-se as mesmas disparidades de formação encontradas
na rede estadual e municipal conforme gráfico abaixo.
Gráfico 6 - Professores com formação em História na rede privada
Fonte: Superintendência de Estatística SEDUC - MA (2014)
Observa-se no gráfico acima que nenhuma escola privada está em zona
rural. A rede privada tem o maior percentual de professores formados atuando na
disciplina História: em um total de 31,25%, com formação específica na disciplina;
enquanto os percentuais de formados atuando na docência da mesma disciplina nas
redes estadual e municipal estão abaixo de 25%. Ainda que um pouco melhores, os
percentuais apresentados para a rede privada revelam que a dissociação entre área de
formação e de atuação dos professores de História é sistêmica: trata-se de um problema
que não se explica pelo raciocínio rede pública x rede privada. Em tese, o problema
poderia residir na pouca oferta/procura por cursos formadores de profissionais na área
de História, mas os dados apresentados a seguir afastam essa possibilidade.
1.6 Instituições formadoras de professores de História no Estado do Maranhão
Priorizei nesse tópico, as duas principais instituições formadoras de
profissionais na área de História: a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e a
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), nos dois casos, inclui com ressalvas, os
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diversos programas de formação de professores ofertados por essas instituições nas
últimas duas décadas9.
O recorte temporal de 1995 até 2014 compreende a vigência da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, que estabelece a exigência de que
os professores da educação básica tenham formação de nível superior para o exercício
da docência.
Os gráficos a seguir apresentam dados sobre profissionais formados na área
de História pela Universidade Estadual do Maranhão.
Gráfico 7 - Formados em História pela UEMA (1997-2014)
Fonte: Coordenação do curso de História na UEMA
Não é objetivo desse estudo, analisar o histórico da formação dos
profissionais na área de História. Contudo, o gráfico 7 merece algumas considerações: o
período 1997-2000 inclui a formação de profissionais pelo PROCAD (Programa de
9 Ressalto que os programas deformação continuada destas universidades atendem a demanda docente
localizada nos municípios do interior do Estado do Maranhão. Para o município de São Luís, via de regra,
a formação fica a cargo dos cursos regulares de História da UEMA (licenciatura) e da UFMA
(licenciatura e bacharelado). O PROCAD - Programa de Capacitação Docente da Universidade Estadual
do Maranhão, e que posteriormente passou a denominar-se PQD - Programa de Qualificação Docente
formou algumas turmas de professores de História em São Luís especialmente na década de 1990. Após este período, as turmas passaram a ser atendidas, exclusivamente, nos municípios do interior do Estado do
Maranhão. O Programa DARCY RIBEIRO, é uma iniciativa do governo federal em parceria com a
Universidade Estadual do Maranhão que visa graduar professores da rede pública que não possuem a
formação adequada para exercer a função. Já o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica (PROFEBPAR) é uma parceira do Ministério da Educação (MEC) com as instituições de ensino
superior e secretarias de educação dos estados e municípios com o objetivo de formar professores. No
Maranhão, atuou em parceria com a UFMA, em turmas ofertadas nos municípios do interior Estado. O
PARFOR também faz parte do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica na
modalidade presencial, e fomenta a oferta de turmas especiais em cursos de licenciatura, segunda
licenciatura e formação pedagógica, ofertando turmas no interior do Estado.
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Capacitação Docente), até então concentrado no município de São Luís. É importante
registrar que o PROCAD precedeu a criação de um curso regular de História na UEMA,
campus São Luís; também registro que a queda do número de formados no período
2011-2014 deve considerar, dentre outros fatores, a abrangência de um tempo menor (4
anos), em relação aos períodos 2001-2005 e 2006-2010.
De todo modo, cabe salientar a existência de 418 profissionais formados,
número que se soma aos profissionais formados pela UFMA, conforme gráfico a seguir.
Gráfico 8 - Formados em História pela UFMA (1995-2014)
Fonte: Coordenação do curso de História da UFMA
Em um período de vinte anos, 726 profissionais de História formaram-se
pela UFMA, totalizando, na soma UEMA/UFMA, 1144 profissionais. Esses dados
revelam um grande número de formados na área de História desde a homologação da
LDB até 2014. Parece evidente que não há ausência de profissionais capacitados para a
disciplina História nas escolas da Educação Básica, mas aspectos da gestão, a serem
mais bem explorados adiante, que inviabilizam o acesso do profissional à disciplina de
sua formação.
Na tabela a seguir, apresento dados que abrangem os programas de
formação de profissionais na área de História concentrados, em grande parte, nos
municípios no interior do Estado do Maranhão.
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Esses dados reafirmam o crescimento na formação de profissionais na área
de História e confrontam a dissociação até aqui apontada entre área de formação/área de
atuação dos profissionais de História na Educação de Jovens e Adultos. Neste sentido, a
investigação sobre essa realidade se faz necessária a partir de outras variáveis, visto que
os dados encontrados não justificam o número de professores da disciplina em desvio de
função e sem formação para a docência nesta área do conhecimento.
CONSIDERAÇÕES
O desvio de função docente está presente nos sistemas de ensino de maneira
bem abrangente conforme vimos nos dados. Não só no ensino de História, mas em
outras disciplinas da educação básica. Pensar o ensino de História, e os seus resultados
na formação dos sujeitos, é também não ignorar o que em certa medida pode
comprometer um ensino de qualidade para aos inseridos no processo de ensinar e
aprender.
A formação é para o docente uma base para suas ações pedagógicas em sala
de aula. E neste sentido, a ética de ensinar o que a formação garante, precisa ser
compreendida pelos docentes, pela gestão escolar e pelos diversos sistemas de ensino
que organizam e sistematizam o fazer escolar. É necessário que se estruture políticas
públicas voltadas aos interesses de uma formação que não nega aos sujeitos os aspectos
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mais importantes na educação básica, que são a construção do sujeito histórico e sua
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O CRISTIANISMO PRIMITIVO NOS LIVROS DIDÁTICOS: TEOLOGIA OU
HISTÓRIA?
William Braga Nascimento
1. INTRODUÇÃO
O projeto de pesquisa em questão, surgiu de inquietações quanto ás
abordagens presente nos livros didáticos, referentes ao cristianismo antigo (Séc. I ao
IV). A permanência de uma leitura pautada, preponderantemente em aspectos de fé, tem
reduzido as experiências plurais desta dimensão que foi/é religiosa, mas que, também
apresentou aspectos políticos. Dessa forma, a desconsideração de uma abordagem mais
ampla nos materiais didáticos sobre esta temática, tem conservado o predomínio de uma
interpretação mais pautada em aspectos teológicos e balizadas pela produção do
conhecimento histórico, o que prejudica a inteligibilidade desta dimensão
religiosa/política no ensino escolar.
No âmbito do currículo da história romana nos materiais didáticos, o
cristianismo tem sido apresentado muito mais como um produto da teologia da história,
sendo revestido de roupas apologéticas. O que se percebe, é certo distanciamento que
este recurso pedagógico contém referente a este objeto, o que se explica, em partes, pela
negligência dos estudos que contemplem os aspectos políticos e sociais desta dimensão
religiosa.
Nesse interim, os livros didáticos, tratados como um material que realiza a
mediação entre o saber acadêmico e o escolar, têm refletido a ausência ou a baixa
demanda de pesquisas sobre cristianismos do período antigo voltadas ao ensino de
história. Diante disso, leituras teológicas têm exercido cada vez mais proeminência no
assunto abordado.
Entrementes, entendemos que é necessário incluir o uso de uma bibliografia
especializada na história dos cristianismos originários, haja vista que, nos materiais
didáticos distribuídos pelo governo federal, não é incomum encontrarmos respaldo para
a construção do conhecimento sobre esta temática, apoiada na Bíblia. Destarte a bíblia -
numa perspectiva histórica - ser um documento comum, assim como diversos outros
produzidos na antiguidade, a sua aplicação nos manuais pedagógicos, como já
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mencionado, pouco tem contemplado os aspectos históricos com os quais ela se
relaciona.
Horsley (2004), afirma que em decorrência das revoluções burguesas no
século XIX e a separação entre Igreja e Estado, os estudos teológicos cristãos passaram
a assumir uma vertente marcada predominantemente por análises religiosas, excluindo o
mundo social com a qual a bíblia faz relação, a mesma característica, também foi notada
nas posturas oficiais do Estado em excluir as características políticas das dimensões
religiosas.
Dessa forma, criou-se uma leitura parcial sobre esses textos que atendendo a
interesses próprios de suas épocas quando atrelados a instituições – sejam elas,
religiosas ou políticas -, domesticaram o entendimento e os contextos que se mostram
mais problemáticos do que o reducionismo encontrado nos manuais didáticos.
Essa leitura parcial constituída sob bases judaico-cristãs tem conferido
aspectos confessionais e doutrinários ao cristianismo quando visto em seu
relacionamento com o império romano, através da ênfase recaída nas perseguições e
martírios experimentados pelos cristãos por conta apenas da fé, apartado do ambiente
interativo que caracterizava a sociedade romana. A ênfase em apenas um aspecto sobre
os conflitos sociais e religiosos na antiguidade, especificamente no caso em questão,
omite diversas configurações em pró de uma leitura muitas vezes, militante.
