impresso no brasil · 7/12/2016 · seja, não pode ser considerado algo imutável e indiscutível....

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    Impresso no Brasil Printed in Brazil

    Direitos exclusivos para o Brasil na lngua portuguesaCopyright 2017 byEDITORA FORENSE LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalRua Conselheiro Nbias, 1384 Campos ElIsios 01203-904 So Paulo SPTel.: (11) 5080-0770 / (21) [email protected] | www.grupogen.com.br

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    Capa: Leonardo Hermano

    Produo Digital: One Stop Publishing Solutions

    Data de fechamento: 07.12.2016

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP)(CMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

    Cmara, Alexandre Freitas

    O novo processo civil brasileiro / Alexandre Freitas Cmara. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2017.

    ISBN 978-85-970-0993-4

    1. Processo civil 2. Processo civil Brasil I. Ttulo.

    15-06237 CDU-347.9(81)

    mailto:[email protected]://www.grupogen.com.br/

  • NOTA DO AUTOR 3 EDIO

    A terceira edio deste livro a primeira a ser elaborada depois da entrada em vigor doCdigo de Processo Civil de 2015, concluda seis meses aps o novo diploma ser sancionado.So aqui levadas em conta, portanto, as primeiras experincias de aplicao concreta da novalegislao processual. Por isso, preciso dizer que muitas dvidas e perplexidades tmsurgido, e tambm muitas boas surpresas. Afinal, s se pode dizer se uma lei processual boaou ruim quando se v sua aplicao prtica. Institutos os quais se imaginava que nofuncionariam bem acabam muitas vezes por se revelar bastante eficientes. Outros, em que sedepositavam grandes expectativas, podem no funcionar to bem como se supunha. E por issoque leis processuais muitas vezes precisam ser alteradas. S assim se pode buscar o constanteaperfeioamento do sistema. Por tal razo, muitas vezes tenho tido oportunidade de dizer, emaulas e conferncias, que o texto de um Cdigo de Processo Civil no transita em julgado, ouseja, no pode ser considerado algo imutvel e indiscutvel.

    De toda sorte, preciso ter claro que um semestre de vigncia no , ainda, tempo suficientepara saber o que deu certo ou no nas mudanas. preciso mais tempo, mais experincia, e,sobretudo, uma anlise objetiva, concreta, destinada a avaliar a efetividade do Cdigo (como,alis, expressamente determina o art. 1.069). E fundamental que as pessoas que lidam com oCPC estejam dispostas a aplic-lo de boa vontade. Nesses primeiros meses de vigncia, tmsido vistas muitas reaes negativas, de pessoas dizendo simplesmente que no aplicam algumadisposio do CPC por no concordarem com ela, ou por acharem que no se trata de uma boapreviso legal. Ora, leis democraticamente aprovadas, com rigorosa observncia do devidoprocesso legislativo, devem ser aplicadas (ressalvada, apenas, por bvio, a possibilidade deserem materialmente inconstitucionais). E por isso que no se pode sob pena de violar-se oque consta do enunciado da Smula Vinculante n 10 do STF simplesmente deixar de aplicar oCPC/2015 sem se afirmar sua inconstitucionalidade. Negar aplicao ao CPC/2015 e afirmar(como infelizmente j ouvi dizerem) que se prefere aplicar o CPC/1973 por ser melhor leva aoutra pergunta: por que, ento, no admitir que se aplique o CPC/1939? Ou algum Cdigo deProcesso Civil estadual? Ou as Ordenaes Filipinas? Lei revogada por lei revogada, estastambm poderiam ser aplicadas, ou no?

    O Estado Democrtico de Direito exige respeito lei que seja compatvel com aConstituio. O Cdigo de Processo Civil de 2015 merece esse respeito. E a evoluo doBrasil tambm. Espero, sinceramente, que a nova edio deste trabalho seja capaz de contribuir,ainda que de forma modesta, para a construo e solidificao de um verdadeiro EstadoDemocrtico de Direito brasileiro.

    Esta terceira edio no pode deixar de ser apresentada sem alguns agradecimentos. Aosprocessualistas que junto comigo fundaram o Instituto Carioca de Processo Civil (ICPC), e mederam a honra ser eleito seu primeiro presidente, que contriburam para minhas reflexes,agradeo sinceramente pela parceria. Aos meus colegas de corpo docente da EMERJ (Escolada Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), meu agradecimento pela troca de experincias.Por fim, no posso deixar de agradecer a alguns queridos amigos, parceiros de debates ereflexes constantes: os conselheiros Fredie Didier Jnior, Hermes Zaneti Jnior, Antonio doPasso Cabral, Dierle Nunes, Heitor Sica, Ronaldo Cramer, Eduardo Talamini, LeonardoCarneiro da Cunha, Daniel Mitidiero, Fabiano Carvalho, Luiz Henrique Volpe Camargo,

  • William Santos Ferreira, Rodrigo Mazzei e Robson Renault Godinho. Sem suas parcerias noseria to rico, nem to divertido, refletir sobre o direito processual civil.

    Dedico esta terceira edio, como no poderia deixar de ser, a Janana, Rodrigo eGuilherme. Para eles, lembro aqui de clebres palavras de Shakespeare (e aproveito parahomenagear meu escritor preferido quando se completam quatrocentos anos de seufalecimento): My bounty is as boundless as the sea. My love as deep; the more I give to thee.The more I have, for both are infinite.

    Alexandre Freitas Cmara

  • PREFCIO

    Marco Aurlio Mello1

    No ano seguinte entrada em vigor do Cdigo de Processo Civil de 1973, o CdigoBuzaid, foram publicadas duas obras que afirmaram o autor como um dos mais importantes seno o mais importante processualistas brasileiros. As obras foram O novo processo civilbrasileiro e o volume V dos Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, da Editora Forense. Oautor o Professor Jos Carlos Barbosa Moreira.

    Costumo relembrar que, na dcada de setenta, quando era aluno da Nacional, saa da Praada Repblica em direo Rua do Catete, apenas para assistir s aulas do Mestre BarbosaMoreira na antiga sede da Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, atualUniversidade do Estado do Rio de Janeiro. A admirao do aluno de ontem a mesma do juizconstitucional de hoje.

    O novo processo civil brasileiro, atualmente na 29a edio, cumpriu e ainda cumpre papelfundamental em favor da compreenso dos conceitos e institutos do Cdigo de 1973. O Mestretijucano procurou, com o estilo elegante, simples e objetivo de sempre, descrever os novosprocedimentos que seriam adotados a partir de ento. Assim, influenciou diversas geraes deacadmicos, juzes, advogados, promotores e estudiosos em geral sobre como melhor realizaros propsitos e ritos do Cdigo e do Direito Processual Civil. No exagero dizer que alongevidade do Cdigo decorre, parcialmente, das lies de Barbosa Moreira. Sem elas,entender o processo civil teria sido algo bem mais difcil.

    Eis que se aproxima a vigncia de um novo Cdigo de Processo Civil, o da Lei no 13.105,de 16 de maro de 2015. O estatuto dever ser aplicado a partir de um ano contado dapublicao. Data marcada para o surgimento de mais perplexidades, dvidas, angstias a seremcompartilhadas por todos aqueles que precisam lidar diariamente com a legislao instrumentala encerrar liberdade em sentido maior saber o que pode ocorrer na tramitao de umprocesso. Sem dvida, os artfices jurdicos necessitaro, tambm agora, de lies quesistematizem e esclaream as recentes regras processuais, como devem ser observadas. chegada a hora de renovar os ensinamentos.

    Confessadamente inspirado no Mestre Barbosa Moreira, o Professor e DesembargadorAlexandre Freitas Cmara, estudioso e expoente do processo civil brasileiro contemporneo,traz obra, que tenho a honra de prefaciar, voltada a cumprir o mesmo papel realizado h mais dequarenta anos pelo Novo Processo Civil Brasileiro de Barbosa Moreira. Cmara, emreferncia ao livro que o inspirou, consigna:

    Assim como se via naquela obra-prima, o que se pretende aqui a descrio do sistemaestabelecido a partir do novo Cdigo. No se trata de uma obra destinada ao exameaprofundado dos conceitos e institutos do direito processual civil. O que se busca ,fundamentalmente, a descrio do modo como o processo civil passa a funcionar no Brasil apartir da vigncia do novo sistema.

    O autor, j no dcimo quinto livro de uma brilhante carreira acadmica iniciada h vinteanos, um dos mais admirados processualistas da atualidade. Desembargador no Tribunal deJustia do Estado do Rio de Janeiro, posto ao qual chegou vindo da advocacia, Cmara se

  • destaca pela atuao independente, bem como pelos votos tcnicos, corajosos e atentos s leisbrasileiras, principalmente Constituio. Tais circunstncias demonstram no se limitarem ascoincidncias com Barbosa Moreira ao brilhantismo acadmico e ao livro ora prefaciado. OMestre tambm foi Desembargador, no mesmo Tribunal, vindo da advocacia. Sem dvidaalguma, a coincidncia continuar com o sucesso da obra que se anuncia.

    O autor fez questo, no como plgio, muito longe disso, e sim como homenagem merecida,conforme frisa na Introduo, de intitular a obra de O novo processo civil brasileiro, o que serevela mais do que adequado ante o propsito de descrever o sistema inaugurado com a novadisciplina. Cmara afirma no possuir a pretenso de produzir obra qualitativamente equiparada fonte inspiradora, que chama de obra-prima. Digo no ser isso mesmo relevante. No cabeao jurista contemporneo buscar superar os professores que hajam servido de incentivo einspirao, e sim dar continuidade, cada um de forma prpria, ao legado de ensinamentos ecompromissos acadmicos dos Mestres do passado. Essa misso muito bem cumprida nestaobra.

    Diante de Cdigo formulado em meio a uma viso do processo, como ressalta o autor,completamente diferente daquela que se tinha no incio dos anos 1970, quando foi aprovado oCdigo anterior, desafios vm a tona, a exigirem dos processualistas articulaes inovadoras.A influncia da Constituio, diversamente do que ocorria com a Carta pretrita, implicaateno diferenciada ao que se pode denominar de constitucionalizao do processo civil.Comentaristas devem manter um olho no Cdigo, outro na Carta da Repblica, sob pena de criarum mundo parte para o processo. Pior ainda: um mundo sem correspondncia com princpiosconstitucionais fundamentais da Repblica, como o devido processo legal, a segurana jurdica,a igualdade de chances e a efetividade da prestao jurisdicional.

    Dividido em duas partes, Geral e Especial, e em 23 captulos, o livro esgota a matriaprocessual sob o ngulo do Novo Cdigo e dos comandos fundamentais da Constituio de1988, alcanando o autor sucesso em sistematizar os conceitos, institutos e procedimentos pormeio da interao equilibrada e objetiva entre o Diploma e a Lei Maior. O Novo ProcessoCivil Brasileiro, certamente, servir de fonte inesgotvel para a reflexo crtica e construtivasobre os desafios lanados pela Nova Lei dos Ritos.

    Parabns ao Professor e Desembargador Alexandre Antnio Franco Freitas Cmara e, emespecial, ao Mestre Barbosa Moreira, fonte de inspirao inexcedvel! Ganham o mundoacadmico, o meio jurdico e todos aqueles cujo trabalho dirio envolve a aplicao das leisbrasileiras.

