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Impactos ambientais do plantio da cana-de-açúcar nos solos dos assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema – São Paulo: O caso das “parcerias” no
Assentamento Santa Teresinha da Alcídia1
Nivea Massaretto E-mail: [email protected]
Graduanda em Geografia Universidade Estadual Paulista – Campus Presidente Prudente
Bolsista IC FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
João Osvaldo Rodrigues Nunes E-mail: [email protected]
Professor Doutor do Departamento de Geografia Universidade Estadual Paulista – Campus Presidente Prudente
Bolsista IC FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Resumo A região do Pontal do Paranapanema tem sofrido, ao longo das décadas, intenso processo de desmatamento, substituindo áreas nativas de Mata Atlântica e de cerrados, por pastagens e cultivos agrícolas. Este processo histórico é decorrente de uma série de políticas de âmbito público e privado, cujo objetivo era a ocupação do território do Pontal do Paranapanema. Um dos principais resultados desta ocupação, sem planejamento adequado, são os graves problemas de erosão (laminar e linear) em solos com predomínio de classes texturais arenosas, configurando-se em algumas áreas um quadro de degradação com processos de ravinamentos, voçorocamentos, destruição de nascentes, assoreamento de inúmeros córregos, etc. Além deste quadro de degradação ambiental, nos últimos anos tem ocorrido também, um expressivo avanço da monocultura da cana-de-açúcar na região, em especial nos assentamentos rurais, cujos usineiros arrendam terras destinadas à reforma agrária com a conivência do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP). Desta forma, este trabalho tem como proposta principal, analisar os impactos ambientais causados pelo plantio da cana-de-açúcar em assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema, antes e após o plantio da cana-de-açúcar, a partir do conceito de multifuncionalidade rural, compreendo este como para essas áreas de assentamento como integrador entre os aspectos físicos e sociais. Palavras-chave: Assentamento rural, solos, cana-de-açúcar, erosão e multifuncionalidade rural.
INTRODUÇÃO
A região do Pontal do Paranapanema tem sofrido, ao longo das décadas, intenso
processo de desmatamento substituindo áreas nativas de Mata Atlântica e de Cerrados por
pastagens e cultivos agrícolas. Este processo histórico é decorrente de uma série de
políticas públicas cujo objetivo era promover a ocupação do território do Pontal do
Paranapanema-SP. Um dos principais resultados desta ocupação, sem planejamento
adequado, são os graves problemas de erosão (laminar e linear) em solos com predomínio
de classes texturais arenosas, configurando-se em algumas áreas um quadro de
degradação com processos de ravinamentos, voçorocamentos, destruição de nascentes,
assoreamento de inúmeros córregos, etc.
O solo é um dos recursos naturais mais intensamente utilizados na produção de
alimentos e, por isso, pode ter sua capacidade produtiva comprometida pela erosão, pelo
1 Eixo: Geografia Ambiental e da Saúde
uso e manejo inadequados. Desse modo, o conhecimento das relações entre os fatores que
causam as perdas de solo e os que permitem diminuí-las é de fundamental importância para
o planejamento conservacionista (ROQUE et al., 2001).
A erosão é um fenômeno geológico que ocorre, muitas vezes, independente da ação
humana. Este fenômeno natural que remonta às primitivas eras da existência da Terra tem o
equilíbrio dinâmico rompido a partir das intervenções antrópicas. O impacto das gotas de
chuva em um terreno descoberto e o resultante desprendimento das partículas do solo são
as principais causas da erosão hídrica. Portanto, erosão é o processo de desprendimento,
arraste e deposição das partículas do solo causado pela água e pelo vento (BERTONI &
LOMBARDI NETO, 1990).
