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abril de 2018 Distribuição Gratuita TESTAR. DIAGNOSTICAR. TRATAR. APESAR DE TODOS OS AVANÇOS MÉDICOS, ESTIMA-SE QUE CERCA DE 70 A 90% DAS PESSOAS QUE VIVEM COM AS DIFERENTES FORMAS DE IDP AINDA PERMANEÇAM SEM DIAGNÓSTICO. A SEMANA MUNDIAL DE IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS TEM ESTE ANO COMO FOCO O DIAGNÓSTICO ATEMPADO, DESAFIANDO A UM ESFORÇO CONJUNTO PARA SENSIBILIZAR E DEFENDER MUDANÇAS POSITIVAS QUE ASSEGUREM A REALIZAÇÃO DE TESTES. O OBJETIVO É GARANTIR QUE AS PESSOAS COM IDP TENHAM ACESSO AOS TRATAMENTOS DE QUE PRECISAM PARA VIVER AS SUAS VIDAS EM PLENO. semana mundial de imunodeficiências primárias JORNAL DE O PAPEL DO ENFERMEIRO CUIDAR, ORIENTAR E ENSINAR P.4 EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO P.2 AS IDP NA 1.ª PESSOA P.5 PORTUGAL ESTÁ NO CAMINHO CERTO P.6 EM CAMPANHA PELO DIAGNÓSTICO ATEMPADO P.7 IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS COM O APOIO DE

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abril de 2018

Distribuição Gratuita

TESTAR. DIAGNOSTICAR. TRATAR.

APESAR DE TODOS OS AVANÇOS MÉDICOS, ESTIMA-SE QUE CERCA DE 70 A 90% DAS PESSOAS QUE VIVEM COM AS DIFERENTES FORMAS DE IDP AINDA PERMANEÇAM SEM DIAGNÓSTICO. A SEMANA MUNDIAL DE IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS TEM ESTE ANO COMO FOCO O DIAGNÓSTICO ATEMPADO, DESAFIANDO A UM ESFORÇO CONJUNTO PARA SENSIBILIZAR E DEFENDER MUDANÇAS POSITIVAS QUE ASSEGUREM A REALIZAÇÃO DE TESTES. O OBJETIVO É GARANTIR QUE AS PESSOAS COM IDP TENHAM ACESSO AOS TRATAMENTOS DE QUE PRECISAM PARA VIVER AS SUAS VIDAS EM PLENO.

semana mundial de imunodeficiências primárias

JORNAL DE

O PAPEL DO ENFERMEIRO CUIDAR, ORIENTAR E ENSINAR P.4

EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃOP.2

AS IDP NA 1.ª PESSOAP.5

PORTUGAL ESTÁ NO CAMINHO CERTO P.6

EM CAMPANHA PELO DIAGNÓSTICO ATEMPADOP.7

IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS

COM O APOIO DE

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JORNAL DE SAÚDE PÚBLICA

COORDENAÇÃO: SANDRA SILVA | [email protected]

CONTEÚDOS: SANDRA SILVA , DIANA MARTINS, SARA SOUSA

DESIGN: CONCEIÇÃO MATOS

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IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS (IDP)

No nosso país tem sido feito um esforço muito importante de divulgação das Imuno-deficiências Primárias entre a Comunidade Médica. Este trabalho foi sobretudo iniciado no âmbito da Pediatria e, mais recentemen-

te, entre as múltiplas especialidades que observam adultos potencialmente com IDP, em particular a Medicina Geral e Familiar e a Medicina Interna, mas também a Pneu-mologia, a Gastrenterologia, Otorrinolarin-gologia, Hematologia, Dermatologia, entre outras. Todo este esforço, que os centros que se dedicam ao diagnóstico e tratamen-to de doentes com IDP têm desenvolvido, resultou, progressivamente, num aumento significativo do diagnóstico e referenciação de doentes, traduzindo-se na facilitação do acesso a cuidados diferenciados e a tera-pêutica adequada. Atualmente, dispomos de centros com ca-pacidade para efetuar este diagnóstico, não só em termos de recursos humanos com a diferenciação necessária, como em termos de equipamentos. A maior lacuna a preen-cher será, talvez, a nossa resposta ao estu-do genético dos doentes, algo que hoje em dia se impõe em algumas doenças e será, provavelmente, cada vez mais incontorná-vel no futuro.Quanto ao tratamento, existe um grande nú-mero de doentes sob terapêutica de substi-

