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PERSEGUIÇÃO A Autora n.º 1 do Policial 75 Milhões de Livros Vendidos Os romances de Janet Evanovich encontram-se entre os grandes prazeres e alegrias da ão policial contemporânea. - GQ 100% LEITURA IMPARÁVEL SATISFEITA OU REEMBOLSADA

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Page 1: Impressão CMYK A AUTORA DE POLICIAIS MAIS … insistem que chegou o momento de escolher entre o seu eterno namorado, o detetive Joe Morelli, e o rebelde mas sedutor Ranger, dono de

JANET EVANOVICHPERSEGUIÇÃOESCALDANTE

Em New Jersey, os cadáveres surgem em catadupa. Ninguém sabe quem é o assassino em série nem o motivo por que anda a matar, mas o nome de Stephanie Plum, a caçadora de recompensas, está na lista do homicida.

Stephanie corre contra o tempo para descobrir o que se passa, mas ainda tem de enfrentar outras complicações na sua vida. A sua família e amigos insistem que chegou o momento de escolher entre o seu eterno namorado, o detetive Joe Morelli, e o rebelde mas sedutor Ranger, dono de uma empresa de segurança. E a sua mãe está apostada em juntá-la com Dave, uma ex-estrela do futebol americano, antigo colega do secundário, entretanto regressado à cidade.

Com um assassino implacável no seu encalço, um punhado de homens sedutores e fogosos atrás de si, e assombrada por uma lista de faltosos a tribunal que incluem um urso bailarino e um vampiro de idade já avan-çada, a vida de Stephanie parece prestes a entrar em brasa.

«Os pneus do Lexus chiaram quando o acelerador desceu até ao chão, e o carro pôs-se em movimento. O Dave virou-se na direção do som, afrouxan-do suficientemente para eu me esca-par. Uma fração de segundo depois, ouviram-se tiros e o baque doentio de um carro a bater num corpo. O Lexus desviou-se até junto de uma fila de carros e rugiu à distância. Espreitei por trás do Chrysler do Sr. Molnar e vi os dois homens imóveis e estendidos no chão. Talvez devesse ter ido ver se os podia ajudar, mas não o fiz. Corri de volta para o prédio, subi as escadas e desci o corredor o mais rápido que consegui com os meus saltos de agulha vermelhos. Tremia tanto que estava com visão dupla: tive de enfiar duas vezes a chave na fechadura para conseguir abrir a porta. Apressei-me a entrar em casa, corri as trancas e dobrei-me sobre a cintura para conse-guir respirar. Estava a chorar e com falta de ar: marquei dois números errados antes de conseguir ligar para o 112. Comuniquei o tiroteio e a chaci-na com o carro, desliguei e telefonei ao Morelli e ao Ranger.»

«As personagens de Janet Evanovich são obras de arte divertidas e modernas…As intrigas complexas e cómicas das suas personagens são alimentadas por

reviravoltas absolutamente inventivas e inovadoras.»New York Times

«Recheados de audácia, humor e pura criatividade, os livros de Janet Evanovich, em particular a série Stephanie Plum, são realmente divertidos!»

The Washington Post

A AUTORA DE POLICIAIS MAIS VENDIDA EM TODO O MUNDO

Espreite ovídeo destelivro noecrã de umtelemóvel.

ISBN 978-989-8626-02-8

www. topse l le r .p t

9 789898 626028

Classificação: Ficção/Policial

© Roland Scarpa

A Autora n.º 1 do Policial 75 Milhões de Livros Vendidos

Os romances de Janet Evanovich encontram-seentre os grandes prazeres e alegrias da ficçãopolicial contemporânea. - GQ

Perseguição Escaldante é um policial divertido e autêntico, que vai arrancar muitas e muitas gargalhadas. É um novo estilo de policial, repleto de personagens únicas e inesquecíveis, que em muitos países já criou uma legião de fãs eternamente ansiosos pelo lançamento do próximo êxito da autora.

JANET EVANOVICHé a autora de policiais mais vendida em todo o mundo e a escritora mais bem-sucedida atualmente (fonte: Forbes), com 75 milhões de livros vendidos.

Os policiais da série Stephanie Plum, cuja publicação a Topseller inicia com Perseguição Escaldante, são bestsellers consecutivos do New York Times.

Em 2013, a Topseller iniciará a publicação de duas outras séries da autora: Lizzy & Diesel, cujos livros se tornaram também bestsellers do New York Times, e uma nova coleção desenvolvida em co-autoria com o escritor Lee Goldberg.

100%

LEITURA IMPARÁVEL

SATISFEITA OU REEMBOLSADA

24 mmImpressão CMYK

C

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CY

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K

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P e r s e g u i ç ã o E s c a l d a n t e

Os meus agradecimentos a Shirley Eng

por ter sugerido o título deste livro.

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P e r s e g u i ç ã o E s c a l d a n t e

A minha avó Mazur ligou-me de manhã cedo.

— Tive um sonho — disse ela. — no qual havia um grande

cavalo, que conseguia voar. Não tinha asas, mas conseguia voar.

O cavalo voou por cima de ti, começou a deixar cair excremen-

tos, e tu corrias e tentavas fugir. E o que era mais curioso é que

estavas nua, tirando uma espécie de tanga de renda vermelha.

De qualquer maneira, a seguir apareceu um rinoceronte a voar

por cima de ti, que pareceu pairar acima da tua cabeça. E en-

tão acordei. Mas fiquei a achar que o sonho deve querer dizer

alguma coisa.

— O quê? — perguntei.

— Não sei, mas não pode ser nada de bom. — E desligou a

chamada.

Foi assim que o meu dia começou. E, para ser sincera, aque-

le sonho resumia bastante bem a minha vida.

Chamo-me Stephanie Plum. Trabalho como caçadora de re-

compensas para a agência de fianças do meu primo Vinnie, e

UM

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J a n e t E v a n o v i c h

moro num apartamento minúsculo, insípido e barato, no pri-

meiro andar dum edifício com fachada de tijolo nos arrabaldes

de Trenton, Nova Jérsia. O meu apartamento está mobilado com

os restos da mobília da minha família. Sou de altura média. Es-

tou razoavelmente em boa forma. Acho que sou medianamen-

te inteligente. E tenho a certeza absoluta de que o meu trabalho

é merdoso. O meu cabelo castanho e encaracolado, que me dá

pelos ombros, é herança do lado italiano da família; os meus

olhos azuis, do lado húngaro; e tenho um excelente nariz que é

uma dádiva de Deus. Ainda bem que ele me deu o nariz antes

de descobrir que não sou a melhor católica do mundo.

Estávamos no início de setembro, com demasiado calor para

a época. Tinha o cabelo preso num rabo de cavalo. Abstive-me

de usar maquilhagem, e em vez disso optei por um batom sim-

ples. Vestia um top vermelho de licra, calças de ganga e ténis.

A roupa perfeita para apanhar criminosos, ou comprar donuts.

Parei o meu monte de sucata, o meu Ford Escort, em frente à

Tasty Pastry Bakery, na Hamilton Avenue, e contei mentalmente

o dinheiro que tinha na carteira. Chegava de certeza para dois

donuts, mas não para três.

Estacionei o carro e entrei na padaria, onde a Loretta Ku-

charski estava atrás do balcão. No ano passado, a Loretta era

vice-presidente de um banco. Quando o banco faliu, arranjou

trabalho na Tasty Pastry. Na minha opinião, não deixava de

ser um progresso na carreira. Quem é que não quer trabalhar

numa padaria?

— O que é que vai ser? — perguntou-me ela. — Cannolis?

Biscoitos italianos? Donuts?

— Donuts.

— Com recheio de baunilha e cobertura de chocolate, massa

de chocolate, geleia, glacé de limão, açúcar e canela, mirtilos,

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essência de abóbora, glacé de chocolate, creme de pasteleiro,

folhado, ou com melaço?

Mordi o lábio inferior. Queria-os a todos.

— Com recheio de baunilha, claro.

A Loretta enfiou cuidadosamente um donut recheado numa

das pequenas caixas brancas da padaria.

— E…?

— Com geleia — respondi. — Não, espera! Melaço. Não! Ou

melaço, ou essência de abóbora. Ou talvez glacé de chocolate.

A porta da padaria abriu-se, e entrou uma velha que pare-

cia uma figurante saída de um telefilme sobre a máfia. Era bai-

xa, magra e estava vestida de preto. O seu vestido era preto e

simples, usava um lenço preto no cabelo cinzento-aço, sapatos

pretos e práticos, meias escuras. Os olhos eram negros e cor-

tantes, com sobrancelhas grisalhas e grossas. Uma compleição

mediterrânica.

Loretta e eu arquejámos quando a vimos. Era a Bela, a mulher

mais aterrorizadora de Trenton. Emigrara para os Estados Uni-

dos há mais de cinquenta anos, mas continuava a ser mais sici-

liana do que americana. Era tortuosa, astuta e, quase de certeza,

completamente doida. E era também a avó do meu namorado.

A Loretta persignou-se e pediu à Virgem que a protegesse.

Tendo em conta a minha prolongada ausência da igreja, não

me senti à vontade para pedir ajuda a Nossa Senhora, por isso

lancei à Bella um sorriso fraco e esbocei um pequeno aceno.

A avó Bella apontou-me um dedo ossudo.

— Tu! O que estás aqui a fazer?

Dizer que a minha relação com a avó Bella era delicada se-

ria um extraordinário eufemismo. É que eu não sou apenas a

rameira que, na sua opinião, seduziu e corrompeu Joseph An-

thony Morelli, o seu neto favorito: mais condenável ainda, sou

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neta de Edna Mazur. A avó Bella e a minha avó Mazur não se

dão mesmo nada bem.

— Es-estou a comer um d-d-donut — respondi.

— Sai-me da frente — exclamou a Bella, empurrando-me

para o lado e aproximando-se do balcão. — Cheguei primeiro.

Os olhos da Loretta ficaram tão grandes como ovos de pato,

enquanto dardejavam de mim para a Bella.

— Hum — disse a Loretta, ainda com a caixa que continha

o meu donut recheado nas mãos.

— Na verdade, eu cheguei primeiro — disse à Bella —, mas

se quiser pode passar-me à frente.

— O quê? Estás a dizer-me que chegaste primeiro? Atreves-te

a insinuar tal coisa? — A Bella bateu-me no braço com a mala.

— Não tens respeito?

— Só visto — disse. — Tenha calma.

— Cristo? Disseste Cristo? — A Bella persignou-se e tirou

um terço do bolso. — Vais arder no inferno. Vais ser completa-

mente esmagada. Afasta-te de mim. Não quero estar por perto,

quando isso acontecer.

— Não disse Cristo. Disse só visto.

— Vocês, pagãos — replicou a Bella. —, como a tua avó Edna.

Ela devia apodrecer no inferno.

Muito bem, a Bella era uma velha doida, mas estava a ir de-

masiado longe.

— Ei, tenha cuidado com o que diz sobre a minha avó — res-

pondi-lhe.

Abanou um dedo na minha direção.

— Vou lançar-te mau-olhado. Vou tratar de ti.

A Loretta inspirou profundamente e baixou-se atrás do balcão.

— Vou fazer queixa de si ao Joe — disse-lhe. — Não é supos-

to andar a lançar mau-olhado às pessoas.

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Ela inclinou a cabeça para trás e olhou-me de alto.

— Achas que ele acredita mais em ti do que na avó? Achas

que ele vai acreditar em ti, quando estiveres feia e cheia de fu-

rúnculos? Achas que ele vai acreditar em ti, quando fores gor-

da? Quando cheirares a couve?

A Loretta choramingou atrás do balcão.

— Mantém-te aí em baixo — disse a Bella à Loretta. — Linda

menina. Não te quero no caminho do mau-olhado.

Bem, o que se passa com o mau-olhado é isto. Tenho quase

a certeza de que é tudo um monte de tretas, mas temos sempre

de pôr a hipótese de que o Junior Genovisi não tenha perdido o

cabelo devido à calvície masculina. Quer dizer, nunca ninguém

na sua família tinha ficado careca, e aquilo foi-lhe acontecer logo

a seguir ao enguiço da Bella. Depois, havia ainda a Rose DeMar-

co: atropelou acidentalmente a Bella com a sua cadeira de rodas

motorizada, e no dia seguinte ficou cheia de herpes.

A Loretta levantou-se, enfiou um monte de donuts na caixa

de cartão, e atirou-ma.

— Foge!

Apanhei a caixa e olhei para a Loretta.

— Quantos estão aqui? Quanto é que te devo?

— Nada. Limita-te a desaparecer daqui!

— Ah, é demasiado tarde para ela — disse a Bella à Loretta.

— Já lhe lancei o mau-olhado. Quero um bolo de amêndoa e

café. Este aqui à frente, que tem mais glacé.

Em circunstâncias normais, a esta hora do dia eu estaria a en-

caminhar-me para o escritório da agência de fianças, na Hamil-

ton. Infelizmente, o escritório ardera por completo uns tempos

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antes, por isso agora trabalhávamos a partir de uma autocara-

vana, propriedade de um indivíduo chamado Mooner. Conheço

o Mooner há uma data de anos, e ele não seria propriamente a

minha primeira escolha como senhorio, mas tempos desespera-

dos exigem medidas desesperadas. O meu primo Vinnie preci-

sava de encontrar um lugar com uma renda barata, e o Mooner

precisava de dinheiro para a gasolina e os burritos. Voilà! Uma

agência de fianças móvel. O único problema é que nunca sei

exatamente onde é que o escritório ficou estacionado.

Dirigi-me à Hamilton, passando pelo terreno onde estava

implantado o escritório original. A autocaravana do Mooner

estava ali parada. Havia um atrelado da empresa de construção

civil junto ao passeio atrás da autocaravana. Os destroços quei-

mados já tinham sido levados e havia estacas enfiadas na terra.

O Vincent Plum Bail Bonds estava em modo de reconstrução.

Era segunda-feira, um dia de trabalho normal, só que naquela

manhã havia dois carros da polícia, o jipe verde do Joe Morelli

e a carrinha de carne do patologista estacionados à toa perto do

atrelado das construções e da autocaravana do Mooner. Quatro

agentes uniformizados, o Morelli, o patologista, o meu primo

Vinnie, a Connie Rosolli, gerente da agência de fianças, e o Mo-

oner estavam todos especados em frente de uma retroescava-

dora pequena, olhando para dentro de uma cova pouca funda.

Conheço o Morelli há toda uma vida, e ele é um daqueles ho-

mens que só melhoram com a idade. Era atraente, temerário e

um arrasa-corações no secundário. Ainda é mais bonito agora,

já que o seu rosto mostra algum caráter e maturidade. É esguio

e musculado, com uma onda de cabelo preto por cima das ore-

lhas e ao longo da nuca. Os seus olhos castanhos mostram-se

atentos e avaliadores, quando está a trabalhar. Ficam mais do-

ces, quando está excitado. É um detetive à paisana de Trenton,

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e naquele dia vestia calças de ganga, uma camisa azul, botas e

tinha a arma presa ao cinto. Fazia um contraste gritante com o

meu primo Vinnie, que é dez centímetros mais baixo, e parece-

-se com uma doninha com o seu cabelo penteado para trás e

sapatos de biqueira pontiaguda.

Estacionei atrás do carro do Morelli e juntei-me ao grupo.

— Estamos a olhar para quê? — perguntei ao Morelli.

— Calculo que seja para o Lou Dugan — disse ele.

Uma mão meio decomposta saía da terra revolvida, e não

muito longe da mão encontrava-se algo que poderia ser parte de

um crânio. Vejo muita coisa má no meu trabalho, mas aquilo

estava mesmo no cimo da lista do «Chama o Gregório».

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— O que o leva a dizer que se trata do Lou Dugan? — per-

guntou o patologista ao Morelli.

Ele apontou para a mão.

— O anel no mindinho. Diamantes e rubis. O Dugan esteve

no jantar de panquecas em St. Joaquin’s, disse ao Manny Kru-

ger que ia para casa, e essa foi a última vez que alguém o viu.

Lou Dugan tinha inimigos. Geria um bar de alterne na Baixa,

e era do conhecimento geral que as suas meninas não se limita-

vam a dançar no varão. Era um pilar exibicionista da comunidade,

e eu ouvira dizer que ele podia ser implacável nos seus negócios.

Olhámos todos para a mão macabra e para o anel no min-

dinho.

— Muito bem, ponham a fita da cena do crime — disse o

patologista a um dos polícias de uniforme. — E chamem o la-

boratório para vir exumar o corpo. Alguém vai ter de ficar aqui

até que apareçam as autoridades responsáveis. Não quero lixar

isto tudo.

DOIS

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— Espetáculo — disse o Mooner. — Parece o CSI Trenton.

O Mooner tem cabelo castanho até ao ombro e risco ao meio.

É magro, com uma constituição desajeitada. Tem a minha ida-

de. É um tipo porreiro. A maior parte das vezes tem a cabeça

completamente vazia, desde que fritou o cérebro com drogas no

secundário e nunca mais recuperou.

— Não vou pagar para ficarem aqui a guardá-lo — disse o

Vinnie. — O problema não é meu. O Dugan deixou-se enterrar

nas traseiras do terreno, onde costumavam ficar os contento-

res do lixo. Parece-me que é propriedade da cidade. Isto não vai

impedir a continuação das obras, pois não? Em princípio, iam

começar a assentar os alicerces esta semana. Tive de alugar um

espaço para trabalhar aqui ao Scooby Doo. Cada dia a mais é

um garfo que me espetam nos olhos.

A verdade é que o Vinnie estava em maus lençóis. Estava a

passar por um momento delicado com a Lucille, a sua mulher,

e com o Harry, o Martelo, o seu sogro. O Vinnie e a Lucille ti-

nham-se reconciliado recentemente após uma separação desa-

gradável, e a Lucille mantinha-o à rédea curta. Para agravar a

situação, a pedido da Lucille, o pai concordara em regressar ao

ramo das fianças e estava a financiar o negócio do Vinnie. E a

trela do Harry era apertada e tinha espigões. Por isso, é escusa-

do dizer que para o Vinnie todos os cuidados eram poucos para

evitar uma dor intensa.

Apareceu um Firebird vermelho, que estacionou em segunda

fila junto ao meu carro, e a Lula saiu lá de dentro. Em teoria, a

Lula devia tratar dos arquivos do escritório, mas na verdade faz

o que lhe apetece. Naquele dia estava loira, com o cabelo enca-

racolado e oxigenado a contrastar de um modo muito apelativo

com a pele negra e com o vestido traçado de licra, com padrão

de leopardo. O seu corpo de um metro e sessenta e cinco é ge-

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neroso, mas ela gosta de testar os limites das costuras e tecidos,

espremendo-se em tamanhos duas vezes abaixo do seu.