Conforme Nunes et ali (2006) o problema da erosão deve-se ao fato de que a
mesma ocorre de forma seletiva; num primeiro momento são carreadas as partículas mais
finas, argila e matéria orgânica. Sendo essas as partículas ativas do solo, responsáveis pelo
transporte dos nutrientes, água e sais minerais às plantas, uma vez que se estabeleça uma
situação de perda dessas partículas, ocorrerá redução da fertilidade do solo, diminuição da
capacidade produtiva e conseqüente comprometimento econômico e social.
A história agrícola do Oeste do Estado de São Paulo e, especialmente do Pontal do
Paranapanema, registra intensas mobilizações destinadas à implantação de ciclos
produtivos como o café, algodão, amendoim e pastagens. A utilização desses solos para
produção de alimentos e matérias primas, sem os devidos cuidados conservacionistas,
resultou num processo contínuo de alteração da estrutura natural, ocasionada pelos
implementos agrícolas e preparo intensivo, resultando no aumento das perdas por erosão
(NUNES et ali, 2006).
Sobre estes solos degradados, na década de 80, começou a ocorrer um processo de
ocupação de terras devolutas por parte de determinados movimentos sociais que lutavam
pela melhor distribuição de terras na região do Pontal do Paranapanema. Como resultado,
os Governos Estadual (Instituto de Terras do Estado de São Paulo – ITESP) e Federal
(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA), implementaram uma série
de processos de desapropriação de terras formando assentamentos rurais com os
respectivos lotes para os assentados. Algumas áreas dos assentamentos apresentam
graves problemas de degradação ambiental, principalmente a erosão dos solos.
Na região do Pontal do Paranapanema, mesmo apresentando em algumas áreas um
sério quadro de degradações erosivas, nos últimos anos tem aumentado significativamente
o cultivo da monocultura da cana-de-açúcar, na sua maior parte produção voltada à
exportação. Esse aumento também está relacionado com instalação de usinas de açúcar e
álcool na região.
A instalação das usinas de açúcar e álcool, associado ao histórico de políticas
públicas, por parte das esferas estaduais e federais, no qual pouco tem contribuído ao
desenvolvimento social e ambiental dos assentamentos rurais, gerando baixos
investimentos em infraestrutura básica e assistência técnica adequada à realidade ambiental
das áreas, tem levado os assentados rurais a arrendarem suas terras para os usineiros,
através das “parcerias”, a fim de obterem maior renda. Dessa forma, a expansão do cultivo
da cana-de-açúcar na região do Pontal do Paranapanema, em especial nos assentamentos
rurais, evidencia uma disputa sócio-territorial e ambiental, de um lado, para produzir a cana
e, de outro, para a produção de alimentos por parte dos assentamentos rurais.
DESENVOLVIMENTO
Atualmente, observa-se o aumento das discussões, dentro das dimensões
acadêmica, econômica, política e social, em relação à agricultura do país e do mundo, que
apresenta questões que vão desde a revolução verde até os dias atuais. Como já é
conhecido, o setor primário é o que mais fornece produtos alimentícios às pessoas e
animais e também à própria indústria, contudo, é um setor que vem sofrendo um declínio
através da redução da população rural e, principalmente, da falta de políticas públicas.
A chamada revolução verde, que ocorreu entre as décadas de 60 e 70, aumentou a
produtividade na agricultura e acreditava que, além disso, poderiam ser resolvidos os
problemas derivados da fome no mundo. Para isso era necessário mecanizar o processo de
produção agrícola, utilizar sementes modificadas e fertilizantes industriais. A utilização
dessa prática trouxe conseqüências negativas tanto pela inserção pesada da mecanização
no campo e da monocultura, que afeta o meio ambiente, como há ainda problemas sociais
decorrente do aumento da concentração fundiária e predomínio da agroindústria, que resulta
num problema social e econômico entre as comunidades rurais mais pobres.
Com o agravamento dos problemas do modelo produtivista descritos acima, “outros
olhares” foram lançados sobre o meio rural, em especial na União Européia, em que o
espaço rural começou a ser visto como portador de soluções para a crise sócio-ambiental.
