in-mind_português, 2012, vol.3, nº.1-4, garrido e camilo, negligência parental
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A negligência parental, ou seja a incapacidade para responder de forma adequada às necessidades dos filhos, e os fatores de risco a ela associados, constitui-se actualmente como uma das principais preocupações no âmbito da proteção de crianças e jovens. Como resposta a estas situações, os serviços tendem a privilegiar a preservação familiar. Todavia, manter a criança na família poderá implicar mantê-la exposta ao risco, criando assim a necessidade de implementar respostas adequadas ao desenvolvimento de competências parentais. O presente artigo apresenta uma breve revisão teórica do fenómeno da negligência parental e seus determinantes, bem como uma breve descrição do processo de sinalização aos serviços de proteção de crianças e jovens e posterior avaliação da situação de perigo. Seguidamente apresentam-se as linhas gerais orientadoras do processo de intervenção com famílias negligentes em contexto comunitário, e descrevem-se os principais conteúdos e metodologias, no âmbito de uma proposta que sugere uma abordagem experimental ao desenho, implementação e avaliação de programas de intervenção parental.TRANSCRIPT
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Negligncia parental: Uma abor-dagem experimental a problemas comunitrios
Margarida V. Garrido1 e Cludia Camilo
A negligncia parental2,
ou seja a incapacidade para res-
ponder de forma adequada s
necessidades dos filhos, e os
fatores de risco3 a ela associados,
constitui-se actualmente como uma das principais preo-
cupaes no mbito da proteo de crianas e jovens.
Como resposta a estas situaes, os servios tendem a
privilegiar a preservao familiar4. Todavia, manter a crian-
a na famlia poder implicar mant-la exposta ao risco,
In-Mind_Portugus, 2012, Vol.3, N. 1-4, 1-14 Garrido e Camilo, Negligncia parental
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1 CIS/ISCTE-IUL
2 Ver Glossrio para a definio de negligncia parental.
3 Ver Glossrio para a definio de fatores de risco.
4 Ver Glossrio para a definio de preservao familiar.
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criando assim a necessidade de implementar respostas
adequadas ao desenvolvimento de competncias paren-
tais 1. O presente artigo apresenta uma breve reviso teri-
ca do fenmeno da negligncia parental e seus determi-
nantes, bem como uma breve descrio do processo de
sinalizao aos servios de proteo de crianas e jovens
e posterior avaliao da situao de perigo. Seguidamente
apresentam-se as linhas gerais orientadoras do processo
de interveno com famlias negligentes em contexto co-
munitrio, e descrevem-se os principais contedos e me-
todologias, no mbito de uma proposta que sugere uma
abordagem experimental ao desenho, implementao e
avaliao de programas de interveno parental.
O atual cenrio socioeconmico veio acentuar os
problemas associados situao de pobreza, fazendo
aumentar o nmero de famlias multidesafiadas 2, em situa-
o de risco psicossocial e dependentes dos apoios go-
vernamentais. Este cenrio coloca novos desafios inter-
veno com estas famlias, nomeadamente com aquelas
que tm filhos menores potencialmente expostos a mlti-
plos fatores de risco, designadamente a negligncia paren-
tal. Por falta de recursos, conhecimentos ou competnci-
as, estas famlias so incapazes de responder adequada-
mente s necessidades dos filhos, designadamente no
que respeita a cuidados fsicos, educacionais e de super-
viso, essenciais ao seu pleno desenvolvimento.
A negligncia parental constitui atualmente um
dos principais motivos de sinalizao dos menores s
Comisses de Proteo de Crianas e Jovens em Portugal
(Relatrio CPCJ, 2012). Em alternativa medida de aco-
lhimento institucional, ou seja, a retirada da criana da
famlia de origem (com consequncias psicolgicas, soci-
ais e econmicas largamente documentadas), so atual-
mente inmeros os estudos que evidenciam a importncia
da preservao familiar, acompanhada muitas vezes de
apoios socioeconmicos governamentais (e.g., Caldera et
al., 2007; Fernndez, Alvarez, & Bravo, 2003; Martins,
2005; Palacios, 2003; Rodrigo, Miquez, Correa, Martn, &
Rodrguez, 2006). Todavia, a permanncia dos menores na
famlia de origem poder perpetuar a sua exposio ao
risco. Neste contexto, a interveno dos servios de pro-
teo de crianas e jovens, atravs de instituies desi-
gnadas de 1 linha, assume um papel fulcral na ativao
da rede de suporte social3 famlia. No contexto portu-
gus, as equipas locais de Rendimento Social de Insero
(RSI; Lei 13/2003, de 21 de Maio) e de Ao Social ten-
dem a assumir o acompanhamento direto a estas famlias.