— O que é que se passa? — quis saber a Lula, afundando na

terra os saltos de dez centímetros dos seus sapatos Via Spiga.

— Este escritório-autocaravana é uma verdadeira chatice. Nun-

ca sei onde estão. E ninguém atende os telemóveis. Como raio

é que consigo trabalhar assim?

— Até parece que trabalhas — queixou-se o Vinnie.

A Lula inclinou-se para a frente, com as mãos nas ancas.

— Essa é uma atitude desrespeitosa, e eu não tolero faltas

de respeito. Já tive imenso trabalho só para encontrar o teu es-

túpido escritório sobre rodas. — Os seus olhos desviaram-se

para a cova e fixaram-se na mão. — O que é aquilo? Estamos a

preparar-nos para o Dia das Bruxas? Isto vai ser uma espécie de

grande partida assustadora?

— Estamos a pensar que talvez seja o Lou Dugan — respon-

di. — A retroescavadora desenterrou-o por acaso.

Os olhos da Lula quase lhe saltaram da cabeça.

— Estás a gozar comigo? O Lou Dugan? O Sr. Mamocas?

— Sim.

— Que nojo. Há alguma coisa ligada àquela mão? Se hou-

ver, não quero saber nada sobre o assunto. As pessoas mortas

dão-me arrepios. Acho que vou precisar de um frango frito para

esquecer tudo isto. E de qualquer maneira, que raio é que o Sr.

Mamocas está a fazer debaixo do escritório da agência?

— Tecnicamente, estava debaixo dos contentores do lixo

— corrigiu o Vinnie.

— Deixa-me ver se percebi. Algum idiota cavou um buraco, em

vez de atirar o corpo ao rio ou ao aterro sanitário? — perguntou

a Lula. — E deixaram-lhe o anel no dedo? Mas que raio! Aquele

anel deve valer alguma coisa. Isto deve ter sido trabalho amador.

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Ficámos todos em silêncio. A Lula tinha razão. Não era as-

sim que se faziam as coisas em Trenton.

Virei-me para o Morelli.

— Ficaste com este caso?

— Sim — disse ele. — Estou cheio de sorte. — Os seus olhos

baixaram até ao meu peito. Inclinou-se para mais perto, os lá-

bios a roçarem-me o ouvido. — Hoje estás muito sexy. Gosto

da tua blusa vermelha.

O elogio agradou-me, mas a verdade é que o Morelli acha

sexy tudo aquilo que visto. A testosterona transborda-lhe de to-

dos os poros.

— Vou voltar para a autocaravana — disse a Connie. — Te-

nho novos casos para tratar.

— Para onde é que vai a autocaravana a seguir? — pergun-

tou a Lula. — Tenho de ir comer um pouco de frango para me

acalmar, e depois posso passar por lá para arquivar ou assim.

— A autocaravana fica aqui — retorquiu o Vinnie. — Tenho

de me encontrar com o empreiteiro esta manhã, para vermos

alguns pormenores.

— Isso é muito má ideia — disse a Lula. — Provavelmente,

há todo o tipo de fluidos repugnantes a escorrerem dessa carcaça

apodrecida. Se ficarmos por aqui, ainda apanhamos alguma coisa.

O Mooner ficou branco.

— Meu…

O Morelli envolveu-me com um braço e acompanhou-me

até ao carro.

— Esta noite, pago-te o jantar se me prometeres que vestes

esse top vermelho.

— E se eu não o usar?

— Pago-te o jantar na mesma. — Imediatamente após di-

zer isto, abriu a porta do lado do passageiro, pegou na caixa de

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cartão da padaria e olhou para o interior. — Não é o costume.

Nunca pedes de mirtilo.

— A Loretta estava com pressa. Foi uma espécie de amos-

tra gratuita.

O Morelli tirou o donut de mirtilo para experimentar, e eu

comi o donut recheado.

— Achas que o Lou está mesmo a derramar fluidos repug-

nantes? — perguntei-lhe.

— Não mais do que aqueles que despejou quando estava

vivo. — O Morelli acabou o donut e beijou-me. — Mmm —

disse. — Sabes a chocolate. Agora tenho de voltar para a esqua-

dra para tratar da papelada, mas vou buscar-te às cinco e meia.

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O Mooner tinha acabado de mudar a decoração do interior

da sua autocaravana: agora, as paredes e o teto estavam forra-

dos numa imitação de veludo preto. Os móveis estavam esto-

fados num tecido aveludado, também preto. O chão tinha uma

alcatifa preta e felpuda, e a bancada era de fórmica preta. Ele

explicou que era como regressar ao útero, mas pareceu-me que

era mais como trabalhar dentro da Estrela da Morte da Guerra

das Estrelas. O Vinnie tinha instalado o seu gabinete na divisão

dos fundos, e a Connie pôs o computador em cima da mesa de

jantar. Um cabo elétrico grosso, que servia de fonte de ener-

gia, corria como um cordão umbilical desde a autocaravana até

ao alfarrabista vizinho da agência. O Vinnie fizera um acordo

com a Maggie Mason, a dona, para nos fornecer a eletricidade.

A iluminação era fraca ou quase inexistente, por isso tive de

tatear o meu caminho até ao sofá e inspecionei-o com atenção

antes de me sentar. O Mooner era bom rapaz, mas a arrumação

e a limpeza não se contavam entre as suas prioridades. A última

TRÊS

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vez que tinha estado na sua autocaravana sentei-me em cima de

um brownie, camuflado contra o veludo preto.

— Novidades? — perguntei à Connie. — Algum caso inte-

ressante?

A Connie estendeu-me dois ficheiros.

— Ziggy Glitch e Merlin Brown. Nenhum dos dois apareceu

no tribunal. O Brown é um repetente. Assalto à mão armada.

O Glitch foi por agressão, e tem setenta e dois anos. O relatório

da polícia diz que ele gosta de morder.

A Connie é uns dois anos mais velha que eu, e muito mais

voluptuosa. Tem cabelo mais comprido, peito maior, é uma ati-

radora melhor e tem um grande par de tomates. Também é da

família de metade da máfia de Trenton.

— Achas que isto do Lou Dugan foi um trabalho da máfia?

— perguntei-lhe.

— Regra geral, há conversas à mesa do jantar quando al-

guém é eliminado, mas não ouvi nada sobre este caso — dis-

se ela. — Acho que a maior parte das pessoas pensava que o

Dugan estava metido em sarilhos e que se tinha escondido

nalgum lugar.

Enfiei os ficheiros na mochila. Liguei à Lula do meu tele-

móvel.

— O que foi? — perguntou ela.

— Vais voltar aqui?

— Talvez sim, talvez não.

— Eu sou sair. Estou à caça de dois novos faltosos.

— Bem, acho que devia ir à caça contigo — disse a Lula.

— Provavelmente, nem estás armada. E se tiveres de abater al-

guém? O que é que fazes?

— Nós não abatemos pessoas — disse-lhe.

— Raios.

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Dez minutos depois, fui buscar a Lula ao parque de estacio-

namento do Cluck-in-a-Bucket. Ela tinha a mala pendurada ao

ombro, um balde de frango enfiado debaixo do braço e a mão

à volta de uma garrafa de litro de refrigerante.

— Uma miúda precisa sempre do seu pequeno-almoço — jus-

tificou-se, enquanto punha o cinto de segurança. — Além disso,

acabei de sair de uma dieta e tenho de recuperar as minhas for-

ças. — Estendeu um guardanapo de papel no colo e tirou um pe-

daço de frango do balde. — De quem é que estamos à procura?

— Merlin Brown.

— Oh, esse — disse ela. — O ano passado arrastámo-lo de

volta para a cadeia, por causa daquela acusação de furto. Foi

um verdadeiro chato. Não queria ir. O que é que ele fez agora?

— Assalto à mão armada.

— Que bom para ele. Pelo menos, elevou um bocadinho a

fasquia. Quem mais é que tens?

— Ziggy Glitch. — Entreguei-lhe o ficheiro. — Tem setenta

e dois anos, é procurado por agressão. Acho que devíamos co-

meçar por ele.

A Lula folheou os papéis.

— Vive no Burg. Na Kreiner Street. E diz aqui que gosta de

morder. Odeio os que mordem.

O Burg é um pedaço de Trenton ligado à Hamilton Avenue,

à Liberty Street, à Broad e à Chambersburg Street. As casas são

pequenas, as ruas estreitas e os televisores grandes. Nasci e cres-

ci no Burg, e os meus pais ainda lá moram.

Virei na Hamilton, passei pelo hospital de São Francisco e

entrei na Kreiner.

— Qual é a história do Ziggy? — perguntei à Lula.

— Diz aqui que ele se reformou do seu trabalho na fábrica

de botões. Nunca casou, pelo que estou a ver. Tem uma irmã,

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que assinou a caução, e que vive em Nova Brunswick. Parece

que esta é a primeira vez que vai preso. Provavelmente, não to-

mou os remédios, ficou doido e bateu noutro velhinho com a

bengala. — A Lula inclinou-se para a frente, enquanto conta-

va as casas. — É aquela de tijolo, com a porta vermelha. A dos

cortinados pretos, pendurados em todas as janelas. Mas que

raio de coisa!

O Ziggy vivia numa casa estreita de dois pisos, com um metro

de relva e um pequeno alpendre na parte da frente. Assemelha-

va-se a todas as outras casas do quarteirão, tirando os cortina-

dos pretos. Saímos do carro, tocámos à campainha e esperámos.

Nenhuma resposta.

— Aposto que está lá dentro — sugeriu a Lula. — Onde mais

poderia estar? Não trabalha, e a esta hora da manhã não há bingo.

Voltei a tocar à campainha, ouvimos alguns sons arrastados

no interior da casa e, de súbito, abriu-se uma nesga da porta.

— Sim? — perguntou o rosto pálido, do outro lado da fresta.

Pelo que conseguia ver, ele encaixava na descrição de Ziggy

Glitch: cabelo grisalho fraco, ossudo, um metro e setenta e sete.

— Represento o seu agente de fiança — respondi. — O se-

nhor não compareceu a uma audiência em tribunal. Tem de fa-

zer uma nova marcação.

— Volte quando anoitecer. — Fechou-me a porta na cara, e

de seguida trancou-a.

— Boa! — disse-me a Lula. — Não sei porque é que usas

essa frase patética. Isso nunca resulta. Toda gente sabe que vais

acabar por arrastá-los pelos cabelos para a prisão. E se eles qui-

sessem ser presos tinham posto os pés nas suas estúpidas au-

diências em tribunal.

— Ei! — gritei ao Ziggy. — Volte aqui e abra esta porta, ou

então vamos abri-la a pontapé.

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— Eu não vou abrir nenhuma porta a pontapé, com os meus

Via Spigas — queixou-se a Lula.

— Ótimo. Eu trato disto sozinha.

Sabíamos as duas que aquilo era um treta. Arrombar portas

não fazia parte da lista de truques que eu conseguia dominar.

— Vou voltar para o carro — disse a Lula. — Tenho um bal-

de de frango à minha espera.

Segui a Lula até ao carro e conduzi a curta distância até à

casa dos meus pais. O Burg é uma comunidade unida, que se

alimenta à base de mexericos e carne assada. Desde que o meu

avô Mazur apanhou o comboio da alegria para o céu, a minha

avó Mazur vive com os meus pais. A avó Mazur sabe tudo a

respeito de toda a gente. E eu podia apostar que ela conhecia o

Ziggy Glitch.

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J a n e t E v a n o v i c h

Estacionei no caminho de acesso à casa dos meus pais.

— Espero que a minha avó conheça o Ziggy e possa fazê-lo

ser bonzinho.

A Lula poisou o seu balde de frango no chão.

— Adoro a tua avó. Quando crescer, quero ser igualzinha a ela.

A avó Mazur estava na porta da frente à nossa espera, con-

duzida por algum instinto maternal que pressentia a aproxima-

ção das crias. Tem olhos astutos e pele flácida, e o seu cabelo

cinzento-aço é curto e com caracóis. Vestia um fato de treino

sedoso, lavanda e branco, e ténis brancos.

— Que surpresa agradável — disse. — Tenho um bolo de

café em cima da mesa.

— Não me importava nada de comer um pouco — aceitou

a Lula. — Estava mesmo a pensar que um bolo de café vinha

a calhar.

A minha mãe estava na cozinha a passar a ferro. Fisicamen-

te, é uma versão mais jovem da minha avó Mazur, e fisicamente

QUATRO

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eu sou uma versão mais jovem da minha mãe. Mental e emo-

cionalmente, a minha mãe é ela mesma. A insanidade parece

ter saltado uma geração, e sobrou a minha mãe para aguentar

o fardo de manter algum padrão de decoro na família. A minha

avó e eu somos as destrambelhadas de serviço.

— Então, o que é que se passa com o ferro? — perguntou

a Lula.

Todos sabíamos que a minha mãe passava a ferro quando esta-

va perturbada. Passou dias e dias a fazê-lo, quando me divorciei.

A minha avó contornou de longe a minha mãe e poisou o

bolo de café em cima da mesa.

— A filha da Margaret Gooley ficou noiva, e eles já alugaram

o Polish National Hall para o casamento em novembro.

— E? — perguntou a Lula.

— Eu fiz o secundário com ela — respondi.

A Lula sentou-se à mesa e cortou uma fatia do bolo de café.

— E?

A minha mãe carregou com o ferro de engomar num par de

calças com tanta força, que elas iam ficar com um vinco para o

resto dos seus dias.

— Não sei porque é que as filhas de toda a gente se casam,

menos a minha! — disse ela. — É pedir muito ter uma filha ca-

sada e feliz?

— Eu fui casada — respondi. — Não gostei.

A minha avó barrou a sua fatia de bolo com manteiga.

— Ele era caca de cavalo.

— Há anos que namoras com o Joseph Morelli — queixou-se

a minha mãe. — É a delícia da vizinhança. Porque é que, pelo

menos, não estás comprometida?

Aquela era uma excelente pergunta, e eu não tinha uma res-

posta. Pelo menos, uma resposta que quisesse dizer em voz

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alta. A verdade é que o Morelli não era o único homem da minha

vida. Eu estava apaixonada por dois. Que tal, para complicações?

— Sim — virou-se a Lula para mim. — Tens de tomar uma

decisão quanto ao Morelli, ou alguém vai acabar por to roubar.

Ele é uma verdadeira brasa. E tem a sua própria casa e um cão,

e isso tudo.

Eu gostava do Morelli. Gostava mesmo. E a Lula tinha razão.

Ele era uma brasa. E eu achava que ele daria um bom marido…

provavelmente. E havia dias em que suspeitava que ele poderia

mesmo querer casar comigo. O problema é que, sempre que

pensava que casar com o Morelli podia ser interessante, o Ran-

ger surgia na minha mente como fumo a esgueirar-se pelas

frinchas de uma porta fechada.

O Ranger não tinha estofo para marido. Era um latino boni-

to de fazer parar a respiração, pele morena e olhos escuros. Era

forte por dentro e por fora, um enigma que mantinha as cica-

trizes que a vida lhe dera muito bem escondidas.

— Tenho de levar o Ziggy Glitch para uma audiência — dis-

se à minha avó. — Pensei que podias visitá-lo e convencê-lo a

ir comigo.

— Posso fazer isso, mas vais ter de esperar que anoiteça.

Ele não sai de dia. — A minha avó interrompeu-se. — Ele está

numa situação peculiar.

Mordisquei um pedaço do bolo de café.

— Que tipo de situação? Um problema de saúde?

— Sim, acho que pode ser considerado um problema de saú-

de. É um vampiro. Se sair à luz do sol, isso pode matá-lo. Até

pode ficar todo queimado. Lembras-te quando a Dorothy atira

água à bruxa má do Feiticeiro de Oz e a bruxa fica toda mirrada?

É parecido com isso.

A Lula quase cuspiu o bolo.

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— Ora, vá lá! Está a gozar comigo?

— Por isso é que ele nunca se casou — continuou a minha

avó. — Assim que uma mulher via as suas presas, não queria

ter mais nada a ver com ele.

— Então, quando a polícia disse que ele mordia, queria mes-

mo dizer que ele era um mordedor? — perguntou a Lula.

A minha avó comeu o resto do seu bolo.

— Sim. Ele suga-te logo o sangue. Até à última gota.

— Isso é ridículo — disse a minha mãe. — Ele não é nenhum

vampiro. É um homem com um problema dentário e um trans-

torno de personalidade.

— Acho que esse é um daqueles pontos de vista politicamente

corretos — replicou a Lula. — Não me importo de pôr assim as

coisas, desde que não fique com buracos no pescoço enquanto

estou a tentar não ofender um sacana de um vampiro. Descul-

pem a minha linguagem. E este é um bolo de café muitíssimo

bom. Não será do Entenmann’s?

— Não vi nenhuma presa quando ele abriu a porta — disse

à minha avó.

— Bem, é de dia, por isso talvez ele se estivesse a preparar

para dormir e tivesse a dentadura dentro de um copo — disse a

minha avó. — Eu não uso a minha dentadura, quando durmo.

A Lula recostou-se na cadeira.

— Espere lá. As presas do tipo são falsas?

— Costumavam ser verdadeiras — disse a minha avó —, mas,

há alguns anos, a Bella, a avó do Joe, lançou-lhe mau-olhado, e

todos os seus dentes caíram. E o Ziggy foi consultar o Horace

Worly, um dentista na Hamilton Avenue junto ao hospital. Bem,

o Horace fez uma dentadura nova ao Ziggy, que se parecia exa-

tamente com a verdadeira.

Olhei para a minha mãe.

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— É verdade?

A minha mãe suspirou e continuou a passar a ferro.

— Ouvi dizer que encontraram o Lou Dugan — disse a mi-

nha avó. — Quem teria imaginado que ele estaria ali enfiado,

na Hamilton Avenue.

— Nós vimo-lo — disse a Lula. — Era como se estivesse a

tentar sair do túmulo, com a mão espetada para fora da terra.

A minha avó respirou fundo.

— Viram-no? Como é que ele estava?

— Todo comido pelos bichos e esfarrapado.

— Vão ter de se esforçar muito para o fazer parecer com

qualquer coisa e para que as pessoas o possam ver no velório

— disse a minha avó.

— É verdade. — A Lula deitou natas no seu café. — Talvez

nunca o reconhecêssemos, se não fosse pelo anel.

