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Ano 30 • número 191 • Abril de 2013 • Belo Horizonte/MG Cada ribanceira, uma nação Reportagem revela ângulos pouco conhecidos do Aglomerado da Serra. PÁGINAS 4 a 11 Caderno DO!S - Teatro, cinema, humor na internet, resenhas e sinalizadores

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Ano 30 • número 191 • Abril de 2013 • Belo Horizonte/MG

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Primeiras palavras ImPreSSãO2 BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

PArA SeGUIr O JOrnAl

FacebookImpressão - Jornal Laboratório

do UniBH

Site:www.jornalimpressao.com.br

Twitter:twitter.com/impressaounibh

@

eXPeDIenTe

REITORProf. Rivadávia C. D. de Alvarenga Neto

INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E DESIGNProf. Rodrigo Neiva

COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMOProf. João Carvalho

LABORATóRIO DE JORNALISMO IMPRESSO

EDITORESProf. Leo Cunha Prof. Maurício Guilherme Silva Jr.

PRECEPTORAProfa. Ana Paula Abreu(Programação Visual)

ESTAGIÁRIOSCamila FreitasGuilherme PacelliJéssica Amaral

MONITORESDany Starling André Zuliani

LAB. DE CONVERGÊNCIA DE MÍDIASEDITORAProfa. Lorena Tárcia

ParceriasLACP – Lab. de Criação PublicitáriaLaboratório de Convergência de MídiasLaboratório de Fotografia

IlustraçõesIzaías Guerra

Modelo da capa do Caderno DO!SAndré Zuliani

IMPRESSÃO / TIRAGEMSempre Editora2000 exemplares

eleito o melhor Jornal-laboratório do país na expocom 2009

e o 2º melhor na expocom 2003

O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo - do UniBH.

Mesmo como projeto do curso de Jorna-lismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divul-gar suas produções neste espaço.

Participe do IMPRESSÃO e faça contato com a nossa equipe:

Rua Diamantina, 463Lagoinha – BH/MGCEP: 31.110-320Telefone: (31) 3207-2811Email: [email protected]

Dany Starling8° PERÍODOEdição: André Zuliani

A frase usada como título desse editorial é um dos mais velhos chavões utilizados nas escolas de jornalismo do Brasil. Dez entre dez profes-sores se valem dela na hora de ensinar a seus alunos a arte de apurar. Conclamam, reiteradamente, sobre a ne-cessidade de estar próximo da fonte, conversar olhando nos olhos, sempre atentos a gestos, expressões e ao que acontece ao redor. Mestres do jornalismo moderno, como o norte-americano Gay Talese e o brasileiríssimo Ri-cardo Kotscho, repetem essa frase como se fosse um man-tra, uma reza.

Redações enxutas e meios de comunicação modernos impedem, contudo, que tal prática ocorra no jornalismo tradicional. A reportagem, verdadeira tradução do que se espera do trabalho de um repórter, está cada vez mais vilipendiada, aviltada, achin-calhada. Jogada às traças,

esquecidas por jornais, revis-tas e meios eletrônicos. “Dá muito trabalho”, dizem uns. “Custa muito dinheiro”, jus-tificam outros. “Ninguém quer ler textos tão longos”, lembram os preguiçosos. Bo-bagem.

Sim, bobagem. A edição 191 do IMPRESSÃO está aí para provar isso. Que lugar de jornalista é na rua. E que uma boa reportagem sempre terá seu lugar garantido no panteão do bom jornalismo. Textos que exigiram apura-ção esmerada dos alunos, idas e vindas em busca de uma informação mais preci-sa, de uma fonte mais prepa-rada. Sem contar o cuidado na hora de escrever, de pôr no papel todo o trabalho de investigação realizado ao lon-go de dias e dias.

O IMPRESSÃO, pela primeira vez, apresenta dois grandes dossiês, um em cada caderno. No primeiro, An-dré Zuliani, Jéssica Amaral e Natanael Vieira desvenda-ram o Aglomerado da Serra, autêntica moldura de Belo Horizonte. No DO!S, coube

aos alunos Camila Freitas, Guilherme Pacelli e Hiago Soares ir em busca de uma resposta para a polêmica existente entre o “teatro co-mercial” e o “teatro de expe-rimentação”, há anos discu-tida por estudiosos, críticos e fãs da arte dramática.

Além da dedicação dos alunos na hora de apurar e redigir, é preciso salientar a sensibilidade evidenciada nas fotografias que ilustram as matérias. Desde as capas, quando não pensamos duas vezes na hora de ousar e apre-sentá-las de maneira pouco convencional. O dossiê do Aglomerado, cujo título foi inspirado na canção “Esta-ção Derradeira”, de Chico Buarque, rendeu imagens tão belas que foi preciso au-mentar o número de páginas para que esse material não se perdesse impunemente.

O trabalho desenvolvido pelos alunos que produzem o IMPRESSÃO faz jus às palavras proferidas pelo pro-fessor Edmundo de Novaes Gomes, em seu discurso de homenagem às turmas que,

no último mês de março, co-laram grau em jornalismo no UniBH. “Quando acharem que podem vos persuadir com soluções fáceis e cretinas é o não que encontrarão (...). Não à conversa fiada quando não é hora dela, não à falsi-dade e à fraude, não ao boato e à fofoca, não ao insulto e à injúria, não à malevolência e à impiedade, ao preconceito e à intolerância, ao fingimen-to e à iniquidade, à comuni-cação que não faz nada além de iludir, não ao jeitinho que nunca define a coisa inteira, não à corrupção que infesta o País e não também à arro-gância que é sempre inimiga da boa vontade. A tudo isso, não. Por mais infernal e difí-cil que seja, não. Pois, se na hora decisiva a palavra vos faltar, parodiando o Cristo de Lucas, só restará pedir às pedras que clamem (...). Só assim, depois de dizer e gritar tantos difíceis nãos, só assim vós podereis olhar de frente para o espelho, ao final dessa caminhada que começa mesmo agora e dizer: sim, sim, sim!"

Lugar de jornalista é na rua

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Visão críticaImPreSSãO 3BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Barbara Goulart Cotrim6° PERÍODOEdição: Dany Starling

Já faz algum tempo que nenhuma pessoa pública rende tanto assunto e discórdia como Marco Feliciano, eleito presidente da Comissão de Direitos Hu-manos. As indagações e manifestações populares permeiam justamente a incon-gruência do cargo com tal personagem em uma mesma sentença. Muitos ques-tionam sobre como é possível alguém com tantas declarações cruéis chegar a tal posto, outros tantos protestam contra o pastor, afirmando que ele não representa essa nação plural, repleta de contrastes.

Tem sido grande a pressão pela saída do racista-homofóbico-metrossexual Feli-ciano do poder. E esses são termos ain-da pouco chulos. Andam dizendo muito mais a respeito do lunático gospel que assumiu nada mais, nada menos, o posto mais importante dos tratados a favor dos direitos humanos no Legislativo brasilei-ro e que, precipuamente, deveria lutar, justamente, em prol das diferenças.

Só que, ao contrário de unir, Feli-ciano vetou o acesso do povo ao parla-mento; ao invés de ouvir, fala aquém de um catedrático de teologia; e no lugar de enxergar, bom, ao que tudo indica, prefere pinçar as sobrancelhas. E como se não bastasse todo o escárnio, ainda ludibria a crença da sociedade quando declara que os desígnios divinos aferiram sua fúria nos tiros que mataram John Lennon e no ‘manche’ que fulminou o grupo Mamonas Assassinas, segundo ele, pelo modo como desafiaram Deus. Com base nisso, se a voz do povo é mesmo a voz de Deus, ele deveria, então, pensar em tirar os vidros do teto e blindá-lo de

concreto, assim como o carro importado e seu caro paletó.

Mas, dia após dia, ele vai ficando, como que vencendo uma batalha a cada 24 horas, travada pelo orgulho de exer-cer tal posto, pelos minutos de fama que parecem não ter fim. E os manifestantes deitam no chão, se desnudam em passe-atas, abaixo assinam tudo o que há de possível, embora nada pareça deter tal soberba do homem nascido há 41 anos, em Orlândia, cidadezinha nas cercanias do interior paulista.

E, se não bastassem tantas declara-ções pregressas à eleição, ele ainda fo-menta a fúria dos povos ao questionar a imprensa antes de uma declaração – “O cabelo ‘tá’ direito?” –, reverenciando-se, e evidenciando a excessiva preocupação com o visual. Sem pensar o quanto isso atribui a seu estigma duplo peso e triplo asco.

