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Inclusão de alunos surdos na escola regular Maura Corcini Lopes Eliana da Costa Pereira de Menezes Resumo Este artigo desenvolve parte dos resultados de uma pesquisa, financiada pelo CNPq, realizada no Estado do Rio Grande do Sul, acerca das condições pedagógicas e linguísticas dos alunos surdos matriculados em escolas públicas e particulares. Desenvolve análises referentes às regiões do Vale do Rio dos Sinos e da Serra Gaúcha. Os dados sobre matricula, séries de ensino, condições das escolas e dos profissionais envolvidos com alunos surdos foram obtidos através de planilhas preenchidas por profissionais das Coordenadorias de Educação do Estado, Secretarias Municipais de Educação e escolas. Na análise, constatamos que 66 municípios possuem alunos surdos em 50 escolas públicas e particulares. Quarenta e três escolas trabalham com a inclusão de alunos surdos, sendo que, na maioria, não há profissionais (professores e interpretes) com formação para o trabalho. A partir de outros autores, o artigo discute as “realidades escolares” e algumas necessidades básicas para promover a inclusão dos surdos sob outras bases educacionais, linguísticas e pedagógicas. Palavras-chave: Educação de surdos; Inclusão; Língua Brasileira de Sinais; Intérpretes de LIBRAS. The inclusion of deaf students in a regular school Abstract This paper describes some results of an investigation, supported by CNPq and in progress in the state of Rio Grande do Sul (Brazil), about the pedagogic and linguistic conditions of deaf students in public and private schools. The Cadernos de Educação | FaE/PPGE/UFPel | Pelotas [36]: 69 - 90, maio/agosto 2010

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  • Incluso de alunos surdos na escola regular

    Maura Corcini Lopes Eliana da Costa Pereira de Menezes

    Resumo Este artigo desenvolve parte dos resultados de uma pesquisa, financiada pelo CNPq, realizada no Estado do Rio Grande do Sul, acerca das condies pedaggicas e lingusticas dos alunos surdos matriculados em escolas pblicas e particulares. Desenvolve anlises referentes s regies do Vale do Rio dos Sinos e da Serra Gacha. Os dados sobre matricula, sries de ensino, condies das escolas e dos profissionais envolvidos com alunos surdos foram obtidos atravs de planilhas preenchidas por profissionais das Coordenadorias de Educao do Estado, Secretarias Municipais de Educao e escolas. Na anlise, constatamos que 66 municpios possuem alunos surdos em 50 escolas pblicas e particulares. Quarenta e trs escolas trabalham com a incluso de alunos surdos, sendo que, na maioria, no h profissionais (professores e interpretes) com formao para o trabalho. A partir de outros autores, o artigo discute as realidades escolares e algumas necessidades bsicas para promover a incluso dos surdos sob outras bases educacionais, lingusticas e pedaggicas. Palavras-chave: Educao de surdos; Incluso; Lngua Brasileira de Sinais; Intrpretes de LIBRAS.

    The inclusion of deaf students in a regular school

    Abstract This paper describes some results of an investigation, supported by CNPq and in progress in the state of Rio Grande do Sul (Brazil), about the pedagogic and linguistic conditions of deaf students in public and private schools. The

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    authors develop the analyzes in two specific regions of the State: Vale dos Sinos (Bells Valley) and Serra Gacha (Sierra Gaucha). Some school data as admission, grades and school and professional conditions where supplied by the schools and bureaucratic sectors. The results show that 66 municipalities have deaf students in 50 public and private schools. Forty three schools works in a model of inclusion of deaf students; in most of these schools, there is no specialized personal in deafness or deaf education. From many authors, the paper discusses the school realities and some basic necessities to promote the deaf inclusion in different educational, linguistic and pedagogic manners. Key words: Deaf Education; Inclusion; Brazilian Sign Language (LIBRAS); LIBRAS Translators

    O que pesquisadores surdos pensam sobre a incluso de alunos surdos na escola regular? Que condies so necessrias para podermos falar de incluso de alunos surdos na escola regular? Por que os surdos parecem estar sempre na contramo da histria da incluso? Os surdos e aqueles que militam por suas causas estariam contra a incluso?