    1 Ministro do Supremo Tribunal Federal. Presidente do Supremo Tribunal Federal de maio de 2001 a maio de 2003 e do TribunalSuperior Eleitoral de maio de 1996 a junho de 1997, de maio de 2006 a maio de 2008 e de novembro de 2013 a abril de 2014.

  • NOTA EXPLICATIVA

    Todas as referncias a dispositivos legais em que no haja a indicao do diplomanormativo a que pertenam significa que tais dispositivos integram o Cdigo de Processo Civilde 2015.

    O Frum Permanente de Processualistas Civis, cujos enunciados foram citados ao longo daobra, sempre citado pela sigla FPPC.

  • SUMRIO

    Introduo

    PARTE GERAL

    1 Normas fundamentais do processo civil

    2 Aplicao das normas processuais

    3 Institutos fundamentais do direito processual

    3.1 Processo3.2 Jurisdio3.3 Ao

    4 Limites da jurisdio nacional e cooperao judiciria internacional

    4.1 Competncia Internacional4.2 Cooperao Internacional

    5 Competncia

    6 Cooperao nacional

    7 Sujeitos do processo

    7.1 Partes e Procuradores7.1.1 Capacidade Processual7.1.2 Deveres das Partes e dos Procuradores7.1.2.1 Responsabilidade processual civil7.1.2.2 Despesas processuais, honorrios advocatcios e multas7.1.2.3 Gratuidade de justia7.2 Procuradores7.3 Sucesso das Partes e dos Procuradores7.4 Litisconsrcio7.5 Interveno de Terceiros7.5.1 Assistncia7.5.2 Denunciao da Lide7.5.3 Chamamento ao Processo7.5.4 Incidente de Desconsiderao da Personalidade Jurdica

  • 7.5.5 Interveno do Amicus Curiae7.6 Juiz e Auxiliares da Justia7.6.1 Poderes, Deveres e Responsabilidade do Juiz7.6.2 Impedimento e Suspeio7.6.3 Auxiliares da Justia7.7 Ministrio Pblico7.8 Advocacia Pblica7.9 Defensoria Pblica

    8 Dos atos processuais

    8.1 Atos e Negcios Processuais em Geral8.2 Atos das Partes8.3 Pronunciamentos do Juiz8.4 Atos do Escrivo ou Chefe de Secretaria8.5 Tempo e Lugar dos Atos Processuais8.6 Prazos Processuais8.7 Comunicao dos Atos Processuais8.7.1 Citao8.7.2 Intimaes8.7.3 Cartas8.8 Invalidade do Ato Processual8.9 Distribuio e Registro8.10 Valor da Causa

    9 Tutela provisria

    9.1 Tutela de Urgncia9.2 Tutela da Evidncia

    10 Formao, suspenso e extino do processo

    10.1 Formao do Processo10.2 Suspenso do Processo10.3 Extino do Processo

    PARTE ESPECIAL

    11 Procedimento comum do processo de conhecimento11.1 Consideraes Iniciais11.2 Petio Inicial11.2.1 Pedido

  • 11.2.2 Indeferimento da Petio Inicial11.2.3 Improcedncia Liminar do Pedido11.3 Audincia de Conciliao ou de Mediao11.4 Resposta do Ru11.4.1 Contestao e Revelia11.4.2 Reconveno11.5 Providncias Preliminares11.5.1 Especificao de Provas11.5.2 Rplica11.6 Julgamento conforme o Estado do Processo11.6.1 Extino do Processo11.6.2 Julgamento Antecipado (Total ou Parcial) do Mrito11.6.3 Saneamento e Organizao do Processo

    12 Audincia de instruo e julgamento

    13 Direito probatrio

    13.1 Teoria Geral da Prova13.1.1 Conceito de Prova13.1.2 Objeto da Prova13.1.3 Destinatrios da Prova13.1.4 nus da Prova13.1.5 Meios de Prova13.1.6 Prova Emprestada13.2 Demandas Probatrias Autnomas13.3 Ata Notarial13.4 Depoimento Pessoal13.5 Confisso13.6 Exibio de Documento ou Coisa13.7 Prova Documental13.7.1 Documentos Eletrnicos13.8 Prova Testemunhal13.9 Prova Pericial13.10 Inspeo Judicial

    14 Sentena

    14.1 Conceito14.2 Sentenas Terminativas e Definitivas14.3 Elementos14.3.1 Relatrio

  • 14.3.2 Fundamentao14.3.3 Dispositivo14.4 Interpretao da Sentena14.5 Classificao da Sentena Definitiva

    15 Remessa necessria

    16 Estabilizao, precluso e coisa julgada

    16.1 Estabilizao16.2 Precluso16.3 Coisa Julgada16.3.1 Coisa Julgada Formal e Coisa Julgada Material16.3.2 Limites Objetivos da Coisa Julgada16.3.3 Limites Subjetivos da Coisa Julgada16.3.4 Coisa Julgada nas Sentenas Determinativas

    17 Teoria geral da execuo

    17.1 Execuo em Geral17.2 Partes no Procedimento Executivo17.3 Competncia17.4 Requisitos Necessrios para Realizar Qualquer Execuo17.4.1 Ttulo Executivo17.4.1.1 Ttulos executivos judiciais17.4.1.2 Ttulos executivos extrajudiciais17.5.1 Alienaes Fraudulentas17.5.2 Bens Impenhorveis

    18 Liquidao de sentena

    19 Cumprimento de sentena

    19.1 Disposies Gerais19.2 Cumprimento de Sentena no Caso de Obrigao Pecuniria19.2.1 Cumprimento Provisrio19.2.2 Cumprimento Definitivo19.2.3 Cumprimento da Sentena no Caso de Prestao Alimentcia19.2.4 Cumprimento de Sentena contra a Fazenda Pblica19.3 Cumprimento da Sentena no caso de Obrigao de Fazer, No Fazer ouEntregar Coisa

  • 20 Espcies de execuo fundadas em ttulo extrajudicial

    20.1 Disposies Gerais20.2 Execuo para Entrega de Coisa20.3 Execuo das Obrigaes de Fazer e de No Fazer20.4 Execuo por Quantia Certa20.4.1 Disposies Gerais20.4.2 Citao e Arresto20.4.3 Penhora, Depsito e Avaliao20.4.3.1 Modificaes da penhora20.4.3.2 Penhora de dinheiro20.4.3.3 Penhora de crditos20.4.3.4 Penhora de quotas ou aes de sociedades personificadas20.4.3.5 Penhora de empresa, de outros estabelecimentos e de semoventes20.4.3.6 Penhora de percentual de faturamento de empresa20.4.3.7 Penhora de frutos e rendimentos de bens20.4.3.8 Avaliao20.4.4 Expropriao de Bens20.4.4.1 Adjudicao20.4.4.2 Alienao20.4.5 Satisfao do Crdito20.5 Execuo Contra a Fazenda Pblica20.6 Execuo de Alimentos

    21 Defesas do executado

    21.1 Impugnao ao Cumprimento de Sentena21.2 Embargos do Executado

    22 Suspenso e extino do processo de execuo

    22.1 Suspenso22.2 Extino

    23 Processos nos tribunais e meios de impugnao das decises judiciais

    23.1 Precedentes Judiciais23.2 Ordem dos Processos nos Tribunais23.2.1 Poderes do Relator23.3 Incidente de Assuno de Competncia23.4 Incidente de Arguio de Inconstitucionalidade23.5 Conflito de Competncia

  • 23.6 Homologao de Deciso Estrangeira e Concesso de Exequatur CartaRogatria23.7 Ao Rescisria23.8 Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas23.9 Reclamao23.10 Recursos23.10.1 Teoria Geral dos Recursos23.10.2 Recursos em Espcie23.10.2.1 Apelao23.10.2.2 Agravo de instrumento23.10.2.3 Agravo interno23.10.2.4 Embargos de declarao23.10.2.5 Recursos para o STF e para o STJ23.10.2.5.1 Recurso ordinrio constitucional23.10.2.5.2 Recurso extraordinrio e recurso especial23.10.2.5.2.1 Julgamento de recursos extraordinrio e especial repetitivos23.10.2.5.3 Agravo em recurso especial e em recurso extraordinrio23.10.2.5.4 Embargos de divergncia

  • INTRODUO

    Este livro tem uma razo de ser e uma inspirao. A razo de ser a recente edio de umnovo Cdigo de Processo Civil, o qual vem substituir o anterior, editado em 1973, e quevigorou por mais de quarenta anos. Sobre este novo Cdigo, falarei um pouco mais adiante.

    Antes de falar do novo Cdigo de Processo Civil como razo de ser deste livro, porm, noposso deixar de tecer algumas breves palavras acerca da inspirao. Este livro inspirado naclssica obra de Jos Carlos Barbosa Moreira, tambm chamada O novo processo civilbrasileiro. Trata-se do livro escrito por Barbosa Moreira logo aps a edio do CPC de 1973.Assim como se via naquela obra-prima, o que se pretende aqui a descrio do sistemaestabelecido a partir do novo Cdigo. No se trata de uma obra destinada ao exameaprofundado dos conceitos e institutos do direito processual civil. O que se busca ,fundamentalmente, a descrio do modo como o processo civil passa a funcionar no Brasil apartir da vigncia do novo sistema. Como no modelo em que se inspira, neste livro no hcitaes ou notas de rodap. Tampouco h notcia de divergncias doutrinrias oujurisprudenciais. Aqui h, to somente, a viso do autor do livro. H, ainda, referncias no livroaos enunciados aprovados pelo Frum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), o maisdemocrtico dos movimentos destinados ao estudo do direito processual civil brasileiro, emque se renem, periodicamente, centenas de processualistas civis, de todos os lugares, de todasas correntes de pensamento e de todas as geraes, para, com base em muito debate e muitareflexo, aprovar enunciados sempre por unanimidade, o que lhes confere gigantescalegitimidade que representam um consenso mnimo acerca da interpretao das normasprocessuais brasileiras. Evidentemente, sempre poder haver divergncia do autor em relao aalgum enunciado, mas esta ser respeitosamente apresentada e fundamentada.

    Evidentemente no ser este livro capaz de se equiparar em qualidade obra de BarbosaMoreira. O livro que inspirou este trabalho, como disse linhas acima, uma obra-prima. E JosCarlos Barbosa Moreira, o maior dentre os processualistas brasileiros de todos os tempos. Aele todas as homenagens devem ser sempre feitas. A cincia processual brasileira no seria toadiantada como , nem respeitada no exterior como , se no fosse pela figura maisculadaquele que toda a comunidade jurdica chama de Barbosa Moreira, e que ns, cariocasorgulhosos do notvel conterrneo, nos acostumamos a chamar de Jos Carlos. Este livroprope-se a ser mais uma homenagem a ele.

    Volto, porm, a falar sobre a razo de ser deste livro: a edio do novo Cdigo de ProcessoCivil. Trata-se de um Cdigo elaborado a partir de uma viso do processo civil completamentediferente daquela que se tinha no incio dos anos 1970, quando foi aprovado o Cdigo anterior.E logo nesta introduo j importante deixar isso claro.

