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20 REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 Volume 6- Número 1 - 1º Semestre 2006 Impactos Ambientais causados em decorrência do rompimento da Barragem Camará no município de Alagoa Grande, PB Marina Medeiros de Araújo Silva 1 , Maria Jaislanny Lacerda e Medeiros 2 , Pollyana Karla da Silva 3 Mônica Maria Pereira da Silva 4 RESUMO Os impactos ambientais negativos têm aumentado de maneira intensa, provocando a destruição dos ecossistemas. Impactos ambientais são alterações do meio ambiente, causados por atividades humanas, que afetam a saúde, segurança, bem estar da população, atividades socioeconômicas, condições estéticas e sanitárias do meio ambiente. Esta pesquisa teve como principal objetivo identificar os impactos ambientais causados em decorrência do rompimento da Barragem de Camará no município de Alagoa Grande / PB. Trata-se de uma pesquisa exploratória, realizada no período de setembro/2004 a junho/2005. Os dados foram coletados por meio de análise de fotografias, observação direta e entrevista semi-estruturada. Os dados foram analisados de forma quantitativa e qualitativa através da triangulação. O rompimento da Barragem de Camará, devido a falhas em sua construção, trouxe diversos impactos negativos, como: perda de bens materiais, de imóveis, do patrimônio público, da reserva hídrica, a morte de animais e de seres humanos, desequilíbrios emocionais, econômicos, ecológicos e agrícolas; e como impacto positivo, a solidariedade. Várias espécies animais e vegetais foram afetadas. Os setores mais atingidos pelo desequilíbrio econômico foram o comércio e a agricultura. Os impactos culturais foram a destruição da biblioteca e de algumas escolas municipais e prédios. Os impactos negativos causados requerem a urgência do pagamento das indenizações à população atingida, visando a reconstrução da cidade e amenização do trauma psicológico. É preciso motivar a realização de Educação Ambiental no município, no sentido de fomentar mudanças e resgate da auto-estima. Palavras-chave: Barragem Camará, destruição, impactos ambientais. ABSTRACT The negative ambient impacts have increased in intense way, provoking the destruction of ecosystems. Ambient impacts are alterations of the environment, caused for human activities, affecting health, security, well-being of the population, socioeconomics activities, health and sanitary conditions of the environment. This research had as main objective identify the ambient impacts result of the disruption of the Camará’s Barrage in the city of Alagoa Grande / PB. An exploratory research was realized through the period of setembro/2004 junho/2005. The data had been collected by photograph analysis, direct observation and interviews. The data had been analyzed of quantitative and qualitative form through the triangulation. The disruption of the Camará’s Barrage, by the constructions error, brought diverse negative impacts, as: loss of material goods, loss of properties, of the common wealth, of the hydro reserve, the death of animals and human beings, emotional, economic, ecological and agricultural disequilibrium; and as a positive impact, solidarity. Some animal and vegetal species had been affected. The sectors more reached by the economic disequilibrium had been the commercial and agriculture. The cultural impacts had been the destruction of the library and some municipal schools and building. The negative impacts

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REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228

Volume 6- Número 1 - 1º Semestre 2006

Impactos Ambientais causados em decorrência do rompimento da Barragem Camará no município de Alagoa Grande, PB

Marina Medeiros de Araújo Silva1, Maria Jaislanny Lacerda e Medeiros2, Pollyana Karla da Silva3

Mônica Maria Pereira da Silva4

RESUMO

Os impactos ambientais negativos têm aumentado de maneira intensa, provocando a destruição dos ecossistemas. Impactos ambientais são alterações do meio ambiente, causados por atividades humanas, que afetam a saúde, segurança, bem estar da população, atividades socioeconômicas, condições estéticas e sanitárias do meio ambiente. Esta pesquisa teve como principal objetivo identificar os impactos ambientais causados em decorrência do rompimento da Barragem de Camará no município de Alagoa Grande / PB. Trata-se de uma pesquisa exploratória, realizada no período de setembro/2004 a junho/2005. Os dados foram coletados por meio de análise de fotografias, observação direta e entrevista semi-estruturada. Os dados foram analisados de forma quantitativa e qualitativa através da triangulação. O rompimento da Barragem de Camará, devido a falhas em sua construção, trouxe diversos impactos negativos, como: perda de bens materiais, de imóveis, do patrimônio público, da reserva hídrica, a morte de animais e de seres humanos, desequilíbrios emocionais, econômicos, ecológicos e agrícolas; e como impacto positivo, a solidariedade. Várias espécies animais e vegetais foram afetadas. Os setores mais atingidos pelo desequilíbrio econômico foram o comércio e a agricultura. Os impactos culturais foram a destruição da biblioteca e de algumas escolas municipais e prédios. Os impactos negativos causados requerem a urgência do pagamento das indenizações à população atingida, visando a reconstrução da cidade e amenização do trauma psicológico. É preciso motivar a realização de Educação Ambiental no município, no sentido de fomentar mudanças e resgate da auto-estima. Palavras-chave: Barragem Camará, destruição, impactos ambientais. ABSTRACT The negative ambient impacts have increased in intense way, provoking the destruction of ecosystems. Ambient impacts are alterations of the environment, caused for human activities, affecting health, security, well-being of the population, socioeconomics activities, health and sanitary conditions of the environment. This research had as main objective identify the ambient impacts result of the disruption of the Camará’s Barrage in the city of Alagoa Grande / PB. An exploratory research was realized through the period of setembro/2004 junho/2005. The data had been collected by photograph analysis, direct observation and interviews. The data had been analyzed of quantitative and qualitative form through the triangulation. The disruption of the Camará’s Barrage, by the constructions error, brought diverse negative impacts, as: loss of material goods, loss of properties, of the common wealth, of the hydro reserve, the death of animals and human beings, emotional, economic, ecological and agricultural disequilibrium; and as a positive impact, solidarity. Some animal and vegetal species had been affected. The sectors more reached by the economic disequilibrium had been the commercial and agriculture. The cultural impacts had been the destruction of the library and some municipal schools and building. The negative impacts