AS IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS (IDP) SÃO UM CONJUNTO AMPLO E HETEROGÉNEO DE DEFICIÊNCIAS CONGÉNITAS QUE AFETAM O DESENVOLVIMENTO E A FUNÇÃO DO SISTEMA IMUNITÁRIO TENDO COMO ORIGEM, GERALMENTE, DEFEITOS GENÉTICOS, E TRADUZINDO-SE NUMA MAIOR SUSCETIBILIDADE PARA CONTRAIR INFEÇÕES. EMBORA RARAS E POUCO CONHECIDAS, AFETAM, NO SEU TODO, UMA IMPORTANTE PARCELA DA POPULAÇÃO E, PRINCIPALMENTE QUANDO SURGEM NO PERÍODO PÓS-NATAL/INFÂNCIA, PODEM SER FATAIS NA AUSÊNCIA DE UM DIAGNÓSTICO ATEMPADO.EM PORTUGAL, ESTIMA-SE QUE EXISTAM MAIS DE MIL DOENTES COM IDP, SEGUNDO UM LEVANTAMENTO NACIONAL.

EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO

SUSANA LOPES DA SILVA

Assistente Hospitalarde Imunoalergologia

Centro de Imunodeficiências Primárias

Centro Académico de Medicinade Lisboa

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JORNAL DE SAÚDE PÚBLICA

tuição com imunoglobulina G, por via endo-venosa ou subcutânea, que no nosso país tem sido salvaguardada ao longo dos anos. O estudo genético e a caracterização imu-nológica diferenciada, na avaliação em cen-tros dedicados às IDP, são fundamentais para identificar casos individuais em que podem ser feitas terapêuticas dirigidas com benefício clínico e menor iatrogenia. No capítulo da terapêutica, é imperiosa, a nível nacional, a criação de um centro de transplante de células estaminais dedicado às IDP, uma vez que apresenta inúmeras particularidades que justificam a diferen-ciação nesta área. Pela raridade destas patologias, seria ideal direcionar os casos num centro único permitindo o desenvolvi-mento da equipa assistencial, evitando as múltiplas deslocações de doentes e famílias para o estrangeiro, com os custos inerentes a esta situação. De notar, ainda, que o alar-gamento das indicações para transplante em IDP e a melhoria dos seus resultados, inclusivamente em adultos, levará tenden-cialmente a um aumento progressivo do número de casos.

RASTREIO NEONATALO rastreio neonatal de imunodeficiências graves é já uma realidade na maioria dos es-tados nos Estados Unidos da América, e em muitos países da Europa, inclusivamente em províncias da vizinha Espanha. O Grupo Português de Imunodeficiências Primárias (GPIP), um grupo de interesse da Sociedade Portuguesa de Imunologia (SPI), que reúne médicos e investigadores com ati-vidade dedicada às IDP, fez já uma proposta, a nível nacional, para que este rastreio fosse integrado no “Teste do Pezinho”. Na realida-de, a ideia seria tomar partido da estrutura que está montada, e funciona muito bem, e fazer o investimento que permitisse incor-porar este rastreio na mesma gota de san-gue que é usada para os estudos metabó-licos. O custo de manutenção do programa de rastreio anual será incomparavelmente mais baixo do que os custos decorrentes da morbilidade/mortalidade associada aos ca-sos identificados. A identificação nenonatal destes casos permitirá uma referenciação precoce a terapêuticas curativas com resul-tados muito mais favoráveis.