A minha avó inclinou-se para a frente.

— Ele tinha o anel? Aquele anel vale bastante dinheiro. Que

espécie de cretino é que se lembraria de enterrar o Lou Dugan

com o anel ainda posto?

A Lula cortou uma segunda fatia de bolo de café.

— Foi isso que eu disse. Teria de ser alguém em pânico. Al-

gum amador.

Ou alguém que quisesse fazer passar uma mensagem, pensei.

Parecia-me que o túmulo era pouco fundo. Talvez a intenção

fosse mesmo que alguém encontrasse o Lou Dugan.

— É mesmo aconchegante estar aqui na cozinha — disse a

Lula. — Aposto que se ficasse aqui o tempo suficiente consegui-

ria esquecer tudo sobre o Lou Dugan e a sua mão carcomida.

A casa dos meus pais é pequena e está atafulhada de mobili-

ário confortável, um pouco gasto. As janelas estão cobertas por

cortinados brancos e transparentes. As mesas de apoio, de mog-

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no polido, sustêm candeeiros e pratos para doces. Uma manta

laranja, castanha e bege tricotada à mão está meticulosamente

dobrada e estendida ao longo das costas e encosto do sofá cor

de champanhe. A poltrona favorita do meu pai tem riscas cas-

tanhas e douradas, e a marca do seu traseiro permanentemente

gravada na almofada do assento. O sofá e a poltrona estão virados

para um televisor de ecrã plano recém-adquirido, e o televisor

encaixa no centro de um móvel de mogno também acabado de

comprar. Existem bases para copos e revistas organizadamente

dispostos sobre a estreita mesa de centro e um cesto de roupa

cheio de brinquedos encostado à parede da sala de estar. Os brin-

quedos pertencem aos filhos da minha irmã.

A sala de estar dá acesso à sala de jantar. A mesa da sala de

jantar é para seis pessoas, mas pode ser aumentada para acomo-

dar mais. A minha mãe mantém-na tapada com uma toalha de

mesa. Regra geral, cor-de-rosa ou dourada. E costuma pôr um

naperon de renda em cima da toalha. As coisas sempre foram

assim, desde que me lembro.

A sala de jantar está separada da cozinha por uma porta, que

permanece sempre aberta. Tal como o meu pai vive na sua pol-

trona de riscas castanhas, a minha mãe e a minha avó vivem

na cozinha. Quando o jantar está a ser preparado e as batatas

estão a cozer, a cozinha está quente e húmida, cheirando a mo-

lho e a tarte de maçã. Naquela manhã, cheirava a roupa acaba-

da de engomar e a café. E a Lula acrescentara-lhe uma baforada

de aroma de frango frito.

— Ouvi dizer que o Dave Brewer acabou de se mudar para

Trenton — disse-me a minha mãe. — Lembras-te do Dave? An-

daste com ele na escola.

O Dave Brewer fora um grande jogador de futebol, totalmen-

te fora do meu alcance quando eu andava no secundário. Fora

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para a faculdade, casara e mudara-se para Atlanta. Da última

vez que ouvi falar dele, estava a ser investigado por execuções

ilegais de hipotecas no estado da Geórgia.

— Pensei que tinha sido preso por burlar as pessoas e ficar-

-lhes com as casas — respondi.

— Conseguiu sair ilibado — disse a minha avó. — Mas a

Marion Kolakowski contou-nos que foi despedido e perdeu a

sua grande casa em Atlanta. Depois a mulher deixou-o, e levou

o cão e o Mercedes.

A minha mãe engomou uma ruga inexistente das calças do

meu pai.

— A mãe do Dave estava ontem na missa. Disse que foi tudo

um engano, que o Dave não fez nada de errado.

A Lula serviu-se de uma terceira fatia de bolo.

— Ele deve ter feito algo de errado, se a mulher levou o cão

e o carro. É um golpe duro.

— Ele vem de uma boa família; foi capitão da equipa de fu-

tebol e aluno do quadro de honra — lembrou a minha mãe.

Eu estava a começar a ter um mau pressentimento, quan-

to ao rumo da conversa. Tinha todos os sinais da minha mãe

numa missão.

— Devias ligar-lhe — disse-me ela. — Provavelmente, ele

gostaria de voltar a encontrar-se com os seus antigos colegas.

— Não éramos amigos — respondi. — Tenho a certeza de

que nem se lembra de mim.

— Claro que se lembra — disse a minha mãe. — A mãe dele

até perguntou por ti.

E lá estava. O arranjinho.

— A Sra. Brewer é uma senhora muito simpática — repli-

quei. — Tenho a certeza que o filho é inocente e lamento que

a mulher lhe tenha levado o cão, mas não lhe vou ligar.

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— Podíamos convidá-lo para jantar — disse a minha mãe.

— Não! Não estou interessada. — Embrulhei a minha fatia

de bolo num guardanapo e levantei-me. — Tenho de ir. Tenho

trabalho para fazer.

— Calculo que não tenham tirado uma fotografia ao Lou Du-

gan — perguntou a minha avó a Lula.

— Teria sido uma boa ideia — respondeu ela —, mas não

me lembrei disso.

Apressei-me a sair de casa, com a Lula atrás de mim. Saltei

para dentro do carro e liguei o motor.

— Talvez devesses ligar a esse tal Dave — começou a Lula,

quando chegámos à esquina. — Ele pode ser «o tal».

— Eu pensei que tinha encontrado «o tal», mas ele acabou

por ser um cretino; por isso, divorciei-me dele. E agora tenho

dois tipos que podem ser «o tal», mas não me consigo decidir

entre os dois. A última coisa de que preciso agora é de um ter-

ceiro «o tal».

— Mas talvez não consigas decidir, porque nenhum deles

é o certo. Talvez o Dave Qualquer-Coisa seja «o tal». E depois?

— Estou a perceber o teu ponto de vista, mas tenho um acor-

do com o Morelli.

— E qual é?

A verdade é que o acordo era vago. Era muito semelhante ao

meu estatuto de católica. Eu carregava uma quantidade razoável

de culpa e medo da condenação eterna, mas a fé cega e o com-

promisso total eram escassos.

— Dizemos que podemos sair com outras pessoas, mas não

o fazemos — expliquei-lhe.

— Isso é uma estupidez — protestou a Lula. — Vocês têm

problemas de comunicação. E de qualquer maneira, como é

que podes ter a certeza de que ele não anda a sair com outras

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pessoas? Quer dizer, ele tem a tua autorização, não tem? Talvez

ande a ver aquela fuinha da Joyce Barnhardt. E depois?

— Eu matava-o.

— Podes apanhar qualquer coisa entre dez anos e prisão per-

pétua, por isso — avisou a Lula.

Virei na Kreiner Street.

— Vou tentar falar outra vez com o Ziggy.

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Estacionei em frente à casa do Ziggy pela segunda vez na-

quele dia, saí do carro e dirigi-me à porta. Ele fora suficiente-

mente burro para abrir a porta da primeira vez, e talvez fosse

suficientemente burro para o voltar a fazer. Toquei à campai-

nha e esperei. Nenhuma resposta. Voltei a tocar. Nada. Tentei a

maçaneta. Trancada.

— Fica aqui a bater à porta — pedi à Lula. — Vou dar a volta

pelas traseiras. Se ele abrir um pouco a porta, empurra-a e entra.

— Nem penses — disse ela. — Estamos a falar de um vam-

piro.

— Ele não é um vampiro. E mesmo que o seja, provavelmen-

te não pode fazer grandes estragos se tem de guardar os den-

tes num copo.

— Muito bem, mas se ele me sorrir e tiver uns dentinhos sa-

lientes, piro-me daqui.

Contornei a casa a correr e inspecionei-a. As janelas estavam

tapadas com cortinados escuros, tal como as da frente. Um peque-

CINCO

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no degrau conduzia à porta das traseiras. Conseguia ouvir vaga-

mente a Lula a bater na porta da entrada. Tentei abrir a porta das

traseiras. Trancada, como a da frente. Ergui-me na ponta dos pés,

passei a mão por cima da ombreira da porta e encontrei a chave.

Abri a porta e entrei na cozinha. Armários de madeira escuros,

bancadas de fórmica amarela. Nem um prato sujo. Nem um reci-

piente que apontasse para um levantamento do banco de sangue.

Tinha as algemas enfiadas no cós das calças, e o meu taser

guardado no bolso. Atravessei a cozinha e entrei na sala de jan-

tar. Conseguia ouvir a televisão na sala de estar.

— Ziggy? — gritei. — É a Stephanie Plum. Tenho de falar

consigo.

Ouvi um arquejo, algumas imprecações e alguém a mover-

-se. Entrei na sala e vi o Ziggy de pé ao lado do sofá, prepara-

do para fugir e parecendo não ter bem a certeza para onde ir.

A Lula continuava a esmurrar a porta.

Dirigi-me à porta da frente e apontei um dedo ao Ziggy.

— Fique aí. Não se mexa.

— O que é que você quer?

— Tem de me acompanhar, para poder marcar uma nova

data de comparência em tribunal.

— Já lhe disse para voltar de noite. Ou talvez eu possa arris-

car se houver muitas nuvens — acrescentou ele, como se tives-

se estado a pensar no assunto.

Aproximei-me da porta da frente, puxei a tranca para trás e,

antes de poder abrir a porta, a Lula deu-lhe um empurrão e fez-

-me cair de rabo.

— Ups — desculpou-se ela, olhando para mim. — Pensei

que fosses o vampiro.

O Ziggy entrou em ação e passou por nós a correr, dirigindo-

-se às escadas de acesso ao primeiro andar.

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— Agarra-o! — gritei à Lula. — Ele pode estar a ir buscar os

dentes.

A Lula lançou-se em voo e agarrou as pernas do Ziggy. Caíram

ambos ao chão e rolaram, com a Lula a segurá-lo firmemente e

o Ziggy a contorcer-se para tentar fugir.

— Dá-lhe um choque! — disse a Lula. — Põe-lhe as algemas!

Faz qualquer coisa. Isto é o mesmo que tentar agarrar uma co-

bra. Todo ele se contorce.

Eu já tinha o taser na mão, mas não conseguia garantir um

tiro certeiro. Se atingisse a Lula por engano, teria de lutar sozi-

nha com o Ziggy.

— O que é que ele está a fazer? — gritou a Lula. — Está-me

a chupar o pescoço? Sinto qualquer coisa a chupar-me o pesco-

ço. Tira-o de cima de mim.

Encostei os dentes do taser contra o braço em movimento do

Ziggy e premi o botão. Ele guinchou e ficou imóvel.

A Lula levantou-se do chão e levou a mão ao pescoço.

— Tenho buracos? Estou a sangrar? Achas que me estou a

transformar num vampiro?

— Não, não e não — respondi. — Ele não tem os dentes pos-

tos. Estava apenas a provar-te com as gengivas.

— Isso é repugnante — queixou-se ela. — Um vampiro

velho acabou de me provar com as gengivas? Sinto-me eno-

jada. Tenho o pescoço todo molhado. O que é que tenho no

pescoço?

Olhei para o pescoço da Lula.

— Parece um chupão.

— Estás a gozar comigo? Este monte de ossos inútil fez-me

um chupão? — A Lula tirou um espelho da mala e observou o

pescoço. — Não estou satisfeita — disse. — Primeiro, nem sei

se não apanhei piolhos vampiros por causa disto. E segundo,

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como é que esta noite vou explicar um chupão à pessoa com

quem vou sair?

Algemei o Ziggy e recuei. Ele continuava caído no chão,

imóvel.

— Temos de o levar para o carro — pedi à Lula.

— Os olhos dele parecem estar um pouco abertos, mas pa-

rece que não está a ver nada — respondeu ela. — Dá-lhe um

pontapé, para ver se ele sente alguma coisa.

Debrucei-me sobre o Ziggy.

— Ei! — disse. — Sente-se bem? Consegue levantar-se?

A mão do Ziggy tremeu um pouco e a boca abriu-se, mas não

saíram quaisquer palavras.

— Não tenho o dia todo — apressou-me a Lula. — Preciso

de procurar dentadas de vampiro no Google, e depois tenho de

arranjar maquilhagem para o pescoço. — Agarrou o pé do Zi-

ggy. — Agarra-lhe no outro pé: vamos arrastá-lo lá para fora.

Arrastámos o Ziggy pela sala e eu abri a porta da frente. As-

sim que o sol o atingiu, ele começou a gritar. Foi um «eeeeeeh»

estridente, lamentoso, do género de vidro a partir-se.

— Grande merda, grande treta, grande porcaria! — barafus-

tou a Lula, soltando o pé do Ziggy e afastando-se rapidamente.

— Mas que raio se passa com ele?

Fechei a porta com um pontapé e o Ziggy deixou de gritar.

— Quase fiquei com diarreia — queixou-se a Lula. — Isto foi

horrível. Nunca ouvi ninguém fazer um som destes.

Os olhos do Ziggy semicerraram-se e a sua respiração sibi-

lou por entre as gengivas apertadas.

— Sol não! — disse ele.

— Ora bolas, agora estou mesmo a ficar assustada — disse

a Lula. — Não sei o que fazer. Por um lado, estou a pensar que

temos de o arrastar para o sol e queimá-lo, e o mundo fica com

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menos um vampiro. Mas, por outro lado, não quero começar a

vê-lo a mirrar e a contorcer-se como num filme de terror. Odeio

aqueles filmes de terror em que as pessoas ficam estaladiças.

— Então, o que é se passa? — perguntei ao Ziggy. — É mes-

mo um vampiro?

O Ziggy encolheu os ombros.

— Talvez seja — respondeu.

— Que tal envolvê-lo numa colcha? — disse Lula. — Assim

não o fritamos.

— Parece-lhe bem? — perguntei ao Ziggy.

— Acho que sim. Mas não deixem nenhuma abertura, por

onde a luz solar me possa atingir. Envolvam-me bem. E impor-

ta-se de ir até lá acima e trazer-me os dentes?

— Que diabo, não — protestou a Lula. — Não lhe vamos bus-

car dentes nenhuns. Já me fez um chupão. Isso é o máximo que

aguento, com toda esta coisa dos vampiros sinistros.

Envolvemos o Ziggy na colcha da cama, levámo-lo para o meu

carro e deitámo-lo no banco de trás. A dez minutos da esquadra,

ele começou a debater-se dentro da colcha.

— O que é que se passa aí atrás? — perguntei ao Ziggy.

— Estou inquieto — disse ele. — Sofro da síndrome das

pernas inquietas. E estou com fome. Preciso de um pouco de

sangue.

— Encosta aí — pediu a Lula. — Vou sair.

— Pelo amor de Deus, ele está embrulhado numa colcha, não

tem dentes e está algemado! — lembrei-lhe. — E, além disso,

não é um vampiro.

— Como é que sabes que não é um vampiro?

— Não acredito em vampiros.

— Sim, eu também não, mas como é que podes ter a cer-

teza? E de qualquer maneira, ele assusta-me, seja lá o que for.

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J a n e t E v a n o v i c h

Quando finalmente descarregámos o Ziggy na esquadra e

descobrimos uma loja que vendesse maquilhagem para tapar

chupões, era quase meio-dia.

— Onde é que vamos almoçar? — quis saber a Lula.

— Pensei que podíamos passar pelo Giovichinni’s.

O Giovichinni’s Deli ficava na Hamilton, não muito longe

do escritório da agência. Era um negócio de família, e depois

da funerária estava em segundo lugar na cadeia alimentar da

fábrica de mexericos do Burg. Tinha uma gama completa de

carnes frias e queijos, salada de legumes caseira, salada de ba-

tata, salada de macarrão e feijão cozido. Também vendia arti-

gos italianos especiais e servia de mercearia local, com todos

os alimentos que normalmente se podem encontrar numa loja

de conveniência.

— Adoro o Giovichinni’s — disse a Lula. — Estava capaz de

comer uma sanduíche de carne assada, com feijão e salada de

batata. E os picles deles também são do melhor.

SEIS

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P e r s e g u i ç ã o E s c a l d a n t e

Cinco minutos depois, eu e a Lula estávamos ao balcão do

snack-bar a pedir sanduíches à Gina Giovichinni.

A Gina é a mais nova das três filhas dos Giovichinnis. Está

casada há dez anos com o Stanley Lorenzo, mas todos ainda a

tratam por Gina Giovichinni.

— Ouvi dizer que encontraram o Lou Dugan — comentou

a Gina. — Estavas lá quando o desenterraram?

— Não, mas cheguei pouco depois.

— Eu também — disse a Lula. — Tinha a mão saída do tú-

mulo. Era como se o tivessem enterrado vivo.

A Gina arquejou.

— Oh, meu Deus. A sério? Ele foi enterrado vivo? Aparente-

mente, dizem que estava envolvido nalgum negócio importan-

te que correu mal.

— Deve ter corrido mesmo mal — disse a Lula. — Enfiaram-

-no debaixo dos contentores do lixo.

— Que tipo de negócio? — perguntei à Gina.

— Não sei. Uma das raparigas que dançam no clube veio cá

na semana passada buscar uma travessa de aperitivos. Disse que

antes de desaparecer o Lou estava muito nervoso; dizia que tinha

perdido um monte de dinheiro, e estava a fazer planos de viagem.

— Para onde é que ele ia?

— Ela não disse.

Eu e a Lula levámos as nossas sanduíches para o meu carro

e eu conduzi a curta distância até à agência de fianças. A auto-

caravana do Mooner ainda estava estacionada na extremidade

do quarteirão, a carrinha do patologista ainda estava em cena,

um grupo de homens amontoados no passeio, e um veículo es-

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J a n e t E v a n o v i c h

tadual de investigação da cena do crime estava parado junto à

berma atrás dos homens. A fita amarela da cena do crime cer-

cava toda a obra, e dois homens que vestiam coletes da equipa

forense trabalhavam na zona da escavação.

— A vida é mesmo estranha — disse a Lula. — Um dia corre

tudo com a normalidade habitual, e no dia a seguir descobres que

o teu lugar de trabalho foi incendiado por algum pirómano e que

o Sr. Mamocas está lá enterrado. — Pensou naquilo durante algu-

mas pulsações. — Mas calculo que para nós isso deva ser normal.

Um pensamento perturbador, e não muito afastado da ver-

dade. Talvez a minha mãe tivesse razão. Talvez tivesse chegado

o momento de deixar de atordoar homens que pensam que são

vampiros, casar-me e assentar.

— Eu podia aprender a cozinhar — pensei em voz alta.

— Claro que podias — retorquiu a Lula. — Podias cozinhar

uma bela de uma sola de sapato. De que raio estás a falar?