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require the immediately payment of the indemnities to the reached population, aiming the reconstruction of the city and amortizing psychological trauma. It’s necessary to motivate the Ambient Education in the city, in the direction to promote changes and rescue it’s self-esteem. Keywords: Camará barrage, destruction, ambient impacts. 1. INTRODUÇÃO

O modelo de desenvolvimento econômico vigente aliado ao crescimento exponencial da populacional e a falta de Educação Ambiental têm gerado rupturas ecológicas que ameaçam a capacidade de suporte do planeta. Dentre as rupturas ecológicas, destacam-se os impactos ambientais negativos decorrentes da construção de Barragens, as quais visam, em especial o fornecimento de água potável aos seres humanos.

De acordo com Rocha (1999) o desequilíbrio ambiental torna-se evidente através dos recursos naturais renováveis, pois além de se tornarem poluídos, vão exaurindo-se a ponto de atingirem níveis críticos, como é o caso da ausência de fauna e flora em inúmeras regiões do Brasil, com destaque para certas áreas do Nordeste, onde o recurso água se torna cada vez mais problemático.

Tundisi (2003) destaca que o desenvolvimento dos recursos hídricos não pode se dissociar da conservação ambiental, já que na essência envolve a sustentabilidade do ser humano no meio natural.

Segundo Silva (1989), “a situação de degradação e poluição vem cada vez mais perturbando e despertando a atenção das comunidades atingidas”. Isto chama a atenção do mundo e exige que a sociedade como um todo tenha uma ação racional, planejada e enérgica para coibir as agressões e destruições causadas pelos seres humanos ao meio ambiente, e desperte para o desenvolvimento sustentável.

Sachs (1994) afirma que embora reconhecendo a complexidade e gravidade dos desafios sociais e ambientais, com os quais a humanidade se depara, tanto o Relatório Founex como a Declaração de Estocolmo de 1972 e a Declaração de Cocoyoc de 1974 transmitiram uma mensagem de esperança sobre a necessidade e a possibilidade de se projetar e

implementar estratégias ambientalmente adequadas, visando a promoção de uma forma de desenvolvimento sócio-econômico eqüitativo, ou ecodesenvolvimento, uma expressão que foi mais tarde rebatizada pelos pesquisadores anglo saxões como desenvolvimento sustentável. E seminários subseqüentes sobre estilos alternativos de desenvolvimento seguiram esta linha de raciocínio, encontrando eco no Relatório de Bruntland (WCED, 1987), o que motivou a convocação da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também denominada de Eco/92.

De acordo com o Relatório Bruntland (WCED, 1987), o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades atuais sem sacrificar a habilidade do futuro de satisfazer as suas. O que fomenta a busca de integração sistêmica entre diferentes níveis de vida social, entre a exploração dos recursos ambientais, a tecnologia em mudança social.

Por conseguinte, o novo modelo de desenvolvimento sugerido em debates internacionais impõe entre outros aspectos, a prevenção e/ou minimização de impactos ambientais. De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA (BRASIL, 1983) impacto ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante de atividades humanas que direta ou indiretamente afetam: a saúde, a segurança e o bem estar da população; as atividades sociais e econômicas; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais.

A fim de evitar os desequilíbrios ambientais foram criados o Estudo de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental - RIMA. Conforme a Central Única dos Trabalhadores - CUT (2000) existe a lei 3168/88 que obriga a realização do EIA e do RIMA para as atividades potencialmente lesivas

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ao meio ambiente, faltam porém o compromisso e a responsabilidade para coloca-la em prática.

Para Santos (1998) o EIA resulta geralmente numa avaliação que interpreta e analisa os efeitos resultantes das alterações causadas por um projeto ou sobre a saúde e bem estar do ser humano, prevenindo ou minimizando a deterioração da qualidade ambiental da região afetada. Essa avaliação é discutida a partir da relação entre ações do empreendimento e seus efeitos sobre o contexto físico, biológico, sócio-econômico, político, administrativo, ético e humano da região atingida.

O RIMA por sua vez, consiste de um relatório que reflete todas as conclusões apresentadas no EIA. Ele deve ser apresentado de forma objetiva adequada a sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas e quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que, haja entendimento das vantagens e desvantagens do projeto, bem como as conseqüências ambientais de sua implementação. É imprescindível que o EIA seja feito por vários profissionais, de diferentes áreas, trabalhando em conjunto. Esta visão multidisciplinar é rica, para que o estudo seja feito de forma completa e de maneira competente, de forma a sanar todas possíveis dúvidas e problemas. Dependerá da elaboração do EIA e respectivo RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA, em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente como: obras hidráulicas para a exploração de recursos hídricos, a exemplo da Barragem de Camará, construída no município de Alagoa Nova / PB. O projeto, juntamente com o EIA e RIMA, devem ser submetidos a amplo debate com a população do local do empreendimento, em audiências públicas. Todas as perguntas devem ser adequadamente respondidas. Após as audiências, a comunidade tem direito de exigir alterações, medidas compensatórias pelos impactos que irá causar ou, até mesmo, rejeitar o projeto (CUT, 2000). Segundo a resolução CONAMA nº 237 (BRASIL, 1997) o licenciamento ambiental