    Essas so algumas das perguntas que tm acompanhado aqueles que de alguma forma se ocupam do trabalho ou da discusso da educao de surdos. A incluso parece ser tema vencido em muitos fruns; porm, para a comunidade surda, ela toma nuances diferenciadas. H aqueles mais radicais que a negam completamente; aqueles militantes surdos que a olham com estranhamento a partir de experincias j vividas e aqueles que a desejam, porm a partir de condies a serem negociadas com o Estado.

    Diante de um cenrio to tenso e conturbado e de uma discusso que, para muitos, j est vencida, este artigo traz resultados de pesquisa que consideramos relevantes1. Trata-se de uma pesquisa desenvolvida em parceria entre pesquisadores de diferentes instituies federais e 1 Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq).

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    particulares de ensino superior do Rio Grande do Sul (RS). Subdividida em duas fases, a primeira j concluda e de base quantitativa, visava levantar dados numricos referente s matriculas e a situao lingustica e pedaggica em que os alunos surdos e os professores se encontram nas escolas. A segunda fase, ainda em andamento, busca, por meio de questionrios aplicados com professores, alunos surdos e gestores, conhecer como tais sujeitos se vem como surdos ou se vem na relao pedaggica com surdos, a lngua de sinais, a escola e a gesto escolar.

    Para este artigo, propomos trabalhar com dados produzidos na primeira fase da pesquisa, ou seja, com dados de 66 municpios localizados prximos capital gacha. Trata-se de dados dos Municpios localizados nas regies do Vale do Rio dos Sinos e Serra gacha. Para a produo desses dados, encaminhamos para Secretarias Municipais de Educao, Coordenadorias Regionais de Educao do Estado do RS e escolas uma planilha que solicitava as seguintes informaes:

    1) Pesquisador/a responsvel pela coleta de dados

    2) Perodo de realizao da coleta

    3) Regio de abrangncia ou Coordenadoria (se for o caso)

    4) Cidade

    5) Nome da escola e endereo

    6) mbito: ( )Estadual ( )Municipal ( )Federal ( )Particular.

    7) Modalidade: ( )Escola de surdos ( )Classe Especial ( )Incluso.

    8) Nmero de alunos: ( )Educao Infantil ( )Ensino Fundamental ( )Ensino Mdio ( )EJA.

    9) Professores: ( )Ouvintes: Quantos? ( )Surdos: Quantos?

    10) Intrpretes

    11) Outras informaes

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    A partir do retorno das planilhas, os dados comearam a ser tratados por escolas e agrupados seguindo um dos 11 itens solicitados, o que nos possibilitou um primeiro mapa da situao dos alunos surdos, das escolas, dos intrpretes e dos professores das regies investigadas. No decorrer do texto, os dados que sero trazidos constituem os resultados do processamento e anlises dessas informaes.

    Do total de 66 municpios, 17 possuem alunos surdos matriculados em 50 escolas. Dessas escolas, 23 so da esfera estadual, 19 so municipais e 8 so particulares. No h nenhuma escola federal nos municpios que possuam alunos surdos matriculados. 43 escolas trabalham com a situao de incluso do aluno surdo na classe de ouvintes, 6 escolas possuem alunos surdos em classes especiais e 3 escolas so especificamente para surdos. Ao total 466 alunos surdos esto matriculados nestes 17 municpios.

    Devido ao fato de a maioria das matrculas de alunos surdos estarem em escolas regulares e, principalmente, o RS ser um Estado conhecido no Brasil e no exterior, pela militncia surda organizada e pela resistncia que faz aos processos de incluso de surdos, o recorte escolhido para este texto o das condies da incluso. No buscaremos maiores discusses acerca da situao dos alunos surdos matriculados em escolas e/ou classes especiais, embora sejam interessantes e suscitem questionamentos.

    Optamos por apresentar dados e anlises de pesquisa que mostram as informaes pedaggicas e lingusticas dos locais onde os alunos se encontram atravs de dois subttulos. No primeiro, Incluso e educao de surdos, diferentes sentidos e significados, discutimos a incluso e os tensos processos de lutas e de reivindicaes surdas em prol de uma educao que respeite a diferena cultural e lingustica dos surdos e a situao em que alunos surdos matriculados nos anos iniciais se encontram. No segundo, A situao lingustica e pedaggica na educao dos surdos includos, apresentamos uma anlise dos dados da pesquisa referentes situao lingustica e pedaggica em que se encontram alunos surdos, professores e intrpretes nas escolas.