VIVER COM IDPAs IDP são um grupo muito heterogéneo de doenças em termos de gravidade. Felizmen-te, o progresso nesta área tem contribuído para uma melhoria significativa na qualidade de vida destes doentes. De qualquer forma, em muitos casos, os doentes têm múltiplas complicações que be-neficiam do seguimento em centros especia-lizados, com uma organização de cuidados multidisciplinar, mas centrada no doente. A transição para a idade adulta, que é também uma fase crítica, deve ser preparada em co-laboração com pediatras e com a equipa que recebe o jovem, na maioria das vezes, ainda relativamente pouco autónomo em relação aos seus cuidados. É fundamental que se re-conheçam as particularidades destes doen-tes e a vantagem de ter uma equipa dedicada e polivalente.Outro aspeto muito importante na organiza-ção da prestação de cuidados em IDP, como em todas as doenças raras, é o estabeleci-mento de colaborações entre centros nacio-nais e também com centros internacionais.

ESID EM PORTUGAL Em 2018 teremos, em Lisboa, a reunião internacional mais importante na área das IDP, a reunião da Sociedade Europeia de Imunodeficiências.

Será uma ocasião para motivar ainda mais a comunidade médica para este tema e alertar para o diagnóstico e referenciação dos doentes com IDP. Será também um bom estímulo para avançarmos no senti-

do da implementação do rastreio neonatal e da organização de uma resposta nacio-nal adequada aos casos que beneficiam de abordagem curativa por meio de trans-plante de células estaminais.

De acordo com a pediatra Laura Mar-ques, “o diagnóstico tem evoluído de forma positiva: temos capacidade para diagnosticar e temos diversas equipas a trabalhar no país”. “A co-munidade pediátrica está sensibili-zada e alerta para o diagnóstico das IDP e para a sua referenciação rápida a centros com experiência. A comu-nidade médica que trata adultos está também a ser alertada e formada nesse sentido, mas existe ainda um caminho a percorrer”, acrescenta.“Para a grande maioria das doenças, o diagnóstico pode ser feito através de testes de rastreio muito simples, como o hemograma ou a medição da respos-ta a infeções ou vacinas”, aponta João Farela Neves, revelando que existem outros testes funcionais, genéticos e de caracterização, que não estão disponí-veis de uma forma tão generalizada.Na perspetiva de Laura Marques, existem “bons laboratórios de Imu-nologia” e já é possível efetuar alguns testes genéticos em Portugal, no en-tanto, salienta, “esta área necessita de mais investimento e desenvolvi-

mento”, ainda que, atualmente, atra-vés de protocolos com centros inter-nacionais, sejam realizados “todos os testes necessários que não estão disponíveis no nosso país”.Um dos progressos necessários, na opinião da pediatra, seria a implemen-tação do rastreio neonatal das IDP: “Atualmente, é possível diagnosticar algumas IDP ao nascer no “teste do pezinho”. Esse diagnóstico precoce permite tratar e curar estes bebés an-tes de ficarem doentes e pode signifi-car a diferença entre a vida e a morte para eles”. “É um teste simples e bara-to que poderíamos facilmente adicio-nar aos que já são efetuados, e que já está a ser feito nos Estados Unidos da América e em diferentes países euro-peus como a Espanha”, refere. O GPIP elaborou uma proposta para a sua realização em Portugal à Comis-são Nacional do Rastreio Neonatal em 2016, porém ainda não foi obtida uma resposta, para este passo que, nas palavras de Laura Marques, “iria levar a um avanço fantástico no diagnósti-co e tratamento destas doenças”.

DIAGNÓSTICO: O QUE FALTA FAZER?