Na realidade o tema dos conflitos, especialmente religiosos, não é um
assunto fácil de ser abordado devido a suas implicações éticas e sociais refletidas no
mundo contemporâneo, tanto pelos referenciais pessoais dos autores de livros didáticos,
quanto dos alunos e professores.
Tal aspecto tem produzido um estudo com baixa crítica e análise sobre o
objeto, conferindo ao livro características que reproduzem, num sentido mais específico,
a leitura teológica, corroborando esta como a última palavra acerca do assunto
abordado, deixando á margem, questões que poderiam ser debatidas dentro da sala de
aula.
Ademais, o tratamento de uma história do cristianismo antigo pautada cada
vez mais numa leitura preponderantemente teológica nada tem colaborado para
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pensarmos em uma educação plural, prevista na Lei N° 9394/96 (LDB), uma vez que
este campo do saber vem exercendo cada vez mais domínio sobre esta temática,
prejudicando a premissa de um conhecimento totalizante que dentro de uma ótica cidadã
de formar adolescentes e jovens críticos através da mediação entre o saber comum e
científico, tem engessado os questionamentos e a abrangência histórica deste
movimento.
Portanto, a partir da construção das memórias sobre os cristianismos
originários, queremos propor com esta pesquisa, uma ressignificação acerca das
abordagens que o cristianismo antigo vem recebendo nos livros didáticos, transferindo
as reflexões históricas produzidas na academia sobre a temática abordada, para o espaço
da sala de aula.
2. TEMA
O tema da pesquisa intitulado de “O Cristianismo Primitivo nos Livros
Didáticos: Teologia ou História?”, tem a antiguidade romana como campo espacial.
Entendemos que a escolha por esse espaço atende a uma demanda histórica crescente
nas últimas duas décadas de explicar historicamente os processos sociais, políticos e
religiosos que envolveram os relacionamentos entre os primeiros cristãos quando o
Império Romano dominava o mundo. Demanda essa, que, nos espaços escolares, vem,
ainda que de forma tímida, atingindo as análises presentes nos livros didáticos, sendo
este último, o nosso campo de observação.
Dessa forma, elencamos os séculos I ao IV d.C, como período temporal a
ser estudado nos LD’s, posto que de forma geral, é sobre esta temporalidade que se
assenta as abordagens dos mesmos quando trata de cristianismo no âmbito da história
romana e, por termos neste período um maior número de fontes disponíveis para realizar
a problematização do tema nos LD’s.
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3. OBJETIVOS
Objetivo Geral
- Elaborar no âmbito da história das religiões, um material paradidático que recorra a
uma perspectiva historiográfica e conceitual sobre as experiências religiosas no
cristianismo primitivo, desvinculando-a assim, de uma abordagem teológica,
possibilitando uma melhor compreensão deste objeto na prática escolar.
Objetivos Específicos
- Analisar as representações do cristianismo primitivo nos LD’s de ensino médio
adotados em algumas escolas da rede pública de ensino à partir das elaborações do
PNLD e de bibliografia especializada no tema.
- Fornecer um produto sobre o tema voltado aos professores da educação básica de
ensino médio, que possibilite pensar/dialogar as experiências religiosas em sua
diversidade.
4. TEÓRICO
Tendo como entendimento de que os livros didáticos são artefatos culturais
e, portanto, objetos históricos em constante (re)formulações, cabe então apontar, ainda
que breve, as transformações pelas quais o mesmo vem passando nas últimas décadas.
Desde os anos 1990, esses materiais vêm passando por grandes
transformações oriundas de mudanças tecnológicas do mercado editorial brasileiro
(fruto em grande parte, dos processos de implementação do neoliberalismo no Brasil), e
do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), trazendo currículos que apontam para a
ênfase na construção da cidadania e de uma educação que oriente o aluno para o mundo
do trabalho. Todavia, e ressaltando-o como um artefato cultural, os LD’s se inserem em
um complexo emaranhado quanto aos seus processos de confecção (conteúdo, visual,
diretrizes, etc), onde nem sempre é possível identificar a ação de cada agente no produto
final, sendo o mesma, uma “construção coletiva” (MORENO, 2014, apud. BARNABÉ,
2015).
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No entanto, quanto aos conteúdos específicos das áreas de história, podemos
identificar com base investigativa, alguns de seus agentes que propõem e constroem
determinadas narrativas que incidirão na construção do conteúdo que deverá ser
trabalhado com os alunos em sala de aula. Nesse aspecto, trago a discussão
especificamente para o meu projeto de pesquisa, onde pretendo abordar as
representações do cristianismo primitivo nos livros didáticos.
Tendo os LD’s, como campo de observação e, sendo o objeto histórico em
questão tratado no âmbito das religiões, proponho analisar o mesmo dentro do que se
convencionou chamar nas últimas décadas de História Cultural das Religiões. Esse
conceito consiste em aplicar aos estudo das religiões, as práticas de pesquisas
incorporadas no âmbito da História Cultural, como; Representação, Poder Simbólico e
Apropriação (PETERS, 2015).
Dessa forma, nos valemos dos conceitos elaborados e trabalhados pelo
historiador francês Roger Chartier. Entendendo a cultura como uma prática, Chartier
pensa a mesma através de sistemas de representação e apropriação.
Parafraseando Chartier, Representação, oferece duas possibilidades de
sentido; pode exibir um objeto ausente, substituindo por uma imagem capaz de
reconstituí-lo na memória, ou, exibir uma presença. Para o mesmo autor, “as
representações são sempre determinadas pelos grupos que as forjam” (CHARTIER,
p.17). No entanto, este conceito e os sentidos oferecidos por ele, ficam mais bem
compreendidos quando colocado ao lado do conceito de Apropriação, onde o mesmo a
entende, como uma interpretação das representações.
Ademais, estes conceitos inseridos no campo da história cultural, explicam
que a mesma tem como mote, problematizar a prática social, assim como os textos
utilizados para a realização da pesquisa, abordando-o como uma construção histórica e,
uma representação do social que pode ser (re)apropriada diversas vezes.
Inseridos em um artefato cultural, como os LD’s, a temática do cristianismo
primitivo no âmbito da história romana não pode ser abordada como uma representação
de cunho social neutra, pelo contrário; sua presença se impõe como uma leitura que
busca legitimar determinadas concepções de grupos sociais que, apropriando-se de uma
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forma de leitura desta religião e, aproveitando-se do vazio existente por longo tempo
sobre este tema nos espaços acadêmicos, incutiram seus pressupostos no âmbito do
espaço escolar, “naturalizando” suas representações de mundo.
Nesse ínterim, historicizando o objeto e, apontando para possíveis
permanências na questão das representações sobre cristianismo primitivo nos LD’s, não
é demais lembrar da chamada “história sagrada” que por muito tempo fez parte dos
currículos escolares no Brasil Império, como se vê adiante:
“Na cultura escolar [..], a história do povo hebreu somada à história do
cristianismo remete a uma prática comum nos primórdios do ensino de
história; a história sagrada. Em 1827, a proposta debatida na
Assembleia dos deputados previa o ensino de história subdividido em História Geral Profana, História Sagrada e História do Império do
Brasil (BITTENCOURT, 2008, p.100).
Ainda segundo a mesma autora;
“[..] com o fortalecimento das ideias republicanas e o posterior
Estado Republicano, a história sagrada enquanto componente
curricular gradativamente desaparece das escolas públicas, embora permaneça nas escolas confessionais. Todavia, seu conteúdo pode
ainda ser visto inserido nos programas curriculares atuais, o que
demonstra que houve um processo de reacomodação” (BITTENCOURT, p 2008, p.115).
Dessa forma, paralelo às representações de Chartier, vemos se constituindo
um processo de reconstrução de memórias sobre este objeto que são responsáveis por
produções de sentido a partir do momento em que são apropriadas por agentes que
interagem com o objeto representado.
No entanto, entendemos que o conhecimento acerca da antiguidade -
especificamente o objeto da pesquisa - não é imutável no âmbito da cultura escolar,
cabendo novas representações quando o espaço da historicização do fenômeno religioso
abre caminhos para perceber os indivíduos que dele participam de suas representações,
bem como os interesses que o cercam.
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Portanto, os aportes conceituais pretendidos à utilização nesta pesquisa,
busca quebrar com a ideia de verdade única sobre o objeto pesquisado, buscando
modificá-lo, posto que tambem será fruto de uma representação de abordagem histórica,
logo, passível de ser reapropriado, aludindo a conceitos específicos sobre o objeto que
vem sendo produzidos no espaço acadêmico nas últimas duas décadas, bem como sua
interligação com as diretrizes elaboradas nos PCN’s de História, articulando habilidades
e competências no âmbito da apreensão do conhecimento.