Apesar dos esforos polticos de suporte a estas
famlias, nomeadamente s populaes em situao de
maior carncia econmica, a natureza multiproblemtica
destas situaes reflete-se em crises individuais e familia-
res, e vulnerabilidades a vrios nveis que implicam trans-
formaes e adaptaes constantes (Bodarenko, 2008;
Gmez, Muoz, & Haz, 2007; Matos & Sousa, 2004). Esta
complexidade exige uma interveno em situao de cri-
se, perante necessidades e problemas urgentes, promo-
vendo prticas de assistencialismo4, ao invs de em-
powerment5 e capacitao. A natureza desta interveno
In-Mind_Portugus, 2012, Vol.3, N. 1-4, 1-14 Garrido e Camilo, Negligncia parental
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1 Ver Glossrio para a definio de competncias parentais.
2 Ver Glossrio para a definio de famlias multidesafiadas.
3 Ver Glossrio para a definio de suporte social.
4 Ver Glossrio para a definio de assistencialismo.
5 Ver Glossrio para a definio de empowerment.
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tende, por isso, a perpetuar as suas vulnerabilidades e os
riscos a elas associados, designadamente prticas negli-
gentes e maltratantes para com os filhos menores. Por
outro lado, a natureza multiproblemtica destas famlias, o
carter urgente da interveno, e a prpria falta de forma-
o de tcnicos e decisores determinam prticas algo
distantes daqueles que so os princpios mais bsicos da
investigao e interveno em psicologia, designadamente
no que respeita ao eficaz delineamento da interveno e
avaliao rigorosa do seu impacto na resoluo dos pro-
blemas identificados.
O objetivo deste artigo apresentar resumida-
mente a problemtica da negligncia parental, seus de-
terminantes e principais fatores protetores 1 e fatores de
risco associados, assim como discutir as linhas gerais de
uma abordagem experimental do desenho, interveno e
avaliao no trabalho com famlias negligentes, designa-
damente, programas de desenvolvimento de competnci-
as parentais, com vista preservao familiar.
O que se entende por negligncia parental?
A negligncia, do latim negligentia, significa des-
cuido e falta de cuidado. Em linhas gerais, definida como
uma falha na proviso das necessidades da criana decor-
rente de omisses parentais no cuidar (Calheiros, 2006;
Dubowitz, Black, Starr, & Zuravin, 1993), constituindo uma
ameaa ao seu desenvolvimento e bem-estar (De Pal &
Guibert, 2008; Hildyard & Wolfe, 2002; Wolock & Horowitz,
1984).
Contrariamente a outras formas de mau-trato,
organizadas em episdios especficos com consequncias
mais facilmente identificveis (Starr, Dubowitz, &
Bush,1990), a negligncia constitui a forma de mau-trato
mais comum (DePanfilis, 2006) e a mais difcil de identificar
pois carateriza-se por situaes crnicas (Stowman &
Donohue, 2005) com marcas menos visveis e impactos
no desenvolvimento a mais longo prazo (Hildyard & Wolfe,
2002), nomeadamente ao nvel do comportamento da
criana (English et al., 2005).
Calheiros (2006) especifica a definio de negli-
gncia distinguindo (i) a negligncia fsica, como falta de
cuidados bsicos criana ao nvel das suas necessida-
des fsicas (habitao, alimentao, higiene, vesturio,
acompanhamento da sade fsica), (ii) a negligncia edu-
cacional, como omisses parentais relativamente ao
acompanhamento escolar, desenvolvimento e sade men-
tal da criana e, (iii) a falta de superviso, como omisses
ao nvel dos cuidados com a segurana fsica, socializa-
o, estimulao e acompanhamento aos filhos menores.