O GRUPO PORTUGUÊS DE IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS (GPIP), UM GRUPO DE INTERESSE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE IMUNOLOGIA (SPI), QUE REÚNE MÉDICOS E INVESTIGADORES COM ATIVIDADE DEDICADA ÀS IDP, FEZ JÁ UMA PROPOSTA, A NÍVEL NACIONAL, PARA QUE ESTE RASTREIO FOSSE INTEGRADO NO “TESTEDO PEZINHO”

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JORNAL DE SAÚDE PÚBLICA

CLÁUDIA GASPAR

Enfermeira Especialista na área Médico-Cirúrgica do Serviço

de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria

PARA ALÉM DISSO, A PROXIMIDADE QUE A RELAÇÃO TERAPÊUTICA ENTRE ENFERMEIRO-DOENTE EXIGE, IMPRIME CONTINUIDADE À PRESTAÇÃO DE CUIDADOS DE ENFERMAGEM, PRESTADOS EM CONTEXTO DE AMBULATÓRIO

biente hospitalar, cumprimento do plano de vacinação e da profilaxia antibiótica;- Na adesão ao regime terapêutico, através da explicação da importância e benefícios do tratamento, e do cumprimento do mesmo, bem como as reações adversas possíveis.

Sendo o tratamento das IDP multidisci-plinar, qual o papel dos enfermeiros neste processo e a sua importância no acom-panhamento dos doentes.As Imunodeficiências Primárias (IDP) são um grupo de doenças crónicas, que se manifesta por alterações de um ou mais componentes do sistema imunológico, sendo as infeções recorrentes, graves e duradouras a patologia predominante.O objetivo major dos cuidados de enfer-magem será capacitar estes doentes na gestão do seu processo de transição saú-de-doença, sendo as suas intervenções na área do cuidar, orientar e ensinar.Os enfermeiros atuam na promoção do autocuidado, na adesão terapêutica e na prevenção de complicações tendo como alvo o doente, família ou cuidador.A proximidade que a relação terapêutica entre enfermeiro-doente exige, imprime continuidade à prestação de cuidados de enfermagem, prestados em contexto de ambulatório.O enfermeiro, sendo o profissional de saú-de que mais tempo passa junto do doente e da família/cuidador, assume um impor-tante papel de mediador entre a vida social e “a vida hospitalar”, negociando com o doente estratégias que promovam, apesar da doença, uma melhor qualidade de vida.

Quais os maiores cuidados que necessita um doente com uma doença do foro das IDP?As principais intervenções dos enfermei-ros agrupam-se em três áreas:- Na promoção do autocuidado, pela trans-missão de informação, ensino e incentivo à adoção de hábitos e estilos de vida sau-dáveis, de comportamentos que ajudem a prevenir o aparecimento/agravamento de infeções, nomeadamente a importância da lavagem das mãos, higiene pessoal, higiene alimentar, uso de máscara em am-

O tratamento de eleição apresentado ao doente com IDP é o tratamento de subs-tituição de gamaglobulina (administração endovenosa/subcutânea), que tem por objetivo criar no doente imunidade, de for-ma a responder aos vários agentes infe-ciosos, com que se depara no dia a dia.No Hospital de Dia de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria, os enfermei-ro são responsáveis pela administração de Imunoglobulina G Humana EV, habi-tualmente de 3 em 3 ou 4 em 4 semanas, bem como pelo ensino, ao doente, para a autoadministração de Imunoglobulina SC, com periocidade semanal.A autoadministração de Imunoglobulina subcutânea, no domicílio, permite ao doen-te manter as suas rotinas, diminuir o ab-sentismo laboral/escolar e, paralelamente, permitir a realização de outros tratamentos em Hospital de Dia. Assiste-se, assim, a uma maior autonomia do doente face ao seu processo de doença, com ganhos pes-soais e também socioeconómicos.-Na educação para a saúde, através de programas de ensino que permitam ca-pacitar os doentes na prevenção das infe-

SÓNIA FERNANDES

Enfermeira Graduada do Serviço de Imunoalergologia

do Hospital de Santa Maria

IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS (IDP)