Fato é que, em meio a tantas notí-cias e revoltas, se faz possível notar como o brasileiro tem reagido melhor, e mais agressivamente, à afronta do poder pú-blico. Milhares de pessoas têm tomado as ruas, organizando-se em protestos, articulando-se nas mídias sociais e ido além nas manifestações para exonerar o pastor que foi eleito por muitas outras ovelhas que seguem seu exemplo. Que sirva de despertador social, e de lição a todo aquele que acredita que somos tolos o suficiente para deixarmos pra lá, para os deixarmos lá.

Dessa forma, caro leitor, é que é possível mudar a história. Em forma de ação, de manifestação, de não aceita-ção e tantos outros nãos que se fazem presentes na indignação. E pensar que ele saiu de Orlândia querendo ganhar o mundo... Pois deixa estar!

A infelicidade de Feliciano

Smoking Gun ou Bullets?

Uma boate na Savassi, região Centro-Sul de Belo Horizonte, decidiu alterar o tema principal de uma festa intitulada “Smoking Gun”, que promoveria no mês de março, após repercussão negativa na mídia e nas redes sociais. O evento, anunciado na página do Facebook da casa de shows Vel-vet, foi visto com maus olhos, pois ia contra as atuais leis anti-tabagistas e campanhas contra o fumo, oferecendo a liberação de cigarros dentro do local. Porém, o mesmo canal usado para a di-vulgação foi o algoz da Velvet. Por lá, depois de vários jovens e algumas empresas de comunica-ção mandarem seu recado, veio a mudança de “Smoking Gun” para “Bullets”. É doce ou não é?

O sol argentino brilhou mais forte

O mundo parou para ver a fu-maça branca no dia 13 de março e, finalmente, o novo Papa foi escolhido. O anúncio da nacio-nalidade do pontífice, bastante aguardado, foi frustrante para os brasileiros. O novo papa, aquele que comandará a Igreja Católica pelos próximos anos, é argenti-no. A rivalidade Brasil-Argen-tina, eterna no futebol, (vide a disputa Pelé-Maradona e Messi- Neymar), saiu agora dos grama-dos e ganhou um novo palco, o religioso. Foi como perder uma final de Copa do Mundo para os argentinos. O que nos resta é desejar ao Papa escolhido boa sorte, engolir o orgulho e aceitar que, no final, não deu samba, deu tango.

Suicídio a menos de um metro

Depois de 38 anos, a família de Vladimir Herzog recebeu, em março, o novo e legítimo atestado de óbito do jornalista, torturado e morto nas dependências do DOI--Codi, durante a ditadura militar. No documento anterior, avaliada pelo Exército em 1975, a causa da morte foi dada como asfixia mecâ-nica por enforcamento, indicando suicídio. O atual e real atestado apresenta, como causa da morte ,lesões e maus-tratos sofridos du-rante interrogatório. É como diz o ditado: “Antes tarde do que nun-ca”. Após pífia montagem de um suicídio fictício, o Estado tenta reconhecer o que já era de conhe-cimento até de um garoto de 10 anos: ninguém se suicida a menos de um metro do chão!

Descanse em paz, cabrón!

O líder socialista venezuelano Hugo Chávez, morto no dia 5 de março, não mais terá seu corpo embalsamado. Parte-se do pressu-posto de que houve uso abusivo de formol, componente químico uti-lizado, principalmente, para con-servar cadáveres. Mesmo morto, o presidente da Venezuela queria continuar entre nós. A natureza, porém, é sábia e não permitiu. Em-bora quase um ditador, Chávez era adorado pela maioria da popula-ção, o que, contudo, não dá a ele o direito de querer continuar “vagan-do” por aqui. Os venezuelanos de-vem compreender que ele precisa descansar e é importante deixá-lo ir. Seu reinado acabou. Vá, Hugo Chávez. Descanse em paz e se com-porte, onde estiver.

Lúcia Miranda Shirley Assunção

7º PeríodoMONTAGEM:GUILHERME PACELLI

MONTAGEM:GUILHERME PACELLI

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Tramas contemporâneas ImPreSSãO4 BelO HOrIzOnTe, DezemBrO De 2012

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DossiêImPreSSãO 5BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Natanael Vieira7° PERÍODOEdição: Dany Starling

“Muito prazer, sou o Aglomerado da Serra. Aglomerado é isso que, no Rio de Janeiro, chamam de comple-xo, como o Alemão ou a Rocinha. E sou mesmo muito complexo. Um emaranhado de becos, ruas estrei-tas, algumas mais largas, praças meio tortas, meio sujas. São meu sistema nervoso. E bota nervoso nisso. Para alguns, possuo 50 mil moradores; para outros, 60 mil. O que importa? Acho que ninguém está tão interes-sado assim em saber quantas pessoas há em mim. A depender da página da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), acessada pela internet, terei seis ou oito vilas. A depender dessas mesmas páginas, a PBH vai dizer que tenho 27 ou 33 mil habitantes.O Censo 2010 diz que são 34.510. Não me conhe-cem, não me conheço.E não sou pequeno. Para quem che-ga pela entrada Norte da cidade, pela Avenida Antônio Carlos, logo me mostro. Chegue a BH e olhe para a Serra do Curral. Quadrada, ao mes-mo tempo harmoniosa. Emoldura a antiga cidade jardim. Depois, se olhar um pouquinho para a esquerda... ‘O que é aquilo?’ Aquilo, minha gente, sou eu! O Aglomerado da Serra. Nas-ci no início dos anos 1960 e me inten-sifiquei nos anos 1980.Em meados dos anos 1970, a Serra do Curral começou a ser desfigurada pe-las atividades extrativistas das Mine-radoras Brasileiras Reunidas (MBR). A opinião pública pressionou e esse patrimônio paisagístico natural e sim-bólico da cidade acabou por ser pro-tegido pela criação da reserva do Par-que Municipal das Mangabeiras, em 1966. Um catalisador para isso foram os adesivos colados nos carros que disseminavam o slogan criado pelo artista plástico Manfredo Souza Neto: ‘Olhe bem as monta-nhas’.

Alto e gordo, numa continuação da Serra do Curral, sou vizinho da Fun-dação Benjamin Guimarães (Hospital da Baleia), dos bairros Mangabeiras, Paraíso, Santa Efigênia, São Lucas e, claro, da Serra, na região Centro-Sul. Segundo a Urbel (sigla para Compa-nhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte), tenho quase um mi-lhão e quinhentos mil metros quadra-dos. É preciso outro Manfredo Souza Neto para você olhar bem as monta-nhas? Pois bem, vou mostrar uma coi-sa: um raio-x, a imagem de um velho alto e gordo.Vamos falar das minhas filhas, digo, das minhas vilas. São elas: Chácara, Del Rey, Marçola, Fazendinha, Novo São Lucas e a maior, Santana do Ca-fezal. Há também microrregiões entre as vilas, como a Primeira, a Segun-da e a Terceira Água, que têm esses nomes em virtude dos cursos d’água que nascem nos altos dos morros e passam por mim. Um senhor chama-do Google diz que toda a minha área é um mesmo bairro, o Vila Cafezal. Essa gente sabe mesmo confundir as coisas. O nome que me deram é, na verdade, o título de uma das favelas constitutivas do meu sistema, do meu complexo, do aglomerado que sou.Seguindo com o raio-x... Abrigo cinco escolas de ensino fundamental, uma delas fica numa confluência entre vá-rias vilas. O local é comumente cha-mado, por aqui, de ‘Volta’. Trata-se de confluência entre as ruas Serena-ta, São Sebastião, Bandoneon, que se segue até a Dr. Camilo. Como essa articulação me dá problemas! Um joelho de velho. Experimente passar em horário de pico. O mesmo que se vê na Cristiano Machado ou na Praça Sete: uma confusão! É uma área de comércio eferves-cente. Drogarias, s u p e r m e r -

cados, açougues, sacolões, padaria, academia, sorveterias, restaurante, vestuário, calçados e, claro, muitos salões de beleza. Ônibus e vans es-colares entrando onde caminhões e caminhonetes tentam sair, bicicletas e motos onde estariam pedestres. Car-ros se enfileiram de saída para o tra-balho. Um verdadeiro nó. Mas como todo nó, acaba por se desfazer. Vamos levando nossas crianças às escolas e a nós mesmos para... Onde mesmo? Quase tudo se acalma e o dia recome-ça. Abrigo, também, cinco centros de saúde. E, se querem saber, insuficien-tes. Capengam, minha gente. São motivo de uma das minhas dores de cabeça. E onde me remediar? O posto do Cafezal, por exemplo, ficou inati-vo – sobre protestos e manifestações – por cerca de três anos. Sem expli-cações aprofundadas que dissessem coisas diferentes do sacado ‘é para reforma’. Enfim, foi reaberto. Coleta de lixo, varrição e capina também não estão em todas as vilas, mas isso tem melhorado. Muitos moradores foram empregados nessa tarefa.Igrejas? Muitas. Católicas, quadran-gulares, pentecostais, testemunhas, cristãs do Brasil, metodistas, batistas, e por aí vai. Cada uma com sua mis-são, caminhando junto a seus fiéis. Há também grupos espíritas, como a Associação Christopher Smith, e os cristãos em ação conjunta, caso do Jovens Com Uma Missão (Jocum). Muitas delas prestam serviços que deveriam estar na esfera do poder públi-co, outras f a z e m coro