compreende o procedimento administrativo, pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras ou daquelas que de alguma forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. Entretanto, este trabalho não irá resolver todos os problemas de destruição e devastação da natureza, mas, quando bem utilizado, poderá ser um instrumento precioso na avaliação prévia daquilo que resultará o projeto sobre o ponto de vista ambiental. Diante desses fatos, tornou-se necessário a análise dos impactos ambientais provocados em decorrência do rompimento da Barragem de Camará no município de Alagoa Grande / PB. Em junho de 2000, iniciou-se a construção desta barragem no município de Alagoa Nova / PB, sendo inaugurada em março de 2002, com capacidade de armazenar mais de 26 mil metros cúbicos de água, numa área de aproximadamente 160 hectares, tendo por finalidade acumular água para abastecer os municípios vizinhos no período de seca. Todavia, falhas em sua construção, ocasionaram em junho de 2004 o rompimento da ombreira esquerda que comportava apenas 60% do seu total. (Jornal da Paraíba, 22 de outubro de 2004) O escoamento de grande volume de água provocou a inundação do município de Alagoa Grande / PB, sendo considerada uma verdadeira catástrofe. De acordo com Steiger, citado por Milaré e Benjamim (1994), catástrofe é um acontecimento extraordinário, incontrolado e extremo, que requer uma ação urgente para combatê-lo ou minimizar os seus efeitos desastrosos ou muito perigosos para a população, os bens e propriedades e/ou o ambiente natural ou construído, manifestando-se subitamente ou se desenvolvendo com certa velocidade. Esta pesquisa teve como escopo, identificar os impactos ambientais causados em decorrência do rompimento da Barragem de Camará no município de Alagoa Grande / PB; assim como: verificar de que ordem foram os impactos causados pelo rompimento desta barragem; observar os impactos sociais que

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mais prejudicaram a população; averiguar os setores mais atingidos pelo desequilíbrio econômico e, analisar se ocorreram impactos de ordem cultural e religiosa. Diante dos problemas da destruição do meio ambiente, causados pelo rompimento da Barragem de Camará no município de Alagoa Grande / PB, tornou-se perceptível a necessidade de realizar um levantamento dos impactos causados e de que forma estes comprometeram a comunidade em relação aos fatores ambientais, sociais e econômicos. 2. METODOLOGIA: 2.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA: De acordo com Gil (1991) “a classificação da pesquisa, tem como base os objetivos gerais”. No caso deste trabalho, trata-se de uma pesquisa exploratória, que faz uso de levantamento bibliográfico, entrevistas e análise de exemplos que estimulem a compreensão, em busca de tornar o problema mais explícito ou visando a construção de hipóteses. Possibilitando assim, uma variação dos fatos estudados. O presente trabalho foi realizado no município de Alagoa Grande, situada no brejo paraibano, com 333,7 km2 de área, a 111 km da capital, 60km de Campina Grande e a 143 metros do nível do mar. Possui clima quente e úmido (20° a 30°C) e uma população de 29.160 habitantes (IBGE, 2000), sendo 12.320 na zona rural e 16.840 na zona urbana, com 14.981 mulheres e 14.179 homens. Alagoa Grande conseguiu sua emancipação política em 26 de julho de 1865. Em 1º de julho de 1901 foi inaugurada a Estrada de Ferro Grande Oeste, fator determinante de um novo tempo para a economia alagoagrandense. Segundo Freire (2002) o setor econômico alagoagrandense que tinha o algodão (responsável direto pela expansão ferroviária no Nordeste) como seu principal esteio, experimentou ainda na primeira metade do

primeiro decênio do século XX, um rápido crescimento. As exportações para a indústria têxtil da Inglaterra eram uma realidade crescente. Além do algodão, outras fontes de importância na economia de Alagoa Grande foram o desenvolvimento do agave, o plantio da cana-de-açúcar e a pecuária. Atualmente, esse município tem por meio de subsistência a agricultura e o comércio. Esta cidade é uma ótima opção turística, possuindo um potencial para o ecoturismo e principalmente para o turismo histórico. Sua contribuição histórica cultural foi de grande importância por ter sido o berço de paraibanos ilustres, como a sindicalista Margarida Maria Alves, o cantor e compositor Jackson do pandeiro, Oswaldo Trigueiro, embaixador na Indonésia, governador, escritor e historiador, entre outros. 2.2. INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS: Os instrumentos utilizados na coleta de dados foram imagens fotográficas e história oral através de entrevistas semi-estruturada. O trabalho foi desenvolvido no período de setembro de 2004 a junho de 2005. As entrevistas foram realizadas junto à população dividida em três áreas, de acordo com a proximidade da Barragem de Câmara: área urbana, situada a aproximadamente 30 km da Barragem de Câmara; área intermediária, localizada a aproximadamente 27 km e área rural situada a aproximadamente 23 km da Barragem. Nas duas últimas áreas, o roteiro da entrevista precisou ser modificado, pois os entrevistados não tinham o domínio da lingüística. Foram entrevistadas dezoito pessoas, divididas igualmente entre as três áreas já citadas, sendo doze do sexo masculino e seis do sexo feminino, conforme mostra o Gráfico 1.0. Do total entrevistado, quatro eram jovens (10 – 19 anos), dez adultos (20 – 59 anos) e quatro idosos (mais de 60 anos).

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GRÁFICO 1.0 - Número de entrevistados por sexo e faixa etária

012345678

Jovem (0 - 19 anos) Adulto (20 - 59 anos) Idoso (> 60 anos)

Faixa etária

Núm

ero

de p

esso

as

Masculino

Feminino

2.3. ANÁLISE DOS DADOS: Os dados foram analisados de forma qualitativa e quantitativa, por meio do método da triangulação. De acordo com Thiollent (1998) a triangulação consiste em quantificar e desenvolver os dados obtidos. 3. RESUTADOS E DISCUSSÃO: 3.1. IMPACTOS NEGATIVOS CAUSADOS EM DECORRÊNCIA DO ROMPIMENTO DA

BARRAGEM DE CAMARÁ NO MUNICÍPIO DE ALAGOA GRANDE / PB: De acordo com os dados coletados, o rompimento da Barragem de Camará / PB significou a maior tragédia do município de Alagoa Grande / PB; e decorreu conforme o público pesquisado da negligência dos governantes. A tragédia é evidenciada através dos impactos negativos apontados pelo público estudado. Os dados expostos na Tabela 1.0 mostram que os impactos negativos provocaram prejuízos de diversas ordens.