Quais os determinantes da negligncia parental?
Atualmente, a negligncia reconhecida como
um fenmeno complexo e multideterminado. Contudo, no
mbito das conceptualizaes iniciais sobre as vrias for-
mas de mau-trato, comearam por considerar-se unica-
mente fatores de ordem individual, admitindo este proble-
ma como uma condio clnica da criana consequente
da ocorrncia de trauma fsico - sndroma da criana ba-
tida (Kempe, Silverman, Steele, Droegmueller, & Silver,
1962). Progressivamente, a conceptualizao dos deter-
minantes da negligncia foi assumindo uma abordagem
cada vez mais social, recorrendo a modelos que integram
diferentes nveis de anlise.
Uma destas propostas foi avanada por Belsky
(1993) que, com base nos trabalhos de Bronfenbrenner
(1979), desenvolve um modelo que integra componentes a
vrios nveis que interagem na emergncia de comporta-
mentos abusivos. Estes nveis interativos incluem: nvel de
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1 Ver Glossrio para a definio de fatores protetores.
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desenvolvimento ontognico, microsistema, exosistema e
macrosistema. O nvel ontognico diz respeito a aspetos
trazidos para a situao pelo prprio sujeito que maltrata,
incluindo fatores como a experincia dos pais enquanto
crianas, a sade mental dos pais, a histria e o nvel de
desenvolvimento parental, os sentimentos em relao aos
filhos e a compreenso do desenvolvimento da criana. O
microsistema contribui para o comportamento e envolve o
meio imediato da criana-famlia onde se encontram fato-
res promotores de stress, como a constituio e a nature-
za da famlia, a sade e o temperamento da criana e a
relao marital. No exosistema a criana e a famlia so
contextualizados num sistema mais abrangente, como a
famlia alargada, a comunidade, e a estrutura econmica
que as influenciam. Aqui esto includos fatores sociais
como o trabalho, o desemprego e o isolamento social. O
quarto nvel, macrosistema, inclui os determinantes cultu-
rais, as atitudes sociais em relao violncia em geral,
expectativas em relao disciplina da criana em casa e
na escola, e o nvel de violncia no pas e comunidade
onde a violncia fsica e o abuso podem ser esperados.
Na mesma linha, outros modelos, como o Modelo Tran-
saccional de Cicchetti e Rizley (1981), abordam as causas
do mau-trato a menores e a sua propagao ao longo das
geraes da criana maltratada, conduzindo a uma viso
do mau-trato como expresso de um desequilbrio subja-
cente ao sistema pais criana meio.
luz destes modelos tericos, so identificados
fatores de risco que predispem a criana ao abuso ou
negligncia, e fatores protetores, que diminuem a probabi-
lidade deste risco. No mbito dos fatores de risco associ-
ados s prticas negligentes, destacam-se a falta de in-
formao, a incapacidade para fornecer aos menores o
cuidado que necessitam e ainda as situaes de pobreza
(Roig & De Pal, 1993). A situao de pobreza surge na
literatura como um dos principais fatores de risco da negli-
gncia (Almeida, Andr, & Almeida, 1999; Calheiros,
2006). Esta situao aumenta a exposio a mltiplas
fontes de stress, nomeadamente interaes negativas
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pessoa-meio, falta de recursos, isolamento social, baixa
insero sociocultural e presso econmica (Bondarenko,
2008; Evans & English, 2002). Dearing (2008) refere ainda
que a situao de pobreza provoca stress aos pais, refle-
tindo-se negativamente na relao pais-filhos aumentando
assim a probabilidade de emergncia de prticas parentais
abusivas, com consequncias graves no desenvolvimento
das crianas. Dizem ainda Bradley e Corwyn (2001) que
este efeito negativo do ambiente familiar no desenvolvi-
mento depende das crenas de auto-eficcia das crianas
e jovens. Note-se, no entanto, que a pobreza no tem
uma relao direta com a negligncia, e que a negligncia
surge associada a outros fatores de risco relacionados
com a situao de pobreza (e.g., Tang, 2008).