às reivindicações acerca da inoperân-cia.Não posso me esquecer: temos inicia-tivas como a Organização Não Gover-namental ‘Projeto Itamar’. A ONG trabalha a cidadania por meio do esporte e da cultura, busca a integra-ção entre as comunidades. A sede do Projeto abriga uma locadora de filmes (única fonte de renda, os fundos são revertidos na compra de bolas, cole-tes de futsal, quimonos e troféus para campeonatos), um mural com fotos e outros registros de diferentes momen-tos da ONG e do Aglomerado, e uma biblioteca comunitária, que reúne Daniel Defoe, Ariano Suassuna, Aluí-sio Azevedo e Carlos Heitor Cony.Este jornal seria pequeno para falar desta cidade que sou. E, de fato, um raio-x apenas não é suficiente para dar conta do meu complexo e nervoso sis-tema. Gostaria, porém, de levantar uma questão. Comentei há pouco acer-ca de comércio e da presença das igre-jas no Aglô. O que essas instituições , ou empresas, dizem delas, de suas presenças em mim? A que vie-ram? Recorro, novamente, ao caríssimo Manfredo Souza Neto: “Olhem bem as montanhas; olhem o Aglomerado da Serra.”

“Olhe bem as montanhas”

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Natanael Vieira7° PERÍODOEdição: Dany Starling

Muito prazer, sou Natanael Vieira, morador do Aglomerado da Serra. Estudo jornalismo no Centro Univer-sitário de Belo Horizonte – UniBH e integro a equipe de repórteres deste dossiê. Recebemos a missão de falar do lugar onde vivo desde 6 de outu-bro de 1992. Cada um segundo a sua ótica, ao seu modo de expressão. Não é fácil, mesmo para mim. Mas aí vai.

O primeiro olhar que se lança ao Aglomerado da Serra revela confusão. Falo isso por ter percebido a reação de vários amigos que moram em outros lugares, às vezes bairros completamen-te estruturados segundo o padrão que Aarão Reis adoraria ver circunscrito aos limites do “Projeto Belo Horizon-te”. Mas a cidade precisava abrigar, também, quem a construiu. Como no plano não havia lugar para eles, foram se arranjando da maneira que conseguiam. Esse olhar não está de todo errado. Você leu acima sobre a complexidade das vias e das relações que nelas se constroem.

Os morros são resultados dos an-seios elitistas da nova capital. Anseios que não previam pobreza e sequer sa-biam de que modo lidar com ela. As primeiras invasões foram registradas dois anos antes de Belo Horizonte ser inaugurada. E os primeiros registros de ações para coibir a proliferação de favelas remontam aos anos de 1898 e 1900, quando a administração expe-diu ordem de demolição de barracos improvisados (madeira, lona, telas de zinco ou amianto), as chamadas “cafuas”, em regiões próximas à La-goinha, São Cristóvão e a morros nas imediações da capital da Contorno – cujo primeiro nome foi Avenida 17 de Dezembro.

Com o passar do tempo, os assen-tamentos tomaram corpo e fugiram ao controle do poder público. Eram novas cidades sendo edificadas ao re-dor da urbe planejada. A Contorno perdeu seu sentido original. Os locais periféricos construíam suas próprias

identidades e a avenida passou a con-tornar apenas velhos ideais, um anel abraçando uma cidade fadada a per-der seu ar elitista.

Contudo, meu tema central não é a questão fundiária, territorial, mas um âmbito mais abstrato, mais rela-cionado ao aspecto da identidade. Ao contrário de boa parte dos morros cariocas, aqui no Aglô as religiões in-fluenciadas pelas raízes africanas, ou destas originárias, não foram prepon-derantes para a formação do mosaico religioso local. Antes, a igreja católi-ca e as denominações evangélicas se mostraram mais presentes. Arraiga-ram-se. A Paróquia de Santana, no bairro da Serra, data de 1930 e era a responsável pela Comunidade Nossa Senhora Aparecida, uma das mais antigas do Aglomerado. Quanto à pri-meira evangélica, não se tem notícia. Estas são incontáveis. Até a década de 1990, aqui perto da minha rua eu contava quatro. Hoje, são duas, mas, no morro inteiro, seria uma tarefa para o IBGE.

Jesuítas modernosReginaldo José do Nascimento

está barbudo, fazendo jus à imagem construída de Jesus. Não à toa: ele é o Cristo a ser crucificado na Sexta-Feira Santa. Pelo menos no teatro da Pai-xão. Ele conta que está ensaiando há pelo menos dois meses e todos se em-penham, de corpo e alma, para que tudo dê certo. Reginaldo participa assiduamente da Comunidade Nossa Senhora Aparecida, uma das cinco igrejas que compõem a nova Paróquia de Belo Horizonte, a Bem-Aventura-da Dulce dos Pobres.

Até meados de 2012, as Comuni-dades (igrejas católicas com congrega-ção relativamente menor) do Aglome-rado da Serra – Santa Terezinha, São Miguel e as Nossas Senhoras Apare-cida, Rosário, Conceição, Lourdes e Fátima – pertenciam a diferentes Pa-róquias nas imediações do morro, nos bairros de classe média e classe média alta. O que se vê agora é uma rede de igrejas sem uma matriz.

Os templos católicos do Aglô em

nada se assemelham às grandes cate-drais pelo mundo, ou mesmo à Ca-tedral da Nossa Senhora da Boa Via-gem, em estilo neogótico, no bairro Funcionários, ou ainda, à Igreja São José, em estilo manuelino, no centro da capital. Alguns não tão pequenos, mas nada que assuste ou quebre a re-lativa uniformidade das casas sem re-boco e sem pintura, em sua maioria.

Reginaldo diz que a Paróquia de Santana, no bairro Serra, nunca teve relação direta e contínua com a Co-munidade Nossa Senhora Aparecida. “Isso, a meu ver, contribuiu para a busca de uma missão própria, com base na identidade que já temos”, analisa. No caso do teatro, por exem-plo, ele conta que o padre responsá-vel pela administração da Paróquia, Wagner Calegário, sabe do que está

acontecendo de maneira geral, mas prefere não interferir, e incentiva os fiéis a caminharem por si.

A visita ao grupo Jovens Com Uma Missão (Jocum) foi num dia de muita chuva e vento – o que deu um pouco de medo, pois vi uma tor-re de transmissão de energia no ter-reno. Uma senhora que trabalha na Casa Luzeiro foi quem emprestou a chave do portão. Ela estava de saída e, mesmo sem saber a quem cedera a chave, recomendou que desse a volta e entrasse pelo outro lado. “Não tem problema”. Assim o fiz.

Marcelo Henrique também usa barba, mas não tem a ver com teatro, antes porque gosta. O que não gosta

é do termo “coordenador”. Todavia, é mais ou menos essa a função que desempenha. A instituição conta com missionários de vários países e deno-minações protestantes. A unidade local é chamada de Casa Luzeiro e existe, desde 1992, na Vila Novo São Lucas (conhecida como Favelinha). Um casarão com marcos e janelas em madeira densa e outras instalações no terreno. O trabalho é desenvolvi-do, principalmente, com jovens (com ênfase na evangelização, treinamento missionário e desenvolvimento social) e senhoras. Estas estão, no momento, sem condições para serem atendidas. Faziam hidroginástica, mas o equipa-mento da piscina estragou e o conser-to é bem caro.