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    Na concluso do texto, algumas respostas so dadas para as seguintes questes: quais necessidades temos que ter atendidas para que a incluso de surdos possa estar acontecendo com responsabili-dade, seriedade e respeito diferena? De que incluso e de que condies pedaggicas e lingusticas falamos quando argumentamos acerca do que vemos acontecer em nossas escolas?

    Incluso e educao de surdos, diferentes sentidos e significados

    Wittgenstein (1979), em seus movimentos ps-virada lngustica fornece-nos elementos para pensarmos no carter produtivo da linguagem. Produtivo no que ela traz de potncia de inventividade dada pelos usos que fazemos das coisas, das palavras, etc. Produtivo porque a linguagem no est fora, pois, afinal, nela mesma que se do significados e sentidos. No caso da incluso, podemos pens-la no em um plano metafsico ou extralingustico, que guarde um nico significado para o termo, mas como uma inveno com sentidos e significados particulares forjados neste mundo. Convivemos com a multiplicidade de usos - Incluso como bandeira de lutas de grupos especficos; incluso vivida por alguns e no por outros; incluso como uma ameaa de acontecimento; incluso com integridade; incluso sem que condies mnimas sejam garantidas; incluso de surdos; de pessoas com deficincia, de doentes; incluso no trabalho; incluso digital; incluso como fator que da mobilidade aos sujeitos na busca da satisfao de seus desejos, etc. Cada uso traz em si um jogo particular que articula outros usos e sentidos para uma mesma palavra. Ao usarmos a palavra incluso no estamos acionando significados universais e transcendentais, tampouco estamos acionando elos entre a experincia e a palavra. Estamos mergulhados em jogos de linguagem, que envolvidos em prticas sociais, determinam significaes distintas para as palavras. No jogo onde muitos sujeitos surdos militantes pelo reconhecimento da diferena surda esto mergulhados, a incluso toma o sentido de acolhimento tico.

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    Conforme Stumpf afirma a partir de sua prtica surda,

    [...] a incluso acontece a partir de dois movimentos: da construo social de toda a sociedade que entende e acolhe, e dos surdos, que vo participar porque se sentem acolhidos [...] Este movimento da sociedade implica em responsabilidade social como prtica constante no agir das pessoas e das instituies a partir de uma posio tica, uma posio em que a liberdade individual posta em segundo plano a fim de que a justia assuma primazia nas relaes intersubjetivas (STUMPF, 2008, p.27).

    Acolher pode significar oferecer refgio; proteger; abrigar; hospedar; receber algum junto de si. Cada significado referido pode integrar jogos de linguagens distintos. Assim como pode suscitar alojar a diferena surda, pode tambm suscitar sentimentos de recepo do outro junto a si. Em ambos os casos, a hospitalidade se manifesta; no entanto, quando hospedo algum que julgo sem condies, que julgo ser digno de minha tolerncia e de meu refgio, estou ancorado em sentimentos de tolerncia, de inferioridade e, talvez, de crena na incapacidade daquele que est sendo hospedado. Nessa perspectiva, o aluno surdo tomado como pea de uma categoria homognea a deficincia que, ao ser hospedado, acaba reafirmando a bondade daqueles que destinam alguns minutos de suas vidas para aceitar a estada (passageira) desse outro, inferior, ao seu lado. Receb-lo dentro da escola implica prticas que lembrem o quanto esse aluno especial e o quanto ele est ali porque isso lhe foi concedido. Atos e gestos mostram quem o aluno includo, o quanto ele pode aprender, at onde ele evoluir em sua aprendizagem.