Por outro lado, o adequado desempenho paren-
tal (Hanson, McLanahan, & Thomson, 1997), o suporte
social (Horwath, 2007; Matos & Sousa, 2004) e as rotinas
familiares (Fiese & Marjinsky, 1999; Kiser, Bennett, Heston,
& Paavola, 2005; Resnick et al., 1997) tm sido identifica-
dos como os principais fatores de proteo para as crian-
as que enfrentam os riscos associados pobreza.
Como se sinaliza e avalia a negligncia parental?
No contexto portugus, a Lei de Proteo de
Crianas e Jovens em Perigo (Lei n. 147/99, de 1 de Se-
tembro) vem legitimar a interveno das CPCJs, referindo
no artigo 3, que a promoo dos direitos da criana e sua
proteo deve ser feita sempre que os pais ou represen-
tante legal coloquem em causa a sua segurana, sade,
formao, educao e desenvolvimento. A negligncia
parental especificamente referida na legislao (n. 2,
artigo 3) considerando-se que a criana est em perigo
se houver situao de abandono ou se encontre entregue
aos seus prprios cuidados, ou no receba os devidos
cuidados, pessoais e sociais, para o seu pleno desenvol-
vimento, entre outras tipologias de perigo mencionadas.
A comunicao de perigo tambm regulamen-
tada (Captulo IV), e de carter obrigatrio, prevendo a
sinalizao das situaes s CPCJs pelas autoridades
policiais e entidades com competncia em matria de
infncia e juventude, nomeadamente, escolas, centros de
sade e servios de proximidade, ou qualquer pessoa que
tenha conhecimento de situaes de negligncia, mau-tra-
to ou abuso de menores.
Posteriormente, as CPCJs ou o Ministrio Pbli-
co, caso as primeiras no obtenham consentimento da
famlia ou da criana maior de 12 anos de idade para a
interveno, iniciam o processo de avaliao da situao
atravs da audio dos envolvidos, incluindo as prprias
crianas ou jovens envolvidos, recolhendo a informao
necessria para averiguar a potencial situao de perigo
(Captulo VIII). A legislao prev assim as diretrizes legais
que enquadram a interveno no mbito da negligncia
parental, nomeadamente medidas de promoo e prote-
o especficas e princpios orientadores da interveno
(entre eles o de prevalncia da famlia, alnea g), artigo 4),
no prevendo no entanto instrumentos e procedimentos
de avaliao do perigo estandardizados e adaptados
populao portuguesa.
Como se pode intervir em famlias negligentes?
A interveno com famlias negligentes implica
um conjunto de estratgias que respondam ao problema
da negligncia mas tambm aos restantes fatores de risco
associados a estas famlias. DePanfilis (1999) rev e sinte-
tiza os principais princpios orientadores desta interveno:
Atender aos contextos de interao da famlia -
aos seus membros individualmente e respetivas
necessidades, sua relao com a comunidade,
s relaes entre si e ao funcionamento enquan-
to famlia;
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Privilegiar os recursos comunitrios na constru-
o da rede de suporte social;
Adequar a interveno s necessidades identifi-
cadas na avaliao inicial;
Estabelecer uma relao de parceria com a
famlia;
Privilegiar metodologias de empowerment;
Contextualizar culturalmente a interveno, pois
a comunidade de referncia quem dita a defini-
o de negligncia;
Responder s necessidades de desenvolvimen-
to da criana e dos cuidadores.
A autora refere ainda que as intervenes devem
providenciar no imediato recursos concretos, relacionados
com as necessidades bsicas, assim como suporte social,
atividades teraputicas e de estmulo ao desenvolvimento,
realizadas atravs de intervenes individualizadas e/ ou
em contexto familiar.
Propostas convergentes sugerem que a preven-
o do mau-trato infantil e da negligncia parental dever
iniciar-se com intervenes a vrios nveis que permitam
promover as competncias parentais, a utilizao dos ser-
vios da comunidade e as vrias redes de suporte social.