Esses novos olhares estão associados ao conceito da multifuncionalidade.
O conceito da multifuncionalidade teve origem na França, onde foi incorporada no
debate acadêmico em forma de políticas públicas, numa tentativa de reconhecer as
atribuições desempenhadas pela agricultura de forma “gratuita” ao conjunto da sociedade.
No contexto brasileiro, a incorporação da multifuncionalidade da agricultura nos
meios, acadêmico e político, ainda está em fase inicial, sendo feita com base nos
referenciais franceses. Entretanto, a discussão deste tema é extremamente importante, na
medida em que possibilita uma reavaliação da importância dos espaços rurais e da
agricultura, de forma especial a familiar, pois:
A noção de multifuncionalidade da agricultura familiar representa uma tentativa de reconhecer que os estabelecimentos agrícolas e, portanto, os agricultores que neles vivem e trabalham, estabelecem sua estratégias familiares e desempenham outras “funções” não exclusivamente produtivas e mercantis. Neste sentido, ela procura romper com o enfoque setorial da
agricultura que deixa de ser entendida apenas como produtora de bens agrícolas e privados, ampliando o campo de suas funções sociais, englobando um conjunto diverso de elementos econômicos, sociais, culturais e ambientais presentes no mundo rural. (grifo nosso) (MULLER, 2007, p. 4)
Romper com essa visão setorial da agricultura é fundamental para que se possam
promover as potencialidades do rural brasileiro a fim de que os agricultores familiares
também possam fazer do meio rural um espaço de vida e de trabalho.
Aspectos como, a conservação dos recursos naturais e da paisagem, a manutenção
de um tecido cultural e social, geração de oportunidades de emprego e renda, local de
turismo e lazer, a segurança alimentar, entre outras contribuições, podem fazer com que o
rural venha a tornar-se o portador de soluções.
Desta forma, entende-se que a multifuncionalidade pode ser uma alternativa aos
assentados de reforma agrária, uma vez que o modelo ideal de assentamento rural que se
espera é que haja a diversificação de culturas, que é justamente a proposta do conceito de
multifuncionalidade.
Todavia, sem as políticas públicas, com incentivo por parte do Estado, está cada vez
mais difícil encontrar assentamentos de reforma agrária que diversifiquem sua produção,
dessa forma, o que se percebe é que em meio às dificuldades enfrentadas pelos
agricultores familiares, estes tentam buscar novas saídas para que possam permanecer em
seus lotes, sendo uma dessas saídas as parcerias com as usinas.
Um exemplo de onde essas características são evidenciadas é na Região do Pontal
do Paranapanema, mais especificamente, nos assentamentos rurais que existem na região.
Desde 1995, o Pontal do Paranapanema ficou conhecido em todo o país pelos conflitos de
terras que apontavam cada vez mais que a Reforma Agrária no Brasil ainda não estaria
resolvida.
Atualmente, observa-se o estabelecimento de grandes empresas sucroalcooleiras
que estão promovendo o cultivo da monocultura de cana-de-açúcar, principalmente voltada
à exportação. Esta expansão está cada vez maior, devido à falta ou ineficiência de políticas
públicas por parte dos órgãos estaduais e federais. Mesmo os assentados rurais que estão
na região há muito tempo, tem realizado parcerias/arrendamento de suas terras com os
usineiros para o plantio da cana-de-açúcar.
As parcerias surgiram após o estabelecimento da Portaria Itesp 077-2004, que
permite, para os lotes dos assentamentos superiores a 15 hectares, um plantio de até 30%
da área total do lote para culturas com fins de processamento industrial. O Artigo 1º
determina,
A elaboração de projetos técnicos relativos ao plantio de culturas destinadas à venda para agroindústrias, nos Projetos de Assentamento de Trabalhadores Rurais implantados nos Termos da Lei Estadual nº 4.957, de 30 de dezembro de 1985, e legislação complementar, reger-se-á por esta portaria. (Portaria ITESP, 077-2004)
Nesta mesma Portaria, no Artigo 9°, Capítulo VII, estabelece que:
[...] é compromisso da empresa, no caso de plantio de cana-de-açúcar, da recuperação do solo após o encerramento do ciclo da cana, com a destruição da soqueira, sem ônus para o assentado, e especial atenção para o teor da matéria orgânica.