5. METODOLOGIA
Num primeiro momento, a pesquisa se valerá em realizar um mapeamento
dos livros didáticos de história destinados ao 1º ano do ensino médio distribuídos nas
escolas públicas estaduais sobre o tema da pesquisa. A escolha dos livros, levará em
consideração os indicativos de avaliação propostos pelo MEC à partir do guia de livros
aceitos pelo PNLD de História.
Em outro plano, visando ampliar o entendimento sobre o objeto pesquisado,
entendemos que a transdisciplinaridade atende melhor a proposta metodológica de
procurar oferecer outras representações sobre o movimento cristão primitivo nos LD’s.
Logo, através da junção entre História e Arqueologia em cruzamento com as fontes
documentais, entendemos ser possível proporcionar novas representações sobre nosso
objeto, que recairá na elaboração do material paradidático como produto final.
Quanto ao uso das fontes, cabe aqui algumas advertências quanto a
utilização da Bíblia como fonte histórica. Por muito tempo, foi questionada pela
academia a validade dos textos inclusos neste material e o seu emprego como fonte em
pesquisas historiográficas. A descrença situada em estudos baseados nestas fontes
repousa muitas vezes na falta de método eficiente em tratar do objeto estudado, o receio
de uma pesquisa que utiliza esse material em descambar no proselitismo religioso, bem
como o relacionamento que estes textos possuem com religiões presentes na sociedade,
com seus discursos influentes e ainda vivos no tempo presente. Contudo, dada a
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conotação histórica da pesquisa, acreditamos não ser empecilho, quando o pesquisador
se utiliza de métodos que não reforcem práticas militantes.
Assim sendo, qualquer documento pode se tornar objeto de estudo histórico,
cabendo ao pesquisador/professor, se abster de juízos valorativos e padrões modernos
quando aplicados a textos antigos, como é asseverado:
Ao historiador cabe o papel de São Tomé, aquele que precisa ver para
crer, que não se baseia num pressuposto de fé, mas na confrontação de dados empíricos ou ideológicos selecionados, cruzados, seriados,
todos fornecidos pela documentação, com as informações colocadas
pela bibliografia concernente ao objeto de estudo, sempre no intuito de se fazer a relação do texto para com o contexto no qual ele foi
produzido. No caso da bíblia especificamente, que se trata de uma
compilação de textos que apresenta gêneros literários diversos, de
diferentes períodos históricos, torna-se necessária a identificação do gênero a que pertence o discurso, a compreensão de tal gênero na
época em que surgiu o relato analisado, a exposição das características
mais gerais do autor (quando conhecido) e, obviamente, a contextualização histórica do relato em questão e para que público ele
se dirigiu (SELVATICI, 2000, p. 93-94).
Ademais, cabe lembrar que, o Cristianismo sempre reivindicou uma base
histórica. No entanto, como vimos, nem sempre sua abordagem ocorre por essa via nos
LD’s. Somente nos últimos anos, vêm acontecendo uma tímida inserção histórica -
ainda que imprecisa - nestes materiais, Dessa forma, pretendemos através das
contribuições acadêmicas especializadas sobre o tema, juntamente com as descobertas
arqueológicas, não esquecendo, é claro, de inseri-los dentro de uma lógica voltada a
cultura escolar, com habilidades e competências encontradas nos documentos oficiais
do Estado brasileiro concernentes à educação (PCN, PNLD), um direcionamento que
vise ao alunos(as) um aprendizado amplo e efetivo sobre a proposta apresentada.
Dessa forma, trata-se de lutar por melhores conteúdos, assim como por
melhores condições de estudo e de trabalho nas escolas. A diversidade cultural, um dos
grandes princípios do PCN de história, nos sugere um conteúdo menos normativo e
mais plural no objetivo de fornecer, entre outras, a tolerância em seus vários níveis e,
uma educação de caráter cidadã.
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6. FONTES
A tarefa de analisar as representações do cristianismo nos LD’s, bem como
em propor um produto ao final desta pesquisa, exige um vasto acervo de materiais. No
que concerne ás análises sobre os LD’s, os próprios funcionam como uma das fontes
primárias da pesquisa. Além disso, também será usado como norte, o guia de livros
didáticos do PNLD elaborado pelo MEC, assim como o PCN da área de História.
Quanto ao material relacionado ao Cristianismo em si, há outras fontes,
como explicitado: “os manuscritos do Novo Testamento; as escavações arqueológicas
[nas cidades relatas nos textos bíblicos]; as descobertas de Qumran (manuscritos do Mar
Morto) e Nag Hammadi, no Egito antigo, os escritos judaicos; e os testemunhos de fora
do ambiente judaico-cristão” (CHEVITARESE; FUNARI, 2012).
De forma mais específica, as fontes concernentes ao cristianismo ficam
agrupadas da seguinte maneira:
- Os Evangelhos
Mateus (Mt) Marcos (Mc)
Lucas (Lc) João (Jo)
- As Cartas
Paulo aos
Romanos (Rm)
Primeira de Paulo aos
Coríntios (1 Cor)
Segunda de Paulo aos
Coríntios (2 Cor)
Paulo aos
Gálatas (Gl)
- Fontes Arqueológicas
Moedas cunhadas
durante o período
Imperial Romano
Dados sobre escavações de cidades,
como Galiléia, Gamla, Jerusalém e
Nazaré nos tempos de Jesus
Manuscritos de Nag
Hammadi (Ev. de
Tomé)
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- Escritos de Fora do ambiente Judaico-Cristão
Plínio (Cartas) Tácito (Anais) Suetônio (Vida dos Césares) Josefo (Guerras Judaicas)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GONÇALVES, Ana Teresa Marques; SILVA, Gilvan Ventura. O Ensino de História
Antiga nos livros didáticos brasileiros: balanços e perspectivas. In: CHEVITARESE,
André Leonardo; CORNELLI, Gabrielli & Silva Maria Aparecida de Oliveira (Orgs.).
A tradição Clássica e o Brasil. Brasília: Fortium, 2008.
CHEVITARESE, André; FUNARI, Pedro Paulo. Jesus: Uma Brevissíma Introdução.
Rio de Janeiro, Kliné: 2011.
CROSSAN. John,D. O Nascimento do Cristianismo; o que aconteceu nos anos que se
seguiram à execução
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo:
Editora Cortez, 2004.
_______________, Circe M. Fernandes. Livro didático e conhecimento histórico:
uma história do saber escolar; Tese de doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 1993.
________________. Livros Didáticos Entre Textos e Imagens. In: C. Bittencourt
(Org.), O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo, Contexto, 1997.
CHARTIER, Roger. A História Cultural Entre Práticas e Representações. Lisboa, Difel,
2002.
POLLACK, Michel. Memória e Identidade Social. Rio de Janeiro. Revista de Estudos
Históricos, vol 5, n.10, 1992, p. 200 – 212.
LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana. O que é Imaginário. São Paulo,
Brasiliense, 1997.
PETERS, José L. A História das Religiões no Contexto da História Cultural. Disponível
em: http://www.ufjf.br/facesdeclio/files/2014/09/1.6.Artigo-Jos%C3%A9.pdf Acesso
em 13/02/2017.
PAIVA, Eduardo F. História e Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
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SELVATICI, Mônica. Para uma leitura histórica da Bíblia. Gaîa, Rio de Janeiro:
Laboratório de História Antiga/LHIA, n. 2, ano 1, 2000.
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A VALORIZAÇÃO DA IDENTIDADE E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO
COTIDIANO ESCOLAR: ANÁLISE DO ENSINO DE HISTÓRIA APÓS A
IMPLEMENTAÇÃO DA LEI Nº 10.639/2003
Meiriele de Sousa Medeiros1
Enquanto o negro brasileiro não tiver acesso ao
conhecimento da história de si próprio, a
escravidão cultural se manterá no País.
(João José Reis, 1993, p. 189 apud
FERNANDES, 2005, p. 378)
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui como objeto de investigação as práticas
educativas sobre a temática História e Cultura Afro-brasileira e Africana, destacando
como está sendo desenvolvido o Ensino de História no século XXI, após a
implementação da Lei Nº 10.639/2003, no cotidiano escolar. Abrange, ainda, a
Historiografia africana, a cultura negra brasileira e o estudo do currículo escolar da
educação básica, resgatando a contribuição do povo negro para a História do Brasil, o
que atribui ao Ensino de História o papel de formar um novo cidadão que seja capaz de
compreender a história do país. Debater sobre a referida temática resultará na aquisição
de uma visão construtiva e inovadora da História e Cultura Afro-Brasileira e
reconhecimento dos afrodescendentes enquanto atuantes na formação da sociedade
nacional.
1 Possui Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Bacharelado
em Direito pela Faculdade do Vale do Itapecuru – FAI, Especialização em Ensino de História do Brasil:
Cultura e Sociedade pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano – IESF, Especialização em Educação
em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Especialização em Direito
Público pela Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão – FACEMA e Especialização em
Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano – IESF. Atualmente, é
professora do curso de Direito da Faculdade do Vale do Itapecuru – FAI e Mestranda do Programa de
Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – PPGHEN da Universidade Estadual do Maranhão –
UEMA.