    Na contramo dessa perspectiva, hospedar algum que julgo ser forte, ser diferente de mim simplesmente porque outro e porque compartilha de outro grupo cultural que est prximo e faz, em alguns momentos, fronteira com o grupo a que perteno, implica uma outra concepo de hospedagem e de acolhimento. Stumpf (2008), ao proclamar incluso tica, compartilha dos significados produzidos a

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    partir do jogo da acolhida como hospedagem da diferena. Ela no recusa a incluso como possibilidade, mas define a incluso a partir da tica. tica nas relaes com a diferena determina as condies do acolhimento. Acolhimento sem distino de raa, cultura, etnia, classe social, etc. Levinas (1997) afirma que a tica o prprio humano. a capacidade humana de dar em relao a si, prioridade ao outro.

    Perlin (2007), tambm pesquisadora surda no campo da educao, ao trazer a diferena cultural surda, possibilita-nos a leitura de algumas das marcas carregadas pelos surdos. Marcas que sinalizam no as construes surdas, mas a anormalidade. Conforme a autora, no h como definirmos trilhas que sejam bvias para chegarmos s identidades daqueles que se consideram normais. A trilha surda exige que os surdos se identifiquem enquanto surdos. Tal identificao fundamental para uma relao tica com o outro, em que assumimos a diferena no em uma relao comparativa, mas em uma relao de proximidade.

    No nos importa que nos marquem como refugos, como excludos, como anormais. Importa-nos quem somos, o que somos e como somos. A diferena ser sempre diferena. No tentem colocar todos os capitais do mundo para declarar-nos diversos porque no isso que estamos significando (PERLIN, 2007, p. 10).

    A autora, ao mesmo tempo em que sinaliza a importncia da identidade para marcar uma luta poltica, sinaliza que a diferena no reside nas marcas e na identidade. Nessa linha de pensamento surdo, compatvel com a de Stumpf (2008), a incluso est concebida como luta cotidiana pela necessidade e, s vezes, pelo direito de compartilhar e estar com o outro. Estar com o outro implica assumir as diferenas e assumir identidades no para que sejam combatidas ou classificadas, mas para que sejam reconhecidos os direitos de quem se coloca nas lutas culturais. A expresso lutas, neste texto, tem a funo de marcar que processos de negociao cotidianos no so naturais, no so harmnicos, no so de hospedagem gratuita. So disputados dentro de

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    jogos de poder onde posies sociais, econmicas e de normalidade so permanentemente colocadas sob suspeita por aqueles que esto na condio de exercer sobre o outro o poder de defini-los, de enquadr-los. A oposio surda no , portanto, aos processos de incluso, mas a tipos de entendimentos da incluso. Os surdos resistem incluso como o simples colocar no mesmo espao fsico ou como o simples estar junto. Resistem partilha do espao quando este destinado normalidade.

    Entender que o estar junto no pode ser percebido como o argumento central que sustenta a poltica inclusiva e resistir posio de subordinao no pode, no entanto, ser um processo lido como ser contra a incluso, mas pode ser lido como movimento de resistncia anormalizao surda por um tipo de incluso que acolhe o surdo como algum que deve se alojar inconfortavelmente na casa de outro. A resistncia como oposio surda est para certos jogos onde a incluso se d como imposio e como anormalizao surda e no para outros jogos onde o esprito que fazem movimentar as negociaes o da relao tica com o outro. Novamente nas palavras de Perlin (2007, p. 10):

    Continuamos a ser diferentes em nossas formas. Continua-mos a nos identificar como surdos. Continuamos a dizer que somos normais com nossa lngua de sinais, com o nosso jeito de ser surdos. Nossas posies de resistncia, como referem nossas nostalgias, tm de reivindicar iseno regra universal das identidades. Temos de seguir resistindo ou nos encontraremos em campos que nos obrigam a perecer. Da ento, simplesmente surdos, com os direitos que nossas representaes esto exigindo.

    A diferena para Perlin passa tanto por questes de identidade como por questes de subjetividade. Poderamos conceituar a palavra diferena de muitas formas, todas elas dadas pelos seus usos em distintos contextos. Carvalho (2008), fundada em Brah, apresenta quatro maneiras de conceituar diferena: diferena como experincia, inscrita no terreno das vivncias individuais; diferena como relao

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    social, constituda no interior das estruturas socioenmicas e polticas; diferena como subjetividade, em que estariam todas as discusses acerca das relaes do indivduo com a sociedade e diferena como identidade, em referncia a conjuntos de caractersticas que nos permitem estabelecer relaes de diferenciao. A discusso desencadeada pelos surdos permite-nos transitar entre esses conceitos citados acima, pois a forma de chegada de cada um deles nas questes relativas surdez que vai determinar a abordagem da diferena que estamos operando. Portanto, tais abordagens no so descartveis, no so excludentes, elas convivem e constituem os sujeitos.