Marcelo disse que nunca tiveram problemas com a torre de transmis-são. Fiquei mais tranquilo. Ele logo nos explicou que a missão à qual a ins-tituição se dedica – e que conta com outras sete casas em Belo Horizonte, todas mantidas com ajuda de amigos e doações da sociedade – surgiu a par-tir do sonho de um holandês, Loren Cunningham, em 1960. Não somen-te um sonho no sentido de desejo ou anseio, mas um sonho de fato, uma visão enquanto dormia. As missões de Cunningham chegaram ao Brasil, em Contagem, 15 anos após a fundação do Youth With A Mission. Suas ati-vidades são traduzidas num versículo do livro de Marcos que diz: “Ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura”.

Myriam Heilbuth Vercoza nos atendeu na Associação Christopher Smith, no bairro Santa Efigênia. O sobrenome complicado, de origem alemã, não faz jus ao modo como esta senhora lida, há 18 anos, com a creche da Associação que atende a crianças carentes do morro. Ou me-lhor, “Criança é criança, não existe criança de comunidade ou criança rica. Criança tem direito à educação”. É a visão de Myriam, que se desloca do Anchieta, passando por dentro do Aglomerado, até Santa Efigênia, sem cobrar nada por isso. “A doutrina es-pírita ensina a viver olhando sempre o

Dossiê ImPreSSãO6 BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Em busca da feli(z)cidade

“A Contorno perdeu seu sentido original. A periferia construiu sua própria identidade e a avenida passou a contornar apenas velhos ideais”

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DossiêImPreSSãO 7BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

próximo. Minha missão é tomar con-ta da creche”. Mas ela lembra que an-tes dessa incumbência, também parti-cipou das reuniões da Associação com moradores num espaço na Vila Santa-na do Cafezal. Não participa mais por não conseguir fazer esforço físico.

Ela afirma que o trabalho dos es-píritas é sempre em comunidade, em grupos, mas sem a intenção de “espi-ritizar ninguém” (sic). Myriam conta que, em determinada ocasião, quan-do falava dessa maneira de trabalhar a um jornalista, percebeu que ele deixa-va escapulir um riso de vez em quan-do. “Ele dizia que o foco da matéria estava em mim. Então eu disse que ele não conseguiria terminar. Aqui, nós fazemos, nós trabalhamos. Nós. Não apenas eu”, recorda.

Depois de muita conversa, perce-bi que já era hora de ir. Na saída, um notebook começou a emitir um aler-ta. Parecia que era de bateria fraca. Myriam olhou e disse que não sabia mexer naquele, que não tinha muita intimidade com computadores portá-teis, só no que tinha em casa. Em se-guida, revela que comprou um tablet e está tentando aprendendo a usá-lo, do alto de seus 68 anos.

Estes missionários agem com base em conhecimentos próprios e nos en-sinamentos de suas religiões. Reginal-do José do Nascimento chegou ao lo-cal de nossa entrevista com uma vela na mão. Ele acabara de participar da procissão de outra igreja. “Gosto de ir para prestigiar. Iremos nos encontrar na Comunidade Nossa Senhora de Fátima para uma celebração maior. Antes, cada uma faria sua celebração em separado”. Marcelo Henrique viu seus pais traçarem seus caminhos na missão cristã do Jocum, para onde também se direcionou. “As coisas aqui são voluntárias. Respeitamos a identidade da comunidade local. To-dos são bem vindos, sem distinção de religião”, pontua. Ele vê com bons olhos a entrada de pessoas “estrangei-ras” em locais em nome de uma mis-são.

Missões comerciais? Outro olhar lançado sobre o Aglô

pode revelar um tipo de missão di-ferente. São investidas comerciais. Exitosas pelo aumento do poder aquisitivo das classes C, D e E. Bares,

mercearias, lanchonetes e toda a sorte de estabelecimentos. Todos exibem plaquinhas e cartazes que indicam a aceitação de cartões de crédito – e todas as bandeiras, praticamente, são aceitas. Pouco se usa o caderninho com anotações. Um corte de cabelo a R$ 10 pode ser pago com cartão de crédito ou débito. Eu que o diga, já o fiz quando estava sem notas na car-teira.

Se por um lado não há lojas de grandes redes varejistas (supermer-cados, vestuário, drogarias, entre ou-tros tipos), por outro, as que existem encontraram meios para suprir a ne-cessidade de consumo da população local. Uma delas é, como menciona-do, a aceitação de cartões. Algumas lojas, como as de móveis, possuem linhas de crediário próprias. Tornou--se improdutiva a venda dos pequenos comerciantes apenas a dinheiro. O importante é não perder o cliente, ou melhor, o freguês. Entretanto, nos arredores do Aglomerado, é muito co-mum encontrar grandes supermerca-dos, hipermercados e shoppings. Não sobem o morro, mas o morro vai até eles.

Outra missão que tem se mostrado bem sucedida diz respeito às empresas de televisão por assinatura. Ande por qualquer rua ou beco. Se seu intuito for contar dez antenas, em dez minu-tos, será cumprida com louvor. Se o objetivo for contar todas as residên-cias nas quais constam tais antenas, precisará de bons dias para os cálcu-los. Não faço, entretanto, uma análise aqui de cunho qualitativo da progra-mação que mais agrega audiência na região. Ande, de novo, pelas ruas e becos, entre 18h e 22h, e atente aos sons que saem das janelas. Por expe-riência própria, posso dizer que, segu-ramente, você ouvirá as músicas-tema das aberturas das novelas. O que não é algo, categoricamente, negativo. Sa-bemos, é cultural.

Enquanto “passeávamos” pelo morro, mostrei aos colegas Jéssica Amaral e André Zuliani algumas lo-jas mais específicas. Numa delas, de moda feminina, você encontra peças de mesmo valor e aparência daquelas vendidas na Savassi. Quem é clien-te dela não tem vergonha de pedir para parcelar. Quer ter. Próximo a essa loja, uma especializada em moda

evangélica. Sim, existe! A loja, na ver-dade, mescla roupas mais discretas, sem decotes arrojados ou vestidos cur-tos, a roupas ousadas (mas não tanto). Nesse sentido, o consumidor é que é evangélico. A moda é quase a mesma.

Questões públicasO processo de produção da re-

portagem coincidiu com um período conturbado no Aglomerado. Um ho-mem foi assassinado a tiros durante um evento na Praça do Cardoso e ou-tras 13 pessoas ficaram feridas. No dia seguinte, durante uma intervenção da Polícia Militar para investigações e formação de cerco para localizar sus-peitos, um jovem foi baleado na perna pelos PMs. Os moradores e parentes da vítima que estavam no local não permitiram que os policiais levassem o ferido ao hospital e o fizeram num carro particular.

Foi difícil conversar com as pesso-as, perguntar nome e o sobrenome. Mesmo sendo morador, simples per-guntas soavam como investigação. A câmera fotográfica intimidava, des-pertava olhares desconfiados. Não é de se espantar. Os moradores vêem desde sempre a confusão que os jor-nalistas fazem quando da apuração de matérias no morro. Dizem que o cri-me foi numa vila quando, na verdade, foi em outra. Mostram imagens que, nem sempre, condizem com o que se vê no cotidiano do local. É preciso mais que uma matéria, mais que um dia para entender as missões particu-lares dos que passam por estes becos.

Ter uma missão, de maneira geral, significa abdicar de si ou de algo em favor de alguém ou mesmo de um co-letivo. Pude perceber, nos dias mais intensos da apuração, que os missio-nários – sejam religiosos, sejam co-merciais – encontram-se em diferen-tes níveis de comprometimento com suas atividades. Algumas missões es-tão em ascensão, outras em declínio. Missões, missionários e moradores se misturam no ambiente “sub-urbano” do morro e criam, sem muito alarde, novas formas de atribuição de sentido àquilo que vivem. Não é preciso for-çar. Na verdade, é preciso observar. É um processo contínuo de busca e reconstrução do que é ser morador do Aglomerado da Serra. Mas é também um processo de aceitação do outro, do que é diferente em cada um.