— Foi apenas uma ideia que me passou pela cabeça.

— Então deves guardá-la, porque agora que penso nisso já

te vi cozinhar, e não foi uma visão bonita.

Estacionei atrás do carro da Connie e levámos a nossa comi-

da para a autocaravana. A Connie estava sentada atrás do seu

computador na mesa de jantar e o Mooner estava recostado no

sofá a jogar Donkey Kong no seu Gameboy. Não era preciso mui-

to para entreter aquele rapaz.

— Onde é que está o Vinnie? — perguntei à Connie. — Não

vi o carro dele.

— Foi até à esquadra, pagar a nova caução do Ziggy.

— Uau, isso foi rápido.

— Sim, o Ziggy fez a chamada a que tinha direito e o tribu-

nal está reunido, por isso é possível que o Vinnie consiga liber-

tar imediatamente o Ziggy.

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O que se passa com as fianças é que o tribunal estabelece

um montante em dólares pela liberdade. Por exemplo, se um

indivíduo é preso e acusado de um crime, depois vai a tribunal

e o juiz diz-lhe que, ou fica na prisão, ou então pode pagar uma

determinada quantia em dinheiro e voltar para casa até ao julga-

mento. Só volta a receber o dinheiro se comparecer em tribunal.

Nós entramos em ação quando o indivíduo não tem dinheiro

suficiente para entregar ao tribunal. Damos o dinheiro em seu

nome e cobramos ao indivíduo uma percentagem pelo serviço.

Bom para nós e mau para ele. Mesmo que esteja inocente, tem

de pagar-nos. Se ele não comparecer a julgamento, eu descubro-

-o e volto a arrastá-lo para o sistema, de modo a não perdermos

o nosso dinheiro para o tribunal.

— Como é que o Ziggy vai chegar a casa? — quis saber a

Lula. — Ele tem aquele problema dos vampiros, de sair com a

luz do sol e isso tudo.

— Não sei — disse a Connie. — Não é problema meu.

Comi a minha sanduíche de presunto e queijo e acompanhei-

-a com um refrigerante de dieta. A Lula emborcou uma sandu-

íche Reuben, uma banheira de salada de batata e uma tina de

feijões cozidos.

— Que tal estou? — perguntou a Lula. — Pareço estar prestes a

transformar-me num vampiro? É que não me sinto lá muito bem.

— Não te sentes bem, porque comeste um balde de frango

frito, metade de um bolo de café e uma sandes com mais de

meio quilo de carne. Qualquer outra pessoa teria de fazer uma

lavagem ao estômago.

— Sou uma comedora emocional — respondeu ela. — Tive

de acalmar o estômago, porque passei por uma manhã pertur-

badora. — A Lula inclinou-se e olhou para mim. — O que é que

tens na testa? Chiça, essa é a mãe de todas as borbulhas.

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Apalpei a testa. Ela tinha razão. Havia ali um grande inchaço.

— Hoje de manhã, quando me levantei, não estava aqui

— respondi. — Tens a certeza de que é uma borbulha? Não

é um furúnculo, pois não?

A Lula semicerrou os olhos.

— Parece-me uma borbulha, mas também não percebo nada

do assunto.

A Connie observou-a.

— Eu diria que é uma borbulha, que tem o potencial para se

transformar num furúnculo.

Tirei a caixa de base da mala e olhei para a borbulha. Que

nojo! Espalhei um pouco de base por cima.

— Vais precisar de mais do que pó para tapares isso — dis-

se a Lula. — É como aquele vulcão que explodiu. O Cracatoa.

Passei mais base por cima do Cracatoa, e pensei na avó Ma-

zur e no sonho dos excrementos.

— Assim está melhor — consolou-me a Lula. — Agora só

parece um tumor.

Maravilhoso.

— No que se refere a tumores, não é um lá muito grande —

continuou ela. — É um daqueles na fase inicial.

— Esquece lá o tumor! — pedi eu.

— É difícil esquecê-lo, quando temos de olhar para ele — res-

pondeu a Lula. — Agora que sei que está aí, não consigo ver mais

nada. É como o nariz vermelho do Rodolfo, a rena do Pai Natal.

Olhei para a Connie.

— Está assim tão mau?

— É uma grande borbulha.

— É só uma borbulha grande — disse eu à Lula.

A Lula pensou por um instante.

— Talvez ajudasse se tivesses franja a tapá-la.

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— Mas não tenho franja — respondi. — Nunca tive franja.

— Sim, mas podias ter — disse a Lula.

Atirei a caixa da base para dentro da mala e tirei o ficheiro

do Merlin Brown. O Vinnie pagara a fiança ao Brown dois anos

antes, sem qualquer problema. Era uma acusação de furto de

loja, e o Brown tinha cumprido uma pena leve. Era difícil saber

o que tinha acontecido agora, quando ia a tribunal por assalto à

mão armada. Ou se esquecera simplesmente da data do julga-

mento, ou então não estava muito entusiasmado com a perspe-

tiva de cumprir mais tempo de prisão. Marquei o seu número

no telemóvel e esperei. Um homem atendeu ao terceiro toque.

Desliguei.

— Ele está em casa — disse à Lula. — Vamos pôr-nos a andar.

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O Merlin Brown vivia num complexo de apartamentos de ren-

da controlada, que fazia com que o meu prédio decrépito tivesse

boa aparência. Os edifícios eram de tijolo vermelho, com três

pisos e sem qualquer adorno, a não ser que contássemos com

os graffiti pintados a spray. Sem varandas, sem portas dianteiras

bonitas, setenta janelas de alumínio, sem qualquer vista. Esta-

vam empoleirados numa rua sem asfalto na terra de ninguém,

entre o ferro-velho e a fábrica de tubos de chumbo esventrada

na parte de cima da Stark Street.

Alguém tinha deixado um frigorífico avariado e um sofá de

tecido de aparência triste junto ao contentor do lixo no fim do

parque de estacionamento. Quatro homens estavam sentados

no sofá, a beberem de garrafas embrulhadas em sacos de papel

pardo. O indivíduo numa das pontas devia pesar uns cento e

quarenta quilos: o sofá estava inclinado na sua direção.

— Talvez eu devesse ter mais cuidado com aquilo que como

— deixou cair a Lula. — Não me importo de ser uma mulher

SETE

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grande, mas não quero chegar a ser uma mulher enorme. Não

me apetecia nada ter um sofá a inclinar-se com o meu peso.

Eis o que eu já reparei no que toca à Lula: já a vi a seguir um

plano de alimentação saudável, reduzindo as calorias, já a vi a

fazer dietas da moda ridículas, e já a vi quando come tudo o que

lhe aparece pela frente. E, tanto quanto consigo perceber, o seu

peso nunca se altera.

— Ele está no Edifício B — disse à Lula. — Terceiro piso.

Apartamento 307.

— Quem é que vamos ser? Entrega de pizza? Recenseamen-

to? Prostitutas locais?

— Pensei que podíamos tocar à campainha e ver o que acon-

tece.

— Oh, sim. Ele é capaz de ficar feliz por te ver. Depois de vi-

vermos aqui, se calhar até pode ser maravilhoso ir preso.

Entrámos num pequeno átrio com um monte de caixas do

correio de um lado e um elevador no outro. Havia um letreiro

ao lado do elevador, a informar que estava fora de serviço. O le-

treiro parecia ter sido posto ali há já muito tempo. Apesar dis-

so, a Lula carregou no botão do elevador e esperámos alguns

minutos. Finalmente, ouvimos gemidos e rangidos, e as portas

do elevador abriram-se. Olhámos para o interior sombrio do

elevador e decidimos subir as escadas.

— Não foi assim tão mau — disse a Lula, quando chegámos

ao terceiro piso. — Até agora, não vi nenhum rato nem restos

de sangue. Também não vi nenhum jacaré. Pelo que vi, o pro-

blema é que este lugar não tem qualquer espécie de conforto,

tirando a área de recreio junto ao contentor do lixo.

Avançámos até meio do corredor e parámos à porta do apar-

tamento 307, onde nos pusemos à escuta. A televisão zumbia

no interior da casa.

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— Ele provavelmente está armado — sugeriu a Lula —, já

que é procurado por assalto à mão armada. Acho que, se estiver a

transformar-me num vampiro, não tenho de me preocupar muito

se levar um tiro, por isso talvez seja melhor eu entrar primeiro.

— Está bem. Podes entrar primeiro.

— Mas, no entanto, supõe que não me estou a transformar

num vampiro. Talvez o veneno de vampiro não tenha chegado

a infetar-me, já que só fiquei com um chupão.

— Não há problema. Eu entro primeiro.

Bati à porta e a Lula afastou-se para um lado. A porta abriu-

-se: o Merlin olhou para nós.

— O que é que se passa? — perguntou ele.

O Merlin Brown tinha quase um metro e noventa e era cons-

tituído como um jogador de futebol americano da equipa dos

Dallas. A sua pele era ligeiramente mais escura do que a da

Lula, tinha um relâmpago tatuado na testa, dois dentes de ouro

na parte da frente, e abriu a porta completamente nu. O «Sr.

Feliz» estava a meia haste, e tinha o tamanho do pénis de um

campeão de garanhões da raça Clydesdale.

A Lula olhou-o de alto a baixo.

— Santa mãe de Deus!

— Viemos buscar o tesão — disse eu. Soprei um pouco de

ar e corrigi-me. — Viemos buscar a caução.

— Estou um bocadinho ocupado — disse o Brown.

A constatação do óbvio.

— Está acompanhado por uma amiga? — perguntou-lhe a

Lula.

— Não.

— Por um amigo?

— Não.

— Anda sempre assim?

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— Quase sempre. Fui despedido há uns meses e tenho pouca

coisa para fazer. De vez em quando, assalto uma loja, mas é mais

ou menos só isso. Assim, passo o tempo a… vocês percebem.

— Bem, hoje é o seu dia de sorte — tentou a Lula. — Temos

uma coisa para você fazer. Só tem de se vestir e acompanhar-nos.

— Se for com vocês, vou acabar na cadeia. Já estive na ca-

deia, e não gostei nada. De qualquer maneira, tenho uma ideia

melhor — disse o Brown. — Que tal se vocês se despirem e fi-

carem aqui? Na verdade, até vos posso ajudar. Que tal se come-

çar por ajudar aqui a menina Rabinho Magricela, Caçadora de

Recompensas?

Recuei um passo e sussurrei por um dos cantos da boca à

Lula:

— Trouxeste a tua a-r-m-a?

— Sim — disse a Lula. — Achas que chegou o momento de

a usar?

— Eu sei o que soletraste — interrompeu o Brown. — So-

letraste «arma». Como se me fossem atingir, certo? Primeiro,

vocês são mulheres. E segundo, não podem disparar contra um

homem desarmado. Posso fazer o que quiser. Vocês não vão dis-

parar contra mim.

A Lula tirou a sua Glock de 9 mm da mala, apontou ao pé do

Brown e disparou. Falhou por uns quinze centímetros, depois

corrigiu a pontaria e voltou a disparar. O segundo tiro também

ficou longe do alvo. Não era para admirar, já que ela era a pior

atiradora do mundo. Não conseguiria acertar na parede de um

celeiro, nem que estivesse a um metro de distância.

— Vocês, miúdas gordas, não têm pontaria nenhuma — dis-

se o Brown. — É algo em que já reparei.

— Desculpa? — perguntou a Lula, com os olhos apertados,

as narinas a tremer. — Miúdas gordas? Acabaste de me chamar

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miúda gorda? Espero ter ouvido mal, porque não gosto que me

chamem miúda gorda.

E depois a Lula teve sorte, ou azar, dependendo do ponto

de vista, e arrancou o dedo mindinho do pé do Brown com

um tiro.

— Ai! — berrou ele. — Mas que merda é esta? Estás doida?

E desmaiou. Pum. Ficou deitado de costas com o pé a san-

grar, e a sua bandeira hasteada.

A Lula olhou para a ereção do Brown.

— Ele deve ter tomado um daqueles comprimidos, porque

isto não é normal.

— Tens de deixar de disparar contra as pessoas! — retorqui.

— É contra a lei.

— Ele chamou-me miúda gorda.

— Esse não é um bom motivo para arrancares o dedo do pé

de alguém.

— Na altura, pareceu-me — desculpou-se ela. — O que é que

vamos fazer agora? Arrastá-lo até ao carro?

— Se o fizermos, primeiro temos de o levar ao hospital. E de-

pois teremos de explicar o dedo em falta.

— Sim, e a ereção gigantesca. Não me importo muito de as-

sumir a responsabilidade pelo dedo, mas não quero ter nada a

ver com a ereção.

O telemóvel dele estava em cima da mesa. Marquei o 112, dei

um nome falso, comuniquei o tiroteio e indiquei o endereço.

— Hum — disse a Lula. — O Sr. Grandalhão tem os olhos

abertos.

O Brown piscou os olhos e olhou para ela.

— O que é que aconteceu?

— Desmaiaste.

— Dói-me o pé.

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— Deves ter batido com o dedo, quando caíste — inventou a

Lula. — Por isso é que não devias andar descalço.

— Agora já estou a lembrar-me — disse ele. — Não bati com

o dedo. Tu é que disparaste contra mim!

A Lula pôs as mãos nas ancas.

— Chamaste-me gorda. Estou com vontade de voltar a dis-

parar.

O Brown levantou-se de um salto e lançou-se a ela.

— Arrrrgh!

Agarrei na Lula pelas costas da camisa e puxei-a até à porta.

— Vamos! Corre!

— Sai-me do caminho — disse ela, correndo à minha fren-

te. — Ele parece estar enlouquecido.

Entre o dedo que lhe faltava e o aumento do seu órgão sexual

masculino, depois da investida inicial o Brown não era capaz de

se mover com grande rapidez. Eu e a Lula lançámo-nos escadas

abaixo, corremos pelo parque de estacionamento, atirámo-nos

para dentro do carro e pisgámo-nos dali.

A Lula respirava pesadamente.

— Achas que ele me vai denunciar à polícia?

— Não. O Brown não quer ter nada a ver com a polícia. Quan-

do a polícia chegar ao apartamento, já ele há de estar bem longe.

O que era bom para a Lula, pensei, observando a borbulha no

retrovisor, mas não tão bom para o Vinnie.

— Se continuas a olhar para a tua borbulha, ainda vamos ter

um acidente — disse ela.

— Agora que sei que está ali, não a consigo afastar da cabeça.

— Pelo menos, não tens o chupão de um vampiro no pes-

coço. Esta noite, tenho um encontro amoroso com um bonzão.

Ele até pode ser o «Sr. Maravilha».

— Talvez possas pôr um cachecol à volta do pescoço.

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— E o que é que acontece quando o bonzão me despir?

— Talvez o possas enfeitar, de maneira a parecer uma tatua-

gem que deu para o torto.

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Para regressar ao escritório a partir do apartamento do Merlin

Brown, tive de descer a Stark, passar pelo ferro-velho e atraves-

sar a zona de combate: uma mistura de pensões de tijolo de três

pisos, infestadas de ratos e cobertas de graffiti, terrenos baldios

cheios de lixo e empresas de vão de escada que funcionam em

becos e lojas entaipadas. Era chocante pensar que havia pesso-

as a viver naquele bairro decrépito, e ainda mais chocante saber

que algumas delas eram pessoas boas e decentes. Eram vítimas

do tempo e das circunstâncias, lutavam para não sucumbir às

ruínas que as cercavam.

Era menos chocante saber que a maior parte dos moradores

eram drogados inúteis, prostitutas viciadas em crack, trafican-

tes de droga e homicidas loucos. Se tivesse de ir atrás de um

faltoso naquela zona da Stark, normalmente pedia ao Ranger

que me ajudasse.

Quando o conheci, o Ranger era um caçador de recompensas

que trabalhava para o Vinnie. Agora tem a sua própria empre-

OITO

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sa de segurança, mas de vez em quando ainda apanha um ou

outro criminoso. Ele é o meu mentor, meu amigo e meu anti-

go amante. É o indivíduo com quem vou ter quando preciso de

ajuda profissional. Sou cem por cento a favor que as mulheres

mantenham o seu território de trabalho, mas não ando à pro-

cura da morte. O Ranger é um caçador de recompensas muito

melhor do que eu alguma vez poderei aspirar a ser. E se quiser

ser honesta sobre o assunto, às vezes vou ter com o Ranger só

porque gosto de trabalhar com ele.

— Vais voltar para o escritório? — perguntou a Lula.

— Vou. Pensei em passar por lá, e ir para casa a seguir.

— Tenho um plano — disse a Lula. — Vou ao centro co-

mercial comprar uma boa de penas, para combinar com o

vestido novo e brilhante que vou vestir esta noite. Uma boa

de penas vai-me ficar muito melhor do que um lenço. E de-

pois posso-me despir toda e ficar só com a boa. Posso incluir

a boa em toda a minha rotina de sedução, e hei de ter sempre

o pescoço tapado.

— Tens uma rotina de sedução?

— Sim, bem, tu sabes que fui uma profissional, ainda tenho

alguns truques.

Eu não queria pensar muito na Lula e nos seus truques.

Por um lado, era demasiada informação. Por outro, sentia-me

embaraçada. O meu grande truque, o mais difícil de todos, era

conseguir despir as cuecas sem tropeçar e cair de cara no chão.

Segui pela rua transversal até à Hamilton e virei em direção

ao escritório. Minutos depois, estacionei atrás da autocaravana

do Mooner. O carro do Morelli estava parado em frente à auto-

caravana, e ele estava especado no centro do terreno.

— Aí tens um belo pedaço de homem — comentou a Lula,

olhando para o Morelli. — Não sei qual é o teu problema. Eu

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não teria dificuldade nenhuma em lhe dizer que sim. Diria que

sim a tudo aquilo que ele me pedisse.

Tinha de admitir que ele era sem dúvida um belo pedaço de

homem.

A Lula desviou os olhos para mim.

— Então, quando foi a última vez que vocês os dois anda-

ram ocupados?

— Já há algum tempo.

— E porquê?

— É complicado.

— Hum — disse ela.

Quando a Lula dizia «hum» daquela maneira, isso indicava

uma verdadeira repugnância.

— OK — disse-lhe —, é porque me sinto confusa. Estou a

ter problemas de compromisso.