    As discusses acerca da diferena tm-nos conduzido a estranhar os usos dados para a palavra dentro de campos de significao onde a patologia e a deficincia se colocam como marcadores. Nas palavras de Carvalho (2008, p. 22):

    No a deficincia em si mesma, nem as limitaes que impe ao sujeito que permitem caracterizar a diferena. Ela est nos entre lugares das experincias vividas que, at, podem levar duas pessoas com a mesma deficincia a conceituar suas diferenas de formas bastante distintas uma da outra.

    Nessa lgica da diferena dada pela experincia surda, embora as experincias entre indivduos surdos sejam semelhantes, no conformam a mesma diferena em seu sentido subjetivo. Surdos que vivem em comunidade possuem experincias subjetivas que os fazem sentir-se surdos de formas particulares. Mesmo distintos nas formas de ser, possuem pontos de convergncia entre suas experincias. Tais pontos podem ser desencadeadores de ligaes entre os sujeitos que compartilham vivncias. Embora marcas sejam subjetivas, elas tambm podem servir de identificadoras entre os indivduos.

    Para que identidades sejam compartilhadas, necessrio conviver com o outro semelhante. Viver entre surdos no condio natural para esses sujeitos, pois, geralmente, os surdos so filhos de pais ouvintes. A aproximao surda tem-se dado, na maioria dos casos, na escola,

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    quando a escola possibilita tal experincia. Nesse sentido, ao olharmos para os dados da pesquisa, podemos questionar como essa aproximao entre surdos est acontecendo nos 17 municpios que possuem alunos em processo de incluso. Considerando que, dos 466 alunos surdos matriculados nesses municpios, 116 encontram-se matriculados em classes de ouvintes e que apenas menos de 2% dos professores dessas escolas, ou seja, 7 professores, so surdos, podemos perguntar: como a convivncia entre pares surdos nessas escolas possibilitada? Quais as condies para que esses alunos partilhem experincias entre si, favorecendo a constituio de identidades a partir de marcas que os identifiquem como surdos?

    O que temos observado que surdos, ao entrarem na escola, comeam longos processos de in/excluso. Aqueles que no possuem experincias com outros surdos no desenvolvem marcas capazes de os identificarem com surdos e, neste caso, a marca acaba sendo a da deficincia e da anormalidade. Lopes, e Veiga-Neto (2006) salientam que, na relao com o ouvinte, os sujeitos surdos foram ensinados a olharem-se e a narrarem-se como deficientes auditivos. A marca da deficincia determinou e tem determinado, at nossos dias, a submisso dos surdos aos ouvintes, sendo que estes representam a normalidade e a referncia a ser seguida. Nesse jogo de imposio de marcadores que acabam definindo a alteridade surda, a diferena destes sujeitos passa a ser vista como algo indesejado no corpo. So sentimentos de discriminao, de compaixo, de dificuldade, de ameaa e de anormalidade que atravessam as subjetivadas surdas quando esses sujeitos no possuem o direito de se ver como surdos entre pares surdos.

    Considerando a escola, entre outras possibilidades, como espao privilegiado para trocas, encontros com semelhantes, aprendizado e construo de identidade, temos de ficar atentos para as experincias de in/excluso vividas neste espao. Tais experincias podem ser um indicativo dos fatores responsveis pela diminuio do nmero de alunos matriculados no ensino mdio se comparado ao nmero de alunos matriculados no ensino fundamental. Segundo os dados da

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    pesquisa, dos 116 alunos que esto includos em escolas regulares, 6 esto na educao infantil, 69 esto no ensino fundamental, 7 esto no ensino mdio e 3 na educao de jovens e adultos. Que outras razes podem estar implicadas na diminuio do nmero de matrculas do ensino fundamental para o ensino mdio?