Tabela 1: IMPACTOS NEGATIVOS APONTADOS PELA POPULAÇÃO

IMPACTOS PERCENTUAL (%) PERDA DE BENS MATERIAIS 22, 2 PERDA DE IMÓVEIS 14,8 AGRICULTURA 13,0 PSICOLÓGICO 13,0 ECONOMIA 13,0 ECOLÓGICO 11,1 PATRIMÔNIO PÚBLICO 7,4 MORTE DE SERES HUMANOS 3,7 PERDA DE RESERVA HÍDRICA 1,8 TOTAL 100

Analisando os dados enunciados na Tabela 1.0, verificamos que entre os impactos negativos citados, destacam-se a perda de bens materiais, perdas de culturas agrícolas, danos psicológicos e prejuízos econômicos. Os entrevistados relatam que a população em geral, sofreu um trauma psicológico, em decorrência da perda de

parentes, amigos e de bens materiais importantes para a segurança e manutenção, tais como: veículos, móveis e utensílios domésticos, roupas, alimentos, medicamentos, recordações como fotos e fitas VHS, entre outros objetos. Destacaram ainda a perda de imóveis, deixando centenas de famílias desabrigadas. Estes dados

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são ressaltados por meio das frases dos entrevistados.

Foram atingidas cerca de 900 casas, onde 168 ficaram completamente destruídas, 345 parcialmente destruídas e, o restante foi apenas danificado.

Outra perda de grande proporção foi a destruição, quase total (cerca de 80%), da metalúrgica GEKAKE (97,70 metros de comprimento).

As conseqüências de ordem psicológica afetaram a saúde de muitos munícipes e até provocaram a morte de pessoas, as quais não suportaram a carga emocional. No que diz respeito à agricultura houve destruição de muitas plantações, inclusive de subsistência: milho, macaxeira, feijão, árvores frutíferas, hortas, maxixe, batata e capim; ocasionando prejuízos financeiros, ambientais e sociais, acelerando dessa forma, a problemática da fome no município. Ao que se refere aos impactos econômicos, estes estão relacionados principalmente à destruição total e parcial das casas comerciais, principalmente porque o rompimento da barragem aconteceu no segundo mês mais lucrativo do ano, junho de 2004, acarretando a queda nas vendas, perda de estoque e em alguns casos, a paralisação do comércio até 72 dias após o acidente. Ao que tange os impactos ecológicos, os pesquisados destacam o fenômeno do assoreamento devido à erosão, desencadeada também pela ausência de mata ciliar. Elas citam ainda o alargamento da margem do rio, aumentando, por conseguinte a área de destruição. Antes o curso do rio era uma reta, e agora se tornou em forma de Y, com a outra parte dentro da cidade. Desse modo, qualquer volume significativo de água (chuvas) será capaz de inundar a cidade. Outro aspecto citado foi que boa parte da fauna e da flora foi destruída, modificando totalmente a paisagem natural. As culturas agrícolas viraram bancos de areia e tornaram-se imprestáveis ao consumo. Muitos animais foram levados pela enxurrada, alguns conseguiram sobreviver, mas, a grande maioria não resistiu, tais como: vacas, cavalos, jumentos, galinhas, papagaios, gatos, cachorros e até mesmo algumas criações de peixes. Foi apontada perda relacionada ao patrimônio público, devido à acentuada

destruição da infra-estrutura do município, atingindo galerias pluviais, esgotos, pavimentação, praças, postos de saúde, muros de contenção, pontes, prefeitura e ainda alguns impactos culturais, como a destruição da biblioteca e de algumas escolas municipais, prejuízos econômicos incalculáveis. A morte de cinco pessoas marcou ainda mais a tragédia, das quais quatro eram idosos, o que pode ter dificultado a locomoção e fuga.

Outro impacto negativo mencionado foi a perda da reserva hídrica, pois a Barragem de Camará tinha por finalidade abastecer Alagoa Grande e municípios vizinhos no período de estiagem. Na realidade, a tragédia de Camará, violentamente interrompeu o lento processo de desenvolvimento do município, que nos últimos anos obteve avanços através da implantação de energia elétrica a toda zona rural, ampliação das redes municipal e estadual de ensino, oferta de água na zona urbana; pavimentação das ruas e, recuperação do comércio varejista, o qual teve um declínio nas décadas de 60 e 70. A população vivia uma rotina comum, típica das cidades do interior paraibano. Na economia, o comércio mantinha suas vendas equilibradas, com uma maior lucratividade nos meses de junho e dezembro. Atualmente, Alagoa Grande ainda está atônita pelos choques humano, econômico e social sofridos pelos efeitos da tragédia das águas de Camará. Como esta catástrofe ocorreu no segundo mês mais lucrativo do ano, junho/2004, houve uma abrupta queda nas vendas, além da perda dos estoques e de bens materiais. A cidade foi atingida tanto direta como indiretamente, gerando uma transformação da paisagem urbana e rural, do ponto de vista geográfico e humano. Os habitantes sofreram um grande abalo psicológico e, muitos perderam a auto-estima. É evidente que esse quadro já foi em parte amenizado, devido à solidariedade da população local e de boa parte da população paraibana e de outros estados, que ajudaram através de doações. No entanto, há um grande caminho a percorrer na recuperação econômica, tanto rural como urbana. Os estragos foram enormes nos

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333,7 km2 do município, sendo que a zona rural foi afetada em sua área mais fértil.