Em algumas parcerias realizadas entre a usina e os assentados rurais, sob a
conivência do ITESP, observou-se em trabalho de campo e em entrevista realizada com
alguns assentados do Assentamento Santa Teresinha da Alcídia, localizado no município de
Teodoro Sampaio – SP, que as usinas plantaram nos lotes, mas não colheram a produção
após a terceira ou quarta rebrota.
Outra informação refere ao não cumprimento do contrato, com o fim do plantio, em
deixar os solos em condições físicas adequadas (construção de curvas de nível e terraços
para evitar problemas de erosão) e químicas (recuperação da fertilidade, etc.), ideais, ou
seja, aparentemente as usinas não cumpriram com o Artigo 9º, Capítulo VII.
Na região do Pontal do Paranapanema existem sete assentamentos rurais em que
os assentados arrendaram parte de seus lotes (30%) para o plantio da cana-de-açúcar.
Dentre os sete assentamentos, foram selecionados três assentamentos (Tabela 01) que
estão situados no município de Teodoro Sampaio – SP. (Figura 01).
Tabela 01- Relação dos assentamentos rurais selecionados que possuem lotes em “parceria” com as
usinas açúcar e álcool na região do Pontal do Paranapanema - Abril 2009
Projeto de Assentamento Estadual
Ano de Criação do
Assentamento
Área do Assentamento (em hectares)
Número Total de
Lotes
Número de Lotes
com parcerias
%
PE Laudenor de Souza 1997 1.545 60 7 11,67
PE Santa Terezinha da Alcídia 1998 1.345 26 24 92,31
PE Vô Tonico 1998 550 19 2 10,53
Total 3.440 105 33 Fonte: Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP); DATALUTA – Banco de dados da luta pela terra. Organização: Nivea Massaretto
Figura 1. Localização dos três assentamentos rurais no município de Teodoro Sampaio na região Pontal do
Paranapanema-SP.
Caracterização dos aspectos físicos do Pontal do Paranapanema-SP.
De acordo com o Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo na escala 1:
500.000, elaborado por Ross e Moroz (1996), os assentamentos rurais encontram-se
localizados na Bacia Sedimentar do Paraná (morfoestrutura) e no Planalto Ocidental
Paulista (morfoescultura), mais precisamente no Planalto Centro Ocidental, cujas formas de
relevo predominantes são as colinas amplas e baixas com altimetria em torno de 300 a 600
metros, declividade variando entre 10 a 20% e predomínio de Latossolos e de Argissolos.
No relevo local predominam as colinas amplas e pouco dissecadas, de topos
suavemente ondulados com fraco desnível topográfico com as vertentes e baixas
declividades. Em algumas colinas os topos apresentam solos profundos do tipo Latossolos.
Áreas com essas características têm sido utilizadas para o plantio de cana-de-açúcar.
Outro aspecto é o forte desmatamento ocorrido não somente nas áreas a montante
das formas colinosas, mas também a jusante das vertentes em direção aos cursos d’água.
No caso da retirada das matas ciliares, em vários pontos das planícies aluviais e alvéolos
com morfologia de fundo chato, apresentam-se extremamente assoreadas, acarretando uma
sensível diminuição do volume de escoamento das águas superficiais.
Quanto aos aspectos geológicos, os assentamentos rurais estão situados sob a
Formação Caiuá (Grupo Bauru). Conforme é especificado por IPT (1981 a: 48) esta unidade
é constituída por “... arenitos finos a médios, com grãos bem arredondados, com coloração
arroxeada típica, apresentando abundantes estratificações cruzadas de grande a médio
porte. Localmente ocorrem cimento e nódulos carbonáticos”.