“Cidade” heterogênea: prédios, casas e barracos dão forma peculiar ao Aglomerado da Serra

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Dossiê/ensaio ImPreSSãO8 BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Nas quebradas esculpidas pela história, as relações se entrelaçam

Entre natureza e cultura, a serra emoldura o belo horizonte

Ruas e lojas possuem um jeito todo próprio de ser, repleto de prosas, curvas e acontecimentos

Longe da geografia oficial, o Aglomerado possui traços do interior

No sobe-e-desce, crianças brincam, a música toca, as vozes se misturam, o vento orquestra a vida

Jéssica Amaral5° PERÍODO

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Dossiê/ensaioImPreSSãO 9BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Vizinhos e conhecidos

O ágil e o pacato se misturam e fazem parte da mesma matéria

Nas quebradas esculpidas pela história, as relações se entrelaçam

Becos, vielas e escadas. Suas linhas costuram o caminho das casas

Placas indicam nomes e rumos de uma caminhada pouco conhecida

No sobe-e-desce, crianças brincam, a música toca, as vozes se misturam, o vento orquestra a vida

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Dossiê ImPreSSãO10 BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

André Zuliani8° PERÍODOEdição: Dany Starling

Aos olhos de quem está aqui embaixo na cida-de, a impressão que se tem do Aglomerado da Ser-ra é a de um paredão habitado. Quando se está lá, é perceptível e bastante expressiva a quantidade de ruas íngremes e inúmeras vielas, escadarias, becos e, sobretudo, passadiços que fazem parte do itinerário dos moradores. O que podemos perceber é que – não importa a dire-ção para onde você vá – existem apenas duas opções: subir ou descer. Essa rotina “eletrocardiogrâmica”, na qual os moradores caminham do sopé do Aglo-merado até seus lares e o trajeto inverso, das casas até o trabalho, faz com que as panturrilhas sejam a parte mais definida de seus corpos.

Nascido e criado em uma cidade do interior – Lavras, localizada no sul de Minas Gerais –, com “intercâmbio” aos fins de semana e férias letivas na fazenda de familiares, sempre tive vínculos de ami-zade com várias pessoas, desde colegas de escola a famílias de empregados das fazendas de tios, avós e do meu pai. O contato e a convivência com gente diversa em todos os sentidos, mas, principalmente, com indivíduos que prezam pelo diálogo presencial e intimista, muitas vezes sentado na calçada ou esco-rado em uma janela da casa de um conhecido, me remeteu à ideia de déjà vu, ao caminhar pelas vielas sinuosas do Aglomerado da Serra.

Casas, lojas, barracos, mercearias, salões de be-leza, igrejas evangélicas, barbearias, locadoras de filmes foram construídos, em sua maioria, à moda de cidades do interior. Aquela famosa residência co-mercial: comércio embaixo e residência em cima ou fachada de loja e interior de casa. O que quero dizer é que a arquitetura do Aglomerado foi desenvolvida

e efetuada, ao modo e molde dos moradores, com único objetivo, o beneficiamento do indivíduo. Mas veja bem, do indivíduo pessoa/ser humano, na es-sência da palavra, não do individualismo.

Essa cidade que há lá em cima possui uma sime-tria arquitetônica tão peculiar que propicia a cria-ção de laços e vínculos afetivos. Vide o abundante número de pessoas conversando pelas ruas, idosos sentados em cadeiras de plástico e tamboretes de ma-deira no passeio. Moradores almoçando com pratos em mãos sentados no meio fio e proseando com o

vizinho de frente. O cheiro de feijão fervendo e car-ne assando, dependendo da esquina que se dobra, crianças brincando pelas sinuosas e tortuosas vielas e curiosos nas janelas a assuntar o que acontece na vizinhança. Sem esquecer, claro, das constantes jane-las abertas para a rua, sem grades, com uma televisão ligada ao fundo. Quando não, o companheiro é o rá-dio, não apenas do morador, mas de quem passa na rua. Isso “é cagado e cuspido paisagem de interior”. (Essa expressão é derivação popular de origem bé-lica, em carrara esculpido. A versão que empreguei

é utilizada pelo poeta paraibano Jessier Quirino no poema Paisagem de interior, que descreve as minú-cias da vida interiorana).

Vizinhos e conhecidosA vida no Aglomerado é ditada por uma máxi-

ma do interior que diz: “Todo mundo conhece todo mundo”. Essa classificação concede aos seus mora-dores uma vida singular daquela que temos. Aqui, muitas vezes, não conhecemos nosso vizinho de porta, não sabemos quem nos acompanha no ele-vador. Em “nossa” cidade, arquitetura e engenharia são idealizadas em benefício às máquinas e, sobre-tudo, dos automóveis. As vias são largas, longas e sinalizadas. Lá no Aglomerado é completamente o contrário, nota-se que apenas as avenidas feitas pelo governo – após desabrigar moradores e remanejá-los – são largas. As demais, onde o poder público não se meteu, são ruas naturais, como as primeiras estradas, nas priscas eras, que surgiram devido ao incessante transitar de pessoas. Isso se torna claro e significativo quando se observa as vias de ligações daquela cidade. Estreitas, espremidas, tão íngremes que, ao subir, os dedos do pé encostam na canela. Apertadas, as vielas parecem ser todas de mão única, ou exclusivas para motocicletas. Mas não se engane: ali há pontos de ônibus, passam caminhões, bicicletas, carros, motos, muitos motos, e, claro, pela ausência de passeio, to-dos os pedestres.

Não há semáforos, faixas de pedestres, rotatórias e muito menos canteiros com árvores. É costumeiro dar a vez para um carro ou ônibus passar enquanto se exila ou equilibra em um canto ou beira do supos-to meio-fio. O trânsito lembra o da Índia, confuso, mas todos se entendem.

A quantidade de pessoas e crianças pelas ruas não é o único indício de que, naquela cidade, a mudança é constante. A metodologia de arquitetura da favela

O interior é logo aliArquitetura, costumes e tradições aproximam o Aglomerado da Serra das pequenas cidades de Minas

O autor da reportagem observa a vida no morro, dos cidadãos às antenas de TV

“Essa rotina “eletrocardiogrâmica”, na qual os moradores caminham do sopé do Aglomerado até seus lares e o trajeto inverso, das casas até o trabalho, faz com que as panturri-lhas sejam a parte mais definida de seus corpos.”

FOTOS:NATANAEL VIEIRA

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é inacabada, constante e interminável. Os tijolos à mostra, órfãos de reboco e tinta, vergalhões sobres-salentes aguardando por um concreto, lajes carentes de madeiramento e telhas, todos estão expostos ao intemperismo, mas, acima de tudo, à continuidade. Um eterno convite ao “puxadinho”. Uma arquite-tura que disponibiliza, no mesmo lote, casas para todos os membros da família. Ou seja, a avó mora embaixo, a filha em um barraco nos fundos, o tio ao lado, o neto em outro acima da laje daquele da avó. Não é um prédio, é um exemplo de arquitetura do puxadinho.

Destroços e lixeirasA sujeira das ruas é acompanhada por alguns

animais domésticos. Cachorros, galinhas e pinti-nhos são frequentes em alguns passeios e barracos. A quantidade de lixo espalhado às vezes é absurda, assim como seu conteúdo. Pedaços de bonecas, um velotrol, embalagens de alimentos, trapos de panos e alimentos se acumulam em barrancos e matagais vizinhos às casas, mas não só neles. As próprias ruas são depósitos de entulhos e matérias de construção, há sempre montes de areia, brita ou terra pelos can-tos. Alguns barracos, rodeados ou vizinhos de vege-tação – mangueiras, bananeiras e pés de urucum –, são obrigados a conviver com velhos tanquinhos, ou mesmo destroços de máquinas de lavar roupas.

Toda essa poluição se deve, grande parte, à inexis-tência de lixeiras. Encontrar uma é coisa rara. É ne-cessário andar quarteirões e, quando encontro, ela é de madeira e claramente feita pelo próprio morador daquela residência de muro chapiscado. A interven-ção do governo, nesse ponto é exclusiva às obras de realojamento de moradores do Programa Vila Viva. Vistos por fora, os apartamentos populares são arru-madinhos, belos e possuem passeios e lixeiras con-servadas. Sua arquitetura e coloração destoam do restante do Aglomerado.

O Vila Viva corresponde a, no máximo, 10% de todo o Aglomerado, ou seja, o governo oferece aos moradores a mesma porcentagem de lixeiras. É im-possível, mesmo com todo o trabalho de coleta de lixo feito pelos garis, o da varrição pelos varredores e da capina por funcionários da prefeitura, manter aquele emaranhado de ruas sem lixeiras, limpas.