O PAPEL DO ENFERMEIRO

CUIDAR, ORIENTAR E ENSINAR

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JORNAL DE SAÚDE PÚBLICA

“Desde que nasci, tive vários problemas de saúde, muitas infeções graves que foram ultrapassa-das sem saber o que as provocava.Só muito mais tarde, por volta dos 15 anos, me foi diagnosticada Granulomatose Crónica.O diagnóstico permitiu-me, finalmente, perceber porque é que tinha tantas infeções, com-preender porque é que o meu corpo não as conseguia combater eficazmente e, principalmente, quais os cuidados a ter para tentar evitar ficar doente. Nesse sentido, o diagnóstico salvou-me e permitiu-me aceitar a doença e as suas consequências, a nível pessoal, escolar e profissional. Ao longo da vida contei sempre com o apoio da minha família nos momentos menos bons.Tive a felicidade de encontrar profissionais de saúde no Hospital de Santa Maria, que é um dos Centros de Referência das Imunodeficiências, que me acompanham regularmente e me permitem levar uma vida quase normal.Atualmente, pertenço aos órgãos sociais da APDIP (Associação Portuguesa de Doentes com Imunodeficiências Primárias), que presta apoio aos doentes e respetivos familiares.A investigação científica tem permitido grandes desenvolvimentos na terapia genética mas, atualmente, a cura da granulomatose crónica só é possível com um transplante de medula óssea. Por isso, deixo o meu apelo para a dádiva de sangue e a inscrição como dadores de medula óssea.”

“Foi com 22 anos, quando tive o diagnóstico de IDP, que finalmente percebi porque nasci, cresci e vivi doente. Gosto de acreditar de nada acontece por acaso e que devemos sem-pre tentar tirar algo positivo das nossas experiências. Assim que comecei o tratamento adequado, nunca mais fui diferente de qualquer pessoa e a minha experiência de vida deu-me mais garra e vontade para conquistar tudo a que me proponho.”

AS IDP NA 1.ª PESSOA

“O meu testemunho passa pela história da minha irmã gémea, que esteve sete anos sem diagnóstico, com pneumonias de repetição, muitas infeções pulmonares e proble-mas intestinais. Decorrido esse tempo, nasceu a minha filha, e desde esse dia comecei a ter os mesmos sintomas da minha irmã: cada vez que saía de casa, adoecia, ficava sem força e não conseguia fazer rigorosamente nada, tomava antibiótico e melhorava nessa semana, depois recaía novamente, parecia que ambas tínhamos que estar numa redoma de vidro para estarmos bem. Felizmente, a vida cruzou-nos com a Dra. Susana Silva, a partir daí foi-nos diagnosti-cada a doença, uma Imunodeficiência Comum Variável, e demos início ao tratamento com imunoglobulinas por via endovenosa. Agora, é raro adoecermos, somos acompa-nhadas clinicamente no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e voltámos a ter uma vida normal, com qualidade de vida!”

ções e, quando tal não é possível, no diag-nóstico precoce de sintomas indicadores de infeção.