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Ao ter a História da África2 como eixo temático no Ensino Fundamental e
Médio, o presente trabalho parte da perspectiva que privilegia a Lei N° 10.639/2003,
que tornou obrigatória a inclusão do ensino da História da África e da Cultura Afro-
brasileira nos currículos dos estabelecimentos de ensino públicos e particulares da
educação básica, e a inserção no calendário escolar do dia 20 de novembro como o Dia
Nacional da Consciência Negra. A referida Lei determina que os conteúdos referentes à
História e Cultura Afro-brasileira sejam trabalhados no contexto de todo o currículo
escolar, especialmente, no âmbito das disciplinas de Educação Artística, Literatura e
História do Brasil.
A partir da referida abordagem, torna-se necessário enfatizar a forma como
está sendo ministrada a prática da obrigatoriedade da Lei acima citada. Partindo dessa
concepção, propõe-se analisar as ações do corpo docente diante do ensino de História da
África, no processo educativo, de forma a contribuir com a divulgação das relações
étnico-raciais no contexto escolar, buscando novas perspectivas na transformação
social. Tendo em vista que o sistema educacional brasileiro está repleto de práticas
preconceituosas e racistas, decorrentes da construção de uma escola que não foi
concebida para atender às diferenças, apesar de sua estrutura estar voltada para a
evidencialização das diversidades sociais e culturais, o que constitui fator significativo
para manutenção da situação dominante.
Frente a tal contexto, fica evidente o fato de que a análise da pluralidade3
racial compreende um desafio a ser enfrentado, onde o professor ocupa espaço
primordial na condição de agente multiplicador de ideias e concepções. Sendo que o
2 História das sociedades, escrita e/ou narrada por africanos (as), afrodescendentes e pesquisadores (as) de
outros grupos étnico-raciais que apresentam a África, em suas diversas conexões espaços-temporais, sem
se limitar ao período do capitalismo mundial mercantilista e à escravidão moderna (séculos XVI a XIX).
Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006. 3 Esse termo se refere às relações sociais em que grupos distintos em vários aspectos compartilham outros
tantos aspectos de uma cultura e um conjunto de instituições comuns. Cf. MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 2006.
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processo educativo, ao refletir os valores e reiterar abordagens e estereótipos4 de
desvalorização dos afro-brasileiros, contribui de forma decisiva a dificultar e restringir,
ou mesmo impedir, o acesso e o sucesso na vida escolar das crianças, adolescentes,
jovens e adultos negros.
Uma das consequências mais evidentes da desvalorização do negro e
supervalorização do branco naturaliza-se em virtude do estereótipo de inferioridade e
incapacidade dos afro-brasileiros e traduz-se na disparidade do desempenho dos
estudantes negros, que passam a inibir seu potencial, bloqueando o desenvolvimento de
sua identidade5 racial e o cultivar de respeito mútuo entre negros e brancos. Sustenta-se
que o desenvolvimento intelectual do negro é bloqueado pela prática do preconceito do
branco. Assim, o negro demonstra-se duplamente inferior: por natureza e por bloqueio
social.
Dessa forma, acredita-se que a presente análise venha contribuir para
despertar nos docentes a necessidade da prática pedagógica reflexiva, voltada para as
relações étnico-raciais. Pois, sendo o professor sujeito do processo educacional, este
deve buscar a inovação da produção do conhecimento, onde as diversidades possam ser
incluídas no cotidiano escolar e no processo pedagógico de maneira prazerosa,
sobretudo, respeitando as diferenças.
Considerando que, com a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira no
currículo oficial da rede de ensino, alunos e alunas negros, brancos e de outros grupos
étnico-raciais, têm a possibilidade de, mediante uma discussão competente e séria sobre
a questão racial na escola, desmistificar a visão que se possui do continente africano.
Assim, com a divulgação da referida temática, espera-se que a escola assuma o seu
papel social de valorização e difusão da cultura africana e da pluralidade da formação
étnica-nacional.
4 Opinião preconcebida, difundida entre os elementos de uma coletividade. Uma tendência a
padronização, com a eliminação das qualidades individuais e das diferenças, com a ausência total do
espírito crítico nas opiniões sustentadas. Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006. 5 No tocante à identidade racial ou étnica, o importante é perceber os seus processos de construção, que
podem ser lentos ou rápidos e tendem a ser duradouros. Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006.
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2. HISTORIOGRAFIA AFRICANA
Ao pensar a História da África, busca-se fazer uma abordagem sobre a
historiografia6 africana, referindo-se à forma como foi elaborada a História da África, a
partir da ótica do colonizador europeu.
Tendo como viés o século XIX, pois, neste corte temporal, a África não
tinha e nem poderia ter história, era a-histórica. Dominava o elemento dinâmico das
sociedades modernas: a transformação dos padrões societários. O máximo que se
poderia ter, juntamente com a fauna e a flora, seria uma história natural. “Faltava-lhe a
instituição marcante das sociedades históricas: o Estado”. (LOPES; ARNAUT, 2008, p.
34).
Segundo Lopes e Arnaut (2008, p. 35), “[...] a concepção hegeliana7
prevaleceu”. Outro fator que contribuiu para a referida concepção foi a ausência de
registros escritos. “Diante disto, a África era vista sob o signo da ausência: faltava
sociedade, Estado, classe e escrita; não produzia cultura, eram passivos e logo, faltava
história”.
No tocante ao paradigma hegeliano, o mesmo aponta a impossibilidade de
trabalhar a história da África, principalmente, do povo negro, anteriormente à presença
europeia, por alegar a ausência de fatos, uma concepção que se estendeu até meados do
século XX.
Referindo-se ao Brasil, conforme Manoel Luís Salgado Guimarães (1988):
Ao definir a Nação Brasileira enquanto representante da ideia de civilização no Novo Mundo, esta mesma historiografia estará definindo aqueles que
internamente ficarão excluídos deste projeto por não serem portadores da
noção de civilização: índios e negros. (GUIMARÃES, 1988, p. 07)
Diante dessa realidade, os povos excluídos da história eram estudados por
meio da antropologia e etnografia, que buscavam recolher o máximo de informações e
6 É a reflexão sobre a produção e a escrita da História. Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006. 7 A África não é uma parte histórica do mundo; não tem movimento, progressos a mostrar, movimentos
históricos próprios. Cf. SILVA, 2008.
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catalogá-las. Nesse contexto, pesquisadores afirmam que, na tentativa de entender
diferente, construíram uma imagem genérica sobre a África, ignorando a diversidade
presente no continente.
Corrobora esse entendimento José Ricardo Oriá Fernandes (2005):
Os africanos, que aportaram em nosso território na condição de escravos, são vistos como mercadoria e objeto nas mãos de seus
proprietários. Nega-se ao negro a participação na construção da
história e da cultura brasileiras, embora tenha sido ele a mão-de-obra predominante na produção da riqueza nacional, trabalhando na cultura
canavieira, na extração aurífera, no desenvolvimento da pecuária e no
cultivo do café, em diferentes momentos de nosso processo histórico.
(FERNANDES, 2005, p. 380)
Com o avanço dos estudos, uma nova perspectiva surgiu, contribuindo para
a valorização da cultura que, mesmo sem registro escrito, deixou vestígios na forma
iconográfica instrumental e artística, o que proporcionou a reavaliação histórica e o
desenvolvimento de técnicas de pesquisa e de interpretação para estes tipos específicos
de fontes.
A História da África como disciplina sofreu um novo impulso, após as
primeiras independências na década de 1950. Segundo Arnaut (2008, p. 38), “[...] a luta
contra a dominação colonial passou por um duplo resgate da história. Esta não poderia
ser mais a história dos europeus na África, mas a dos próprios africanos”.
A implantação do projeto História Geral da África, patrocinado pela
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura - UNESCO, em
1960, contribuiu para a que a temática fosse abordada de forma inovadora. O referido
projeto objetivava uma ampliação global e exaustiva sobre o continente africano,
partindo de uma perspectiva dos próprios africanos de questionar as simplificações e
resgatar dados e fontes históricas.
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No Brasil, a disciplina “História da África”, em nível de ensino fundamental
e médio, só passou a ser valorizada nos últimos anos, apesar do interesse pelo
continente em função da própria escravidão.
Há poucas décadas, a África só interessava como parte das discussões
acerca do tráfico negreiro, das religiões afro-brasileiras, das
possibilidades comerciais das grandes construtoras ou ainda da
perspectiva política dos partidos de esquerda nos cadernos do terceiro mundo. [...] Neste sentido, poderíamos dizer que a história da África
continuava a ser pensada nos moldes colocados pelos colonialismos:
sempre como reflexo e recebendo os impactos dos processos europeus e ocidentais (ARNAUT; LOPES, 2008, p. 40).
Diante de uma nova abordagem teórico-metodológica e seguindo uma
tendência mundial, o interesse pela história da África tem crescido no Brasil. O tema
vem se destacando com status de disciplina, sendo incorporado, não só na educação
básica, como também nos currículos de graduação de instituições de ensino superior.