Alguns destes impactos podem ser vistos através das Figuras de 01 a 06:

FIGURA 01: Barragem de Camará rompida FIGURA 02: Destruição da Metalúrgica FIGURA 03: Alargamento da margem do rio FIGURA 04: Casa totalmente destruída FIGURA 05: Destruição do Comércio FIGURA 06: Perda de bens materiais

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3.2. IMPACTOS POSITIVOS CAUSADOS EM DECORRÊNCIA DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE CAMARÁ NO MUNICÍPIO DE ALAGOA GRANDE / PB: A solidariedade, laço ou vínculo recíproco de pessoas ou coisas independentes foi o único impacto positivo destacado pela grande maioria dos entrevistados. As ajudas que vieram não só da população local, como também de boa parte da população paraibana, de outros estados brasileiros e até mesmo de outros países, representados por meio de alimentos, roupas, colchões, medicamentos, cobertores, calçados, água potável, entre outros. Uma outra demonstração de solidariedade foi o fato de muitas pessoas ao saberem do rompimento, saírem às ruas avisando a população, no sentido de evitar maiores danos,

através de vários meios de comunicação (carros de som, telefone, rádio). Proporcionalmente ao que foi perdido, o rompimento da Barragem de Camará não trouxe nada de positivo, principalmente em relação a alguma proporcionar impulso ao crescimento e desenvolvimento do município de Alagoa Grande / PB. 3.3. REALIDADE SOCIAL NO MUNICÍPIO DE ALAGOA GRANDE / PB, APÓS O ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE CAMARÁ: Entre os 18 entrevistados, apenas quatro não foram atingidos diretamente pelo rompimento da Barragem de Camará, e quatorze tiveram diversas perdas, representadas através dos dados enunciados na Tabela 2.0:

Tabela 2: PERCENTUAL DE PERDAS DOS ENTREVISTADOS ATINGIDOS DIRETAMENTE PELO

ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE CAMARÁ

PERDAS PERCENTUAL (%) CASA 21,4

COMÉRCIO 28,5 PLANTACÃO 28,5

ANIMAL 35,7 BENS MATERIAIS 92,8

Observando os dados demonstrados na

Tabela 2.0, averiguamos que as perdas materiais foram predominantes, tais como: veículos, móveis e utensílios domésticos, roupas, alimentos, medicamentos, recordações, além da morte de animais (vacas, cavalos, jumentos, galinhas, cachorros, papagaios, gatos e peixes); plantações (árvores frutíferas, milho, macaxeira, feijão, hortas, maxixe, batata e capim); perdas no comércio (total da farmácia e da livraria, e parcial do supermercado e da loja de confecções e calçados); e ainda perda total de suas casas. Estas perdas propiciaram diversas mudanças na realidade social do município. Inicialmente, a população contou com a ajuda dos governos municipal, estadual e federal. O Governo Municipal participou ativamente do alerta à população, policiamento, ações emergenciais, tais como: abrigo para a população, alimentos, colchões, assistência social, medicamentos e cadastramento das famílias.

O Governo Estadual prestou grande assistência através das Secretarias de Infra-estrutura, de Ação Social, da Agricultura e da Saúde, e também providenciou pela Secretaria de Finanças, o pagamento da primeira parcela das indenizações, recebida por todos os entrevistados. Houve também o envio do Corpo de Bombeiros, da polícia Militar, além da participação da população para a realização da limpeza da cidade e remoção das famílias para os abrigos.

Quanto às indenizações, os comerciantes receberam apenas 40% do valor total, e segundo uma das entrevistadas, não houve por parte do governo estadual a isenção de impostos, apenas uma flexibilização no pagamento.

Os entrevistados que perderam totalmente suas casas, foram de imediato levados para abrigos improvisados (escolas) e, posteriormente, foram para casas alugadas pelo governo.

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A maioria recebeu apenas a primeira parcela das indenizações, que correspondeu à R$ 1.060,00, para reconstrução de suas casas; apenas um dos entrevistados recebeu totalmente o pagamento da indenização.

O governo Federal prestou assistência através do envio de tropas do exército, no fornecimento de carros-pipa, cestas básicas e medicamentos, que não foram suficientes, em vista da dimensão da tragédia. Segundo o Jornal da Paraíba (19 de outubro de 2004) “Todos os recursos aplicados até o momento por conta da tragédia de Camará são de responsabilidade exclusiva do governo da Paraíba, já que o governo federal ainda não liberou a verba prometida para os municípios atingidos pelas águas da barragem.” Alagoa Grande tem que continuar reivindicando para que não seja esquecida, já que o impacto e a comoção social em níveis local, estadual e nacional passaram. Atualmente, as vítimas de Camará aguardam o pagamento do restante das indenizações prometidas. Inclusive, nem mesmo as cestas básicas estão sendo fornecidas, as quais tiveram seu envio suspenso desde o início de outubro de 2004.

A este respeito, Freire (2000) afirma que o conhecimento e a recordação de tantos fatos, passagens e personagens havidos em Alagoa Grande/PB, sirvam para despertar nos que ainda estão adormecidas, as consciências de que a nossa “pátria” primeira é Alagoa Grande, e assim, juntarmos esforços, valorizando o que passou, o que de bom do passado restou e o que de positivo se construiu nos últimos tempos, para encontrarmos condições de recuperar a violenta queda sofrida no campo econômico, causadora de tantos prejuízos trazidos para a comunidade alagoagrandense e para o desenvolvimento do município.