Da vossa experiência, quais os maiores desafios que enfrentam na sua vida os doentes afetados por estas patologias?O doente com IDP tem de aprender a viver com uma doença crónica, o que não é fácil.Do nosso ponto de vista, no momento do diagnóstico e ao longo do seu ciclo de vida, estes doentes deparam-se com a ne-cessidade de adotar novos hábitos de vida que lhes permitam gerir a doença e a sua sintomatologia.As IDP estão associadas a um elevado nível de limitações físicas, isto porque para além de atingir a via aérea, aparelho gastrointestinal, pele e mucosas, fazem parte das suas manifestações clínicas outras patologias, como as doenças au-toimunes, inflamatórias, alérgicas e neo-plásicas.As IDP têm um elevado impacto psicoló-gico e social no doente e família/cuidador. As múltiplas vindas ao Hospital, pelo agra-vamento da doença e/ou necessidade de realizar tratamento, apesar de serem mini-mizadas por ser realizado em contexto de ambulatório, causam sempre transtorno e limitações na vida pessoal, familiar e pro-fissional do doente.O grande desafio destes doentes é con-seguir ter uma vida com qualidade, para além da doença, e o grande desafio dos enfermeiros é prestar cuidados cada vez mais diferenciados e individualizados. Neste âmbito, estamos a desenvolver a Consulta de Enfermagem, no Hospital de Dia de Imunoalergologia, que tem como objetivo proporcionar ao doente com IDP e família/cuidador informação geradora de aprendizagem cognitiva e de novas capacidades para maximizar o seu bem--estar, autocuidado e qualidade devida.Durante a Consulta de Enfermagem, serão explicadas formas de prevenir, identificar e atuar perante as complicações asso-ciadas às IDP e as formas de tratamento; proporcionadas orientações que capaci-tem o doente para o autocuidado e incen-tivo à adesão terapêutica. A validação dos conhecimentos transmitidos confirma o ciclo de educação em saúde, que torna o doente membro ativo do seu processo de transição saúde-doença, e agente do seu autocuidado.

CÁTIA SOUSA 29 anos

Consultora numa das Big Four

PEDIMOS O TESTEMUNHO DE ALGUNS DOENTES QUE ENFRENTAM DIARIAMENTE ESTAS DOENÇAS.

ALBERTO RODRIGO CASACA39 anos

Professor

MARIA JOÃO MOUZINHO50 anos

Técnica de Informática

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PORTUGAL ESTÁ NO CAMINHO CERTO

RICARDO PEREIRA

Presidente da Associação Portuguesa de Doentes com Imunodeficiências

Primárias (APDIP)

Quais os maiores desafios que enfrentam os doentes com doenças do foro das IDP? Podemos começar pelo seu diagnóstico. In-felizmente, muitos doentes são diagnostica-dos muito tarde, o que faz com que fiquem mais susceptíveis a infecções e ao desen-volvimento de complicações mais sérias em termos de saúde. O mau acompanhamento pelo respetivo médico (sobretudo médico de família / centro de saúde), muitas das vezes, gera maus episódios de doença, angustian-tes e marcantes, os quais podem gerar incer-teza e medo ao longo da vida destes doentes. Para além disso, dependendo da variante da IDP, o diagnóstico poderá ocorrer logo nos primeiros meses de vida do doente ou somente na idade adulta. Após o diagnósti-co, vem a fase da aceitação, que, conforme a idade do doente, se trata sempre de um

Existe conhecimento sobre estas patolo-gias ou as pessoas ainda recebem o diag-nóstico com grande desconhecimento e surpresa?Gostaria de afirmar o contrário, mas in-felizmente ainda existe um grande des-

CRIADA COM A FINALIDADE DE APOIAR OS DOENTES COM IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS EM PORTUGAL, AO LONGO DOS ÚLTIMOS ANOS O TRABALHO DA APDIP CENTROU-SE NO RECONHECIMENTO DO ESTATUTO E CONDIÇÕES DOS DOENTES COM IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS, TANTO A NÍVEL NACIONAL COMO MUNDIAL.

jogo psicológico e muitos deles têm de ser acompanhados por profissionais de modo a conviver com a doença. Quando os doen-tes são crianças, o apoio aos pais também é algo recorrente. Acresce que cada variante da patologia tem uma terapia mais adequada e diferentes cuidados a ter no quotidiano; seja qual for a variante, todas elas requerem, da parte dos doentes, um compromisso sério para consigo próprios, de modo a que pos-sam levar uma vida minimamente normal.