— Queres dizer que não consegues escolher entre o Morelli

e o Ranger? Acredita, miúda, sabes muito bem o que tens a fa-

zer. Tens de fazer uma competição, um despique, um festim de

amor. Raios, quando estiveres com eles na cama, basta pergun-

tar-lhes se eles querem casar e ver o que dizem. Estarias a fazer

um favor aos dois, se te decidisses. E depois, só pelo gozo, talvez

pudesses acrescentar esse tal Dave de que a tua mãe gosta tanto.

Desviei os olhos para ela.

— Não podes estar a falar a sério.

— Raios, claro que estou a falar a sério.

— Bem, posso sempre pensar no assunto — disse-lhe.

— Enquanto pensas nisso, podes querer fazer qualquer coisa

quanto ao Cracatoa. Tipo, se vestires uma saia minúscula que

mal te tape o traseiro, ninguém te vai olhar para a cara. E além

disso, ainda dás aos homens um incentivo para serem verda-

deiramente bons para ti.

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— Palavras sábias.

— Podes crer — disse a Lula. — Agora vou entrar na auto-

caravana, antes que o fantasma do Sr. Mamocas se aloje den-

tro de mim.

Eu não me ralava nada com o fantasma do Sr. Mamocas, por

isso fui cumprimentar o Morelli.

— O que é que se passa? — perguntei-lhe.

— Estou a tentar perceber isto tudo. Os tipos da equipa fo-

rense acham que o Lou foi enterrado vinte e quatro horas depois

do seu desaparecimento.

— Causa da morte?

— Parece que foi um pescoço partido.

— A Gina Giovichinni contou-me que o Lou tinha um negó-

cio importante que deu para o torto, antes de desaparecer. Corre

o rumor de que ele estava a pensar em viajar.

— Também ouvi esse rumor — anuiu o Morelli. — Até ago-

ra não consegui mais pormenores.

— Que tal a Sra. Lou?

— A Sra. Lou seria a última a saber alguma coisa — disse

o Morelli. — Está há anos num coma autoinduzido de Xanax.

— Já tentaste falar com ela?

— Já. Foi doloroso. E muito pouco produtivo.

Percebi que o Morelli estava a olhar para a minha testa.

— É uma borbulha — disse-lhe.

Ele sorriu.

— Não tinha percebido, mas agora que o disseste…

— Mentiroso.

— Felizmente para ti, conheço a cura perfeita para uma bor-

bulha dessa magnitude. Sexo escaldante e suado. Montes de sexo.

— Apanhei isto por causa da doida da tua avó. Ela deitou-me

o mau-olhado e disse-me que ia ficar com furúnculos!

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— Docinho, o mau-olhado não existe. E isso não é um fu-

rúnculo. É uma borbulha monstruosa. É aquela altura do mês,

certo?

— Errado!

— É bom sabê-lo — disse ele, passando um braço à volta dos

meus ombros e puxando-me para junto de si. — Tenho planos.

— Onde é que vamos jantar esta noite?

— É surpresa.

— No Pino’s? — perguntei-lhe.

— Não.

— No Campiello’s?

— Não.

— No Sal’s Steak House?

— Não.

O Morelli não era um tipo que gostasse de fazer surpresas.

Talvez no que tocasse ao sexo à canzana, mas só isso. Assim,

tive um pressentimento estranho.

— Onde é que vamos jantar hoje? — voltei a perguntar.

Ele suspirou.

— Em casa da minha mãe. É o aniversário do meu tio Rocco.

— Não, não, não, não.

— Oh, céus, imploro-te — pediu o Morelli. — Odeio essas

festas. Vamos fazer um acordo. Vens comigo, faço-te uma mas-

sagem nas costas.

— Nem pensar. A tua avó vai lá estar. Aposto que irá lançar-

-me outra maldição.

— OK, uma massagem nas costas e compro-te um bolo de

aniversário.

— Não!

O Morelli olhou para mim. Sério.

— O que é que tenho de fazer?

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J a n e t E v a n o v i c h

— Vou ter contigo depois do jantar. É o melhor que posso

oferecer.

— É melhor do que nada — disse ele. — Ainda te posso dar

uma massagem nas costas?

— Sim. E posso ficar com o tal bolo?

— Não. — Ele olhou para a autocaravana. — Vais entrar?

— Sim. Ia para casa, mas acho que vou falar com a Connie

antes de ir.

— Tenta não inalar os fumos que saem dos estofos, e não co-

mas nada que ele esteja a cozinhar. — Puxou-me contra o peito,

beijou-me e sussurrou algumas inovações que ia acrescentar à

massagem nas costas.

Quando entrei na autocaravana, a Connie estava sentada em

frente ao computador, a Lula sentada numa cadeira de plástico

e o Mooner sentado no sofá, a tentar perceber como funcionava

qualquer coisa no seu telemóvel.

— Não consigo deixar de pensar que tem de haver algum sig-

nificado no facto de o Lou Dugan ter sido enterrado no terreno

do escritório — disse eu à Connie.

— Também já me pus a mesma pergunta — respondeu a

Connie. — Mas não consigo encontrar nenhuma ligação.

— Então e o Vinnie? Ele tinha algum negócio com o Dugan?

— O Vinnie costumava aparecer na casa de alterne, mas isso foi

antes de a Lucille lhe pôr aquela coleira estranguladora. E nunca me

pareceu que ele e o Dugan fossem amigos ou parceiros de negócios.

— O Harry?

— Não sei nada sobre o Harry — continuou a Connie. — Em

princípio, é apenas um sócio capitalista. Avança com o dinhei-

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ro, para que o genro possa ter um emprego remunerado, mas

não se interessa muito pelo negócio.

— Talvez o Vinnie tivesse uma dívida no bar de mamocas e

não a quisesse pagar, por isso eliminou o Lou Dugan e enter-

rou-o no seu quintal — sugeriu a Lula.

— Na minha opinião, isso tem uma certa lógica — disse a

Connie —, só que não estou a ver o Vinnie a cavar um buraco

suficientemente grande para enterrar o Dugan. Não há muitos

músculos em funcionamento naquele corpo de fuinha. E o Vin-

nie nunca teria deixado o anel no dedo do Dugan.

— Talvez os assassinos fossem extraterrestres, que estivessem

a seguir instruções da nave-mãe — explicou o Mooner. — Talvez

precisassem de fazer uma sonda anal. E vocês sabem: o anel po-

deria não ter qualquer valor noutro sistema solar.

Por um instante, olhámos todas boquiabertas para ele.

— Tens de largar os brownies — disse-lhe a Lula.

A Connie esboçou um ligeiro esgar, e desviou a atenção do

Mooner para mim.

— Que tal correram as coisas com o Merlin Brown?

— Encontrámo-lo, mas depois perdemo-lo — respondi. — Mas

não há problema. Tenho uma pista. Só preciso de fazer algu-

mas chamadas.

Há dois hospitais em Trenton, o Helene Fuld e o de São Fran-

cisco. Eu calculava que o Merlin se dirigira a um dos hospitais,

para lhe coserem o pé. Nesse o caso, era provável que ainda es-

tivesse à espera, dependendo do quanto estava a sangrar, ou

então estava com um médico. Liguei primeiro para o Helene

Fuld, e perguntei por um tal de Merlin. Não tinha dado entrada

ninguém com esse nome e também não tinham recebido nin-

guém com uma amputação do dedo do pé.

A Connie estivera a ouvir-me.

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— Amputação do dedo do pé? — perguntou, com as sobran-

celhas bem erguidas.

— Não vais querer saber — respondi.

— Hum — disse a Lula, com os braços cruzados sobre o pei-

to. — Ele chamou-me gorda.

— Tens razão — concordou a Connie. — Não quero saber.

Houve testemunhas?

Abanei a cabeça.

— Não.

De seguida, liguei para o São Francisco e pedi para falar com

a Jenny Christo. Andei no secundário com a Jenny, e agora ela

é enfermeira das urgências.

— Não — disse-me —, não temos aqui ninguém chamado

Merlin Brown. Ninguém com um pé ensanguentado.

— Então? — perguntou a Lula, assim que desliguei a chamada.

— Ele não estava em nenhum dos hospitais. Deve ter ido a

uma clínica, ou a um médico particular.

Uma pena, porque se tivesse ido a um dos hospitais podia

tê-lo apanhado quando ele tivesse alta e saísse.

A porta da autocaravana abriu-se e o Vinnie tropeçou no de-

grau.

— Raios, porque é que não acendem algumas luzes? — quei-

xou-se ele. — Sinto-me como o raio de uma maldita toupeira.

— As luzes estão todas acesas — disse-lhe a Connie. — Pa-

gaste uma nova fiança ao Ziggy?

— Sim. Aquele tipo deve estar prestes a ser internado. Disse

ao juiz que era um vampiro.

— E o que é que o juiz achou?

— Disse que pouco lhe importava se ele era o Winston Chur-

chill ou o Rato Mickey, mas que para a próxima não era má ideia

aparecer no tribunal.

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O meu telemóvel tocou: o número dos meus pais surgiu no

visor.

— A tua mãe pediu-me para te ligar e perguntar se que-

res jantar cá esta noite, já que vai fazer rolo de carne e arroz-

-doce — disse a minha avó. — Não é todos os dias que ela faz

arroz-doce.

Eu adorava o arroz-doce da minha mãe.

— Claro que sim — respondi. — Seria ótimo jantar aí.

Era uma opção muito melhor do que a festa de aniversário

do tio Rocco, e ainda podia ver o Joe depois do jantar.

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J a n e t E v a n o v i c h

Troquei o top vermelho e as calças de ganga por uma camiso-

la tricotada azul-escura e elástica com um decote arrojado, uma

saia preta curta e saltos de agulha. O único motivo por que o

Morelli queria que eu vestisse o top vermelho era porque ainda

não tinha visto a camisola azul. Com a camisola azul, eu fica-

va com um decote pronunciado entre os seios. Está bem, tinha

um pouco de ajuda de um sutiã push-up, mas não deixava de

ser um decote. Penteei o cabelo comprido em cachos e ondas

soltos e grandes, pus mais rímel nas pestanas. Estava em modo

de encontro amoroso. Ia comer rolo de carne, arroz-doce, uma

massagem nas costas, e depois era muito provável que me des-

pisse. Podia a vida ser melhor que isto?

Lancei um último olhar ao meu reflexo, no espelho da casa

de banho. Sim, de facto, a vida podia ser melhor. A borbulha

no meio da minha testa podia desaparecer. Tentei maquilhá-

-la, mas não resultou. Só me restava uma coisa. Franja. Separei

uma madeixa de cabelo, dei-lhe uma tesourada e estava feito.

NOVE

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Um instante com o ferro de alisar. Afastei um pouco a franja

para o lado. Um pouco de laca. Adeus, borbulha.

Os meus pais jantam às seis. Em ponto. Se o rabo de todos

não estiver pontualmente sentado às seis, e o jantar for adiado

nem que sejam cinco minutos, a minha mãe declara a refeição

arruinada. A carne assada está seca, o molho frio, o feijão dema-

siado cozido. A mim, continua-me a saber tudo perfeitamente,

mas o que é que eu sei do assunto? A minha maior façanha na

cozinha é uma sanduíche de manteiga de amendoim e azeitonas.

Cheguei às dez para as seis, cumprimentei o meu pai na sala

de estar e parei junto à mesa da sala de jantar a caminho da co-

zinha. A mesa estava posta para cinco pessoas. A minha mãe, o

meu pai, a minha avó, eu… e outra pessoa. Percebi de imediato

que tinha sido enganada.

— Porque é que há mais um lugar à mesa? — perguntei à

minha mãe. — Quem é que convidaste?

Ela estava inclinada na bancada ao lado do lava-loiça, sobre

uma panela fumegante de batatas escorridas, esmagando-as com

toda a força, os lábios firmemente fechados.

— Convidámos aquele simpático jovem, o Dave Brewer,

que defraudou todas aquelas pessoas e as fez perder as suas

casas — disse a minha avó, tirando um rolo de carne do forno.

— Ele não defraudou ninguém — tentou corrigir a minha

mãe. — Ele foi incriminado.

Olhei para o arroz-doce, que estava dentro de uma tigela em

cima da mesa da cozinha, e calculei a distância até à porta. Se

fosse rápida, talvez conseguisse fugir com a tigela antes de a

minha mãe me apanhar.

— Há qualquer coisa diferente em ti — reparou a minha

avó. — Tens franja?

A minha mãe ergueu os olhos das batatas.

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— Nunca tiveste franja. — Estudou-me por um instante.

— Fica-te bem. Faz sobressair os teus olhos.

A campainha tocou. A minha mãe e avó ficaram em sentido.

— Alguém que vá abrir a porta — gritou o meu pai.

O meu pai põe o lixo na rua, lava o carro e faz tudo o que es-

teja relacionado com a canalização, mas não abre a porta. Isso

não faz parte da sua divisão de tarefas.

— Tenho as mãos ocupadas com o rolo de carne — disse a

minha avó.

Suspirei.

— Eu vou abrir.

Se o Dave Brewer fosse demasiado horrível, eu podia deixá-

-lo entrar e prosseguir caminho até ao carro. Que se lixasse o

arroz-doce.

Abri a porta e recuei um passo. O Brewer era um indivíduo

de aparência agradável, com muito menos cabelo do que eu me

lembrava. O corpo atlético que tivera na escola ficara mole na

zona da barriga, num contraste gritante com o Morelli e o Ran-

ger, que pareciam ficar mais firmes quanto mais envelheciam.

Era meia cabeça mais alto do que eu. Os cantos dos seus olhos

azuis tinham algumas rugas de expressão. Aquilo que restava

do cabelo loiro escuro estava cortado muito curto. Vestia calças

pretas de pregas e uma camisa azul, aberta no pescoço.

— Stephanie? — perguntou.

— Sim.

— Isto é embaraçoso.

— Para que conste, a ideia não foi minha. Tenho namorado.

— O Morelli.

— Sim.

— Não gostaria de me meter com ele — disse o Brewer.

Senti as minhas sobrancelhas a erguerem-se ligeiramente.

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— Mas estás aqui?

— Estou a morar temporariamente com a minha mãe — dis-

se ele. — Ela obrigou-me a vir.

Meu Deus, pensei, o pobre coitado ainda está pior do que eu.

Quando faltava um minuto para as seis, a comida foi posta

em cima da mesa, e o meu pai içou-se da sua poltrona e dirigiu-

-se à sala de jantar. O meu pai pedira a reforma antecipada do

seu trabalho nos correios, e agora conduzia um táxi em part-

-time. Tem alguns clientes fixos que leva à estação de comboio

cinco dias por semana, depois vai buscar os amigos e leva-os até

ao bar Sons of Italy, onde ficam a jogar às cartas. Tem um me-

tro e setenta e oito e é entroncado. A sua testa é muito alta, usa

no cimo uma franja de cabelo preto e encaracolado. Não possui

um único par de calças de ganga, preferindo calças com pregas

e camisas de colarinho da coleção Tony Soprano da JCPenney.

Atura a minha avó com aquilo que se assemelha a uma resig-

nação sombria e uma surdez seletiva, embora eu desconfie que

ele acarinha fantasias homicidas.

Fiquei sentada ao lado do Dave, com a minha avó à nossa

frente.

— Que agradável — disse a minha avó. — Não é todos os

dias que temos um bonito rapaz à mesa.

O meu pai emborcou a comida e murmurou qualquer coisa

que soou ligeiramente a «Matem-me já». Era difícil perceber

com o rolo de carne a mover-se-lhe na boca.

— Então, o que está aqui a fazer em Trenton? — quis saber

a minha avó.

— Estou a trabalhar para o meu tio Harry.

Harry Brewer era dono de uma empresa de mudanças e ar-

mazenamento. Quando saí da minha casa depois do divórcio

utilizei o Serviço de Mudanças Brewer.

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— Anda a mudar móveis? — perguntou a minha avó.

— Não. Faço orçamentos e trabalho geral de escritório. Era

a minha prima Francie que tratava disso, mas chateou-se com

o meu tio, foi-se embora e nunca mais voltou. Por isso, entrei

eu para o ajudar.

A minha avó emitiu um som de sucção com a dentadura.

— Alguém teve notícias dela?

— Que eu saiba, não.

— Tal como o Lou Dugan — disse a minha avó.

Eu sabia o que se passara com a Francie, e não era propria-

mente igual ao que se passara com o Lou Dugan. O namora-

do da Francie também tinha desaparecido, e quando a Francie

saíra da empresa de mudanças também levara quase cinco mil

dólares em dinheiro. Os rumores diziam que a Francie e o na-

morado estavam em Las Vegas.

— Quem quer vinho? — ofereceu a minha mãe. — Temos

uma boa garrafa de tinto sobre a mesa.

A minha avó serviu-se de vinho e estendeu-o ao Dave por

cima da mesa.

— Aposto que o Dave tem muito em comum com a Stepha-

nie, tendo em conta que andaram juntos na escola.

— Não temos nada — disse eu. — Mesmo nada.

O Dave parou o garfo a meio caminho da boca.

— Devemos ter alguma coisa.

— O quê? — perguntei-lhe.

— Um amigo em comum.

— Não me parece.

— O Dave jogou futebol. Ela era uma majorete — disse a mi-

nha avó. — Devem ter estado juntos no campo.

— Não — respondi. — Nós entrávamos no intervalo e eles

iam para o balneário.

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Ele virou-se e olhou para mim.

— Já me estou a lembrar de ti. Atiraste o teu bastão para a

secção de trombone, enquanto cantavam o hino.

— A culpa não foi minha — desculpei-me. — Estava frio e

tinha os dedos gelados. E se esboçares o mais pequeno sorriso

por causa disso, espeto-te o garfo.

— Ela é bastante dura — disse a minha avó ao Dave. — É uma

caçadora de recompensas, e dispara contra as pessoas.

— Eu não disparo contra as pessoas — corrigi. — Quase

nunca.

— Mostra-lhe a tua arma — pediu a minha avó.

Servi-me de puré de batata.

— Tenho a certeza de que ele não quer ver a minha arma. De

qualquer maneira, não a tenho comigo.

— Só tem uma pequenina — continuou a minha avó. — A mi-

nha é maior. Quer ver a minha?

A minha mãe serviu-se de um segundo copo de vinho, e o

meu pai apertou a faca com tanta força que as articulações dos

seus dedos ficaram brancas.

— Talvez mais tarde — disse Dave.

— Não devias ter uma arma — disse a minha mãe à minha

avó.

— Oh, sim. Esqueci-me. Está bem, eu devolvi a minha arma

— contou a minha avó ao Dave. — Mas era uma maravilha.

— E você? — perguntou o meu pai ao Dave. — Tem uma

arma?

Ele abanou a cabeça.

— Não. Não preciso de uma arma.