3.4. CAUSAS APONTADAS PELA

POPULAÇÃO PARA O ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE CAMARÁ NO MUNICÍPIO DE ALAGOA GRANDE / PB: A construção da Barragem de Camará, que custou “R$ 24.258.959,50, depois de cinco termos aditivos ao contrato” (jornal da Paraíba, 14 de novembro de 2004), foi inaugurada em março de 2002 e o seu rompimento aconteceu em junho de 2004. Uma obra de grande porte

como esta, tinha por objetivo armazenar água para abastecer Alagoa Grande e outros municípios vizinhos, e não ser rompida num pequeno espaço de tempo (pouco mais de dois anos), trazendo diversos problemas para a população atingida. “Este fato foi o segundo ocorrido em todo mundo, sendo o primeiro ocorrido no Japão”, afirma um dos entrevistados. Segundo Tundisi (2003) a construção de reservatórios representa uma das grandes causas de modificações do ciclo hidrológico e de impactos ambientais no planeta, com efeitos positivos e negativos. O aumento e a diversificação dos usos múltiplos da água resultaram em uma multiplicidade de impactos, de diversas magnitudes, que exigem, evidentemente, diferentes tipos de avaliação quali e quantitativa e monitoramento adequado e de longo prazo. O que não ocorreu quando da construção da citada Barragem. Em relação às causas, a população apresenta opiniões divergentes, no entanto, a maior parte afirma que o governo atual e o anterior são co-responsáveis pelo rompimento da Barragem. Podemos constatar através do Gráfico 2.0.

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GRÁFICO 2.0 - Culpados pelo rompimento da barragem de Camará, segundo uma

amostra da população

0

2

46

8

10

12

Governo Atual Governo Anterior Ambos osGovernos

Omissão

Culpados

Núm

ero

de

pess

oas

De acordo com o Gráfico 2.0, a maioria dos entrevistados culpa tanto o governo anterior quanto o atual, especialmente pela falta de providências diante do perigo de rompimento da barragem, uma vez que o fato já era previsto. Visando identificar os responsáveis pelo rompimento da Barragem de Camará foi instalada a CPI de Camará, presidida por um Deputado Estadual da Paraíba. No início da construção de Camará foi feito um estudo geológico, onde o geólogo responsável pela obra, após ter constatado graves falhas geológicas no local onde a obra foi construída, foi afastado pelo governo anterior. Segundo ele, as condições geológicas eram bastante comprometedoras e exigiriam um tratamento demorado. Além da ombreira esquerda ser bastante íngreme, verificou que existiam, na rocha da superfície, quatro sistemas principais de fraturas que exigiriam injeções profundas para garantir a estabilidade da rocha. No entanto, a execução de uma injeção de cimento foi incompleta, cuja ineficiência conduziu a ruptura da fundação. (Jornal da Paraíba, 22 de outubro de 2004) O relatório parcial da CPI apontou a CRE Engenharia Ltda, a Andrade Galvão Engenharia Ltda, a Holanda Engenharia Ltda, a quem cabia o controle de qualidade, e a Secretaria de Recursos Hídricos - SEMARH da época, como responsáveis pelo rompimento da obra. As empreiteiras foram responsabilizadas pelos erros no projeto de execução, já à SEMARH coube, de acordo com o relatório, a omissão pela não fiscalização adequada da

construção. Os estudos geológicos para a construção da obra foram realizados para uma barragem de terra, não havendo novo estudo com a mudança no projeto inicial, de terra para CCR- Compactuação de Concreto Rolado (Jornal da Paraíba, 09 de novembro de 2004) Segundo o relatório final da CPI de Camará, a responsabilidade da tragédia foi do governo anterior e do consórcio das empresas, por falhas na execução do projeto. O Ministério Público Federal irá instaurar uma ação de investigação para apurar a suspeita de superfaturamento da obra, que recebeu cinco aditivos no projeto, cujo orçamento final aumentou em 105,29%. Também foram identificadas várias irregularidades durante a construção da barragem, como por exemplo, a falta de um Estudo de Impacto Ambiental. Outro problema é que o projeto executivo da obra somente foi apresentado cerca de um ano e meio após o início da obra. Atualmente, a execução de empreendimentos desse porte, sujeita-se a prévio estudo de impacto ambiental. Porém, tais estudos são feitos após a definição política de sua implantação e isso acarreta sérios problemas, pois o estudo de impacto freqüentemente revela problemas econômicos, sociais e de proteção dos recursos ambientais que a definição política não considerou. Por isso, entendemos que o estudo de impacto não se deve limitar a projeto de obras ou empreendimentos específicos e determinados, mas deve orientar a própria definição das

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políticas públicas que possam causar alterações ambientais em sua execução, conforme sugerem Tauk-Tornisielo, et al, 1995. De acordo com um procurador geral da república, a licença de instalação da barragem foi fornecida apenas cinco meses antes da entrega da obra. E o pior, até hoje a barragem não tem licença para operação. Além disso, a licitação dizia que não poderia haver a união entre duas ou mais empresas na construção da barragem. Deveria ter sido feita uma nova licitação, somente com empresas com experiência em construção em concreto rolado (Jornal da Paraíba, 27 de novembro de 2004) Devem ser instauradas duas ou mais ações judiciais contra os responsáveis pela tragédia, uma que visa identificar os culpados pelas cinco mortes decorrentes do desabamento da barragem, e a outra é uma ação de responsabilidade civil contra o governo do estado e as empresas responsáveis pela obra. No relatório, foi registrada também a falta de monitoramento da barragem, por parte do atual governo do estado, quando o volume das águas na barragem aumentou. A CUT (2000) afirma que no parágrafo 3º, artigo 225 da Constituição Federal está escrito que: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar o dano.” Isto significa que quem polui pode ser responsabilizado civil, penal e administrativamente e ainda terá que recuperar o ambiente poluído ou degradado. De acordo com o artigo 22 da Lei de Crimes Ambientais, as empresas que poluem devem recuperar o meio ambiente. Ficam, ainda, sujeitas a suspensão parcial ou total da atividade; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. (CUT, 2000) 3.5. IMPACTOS ECOLÓGICOS NEGATIVOS DE ACORDO COM A PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DE ALAGOA GRANDE / PB:

Uma pequena parcela do grupo pesquisado citou como impactos ecológicos,

enquanto negativos: a morte de animais, a perda das plantações e a infertilidade do solo, não havendo uma percepção da importância dos impactos ecológicos, sobressaindo-se a preocupação com a perda dos bens materiais. Fato natural, uma vez que estamos inseridos no modelo de desenvolvimento, no qual o consumismo e a acumulação de bens materiais são incentivados. No entanto, ressaltamos que grande parte do grupo pesquisado perdeu os bens necessários apenas ao seu sustento. O meio ambiente foi afetado na destruição de dezenas de hectares de terras férteis, de milhares de árvores e arbustos, de uma vegetação já muito destruída pela ação humana, e de muitos animais silvestres. Houve total modificação na paisagem mais afetada pelas águas.

Segundo Ross (1991), no ambiente, como na questão da saúde, é preciso ter uma postura mais voltada para o preventivo do que para o curativo. Da mesma maneira que é mais fácil e mais econômico prevenir-se das doenças do que curá-las, na natureza certamente é bem menor o custo da prevenção de acidentes ecológicos e da degradação generalizada do ambiente, do que corrigir e recuperar o quadro ambiental deteriorado. Atualmente, na zona urbana os problemas apresentam-se em menor proporção. Todavia, na área rural os prejuízos são intensos e visíveis. O solo apresenta-se desgastado, dificultando, e até mesmo impossibilitando, as atividades de lavoura e a pecuária na região. O processo de assoreamento atingiu grandes dimensões. A enxurrada causou dois tipos de danos ao solo: a raspagem do terreno, eliminando nutrientes e o depósito de areia. Neste último caso, o terreno ficou submerso por cerca de dois metros, pelo material arenoso trazido pelas águas. Para recuperação do terreno será preciso a retirada do volume e a incorporação de matéria orgânica rica em nutrientes. (Jornal da Paraíba, 02 de outubro de 2004). Sem a recuperação do solo, nos casos das áreas com acúmulo de areia, não é possível plantar raízes de pouca profundidade, como milho, feijão, mandioca e hortaliças em geral. Conseqüentemente, as comunidades, que antes cultivavam este tipo de agricultura, não conseguirão continuar sobrevivendo da lavoura.

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Com o assoreamento, houve o “entupimento” de algumas passagens de água (rio). Sendo assim, os esgotos estão se acumulando em uma lagoa que atravessa a cidade, intensificando um problema já existente, a poluição, inviabilizando o seu uso, e proporcionados problemas estéticos e rupturas ecológicas.

Como se pôde perceber, a população não tem uma consciência ambiental, desconhecendo a importância das inter-relações e interdependência entre os seres humanos e o meio ambiente, pois ao afetar ou destruir o seu meio, as maiores conseqüências recairão sobre nós mesmos: seres humanos. O caso da Barragem de Câmara exemplifica o tipo de relação desarmônica que o ser humano mantém sob o meio ambiente.

É fundamental a sociedade impor regras ao crescimento, à exploração e a distribuição dos recursos, de modo que seja garantida a qualidade de vida daqueles que deles dependam e dos que vivem no espaço do entorno em que são extraídos ou processados os recursos ambientais (BRASIL, 1998).

Com o inevitável aumento das pressões sobre o patrimônio natural em geral, é necessário que o planejamento ambiental esteja atento e capacitado para o exercício das análises prospectivas, desenhando e operando instrumentos que lhe permitam, além do controle e a fiscalização, a definição e a aplicação de políticas preventivas e principalmente aquelas de natureza indutora, sempre na direção de um desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentável (BRASIL, 1995).

Portanto, deve-se cuidar, para que o uso econômico dos bens da Terra pelos seres humanos tenha caráter de conservação, isto é, que gere menor impacto possível e respeite as condições de máxima renovabilidade dos recursos ambientais. 3.6. SOLUÇÕES SUGERIDAS PELA POPULAÇÃO DE ALAGOA GRANDE PARA AMENIZAR E/OU REVERTER A SITUAÇÃO ATUAL: Todos os entrevistados citaram como solução imediata, o pagamento total das indenizações.

Deve haver uma disponibilização de recursos financeiros e humanos por parte do estado para a reconstrução do município, ou seja, grandes e racionais investimentos do governo estadual e principalmente federal, na recuperação do que foi destruído, e outros investimentos para as criações de outras fontes de desenvolvimento para a cidade. Deve-se fazer com que o rio volte ao seu curso normal, evitando a inundação da cidade por qualquer chuva significativa. Pode-se ainda aproveitar o fato como lição para desenvolver ações de preservação para o meio ambiente, como a implantação da Educação Ambiental nas instituições de ensino. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1998) a educação ambiental é indispensável para criar e aplicar formas cada vez mais sustentáveis de interação sociedade e meio ambiente e soluções para os problemas ambientais. A educação sozinha não é suficiente para mudar os rumos do planeta, mas certamente é condição necessária para isso. A questão ambiental impõe às sociedades a busca de novas formas de pensar e agir, individual e coletivamente, de novos caminhos e modelos de produção de bens, para suprir necessidades humanas, e relações sociais que não perpetuem tantas desigualdades e exclusão social, e, ao mesmo tempo, que garantam a sustentabilidade ambiental. Isso implica um novo universo de valores, no qual a educação tem um importante papel a desempenhar. O trabalho de Educação Ambiental deve ser desenvolvido a fim de ajudar os seres humanos a construírem uma consciência global das questões relativas ao meio para que possam assumir posições afinadas com os valores referentes à sua proteção e melhoria. (BRASIL, 1997). O CONAMA (BRASIL, 1996) compreende Educação Ambiental como um processo de formação e informação social orientado para o desenvolvimento da consciência crítica sobre a problemática ambiental, compreendendo-se como crítica a capacidade de captar a gênese e a evolução de problemas ambientais, tanto em relação aos aspectos biofísicos, quanto sociais, políticos, econômicos e culturais; o desenvolvimento de habilidades e instrumentos tecnológicos