    Olhando ainda para os nmeros da pesquisa, identificamos que, dos 466 alunos, 49 alunos no frequentam srie de ensino, pois esto em atendimento diferenciado devido ao fato de possurem outras deficincias associadas; 116 esto matriculados em classe especial. Nesse momento, poderamos partir para uma discusso binria com relao a espaos mais adequados ou prticas mais eficazes destinadas aos alunos surdos. Nessa perspectiva, estaramos olhando para os espaos educacionais como se pudssemos separ-los em dois blocos - os especiais e os regulares - e inferir que as prticas que so desenvolvidas nesses dois espaos so sempre as mesmas, independente das particularidades que cada um deles possa apresentar. A generalizao dos espaos a partir de critrios homogneos tem sido responsvel pela naturalizao de discursos a favor ou contra a escola especial ou inclusiva. No entanto, o olhar lanado para os nmeros neste texto procurou no encontrar respostas consideradas mais adequadas em oposio a outras, mas problematizar os significados que eles podem representar, ou ainda, problematizar aquilo que tem sido dito e feito com relao a incluso. Nesse sentido, entendemos que estar includo na escola regular no significa garantia de aprendizagem, assim como estar na escola de surdos e/ou especial tambm no.

    Como Menezes (2008, p. 131), entendemos que

    [...] pensar a educao daqueles historicamente produzi-dos como no aprendentes no significa tratar de uma questo de permanncia nos mesmos espaos ou em espaos diferentes, tampouco de uma questo de um saber especial ou de mltiplos saberes. Trata-se de nos questionarmos se os alunos ditos em processo de incluso podem ser percebidos para alm das narrativas que os

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    constituem como no-aprendentes. Talvez, se pensarmos em outras prticas prticas que no partam de uma percepo de diferena capturada em categorias: os deficientes, os hiperativos, os portadores de sndromes, etc. , possamos romper com a compreenso de que cada aluno carrega em si uma identidade nica, estvel. Identidade essa que tem sido instituda em situao de desvantagem e, por isso, precisa ser compensada, corrigida, reabilitada.

    A questo est no olhar que lanado sobre os sujeitos. O espao fsico, embora seja um importante comeo para que possamos falar de incluso, no condio suficiente para garanti-la. Essa uma questo que passa pela articulao das experincias vividas pelos sujeitos em particular e pelos sujeitos no grupo social. Se os surdos no compartilham de um grupo social surdo que conjugue subjetividades que os faam construir uma alteridade surda, difcil que tenham referenciais surdos para se autodeclararem como tais, reivindicando outras formas de serem categorizados por seus pares e por aqueles que trabalham com eles. Tambm difcil que se vejam como capazes de estar includos em condio de dignidade, pois a desigualdade de condies de desenvolvimento e aprendizagem dos surdos includos em relao aos ouvintes se impe aprendizagem e as trocas sociais tanto entre surdos como entre surdos e ouvintes. Nessa lgica excludente da incluso, so produzidas subjetividades marcadas pela falta de comunicao, pelo limite com o outro e pela incapacidade de aprender na escola.

    A situao lingustica e pedaggica na educao dos surdos includos

    Pedagogicamente podemos afirmar que, se no h um cdigo comunicativo comum mnimo entre professores e alunos, no h ou no se faz pedagogia. Afinal, por que alunos surdos vo escola regular? Essa pergunta seria fcil de responder dentro de um contexto onde um cdigo comunicativo comum existisse, onde a aprendizagem fosse uma

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    questo primordial e onde a incluso fosse pautada pela tica (STUMPF, 2008) e pelo respeito e atendimento da diferena surda. No contexto da pesquisa, os alunos surdos esto indo para a escola regular para que sejam aproximados aos ouvintes. No nos referimos a uma aproximao fsica, mas a uma aproximao que tem permitido a comparao entre surdos e ouvintes. Sabemos que a comparao dentro de nossas escolas inevitvel, pois, entre outros aspectos, ao comparar, criamos normas e, a partir destas, estabelecemos medidas de (a)normalidade. Prticas divisrias so criadas nas relaes de comparao que no esto pautadas em princpios orientados pela diferena e pela tica. No caso dos alunos surdos includos em turmas de ouvintes, a condio de estar sozinho na turma, de no ter uma lngua estruturada para que a comunicao se estabelea de forma fluente, de no ter, s vezes, nem mesmo em toda a escola, outro colega surdo que compartilhe de experincias semelhantes e de os professores no terem recebido formao para atuarem com surdos, faz com que as bases da incluso sejam estabelecidas a partir de princpios de normalizao e de correo. Nessa situao, encontram-se 74% dos alunos das regies investigadas, matriculados em escolas que possuem apenas 1 aluno surdo matriculado. Esses alunos vivenciam diariamente as dificuldades apresentadas pelos professores, que afirmam no saber como trabalhar com eles. As justificativas dadas pelas escolas para tais condies que os alunos, pelo simples fato de estarem na escola com ouvintes, esto-se socializando e tendo outras experincias de crescimento. Sem dvida, o fato de estar com outros em qualquer espao pblico favorece o crescimento, mas essa no pode ser uma justificativa escolar para a incluso.