3. HERANÇA CULTURAL
A cultura europeia prevaleceu por muito tempo, tornando-se a mais
valorizada no Brasil, enquanto as manifestações culturais afro-brasileiras foram
colocadas à margem da sociedade, sendo, muitas vezes, desprezadas, desestimuladas e
até proibidas. Durante quase todo o século XIX, o último no qual se pratica o tráfico de
escravos no Brasil, foram enviados cativos vindos de vários lugares da África para o
Brasil, abrangendo vários estados. “Atualmente, encontramos no Brasil traços culturais
que existiram ou que, ainda, existem na África. Porém, não podemos esquecer que
nenhuma cultura permanece igual em tempos e espaços diferentes” (ARAÚJO, 2003, p.
15).
Vale ressaltar que a herança negra africana se manifesta através das práticas
religiosas, na música, na dança, na oralidade, na culinária, nas técnicas agrícolas e
também na linguística.
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Sentimos a força da presença africana nos quatros cantos do Brasil o
samba, a capoeira e o candomblé, símbolos étnicos originalmente
negros, são atualmente admitidos dentro e fora do país como sua
marca registrada. [...] Os africanos no Brasil apesar de sua dramática situação de desterrados, não ficariam passivos diante de sua nova
condição. Ao contrário, por meio de sua produção cultural, souberam
conquistar espaços de atuação, no interior de um processo dinâmico de reinvenção de sua identidade étnica em solo brasileiro.
(SCHWARCZ; REIS, 2000, p.34).
Nesta perspectiva, percebe-se que muito do que somos e temos hoje faz
parte de uma grande herança que nos foi deixada pelos povos africanos que muito
contribuíram com a nossa formação social e cultural. Consoante Michel de Certeau
(1982):
Coloca-se como historiográfico o discurso que “compreende” seu outro – a crônica, o arquivo, o documento -, quer dizer, aquilo que se
organiza em texto folheado do qual uma metade contínua, se apoia
sobre a outra, disseminada, e assim, se dá o poder de dizer o que a outra significa sem o saber. Pelas “citações”, pelas referências, pelas
notas e por todo o aparelho de remetimentos permanentes a uma
linguagem primeira (que Michelet chamou “crônica”), ele se
estabelece como saber do outro. (CERTEAU, 1982, p. 101)
A construção e a legitimação da cultura negra no Brasil não se deram
facilmente. A metamorfose dos itens culturais em emblemas de brasilidade se deu nos
anos 1930 e 1940, quando alguns intelectuais brasileiros, imbuídos da responsabilidade
de construir uma identidade para a nação e dotá-la de símbolos que a particularizassem
em relação as demais, tendem a apropriar-se de determinadas manifestações culturais
negras.
Convém mencionar que o aparato simbólico que envolve as representações
existentes sobre o negro assemelha-se, por exemplo, à narrativa do massacre de gatos de
Robert Darnton (2011), que representa que os operários podiam manipular símbolos em
sua linguagem própria e, assim, criticar a realidade de uma maneira ao mesmo tempo
burlesca e sutil. “O simbolismo disfarçava o insulto suficientemente bem para não
sofrerem consequências” (DARNTON, 2011, p. 134).
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Embora isto reverbere sobre a manipulação de símbolos étnicos em
símbolos nacionais, o fato é que esses símbolos étnicos influenciam na formação do
povo brasileiro até nos dias atuais.
4. O CURRÍCULO E O ENSINO DE HISTÓRIA
Ao estudar a história do currículo, nota-se que, ao longo da história,
surgiram diferentes concepções de currículo. Nesta perspectiva, o currículo é abordado
por várias vertentes, entre elas, de justiça social, contribuições filosóficas, sociológicas,
psicológicas, antropológicas e, também, teorias de aprendizagem e de ensino.
Segundo Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro (2003),
As pesquisas confirmam que o currículo é um campo de criação
simbólica e cultural, permeado por conflitos e contradições, de
constituição complexa e híbrida, com diferentes instâncias de realização: currículo formal, currículo real ou em ação, currículo
oculto. (MOREIRA, 1997, p. 13, 14 apud MONTEIRO, 2003, p. 10).
A origem do Currículo Nacional situa-se nas décadas de 1920 e 1930,
período em que importantes transformações políticas, econômicas e culturais ocorreram
no Brasil. “A influência norte-americana era evidente, principalmente a dos autores
associados ao pragmatismo. Haverá também influência de autores europeus associados
à Escola Nova” (PACHECO, 2005, p. 8). Nas décadas de 1950 e 1960, foram
publicados os primeiros livros sobre currículo no Brasil, sobretudo os de João Roberto
Moreira e Marina Couto. Na década de 1970, foram publicados livros de cunho
tecnicista, com vários representantes. Em 1980, foram publicadas obras na perspectiva
dos estudos críticos com duas vertentes: uma em Paulo Freire, a outra em Saviani. Na
última década, o campo curricular brasileiro conheceu uma significativa produção,
sobretudo com publicação de Antonio Flávio Moreira, Tomaz Tadeu da Silva e Alfredo
Veiga Neto, entre outros.
Segundo Goodsom (1999, p. 67), um dos problemas constantes relacionados
à história do currículo é que se trata de um conceito multifacetado, constituído,
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renegociado com vários níveis e campos. Este aspecto evasivo do currículo tem,
inegavelmente, contribuído para o surgimento, não só de perspectivas teóricas, que se
estabelecem em forma de arco – segundo linhas psicológica, filosófica e sociológica –,
mas também de perspectivas mais técnicas ou científicas.
Diante dessa situação, o autor afirma que é necessário avançar com firmeza
e análise das linhas, sejam elas filosóficas, psicológicas ou sociológicas, devemos
adotar o conceito de currículo como construção social, primeiramente em nível da
própria prescrição, mas depois em nível de processo e prática. Para alguns
pesquisadores, o “currículo” é uma “práxis”, não um objeto estático, uma práxis
pedagógica que atinge sua concretude no fazer pedagógico completo. No ponto de vista
etimológico, o termo vem da palavra latim scurrere, correr, e refere-se ao curso, à
carreira, a um percurso que deve ser realizado.
A história do currículo é marcada por decisões básicas tomadas, por um
lado, com intuito de racionalizar de forma administrativa. Neste contexto, pesquisas
afirmam que o currículo deve se adequar às exigências econômicas, sociais e culturais
da época, por outro lado, ir à busca de uma perspectiva socialista.
No Brasil, o conteúdo de história foi inserido no currículo do Colégio Pedro
II, em 1838, com objetivo de criar uma identidade nacional homogênea em torno de um
Estado politicamente organizado. Os conteúdos selecionados para a História do Brasil
tinham como referência a produção historiográfica do Instituto de História e Geografia
do Brasil que abordava a história da nação. Astrogildo Fernandes Silva Júnior (2011)
afirma:
Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma ideia de nação associada a de pátria, integradas como eixos indissolúveis.
Deveriam inculcar determinados valores para a preservação da ordem,
da obediência à hierarquia, de modo que o país pudesse chegar ao
progresso, modernizando-se consoante ao modelo dos países europeus (SILVA JÚNIOR, 2011, p. 295).
No final do século XIX, a influência da historiografia europeia, em relação à
brasileira, acentuou-se. Como ratifica a autora Maria Katia Abud (2011, p. 166): “A
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produção histórica brasileira herdou seus elementos constitutivos da historiografia
francesa e os adequou à necessidade de construção da identidade nacional brasileira”.
Neste contexto, o ideal nacionalista republicano brasileiro encontrava-se no
processo de formação dos estados-nações. Tais concepções eram influenciadas pelo
pensamento intelectual positivista. Como aponta Morn (2006, p. 123), “o positivismo
trouxe algumas consequências à disciplina, que pretendia basear-se em suas leis”.
O pensamento positivista almejava uma investigação científica objetiva que
buscava no passado a verdade histórica, afastando qualquer especulação filosófica nas
suas análises. Os historiadores positivistas tinham como objetivos acumular
determinados fatos políticos que podiam ser verificados e comprovados, por meio de
documentos escritos (oficiais) produzidos pelo Estado. Nesta perspectiva, buscavam
atingir tais objetivos por meio de técnicas rigorosas de seleção das fontes, críticas ao
documento e organização das tarefas na profissão.
A história dos grupos dominantes, política e economicamente, seria
necessariamente a mesma daqueles que eram por eles governados. Aliava-se ainda à concepção de história dominante a narrativa dos
feitos daquela classe, comprovados pelos documentos (únicas fontes
admitidas) que os mesmos protagonistas produziam (ABUD, 2011, p. 167).
O processo de abertura política ocorrido na década de 80 contribuiu para
que o ensino de História, mesmo estando ainda integrado ao conteúdo de Estudos
Sociais, resgatasse sua autonomia nos planos curriculares. Nesta perspectiva, ocorreram
debates em âmbito nacional, com relação à educação, em termos gerais e, de forma
especifica, do ensino de história.
É importante lembrar que naquele momento, final da década de 1990,
no Brasil, ao lado das contínuas discussões sobre a educação, como a
proposição pelo governo, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a
História e o ensino de História constituíam objeto de preocupações acadêmicas e também de muitos professores do ensino fundamental e
médio (SCHMIDT; GARCIA, 2006, p. 19).