Chaffin, Bonner e Hill (2001), propem, como estratgias
prioritrias de interveno, atividades de interveno co-
munitria como assistncia contnua s famlias no supri-
mento das suas necessidades bsicas associadas a pro-
gramas de formao com outros membros da comunida-
de ou grupos de suporte parental, e ainda programas de
visitas domicilirias para necessidades especficas (ver
Camilo & Garrido, 2013 para informao mais detalhada
sobre programas de formao parental).
Em Portugal, os apoios socioeconmicos gover-
namentais s famlias em situao de pobreza prevem
uma interveno com a famlia, nomeadamente no mbito
do RSI, cujo acompanhamento realizado por um tcnico
gestor de caso, ao abrigo de um programa de insero
assinado entre as partes, que define as medidas de inter-
veno adequadas nos campos da sade, educao/for-
mao, emprego, gesto domstica, entre outros (Lei 13/
2003, de 21 de Maio). Esta interveno caracteriza-se
muitas vezes por uma natureza assistencialista, no con-
templando uma interveno especfica a nvel nas compe-
tncias parentais, que a par das restantes mudanas,
possa potenciar um adequado desempenho parental, e
diminuir o perigo a que a criana est exposta (ver Guia
Prtico - Rendimento Social de Insero, 2012). No entan-
to, relevante referir que a criao dos Centros de Apoio
Familiar e Aconselhamento Parental (pela Direo Geral da
Segurana Social, da Famlia e da Criana, no ano de
2006) constitui um avano na interveno com as famlias
em situao de risco, a par do desenvolvimento de pro-
gramas especficos de interveno com pais, apesar das
limitaes que ainda apresentam, nomeadamente uma
abordagem individualizada em vez de sistmica e muitas
vezes segmentada (Melo & Alarco, 2009).
Quais as temticas e metodologias mais utilizadas
na interveno com famlias negligentes?
Uma das principais formas de intervir com famli-
as em situao de risco, nomeadamente negligentes e/ou
maltratantes passa pelo desenvolvimento de competnci-
as parentais. A promoo destas competncias dever
necessariamente abordar contedos relativos satisfao
das necessidades da criana e relao educativa (Abreu-
Lima et al., 2010), considerando tambm as necessidades
dos cuidadores, a sua auto-estima e o seu bem-estar
(Cruz & Carvalho, 2011). Com base neste referencial, e
atendendo s necessidades particulares da famlia, pos-
svel definir temticas mais especficas que possam ser
abordadas no mbito da interveno dirigida ao desenvol-
vimento de competncias parentais. Estas temticas deve-
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ro globalmente, abordar questes relativas ao desenvol-
vimento da criana e do adolescente e problemas e desa-
fios caractersticos de cada idade (Vaz et al., 2011), abran-
gendo os comportamentos e necessidades das crianas,
a comunicao na interao pais-filhos, cuidados bsicos
de sade, gesto domstica e do oramento familiar, esti-
los educativos e estratgias disciplinares (Camilo, 2010;
Camilo, Garrido, & S, 2013; Camilo, Garrido, & S, no
prelo; Capelo & Carinhas, 2011; Pacheco et al., 2011; Vaz
et al., 2011).
No que respeita estrutura, os programas de
formao parental podem ser aplicados de forma estan-
dardizada ou totalmente focalizados nas necessidades
especficas de cada famlia (para uma tipologia de progra-
mas ver Abreu-Lima et al., 2010). A eficcia associada ao
formato dos programas e sua aplicao em grupo ou indi-
vidualmente (realizados atravs de visitas domicilirias) tem
tambm sido discutida (Chaffin et al., 2001; Gomby, 2007;
MacLeod & Nelson, 2000; Sweet & Appelbaum, 2004),
enfatizando a importncia de conjugar a interveno atra-
vs das visitas domicilirias com atividades de grupo, nos
servios da comunidade. A par destas respostas, o supor-
te em situao de crise com tcnicos de acompanhamen-
to sempre contatveis pode ser importante para a eficcia
da interveno (Vaz et al., 2011).