PRIORIDADES DA APDIP

Divulgar os sinais de alerta das IDPs, criar entidades hospitalares com con-sultas especializadas em IDP, dispo-nibilizar tratamentos e consequente medicação, para uma contínua melho-ria da qualidade de vida, assim como a promoção da Associação junto de entidades oficiais e demais institui-ções, no sentido de se proporcionar o diagnóstico cada vez mais precoce, re-cursos terapêuticos e reabilitação dos doentes, são prioridades da APDIP.Um dos eixos estruturantes da Asso-ciação é a sensibilização de doentes e não doentes para esta patologia, no sentido de dar a conhecer e informar a comunidade das dificuldades e desa-fios com que os doentes com imuno-deficiências primárias lidam.

conhecimento sobre o que são Imuno-deficiências Primárias, uma vez que se tratam de uma patologia pouco comum, complexa, cujos nomes são intimidantes e que muito facilmente são ignoradas. Nos últimos anos, a APDIP concentrou grande

IMUNODEFICIÊNCIAS PRIMÁRIAS (IDP)

A Associação promove regularmente encontros de doentes e várias iniciativas

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JORNAL DE SAÚDE PÚBLICA

parte do seu trabalho em campanhas de sensibilização de forma a alertar a socie-dade para estas patologias.

Que iniciativas promove a Associação?Desde 2012 que realizamos dois eventos anuais. Um deles designado por “Encon-tro de Famílias com IDP” e que surgiu com o âmbito de reunir todas as famílias que vivem, directa ou indirectamente, com casos de IDP. Trata-se de um even-to muito acarinhado pelos nossos sócios e que promove a inclusão de novos ca-sos, a partilha de experiências e de co-nhecimento, e muita alegria! Também realizamos todos os anos uma “Cami-nhada pela Saúde” num local estratégi-co de forma a sensibilizar e a informar a nossa sociedade.

No seu entende, o que seria importante fazer para que houvesse maior conheci-mento sobre estas doenças?Seria importante realizar ações de for-mação dedicadas aos médicos de clínica geral porque são, na maioria dos casos, o primeiro ponto de contacto dos doentes. Se estes conseguissem detetar atempa-damente algum sinal relevante que possa indicar um problema ao nível do sistema imunitário, já seria um bom ponto de par-tida para a qualidade de vida do doente. É igualmente importante  incluir as IDP no programa curricular dos nossos futuros médicos.

Como é o panorama geral da doença em Portugal?Existe, ainda, muito por fazer pelas IDP em Portugal, mas tendo em conta casos como o da Roménia, onde, nos últimos 12 meses, os doentes não receberam tratamento regular devido a deficiências na distribuição de imunoglobulinas no mercado romeno, considero que Portu-gal está no bom caminho. Dispomos de boas terapias, apesar de ainda sofrer-mos com a falta de um diagnóstico mais eficaz. Por exemplo, integrar o teste de patologias graves de IDP no nosso pro-grama de rastreio neonatal é fundamen-tal. Sentimos, também, falta de mais centros especializados que possam atender os doentes sem ser os principais centros de saúde. Além disso, precisa-mos de melhores comparticipações de medicamentos regulares e de um registo central e nacional para análise de dados.