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A aproximação da História com a antropologia realizada no século XX foi
significativa, uma vez que contribuiu para que houvesse uma compreensão da própria
noção de história, cuja existência se deu a princípio, segundo a maioria das obras
didáticas, apenas após a invenção da escrita.
Os povos sem escrita, esquecidos ou anulados pela “história da civilização”, como é o caso das populações africanas e indígenas,
foram incorporados à historiografia, o que obrigou os historiadores a
recorrer a novos métodos de investigação histórica, introduzindo novas fontes de importância fundamental em suas pesquisas, como a
memória oral, a lendas e mitos, os objetos materiais, as construções,
entre outras. (BITTENCOURT, 2004, p. 149).
Nos primeiros anos do século XXI, o Brasil tem desenvolvido um imenso
debate sobre metodologia do ensino de História. Neste prisma, foram produzidas muitas
propostas de renovação das metodologias, temas e problemas de ensino, tendo como
referencial o processo de discussão e renovação curricular. Este processo ampliou a
revalorização da História e Geografia, como áreas específicas do conhecimento.
Partindo do movimento historiográfico e educacional, tornou-se possível compreender
uma nova configuração do ensino de História, uma vez que ocorreu a ampliação dos
objetos de estudos, contribuindo com o ensino aprendizagem.
Dimensões e pressupostos das novas produções são recorrentes, hoje
não só nos PCN’s para o ensino de História, nos temas transversais,
nos textos curriculares das escolas como também na prática cotidiana dos professores nos vários níveis de ensino. São vieses de renovação
que se destacam nas novas propostas de ensino em contraposição às
abordagens que têm como referência a história tradicional. (FONSECA, 2003, p. 244).
Diante dessa situação, é indispensável a participação do professor e do
aluno no ensino e aprendizagem. Os mesmos devem ir além do conteúdo proposto no
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livro didático e nos currículos prescritos nas diretrizes curriculares e nos projetos
pedagógicos. Conforme MONTEIRO (2011),
O ato de ensinar só se faz significativo quando o ato de aprender se
constitui. Dessa forma, a reflexão sobre os processos de ensino e
aprendizagem se faz necessária e fundamental para a construção da identidade profissional e da possibilidade de repensar sua própria
formação. Nesse sentido, a colaboração do aluno e a sua parceria são
fundamentais para o ensino de História e de qualquer disciplina. [...] A tarefa do professor só tem sentido se o aluno aprender. Na realidade,
os alunos devem tornar-se, de uma maneira ou de outra, os atores de
sua própria aprendizagem, pois ninguém pode aprender no lugar deles.
[...] Em primeiro lugar, o fundamental é levar o aluno a compreender e aprender determinado conteúdo ou conceito, os quais fazem parte da
História e são recontextualizados na cultura escolar, materializando as
correlações de força presentes no espaço de ensino – seja esse formal ou não. Dessa forma, os conteúdos eleitos na História ensinada
revelam uma faceta da História e, ao mesmo tempo, silenciam outras
tantas histórias. [...] A construção de um conhecimento que transpassa o espaço físico da escola e o espaço conceitual da História é o
combustível motriz da História ensinada (MONTEIRO, 2011, p. 116).
É de suma importância a dedicação do professor e que o mesmo se veja
como produtor(a) de história, de conhecimentos de ações que possam viabilizar um
ensino, onde a cultura afro-brasileira seja abordada no cotidiano escolar, contribuindo
para que haja uma revolução de mentalidades para a compreensão do respeito às
diferenças.
A questão do racismo deve ser apresentada à comunidade escolar de
forma que sejam permanentemente repensados os paradigmas, em especial os eurocêntricos, com que fomos educados. Não nascemos
racistas, mas nos tornamos racistas devido a um histórico processo de
negação de identidade de “coisificação” dos povos africanos. (TRINDADE; ROCHA, 2006, p. 56).
A luta de grupos antirracistas contribuiu para que a história e a cultura afro-
brasileira sejam repensadas de forma a valorizar a diversidade, comprometendo-se com
uma educação multirracial e interétnica. Ações coletivas são de suma importância para a
realização da temática. Contemplar o povo negro, neste propósito, contribui para que
haja uma mudança na realidade escolar atual, através de intervenções que venham
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respeitar a diversidade cultural. THOMPSON (1981) lança o olhar social sobre a
cultura:
Com experiência e cultura estamos num ponto de junção de outro tipo.
As pessoas não experimentam suas experiências apenas como ideias ou como instinto proletário. Elas também experimentam suas
experiências com sentimento e lidam com esses sentimentos na
cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas)
na arte ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma
metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral
(THOMPSON, 1981, p. 189).
Inovações temáticas e teórico-metodológicas poderão ser implementadas no
cotidiano escolar de forma coletiva, gradativa e teoricamente fundamentada. Para tanto,
deve haver uma sensibilização dos docentes, quer para a utilidade das novas
tecnologias, quer para a facilidade da sua utilização, quer, ainda, para o potencial de
motivação que constituem para os alunos, “já que os sistemas multimídia, com as suas
formas novas e flexíveis de representar e de ligar a informação, podem ajudar os
professores a explorar práticas pedagógicas com as quais estão pouco familiarizados”
(PUTNAM; BORKO, 2000, p. 11 apud MAGALHÃES, 2006, p. 127).
Uma abordagem curricular que enfatize a lei nº 10.639/03 é fator primordial
para que se contemple uma pedagogia que respeite as diferenças, que trate a questão
racial como conteúdo inter e multidisciplinar durante todo o ano letivo, estabelecendo
um diálogo permanente entre o tema étnico-racial e os demais conteúdos trabalhados na
escola.
Fundamentar a política escolar direcionada à educação étnico-racial é todo
um processo que requer reflexão e análise do cotidiano escolar, de forma a tratar
pedagogicamente a diversidade racial, focando a contribuição africana para a formação
da sociedade brasileira, assim, desmistificando a visão eurocêntrica implantada na
sociedade por muito tempo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contexto da História e Cultura Afro-brasileira e Africana remete à história
e a identidade de um povo. A lei nº 10.639/2003 é mais uma forma de aprofundar a
temática, de modo a contribuir com a divulgação das relações étnico-raciais, no âmbito
escolar. A implementação da lei é um passo inicial para que haja uma reparação
humanitária do povo negro brasileiro, uma vez que abre um leque de possibilidades para
corrigir os danos materiais, físicos e psicológicos resultantes do racismo e de atitudes
variadas de discriminação.
A diversidade étnico-racial está relacionada ao resgate do sujeito, o que
revela que os sujeitos sociais, sendo históricos, são também culturais. Ela está presente
nas relações entre o homem, enquanto sujeito, e o mundo, na família, nos espaços de
lazer, na escola e demais instituições.
Pesquisas realizadas afirmam que a abordagem das questões étnico-raciais
na Educação Básica depende, demasiadamente, da formação inicial dos profissionais da
educação. Eles ainda precisam avançar para além dos discursos. Ou seja, se, por um
lado, as pesquisas acadêmicas em torno da questão racial e da educação são necessárias,
por outro lado, precisam chegar à escola e sala de aula, alterando, primordialmente, os
espaços de formação docente.
Sendo assim, é importante para a consciência de todos os brasileiros as
contribuições das raças que incidiram para a sua formação e do mundo, como resultante
de múltiplas memórias originárias da diversidade das experiências humanas, em
oposição ao entendimento, até então dominante, de uma memória que resgate,
sobretudo, a história dos negros no conjunto de lutas, anseios, frustrações e sonhos no
presente e no passado.
Com a presente produção, pretende-se, sobretudo, contribuir para a efetiva
implementação da temática História e Cultura Afro-brasileira e Africana no contexto
escolar e propiciar a valorização e difusão da temática. Ressaltando que o conhecimento
de cunho acadêmico e escolar, veiculado por meio de recursos didáticos a que os alunos
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e família têm acesso, possivelmente, resultará no combate à discriminação racial na
sociedade.
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A LINGUAGEM PLUSSIGNIFICATIVA DOS TEXTOS LITERÁRIOS E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA NO ENSINO MÉDIO
Andreya Ingryd de Holanda Araujo Viana Demétrio.
1. JUSTIFICATIVA
Neste instrumento, proporemos algumas discussões sobre a relação entre
literatura, contexto histórico/sociedade e ensino/aprendizagem, a fim de que possamos
responder algumas das maneiras de que a Literatura pode ser utilizada como fonte para
o estudo das sociedades e consequentemente como as aulas de competências
curriculares afins (Linguagens e Ciências Humanas), nas séries iniciais do Ensino
Médio. Podem fazer do aluno, um sujeito de maior criticidade e fazê-lo perceber um
contexto de mundo mais engajado e articulado com os fatos que o circundam.