Referente aos tipos de solos, de acordo com o Mapa Pedológico do Estado de São
Paulo (OLIVEIRA, 1999), na área de estudo encontram-se os Argissolos Vermelhos (PV4) e
os Latossolos Vermelhos (LV45). Essa classe de solo é resultado da ação intempérica sobre
os arenitos da Formação Caiuá – Grupo Bauru.
Os Argissolos são, na sua maioria, solos profundos (> 200 cm de profundidade),
apresentando textura média ou arenosa em superfície, sendo facilmente preparados para o
cultivo e vulneráveis a perdas quando expostos aos agentes erosivos. Compreende solos
minerais com horizonte B textural (Bt - acúmulo de argila) imediatamente abaixo do
horizonte A ou E, resultando numa marcante diferenciação entre os horizontes (mudança
textural abrupta) bem como numa maior capacidade de retenção de água. Tais
características permitem enquadrá-lo na classe dos solos altamente susceptíveis à erosão
(LOMBARDI NETO et al., 1991, citados por OLIVEIRA et al., 1999).
Os Argissolos estão associados a relevos suavemente ondulados a ondulados,
desenvolvidos geralmente nas encostas de colinas e morrotes. São, portanto, áreas de
média a alta declividade (6 a 20 %), onde os processos erosivos são mais intensos (BITAR,
1995), carecendo de práticas conservacionistas de suporte, como terraços em desnível, por
exemplo. Os Latossolos são solos constituídos por material mineral, apresentando horizonte
B latossólico, imediatamente abaixo de qualquer tipo de horizonte A, dentro de 200 cm da
superfície do solo ou dentro de 300 cm se o horizonte A apresentar mais de 150 cm de
espessura (EMBRAPA, 1997).
A classe dos Latossolo ocupa cerca de 50 % da área do Estado de São Paulo
(BRASIL, 1960 citado por OLIVEIRA 1999). Para a região do Oeste Paulista foram
identificadas quatro unidades de mapeamento dos Latossolos Vermelho, sendo as de maior
expressão: LV39 – Distrófico A moderado textura argilosa relevo plano e suave ondulado;
LV45 – Distrófico A moderado textura média relevo plano e suave ondulado; LV63 –
Distrófico textura argilosa relevo plano + ARGISSOLOS VERMELHOS Eutróficos textura
média/argilosa e média relevo suave ondulado ambos A moderado; LV78 – Distrófico A
moderado textura média relevo plano + ARGISSOLOS VERMELHO – AMARELOS e
AMARELOS ambos Eutróficos e Distróficos A moderado textura arenosa/média e média
relevo suave ondulado.
São, em geral, solos com boas propriedades físicas. Situados, na maioria dos casos,
em relevo favorável ao uso de máquinas agrícolas. São solos de excepcional porosidade
total sendo comuns valores de 50-60 % e, conseqüentemente, de boa drenagem interna,
mesmo nos de textura argilosa. Sua elevada friabilidade permite que sejam facilmente
preparados para o cultivo além de serem amplamente utilizados desde a construção civil
bem como, por exemplo, para cobrir células de lixo.
Outro aspecto fundamental para a pesquisa refere-se às condições climáticas. A
região onde se encontram os assentamentos rurais está localizada em uma região climática
do tipo Awa, de acordo com a classificação climática de Köppen. O mês mais frio do ano
(julho) tem temperatura média de 18,1oC e o mês mais quente (janeiro) com 25oC, sendo a
temperatura media anual 22,3oC . Em termos de precipitação, o mês mais seco é agosto,
com um total médio mensal de apenas 34,8 mm de precipitação, e o mês mais chuvoso é
fevereiro, com um total médio mensal de 182,4 mm. O total médio anual de precipitação é
de 1306,2 mm. Estes aspectos são o resultado da atuação, ao longo do ano, das massas
tropicais e polares, além das perturbações frontais.