    Em primeiro lugar, a nova legislao processual foi elaborada a partir da firme conscinciade que o processo deve ser pensado a partir da Constituio da Repblica. que impendereconhecer a existncia de um modelo constitucional de direito processual (e, para o que a estelivro mais diretamente interessa, um modelo constitucional de direito processual civil)estabelecido a partir dos princpios constitucionais que estabelecem o modo como o processocivil deve desenvolver-se.

    O processo civil brasileiro um procedimento em contraditrio, que se desenvolve def o r ma isonmica perante o juiz natural, destinado a permitir a construo de

  • decises fundamentadas em tempo razovel sobre qualquer pretenso que se deduza em juzo(j que garantido o acesso universal justia). , enfim, um devido processo legal (entendidocomo devido processo constitucional).

    Pois a partir desse modelo constitucional de processo que foi construdo o Cdigo deProcesso Civil. E alguns dispositivos do Cdigo mostram isso muito claramente, como o casodos que tratam do princpio do contraditrio (arts. 9o e 10), compreendido como garantia departicipao com influncia e no surpresa, e do que estabelece os casos em que se considerahaver vcio de fundamentao na deciso judicial (art. 489, 1o).

    O modelo constitucional de processo civil brasileiro tem, entre seus princpios integrantes, od a segurana jurdica. Pois no h segurana jurdica sem previsibilidade das decisesjudiciais, o que exige uma estabilidade decisria que s se consegue com a construo de umsistema de precedentes judiciais vinculantes que vai muito alm da eficcia meramentepersuasiva que os precedentes tradicionalmente tiveram no Brasil. Esses precedentesestabelecem uma padronizao decisria que impede a formao de uma esquizofreniajurisprudencial, decorrente da existncia de uma mirade de decises divergentes proferidas emcasos iguais. fundamental, para preservar-se a segurana jurdica e a isonomia, que casosiguais recebam decises iguais. E isso s se consegue quando os juzes e tribunais respeitamno s as decises dos tribunais que lhes sejam superiores (eficcia vertical dos precedentes),mas tambm as suas prprias decises (eficcia horizontal dos precedentes). Pois o Cdigo deProcesso Civil busca regulamentar o modo como os precedentes exercero essa eficciavinculante, o que se impe na busca por um processo mais isonmico e, por isso mesmo, maisdemocrtico.

    Uma ltima observao: sob a gide do CPC de 1973 escrevi uma obra de exposiosistemtica do direito processual civil brasileiro, a que dei o ttulo de Lies de direitoprocessual civil. Essa obra recebeu uma acolhida da comunidade jurdica que sempre mesurpreendeu. Foram mais de duas dezenas de edies de cada um de seus trs volumes, alm deincontveis citaes dela em trabalhos acadmicos brasileiros e estrangeiros, alm de inmerasmenes a ela em peties, arrazoados diversos e decises judiciais, especialmente do STJ edo STF. Sempre serei muito grato aos juristas brasileiros, acadmicos e prticos, por isso. Masaquela obra no ser mais publicada. Estou convicto de que ela cumpriu seu ciclo, e este seencerrou com o advento de um novo Cdigo de Processo Civil. Atualiz-la no seria adequado,pois no se trataria de simplesmente reescrever trechos, mas de repensar todos os institutos dodireito processual civil. Alm disso, preciso ter claro que aquele trabalho foi escrito no finaldos anos 1990, e em muitos pontos j no representava meu pensamento atual sobre os temas aliversados. Afinal, depois desse tempo todo, sem jamais ter parado de estudar e de refletir sobreos temas do Direito, e tendo somado minha experincia de vinte anos como advogado asreflexes hauridas de minha vivncia como magistrado (nomeado que fui, em 2008, paraintegrar, pelo Quinto Constitucional da Advocacia, o Egrgio Tribunal de Justia do Estado doRio de Janeiro), evidente que meu pensamento evoluiu, buscando atualizar-se e avanar nadefesa de um sistema de prestao de justia civil consentneo com o Estado Democrtico deDireito, cada vez mais consolidado no Brasil.

    Assim, encerrado o ciclo de vida til das Lies de direito processual civil, apresento comunidade jurdica este novo livro, bem mais simples e despretensioso. Espero, porm, queposteriormente tenha foras para elaborar outra obra, de mais flego, com estrutura semelhante das Lies, para contribuir com a compreenso do sistema processual civil brasileiro. Oxal

  • tenha eu vida e sade para faz-lo.Este livro se prope, como dito, a apresentar o sistema processual estabelecido a partir da

    Constituio da Repblica e do Cdigo de Processo Civil, descrevendo o modo como eledever ser atuado na prtica forense. Espera-se, com esta exposio, contribuir para aconstruo de um processo civil democrtico, capaz de permitir a elaborao de decisesjudiciais compatveis com o ordenamento jurdico brasileiro.

  • PARTE GERAL

  • 1NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

    O processo civil brasileiro construdo a partir de um modelo estabelecido pelaConstituio da Repblica. o chamado modelo constitucional de processo civil, expressoque designa o conjunto de princpios constitucionais destinados a disciplinar o processo civil (eno s o civil, mas todo e qualquer tipo de processo) que se desenvolve no Brasil. Comeandopelo princpio que a Constituio da Repblica chama de devido processo legal (mas quedeveria ser chamado de devido processo constitucional), o modelo constitucional de processo composto tambm pelos princpios da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade dajurisdio, do contraditrio, da motivao das decises judiciais e da durao razovel doprocesso.

    Todos esses princpios so implementados atravs das normas (princpios e regras)estabelecidas no Cdigo de Processo Civil. E o primeiro captulo do Cdigo destina-se,exatamente, a tratar dessas normas fundamentais do processo civil. Esta , portanto, a sede emque se poder encontrar o modo como o Cdigo trata desses princpios. Registre-se, porm, queo rol de normas fundamentais encontrado neste primeiro captulo do CPC no exaustivo(FPPC, enunciado 369), bastando recordar do princpio constitucional do juiz natural, que alino mencionado.

    Impende ento dizer, de incio, que o Cdigo de Processo Civil afirma expressamente oprincpio da inafastabilidade da jurisdio, isto , o princpio que assegura o amplo e universalacesso ao Judicirio (art. 3o do CPC; art. 5o, XXXV, da Constituio da Repblica),estabelecendo que no se excluir da apreciao jurisdicional ameaa ou leso a direito,reconhecendo-se, porm, que isso compatvel com a utilizao da arbitragem (art. 3o, 1o),bem assim com a busca da soluo consensual dos conflitos (art. 3o, 2o).

    Os mtodos consensuais, de que so exemplos a conciliao e a mediao, devero serestimulados por todos os profissionais do Direito que atuam no processo, inclusive durante seucurso (art. 3o, 3o). que as solues consensuais so, muitas vezes, mais adequadas do que aimposio jurisdicional de uma deciso, ainda que esta seja construda democraticamenteatravs de um procedimento em contraditrio, com efetiva participao dos interessados. E fundamental que se busquem solues adequadas, constitucionalmente legtimas, para osconflitos, solues estas que muitas vezes devero ser consensuais. Basta ver o que se passa,por exemplo, nos conflitos de famlia. A soluo consensual certamente muito mais adequada,j que os vnculos intersubjetivos existentes entre os sujeitos em conflito (e tambm entrepessoas estranhas ao litgio, mas por ele afetadas, como se d com filhos nos conflitos que seestabelecem entre seus pais) permanecero mesmo depois de definida a soluo da causa. Da aimportncia da valorizao da busca de solues adequadas (sejam elas jurisdicionais ouparajurisdicionais) para os litgios. Admite-se a soluo consensual do conflito no s antes dainstaurao do processo ou no curso de procedimentos cognitivos. Tambm no curso daexecuo se admite a realizao de audincia de conciliao ou de mediao (FPPC, enunciado485).

  • A soluo da causa deve ser obtida em tempo razovel (art. 4o do CPC; art. 5o, LXXVIII, daConstituio da Repblica), a includa a atividade necessria satisfao prtica do direito (oque significa dizer que no basta obter-se a sentena em tempo razovel, devendo sertempestiva tambm a entrega do resultado de eventual atividade executiva). A garantia dedurao razovel do processo deve ser compreendida, ento, de forma panormica, pensando-sena durao total do processo, e no s no tempo necessrio para se produzir a sentena doprocesso de conhecimento.

    Busca-se, ento, assegurar a durao razovel do processo, sendo relevante destacar ocompromisso do Cdigo de Processo Civil com esse princpio constitucional. H uma ntidaopo do ordenamento pela construo de um sistema destinado a permitir a produo doresultado do processo sem dilaes indevidas. Vale destacar, porm, que se todos tm direito aum processo sem dilaes indevidas, da se extrai que ningum tem direito a um processo semas dilaes devidas. Em outros termos, o sistema comprometido com a durao razovel doprocesso, sem que isso implique uma busca desenfreada pela celeridade processual a qualquerpreo. E isto porque um processo que respeita as garantias fundamentais , necessariamente, umprocesso que demora algum tempo. O amplo debate que deve existir entre os sujeitos doprocedimento em contraditrio exige tempo. A adequada dilao probatria tambm exigetempo. A fixao de prazos razoveis para a prtica de atos relevantes para a defesa dosinteresses em juzo, como a contestao e os recursos, faz com que o processo demore algumtempo. Mas estas so dilaes devidas, compatveis com as garantias constitucionais doprocesso.

    A observncia de um sistema de vinculao a precedentes, especialmente no que concerne scausas repetitivas; a construo de mecanismos de antecipao de tutela, tanto para situaes deurgncia como para casos em que a antecipao se funda na evidncia; a melhoria do sistemarecursal, com diminuio de oportunidades recursais; tudo isso contribui para a durao maisrazovel do processo. , porm, sempre importante ter claro que s se pode cogitar de duraorazovel do processo quando este capaz de produzir os resultados a que se dirige. E estes soresultados que necessariamente tm de ser constitucionalmente legtimos, pois resultadosconstitucionalmente legtimos exigem algum tempo para serem alcanados.

    Um processo rpido e que no produz resultados constitucionalmente adequados no eficiente. E a eficincia tambm um princpio do processo civil (art. 8o). Impe-se, assim, abusca do equilbrio, evitando-se demoras desnecessrias, punindo-se aqueles que busquemprotelar o processo (e da a legitimidade de multas e da antecipao de tutela quando hajapropsito protelatrio), mas assegurando-se que o processo demore todo o tempo necessriopara a produo de resultados legtimos.