As metodologias utilizadas devero ser ativas,
dinmicas e reflexivas, atravs de tcnicas de role-play,
jogo estruturado (e.g., Capelo & Carinhas, 2011; Rodri-
gues et al., 2011; Soares & Ferreira, 2011), incluir momen-
tos de observao e debate com recurso a vdeos e outros
recursos audiovisuais (Pacheco et al., 2011) ou sesses
temticas, atravs da utilizao de mtodos expositivos e
dinmicas de grupo.
Os problemas mltiplos a que estas famlias e
filhos menores esto expostos e a natureza urgente das
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suas necessidades impem lgicas de interveno cada
vez mais estruturadas e baseadas em prticas teorica-
mente enquadradas e empiricamente testadas. Se por um
lado a situao de crise, luz da perspetiva comunitria,
pode ser impulsionadora de mudana (Ornelas, 1997), por
outro lado, tem limitado o desenvolvimento de interven-
es estruturadas assim como a avaliao da sua eficcia,
designadamente atravs de delineamentos experimentais.
Como abordar experimentalmente o desenho, im-
plementao e avaliao de programas de interven-
o parental?
Os estudos de avaliao de programas reportam,
na sua maioria, resultados pouco consistentes na medida
em que, muitas das vezes, no consideram as proprieda-
des dos programas e variveis da famlia que demonstram
ter um efeito bastante significativo no grau de sucesso das
intervenes (Bagdasaryan, 2005).
Alm disso, a introduo da abordagem
experimental na avaliao de programas de interveno
com famlias, na dcada de 90, veio mostrar que o suces-
so atribudo a vrios programas de interveno com deli-
neamento no experimental, designadamente sem inclu-
rem grupo de controlo, se revelou infundado (Dagenais,
Begin, Bouchard, & Fortin, 2004; McCroskey & Meezan,
1998).
Para elaborar e testar programas de interveno,
os delineamentos experimentais constituem a soluo
mais adequada para assegurar a validade interna, permi-
tindo realizar inferncias causa-efeito (e.g., Trochim & Don-
nelly, 2006). Nas situaes em que possvel utilizar um
delineamento desta natureza (e note-se que nem sempre
este o caso), possvel estabelecer se determinado pro-
grama ou tratamento causa de determinado resultado. O
delineamento experimental permite assim avaliar a valida-
de da proposio se X ento Y, ou seja se o programa
aplicado ento o resultado ocorre. No entanto, neces-
srio demonstrar tambm que se no X, ento no Y na
medida em que podero existir outras razes pelas quais
o resultado observado. A demonstrao de uma relao
causal exige ento a validao das duas proposies: se
o programa implementado ento o resultado ocorre e
se o programa no implementado, ento o resultado
no ocorre. Para tal, necessrio identificar elementos
com caratersticas semelhantes, avaliados antes da inter-
veno (e.g., famlias semelhantes, a viver em contextos
semelhantes, com problemas semelhantes, etc.), que so
distribudos aleatoriamente por um grupo experimental1
(GE) ao qual o programa aplicado e por um grupo de
controlo2 (GC) ao qual o programa no aplicado. No final
avaliam-se os dois grupos e as diferenas observadas
podero ser atribudas quilo que os diferencia a aplica-
o do programa.
Todavia, necessrio atender a algumas limita-
es na aplicao deste tipo de delineamento, designa-
damente em contextos de interveno social e comunit-
ria. A maior dificuldade parte da presumida equivalncia
dos grupos; por mais caractersticas que tenham em co-
mum, os seres humanos so necessariamente diferentes.
Outra dificuldade associa-se ao acesso a amostras sufici-
entemente numerosas a que este delineamento obriga. A
obteno de amostras suficientemente grandes que per-
mitam a aplicao de determinadas metodologias estats-
ticas e que, de algum modo, assegurem a prpria validade
externa do estudo associa-se geralmente a um grande
esforo em termos de recursos humanos e financeiros.
Por outro lado, importante atender s inmeras altera-
es na vida das pessoas durante o programa, que po-
dem limitar a sua permanncia na amostra. aplicao de
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1 Ver Glossrio para a definio de grupo experimental.