Essa cidade, assim como todas as outras, possui um centro comercial bastante característico, como tudo que é natural de lá. Em um complexo de vie-las – que de tão tortuosas, estreitas e próximas, mais parecem tentáculos de polvo – precisamente na en-cruzilhada das ruas Nossa Senhora de Fátima, São Sebastião, Bandonion e Serenata, encontra-se o

centro comercial do Aglomerado. Aos domingos, o movimento de pessoas não fica atrás do da Feira Hippie. Assim como acontece na tradicional feira da Avenida Afonso Pena aqui os clientes e comerciantes disputam espaço e mercadorias, a proximidade do concorrente é bastante similar.

Mercearia do Tatu, Padaria Canarinho, Super-mercado Goiabal, Açougue do Paulo, Açougue Goiabal, Verdurão Safra, Hortifruti do Serjinho e al-

gumas barracas estilo feira com caixotes de madeira cobertos por verduras, frutas e legumes disputam a clientela que faz compras pré-almoço. Buscando evi-tar a rotina de ônibus, motos e carros da semana que terminou, as ruas viram calçadões devido à quanti-dade de pedestres transitando para cima e para baixo com caixas e sacolas de compras, enquanto outros conversam e observam o movimento daquela “cida-de interiorana” localizada na capital.

DossiêImPreSSãO 11BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Apesar de o laranja tijolo predominar, mil cores destacam a energia dessa “cidade”

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Metamorfose ambulante

Tramas contemporâneas ImPreSSãO12 BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

A transformação da sociedade tem permitido casamentos e uniões antes imagináveis e dos mais va-

XXXXX XXXXX8° PERÍODOEdição: Dany Starling

“E eu vos declaro marido e mulher”. “Que sejam felizes, até que a morte os separe”. Frases como essas sofreram grandes modificações ao lon-go dos anos, principalmente, com o desenvolvimento da sociedade. Hoje, o “eu vos declaro marido e mulher” passa por adaptações. Em muitos casos, para o simples “eu vos declaro ‘marido e ma-rido’” ou “mulher e mulher”. Para falar da mudança desses paradigmas, vale pensar em quais motivos levavam os ca-sais ao matrimônio, desde o início das gerações. Por volta dos séculos XIX e XX, os ca-samentos eram concretizados por objetivos-padrão: consti-tuir família e manter a honra perante a sociedade.

Com a evolução da socie-dade, os matrimônios toma-ram outras diretrizes, com o fim de preconceitos e mitos. No século XIX, as famílias arrumavam os maridos para as filhas e, na maioria dos casos, em troca dos dotes – bens, dinheiro ou terras ofertados às famílias da noi-va. Casava bem a moça cujo dote do pretendente fosse o mais “gordo”, de maior va-lor. Fazendas, lotes, cabeças de gado e tudo o mais que valesse dinheiro era entre-gue em nome da união. Em não raros os casos, muitas famílias falidas trocavam as filhas por dinheiro no ato da negociação. As noivas, então, casavam, muitas vezes, sem conhecer o marido.

Àquela época, a socieda-de impunha a ideia de que mulheres solteiras não me-reciam respeito. Por isso, a maioria sentia a necessidade de casar para não ficar mal falada, ou ser conhecida por “solteirona”. Aquela que não casasse até os 15 ou 16 anos era vista, pela sociedade ma-chista, como “mulher sem serventia”.

Novos tempos Os movimentos popula-

res pela igualdade dos direi-tos, manifestados ao longo

de muitos anos, deram às mulheres, em meados da década de 60, o que elas ten-tavam conquistar: liberdade de expressão, de escolha e igualdade, além do direito de construir relacionamento conjugal e de planejar sua família. A partir dessa legis-lação (que garante vários ou-tros direitos defendidos pela mulher), muita coisa mudou. Atualmente, as mulheres é que escolhem seus namo-rados, noivos e maridos. O casamento é feito pelo amor que une o casal, e não mais em troca de alguma coisa, ou para andar de acordo com as regras da sociedade. Hoje, se o matrimônio não anda bem, se há traição, não se omite e se abaixa a cabeça perante as dificuldades. A mulher que se sentir desconfortável numa relação não tem mais a obrigação de levar o enlace adiante, como antigamente, quando o divórcio era visto como algo terrível.

A jornalista Lidiane Oli-veira, de 26 anos, comenta que hoje as pessoas são livres e se casam por amor, assim como planejam cada detalhe, da cerimônia à convivência diária. Ela se sente realizada por escolher alguém com os mesmos pensamentos e ide-ais de vida. “Tenho certeza de que escolhi a pessoa certa. Ele se parece muito comigo em pensamentos e perspec-tivas. Fiquei noiva em maio e vamos nos casar em breve. Sou romântica e pretendo fa-zer tudo como manda o figu-rino”, conta, entusiasmada.

Até pouco tempo, o casa-mento homossexual não era cogitado. Homens e mulhe-res que amavam pessoas do mesmo sexo tinham de es-conder sua sexualidade – em todos os sentidos. A minoria que ia à luta por seus direitos enfrentava grande crueldade e preconceito. Ante os movi-mentos de liberdade e igual-dade, em 2001, alguns países, principalmente da Europa, regularizaram os direitos dos homossexuais de se casar, se-guindo os mesmos padrões da lei para heterossexuais: primeiramente, o reconheci-mento como união estável, logo seguido da oficialização

do casamento no civil. No Brasil, em meados do ano passado, após o reconhecido da união estável, passou-se a reconhecer o casamento civil

entre pessoas do mesmo sexo. O artista e dramaturgo

Rodrigo Dias vive com seu companheiro há cerca de seis anos. Após muitas dificulda-

des – até a própria aceitação sexual –, ele conta o que vi-vencia em uma sociedade ainda machista e preconcei-tuosa, mas com contínuo

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Tramas contemporâneasImPreSSãO 13BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Os americanos Abril Pignataro e Michael Cur-ry casaram-se em junho de 2010. Apesar de usar trajes adequados para a cerimô-nia, optaram por “roupas de mergulho” nas cores tradicio-nais: a noiva estava de vestido branco e o noivo de preto – tudo, porém, adaptado à vida debaixo d’água.

O local escolhido para a união foi nada mais que um tanque de 120 mil litros, re-pleto de tubarões, que fica no Atlantis Marine World em Riverhead, Nova Yorque (EUA). Como são mergulha-dores, os noivos decidiram fazer os votos em um local que fosse significativo para ambos.

O casal estava protegido por uma gaiola e rodeado por tubarões, enguias e ou-tros peixes. Além disso, usava

equipamento de mergulho e microfones para transmitir suas palavras um ao outro – assim como para os familiares e amigos que acompanhavam o enlace matrimonial, mas do lado de fora do tanque, pois tiveram medo de virar “comida de peixe”.

Me leve para o céuEm Bruxelas, na Bélgica,

o casal Jeroen e Kippers foi erguido numa plataforma a 160 pés do chão para sua ce-rimônia de casamento, onde também estavam 20 convida-dos e o padre que realizou a cerimônia. Em plataforma ao lado, ficaram os músicos. Após os votos, os recém-casa-dos pularam para oficializar a união.

Responsável pela reali-zação do casamento nas al-turas, a empresa Marriage

The Sky assegura que realiza várias celebrações desse tipo. Se puderem desembolsar um pouco mais, os noivos podem optar por fazer uma festa sus-pensa, com direito a jantar com três pratos diferentes. O valor, porém, é realmente mais salgado: tudo fica em torno de £ 25 mil.

Casaram-se como vie-ram ao mundo

Os americanos Ellie Bar-ton e Phil Hendicott realiza-ram um dos mais inusitados casamentos de que se tem notícia: os noivos exibicionis-tas fizeram os votos na frente de 250 convidados vestindo nada mais do que seus anéis de casamento e um buquê de rosas estrategicamente posi-cionado. A única coisa que ela realmente usava, além do

buquê, foi um véu branco. O noivo Phil Hendicott

trajava um chapéu preto, para cobrir as partes íntimas.

A cerimônia de casamento, transmitida ao vivo para vá-rias cidades autralianas, foi realizada pela manhã.

.