    Vale destacar que do art. 4o do CPC (e de uma grande srie de outros dispositivos, como oart. 317 e o art. 488, entre muitos outros exemplos que poderiam ser indicados) se extrai umoutro princpio infraconstitucional fundamental para o sistema processual brasileiro: oprincpio da primazia da resoluo do mrito. que, como se v pela leitura do art. 4o, aspartes tm o direito de obter [a] soluo integral do mrito. O processo um mtodo deresoluo do caso concreto , e no um mecanismo destinado a impedir que o caso concreto sejasolucionado. Assim, deve-se privilegiar, sempre, a resoluo do mrito da causa. Extinguir oprocesso sem resoluo do mrito (assim como decretar a nulidade de um ato processual ou noconhecer de um recurso) algo que s pode ser admitido quando se estiver diante de vcio queno se consiga sanar, ou por ser por natureza insanvel, ou por se ter aberto a oportunidade para

  • que o mesmo fosse sanado e isso no tenha acontecido. Deve haver, ento, sempre que possvel,a realizao de um esforo para que sejam superados os obstculos e se desenvolva atividadetendente a permitir a resoluo do mrito da causa. por isso, por exemplo, que se estabeleceque no caso de se interpor recurso sem comprovao de recolhimento das custas devidas devehaver a intimao para efetivar o depsito (em dobro, para que no se estimule a prtica apenascomo mecanismo protelatrio) do valor das custas, viabilizando-se deste modo o exame domrito (art. 1.007, 4o), ou se afirma que [d]esde que possvel, o juiz resolver o mritosempre que a deciso for favorvel parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nostermos do art. 485. H, pois, no moderno direito processual civil brasileiro, um princpio daprimazia da resoluo do mrito, o qual, espera-se, seja capaz de produzir resultados bastantepositivos no funcionamento do sistema de prestao de justia civil.

    Outro princpio fundamental do processo o da boa-f objetiva (art. 5o; FPPC, enunciado374: O art. 5o prev a boa-f objetiva). No se trata, pois, apenas de se exigir dos sujeitos doprocesso que atuem com boa-f subjetiva (assim entendida a ausncia de m-f), mas com boa-f objetiva, comportando-se da maneira como geralmente se espera que tais sujeitos seconduzam. A vedao de comportamentos contraditrios (nemo venire contra factumproprium), a segurana resultante de comportamentos duradouros (supressio e surrectio), entreoutros corolrios da boa-f objetiva, so expressamente reconhecidos como fundamentais parao desenvolvimento do processo civil. A boa-f processual orienta a interpretao da postulaoe da sentena, permite a imposio de sano ao abuso de direitos processuais e s condutasdolosas de todos os sujeitos do processo, e veda seus comportamentos contraditrios (FPPC,enunciado 378).

    Pense-se, por exemplo, no caso de o juiz ter indeferido a produo de uma prova requeridapelo demandante, ao fundamento de que tal prova se destinaria a demonstrar um fato que jestaria comprovado. Posteriormente, o pedido julgado improcedente, ao fundamento de queaquele mesmo fato no estaria provado, sendo do autor o nus probatrio. Essas so condutascontraditrias e, por isso mesmo, contrrias ao princpio da boa-f objetiva. No se admite queo juiz assim proceda (FPPC, enunciado 375: O rgo jurisdicional tambm deve comportar-sede acordo com a boa-f objetiva). Em casos assim, ou realmente o fato est provado e, porconseguinte, a sentena de improcedncia por falta da prova est errada, ou o fato no estprovado, e nesse caso seria imperioso reabrir-se a atividade probatria para no surpreender-se a parte que originariamente tivera aquela prova indeferida (FPPC, enunciado 376: Avedao do comportamento contraditrio aplica-se ao rgo jurisdicional).

    Tambm decorre da boa-f objetiva o reconhecimento de que comportamentos produzemlegtimas expectativas. Figure-se um exemplo: intimado um devedor a cumprir uma decisojudicial em certo prazo sob pena de multa, este deixa transcorrer o prazo sem praticar os atosnecessrios realizao do direito do credor. Este, ento, fica inerte, no toma qualqueriniciativa, e permite que os autos sejam arquivados. Passados alguns anos, o credor desarquivaos autos e postula a execuo da multa vencida por esses anos de atraso no cumprimento dadeciso. Em um caso assim, deve-se considerar que o comportamento do credor, que no tomouqualquer providncia para evitar o arquivamento dos autos por to prolongado tempo, gerou nodevedor a legtima confiana em que no seria executado, da resultando a perda do direito docredor multa j vencida (supressio). Isso no implica, porm, dizer que o credor no tenhadireito satisfao do seu direito j reconhecido. Ser preciso, porm, novamente intimar odevedor para cumprir a deciso no prazo que lhe fora assinado, sob pena de tornar a incidir a

  • multa. Mas a multa pelo decurso dos anos anteriores no ser mais devida por fora da violaoda boa-f objetiva.

    A boa-f objetiva tambm impede que o julgador profira, sem motivar de forma especfica aalterao, decises diferentes sobre uma mesma questo de direito aplicvel a situaes de fatoanlogas, ainda que em processos distintos (FPPC, enunciado 377).

    Em seguida, impende tratar do princpio do contraditrio (art. 5o, LV, da CRFB). Este ,dos princpios fundamentais do processo, o que se revela como sua nota essencial. Em outrostermos, o que se quer dizer com isso que o contraditrio a caracterstica fundamental doprocesso.

    Mais adiante se ver quando do trato deste instituto fundamental do direito processual que o processo deve ser entendido como procedimento em contraditrio. Assim que, para oEstado Constitucional Brasileiro, a construo da deciso judicial deve dar-se atravs de umprocedimento que se realiza com plena observncia de um contraditrio efetivo (qualificaodo contraditrio que se encontra expressa na parte final do art. 7o).

    O princpio do contraditrio deve ser compreendido como uma dupla garantia (sendo queesses dois aspectos do contraditrio se implicam mutuamente): a de participao com influnciana formao do resultado e a de no surpresa.

    Em primeiro lugar, o contraditrio deve ser compreendido como a garantia que tm as partesde que participaro do procedimento destinado a produzir decises que as afetem. Em outraspalavras, o resultado do processo deve ser fruto de intenso debate e da efetiva participao dosinteressados, no podendo ser produzido de forma solitria pelo juiz. No se admite que oresultado do processo seja fruto do solipsismo do juiz. Dito de outro modo: no compatvelcom o modelo constitucional do processo que o juiz produza uma deciso que no seja oresultado do debate efetivado no processo. No por outra razo que, nos termos do art. 10, ojuiz no pode decidir, em grau algum de jurisdio, com base em fundamento a respeito do qualno se tenha dado s partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matria sobre aqual deva decidir de ofcio.

    A deciso judicial, portanto, precisa ser construda a partir de um debate travado entre ossujeitos participantes do processo. Qualquer fundamento de deciso precisa ser submetido aocrivo do contraditrio, sendo assegurada oportunidade para que as partes se manifestem sobretodo e qualquer possvel fundamento. Isso se aplica, inclusive, s matrias cognoscveis deofcio (como, por exemplo, a falta de legitimidade ou de interesse). Ser de ordem pblicaalguma matria significa que pode ela ser apreciada de ofcio, isto , independentemente de tersido suscitada por alguma das partes. Quer isto dizer, porm, que essas so matrias que o juizest autorizado a suscitar, trazer para o debate.

    Autorizao para conhecer de ofcio, porm, no autorizao para decidir sem prviocontraditrio. As questes de ordem pblica, quando no deduzidas pelas partes, devem sersuscitadas pelo juiz, que no poder sobre elas pronunciar-se sem antes dar oportunidade spartes para que se manifestem sobre elas.

    O modelo constitucional de processo impe, assim, um processo comparticipativo,policntrico, no mais centrado na pessoa do juiz, mas que conduzido por diversos sujeitos(partes, juiz, Ministrio Pblico), todos eles igualmente importantes na construo do resultadoda atividade processual. Consequncia disso o assim chamado princpio da cooperao,consagrado no art. 6o: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se

  • obtenha, em tempo razovel, deciso de mrito justa e efetiva.Seria evidentemente uma ingenuidade acreditar que os sujeitos do processo vo se ajudar

    mutuamente. Afinal, litigantes so adversrios, buscam resultados antagnicos, e seria absurdoacreditar que o demandante vai ajudar o demandado a obter um resultado que lhe interesse (ouvice-versa). Mas no disso que se trata. O princpio da cooperao deve ser compreendido nosentido de que os sujeitos do processo vo co-operar, operar juntos, trabalhar juntos naconstruo do resultado do processo. Em outros termos, os sujeitos do processo vo, todos, emconjunto, atuar ao longo do processo para que, com sua participao, legitimem o resultado queatravs dele ser alcanado. S decises judiciais construdas de forma comparticipativa portodos os sujeitos do contraditrio so constitucionalmente legtimas e, por conseguinte,compatveis com o Estado Democrtico de Direito.

    O modelo de processo cooperativo, comparticipativo, exige de todos os seus sujeitos queatuem de forma tica e leal, agindo de modo a evitar vcios capazes de levar extino doprocesso sem resoluo do mrito, alm de caber-lhes cumprir todos os deveres mtuos deesclarecimento e transparncia (FPPC, enunciado 373).

    Sendo o contraditrio uma garantia de participao com influncia, decises judiciaiscontrrias a alguma das partes s so legtimas se produzidas com respeito a um contraditrioprvio, efetivo e dinmico. No por outra razo que o art. 9oexpressamente dispe que [n]ose proferir deciso contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.Evidentemente, porm, legtimo decidir a favor de uma das partes sem ouvi-la previamente,pois a no haver violao ao contraditrio. Da a legitimidade constitucional de se julgarimprocedente o pedido liminarmente, sem prvia citao (art. 332). que nesse caso sedecidir a favor do ru sem ouvi-lo previamente; mas o autor, contra quem se decide, ter sidoouvido anteriormente prolao da sentena de improcedncia liminar.

    O pargrafo nico do art. 9o, porm, prev trs excees exigncia de oitiva prvia daparte contra quem se decide. A primeira exceo a tutela provisria de urgncia . Neste casotem-se uma exceo legitimada pelo princpio constitucional do acesso justia, j que aurgncia na obteno da medida exige que esta seja deferida inaudita altera parte, sem oitivada parte contrria, sob pena de, respeitada a exigncia de oitiva prvia da parte contra quem sedecide, no ter a deciso qualquer efetividade. De todo modo, e por fora do princpio daproporcionalidade, a exceo ao contraditrio estabelecida de forma a causar o menorprejuzo possvel. Da por que a deciso concessiva de tutela de urgncia que se profereinaudita altera parte provisria, podendo ser modificada ou revogada a qualquer tempo, apsa efetivao do contraditrio (art. 297). No h, pois, uma supresso completa do contraditrio,mas apenas sua postecipao, isto , sua postergao para momento posterior.

    H exceo exigncia de prvia oitiva da parte contra quem se decide tambm nos casosde tutela da evidncia previstas no art. 311, incisos II e III. O primeiro desses casos o dedemanda repetitiva, em que j h tese firmada em precedente vinculante em favor da pretensodeduzida pelo demandante, sendo suas alegaes de fato comprovveis atravs de provaexclusivamente documental preconstituda. Trata-se, neste caso, de uma tcnica de aceleraodo resultado do processo, compatvel com o princpio da durao razovel do processo, emcasos em que j existe uma tese firmada em um precedente judicial que vincula o juzocompetente para conhecer da causa. Mais uma vez, porm, preciso ter claro que no se tratade uma deciso definitiva. O carter provisrio da deciso proferida inaudita altera parte,neste caso, uma exigncia do princpio do contraditrio, uma vez que ao demandado, contra

  • quem se ter proferido aquela deciso concessiva da tutela da evidncia, deve ser assegurada apossibilidade de promover o distinguishing, isto , de demonstrar que o caso submetido ajulgamento diferente daquele que gerou o precedente e, por isso, nele a tese firmada no deveser aplicada (ou que caso de operar-se o overruling, a superao do precedente).