A região é caracterizada por uma época quente e chuvosa, que vai de outubro a
março e uma época mais amena e seca, que vai de abril a setembro. A própria classificação
de Köppen estabelece que A representa um clima tropical, w representa a presença de uma
estação seca no inverno e a representa um verão quente. Assim, em linhas gerais o clima
da região em estudo pode ser classificado como clima tropical com estação seca no
inverno e com verão quente.
O balanço hídrico normal (1950-1999) da região em estudo mostra que o mês de
agosto apresenta uma pequena deficiência hídrica (2,9 mm) acentuada por uma retirada
significativa (22,3 mm) de água do solo. O mês de dezembro, embora exiba um excedente
significativo (17,2 mm) repõe quase a totalidade desse valor (15,3 mm) ficando com um
excedente líquido ínfimo (1,9 mm). Os meses de janeiro, fevereiro e março apresentam
excedentes extremamente significativos (somando 133,1 mm) representando cerca de 10%
do total anual precipitado. Isto, em termos de controle de erosão é fundamental. Assim, esta
é a época mais crítica para os controles dos processos erosivos.
Outro aspecto de importância fundamental a ser considerado é a erosividade das
chuvas. O único estudo técnico que pode apresentar alguma informação a respeito desse
parâmetro é o índice de erosividade das chuvas (EI30).
Os valores de erosividade da chuva dependem amplamente das intensidades das
chuvas, muito mais do que dos valores dos totais mensais de chuva. Entretanto, como os
valores intensidade da chuva são extremamente raros (em termos de Brasil), utiliza-se o
recurso de regressões lineares com valores de alguma estação próxima que tenha dados de
precipitação. Desafortunadamente, a estação mais próxima aos assentamentos rurais é a de
Presidente Prudente (a mais de 200 km de distância). Com isso, há um comprometimento
da qualidade da informação com a ausência dos valores de intensidade.
Entretanto, para uma primeira avaliação dos potencias erosivos da região em estudo,
podemos resgatar o estudo de Tommaselli et al. (1999), onde se observa que a região está
submetida a potenciais de erosividade da chuva da ordem de 7000 MJ mm h-1 ha-1,
considerado extremamente elevado, ainda mais se aliado às condições dos solos mais
arenosos com presença marcante nesta região.
Resultados das análises de solos
Em primeiro trabalho de campo, que foi realizado no Assentamento Santa Teresinha
da Alcídia, no Município de Teodoro Sampaio – SP, do total de vinte e seis lotes que
compõem o assentamento, vinte quatro realizaram as parcerias com a Destilaria Alcídia e,
dentre os lotes com parcerias foram coletados amostras de solo em cinco lotes, conforme
representação estatística. (Figura 02).
Figura 2. Localização dos lotes do Assentamento Santa Teresinha da Alcídia – Município Teodoro Sampaio.
Os lotes e os pontos de coletas foram definidos de acordo com a declividade e
morfologia do relevo, utilizando planta topográfica do assentamento fornecida pelo Instituto
de Terras do Estado de São Paulo (ITESP).
Nos lotes onde foram coletas as amostras de solos, as informações referentes aos
pontos de coletas nas áreas com cobertura vegetal (áras onde houve o plantio da cana-de-
aúcar) e sem cobertura vegetal (profundidade de 20 cm e de 40 cm), foram organizadas em
quadros, conforme pode ser visto a seguir:
Quadro 1. Descrição Geral do Ponto de Coleta com Plantação de Cana-de-Açúcar no Lote 15. (Figura 03).