Um casamento muito louco!Casais inovam, de maneiras às vezes muito bizarras, na hora de dizer o “sim”

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avanço de ideias: “Acredito que muita coisa mudou. Há mais visibilidade, o assunto está em pauta na mídia, no dia a dia, e muitos mitos es-tão sendo desconstruídos. Mas é só o início de um pro-cesso. Os direitos civis para homossexuais ainda têm que avançar muito. Precisamos

tornar nossa visibilidade coti-diana, para que um dia não haja mais tanta distinção na vida em sociedade”, afirma.

O dramaturgo ainda con-ta que, com a revolução dos protestos pela igualdade de direitos, pensa em oficializar sua união em breve. “Acho que esses movimentos abrem

precedentes para outros vá-rios. Não se percebe que isso reforça o gueto e a discrimina-ção. Sou a favor de lutarmos pelos direitos de igualdade e não ressaltar o que temos de diferente. A discussão é am-pla e profunda, mas prefiro pensar sempre pela categoria da ‘igualdade’ e não da ‘dife-

rença’”, acredita.Para o padre e psicólogo

Márcio Nicolau, os relaciona-mentos, em especial os matri-moniais, ainda passarão por várias transformações. “O amor romântico, aquele que tudo supera, é o objetivo a ser hoje alcançado pela maio-ria das pessoas. Contudo, o

mundo mudou muito, jo-vens sonham com esse amor romântico e se casam. Mas, pela infelicidade conjugal, separam e se casam de novo, sempre em busca da felicida-de, o que os deixa frustrados por vezes, pois a felicidade de um não depende somente do outro”, conclui.

Na China, há mais de dois mil anos, o arroz representava o símbolo da “fartura”. O gesto de jogar os grãos sobre os noivos significa o dese-jo de fartura para a vida do casal e simboliza a fertilidade. Portanto, nunca se esqueçam do arroz!

O truque que algu-mas noivinhas têm usa-do, para variar, é tingir o arroz com as cores da decoração da festa. Não é difícil, mas certifi-que-se de que os grãos estão bem secos, para que não borre o vestido ao tocá-lo.

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minha BH ImPreSSãO14 BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

Caroline PassosRoberta Garcia7° PERÍODOEdição: André Zuliani

Corredores lotados, assentos escassos e trânsito lento. Esta é a situação do transporte coletivo na capital minei-ra. Nos últimos meses, as principais vias de acesso da cidade se encontram em obras para receber o BRT – sigla em inglês para Bus Rapid Transit (transporte rápido por ônibus). Esse foi o sistema escolhido para desafogar o trânsito e que promete resolver boa parte dos problemas de mobilidade urbana com custo de implantação dez vezes menor que a de um metrô.

Andar pelas ruas de Belo Horizon-te de carro ou transporte público não tem sido fácil. De 2005 para 2010, a frota de veículos praticamente do-brou de 82.799 para 163.489. Os da-dos são do Sistema de Informação da Mobilidade Urbana (SisMob) de Belo Horizonte e revelam que o aumento de 80 mil veículos nas ruas da capital ampliou o tempo gasto nas viagens.

A auxiliar administrativo Pollia-ne Shiveck, 27 anos, é moradora da região da Pampulha e precisa pegar dois ônibus diariamente para che-

gar ao trabalho, no bairro Gutierrez, região centro-sul da capital mineira. Ela revela que, nos últimos meses, a situação do trânsito só tem piora-do, “antes eu chegava com 1hora no trabalho, agora levo quase duas. A quantidade de obras espalhadas pela cidade tem prejudicado o acesso dos ônibus, que precisam dar muitas vol-tas para sair dos canteiros de obras ou acabam ficando presos em engarrafa-mentos quilométricos. Está insupor-tável ir trabalhar todos os dias.”

Para o motoboy Glaydston Oli-veira, 23 anos, a situação está muito ruim. “Em qualquer horário que vou fazer minhas entregas pego trânsito. Tenho demorado mais tempo para conseguir atender meus clientes” diz ao destacar que ir de um ponto a ou-tro da cidade leva, nos últimos meses, muito mais tempo. “Sempre preciso pegar caminhos alternativos. Do con-trário, fico atrasado.”

Belo Horizonte está na lista das cidades que receberão verbas do PAC Mobilidade. Em maio deste ano, o Ministério das Cidades anunciou a liberação de R$ 3,1 bilhões para a expansão do metrô. Após a conclu-são das obras a projeção é de que o veículo que hoje transporta 215 mil

passageiros por dia passe a levar 980 mil. No último mês de setembro, a Empresa Pública Trem Metropolita-no de Belo Horizonte (Metrominas) publicou no Diário Oficial do Mu-nicípio (DOM) o aviso de licitação do projeto básico de engenharia das linhas 1, 2 e 3 – sendo 18,5 milhões destinados às linhas 1 e 2, e de R$ 14,6 milhões às obras da linha 3. De acordo com a assessoria de imprensa da Metrominas, o projeto é funda-mental, pois assim será possível apon-tar os custos e elaborar o edital para execução das obras.

Analista técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU--Metrô-BH), Adão Guimarães, afirma que a expansão é a única solução para os problemas de superlotação do sis-tema metroviário da capital e uma alternativa ao alívio do trânsito nas principais vias da cidade. “A linha 1 está no limite da capacidade insta-lada. Não temos como ofertar mais lugares. Transportamos uma capa-cidade muito acima de passageiros” declarou Guimarães. Segundo ele, o crescimento ocorreu em função das mudanças que aconteceram em Belo Horizonte na última década e ressal-tou que o trânsito, hoje, está muito

mais complicado, sobrecarregado, e com isso, as pessoas, por diversas ra-zões, optam por se deslocar de metrô. “Quando falamos em expansão, pen-sar em só levar trilhos para outras re-giões é cair em erro, pois precisamos pensar em melhorias para a linha na qual estamos operando hoje. É preci-so ampliar, melhorar, comprar mais trens, modernizar e mudar alguns sis-temas de controle”, explicou.

Itinerário das linhasA previsão é de que a linha 1 seja

reformada e ampliada até a estação Novo Eldorado, em Contagem. A 2, por sua vez, terá uma extensão de 10,5 km, ligando a região do Barreiro ao bairro Calafate, na Região Oeste da capital. Calcula-se que sejam im-plantadas sete estações. Quanto à linha 3, que, segundo o projeto será totalmente subterrânea, com 4,5 km, ligando a Savassi à Lagoinha, com cinco novas estações.

Estudante de nutrição, Juliana So-ares, 35 anos, é moradora da região de Contagem e utiliza o metrô para trabalhar e voltar da faculdade todos os dias. “O problema é a lotação. Depois de sete horas da manhã os vagões ficam extremamente cheios,

Imobilidade urbanaFrota de veículos e transportes coletivos dificultam o trânsito em Belo Horizonte

Afunilamento de vias, junto às obras do BRT. na Av. Paraná, causam deficiências no trânstio que reverberam na região da Lagoinha

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é difícil transitar, embarcar e desem-barcar do trem,” revela. Apesar disso, ela acredita na eficiência e rapidez do veículo, uma vez que não é necessário enfrentar o trânsito e seus imprevis-tos. “Aumentar a quantidade de trens nos horários de pico já seria um gran-de passo e tornaria a viagem confortá-vel. Não adianta expandir as linhas e construir mais estações se a capacida-de continuar a mesma,” opina. BRT

As principais vias de acesso da ca-pital estão em obras para receber o BRT. A implantação do sistema pro-mete tirar das ruas aproximadamente 800 ônibus nos horários de maior concentração de veículos.Inicialmente, o BRT circulará em dois corredores exclusivos, nas ave-nidas Antônio Carlos/Pedro I e Cristiano Machado, integrando a área central da Paraná e Santos Du-mont, onde estão sendo implantadas seis estações de embarque e desem-barque de passageiros.

As avenidas Santos Dumont e Pa-raná receberão os ônibus municipais do BRT que chegarão das Estações de Integração Venda Nova, Pampulha, Vilarinho, São Gabriel e José Cândi-do. O tráfego nas vias será exclusivo para o BRT. A previsão é que após a inauguração do sistema o número de linhas que chegam das regiões norte, nordeste e leste hoje com 136, dimi-nuirão quase oito vezes, chegando a 18 linhas.