    A segunda hiptese em que se admite a concesso inaudita altera parte da tutela daevidncia a da demanda fundada em contrato de depsito, estando este comprovadodocumentalmente, caso em que ser desde logo determinada a entrega da coisa, sob cominaode multa. Este o caso em que o demandado apontado como sendo depositrio infiel, assimentendido o depositrio que descumpre sua obrigao de restituir a coisa, com todos os seusfrutos e acrescidos, quando o exija o depositante (art. 629 do Cdigo Civil). Ora, se a lei civilimpe a devoluo da coisa depositada tanto que o depositante a exija, no haveria sentido emque o direito processual civil no fosse capaz de prever mecanismos para a pronta restituioda coisa depositada, sob pena de frustrar-se o prprio direito material. Uma vez mais, porm,tem-se a uma deciso provisria, sempre sendo possvel ao demandado, aps regularcontraditrio, demonstrar que no era caso de devoluo do bem.

    O ltimo caso em que se admite a prolao de deciso judicial inaudita altera parte o dadeciso que determina a expedio do mandado monitrio (art. 701). Trata-se de deciso queintegra, necessariamente, a estrutura do procedimento monitrio, que tem entre suascaractersticas fundamentais o que se costuma chamar de inverso de iniciativa docontraditrio, j que neste caso s haver contraditrio pleno se o demandado optar poroferecer embargos (art. 702), sem os quais constituir-se- de pleno direito o ttulo executivojudicial (art. 701, 2o).

    Consequncia dessa percepo do contraditrio como garantia de participao cominfluncia que deve ser ele, tambm, compreendido como uma garantia de no surpresa.Significa isto dizer que o resultado do processo no pode ser tal que surpreenda qualquer dosseus participantes. o que ocorre, por exemplo, quando se profere deciso acerca de umaquesto de ordem pblica suscitada de ofcio sem que sobre ela se tenha garantido s partesoportunidade para prvia manifestao. Do mesmo modo, tem-se deciso surpresa naquelescasos em que o juiz emite pronunciamento valendo-se de fundamento (de fato ou de direito) queno tenha sido submetido ao debate entre os participantes do processo.

    Sempre foi da cultura do processo civil brasileiro admitir-se a prolao de decisesfundadas em argumentos de direito que no tivessem sido submetidos a debate prvio. Era o quese extraa da clssica parmia da mihi factum, dabo tibi ius (d-me os fatos que te darei odireito). que tradicionalmente se acreditou que a incumbncia das partes era apresentar aojuzo os fatos da causa, cabendo ao rgo jurisdicional estabelecer o direito aplicvel. Ocorreque esta uma forma de atuar incompatvel com o Estado Constitucional, j que presa ultrapassada ideia de que o processo serve apenas para que o Estado d soluo s causas quelhe so submetidas, construindo os resultados de forma solipsista. Este juiz solipsista, egosta,que constri a deciso judicial sozinho, incompatvel com o Estado Democrtico de Direito, oqual exige que o exerccio do poder estatal se d de forma comparticipativa, j que aparticipao da sociedade um dos elementos integrantes dessa forma de Estado expressamenteestabelecida pela Constituio da Repblica. Assim, s constitucionalmente legtima (ou, ditode outro modo, s democrtica) a deciso judicial construda em contraditrio por todos osparticipantes do processo, aos quais incumbe debater todo e qualquer possvel fundamento dadeciso judicial. No se admitem, portanto, as decises chamadas de terceira via, ou seja, as

  • decises baseadas em fundamento que o juiz tenha tirado da cartola, invocando-o de formasurpreendente, sem submet-lo a prvio debate.

    Alm do princpio do contraditrio, incumbe tambm ao juiz assegurar a observncia doprincpio da isonomia (art. 5o, caput e inciso I, da CRFB). que o art. 7o estabelece que []assegurada s partes paridade de tratamento em relao ao exerccio de direitos e faculdadesprocessuais, aos meios de defesa, aos nus, aos deveres e aplicao de sanes processuais,competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditrio. Isonomia, como provm de clssica lio, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, nos limites da desigualdade. Pois doprincpio da isonomia devem ser extradas duas ideias: primeiro, que as partes devem atuar noprocesso com paridade de armas (par conditio); segundo, que casos iguais devem ser tratadosigualmente (to treat like cases alike).

    A paridade de armas garantida pelo princpio da isonomia implica dizer que no processodeve haver equilbrio de foras entre as partes, de modo a evitar que uma delas se sagrevencedora no processo por ser mais forte do que a outra. Assim, no caso de partes que tenhamforas equilibradas, deve o tratamento a elas dispensado ser igual. De outro lado, porm, partesdesequilibradas no podem ser tratadas igualmente, exigindo-se um tratamento diferenciadocomo forma de equilibrar as foras entre elas. isso que justifica, por exemplo, a concesso dobenefcio da gratuidade de justia aos que no podem arcar com o custo do processo (arts. 98 eseguintes); a distribuio dinmica do nus da prova nos casos em que haja dificuldadeexcessiva, impossibilidade de sua produo ou maior facilidade na obteno da prova do fatocontrrio (art. 373, 1o); do benefcio de prazo em dobro para os entes pblicos (art. 183) etc.

    J a exigncia de que casos iguais recebam decises iguais nada mais do que aplicao danorma constitucional que afirma a igualdade de todos perante a lei (art. 5o, caput, daConstituio da Repblica). Ora, se todos so iguais perante a lei, ento casos iguais devemreceber solues iguais. E este um dos fundamentos a estabelecer a exigncia de construo deum sistema em que se reconhece a eficcia vinculante de precedentes judiciais. Afinal, definidapelo tribunal competente qual a norma jurdica aplicvel a determinado tipo de situao (e pordeterminao da norma deve-se entender, evidentemente, a determinao da interpretaoatribuda ao[s] texto[s] normativo[s], j que no se confunde o texto com a norma, e esta ainterpretao atribuda ao texto), impende que casos iguais recebam a aplicao da mesmanorma (ou seja, da mesma interpretao), sob pena de se ter solues anti-isonmicas, comcasos iguais sendo resolvidos diferentemente. Fosse isso legtimo e no se poderia dizer queso todos iguais perante a lei.

    Outros princpios que so expressamente referidos como normas fundamentais do processocivil so os da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade, legalidade,publicidade e eficincia (art. 8o).

    O princpio da dignidade da pessoa humana est posto no art. 1o, III, da CRFB. Deve-seentender por dignidade da pessoa humana a garantia de que cada pessoa natural ser tratadacomo algo insubstituvel, que deve ser reputada como um fim em si mesmo, tendo cada pessoaresponsabilidade pelo sucesso de sua prpria vida. Incumbe ao juiz e aos demais sujeitos doprocesso garantir respeito dignidade humana, assegurando o valor intrnseco de cada vidaque trazida ao processo. Da se infere, necessariamente, que aos sujeitos do processo preciso sempre ter claro que os titulares dos interesses em conflito so pessoas reais, cujasvidas sero afetadas pelo resultado do processo e que, por isso mesmo, tm o direito de

  • estabelecer suas estratgias processuais de acordo com aquilo que lhes parea melhor para suasprprias vidas. inadmissvel tratar as partes como se no fossem pessoas reais, meros dadosestatsticos. Afinal, se para o Judicirio cada processo pode parecer apenas mais um processo,para as partes cada processo pode ser o nico, o mais relevante, aquele em que sua vida serdecidida. E dever do juiz assegurar que isto seja respeitado.

    Tambm se faz expressa referncia no art. 8o aos princpios da razoabilidade eproporcionalidade. Estes so princpios cujo contedo ainda gera, na doutrina constitucional,tremenda controvrsia, sequer havendo consenso acerca de serem os termos razoabilidade eproporcionalidade sinnimos ou no. O STF tem invocado a razoabilidade e aproporcionalidade em diversas decises, usualmente fazendo referncia a eles como projees,no plano substancial, do princpio do devido processo legal (substantive due process).

    O princpio da legalidade deve ser entendido como uma exigncia de que as decises sejamtomadas com apoio no ordenamento jurdico. No incumbe ao Judicirio fazer a lei, masinterpretar e aplicar a lei que democraticamente aprovada pelo Legislativo. Quem vai aoJudicirio busca ver seu caso solucionado de acordo com o que consta do ordenamento jurdico,no tendo os juzes legitimidade para criar solues, segundo sua conscincia ou seus valorespessoais, para os casos que lhes so submetidos. O papel criativo do juiz se limita interpretao, a qual evidentemente limitada por textos que ele no est legitimado a criar.Deve-se, pois, julgar cada causa submetida ao Judicirio conforme o ordenamento jurdicovigente.

    De sua vez, o princpio da publicidade exige que os atos processuais sejam praticadospublicamente, sendo livre e universal o acesso ao local em que so praticados e aos autos ondeesto documentados seus contedos. Esta uma garantia de controlabilidade do processo, jque permite que toda a sociedade exera um controle difuso sobre o contedo dos atosprocessuais. Excepciona-se, porm, esta publicidade naqueles casos em que o processo tramita(ou algum ato processual tem de ser praticado) em segredo de justia (art. 189), em que possvel limitar-se o acesso ao ato processual s partes e seus procuradores e ao MinistrioPblico (art. 11, pargrafo nico). O art. 11 volta a fazer aluso ao princpio da publicidade aoafirmar que todos os julgamentos sero pblicos. No Direito brasileiro h uma amplapublicidade do ato de julgar. Basta ver que so pblicas as sesses de julgamento dos tribunais(algumas delas at transmitidas por via televisiva ou pela Internet), sendo permitido a qualquerpessoa presenciar o momento em que os juzes proferem seus votos. Esta uma peculiaridadedo Direito brasileiro, no se encontrando equivalente no Direito comparado. De um modo geral,em outros lugares, o ato de julgar sigiloso, posteriormente dando-se publicidade deciso jproferida. De outro lado, no Brasil o prprio ato de decidir pblico.

    Por fim, o art. 8o faz meno ao princpio da eficincia. Este princpio quetradicionalmente era conhecido como princpio da economia processual, e sua incidncia nosistema processual decorre do art. 37 da CRFB. Pode-se compreender a economia processualcomo a exigncia de que o processo produza o mximo de resultado com o mnimo de esforo. este o princpio que legitima institutos processuais como o litisconsrcio facultativo, acumulao objetiva de demandas, a denunciao da lide etc. que se deve entender poreficincia a razo entre o resultado do processo e os meios empregados para sua obteno.Quanto menos onerosos (em tempo e energias) os meios empregados para a produo doresultado (e desde que seja alcanado o resultado constitucionalmente legtimo), mais eficienteter sido o processo.

  • O art. 11 (j mencionado por conta do princpio da publicidade) faz tambm aluso aoprincpio da fundamentao das decises judiciais, que est consagrado no art. 93, IX, daConstituio. Todas as decises judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade.