2 Ver Glossrio para a definio de grupo de controlo.
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um delineamento experimental a indivduos ou famlias
com problemas graves associa-se ainda um importante
dilema tico: a natureza deste delineamento implica negar
o programa ou tratamento a pessoas que igualmente o
merecem (GC). Por outro lado, so frequentes as ingern-
cias das equipas e dos decisores institucionais na prpria
composio dos grupos. Finalmente, a criao de dois
grupos aleatrios e artificiais para avaliar uma relao cau-
sal com elevada validade interna poder limitar a validade
externa, ou seja, a possibilidade de generalizao dos
resultados para contextos mais alargados. Neste sentido,
uma abordagem experimental pode ser difcil de imple-
mentar nestes contextos.
Para superar estes constrangimentos uma alter-
nativa comum a utilizao de delineamentos quasi-expe-
rimentais incluindo dois grupos avaliados em pr e ps-
teste1 embora sem a distribuio aleatria dos casos pelos
dois grupos. Estes delineamentos so indicados para gru-
pos reais considerados semelhantes. Por exemplo, em
contexto educativo, duas turmas ou escolas que sejam
comparveis, na investigao comunitria, duas comuni-
dades com caratersticas idnticas. Evidentemente, estes
grupos nunca sero to semelhantes como se tivessem
sido criados aleatoriamente. Por esse motivo, poderemos
ter grupos que diferem partida e no pior dos casos ser
levados a concluir que o programa no teve qualquer im-
pacto, quando de fato teve, ou que fez toda a diferena
quando de fato no teve qualquer impacto. No entanto,
uma correta anlise e interpretao dos resultados permite
minimizar inferncias errneas. Imaginemos um caso em
que o GE apresenta, no pr-teste2, melhores resultados
em determinados atributos que o GC; no entanto, no ps-
teste os resultados so ainda melhores enquanto o GC
no muda entre o pr e ps-teste. Noutros casos, quer o
GE quer o GC apresentam ganhos do pr para o ps-tes-
te mas os ganhos do GE so mais acentuados. Outro
exemplo parte de um GE avaliado abaixo do GC no pr-
teste mas que no ps-teste se aproxima dos resultados do
GC, ou vice-versa. Mais interessante ainda, quando o
GE parte de uma posio desvantajosa em relao ao GC
e no ps-teste consegue super-lo. Qualquer destes ce-
nrios sugere uma ameaa validade interna porque os
grupos no so equivalentes partida. No entanto, podem
ser tomados como indicadores da eficcia do programa.
Em resumo, um delineamento experimental
adequado sempre que reunidas as condies que o per-
mitam implementar num contexto de interveno social,
designadamente a possibilidade de ter grupos equivalen-
tes. Quando tal no possvel, embora no to adequa-
dos na legitimao da validade interna, os delineamentos
quasi-experimentais constituem uma boa alternativa, sen-
do at mais fcil e frequentemente implementados dos
que os delineamentos experimentais na investigao
social.
Concluso
A complexidade do funcionamento das estrutu-
ras familiares e os fenmenos acerca da parentalidade
obrigam os profissionais a respostas eficazes, que privile-
giem a preservao familiar e que potenciem os fatores de
proteo criana e famlia. A negligncia parental cons-
titui uma das principais causas de sinalizao de situaes
de perigo s CPCJs em Portugal e as respostas direcio-
nadas para a problemtica da negligncia so ainda es-
cassas, apesar de terem aumentado nos ltimos anos.
Todavia, intervenes generalistas e massificadas, desi-
gnadamente a nvel da formao parental, configuram
respostas institucionais com graves lacunas ao nvel da
fundamentao e da adequabilidade de contedos e me-
todologias s reais necessidades das famlias. Conse-
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1 Ver Glossrio para a definio de ps-teste.
2 Ver Glossrio para a definio de pr-teste.
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quncias destas prticas so a perpetuao do risco a
que as crianas esto expostas, a constante vitimizao
das famlias que continuam a sentir-se pouco capazes, e o
desperdcio de recursos financeiros, humanos ou materi-
ais.