Um centro de controle automa-tizado deve inspecionar todo o fun-cionamento do sistema, o que de acordo com técnicos da BHTrans, representará melhoria da qualidade das informações prestadas aos usu-ários e permitirá gestão eficiente no que se refere à solução dos problemas de operação. Ângela Gomes, 23 anos, analista de atendimento, não acredita que o BRT será a solução, pois apesar de retirar veículos das principais vias, em alguns casos, os usuários gastarão mais tempo para chegar ao destino. “Como moro em Santa Luzia pego dois ônibus para chegar ao trabalho. Com o BRT precisarei pegar três li-nhas diferentes, ou seja, vou gastar mais passagens e tempo,” contesta.

O sistema escolhido é alvo de mui-tas críticas por especialistas. Entretan-to, a BHTrans argumenta que o BRT apresenta o menor custo de implan-tação e o menor tempo para viabilizar o funcionamento. O investimento é, por exemplo, dez vezes menor do que o exigido para a instalação de um metrô e o tempo é pelo menos dois terços menor.

Década do caos O presidente da CBTU- Metrô

BH e especialista em transportes, Nil-son Nunes, comenta que o transpor-te público na capital é ineficiente. “A solução para os problemas da capital seria o planejamento de um sistema de transporte público integrado, in-troduzindo modalidades de alta e

baixa capacidade na matriz de trans-portes da cidade,” profetiza.

De acordo com ele, os problemas de mobilidade são mais sérios do que parecem, além de afetar a qualidade de vida dos usuários com falhas em questões como tempo de viagem, su-perlotação, irregularidade do serviço, além de acarretar ocorrências como aumento da poluição do ar e do nú-mero de acidentes.

Nunes destaca, ainda, que o pro-blema não só agravou nos últimos anos, como tende a piorar. “Os in-vestimentos necessários para resolver os problemas de mobilidade urbana são usualmente altos e os municípios e estados não têm capacidade finan-ceira suficiente. Adotam-se medidas que apenas resolvem parte da questão e a solução mais abrangente é adiada,” conclui.

minha BHImPreSSãO 15BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

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Teoria que seaprende na prática

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Fernando Dutra 6° PERÍODOEdição: André Zuliani

Já foi bombeiro, eletricista, ambu-lante, trabalhou em gráfica, Jorginho já se arriscou em muitas profissões ao longo da vida. Definitivamente ele não tem medo do trabalho. Foi jus-tamente a insistência em fazer o que gosta e, sobretudo, o que acredita que transformou sua vida de artista ambu-lante. Sempre em busca de uma barra-ca na feira para expor seus produtos, por sinal, bastante requisitados, que atualmente não precisa ir atrás de trabalho, são os clientes que batem à porta.

A vida fez de Jorginho um artista. Desde jovem, com base nos conheci-mentos adquiridos com o pai, tecelão, desenvolveu trabalhos em couro, prin-cipalmente, fazendo sapatilhas. Anda-va pelas ruas da cidade, de preferência pelas feiras populares, vendendo seus calçados e, como ele conta, “vendia tudo rapidinho. Os caras viam a qua-lidade do produto e já compravam tudo de uma vez, pra revender”.

Pode até parecer que era fácil, mas a vida seria mais dura com esse artis-ta. Logo ao entrar em seu ateliê, Jor-ginho já corre para mostrar a pilha de cheques sem fundo que adquiriu ao longo da vida. Principalmente na épo-ca em que vendia na rua e era obriga-do a confiar nas pessoas. Por isso, to-mou vários canos, passou necessidade e teve de recorrer à mãe para “salvar os meses mais difíceis”.

Certa vez, quando trabalhava em uma confecção de couro, teve a opor-tunidade de aprender a fazer chine-los. O fato é que um dia apareceu um baiano na rua com um par de chine-los na mão. Como os chinelos eram bonitos e de qualidade, foi chamado para trabalhar na confecção. Eis que o baiano entra no ateliê, corta todo o couro que tinha, usa o necessário para fazer uma amostra do chinelo e some no mundo, deixando todo o material para trás. Ao perceber que o viajante havia “abandonado o barco”, o dono da confecção se desesperou ao ver que tanto material seria jogado no lixo. Jorginho com sua habilidade de artesão, não fugiu à responsabili-dade e conseguiu recriar os chinelos do baiano. Dito e feito: os chinelos fizeram sucesso e Jorginho decidiu seguir seu caminho e abrir a própria confecção.

Com o passar do tempo ficou de-sanimado com o trabalho, produziu muitos “chinelos do baiano”, mas continuava a levar canos. Pensou em desistir do ofício e buscar alternativas

para ganhar dinheiro. Mas o acaso es-tava no caminho deste artista.

Certa vez, quando voltava de bici-cleta para casa, a roda dianteira topou com um pé de chuteira velha, ela se enroscou nos arames e catapultou Jorginho diretamente ao chão. Assim como o rosto outras partes do corpo ficaram esfoladas com a queda. In-dignado decidiu pegar aquele pé de chuteira e levá-lo para casa. Por fim resolveu que iria reformar aquele ve-lho impasse. E assim, de forma catas-trófica, começava sua história com as chuteiras.

Apoiado por um amigo, cliente an-tigo, dedicou de corpo e alma ao novo ramo. Já familiarizado com o manejo do couro rapidamente começou a produzir chuteiras de boa qualidade, sendo requisitado pelos boleiros da Lagoinha. Não demorou e começou a ficar conhecido não apenas na região, mas por toda a capital.

No final da década de 1990, che-gou a criar um modelo de chuteira exclusiva para seu xará, camisa 10 do Atlético-MG. A partir dela, a vida do ex-ambulante mudou radicalmente. Nas duas horas que estive em seu ate-liê, quatro clientes apareceram para buscar encomendas e solicitar novas chuteiras. Sem contar, claro, os amigos que passam apenas para um bate-papo. O lugar é realmente movimentado.

Clientes renomadosHá 18 anos no mercado das chu-

teiras, sua lista de clientes é de invejar até mesmo um vendedor de loja reno-mada. Além das dezenas de boleiros anônimos, as chuteiras de Jorginho chegam a grande parte do elenco pro-fissional dos clubes mineiros: Atlético e América. Do time verde e branco, Jorginho guarda a chuteira do atacan-te Alessandro, já do alvinegro a cole-ção é numerosa. Atleticano fanático que é, deixa bem à vista, como um troféu de honra ao mérito, às chutei-ras de Danilinho, Jô, Réver, Diego Tardelli, Neto Berola, Diego Alves, Renan Ribeiro, Marques e uma rari-dade, a do goleiro Bruno. Tal currícu-lo acabou por ratificar a profissão ao próprio nome. Hoje, todos conhecem o Jorge Abuid Moreira. Quem? O Jor-ginho da Chuteira! Ah, bom!

As amizades que a vida lhe propor-cionou fazem dele um verdadeiro con-tador de histórias. Sempre tem um bom causo envolvendo algum jogador de futebol, sobretudo do atlético, ób-vio. Mas não pense que este sujeito simples se curva ante tantas personali-dades. Já desdenhou de jogadores que se diziam amigos, mas fingiam que não o via na rua.

A cabeleira farta e a barba culti-vada há longos anos, (ambas já meio grisalhas) as roupas sujas de graxa, as mãos calejadas, a fala pausada, porém constante, são características que de-finem o artista. E ele desdenha de

quem lhe julga pela aparência: “eu almoço, vou ao banco, trabalho, faço tudo assim. Por que vão me tratar di-ferente? Se não gosta de mim, tudo bem, mas depois não venha me cha-mar de amigo”.

Apesar de ser reconhecido no meio futebolístico, ainda tem preju-ízo com alguns clientes. Até mesmo dos famosos que recebem milhares de reais por mês, Jorginho já foi vítima.

Hoje em dia, tem condições de recu-sar trabalho. Se um cliente não paga o serviço, não precisa procurá-lo, ele não lhe atenderá novamente. Apesar de colecionar prejuízos, assim como chuteiras, é bem humorado e conti-

nua confiando nas pessoas. Amasiado aos clientes preza

a honestidade ao dinheiro. Pai de duas filhas, uma com três a outra com 14 anos, Jorginho da Chuteira já passou por pou-cas e boas nessa vida. A mais honrosa é que mesmo em um universo dominado pela alta tec-nologia, o artesão se destaca por seu talento manual.

Jornal Daqui ImPreSSãO16 BelO HOrIzOnTe, ABrIl De 2013

À sombra das chuteiras mortaisSimplicidade e perseverança são marcas de Jorge Abuid Moreira, o Jorginho da Chuteira

Até mesmo clientes famosos dão cano em Jorginho