Proprietário e Lote: Sra. Maria de Lurdes – Lote 15
Data: 03/10/2009
Área utilizada na plantação da cana-de-açúcar em parceria:
7,7 hectares*
Identificação: Predomínio de Latossolo
Localização, Município, Estado: Assentamento Santa Teresinha da Alcídia, Teodoro Sampaio, São Paulo
Ponto 1: Coordenadas, Altitude 0341247 e 7525042 UTM; 364 m
Ponto 2: Coordenadas, Altitude 0341188 e 7525097 UTM; 364 m
Ponto 3: Coordenadas, Altitude 0341108 e 7525123 UTM; 364 m
Situação e declividade: Média vertente com declividade de 5%
Cobertura vegetal primária e atual: Floresta Tropical Subperenifólia e gramínea
Litologia e Formação Geológica: Arenito da Formação Caiuá
Cronologia: Cretáceo Superior
Relevo local: Colinas com topos suavemente ondulados
Erosão: Não aparente
Drenagem: Bem drenado**
Uso atual: Pastagem
Descrição e coletado por: Elienai Constantino, João Osvaldo Rodrigues Nunes, Nivea Massaretto, Willian Giranda Marques.
*O plantio foi realizado a noite, sendo que era para a usina plantar apenas 3,4 hectares. **Esta condição refere-se ao momento da observação.
Figura 3. Ponto de coleta de amostras em área com plantação de cana no Lote 15.
Quadro 2. Descrição Geral do Ponto de Coleta sem Plantação de Cana-de-Açúcar no Lote 15. (Figura 04).
Proprietário e Lote: Sra. Maria de Lurdes – Lote 15
Data: 03/10/2009
Identificação: Predomínio de Latossolo
Localização, Município, Estado: Assentamento Santa Teresinha da Alcídia, Teodoro Sampaio, São Paulo
Ponto 1: Coordenadas, Altitude 0341001 e 7525135 UTM; 389 m
Ponto 2: Coordenadas, Altitude 0340903 e 7525151 UTM; 389 m
Situação e declividade: Média vertente com declividade de 5%
Cobertura vegetal primária e atual: Floresta Tropical Subperenifólia e gramínea
Litologia e Formação Geológica: Arenito da Formação Caiuá
Cronologia: Cretáceo Superior
Relevo local: Colinas com topos suavemente ondulados
Erosão: Não aparente
Drenagem: Bem drenado*
Uso atual: Pastagem
Descrição e coletado por: Elienai Constantino, João Osvaldo Rodrigues Nunes, Nivea Massaretto, Willian Giranda Marques.
*Esta condição refere-se ao momento da observação.
Figura 4. Ponto de coleta de amostras em área sem plantação de cana no Lote 15.
Após a coleta, as amostras de solos foram levadas para o Laboratório de
Sedimentologia e Análise de Solos da FCT/Unesp – Campus de Presidente Prudente para a
realização das análises físicas, a fim de obter a granulometria das amostras (areia, silte e
argila). Este procedimento foi feito de acordo com o Manual de Métodos de Análise de Solo
(EMBRAPA, 1997).
Em relação aos resultados das análises físicas, conforme pode ser observado na
Tabela 2 e seu respectivo gráfico (Figura 5), obtiveram-se os seguintes resultados:
Tabela 02. Resultado da Análise Física do Solo no Lote 15.
LOTE 15 - Amostras AREIA (g.Kg-1
) SILTE (g.Kg-1
) ARGILA (g.Kg-1
)
01 20 cm c/ cana 873,36 31,65 95,00 01 40 cm c/ cana 838,62 7,38 154,00 02 20 cm c/ cana* 02 40 cm c/ cana 873,86 13,15 113,00 03 20 cm c/ cana 875,74 18,26 106,00 03 40 cm c/ cana 806,93 59,07 134,00 01 20 cm s/ cana 841,69 6,31 152,00 01 40 cm s/ cana 831,71 7,30 161,00 02 20 cm s/ cana* 02 40 cm s/ cana 828,63 33,37 138,00 *Devido erro durante o procedimento da análise física, a análise desta amostra será repetida.