CAMPANHA INTERNACIONALPELO DIAGNÓSTICO ATEMPADOUm dos principais desafios enfrentados pelos pacientes com IDP é que, muitas vezes, terão que esperar vários anos até que um diag-nóstico correto seja feito. Isto ocorre porque muitos são diagnosticados erroneamente e tratados apenas pelos seus sintomas, em vez da condição subjacente que está a causar os seus problemas de saúde. O que resulta num tratamento abaixo do ideal, permanências frequentes no hospital e custos médicos des-necessários, os quais poderiam ser evitados com um diagnóstico imediato e acesso aos tratamentos certos. Quando se trata de diag-nóstico, uma ação muito importante da IPOPI (International Patient Organisation for Primary Immunodeficiencies) é a nossa campanha de implementação do rastreio neonatal para imunodeficiências combinadas graves (IDCG ou SCID). A IDCG é uma condição rara e uma das formas mais graves de IDP, consideran-do-se mesmo uma emergência pediátrica. As crianças com IDCG nascem com um sistema imunitário gravemente comprometido. Bebés com esta doença nascem aparentemente saudáveis porque a imunidade das mães as protege nas primeiras semanas, mas dentro de 2 a 4 meses infeções graves começam a manifestar-se. Estes bebés necessitam de hospitalizações e, muitas vezes, as com-plicações levam a uma morte prematura, a menos que a doença seja detetada no nasci-mento ou muito pouco tempo depois. A IDCG é uma das únicas doenças raras que podem realmente ser curadas e o rastreio do recém--nascido desempenha um papel importante neste processo. Para que o tratamento seja curativo, ele tem de ser fornecido muito rapi-damente. Se o rastreio neonatal estiver dis-ponível e o tratamento que salva vidas (trans-plante de medula óssea ou terapia genética) for fornecido dentro dos 3,5 meses de vida, a probabilidade de realmente curar o bebé é muito maior do que se o diagnóstico for feito nos meses seguintes. Outras doenças imunodeficientes também podem ser deteta-das por rastreio neonatal. Os resultados dos

programas recentemente estabelecidos de-monstram que o rastreio de recém-nascidos melhora drasticamente a sobrevivência de crianças com IDCG e deve ser implementado amplamente, pois também demonstrou ren-tabilidade. A nossa esperança é que, dentro de alguns anos, todos os países da UE tes-tem os bebés para a IDCG. Acreditamos que este é um passo crucial a seguir em Portugal e, por isso, começámos a discutir o assunto com os nossos colegas portugueses. Novos progressos também estão a ser feitos na te-rapia genética, um campo pioneiro, realizada por médicos especializados no tratamento de IDPs. O primeiro produto de terapia genética já licenciado para uma doença rara chamada IDCG-ADA (um dos diferentes tipos de IDCG) foi recentemente disponibilizado. Dois pro-jetos estão a ser financiados pela Comissão Europeia, sob o programa Horizon2020, um chamado SCIDNET e o outro RECOMB, para desenvolver produtos adicionais de terapia genética para formas raras de IDPs. A IPOPI é uma parceira ativa nesses projetos e temos muita esperança de que novos tratamentos se tornem disponíveis.Embora a pesquisa médica e o progresso nas últimas seis décadas tenham ajudado a desenvolver tratamentos que salvam vidas e contribuído para uma maior compreensão e conhecimento das doenças, estima-se que cerca de 70-90% das pessoas que vivem com as diferentes formas de IDP ainda permane-çam sem diagnóstico. Aumentar a consciên-cia para essas condições é, portanto, essen-cial. Em 2011, a IPOPI foi uma das parceiras fundadoras de uma campanha chamada Se-mana Mundial de Imunodeficiências Primá-rias, que reuniu várias organizações. Este ano, o foco será no diagnóstico de IDPs. A cam-panha arranca a 22 de abril e convida a um esforço conjunto para sensibilizar e defender mudanças positivas que assegurem a reali-zação de testes e diagnóstico atempado das doenças. Isso, por sua vez, garantirá que as pessoas que vivem com IDPs possam ace-

der aos tratamentos de que precisam para vi-ver as suas vidas ao máximo! Juntos, vamos Testar. Diagnosticar. Tratar.

JOHAN PREVOT

Diretor Executivo da Organização Internacional do Paciente para

Imunodeficiências Primárias (IPOPI)

O IPOPI lançou a PID GENIUS, a pri-meira aplicação móvel desenvolvida por uma organização de pacientes para pessoas com imunodeficiências primárias para uso em todo o mundo, em novembro de 2017. Este projeto foi possível graças ao apoio da Kedrion Biopharma e está disponível para download no site Apple App Store e no Google Play. O IPOPI desenvolveu o PID GENIUS para ajudar as pessoas que vivem com imunodeficiências pri-márias a organizar todas as informa-ções necessárias e tê-las disponíveis a qualquer momento, inclusive em caso de emergência.

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