    O CPC exige, concretizando o princpio constitucional, uma fundamentao substancial dasdecises. No se admite a prolao de decises falsamente motivadas ou com simulacro defundamentao. o que se d nos casos arrolados no 1o do art. 489, o qual enumera umasrie de casos de falsa fundamentao, as quais so expressamente equiparadas s decises nofundamentadas (FPPC, enunciado 303: As hipteses descritas nos incisos do 1o do art. 489so exemplificativas). Assim, no se considera fundamentada a deciso que se limitar indicao, reproduo ou parfrase de ato normativo, sem explicar sua relao com a causaou a questo decidida. Deste modo, no so aceitas, por falsamente fundamentadas, decisesque digam algo como presentes os requisitos, defiro, ou sendo provvel a existncia dodireito alegado e havendo fundado receio de dano irreparvel, defiro a tutela de urgncia, ouqualquer outra a estas assemelhada.

    Do mesmo modo, falsamente fundamentada a deciso que empregar conceitos jurdicosindeterminados (como razovel, proporcional ou interesse pblico) sem explicar o motivoconcreto de sua incidncia no caso.

    Tambm nula por vcio de fundamentao a deciso que invocar motivos que seprestariam a justificar qualquer outra deciso. Assim, por exemplo, nula a deciso que, aoreceber a petio inicial de uma demanda de improbidade administrativa, o faz com apoio nofundamento segundo o qual tal recebimento deve se dar em defesa dos interesses dasociedade, no tendo o demandado demonstrado de forma definitiva que no ocorreu qualquerato mprobo, motivo pelo qual deve incidir o princpio in dubio pro societate. Deciso comoesta, a rigor, poderia ser utilizada em qualquer caso. E deciso que serve para qualquer caso, naverdade, no serve para caso algum.

    nula, tambm, a deciso que no enfrentar todos os argumentos deduzidos no processocapazes de, em tese, infirmar a concluso adotada pelo julgador (art. 489, 1o, IV). Este casode vcio de fundamentao demonstra, de modo muito claro, a intrnseca ligao existente entreo princpio da fundamentao das decises e o princpio do contraditrio. que este princpioassegura aos sujeitos do processo participao ampla no debate destinado a construir a deciso.Da se precisa extrair, ento, que o princpio do contraditrio no garante s partes s o direitode falar, mas tambm o direito de ser ouvido. Ora, no haver contraditrio efetivo e dinmicose os argumentos deduzidos pelas partes no forem levados em considerao na decisojudicial. Impende, ento, que o rgo jurisdicional leve em conta todos os argumentossuscitados pelas partes e que sejam capazes, em tese, de levar a uma deciso favorvel.

    Isto combate o vcio de muitos tribunais brasileiros de afirmar algo como o juiz no estobrigado a examinar todos os fundamentos suscitados pelas partes, bastando encontrar umfundamento suficiente para justificar a deciso. Esta postura que claramente viola o princpiodo contraditrio e, portanto, frontalmente contrria ao modelo constitucional de processo civilbrasileiro. claro que tendo o rgo jurisdicional encontrado um fundamento suficiente paradecidir favoravelmente a uma das partes, no h qualquer utilidade (e, portanto, no hinteresse) em que sejam examinados outros fundamentos deduzidos pela parte e que tambmlevariam a um resultado a ela favorvel. Afinal, estes outros fundamentos no poderiam levar aum resultado distinto do j alcanado. H, porm, necessidade de exame de todos osfundamentos deduzidos pela parte contrria e que, em tese, seriam capazes de levar a um

  • resultado distinto. Em outros termos, direito da parte ver na deciso que lhe desfavorvel aexposio dos motivos que levaram rejeio de todos os fundamentos que suscitou em seufavor. S assim se poder afirmar que sua participao no processo de formao da deciso foirelevante, que ela foi ouvida (ainda que no tenha sido atendida) e, portanto, que foi plenamenterespeitada sua participao em contraditrio.

    Tambm h vcio de fundamentao na deciso judicial que se limitar a invocar precedenteou enunciado de smula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que ocaso sob julgamento se ajusta queles fundamentos. Este tema a que se voltar maiscuidadosamente adiante, no captulo dedicado ao estudo dos precedentes judiciais. De todomodo, no se pode agora deixar de dizer que o princpio da fundamentao das decises afrontado em casos nos quais o rgo jurisdicional se limita a indicar ementas de outrosacrdos em que teriam sido decididos casos iguais ou anlogos. A mera indicao de ementasno correta invocao de precedentes. Impe-se a precisa indicao dos fundamentosdeterminantes (rationes decidendi) da deciso invocada como precedente, com a precisademonstrao de que os casos (o precedente e o agora decidido) guardam identidade quejustifique a aplicao do precedente.

    H, por fim, vcio de fundamentao na deciso judicial que deixar de seguir enunciado desmula, jurisprudncia ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existncia dedistino no caso em julgamento ou a superao do entendimento. Mais uma vez se tem aquiuma hiptese cujo exame aprofundado deve dar-se no captulo dedicado ao estudo dosprecedentes. De toda maneira, impende agora deixar claro que no estar legitimamente(constitucionalmente) fundamentada a deciso judicial que, em caso no qual a parte tenhainvocado algum precedente (ou enunciado de smula, ou jurisprudncia predominante) que lhefavorea, deixe de indicar os motivos pelos quais dele se afasta, apontando a distino entre oprecedente e o caso agora examinado (distinguishing) ou a superao do entendimento adotadono precedente (overruling).

    Conclui-se o captulo das normas fundamentais do processo civil com um dispositivo (art.12, na redao da Lei n 13256/2016) destinado a estabelecer a exigncia de que os rgosjurisdicionais profiram suas sentenas e acrdos obedecendo, preferencialmente, a uma ordemcronolgica de concluso. A fim de assegurar o respeito a essa exigncia, dispe o 1o que asecretaria do rgo jurisdicional elaborar uma lista de processos aptos a julgamento (o que, nalinguagem forense, sempre se chamou de processos conclusos para sentena), a qual deverestar disponvel para consulta pblica em cartrio e na Internet.

    Assim, incumbe ao juiz ou tribunal proferir suas sentenas (mas no necessariamente asdecises interlocutrias) ou acrdos, preferencialmente segundo a ordem cronolgica em queos autos tenham sido enviados concluso. Ficam excludos dessa regra, porm (art. 12, 2o),as sentenas proferidas em audincia, homologatrias de acordo ou de improcedncia liminardo pedido; o julgamento de processos em bloco para aplicao de tese jurdica firmada emjulgamento de casos repetitivos; o prprio julgamento de casos repetitivos; as decises deextino do processo sem resoluo do mrito (art. 485); as decises monocrticas proferidasnos tribunais pelo relator (art. 932); o julgamento de embargos de declarao e de agravointerno; as preferncias legais (como o caso do processo em que parte o idoso, ou osprocessos de habeas corpus) e os casos em que haja meta, estabelecida pelo CNJ, a cumprir; osprocessos criminais (quando o rgo jurisdicional tiver competncia cvel e criminal); e ascausas que exijam urgncia na prolao da deciso, assim reconhecida expressamente por

  • deciso fundamentada. Para estas, sequer preferencial a ordem cronolgica .Vale apenas referir, com relao a uma dessas excees (a das decises monocrticas

    proferidas pelo relator nos tribunais), que esta deve ser entendida modus in rebus. Quer-se comisto dizer que devem existir duas ordens cronolgicas distintas de concluso (isto , duas filas aserem observadas): uma para as decises monocrticas (que devem preferencialmente serproferidas em ordem cronolgica de concluso, observadas as demais excees previstas no 2o do art. 12); outra para os acrdos, devendo os processos ser includos na pauta dejulgamento para apreciao pelo colegiado observando-se preferencialmente a ordemcronolgica de concluso ao relator (sempre observadas as excees expressamente previstas).

    O ntido objetivo aqui evitar favorecimentos, de modo que um processo, por qualquerrazo, tenha andamento mais rpido que outro, sendo decidido primeiro, no obstante tenham osautos ido posteriormente concluso.

    Impende ter claro, porm, que apenas a deciso final do procedimento (tanto na primeirainstncia como nos tribunais) se submete regra preferencial da ordem cronolgica. Decisesinterlocutrias (mesmo nos tribunais, como o caso da deciso do relator que atribui efeitosuspensivo a um recurso) no entram na fila, bastando nesses casos a observncia dos prazosestabelecidos pela lei processual para que as decises sejam proferidas.

  • 2APLICAO DAS NORMAS PROCESSUAIS

    Os arts. 13 a 15 do CPC tratam de trs temas distintos, reunidos sob a epgrafe da aplicaodas normas processuais. Em primeiro lugar, regula-se a aplicao da norma processual noespao (art. 13). Em seguida, trata-se da aplicao da norma processual no tempo (art. 14) e,por fim, da aplicao subsidiria do Cdigo de Processo Civil a outras leis processuais.

    Estabelece o art. 13 que a jurisdio civil ser regida pelas normas processuais brasileiras,ressalvadas as disposies especficas previstas em tratados, convenes ou acordosinternacionais de que o Brasil seja parte. H, pois, aqui a previso, como regra geral, de que alei processual aplicvel ser a lei vigente no foro onde tramita o processo (lex fori). Significaisto dizer que, ao menos como regra geral, quando o processo tramitar no Brasil ser observadaa legislao processual brasileira. E assim ser mesmo naqueles casos em que, por qualquermotivo, a lei substancial aplicvel seja estrangeira.

    Pense-se, por exemplo, em um processo de inventrio e partilha de bens situados no Brasilem caso no qual o autor da herana teve seu ltimo domiclio em Estado estrangeiro. Nestecaso, por fora do disposto no art. 10 da LINDB (ressalvado o caso em que a lei brasileira sejamais favorvel aos herdeiros brasileiros, conforme determinam o art. 10, 1o, da prpriaLINDB e o art. 5o, XXXI, da CRFB), a sucesso ser disciplinada conforme a lei do Estadoonde se estabelecera o ltimo domiclio do finado. A lei processual, porm, ser a brasileira.

    O prprio art. 13, porm, abre uma exceo regra geral. Ser afastada a incidncia da leiprocessual brasileira sempre que haja previso em sentido diverso em tratado internacional deque o Brasil seja parte. H, pois, prevalncia da norma processual convencional sobre a normaprocessual legal.

    Esta expressa previso da prevalncia da norma convencional sobre a norma processual temuma grande utilidade: facilita a adoo, pelo Direito brasileiro, de normas destinadas a regularprocessos transnacionais (assim entendidos os processos em que pelo menos uma das partestenha nacionalidade ou domiclio de Estado distinto daquele em que tramita o processo). Temhavido, inclusive, um movimento doutrinrio (a partir do American Law Institute e daUNIDROIT) destinado a estabelecer princpios do processo civil transnacional, os quais sepropem a servir de modelo a ser observado em futuras e eventuais proposies legislativas ouconvencionais.

    Em qualquer caso, porm, em que haja algum tratado, conveno ou acordo internacionalratificado pelo Brasil a que se possa atribuir alguma norma processual, esta prevalecer sobreas normas legais internas brasileiras. Tem-se a, pois, uma supremacia da norma internacionalsobre a interna, estabelecida pela prpria norma interna.