Segundo Facina (2004), Literatura é aquele campo das “Letras” que
conquistou certa autonomia e especialização no mundo contemporâneo, destacando-se
do que se costumava denominar “belas letras” e que incluiu, além da poesia e da
narrativa, a filosofia, a história, o ensaio político ou religioso. Passou-se a observar que
as obras literárias são frutos do tempo de seus autores/leitores, e, portanto, são
historicamente situadas - são produtos históricos - sendo produzidas numa sociedade
específica, por um indivíduo inserido nela por meio de múltiplos pertencimentos. A
Literatura figura num plano de "discurso privilegiado de acesso ao imaginário das
diferentes épocas".
Na “Poética” de Aristóteles, a Literatura é tratada como "o discurso sobre o
que poderia ter acontecido, ficando a História como a narrativa dos fatos verídicos".
Assim, como a Literatura é um produto cultural, partamos para o entendimento da
Historiografia Literária como reflexo sociológico de dado momento.
A Historiografia faz parte de um processo epistemológico e espelha a
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produção intelectual de um certo momento passado. Nela estão os
anseios de uma época, as verdades que a dinâmica social das ideias
desfigurará com o passar do tempo. Ela é um fragmento para
compreendermos – numa preocupação de totalidade – esse passado. Portanto, a historiografia, de produção intelectual, passa a ser
vestígios de um determinado acontecimento para quem a analise; o
conhecimento histórico observado a partir de uma perspectiva de historicidade em processo torna-se objeto de análise ou história-
processo no plano do vestígio escrito. (TORRES, 1996)
Entendemos, pois, que os textos literários estão embebidos de historicidade.
E, desassociar tais características no seu estudo está fadado ao fracasso.
É possível uma análise antropológica da criação literária? A Literatura é um
espelho da realidade? Como relacionar as obras literárias e seus autores com o contexto
histórico-social de sua época? Pode a Historiografia Literária passear por outras
disciplinas sem perder o foco de atributo das linguagens? A leitura crítico-literária é o
elo entre outras competências curriculares numa sala de aula do Ensino Médio? O que
apregoa os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Orientações Curriculares para
o Ensino Médio (OCEM) no quesito “Ensino de Literatura e Formação de Leitores
Literários” ?
Os PCNs foram elaborados pelo Mistério da Educação para que os sistemas
de ensino e particularmente aos professores tivessem elementos para elaboração e/ou
(re)elaboração dos currículos escolares. A cidadania dos alunos passou a ser o alvo do
projeto político pedagógico das escolas e os PCNs entram como eixo norteador para a a
construção e consolidação dessa proposta. Afinal, segundo Moita Lopes (2006) as
mudanças culturais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que estão se
efetivando, tem gerado um foco bastante incisivo na temática das identidades. E, com
efeito, a escola não escapa dessas transformações e se vê obrigada a tomar decisões e
alterar suas estratégias e objetos de ensino para responder às necessidades da sociedade.
Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem nas escolas brasileiras,
tanto nas atitudes pedagógicas dos professores, quanto na maneira de ensinar/olhar
determinados objetos de ensino sofreu forte engajamento e apelo do contexto da
comunidade escolar como num todo. No tocante a Literatura e consequentemente ao
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texto literário, não devem ser vistos como cópia da realidade nem como apenas um
exercício de linguagem. Deve ser compreendido como um texto construído e
constituído em práticas sócio-históricas e culturais. Portanto, voltamos a discussão da
Literatura como reflexo de um contexto histórico/sociedade.
Ler implica troca de sentido não só entre o escritor e o leitor, mas
também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os
sentidos são resultado de compartilhamentos de visões de mundo entre
os homens no tempo e no espaço (COSSON,2006)
Esse mesmo entendimento é revisitado pelas Orientações Curriculares do
Ensino Médio, 2006:
“Decorre, diferentemente dos outros, de um modo de construção que vai além das elaborações linguísticas usuais, porque de todos os
discursos é o menos pragmático, o que menos visa a aplicação prática.
Uma de suas marcas é sua condição limítrofe, que os outros denominam transgressão, que garante ao participante do jogo da
leitura literária o exercício da liberdade, e que pode levar a limites
extremos as possibilidades da língua. (…) Todos os domínios
discursivos, sem exceção, passaram a exigir e desenvolver habilidades complexas e competências sociais de seus leitores” (PAULINO,2005)
A criação literária é produto de um contexto, realidade esta que tem cunho
histórico, sociológico e mesmo filosófico, percebê-la como algo disforme da
materialidade humana é concedê-la o status da “belle epocque”, arte pela arte
parnasiana.
No entanto, a posição do alunado ante competências curriculares básicas
propostas para a formação do letramento literário, em algumas escolas da capital, ainda
é muito omissa, seja por não identificar o texto literário como fruto de uma concepção
contextualizada, seja por práticas pedagógicas ultrapassadas e desconexas que
distanciam o entendimento conjugado.
Necessitamos remodelar algumas práticas observadas nas salas de aula,
desde os primeiros contatos com o letramento até o Ensino Médio. Ainda, não
identificamos que seja um problema pertinente a dada classe acadêmica – escolas
públicas e privadas destoam em número e não em grau. Portanto, entendemos que o
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meio mais promissor para se conseguir resultados mais céleres e duradouros é a
formação do professor numa visão menos segmentada das Competências Curriculares.
Precisamos fazer que a comunidade acadêmica/escolar – discentes,
docentes e gestores - perceba que conceitos como Sociedade, Cultura e Contexto
Histórico estão estreitamente relacionados com entendimentos das Ciências Humanas e
da Linguagens.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
D’Onofrio (2000) conceitua a Literatura como “uma fonte de conhecimento
da realidade que se serve da ficção e tem como meio de expressão a linguagem
artisticamente elaborada”, nos leva a diferenciar a literatura da filosofia, das ciências e
das outras artes, evidenciando sua essência – o arranjo artístico do material linguístico –
e sua finalidade principal – um modo peculiar de compreensão da realidade. Com efeito,
um texto literário é um conjunto de elementos linguísticos artisticamente estruturado
que visa transmitir parcelas de significado da realidade. Ou seja, entender que o texto
literário é alheio ao contexto histórico-social é inviável.
Ainda sob a perspectiva de D‘Onofrio (2000), quando analisamos um texto
literário devemos considerar dois fatores: a estrutura artística do texto e a realidade
sociocultural em que ele foi produzido. Daí existir dois métodos fundamentais para seu
estudo: a abordagem interna/sincrônica/estrutural (a obra é analisada em seus elementos
constitutivos, como objeto de arte, independente do autor e da época) e a abordagem
extrínseca/diacrônica (texto literário é visto em seu contexto cultural, influenciado pela
natureza do gênero a que pertence e pelas condições históricas, relacionado com fatores
sociais e com a ideologia da época).
Essas duas modalidades metodológicas são complementares e, o
procedimento de análise e interpretação de uma obra literária deve passar por três etapas
de estudo: a) intratexto (verificação do arranjo estético); b) intertexto (a relação que a
obra estabelece com outros textos do mesmo autor, do mesmo gênero ou da mesma
época) e c) extratexto (os princípios ideológicos e os padrões ético-sociais do espaço e
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do tempo de produção da obra). Sobressaltamos que para o estudo do texto literário
cabe a ambientação histórica.
Pela abordagem extrínseca da literatura, vemos o texto em sua relação com
o tempo e espaço ao contrário da intrínseca que se vale dos elementos estruturantes do
texto, sua composição interna. Percebemos que não podemos analisar/estudar uma obra
sem o recurso do gênero e da época em que foi produzida. As obras adquirem várias
feições em conformidade com as mudanças da sociedade e explicar o como, o quando e
o porquê perfaz o caminho da historiografia.
Nosso trabalho pretende: "o estudo da biografia do autor, das condições
socioculturais que formaram sua personalidade, das escolas e dos movimentos literários
que lhe forneceram suas referências e do complexo ideológico em que viveu. Por aqui a
análise e a interpretação de um dado texto, procura especialmente verificar até que
ponto o autor é reflexo de sua época"(D`Onofrio, 2000). Ao definirmos os contornos
das Escolas Literárias percebemos que os textos se agrupam pelo sentido que dão a
determinado tema e geralmente esses sentidos são comungados entre si.
Análise Sociológica, Teoria dos Arquétipos, Teoria dos Movimentos e o
Método Comparativo são algumas modalidades desse enfoque histórico e externo da
obra artística apresentadas por Salvatore D‘Onofrio (2000).
A Análise Sociológica considera a literatura como reflexo de um povo nas
diversas fases pelas quais se estrutura. É
como produto e expressão da cultura e da civilização de um povo nas
diversas fases de seu desenvolvimento. A interação escritor-sociedade
é proveniente de fatores como: o escritor (é um ser socializado, que sente e vive problemas políticos, sociais, religiosos e éticos de seu
grupo), a língua (não é um fator individual, mas institucional, coletivo,
cuja função primordial não é artística, mas prática, de comunicação), a
mensagem (mesmo fruto de uma individualidade poética, o autor não foge da tradição cultural de que se serve), o leitor (o escritor tem o
intuito de atingir um público que vive os problemas de sua época,
mesmo que a obra possa ser usufruída também por leitores de outras épocas/realidades).