— Não confio num homem que não tenha uma arma — ros-

nou o meu pai, olhando o Dave de olhos franzidos, com uma

garfada de rolo de carne a meio caminho da boca.

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— Normalmente, não concordo com o meu genro — disse

a minha avó —, mas ele tem uma certa razão.

— Tem uma arma? — perguntou o Dave ao meu pai.

— Costumava ter — respondeu ele. — Tive de me livrar

dela, quando a Edna se mudou cá para casa. A tentação era de-

masiado grande.

A minha mãe esvaziou o seu copo de vinho.

— Alguém quer mais puré? — perguntou.

— Eu como outro pedaço de rolo de carne — pediu o Dave.

— O segredo de um bom rolo de carne é usar muito ketchup,

quando se está a fazer a mistura — explicou a minha avó. — É

o nosso ingrediente secreto.

— Vou tentar lembrar-me disso — agradeceu o Dave. — Gos-

to de cozinhar. Gostaria de ir para uma escola de culinária, mas

neste momento não a posso pagar.

O meu pai parou de mastigar por um instante e abanou qua-

se impercetivelmente a cabeça, como se aquilo selasse a sua ava-

liação sobre o Dave Brewer.

— E tu? — perguntou-me ele. — Gostas de cozinhar?

Pergunta interessante. Ele não me perguntara se eu sabia co-

zinhar. A resposta àquilo era fácil. Não. Com toda a certeza, eu

não sabia cozinhar. Qualquer coisa para além de uma sanduí-

che seria uma enorme confusão. O problema é que ele me per-

guntara se eu gostava de cozinhar. E essa era uma questão mais

complicada. Eu não sabia se gostava de cozinhar. Havia sempre

alguém a cozinhar para mim. A minha mãe, a mãe do Morelli,

a governanta do Ranger e um monte de profissionais em cafés,

pizzarias, supermercados, pastelarias e restaurantes de fast-food.

— Não sei se gosto de cozinhar — respondi. — Nunca tive

nenhum motivo para tentar. Não fui casada o tempo suficiente

para tirar os autocolantes do fundo dos tachos.

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— E depois incendiaram-lhe o apartamento, e o livro de re-

ceitas ficou queimado — disse a minha avó. — Foi um incên-

dio enorme.

— Que pena — lamentou o Dave. — Cozinhar pode ser di-

vertido. E podemos comer o que fazemos.

Eu duvidava muito que alguma vez quisesse comer qualquer

coisa que eu própria tivesse cozinhado.

— Temos de avançar com este jantar — disse a minha avó.

— A Mildred Brimmer está no Stiva’s, e eu não quero perder

nada. Vão estar todos a falar do Lou Dugan, e eu vou ser a es-

trela porque a Stephanie estava no sítio onde o encontraram.

O Dave virou-se para mim.

— Isso é verdade? Ouvi dizer que estava enterrado no terre-

no da agência de fianças.

— Sim — respondi. — O homem que estava a trabalhar com

a retroescavadora encontrou uma mão e parte de um braço. Eu

não estava lá quando exumaram o resto do corpo.

— Ouvi dizer que o reconheceram pelo anel — disse o Dave.

Assenti.

— Foi o Morelli que o viu. Tenho a certeza que lhe vão fazer

mais exames forenses, para garantirem.

— Essa é a parte boa de viver no Burg — disse a minha avó.

— Passa-se sempre qualquer coisa de interessante.

Acabámos o jantar em tempo recorde, para a minha avó poder

ir ao seu velório. Ninguém entornou vinho ou incendiou a toa-

lha, depois da queda de um castiçal. A conversa foi ligeiramen-

te embaraçosa, já que estava cheia de referências pouco subtis

quanto ao facto de eu e o Dave formarmos um casal, mas eu já

tinha passado por muito pior.

— Desculpa as casamenteiras — disse ao Dave, quando o

acompanhei à porta no fim do jantar.

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— No final da refeição, estava quase convencido de que já

estávamos noivos. — Olhou para o meu decote. — Estava a co-

meçar a gostar da ideia. — Deu-me um beijo na face. — Talvez

possamos ser amigos. Posso dar-te uma aula de culinária.

— Claro — repliquei. — Seria bom saber cozinhar.

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Cinco minutos depois, estava dentro do meu carro. Tinha

um saco com os restos do jantar no banco de trás e a minha avó

sentada ao meu lado no assento do passageiro, enquanto atra-

vessávamos o Burg a caminho da casa funerária Stiva’s.

— O Dave não é assim tão mau — comentou a minha avó.

— Nem de longe é tão mau como alguns dos falhados que a

tua mãe tem arrastado para casa, para te apresentar. Lembras-

-te do talhante?

Ao pensar nisso, um arrepio involuntário percorreu-me a

espinha.

— E acho que é muito bom que o Dave saiba cozinhar — dis-

se a minha avó. — Pode dar jeito a alguma rapariga afortunada.

Olhei de soslaio para ela.

— Bem, podia sair-te bem pior — disse ela. — Não te vejo

a fazer grandes progressos, no que toca a casar com os que já

fisgaste.

— Não tenho a certeza se me quero casar.

DEZ

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— Não sejas tola — disse a minha avó. — Claro que te que-

res casar. Queres ser tu a pôr o teu lixo na rua, durante o resto

da vida? Então e os bebés?

— Bebés?

— Claro. Não queres bebés?

A verdade é que eu me sentia bastante feliz com um hamster.

— Talvez um dia — respondi.

Deixei a minha avó na casa funerária e voltei para o meu

apartamento. Vi o jipe verde do Morelli parado no meu parque

e estacionei ao lado. O carro estava vazio e as luzes da minha

sala de estar estavam acesas. Ele entrara sozinho. Tinha a chave.

Apanhei o elevador e atravessei o patamar; o Morelli e o Bob,

o seu cão, vieram abrir-me a porta. O Bob adotara o Morelli há

algum tempo. É um cão grande, peludo e ruivo, e come tudo.

— Vi-te a estacionar — disse ele. — Bela vista aqui de cima.

Não sabia se ele se estava a referir a mim, ou ao saco de res-

tos que eu tinha na mão.

— Como é que te conseguiste escapar tão cedo da festa do

tio Rocco?

— Fingi que tinha recebido uma chamada da esquadra. — Pe-

gou na minha mala, poisou-a em cima da bancada e estendeu-

-me a mão. — Esta noite, estás mesmo sexy. Quase caí da janela

ao ver-te a atravessar o parque de estacionamento.

— Tens a certeza que não foi por eu trazer sobremesa? Podia

partilhar o meu arroz-doce contigo.

Ele passou os braços à minha volta e abraçou-me.

— Depois.

— Uma bebida?

Beijou-me ao de leve nos lábios.

— Depois.

— Então, o que é que queres fazer?

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— Para começar, gostava de despir essa camisola. E depois

quero ver o teu rabiosque a sair dessa pequena saia.

— E os saltos altos? — perguntei.

— Podes deixá-los calçados.

Oh, céus.

— Isso é muito maroto.

O Morelli enfiou as mãos por baixo da minha camisola. Os

seus olhos negros estavam dilatados e a sua boca suavizara-se

com a sugestão de um sorriso.

— Docinho, estou-me a sentir muito mais do que maroto.

Vamos ter de trancar o Bob fora do quarto, para não corromper-

mos a sua mente impressionável.

Cinco minutos depois, eu só tinha os sapatos calçados e o Mo-

relli estava nu. Ele tem a tendência para ser brincalhão durante

os preliminares. Quando os preliminares dão lugar a uma ação

mais séria, o Morelli faz amor com uma paixão que não se es-

quece com facilidade. Eu estava deitada de costas na cama, e o

Morelli fazia os seus dedos avançar pelo interior da minha coxa.

Agarrei o lençol e pensei que os meus olhos se reviravam dentro

da minha cabeça em antecipação por aquilo que me esperava.

— Gostas disto? — perguntou ele.

— Sim — disse sem fôlego, cada músculo do meu corpo

contraído.

O Morelli beijou-me alguns centímetros abaixo do umbigo.

— Está prestes a ficar melhor.

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Era terça-feira de manhã: a Lula estava a prestar-me toda a

sua atenção.

— Muito bem, deixa-me adivinhar — disse ela. — Pelo sor-

riso parvo que trazes na cara, e pelo facto de não estares a an-

dar lá muito bem, eu diria que passaste a noite com o Morelli.

A autocaravana da agência de fianças ainda estava estaciona-

da na Hamilton, e a Lula e a Connie estavam ali. O Vinnie e o

Mooner tinham-se ausentado. Eu estava sentada no sofá, com

uma das mãos à volta de um copo gigantesco do Starbucks.

— Ele é o tal — respondi. — Não há dúvida nenhuma.

— Sim, mas ainda não deste outra oportunidade a ninguém.

Pode haver alguma coisa melhor. Já estás a concluir a avaliação

e ainda não entrevistaste todos os candidatos.

— Acho que não conseguiria sobreviver a nada melhor.

— Estou um pouco desiludida — disse ela. — Estava ansio-

sa por ouvir falar das comparações.

Não que eu lhe fosse falar das comparações, mas compreen-

di o que ela queria dizer.

ONZE

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P e r s e g u i ç ã o E s c a l d a n t e

— Que tal foi o teu encontro de ontem à noite? — pergun-

tei-lhe.

— Foi um fiasco enorme. Fomos ao cinema, ele adormeceu

e as pessoas começaram a gritar com ele por estar a ressonar.

Depois apareceu o gerente, que nos pediu para sair. E ele não

queria sair sem que lhe devolvessem o dinheiro, embora eu não

tivesse percebido qual era a importância disso, já que ele tinha

passado o filme a dormir e não parecia nada ralado em ver o

fim. Portanto, o gerente chamou a polícia, e foi nessa altura que

me vim embora. De qualquer maneira, não me quero envolver

com um homem que ressona daquela maneira. Era como estar

sentada ao lado de um comboio de carga. E foi uma pena, por-

que eu estava toda preparada com a minha boa.

Olhei pela janela da autocaravana e vi que a fita da cena do

crime ainda estava no mesmo sítio. Havia dois homens com as

calças de caqui e os corta-ventos da equipa forense no meio do

terreno.

— O que é que se está a passar ali fora? — perguntei à Connie.

— Não sei. Estiveram a marcar linhas divisórias, e agora es-

tão a verificar tudo. Acho que querem ver se não há mais cor-

pos. Ou talvez estejam à procura de provas. O Morelli estava

aqui quando cheguei, e depois foi-se embora.

— Parecia feliz? — perguntei.

— Não muito. Tinha a sua expressão de trabalho. Estava com

a Terry Gilman. Passaram alguns minutos a falar com os tipos

da equipa forense e depois foram-se embora.

Senti todo o ar a ser expelido dos pulmões. A Terry Gilman

era loira e bonita, e de vez em quando eu suspeitava que o Mo-

relli se desviava na sua direção. Também tinha ligações à máfia,

embora o modo exato como estava associada a eles não fosse

totalmente claro.

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J a n e t E v a n o v i c h

— Acho que a Gilman era da família do Lou Dugan — dis-

se a Connie. — Prima em segundo grau, ou qualquer coisa do

género. E tenho quase a certeza de que houve uma altura em

que trabalhou para ele.

— Tenho de dizer-vos uma coisa: se esses tipos da equipa fo-

rense encontrarem outro corpo, vou para casa e não volto.

— De qualquer maneira, não há nada que possas arquivar

— disse a Connie. — Não temos arquivadores, nem pilhas de

casos para arquivar. O negócio está mau.

— Ainda me vão pagar, não vão? Porque eu tenho obrigações

financeiras. Tenho uma mala para pagar a prestações.

O Vinnie ligou e a Connie pô-lo em alta voz.

— Estou no tribunal, e preciso que alguém venha buscar um

embrulho — pediu o Vinnie.

— Que tipo de embrulho?

— Um embrulho grande. Não cabe no meu carro. Preciso

que o Mooner traga a autocaravana até aqui.

— O Mooner foi a uma maratona diurna de um festival de

cinema dedicado ao Senhor dos Anéis.

— Então arranjem outra pessoa para conduzir a merda da

autocaravana.

— Quem? — perguntou-lhe a Connie.

— Não interessa! Não pode ser assim tão difícil, se o Mooner

consegue conduzi-la. Tragam só a autocaravana até aqui. Não

posso perder o dia inteiro parado em frente ao tribunal.

— Raios, eu conduzo a autocaravana — ofereceu-se a Lula.

— Sempre quis conduzir uma.

Eu sempre quis voar, mas isso não significa que o possa fa-

zer sem asas.

— Não tens de ter lições e uma carta especial, para conduzi-

res uma autocaravana?

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P e r s e g u i ç ã o E s c a l d a n t e

A Lula já se tinha levantado e dirigido para o assento do con-

dutor.

— Na minha opinião, isto não passa de um veículo de lazer

e não é preciso nada de especial para o conduzir. — Sentou-se

atrás do volante e olhou em volta. — Vamos lá ver o que é que

temos. Pedal do acelerador. Travão. Manete das mudanças. E a

chave está na ignição. Vai ser canja.

— A autocaravana tem seguro? — perguntei à Connie.

Ela estava ocupada a enfiar o portátil e um monte de fichei-

ros na mochila.

— Vou-me mudar para o café ao lado do hospital. Eles têm

Wi-Fi gratuito, cheira melhor, não é sempre meia-noite e não

se mexe.

A Lula ligou o motor.

— Têm todas o cinto de segurança posto?

A Connie passou por mim em direção à porta.

— Não ultrapasses os quinze quilómetros por hora — pediu

ela à Lula. — Não batas em nada. Não me telefones, se bateres

nalguma coisa.

Peguei na minha mala e segui a Connie.

— Ei! — disse-me a Lula. — Onde é que vais? Nós somos

parceiras. E todas aquelas vezes em que te tenho apoiado? Ago-

ra, aqui estou eu numa grande aventura, a conduzir uma auto-

caravana, e como é que te foi passar pela cabeça não partilhar

isso comigo? Onde está o espírito de camaradagem? Isto pode

ser uma experiência muito importante para a nossa amizade.

— Acho que não é lá muito boa ideia.

— Claro que é boa ideia. Volta a sentar esse teu rabo branco

e escanzelado. Isto vai ser divertido. Vou ser uma boa motoris-

ta de autocaravana. Até me posso decidir a conduzir profissio-

nalmente autocaravanas.

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Pôs a autocaravana em movimento, pisou o acelerador e fez

marcha atrás contra a carrinha da equipa forense.

— Acabaste de ouvir alguma coisa estranha? — perguntou.

— Sim, ouvi o som da autocaravana a chocar com a carrinha

da equipa forense.

— Foi apenas um toque. Vou-me chegar um pouquinho à

frente.

Meteu a mudança e afastou-se da berma.

— Esta coisa não tem muita força.

Os indivíduos da equipa forense ainda estavam a olhar para

nós, de bocas abertas e olhos arregalados. Olhei pelo espelho

lateral e vi que estávamos a rebocar a carrinha.

— Acho que vou ter de acelerar um pouco — disse a Lula.

Pisou no acelerador: a autocaravana soltou-se e saltou para a

frente, deixando o para-choques da carrinha no meio da estrada.

— Talvez fosse melhor parares — disse-lhe.

— Nem pensar. Acho que já lhe apanhei o jeito.

A Lula desceu lentamente a Hamilton e varreu um monte

de carros estacionados.

— Santa mãe! — exclamei. — Acabaste de arrancar mais dois

para-choques e um espelho.

— Acho que isto é mais largo do que antecipei. Não há pro-

blema, vou corrigir um pouco a direção.

Virou à direita, saindo da Hamilton, passou por cima do pas-

seio e derrubou um marco do correio.

— Hum, propriedade do Estado — disse-lhe.

— As pessoas também já não usam o correio. Agora é tudo

eletrónico. Quando foi a última vez que colaste um selo nalguma

coisa? Lembras-te quando tinhas de lamber selos? Era nojento.

Olhei para trás, à procura da polícia.

— Parece que abandonámos a cena de um monte de crimes.

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— Sim, mas não foram crimes graves. Quase não contam.

Podíamos mandar a confissão por correio, só que já não man-

damos nada por correio. Mas se mandássemos merdas por cor-

reio, era assim que tomávamos conta delas.

A Lula desceu lentamente a Perry Street e viu o Vinnie em

frente ao tribunal.

— Mas que raio é aquilo ao lado do Vinnie? Pensei que ele

tinha dito que tinha um embrulho. Aquilo não é nenhum em-

brulho. É um tipo grande e peludo, com uma trela. Provavel-

mente estou a ver coisas, mas podia jurar que se parece com

um urso.

A mim também me parecia um urso. Era grande e castanho,

e usava uma coleira vermelha com uma gravata.

O Vinnie conduziu o urso até à autocaravana e abriu a porta.

— Desculpa lá — disse a Lula —, mas isso parece-se com

um urso.

— É o Bruce, o urso bailarino — explicou o Vinnie. — Pa-

guei a caução ao dono, e isto era a única coisa que ele me podia

dar como garantia.

— E o que é que estás a pensar fazer com o urso? Porque

é melhor não estares a pensar em meter o urso na minha au-

tocaravana! Não permito a entrada de ursos na minha auto-

caravana.

— Primeiro, não é a tua autocaravana.

— É, quando sou eu que a estou a conduzir. Quem é que vês

sentado no lugar do motorista?

— Vejo uma empregada de escritório desempregada — ame-

açou o Vinnie. — Sai daí. Eu é que vou conduzir a autocaravana.

— Se me despedires, a Connie vai andar sempre em cima de

ti. E podes conduzir a autocaravana à vontade. De qualquer ma-

neira, estava farta de a conduzir. Não é lá muito boa nas curvas.

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A Lula e eu esprememo-nos pela porta, passámos pelo urso,

e o Vinnie entrou com o bicho na autocaravana.

A Lula olhou para o veículo.

— Preciso de boleia.

Alguém rosnou. Acho que foi o Vinnie.

— Entra — disse o Vinnie à Lula —, mas não pises o urso.

— O Vinnie olhou para mim. — E tu? Precisas de boleia?

— Não. Estou bem assim.

Não me sentia à vontade a partilhar uma autocaravana com

um urso, com gravata ou sem gravata. Vi a porta fechar-se e ace-

nei à Lula quando a autocaravana se afastou.

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Fiquei ali encalhada em frente ao tribunal, considerando as

minhas alternativas. Podia ligar ao meu pai. Podia ligar ao Mo-

relli. Podia chamar um táxi. Já tinha o telemóvel na mão, quan-

do um Porsche 911 Turbo preto parou ao meu lado. A janela de

vidros fumados desceu e o Ranger olhou para mim por trás dos

óculos escuros.