    No havendo norma convencional, porm, incidir, nos processos que tramitam perante oJudicirio brasileiro, a lei processual brasileira (lex fori).

    Por sua vez, o art. 14 trata da aplicao da norma processual no tempo, ao estabelecer quea norma processual no retroagir e ser aplicvel imediatamente aos processos em curso,respeitados os atos processuais praticados e as situaes jurdicas consolidadas sob a vigncia

  • da norma revogada. Adota-se, expressamente, pois, a chamada teoria do isolamento dos atosprocessuais.

    Significa isto dizer que a lei processual aplicvel a cada ato processual a lei vigente aotempo em que o ato processual praticado (tempus regit actum). A lei processual nova entraem vigor imediatamente, alcanando os processos em curso no momento de sua entrada emvigor. Coerentemente com isso, estabelece o art. 1.046 que [a]o entrar em vigor este Cdigo,suas disposies se aplicaro desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no5.869, de 11 de janeiro de 1973 (o anterior Cdigo de Processo Civil).

    Assim, ento, a entrada em vigor de uma lei processual nova gera sua incidncia imediata,no s aos processos que se instaurem da por diante, mas tambm aos processos em curso. Noh, porm, retroatividade da lei processual, de modo que no se pode admitir que a leiprocessual nova se aplique a fatos anteriores sua vigncia ou que desrespeite as situaesprocessuais consolidadas sob a gide da norma anterior. por isso que, por exemplo, no casode processos instaurados antes da vigncia do CPC em que se determinara a observncia doprocedimento sumrio (previsto nos arts. 275 e seguintes do CPC de 1973, mas que noencontra similar no Cdigo vigente) este continua a ser observado at a prolao da sentena(art. 1.046, 1o). Alis, o inciso II do art. 275 do Cdigo de 1973 permanece em vigor para ofim de estabelecer um rol de causas de competncia dos Juizados Especiais Cveis (art. 1.063).

    Do mesmo modo, preciso considerar que a lei que rege o recurso a lei vigente ao tempoda publicao da deciso contra a qual se pretende recorrer. Afinal, uma vez publicada adeciso judicial nasce, para os prejudicados, o direito de recorrer contra aquela deciso (se,evidentemente, tratar-se de uma deciso recorrvel). Isto especialmente importante quando sepensa que o CPC trata como irrecorrveis de forma autnoma algumas decises interlocutriasque, ao tempo da legislao processual anterior, eram impugnveis por agravo. o caso, porexemplo, da deciso que indeferir a produo de prova testemunhal. Ao tempo do CPC de 1973esta deciso era impugnvel por agravo de instrumento e, com a vigncia do novo Cdigo,passou ela a ser irrecorrvel em separado. Ora, publicada a deciso que indeferiu a provatestemunhal ainda ao tempo em que vigente o Cdigo anterior, ser admissvel o recurso (noprazo e preenchidos os requisitos estabelecidos pela legislao anterior), j que esta situaoprocessual (a recorribilidade por agravo daquela deciso interlocutria) j se haviaconsolidado. J no caso de vir a mesma deciso a ser publicada sob a gide do Cdigo atual amesma deciso ser irrecorrvel em separado. No caso das decises colegiadas, o direito aorecurso nasce na data em que proclamado o resultado da sesso de julgamento pois nessemomento j pblica a deciso , e no na data em que as partes sejam intimadas do teor doacrdo, ou na data em que esse inteiro teor disponibilizado nos autos (FPPC, enunciado 616).

    A adoo da teoria do isolamento dos atos processuais leva a que, necessariamente, sejapreciso examinar, caso a caso, se a lei processual nova incide ou no, isto , se h ou no umasituao processual consolidada sob a gide da lei processual anterior a ser respeitada, o queproduzir uma ultra-atividade da lei processual revogada. Seria impossvel, nos estreitoslimites deste trabalho, tentar-se examinar todas as (ou mesmo muitas das) situaes quepoderiam vir a ser encontradas na prtica, j que a nova lei processual pode encontrarprocessos judiciais nas mais diversas fases de sua tramitao. Algumas disposies expressasexistem no CPC, porm, e merecem ser examinadas.

    o caso do direito probatrio, j que o Cdigo vigente s se aplica aos processos pendentesquando se trate de prova requerida ou determinada de ofcio aps sua entrada em vigor (art.

  • 1.047).As disposies do CPC de 1973 permanecem aplicveis aos processos de execuo por

    quantia certa contra devedor insolvente (art. 1.052), matria no regulada expressamente pelovigente Cdigo de Processo Civil.

    Tambm em relao aos limites objetivos da coisa julgada preciso observar que, por forado art. 1.054, o disposto no art. 503, 1o, s se aplica a processos instaurados sob a gide dovigente CPC (por fora do qual a resoluo de questo prejudicial pode, desde que observadasalgumas exigncias, ser alcanada pela coisa julgada material). No caso de processo instauradoainda ao tempo da vigncia do Cdigo anterior a resoluo da questo prejudicial no alcanada pela coisa julgada, salvo se tiver sido proposta uma ao declaratria incidental(arts. 5o, 325, 469, III, e 470 do Cdigo de 1973).

    Outro caso de ultra-atividade de dispositivos do Cdigo de 1973 resulta do art. 1.057, porfora do qual o disposto nos arts. 525, 14 e 15, e no art. 535, 7o e 8o, aplica-se sdecises transitadas em julgado aps a entrada em vigor deste Cdigo, e, s decisestransitadas anteriormente, aplica-se o disposto nos arts. 475-L, 1o, e 741, pargrafo nico, daLei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (o Cdigo de 1973). Todos esses dispositivos tratam domesmo tema: a desconsiderao da coisa julgada nos casos em que a deciso judicial tenha sidobaseada em lei (ou ato normativo) declarada inconstitucional pelo STF, ou em interpretao delei (ou ato normativo) tida, pelo STF, como incompatvel com a Constituio.

    Por fim, trata-se, no art. 15, da aplicao subsidiria do CPC s demais leis processuais. que o Cdigo de Processo Civil a lei processual comum, assim entendida a lei processualbsica, que rege os processos em geral (e no s os processos civis). Assim que o referidodispositivo legal estabelece, expressamente, que [n]a ausncia de normas que regulemprocessos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposies deste Cdigo lhes seroaplicadas supletiva e subsidiariamente.

    Nos processos eleitorais, o Cdigo de Processo Civil ser aplicvel subsidiariamente, salvoquando se trate de processo penal (dos crimes eleitorais e dos crimes comuns que lhes soconexos), caso em que se aplica subsidiariamente o Cdigo de Processo Penal (art. 364 doCdigo Eleitoral).

    Nos processos trabalhistas a aplicao subsidiria do Cdigo de Processo Civil estabelecida tambm pelo 769 da CLT, por fora do qual nos casos omissos, o direitoprocessual comum ser fonte subsidiria do direito processual do trabalho, exceto naquilo emque for incompatvel com as normas deste Ttulo [do processo trabalhista].

    J no que concerne ao processo administrativo, a aplicao subsidiria do CPC resultaexpressamente deste art. 15, no havendo outro dispositivo especfico a estabelecer talaplicabilidade.

    A aplicabilidade subsidiria do Cdigo de Processo Civil vai muito alm do que constaexpressamente do texto do art. 15, porm. Em primeiro lugar, preciso recordar a aplicaosubsidiria do CPC ao processo penal, como expressamente tem reconhecido a jurisprudnciado STJ. Alm disso, o CPC subsidiariamente aplicvel a outras leis processuais, como ocaso da Lei de Locaes (art. 79 da Lei no 8.245/1991) e de outras leis que sequer fazemexpressa aluso ao ponto (como o caso da Lei do mandado de segurana). Vale, alis, frisarque o art. 1.046, 2o, expressamente estabelece que o Cdigo de Processo Civil subsidiariamente aplicvel aos procedimentos regulados em outras leis, o que afasta por

  • completo qualquer risco de que se venha a sustentar (como tanto j se sustentou em relao aleis que no o estabelecem expressamente, como o caso das leis que regula(ra)m o mandadode segurana e os Juizados Especiais Cveis) a impossibilidade de aplicao subsidiria doCPC.

    Certo que o Cdigo de Processo Civil veicula a lei processual comum, a ser aplicadacomo regra geral a todos os processos judiciais ou administrativos em curso no Brasil,ressalvada apenas a existncia de lei especfica (como o caso do Cdigo de Processo Penal,da Consolidao das Leis do Trabalho ou da Lei de Processos Administrativos Federais) ou, nocaso de omisso da lei especfica, de incompatibilidade entre esta e a lei geral (caso em que sefala de aplicao subsidiria do CPC). Alm disso, o Cdigo de Processo Civil se aplica aosprocessos eleitorais, trabalhistas e administrativos em carter supletivo.

    Aplicao supletiva no se confunde com aplicao subsidiria. Esta se d na ausncia dedisposio normativa especfica. J quando se fala em aplicao supletiva, o que se tem umainterao entre a lei especfica e a lei geral (que, no caso em exame, o CPC), de modo queser necessrio interpretar a lei especfica levando-se em considerao o que consta da leigeral. No ser possvel, portanto, interpretar as disposies processuais da legislao eleitoralou da Consolidao das Leis do Trabalho sem levar em considerao o Cdigo de ProcessoCivil.

  • 3INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL

    3.1 ProcessoO direito processual construdo sobre uma estrutura composta por trs institutos

    fundamentais: processo, jurisdio e ao. Devem eles ser examinados exatamente nesta ordem.O processo o instrumento pelo qual a Democracia exercida e, em um Estado Democrtico deDireito, todo e qualquer ato estatal de poder (e no s os estatais, mas aqui apenas estes soobjeto de considerao) deve ser construdo atravs de processos, sob pena de no terlegitimidade democrtica e, por conseguinte, ser incompatvel com o Estado Constitucional.

    O processo mecanismo de exerccio do poder democrtico estatal, e atravs dele que soconstrudos os atos jurisdicionais. Assim, aps o exame do processo, impende examinar ajurisdio, uma das funes estatais. Por fim, dada a inrcia caracterstica da jurisdio, preciso examinar a ao, fenmeno que permite provocar sua atuao.

    Inicia-se, assim, o exame dos institutos fundamentais do direito processual pelo processo.Pois este precisa ser compreendido segundo o paradigma do Estado Democrtico de Direito.

    Assim, preciso buscar determinar o que seja o processo no Estado Constitucional. Por contadisso, impe-se ter claro que no Estado Democrtico de Direito o exerccio do poder estatal s legtimo se os atos de poder (provimentos ou pronunciamentos) forem construdos atravs deprocedimentos que se desenvolvam em contraditrio.

    Explique-se o ponto um pouco melhor: a construo dos provimentos estatais exige odesenvolvimento de um procedimento, isto , de uma sequncia ordenada de atos logicamenteencadeados e destinados produo de um resultado final. Cada um desses atos que compem oprocedimento regido por alguma norma jurdica, a qual confere legitimidade ao ato a que serefere. H, pois, uma sequncia de normas jurdicas a regular uma sequncia de atos que,logicamente encadeados, compem o procedimento.