A negligncia parental constitui um desafio de
crescente complexidade, que exige intervenes eficazes.
Para maximizar o sucesso da interveno preciso adotar
programas teoricamente fundamentados e empiricamente
validados. Esta validao poder ser conseguida utilizando
delineamentos experimentais ou quasi-experimentais, que
maximizem a validade interna e permitam inferir causalida-
des, fundamentando programas que respondem efetiva-
mente s necessidades das famlias, e que se possam
generalizar na promoo do desempenho eficaz das fun-
es parentais.
Glossrio
Famlias multidesafiadas: famlias com vrios problemas
psicossociais.
Negligncia parental: falha, consciente ou inconsciente,
por parte dos pais na proviso de cuidados bsicos aos
filhos menores.
Preservao familiar: manuteno da criana na famlia;
fortalecimento das competncias das famlias, impedindo
a institucionalizao da criana.
Suporte social: respostas de apoio ao indivduo pela
comunidade; pode ser formal (respostas institucionais) ou
informal (apoio da rede de vizinhos, amigos, familiares pr-
ximos).
Assistencialismo: prticas de caridade, beneficncia e
apoio paliativo.
Empowerment: ou empoderamento, refere-se capaci-
tao do indivduo, proporcionando-lhe conhecimento e
competncia para ser capaz de tomar decises.
Fatores protetores: variveis externas ou internas fam-
lia que protegem a criana do risco de negligncia ou
mau-trato.
Fatores de risco: variveis externas ou internas famlia
que aumentam a probabilidade de negligncia ou mau-tra-
to criana.
Grupo experimental: grupo de indivduos (com caraters-
ticas semelhantes s do grupo de controlo), que recebem
a interveno ou tratamento.
Grupo de controlo: grupo de indivduos (com caratersti-
cas semelhantes s do grupo experimental) que no so
alvo de qualquer interveno ou tratamento.
Pr-teste: avaliao antes da interveno ou tratamento.
Ps-teste: avaliao aps a interveno ou tratamento.
Competncias parentais: conjunto de conhecimentos e
estratgias relacionadas inerentes ao ato de educar, no
papel de pai ou me ou sujeito equiparado.
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Autores
Margarida V. Garrido dou-
torada em Psicologia Social e
Professora no ISCTE-IUL onde
coordena e lecciona unidades
curriculares de mtodos e de
psicologia em cursos de licenci-
atura, mestrado e doutoramen-
to, orientando ainda estgios, e
teses de mestrado e doutora-
mento. investigadora no CIS/
ISCTE-IUL onde desenvolve pesquisa na rea da cognio
social situada, e no estudo da influncia de factores con-
textuais na cognio e julgamento social. Na rea da psi-
cologia comunitria colabora no Mestrado de Psicologia
Comunitria e Proteco de Menores no ISCTEIUL e em
projectos de investigao e interveno social comunitria,
designadamente na consultoria metodolgica, anlise de
dados e desenho e avaliao de programas de interven-
o social. Tem publicado em revistas cientficas e livros da
especialidade.
Cludia Camilo licenciada
em Servio Social pelo ISSSL-
UL e Mestre em Psicologia Co-
munitria e Proteco de Meno-
res, pelo ISCTE-IUL, onde a sua
tese de mestrado intitulada
pR.paRental: Construo, im-
plementao e avaliao de um
Programa de Formao Parental
foi distinguida com o Prmio
Silva Leal 2011, atribudo pelo ISCTE-IUL e a Secretaria de
Estado da Segurana Social. Tem experincia na interven-
o comunitria, com crianas e jovens em contextos
socialmente vulnerveis e famlias em risco e os seus inte-
resses de investigao centram-se nas temticas da negli-
gncia e maus tratos criana e na concepo e avalia-
o de programas de interveno com famlias em risco.
Actualmente aluna do Programa Doutoral em Psicologia,
ISCTE-IUL e bolseira de investigao no CIS-IUL no mbi-
to de um projecto de investigao sobre sucesso escolar.
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