Figura 5. Gráfico dos resultados da análise física das amostras de solo no Lote 15.
De maneira geral, o que se observa nos resultados é a maior concentração da areia
em todas as amostras. Isso está relacionado à formação geológica na qual os
assentamentos estão localizados, ou seja, as formações geológicas areníticas do Grupo
Bauru (Formação Caiuá).
A predominância de substrato geológico de rochas sedimentares, especificamente
nas áreas onde se situam os assentamentos rurais, originou, em determinadas áreas, a
formação de Latossolos e Argissolos, com preponderância de textura arenosa nos
horizontes superficiais, o que é demonstrado nos resultados das análises.
Ainda em relação à fração areia, em quase todos os pontos de coleta, identificou-se
diminuição das frações areia de 20cm para 40cm.
Já os lotes com plantio de cana-de-açúcar apresentaram nos horizontes superficiais
maior percentual de areia, comparado com os lotes sem plantio de cana-de-açúcar.
Provavelmente, isto está associado ao maior remanejo do solo nas áreas de plantio
da cana. No caso das áreas em pousio, sem plantio de cana a maior tempo, o sistema
radicular da cobertura vegetal do tipo gramíneas, consegue recuperar em parte a estrutura
do solo e conseqüentemente a matéria orgânica.
Em relação à presença da fração argila, quanto maior a profundidade maior os
valores. Assim como a areia, na maioria das amostras, a argila é maior nos pontos de coleta
onde não houve plantio da cana-de-açúcar.
Este fato, pode estar associado ao calcário utilizado na correção do solo. Com o
tempo, devido a textura arenosa, as partículas coloidais como matéria orgânica, argila e o
calcário, com a infiltra da água pluvial nos solos, estes materiais são iluviados para
horizontes de subsuperfícies.
O silte apresentou valores baixos, sendo que em nenhuma amostra este valor foi
superior a 10%.
Diante desses resultados, pode-se afirmar que os solos, do lote 15, do Assentamento
Santa Teresinha da Alcídia, com cobertura vegetal e sem cobertura vegetal, onde foram
coletas as amostras em 20 cm e 40 cm predominam grande percentual da fração areia.
Solos com estas características, quando mal manejados e conservados, em períodos
de elevados índices pluviométricos tendem a formar um sério quadro de degradação,
gerando intensos processos erosivos laminares e lineares (ravinas e voçorocas).
Frente a esta situação que, alguns assentados por não possuírem recursos
financeiros compatíveis, para aplicação de técnicas adequadas para melhoria dos solos,
terminaram arrendando parte de seus lotes para o plantio da cana-de-açúcar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Visto as características da multifuncionalidade associadas com as informações
obtidas na realidade dos assentamentos, observa-se que a cana-de-açúcar, enquanto
espécie vegetal, a princípio, não causou danos expressivos nos componentes ambientais,
conforme demonstrado nos resultados das análises físicas, nas quais se observou que os
percentuais das frações de areia, silte, argila, são semelhantes nos pontos onde foi
realizado o plantio da cana-de-açúcar e nos sem plantio.
Entretanto, segundo relatos informais obtidos durante os trabalhos de campo para as
coletas de amostras dos solos, a parceria entre usina e assentados foi prejudicial nos
aspectos sociais e econômicos para os assentados.
Os aspectos sociais e econômicos são fundamentais na perspectiva da
multifuncionalidade, na mesma medida que os ambientais. Deste modo, compreende-se que
o plantio da cana-de-açúcar pode ser uma fonte de renda para os assentados, desde que,
não se torne a única atividade a ser desenvolvida pelas famílias, uma vez que se propõe,
como modelo ideal dos assentamentos, a diversificação de culturas.
É importante ressaltar que este trabalho ainda está em desenvolvimento, sendo que
a próxima etapa a ser realizada são análises químicas, nas quais enfocaremos a fertilidade
dos solos.
REFERÊNCIAS
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