— Querida…

«Querida» era toda uma grande conversa saída da boca do

Ranger. Dependendo da inflexão da sua voz, podia querer dizer

muita coisa. Naquele momento, achei que devia significar: Que

surpresa agradável encontrar-te aqui.

Deslizei para o banco do passageiro. O Ranger inclinou-se e

beijou-me um pouco abaixo da orelha. Foi um beijo de saudação.

Nada sério. Se eu quisesse que fosse a sério, bastava-me sorrir.

Quando conheci o Ranger, ele trabalhava como caçador de

recompensas e a sua morada ficava num terreno baldio. Tinha

o cabelo preso num rabo de cavalo e a sua roupa variava entre

DOZE

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camuflados militares, t-shirts pretas e calças cheias de bolsos.

Agora é um empresário de sucesso, proprietário de uma empresa

de segurança seleta. O rabo de cavalo e os camuflados militares

reformaram-se, e ele mudou-se para um apartamento pequeno

mas luxuoso no último piso do edifício de escritórios da Range-

man. Normalmente, veste-se com o uniforme Rangeman cons-

tituído por uma t-shirt preta, calças com muitos bolsos e blusão

Rangeman, mas o seu roupeiro também contém fatos pretos de

bom corte e camisas. Naquele dia, estava de uniforme.

— Vieste combater o crime? — perguntei-lhe.

— Precisava de um relatório da polícia, a respeito de um

roubo. E tu?

— O Vinnie tinha assuntos para tratar no tribunal, e depois

não conseguiu enfiar o urso bailarino no seu carro, por isso eu

e a Lula tivemos de o vir buscar na autocaravana do Mooner.

A expressão no seu rosto não se alterou. Talvez tivesse havi-

do apenas uma ligeira contração por cima do canto da boca, a

indicar algum espanto.

— E não quiseste voltar na autocaravana?

— Era um urso demasiado grande. Tens tempo para me le-

vares até ao meu carro? — perguntei-lhe.

— Sim, mas isso tem um preço.

Levantei as sobrancelhas um centímetro.

— Estamos a falar de sexo?

O Ranger baixou os óculos e olhou para mim.

— Não tenho de negociar para ter isso, querida.

— Então?

— Gostava que desses uma vista de olhos ao sistema de se-

gurança de um novo cliente. Sei como criar um sistema de se-

gurança máxima, mas tu és melhor a reconhecer os aspetos que

as mulheres possam achar desconfortáveis.

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— Claro. Ficaria muito feliz por poder fazer isso.

— Hoje vou estar ocupado o dia todo. Talvez amanhã, de-

pois das quatro?

Fui dar com a autocaravana do Mooner parada no sítio do

costume, na Hamilton Avenue. Um carro-patrulha, a carrinha

do patologista, o jipe do Morelli, mais a carrinha da equipa fo-

rense sem para-choques, estava tudo estacionado em frente à

autocaravana.

O Ranger parou o Porsche atrás da autocaravana e deixou-o

em ponto morto.

— Este sítio está a ficar mais entupido que o aterro sanitário.

— Tens alguma teoria sobre o Lou Dugan?

— Era um tipo interessante. Ativo nos assuntos da comuni-

dade, com uma mãozinha num certo número de coisas pouco

recomendáveis; a mulher transformou-se num zombie, e o filho

está no último ano de internato na Johns Hopkins.

— Andaste a investigar.

— Deixou de haver aqui um prédio, mas eu continuo a ga-

rantir os meus serviços de segurança. Não consegui descobrir

nada que aponte para uma ligação entre o Dugan e qualquer

pessoa associada à agência de fianças. Ou seja, não há nenhu-

ma ligação entre o assassino e a agência.

Olhei para a autocaravana, que baloiçava para trás e para a

frente. Provavelmente era o urso a dançar.

— Queres ver o urso bailarino? — perguntei-lhe.

— É altamente tentador, mas por hoje dispenso.

Saí do carro, despedi-me do Ranger com um aceno, pas-

sei por cima da fita da cena do crime e aproximei-me do Mo-

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relli. Ele estava a poucos metros de uma bandeira vermelha

espetada no chão. O patologista, os tipos da equipa forense e

o Morelli estavam a observar dois homens que retiravam ter-

ra com pás e picaretas. Havia um pedaço de qualquer coisa

a espreitar da cova que tanto podia ser o tecido de um fato

cinzento manchado de terra, como qualquer coisa na qual eu

não queria pensar.

— Isto não parece lá muito bom — disse eu ao Morelli.

— Há outro corpo lá em baixo. Obviamente, enterrado depois

do incêndio, porque o edifício estava por cima da cova.

— Fazem ideia de quem seja?

— A Terry disse-me que o Bobby Lucarelli, o advogado do

Dugan, desapareceu mais ou menos na mesma altura que o

Dugan. Parece-me um bom candidato.

Esforcei-me para não usar a minha voz loucamente ciumenta.

— A Terry?

— A Terry Gilman. O Lou Dugan era tio dela, e ela trabalhou

para ele há uns anos. Sobretudo na contabilidade.

— Calculo que sim.

— Sim, é difícil perceber em que é que a Terry trabalha. Não

que eu esteja muito preocupado com isso, agora. Ela está a aju-

dar-nos a investigar.

— Calculo que sim.

O Morelli sorriu-me.

— Estás com ciúmes?

— Não confio nela.

— E em mim? Confias em mim?

Refleti um pouco na pergunta.

— Então? — perguntou o Morelli.

— Estou a pensar.

Ele suspirou.

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— Cuidado com a pá! — gritou o patologista a um dos ho-

mens que estavam a cavar. — Não quero ter de enfiar esse tipo

aos bocadinhos num saco.

Uma onda de náusea atravessou-me o estômago.

— Vou-me embora — disse. — Vemo-nos logo à noite?

— Sim, mas mais tarde. — Deu-me um beijo rápido. — Não

esperes por mim para jantar.

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O carro da Lula tinha desaparecido, tal como o da Connie.

Provavelmente estavam no café. A autocaravana parara de ba-

loiçar, por isso calculei que, ou o urso tinha comido o Vinnie,

ou então estavam a fazer uma sesta. De qualquer das maneiras,

não me queria meter no assunto.

Conduzi a curta distância até ao café e estacionei atrás do

Firebird da Lula. O café ficava em frente ao hospital, e tinha a

decoração clássica da Starbucks, só que não era um Starbucks.

Dois sofás de cabedal e uma mesa de centro tinham sido dis-

postos em frente a uma das montras, e um grupo de pequenas

mesas altas e cadeiras enchia a zona que envolvia a outra mon-

tra, que corria por uma das alas do café. Duas mulheres de bata

estavam ao balcão, a pedir galões. Um indivíduo de cabelo enca-

racolado estava sentado a uma das mesas, navegando na net no

seu portátil, e a Lula e a Connie tinham-se apoderado dos sofás.

— Que tal foi a viagem de regresso com o urso? — pergun-

tei à Lula.

TREZE

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— Para um urso, ele é bastante educado — admitiu a Lula.

— Não me rosnou nem nada, mas não quero estar por perto

quando ele tiver de ir à casa de banho.

— Consegui arranjar mais algumas informações sobre o Mer-

lin Brown — disse a Connie. — Passei-o pelo sistema e descobri

um cunhado. Lionel Cracker. Vive no mesmo complexo habita-

cional que o Merlin e trabalha num snack-bar no cimo da Stark.

Cerca de um quarteirão abaixo da terra de ninguém, perto da

casa funerária Green.

— Eu sei onde é — disse a Lula. — Quando era prostituta e

passava pelo bairro, costumava ir muitas vezes a esse sítio. Têm

os melhores cachorros-quentes com chili que conheço. Conse-

guia comer esses cachorros até vomitar. Se formos falar com ele

agora, sou capaz de almoçar um cachorro-quente.

Passei pelo parque de estacionamento da casa do Brown, para

procurar o seu carro. Quando não o consegui encontrar, liguei

para o telefone de casa. Ninguém atendeu.

— Aposto que saiu para almoçar — disse a Lula. — Aposto

que está a almoçar com o cunhado.

Na maior parte das vezes, se estacionarmos o carro na Stark

Street e não ficarmos de olho nele, pelo menos algumas peças

(se não todo o veículo) terão desaparecido quando voltarmos. Se

eu tivesse um Cadillac Escalade preto, um Mercedes SLS AMG, ou

um Porsche 911 Turbo, ninguém se atreveria a tocar no meu carro,

com medo que eu estivesse no cimo da cadeia alimentar dos gan-

gsters. Nesse caso, roubar-me o carro seria uma sentença de morte.

Mas como conduzo um Ford Escort antiquado, fiz questão de

estacionar mesmo em frente ao snack-bar.

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— Vou comer um cachorro quente com chili, um com chu-

crute e outro com molho de barbecue — avisou a Lula. — E sou

capaz de comer algumas batatas fritas onduladas com queijo

para acompanhar, para incluir alguns vegetais e laticínios. Deci-

di que a minha dieta pode melhorar bastante, se fizer refeições

mais equilibradas. Aposto que incluí todos os grupos alimenta-

res na refeição que estou a planear.

— O Cracker pode não ser muito amistoso, se souber que

fomos nós que arrancámos o dedo do pé do cunhado, por isso

temos de ser discretas.

— Claro. Eu consigo ser discreta. O que é que tu queres?

— Quero um cachorro-quente. Qualquer um serve.

O bar era pequeno. Só tinha serviço de take-away. Havia duas

crianças desengonçadas com roupa à membro de gangue jun-

to ao balcão, à espera do seu pedido. Dois homens com t-shirts

encharcadas em suor e nódoas de comida trabalhavam na cozi-

nha. Os dois cozinheiros pareciam pesar qualquer coisa como

cento e cinquenta quilos. As salsichas estavam a cozer no fogão,

e a gordura escorria pelas paredes junto à fritadeira.

Deixei-me ficar na soleira da porta a vigiar o meu carro. A Lula

aproximou-se do balcão.

— Quero um cachorro com chili, um com chucrute, um com

molho de barbecue e batatas fritas onduladas com extra queijo.

E a minha amiga quer um cachorro com chili. Qual de vocês é

o Lionel Cracker?

Um dos homens tirou quatro salsichas da água a ferver e olhou

para a Lula.

— Quem é que pergunta?

— Eu mesma — retorquiu a Lula. — Não acabaste de me

ouvir?

— Eu conheço-te?

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— É que eu conheço o teu cunhado Merlin. Ele disse que

trabalhavas aqui.

O tipo pôs quatro pães de cachorro em cima da bancada e

deixou cair as salsichas dentro deles.

— E disse mais alguma coisa?

— Só isso. Eu era amiga do Merlin e, como já não o vejo há

uns tempos, queria saber como param as coisas.

— Ele deve-te dinheiro, é isso? O que é que vocês são? Agên-

cia de cobranças? Assistência social?

— Só viemos comer um cachorro-quente, e lembrei-me do

Merlin.

O Cracker deitou um montículo de mostarda em todos os

cachorros.

— Minha, só podes estar a mentir. Sei uma coisa ou outra

sobre linguagem corporal, e pareces-me uma grande gorda

mentirosa.

— Para já, sou a melhor mentirosa que alguma vez te pas-

sou pela frente. Se estivesse a mentir, nunca saberias. E ainda

por cima chamaste-me gorda? É melhor que a ideia não fosse

essa. Especialmente porque és um monte de banhas horrível.

— Essa foi mazinha — respondeu o Cracker. — Podes dizer

adeus a estes cachorros. Não sirvo comida a gordas horrorosas

e velhas.

A Lula inclinou-se sobre o balcão e aproximou o rosto do dele.

— Por mim tudo bem, já que não quero a porcaria dos teus

cachorros, mas não permito que ninguém me desrespeite.

— Ai é? Então, podes-me beijar o rabo.

E o Cracker baixou as calças e virou-lhe o rabo.

A Lula pegou no frasco da mostarda e encheu-lhe o rabo de

uma dose dupla de mostarda. O Cracker pegou num monte de

chili e atirou-o à Lula. E depois disso era difícil perceber quem

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estava a atirar o quê a quem. Salsichas, pães, salada, picles, ket-

chup, molho, chucrute, voavam pelo ar. A Lula defendia-se com

a mala, e eu tentei arrastá-la porta fora.

— Larga-me! — gritou ela. — Ainda não acabei com ele.

O Cracker baixou-se por trás do balcão e voltou a levantar-se

com uma espingarda.

— Agora acabei — disse a Lula.

Fugimos porta fora, saltámos para dentro do Escort e eu ace-

lerei ruidosamente para me afastar dali.

Conduzi um quarteirão e fiz a curva, saindo da Stark.

— Tens de te controlar com essa história da gorda — pedi à

Lula. — Não podes andar por aí a disparar contra as pessoas, só

porque dizem que és gorda.

— Só disparei contra um gajo. O segundo foi só mostarda.

— A Lula limpou um pouco de chili, que ficara agarrado à sua

camisa. — Não chegámos a almoçar. Onde é que queres ir?

— Vou almoçar a casa, para poder tomar um duche e mu-

dar de roupa. Sinto-me como se tivesse andando a chafurdar no

contentor do lixo do Giovichinni’s.

A Lula baixou a sua janela.

— Uma de nós cheira a chucrute. Aposto que és tu. Parece que

foste atingida com uma tigela cheia. Está agarrado ao teu cabelo.

Não penses nem por um instante que isto é obra da Bella, pen-

sei para comigo. A borbulha e o chucrute são coincidência.

O mau-olhado é um monte de tretas. Repete depois de mim.

O mau-olhado é um monte de tretas.

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Quando finalmente saí do apartamento, já estávamos a

meio da tarde. Tinha lavado o cabelo: só cheirava ligeiramen-

te a chucrute. Envergava o meu uniforme habitual de calças

de ganga e t-shirt. O meu plano era passar pelo Giovichinni’s,

comprar uma sanduíche para o almoço e um pouco de lasa-

nha para o jantar.

Passei pela autocaravana do Mooner a caminho do restau-

rante. A autocaravana parecia suficientemente normal. Nem

vestígios do urso lá dentro. A carrinha do patologista já não es-

tava ali junto à berma. O Morelli e alguns agentes uniformiza-

dos estavam de pé no centro do terreno, a observar o trabalho

da retroescavadora. Depreendi que o corpo fora removido e que

o túmulo estava a ser enchido e nivelado.

Estacionei e aproximei-me do Morelli.

— Era o advogado?

— É provável, mas não conseguimos fazer uma identifica-

ção conclusiva.

CATORZE

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— Não havia joias reconhecíveis?

— Um relógio caro. Nada de aliança. Nada de carteira. — O

Morelli aproximou-se mais. — Cheiras a chucrute.

— Isso torna-me indesejável?

— Não. Faz-me apetecer um cachorro-quente.

— Achas que não há mais nenhum corpo aqui enterrado?

— O pessoal da equipa forense vasculhou todo o terreno, e

só encontraram este.

— Porque é que achas que os dois corpos foram enterrados

em sítios diferentes?

— Provavelmente, foram enterrados em alturas diferentes.

Calculámos que o assassino usou a retroescavadora que estava

a fazer a remoção do entulho e que se pôs a escavar onde quer

que a retroescavadora estivesse parada.

— Ainda não há nenhuma ligação à agência de fianças?

O Morelli abanou a cabeça.

— Não. Mas esta noite vou dar uma vista de olhos à corres-

pondência e aos registos financeiros, com a Terry. Talvez apa-

reça alguma coisa.

Outra vez a Terry. Ai. Bofetada mental.

O Morelli sorriu-me.

— És mesmo docinha.

— O que é que foi agora?

— Cada vez que falo na Terry, ficas com os olhos tortos. —

Passou um braço à minha volta e beijou-me por cima da orelha.

— Ainda bem que gosto de chucrute — disse ele.

Ignorei por completo a autocaravana do Mooner e dirigi-me

diretamente ao Giovichinni’s. Pedi uma sanduíche grande de

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peru, e estava a meio de uma decisão crítica para o jantar quan-

do a minha avó Mazur me ligou.

— Esta noite, vamos fazer lasanha — disse ela. — É uma re-

ceita especial. E temos bolo de chocolate para a sobremesa. A tua

mãe quer saber se te apetece vir jantar.

Olhei para a travessa de lasanha na vitrina do Giovichinni’s

e achei que lhe faltava qualquer coisa.

— Claro — respondi. — Ponham um prato para mim.

Levei a minha sanduíche de peru para o café e sentei-me na

zona da montra com a Lula e a Connie.

— Encontraram outro corpo no terreno do escritório — con-

tei. — O Morelli acha que é capaz de ser o Bobby Lucarelli, o

advogado do Dugan.

— Eu sabia que ele estava desaparecido — disse a Connie.

— Também era o advogado do Vinnie. O Vinnie estava a usar

os serviços dele para umas transações imobiliárias quaisquer.

O meu telefone vibrou com uma mensagem do Dave: tenho

uma surpresa para ti.

Provavelmente a intenção até era boa, mas eu já tinha sufi-

cientes surpresas na minha vida. Estava sentada de costas vira-

das para a janela e senti uma sombra passar por cima de mim.

Virei-me para ver o que seria a sombra e apanhei a Bella no ex-

terior do café a olhar para dentro. Levou um dedo ao olho, fez

um aceno de cabeça e sorriu-me.

— Santa mãe — sussurrou a Connie.

A Lula fez um gesto a enxotar a Bella.

— Xô!

A Bella olhou para ela, virou-se e desceu a rua.

— Sentes-te diferente? — perguntou-me a Connie. — Aca-

baste de ganhar hemorroidas? Estás a ficar com urticária?

— Não acredito no mau-olhado — respondi-lhe.

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— Isso é bom — disse a Lula. — Continua a pensar assim.

Há de ficar tudo bem. Ela não deve ter ficado ofendida por eu

a ter enxotado, pois não? Talvez não devesse ter feito aquilo. Já

tenho um chupão de vampiro. Não preciso de mais merdas es-

tranhas e sinistras.

A Connie olhou para o telemóvel.

— O Vinnie acabou de me mandar uma mensagem, a dizer

que o urso está com fome. Alguém tem de ir comprar nuggets

de frango.

— Acho que eu podia fazer isso — disse a Lula —, mas ain-

da não percebi essa coisa do urso.

A Connie deu à Lula um maço de notas.