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necessários à solução dos problemas ambientais e o desenvolvimento de atitudes que levam à participação das comunidades na preservação do equilíbrio ambiental. Nesse contexto, fica evidente a importância de educar os seres humanos, visando ações responsáveis e com sensibilidade, conservando o ambiente saudável no presente e para o futuro; e buscando constantemente o exercício da cidadania. 4. CONCLUSÃO A Barragem de Camará tinha por finalidade acumular água para abastecer alguns municípios do brejo paraibano. Falhas em sua construção ocasionaram seu rompimento, trazendo para o município de Alagoa Grande / PB uma série de impactos ambientais. Dentre estes impactos, apenas um foi considerado positivo, o sentimento de solidariedade. Os demais foram negativos, como: a perda de bens materiais, de imóveis, do patrimônio público, de reserva hídrica; a morte de animais e de cinco seres humanos; desequilíbrios psicológicos, econômicos, ecológicos e agrícolas. Os animais e vegetais mais afetados foram: bovinos, eqüinos, algumas aves, peixes, plantações de macaxeira, feijão, batata, milho, hortas, capim e árvores frutíferas. Os impactos sociais que mais prejudicaram a população alagoagrandense foram a perda de seus imóveis e de seus bens materiais, deixando várias famílias desabrigadas e provocando um grande abalo psicológico. Os setores mais atingidos pelo desequilíbrio econômico foram o comércio e a agricultura. O comércio foi direta e indiretamente; e na agricultura houve perda nas plantações e os solos foram afetados de maneira a viabilizar as culturas agrícolas. Os impactos de ordem cultural foram representados pela destruição da biblioteca e de algumas escolas municipais. Já de ordem religiosa, não houve nenhum impacto causado pelo rompimento da barragem de Camará, pois as igrejas e templos religiosos localizam-se na parte da cidade não sendo atingida pelas águas da enxurrada.

Grande parte da população afetada diretamente ainda não recebeu as indenizações

em sua totalidade. Se serão realmente pagas e corresponderão aos prejuízos é um dúvida, que só o tempo e a mobilização social responderão. Assim como se a população superará o trauma psicológico e ambiental deixados como marcas desta tragédia. Logo, com todos os impactos negativos causados em decorrência do rompimento da Barragem de Camará, é indispensável à implantação da Educação Ambiental nas escolas do município e nos demais segmentos da sociedade, com o intuito de sensibilizar, mobilizar e conseqüemente provocar mudanças, principalmente no que se refere à recuperação das áreas degradadas, responsabilização daqueles que foram culpados pela tragédia e reorganização dos diversos setores que constituem a cidade. Encontramos na Educação Ambiental uma possibilidade de motivar as pessoas a transformar a realidade local em defesa da qualidade de vida com vistas à cidadania. Que esta tragédia seja um marco para o estado da Paraíba e para Brasil, no sentido de despertar nos seres humanos a necessidade de rever as ações frente ao meio ambiente e o modelo de desenvolvimento e de sociedade vigente. 5. REFERÊNCIAS BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Resoluções, 1983. BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Resoluções, 1996. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais: Meio Ambiente e Saúde. v.9. Brasília: MEC/SEF, 1997. 128 p. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais / Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Ministério do Meio ambiente. Secretaria de Coordenação dos Assuntos do Meio ambiente, Programa Nacional do Meio

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ambiente – PNMA. Os Ecossistemas Brasileiros e os Principais Macrovetores de Desenvolvimento: subsídios ao planejamento da gestão ambiental. Brasília: MMA, 1995. CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES: Comissão de Meio Ambiente. Meio Ambiente, Saúde e Trabalho: o movimento sindical pode ajudar a melhorar o ambiente. Rio de Janeiro: Donemil, 2000. 80 p. ilust. DA REDAÇÃO. CPI de Camará culpa construtora e governo anterior pela tragédia. In jornal da Paraíba, 09 de Novembro de 2004. DA REDAÇÃO. MPF culpa construtores e governo passado por tragédia em Camará. In Jornal da Paraíba, 27 de Novembro de 2004. DA REDAÇÃO. CPI revela detalhes sombrios da obra. In Jornal da Paraíba, 14 de Novembro de 2004. FREIRE, José Avelar. Alagoa Grande: Sua história de 1625 a 2000. 2ªed. v.1. João Pessoa: União, 2002. FREIRE, José Avelar. Alagoa Grande: Sua História de 1625 a 2000. 2ªed. v.2. João Pessoa: União, 2002 MILARÉ, E. e BENJAMIM, H. Estudo prévio de Impacto Ambiental. Teoria, prática e legislação. Ed. Revista dos Tribunais. Coleção de Direito Ambiental. 1994, 1.v. PARAÍBA. Superintendência de Administração do Meio Ambiente. Manual do Controle Ambiental: licenciamento/ fiscalização/ automonitoramento. João Pessoa: SUDEMA, 2003. 364 p. ROCHA, J. S. M. da. Educação Ambiental Técnica para os Ensinos Fundamental, Médio e Superior. Santa Maria: UFSM, 1999. 548 p. il. ROSS, J. L. S. Gemiorfologia, ambiente e planejamento. 2ed. São Paulo: Contexto, 1991. SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI. In BURSZTYN, Marcel (org).

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4 - Professora do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas – UEPB – e-mail: [email protected]