    O encadeamento lgico a que se fez referncia significa que cada um dos atos componentesdo procedimento se vincula ao seu antecedente e ao ato seguinte, exatamente como os elos deuma corrente (com a evidente ressalva do primeiro ato que no se liga a nenhum atoantecedente e do ltimo que no se liga a nenhum ato seguinte). Os atos precisam, ento, serpraticados observando-se a ordem previamente estabelecida para que o resultado final possaser alcanado. A ordem no necessariamente rigorosa a ponto de jamais poder ser alterada.Evidentemente h casos em que se pode modificar esta ordem, sem prejuzo (e muitas vezes comevidente vantagem) para a produo do resultado final. Assim que, por exemplo, possvelinverter-se a ordem dos atos probatrios (o que expressamente autorizado pelo art. 139, VI),sempre que isso for capaz de tornar o processo mais eficiente (pense-se, por exemplo, em umprocesso que tenha por objeto uma pretenso de reparao de dano, no qual que se pretendaproduzir prova testemunhal para demonstrar que o ru foi o agente da conduta geradora do dano,e prova pericial para comprovar a extenso do dano: perfeitamente possvel inverter a ordemdos atos do procedimento, colhendo-se primeiro a prova testemunhal, uma vez que no tendosido o ru o responsvel pela conduta ensejadora do dano no h sequer razo para colher-se a

  • prova pericial). Ressalvada a possibilidade de flexibilizao procedimental, portanto, a qual limitada (jamais seria possvel, por exemplo, realizar-se a audincia de instruo e julgamentoantes da citao do demandado, ou abrir vista dos autos ao demandante para falar em rplicaantes do oferecimento pelo demandado da contestao), o procedimento deve observar umaordem predeterminada dos atos que o compem, os quais so, como dito, logicamenteencadeados.

    Pois esse procedimento de construo do provimento estatal precisa desenvolver-se comobservncia do princpio, j examinado, do contraditrio. que este, compreendido comogarantia de participao com influncia e de no surpresa, permite a participao efetiva dosinteressados no resultado em sua construo. Pois essa participao com influncia o queconfere legitimidade democrtica ao provimento estatal, tornando-o constitucionalmentelegtimo. O contraditrio , pois, fator de legitimao democrtica dos atos de poder estatais(entre os quais, evidentemente, se encontram os resultados dos processos judiciais). Por contadisso, impe-se conceituar processo como um procedimento em contraditrio.

    importante observar que esta concepo sobre o conceito de processo incompatvel coma teoria, majoritariamente aceita na doutrina brasileira, acerca da existncia de uma relaojurdica processual. que a relao processual (entendida como relao jurdica de direitopblico, composta minimamente por trs sujeitos Estado-Juiz, demandante e demandado edistinta da relao jurdica de direito material deduzida no processo) revela uma ultrapassadaconcepo acerca do processo como mecanismo de construo de decises (e outros atos depoder) a ser conduzido pelo Estado, atravs de seus agentes polticos (como, por exemplo, ojuiz), em busca de um resultado que por este seja construdo na realizao dos seus prpriosescopos, o que pe a participao das partes, titulares dos interesses a serem alcanados peloprovimento, em uma posio menor, de inferioridade. A teoria da relao processual pressupeuma superioridade estatal na conduo do processo que incompatvel com a mais modernaconcepo de Estado Constitucional. O processo no pode mais ser compreendido como ummecanismo a ser conduzido pelo juiz como seu sujeito mais importante. preciso ter doprocesso uma viso participativa, policntrica, por fora da qual juiz e partes constroem, juntos,seu resultado final. No existe, pois, uma relao processual entre Estado-Juiz e partes, com oEstado em posio de superioridade. O que existe um procedimento em contraditriodestinado construo dos provimentos estatais, em que todos os sujeitos interessadosparticipam, em igualdade de condies, na produo do resultado. Este procedimentocomparticipativo, policntrico, que se desenvolve em contraditrio , precisamente, o processo.

    A instaurao e regular desenvolvimento do processo dependem do preenchimento de algunsrequisitos, conhecidos como pressupostos processuais . Estes se dividem em duas categorias:pressupostos de existncia e pressupostos de validade.

    A ausncia de algum pressuposto de existncia implica a prpria inexistncia jurdica doprocesso. Dito de outro modo, faltando algum pressuposto de existncia no se estar diante deum verdadeiro processo. Neste caso, deve o juzo, por ato meramente administrativo,determinar o cancelamento da distribuio e de todos os registros referentes quele processo(que no verdadeiramente um processo). Perceba-se que neste caso no se pode cogitar deuma sentena de extino do processo, pois no se pode extinguir o que no existe.

    Presentes todos os pressupostos de existncia, haver processo. Neste caso, ento, serpreciso verificar se foram preenchidos os pressupostos de validade. A ausncia de pressupostode validade implica a extino do processo (existente) sem resoluo do mrito, nos termos do

  • art. 485, IV.Impende ter claro, porm, que, verificada a ausncia de pressuposto de validade, sempre

    ser preciso apurar a possibilidade de correo do vcio. Sanado este, o processo poder seguirregularmente em direo ao provimento de mrito. Apenas no caso de no vir a ser sanado ovcio que o processo dever ser extinto.

    So pressupostos processuais um juzo investido de jurisdio, partes capazes e umademanda regularmente formulada.

    preciso, porm, ter claro que so pressupostos de existncia um juzo, partes e umademanda. Sem algum destes no haver processo. Presentes esses pressupostos de existncia, odesenvolvimento vlido e regular do processo exigir a investidura do juzo, a capacidadeprocessual e a regularidade formal da demanda.

    O primeiro pressuposto processual um juzo investido de jurisdio. Antes de tudo, exige-se que o processo instaure-se perante um juzo, isto , perante um rgo jurisdicional do Estado.Evidentemente, este pressuposto s exigido porque se est a estudar o processo jurisdicional.Processos outros, de naturezas distintas, tm seus prprios pressupostos de existncia e devalidade. Mas para que exista processo jurisdicional preciso que ele se instaure perante umrgo jurisdicional do Estado. Assim, por exemplo, no caso de se ajuizar demanda perante umrgo administrativo (como seria, por exemplo, a Corregedoria de Justia de um tribunal, ouuma Delegacia de Polcia), no haver processo jurisdicional.

    Instaurado o processo perante um juzo, porm, sua validade depender da investidura dorgo jurisdicional. Entenda-se: a Constituio da Repblica estabelece a estrutura doJudicirio brasileiro, dividindo-o em diversos segmentos (Supremo Tribunal Federal, SuperiorTribunal de Justia, Justia Militar, Justia Eleitoral, Justia do Trabalho, Justia Federal eJustia Estadual, ficando de fora desta lista o Conselho Nacional de Justia porque, noobstante integre o Judicirio, no rgo jurisdicional, mas meramente administrativo). Aprpria Constituio da Repblica estabelece, entre esses rgos jurisdicionais, uma diviso detrabalho, fixando os casos em que cada um desses segmentos do Judicirio poder atuar. Assim,por exemplo, incumbe ao Supremo Tribunal Federal conhecer de mandados de segurana queimpugnem atos praticados pelo Presidente da Repblica; incumbe Justia Federal conhecerdos processos em que a Unio seja demandante, demandada, assistente ou opoente; incumbe Justia Estadual conhecer de causas relativas a Direito de Famlia, e assim por diante.

    A essa rea de atuao de cada um dos organismos jurisdicionais constitucionalmenteprevistos d-se o nome de investidura (embora haja quem prefira denomin-la competnciaconstitucional). Investidura, e no competncia, pois este termo que deve ser reservado paradesignar a rea de atuao de cada um dos rgos jurisdicionais. Assim, por exemplo, deve-sefalar em investidura da Justia Estadual e em competncia da Vara de Famlia (ou da VaraEmpresarial, ou da Vara Cvel), assim como se deve falar em investidura da Justia Federal eem competncia das Varas Previdencirias.

    A investidura de cada uma das Justias pressuposto processual de validade, poiscorresponde exigncia de que o processo tramite perante o juiz natural, o qual devecorresponder ao juzo com competncia constitucional preconstituda. Em outros termos, ojuiz natural da causa o juzo com investidura para atuar naquele tipo de causa.

    Este ponto relevante, e que precisa ser mencionado (mxime pelo fato de que o CPC nofaz meno ao princpio do juiz natural quando apresenta as normas fundamentais do processocivil, embora tal princpio integre o modelo constitucional de processo civil brasileiro).

  • Todo processo deve desenvolver-se perante seu juiz natural. Por juiz natural deve-seentender o juzo constitucional, isto , o juzo com competncia constitucional (rectius,investidura de jurisdio) para a causa. Assim, por exemplo, o juiz natural de um processo quetenha a Unio como demandante a Justia Federal; o juiz natural das causas trabalhistas aJustia do Trabalho; o juiz natural das causas de famlia a Justia Estadual, e assim por diante.

    Perceba-se que a competncia (fenmeno de que se tratar adiante) no est vinculada aoprincpio do juiz natural. Assim, no caso de o processo instaurar-se na Justia certa, mas naVara errada (pense-se, por exemplo, no caso de um processo de divrcio que se instaureperante uma Vara Cvel, e no perante Vara de Famlia), estar-se- diante de um caso deincompetncia, mas no faltar pressuposto de validade do processo, j que o juzo cvel, porintegrar a Justia Estadual (a mesma a que pertence o juzo de famlia), pertence ao juiz naturalda causa. Neste caso h um vcio menos grave, de falta de competncia, sem qualquer afronta snormas constitucionais (mas com violao de norma infraconstitucional). Como se ver adiante,isto ter consequncias relevantes.

    que a Constituio da Repblica veda a existncia de juzo ou tribunal de exceo (art. 5o,XXXVII). Da se extrai a exigncia de que o juiz natural seja um juzo com investidurapreconstituda. Em outros termos, quando uma causa levada ao Judicirio, impe a normaconstitucional que ela seja submetida apreciao de rgo jurisdicional que tinha, poca emque ocorreram os fatos que sero debatidos, competncia constitucional para dela conhecer.Eventuais mudanas de investidura (as quais podem ocorrer por Emenda Constitucional) spodem alcanar fatos posteriores, no podendo retroagir para alcanar fatos a ela anteriores,sob pena de violar-se a garantia do juiz natural. Figure-se um exemplo: imagine-se um ato ilegalpraticado por Presidente da Repblica, contra o qual se pretenda impetrar mandado desegurana. Estabelece a Constituio da Repblica que o conhecimento dessa causa cabe aoSupremo Tribunal Federal. Pense-se, agora, na possibilidade de vir a ser aprovada uma EmendaConstitucional transferindo o conhecimento dessa causa para o Superior Tribunal de Justia.Pois bem: a Emenda s se aplicaria a mandados de segurana destinados a impugnar atospraticados pelo Presidente da Repblica aps sua vigncia. Um mandado de seguranaimpetrado aps a vigncia da Emenda mas que se destine a impugnar ato praticado antes deladever ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, juiz natural da causa.

    Imagine-se, agora, que, em vez da mencionada (e hipottic