— Foi uma caução bem alta e, pelos vistos, o urso vale um

monte de dinheiro. Faz parte de um circo russo, que está mar-

cado para Vegas. Parece que o dono ficou um pouco bêbado e

atingiu a tiro um barman, porque ele não o queria servir. Enfim,

o Vinnie ficou com o urso, porque o caso está marcado para ir a

tribunal na sexta-feira. É dinheiro limpinho em caixa.

— Então, quantos baldes de nuggets é que o urso quer? — quis

saber a Lula.

— Arranja quatro baldes tamanho família — disse a Con-

nie. — Nada de salada, mas ele é capaz de gostar de pãezinhos.

Fui com a Lula, porque não tinha nada melhor para fazer, e

sempre podia roubar um pãozinho. A Lula desceu a Hamilton,

entrou no parque do Cluck-in-a-Bucket e estacionou.

— Não vou pedir isto tudo no drive-thru — explicou ela.

— Eles dão-nos sempre menos frango, quando fazemos ali o

pedido. E não nos dão os pãezinhos frescos e quentes. Dão-

-nos os velhos e duros.

Saí do Firebird, olhei pela enorme montra do Cluck-in-a-Bu-

cket e vi o Merlin Brown na fila, à espera do seu pedido.

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— Estás a ver o mesmo que eu? — perguntou a Lula. — Eu

estou a ver o Merlin Brown a pegar em dois sacos de frango.

Provavelmente está armado, e quer vingar-se de mim. E mesmo

que não tenha uma arma, olha para ele. É enorme, é provável

já lhe tenha desaparecido a ereção, e pode correr rapidamente,

agarrar-me e arrancar-me os dedos dos pés. E eu fui há pouco

tempo à pedicure.

— Precisamos de um plano.

— Sim, é uma pena não termos uma grande rede. Podíamos

apanhá-lo, se tivéssemos uma rede. Tirando isso, não me lem-

bro de mais nada.

O Merlin empurrou a porta e vi que o seu pé estava totalmen-

te envolvido numa enorme ligadura branca, e que ele coxeava.

— Vamos apanhá-lo — disse eu à Lula.

— O quê? Como?

— Vamos atirar-nos a ele. Temos o fator surpresa. Vamos

deitá-lo ao chão, e eu vou algemá-lo.

— Parece um bocado mauzinho, já que já lhe arrancámos o

dedo do pé. Talvez devêssemos esperar que ele se sentisse me-

lhor… talvez em abril.

Dei um empurrão à Lula.

— Agora!

Corremos as duas para o Merlin. A Lula abanou os braços

e gritou:

— Ga-a-a-a-a-a!

O Merlin viu-nos a aproximar e paralisou. Tinha um saco de

frango em cada mão e um olhar de verdadeira estupefação no

rosto. A Lula baixou-se, atingindo-o nos joelhos. Eu corri dire-

tamente para ele e enfiei-lhe o ombro no peito. E o Merlin nem

se mexeu. Foi como bater contra um muro de tijolos.

Sacudiu-nos de cima dele e abriu a porta do seu carro.

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— Estúpidas cabras enraivecidas! — gritou. E foi-se embora.

A Lula levantou-se.

— Isto foi humilhante.

— O que era toda aquela gritaria e agitar de braços?

— Estava a tentar assustá-lo. Eles fazem isso nos filmes, quan-

do as hordas enfurecidas de saqueadores atacam os castelos.

Entrámos, comprámos o frango e os pãezinhos, voltámos

para o Firebird. Mordisquei um pãozinho, a Lula comeu dois

bocados de frango e regressámos à autocaravana do Mooner.

— Entra e leva-lhes o frango — pedi à Lula. — Fico aqui à

espera no carro.

— Não queres cumprimentar o Bruce?

— Não.

— Para urso, ele é até bastante bonzinho.

— Vou acreditar na tua palavra.

A Lula levou os baldes de frango e os sacos de pãezinhos para

a autocaravana. Ouviu-se um rugido alto e um grito, após o qual

ela saltou da autocaravana e apressou-se a voltar, saltando para

trás do volante do Firebird.

— Está tudo bem ali dentro? — perguntei-lhe.

— O Bruce estava com muita fome. Esqueceu-se das boas

maneiras.

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A Lula e a Connie saíram do café um pouco antes das cin-

co, e eu dirigi-me para a casa dos meus pais. Estacionei, entrei

e detive-me por um instante no vestíbulo a apreciar o cheiro a

bolo de chocolate acabado de sair do forno.

Devia aprender a fazer bolo de chocolate, pensei. Devia sair e

comprar formas de bolo e uma caixa de mistura. Não podia ser

assim tão difícil. E depois o meu apartamento teria um cheiro

maravilhoso. E seria divertido fazer um bolo. E talvez só não me

consiga comprometer com o Morelli porque não sei cozinhar.

Está bem, aquilo era um exagero, mas não me conseguia lem-

brar de nada melhor.

O meu pai estava a dormir em frente à televisão. Ouvi a mi-

nha avó e a minha mãe na cozinha. E ouvi também uma voz

masculina, a juntar-se à conversa.

— Gosto de cobertura de manteiga — dizia.

Enganaram-me outra vez. Era o Dave Brewer.

A cabeça da minha avó assomou pela porta da cozinha.

QUINZE

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— Bem me pareceu que te tinha ouvido entrar. Vê só quem

temos aqui. É o Dave. Está a cozinhar connosco. E também é bas-

tante bom nisso.

— Surpresa! — disse o Dave.

Vestia um polo de malha com três botões e calças de ganga,

e estava enfiado num avental vermelho de cozinheiro.

— Mesmo a tempo — disse a minha avó. — Estamos a pôr

a cobertura.

Isto não é uma surpresa, pensei. É uma emboscada. Demorei

um instante a acalmar-me e a ajustar a minha atitude. Poucos

minutos antes, estava a pensar que queria fazer um bolo. Ali

estava a minha oportunidade. O bolo arrefecia sobre uma gre-

lha, e o Dave estava a bater a cobertura.

Olhei para a tigela de mistura.

— Chocolate.

— Não é só chocolate — explicou ele. — Esta é a minha co-

bertura especial de moca e chocolate. Barra-se como creme, mas

depois assenta como glacé.

— Ele trouxe salsichas do talho do Frankie e fez o seu pró-

prio molho de tomate para a lasanha — disse a minha avó. — E

tem um bom queijo italiano para ralar. É pena não teres chega-

do mais cedo. Acabámos de pôr a lasanha no forno.

— Céus, desculpem ter perdido tudo isso — respondi, ten-

tando parecer alegre, mas sem me sentir nem um pouco satis-

feita. Não só não estava satisfeita por me estarem a impingir o

Dave, como não gostava que ele se apoderasse da cozinha da

minha mãe. Não gostava que ele fizesse o seu molho de tomate,

nem que ralasse o seu bom queijo italiano. Aquilo eram coisas

que a minha mãe devia fazer. Aquele era o raio da sua cozinha.

Embora fosse verdade que parecia feliz, por ter alguém a cozi-

nhar para ela.

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O Dave deixou pingar um pouco de café na cobertura, gos-

tou da consistência e espalhou-o em camadas. Fazia com que

aquilo parecesse fácil, mas eu já o tentara no passado e não me

saíra nada bem.

Tirou um pedaço da cobertura com a ponta do dedo e esten-

deu-o na minha direção.

— Queres provar?

Está bem, eu sei que ele era o capitão da equipa de futebol e

que sabia fazer um bolo, mas isso não queria dizer que eu lhe

fosse agora chupar o dedo. Sou um bocadinho exigente quanto

àquilo que ponho na boca.

— Eu espero — desculpei-me. — Não quero dar cabo do

apetite.

Dirigi-me à sala de jantar e pus a mesa. Pus os pratos, as fa-

cas, os garfos, as colheres, os guardanapos e os copos. Demorei-

-me com cada um deles, e olhei para o relógio. Estava a protelar.

Revirei os olhos. Isto é ridículo, pensei. Eu era uma caçadora de

recompensas, grande e forte. Enfrentava vampiros e tipos com

ereções de trinta centímetros. Tinha de conseguir aguentar mais

uma noite com o Dave Brewer. E se não tivesse já dois homens

na minha vida, provavelmente até poderia ficar feliz com o ar-

ranjinho. Provavelmente. Voltei para a cozinha.

— E agora? — perguntei.

A minha mãe estava a lavar pratos e a beber vinho alegremen-

te de um copo de água. A minha avó cortava tomates.

— O Dave está a fazer o seu molho de salada original — dis-

se a minha avó.

— Não é realmente um molho original — corrigiu ele, cheio

de modéstia. — É azeite e vinagre, mas eu trouxe um pouco de

azeite macerado com ervas e um vinagre balsâmico com cerca

de vinte e cinco anos.

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— Você vai fazer uma mulher muito feliz — disse-lhe a mi-

nha avó. Desviou os olhos na minha direção. — Uma mulher

que não saiba cozinhar.

— Se quisesse, eu também podia cozinhar — respondi.

O Dave partiu o selo do vinagre.

— Tenho algumas receitas que não demoram quase tem-

po nenhum. — Olhou para mim. — Vou imprimi-las, e levá-las

a tua casa.

— Agradeço a oferta, mas nos dias que correm não tenho lá

muito tempo para cozinhar.

E não estou particularmente interessada que tu vás a minha casa,

pensei. Ele parecia um tipo porreiro, mas eu não estava inte-

ressada e tinha uma leve suspeita de que ele não queria apenas

cozinhar.

— A Margaret Yaeger ligou e disse que viu a carrinha de car-

ne do patologista perto do terreno da agência de fianças — foi

assim que a minha avó desviou o assunto.

Servi-me de um copo de vinho tinto, deixando a garrafa em

cima da bancada.

— Encontraram mais um corpo.

A minha avó respirou fundo.

— Deve ter alguma coisa que ver com a agência de fianças.

Talvez o Vinnie enterre pessoas, nos tempos livres.

— Talvez fosse apenas um lugar acessível para se livrarem

de um corpo — disse o Dave.

— Não é um lugar muito resguardado — observou a minha

avó. — Há sempre muito trânsito na Hamilton Avenue.

O Dave abanou a cabeça.

— Não a meio da noite.

— Sim, mas podiam sempre ir até ao aterro sanitário. Aqui-

lo está sempre vazio.

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— Eles têm câmaras de segurança instaladas no aterro — dis-

se o Dave. — Além disso, tinham de levar o corpo de carro até ao

aterro, e depois ficavam com vestígios de ADN no porta-bagagens.

Embora também pudessem roubar um carro.

— Estou a ver que estiveste a meditar no assunto — disse

eu ao Dave.

Ele serviu-se de vinho.

— O meu primo levou uma multa por despejar resíduos tó-

xicos. Apanharam-no com as câmaras. E tudo o que sei sobre

o ADN aprendi no CSI. Tenho visto muita televisão, desde que

saí de casa.

Uma hora depois, afastei a cadeira da mesa e respirei fundo.

A lasanha estava muitíssimo boa, e eu tinha comido demasia-

do. E quase tive um orgasmo ao comer o bolo. As minhas cal-

ças de ganga estavam desconfortavelmente apertadas. Os meus

pensamentos entraram num imenso turbilhão. Talvez fosse por

causa dos três copos de vinho que emborquei, mas tinha come-

çado a pensar que não seria assim tão mau ter um marido que

adorasse cozinhar. Céus, eu até me podia envolver na cozinha.

Podia cortar os ingredientes, e ele atirava-os para um wok ou

qualquer coisa do género. Eu comprava uns castiçais, e podía-

mos dar jantares.

Acrescentei o Ranger à equação, e consegui imaginá-lo como

chefe-cozinheiro, porque o Ranger é bom em tudo. Mas não con-

seguia vê-lo no jantar. A ideia de festa para o Ranger acaba nas

duas pessoas. O Morelli seria ótimo no jantar, mas não deixaria

de queimar toda a comida se estivessem a passar um jogo de

futebol. O Dave era o homem perfeito tanto na cozinha como

no jantar, mas eu não me sentia particularmente atraída por ele.

Parecia-me frouxo, em comparação com o Ranger e o Morelli.

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Eu estava a dormir no sofá quando o Morelli passou o braço à

minha volta, e o Bob me lambeu a cara com a sua língua enorme.

— Quem? O quê? — perguntei, desorientada ao acordar.

O Morelli fez zapping pelos canais da televisão.

— Deves ter tido um dia difícil. São só nove horas.

— Comi demais ao jantar. Lasanha e bolo de chocolate, em

casa dos meus pais. Vou demorar dias para digerir isto. — Olhei

para as minhas calças. O botão estava desapertado e era impossí-

vel fechá-lo. — Trouxe uma fatia de bolo para ti. Está na cozinha.

Ele beijou-me no cimo da cabeça, dirigiu-se à cozinha e voltou

com o bolo. Enfiou uma garfada na boca e assentiu, aprovador.

— Está mesmo bom.

— É a cobertura.

— É. Parece chocolate derretido.

— Foi o Dave Brewer que a fez. Parece que ele gosta de co-

zinhar.

— Acho que me está a escapar qualquer coisa. Como é que

conseguiste que o Dave Brewer te fizesse um bolo?

— A minha mãe encontrou a mãe do Dave no Giovichinni’s.

Decidiram as duas que eu devia ser a namorada dele. Por isso, fui

sugada para dois jantares com ele. Um dos quais foi ele a fazer.

— E?

— E o quê?

O Morelli comeu o último pedacinho de bolo.

— Vais ser a namorada dele?

— Não. Ele faz uns bolos esplêndidos, mas vou ficar contigo.

— Só estava a tentar perceber. Ainda bem que não tenho de

lhe dar uma tareia.

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— De qualquer maneira, não lhe podias bater. Temos uma

relação aberta, não temos? Tu e o Dave não eram amigos no se-

cundário?

— Ele era um ano mais novo que eu, pertencia a outro uni-

verso. Eu era o falhado de má reputação e ele era o herói da

equipa de futebol. Andava com a Julie Barkalowski, a rainha

dos pompons.

— E tu? Alguma vez andaste com a Julie Barkalowski?

— Eu andei com todas as miúdas da escola. Na altura, era

um cão com cio.

— E agora?

O Morelli pousou o prato e abraçou-me.

— E agora, sou o teu cão com cio.

— Sorte a minha.

Ele desligou a televisão, enfiou as mãos debaixo da minha t-

-shirt e beijou-me. Minutos depois estávamos na cama, nus, e

o Morelli tentava demonstrar-me de mil e uma maneiras a sor-

te que eu tivera. Descobriu a maneira como eu era mais sortu-

da e, quando eu estava prestes a chegar à meta, a visão do Dave

Brewer de avental surgiu-me em pensamento e interrompeu a

minha concentração.

— Raios! — disse, por entre os meus dentes cerrados.

O Morelli levantou a cabeça e olhou para mim.

— Passa-se alguma coisa?

— Perdi a concentração.

— Sem problema. Posso sempre recomeçar. De qualquer ma-

neira, tenho de gastar as calorias do bolo de chocolate.

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JANET EVANOVICHPERSEGUIÇÃOESCALDANTE

Em New Jersey, os cadáveres surgem em catadupa. Ninguém sabe quem é o assassino em série nem o motivo por que anda a matar, mas o nome de Stephanie Plum, a caçadora de recompensas, está na lista do homicida.

Stephanie corre contra o tempo para descobrir o que se passa, mas ainda tem de enfrentar outras complicações na sua vida. A sua família e amigos insistem que chegou o momento de escolher entre o seu eterno namorado, o detetive Joe Morelli, e o rebelde mas sedutor Ranger, dono de uma empresa de segurança. E a sua mãe está apostada em juntá-la com Dave, uma ex-estrela do futebol americano, antigo colega do secundário, entretanto regressado à cidade.

Com um assassino implacável no seu encalço, um punhado de homens sedutores e fogosos atrás de si, e assombrada por uma lista de faltosos a tribunal que incluem um urso bailarino e um vampiro de idade já avan-çada, a vida de Stephanie parece prestes a entrar em brasa.

«Os pneus do Lexus chiaram quando o acelerador desceu até ao chão, e o carro pôs-se em movimento. O Dave virou-se na direção do som, afrouxan-do suficientemente para eu me esca-par. Uma fração de segundo depois, ouviram-se tiros e o baque doentio de um carro a bater num corpo. O Lexus desviou-se até junto de uma fila de carros e rugiu à distância. Espreitei por trás do Chrysler do Sr. Molnar e vi os dois homens imóveis e estendidos no chão. Talvez devesse ter ido ver se os podia ajudar, mas não o fiz. Corri de volta para o prédio, subi as escadas e desci o corredor o mais rápido que consegui com os meus saltos de agulha vermelhos. Tremia tanto que estava com visão dupla: tive de enfiar duas vezes a chave na fechadura para conseguir abrir a porta. Apressei-me a entrar em casa, corri as trancas e dobrei-me sobre a cintura para conse-guir respirar. Estava a chorar e com falta de ar: marquei dois números errados antes de conseguir ligar para o 112. Comuniquei o tiroteio e a chaci-na com o carro, desliguei e telefonei ao Morelli e ao Ranger.»

«As personagens de Janet Evanovich são obras de arte divertidas e modernas…As intrigas complexas e cómicas das suas personagens são alimentadas por

reviravoltas absolutamente inventivas e inovadoras.»New York Times

«Recheados de audácia, humor e pura criatividade, os livros de Janet Evanovich, em particular a série Stephanie Plum, são realmente divertidos!»

The Washington Post

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© Roland Scarpa

A Autora n.º 1 do Policial 75 Milhões de Livros Vendidos

Os romances de Janet Evanovich encontram-seentre os grandes prazeres e alegrias da ficçãopolicial contemporânea. - GQ

Perseguição Escaldante é um policial divertido e autêntico, que vai arrancar muitas e muitas gargalhadas. É um novo estilo de policial, repleto de personagens únicas e inesquecíveis, que em muitos países já criou uma legião de fãs eternamente ansiosos pelo lançamento do próximo êxito da autora.

JANET EVANOVICHé a autora de policiais mais vendida em todo o mundo e a escritora mais bem-sucedida atualmente (fonte: Forbes), com 75 milhões de livros vendidos.

Os policiais da série Stephanie Plum, cuja publicação a Topseller inicia com Perseguição Escaldante, são bestsellers consecutivos do New York Times.

Em 2013, a Topseller iniciará a publicação de duas outras séries da autora: Lizzy & Diesel, cujos livros se tornaram também bestsellers do New York Times, e uma nova coleção desenvolvida em co-autoria com o escritor Lee Goldberg.

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