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A arte é resultado da observação das várias relações que os grupos sociais
estabelecem entre si. Como D`Onofrio apresenta, esse entendimento foi defendido pelo
sociólogo francês Lucian Goldman no estruturalismo genético:
“a forma romanesca parece-nos ser a transposição para o plano
literário da vida cotidiana na sociedade individualista nascida da
produção para o mercado, Existe uma homologia rigorosa entre a forma literária do romance, tal como acabamos de definir, nas pegadas
de Lukács e de Girard, e a relação cotidiana dos homens com os bens
em geral e, por extensão, dos homens com os outros homens, numa sociedade produtora para o mercado”
O Prof. Antonio Candido também comunga desse entendimento chegando a
considerar que "o fator social não apenas como matéria de que se serviria o artista, mas
também e especialmente como determinante do valor estético” (1965). Ou seja, o fator
social deixa de ser algo apenas exterior para tornar-se verdadeiramente um elemento
constitutivo à obra literária.
Também na obra de D`Onofrio (2000) podemos visualizar "A Teoria dos
Arquétipos” que "trata de estudos apoiados em concepções gerais sobre cultura e
civilização dos povos, abordando fases e modos na história da literatura". Na obra citada
Anatomia da Crítica do estudioso norte-americano Northrop Frye;
(…) ele não considera a obra literária como uma produção artística
individual. Defende que o estudo/crítica é uma estrutura do
pensamento autônomo em relação à arte; que o que se aprende não é literatura, mas crítica da literatura; que não existe aprendizado direto
da literatura; que um poema é imitação de outros poemas, fruto de
convenções e gêneros e que, portanto, “para que haja crítica é necessário que a obra examinada seja relacionada com os dados de um
quadro conceptual formado por referência indutiva a uma perspectiva
de conjunto da literatura” (p. 31)
A Teoria dos Movimentos trata da divisão das obras da Literatura Ocidental,
produzidas desde Homero até atualidade em Idades ou Eras, estas subdivididas em
épocas ou períodos. Quem determina a periodização das Eras são os acontecimentos
históricos, ou seja, trata de um método didático cronológico em que nos faz perceber
tudo dentro de uma “linha temporal”: Era Antiga, Era Medieval e Era Moderna. E
muito didático também é a divisão da Literatura por esse prisma. Só reforçando que os
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acontecimentos históricos são determinantes na compreensão das Escolas Literárias; os
textos são envolvidos de contexto (algo extrínseco) e não somente de caracteres
literários (algo intrínseco).
São histórias da civilização de um povo, confirmando que o texto
literário é composto de um entrelaçamento de historicidade e de
originalidade. Portanto, o período literário é constituído por um
conjunto de obras, espacial e temporalmente delimitado, que se
caracteriza, no plano da expressão, por um sistema de normas e
referências estéticas e, no plano do conteúdo, por um complexo de
ideias indicadoras de uma ampla visão de mundo. Individualizar e
descrever uma época literária, portanto, implica conhecer seu sistema
de normas estéticas e seu código ideológico, passando por sua origem,
sua evolução e sua transformação. (D`Onofrio)
Percebemos, pois, que o processo de evolução da literatura acompanha as
transformações históricas.
Já o Método Comparativo estabelece que só se pode aprender comparando.
A figura da comparação é a base de qualquer conhecimento.
Sem a existência de um segundo termo de comparação não poderia
haver predicação. Todo saber consiste em estabelecer semelhanças e
diferenças e qualquer processo de análise, quer no campo das ciências quer das artes, opera em relacionar dois ou mais elementos. A obra
literária comunga desse caminho. Sem negar as diferenças estruturais
e semânticas que conferem o caráter de unicidade a uma obra literária e fazem com que a distingamos de outras obras da mesma época, do
mesmo gênero e do esmo autor, é possível e necessário que se
encontrem os elementos comuns que a insiram num contexto cultural. Não podemos estabelecer a diferença específica sem antes termos
captado a semelhança genérica. Ou seja, é mais proveitoso capturar as
consonâncias dos contextos que a obra literária pode nos ofertar do
que estuda-la isoladamente em seus aspectos internos.
Resolvemos por utilizar os entendimentos de D`Onofrio para iniciar nosso
trabalho.
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3. OBJETIVOS
3.1 GERAL
Propor estratégias pedagógicas que permitam alunos das séries iniciais do
Ensino Médio perceberem os textos literários como fontes históricas ricas e
pulverizadas que permitem aproximar os componentes curriculares de Língua
Portuguesa e História.
3.2 ESPECÍFICOS
- Descrever as impressões dos alunos ante textos literários e
históricos
- Apontar fatores que dificultam a aprendizagem contextualizada
das competências curriculares envolvidas
- Elaborar estratégias pedagógicas para o Ensino de História com o
uso de tecnologias e outras linguagens
- Analisar as práticas pedagógicas com as diferentes fontes
históricas e a real eficácia na consecução do processo ensino/aprendizagem
- Entender que o processo de ensino-aprendizagem é resultado de
esforço conjunto e não seccionado dos agentes e conteúdos;
4. METODOLOGIA
A ciência moderna tem usado uma combinação de métodos de pesquisa para
a compreensão e explicação das múltiplas práticas e ações humanas e sociais. São
entendimentos trabalhados por Descartes (através da razão é possível chegar-se à
certeza sobre um fato, segue em parte a lógica de Aristóteles. Método Dedutivo);
Bacon (o conhecimento é adquirido através da observação da realidade, chega-se a
conclusões mais gerais. Raciocínio Indutivo) e Galileu (a conjectura, preferencialmente,
nos remete a termos matemáticos. Método Empírico).
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A opção pelo método e técnica de pesquisas depende da natureza do
problema que preocupa o investigador, ou do objeto que se deseja
conhecer ou estudar. A utilização de técnicas qualitativas e
quantitativas depende, também, do domínio que o pesquisador tem no emprego destas técnicas. Inexiste superioridade entre ambas desde que
haja correção nas utilizações e adequações metodológicas (SANTOS;
2012).
Recaímos, portanto, no uso da dedução e indução; pesquisa quantitativa e
pesquisa qualitativa. E, qualquer um dos casos exige coleta e atualizações sistemáticas
de dados e acréscimos de novas ideias e teorias.
Adotaremos, contudo, a chamada pesquisa qualitativa ou interpretativa já
que nosso intuito é compreender os fenômenos/situações pela descrição e interpretação.
Pois é interessante que se dê voz às formações/experiências pessoais sem deixar de
perceber os atores e matérias a serem observados. Queremos reconhecer significados,
fatos/acontecimentos, atitudes e desejos de um contexto através de textos literários e por
se tratar de uma pesquisa mais flexível, podemos inferir os diversos eixos históricos
propostos nos PCNs.
Utilizaremos também a abordagem descritiva, pois desejamos propor
estratégias pedagógica. E, portanto, precisamos conhecer as estratégias já desenvolvidas
pela comunidade escolar.
Será do tipo estudo de caso de rotinas didáticas, pois pretende identificar
deficiências e propor correções no processo de ensino-aprendizagem em que
desconsidera o contexto histórico na formação do leitor literário, bem como narrar as
experiências/estratégias bem sucedidas.
Nos próximos dois anos (2016/2017), adotaremos como campo de
observação para nosso trabalho, as séries iniciais do Ensino Médio do Centro de Ensino
Benedito Leite – Escola Modelo, escola pública estadual.
Serão observadas as rotinas de professores e alunos, a fim de que possamos
analisar e relacionar as estratégias pedagógicas, o método de aprendizagem comum e
eficaz entre os discentes e as políticas educacionais de amparo nesse processo.
Os critérios de seleção dos agentes dar-se-á da seguinte maneira:
professores de Língua Portuguesa e História que integrem as séries iniciais; os alunos
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das referidas séries e os coordenadores e supervisores pedagógicos das áreas de
Linguagens e Humanas.
A coleta e análise de dados ocorrerá em etapas, a saber:
Etapa 1: Serão realizados: a) questionários e entrevistas abertas com os
agentes propostos para diagnóstico e definição de perfis; b) observação direta das
rotinas em sala de aula e de planejamentos pedagógicos para mapeamento das
estratégias falidas e das bem sucedidas no processo de estudo da historiografia e
literatura.
Nessa etapa os informantes serão codificados para garantir o anonimato. O
consentimento esclarecido será obtido verbalmente após explicação dos objetivos do
estudo e finalidade dos resultados.
Ao final, abordemos estratégias para melhorias no ensino-aprendizagem de
Literatura através do viés Histórico, dos alunos das séries iniciais do Ensino Médio, na
Escola Modelo de São Luis/MA – CE Benedito Leite, com o propósito de que o
docentes fortaleçam o planejamento partilhado das rotinas educacionais, além dos
incentivos científicos.
Etapa 2: Cabe aqui as produções partilhadas: a) realização de eventos de
formação continuada para professores com fazimento de uma comunicação científica; b)
elaboração de video aulas para formação de professores contendo estratégias de uso da
Teoria Literária e dos Encaminhamentos Históricos na leitura de textos literários; c)
redação de dissertação
REFERÊNCIAS
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