    Lopes (2005, p. 41), ao problematizar o conceito de incluso como socializao, escreve que este no pode ser usado como sendo o fim primeiro da incluso. Conforme a autora, a socializao um dos objetivos da escola, mas com ele o aprender, o ter limites, o se comunicar e a autonomia tambm determinam o sucesso e o fracasso do projeto da escola inclusiva.

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    Considerando o exposto acima, voltamos a olhar para os dados da pesquisa, tentando pensar sobre qual incluso estamos nos referindo quando olhamos para os contextos educacionais envolvidos na problematizao em questo. Dos 116 alunos includos nas escolas, 74% esto sozinhos na srie de ensino e na instituio. Isso significa que, sendo filhos de pais ouvintes e no tendo referncia surda, os alunos que esto em 31 escolas no possuem condio para se verem longe das narrativas de normalizao, correo e anormalidade. Em situao um pouco diferente, em 9 escolas, foram contabilizados 22% dos alunos que compartilham com outros alunos surdos alguns espaos escolares. No recreio, nas atividades coletivas e nos projetos desenvolvidos pelas escolas, os alunos surdos podem se encontrar e, de alguma forma, estabelecer elos identitrios entre eles, principalmente porque, nesses casos, alunos surdos mais velhos e fluentes em lngua de sinais acabam servindo de referncia para os demais.

    Em apenas uma das escolas, h 26 alunos surdos includos, perfazendo 2% do total das escolas. Nessa instituio, h matriculas de alunos surdos em uma mesma turma. Os professores afirmam conhecer a lngua de sinais, pois a escola oferece curso de formao. A questo levantada nessa situao em particular que os professores no contam com intrpretes em suas aulas. Precisam falar em Portugus e depois em Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS). inegvel que o fato de estarem com outros alunos surdos, de possurem um professor que se comunica e de os prprios alunos usarem a lngua de sinais para se comunicarem so condies primordiais no caso da incluso, mas o que se mostra aqui a dificuldade encontrada pelos docentes em se movimentar nas duas lnguas durante um perodo de aula.

    O intrprete condio de acessibilidade na falta do professor surdo ou do professor ouvinte que seja fluente em Libras. Mas, fazer de conta que um nico professor pode falar duas lnguas ao mesmo tempo fingir que o ensino inclusivo (STUMPF, 2008, p. 24).

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    A ausncia do intrprete junto com os professores tem dificultado processos de ensino que precisam ser desencadeados para que a aprendizagem acontea sem prejuzos aos alunos surdos e aos alunos ouvintes, bem como para que processos de incluso sejam mobilizados permanentemente no contexto escolar.

    Quando se est em um contexto onde a lngua de sinais j aceita e utilizada, quando os professores compartilham o discurso da diferena surda e quando os alunos surdos tm a possibilidade de estar entre pares na sala de aula de ouvintes, as lutas pela qualidade de educao so outras. Entre o que se reivindica est a presena constante de um intrprete em sala de aula e a formao profissional dos professores que atuam com alunos surdos em situao de incluso. Sem a presena de intrpretes e sem que o professor tenha uma formao mais slida no que se refere educao de surdos, mais especificamente, no que se refere a procedimentos curriculares e pedaggicos implicados em uma educao bilngue bicultural para surdos, prejuzos para os professores e alunos estaro sendo produzidos. Entre os prejuzos, possvel citar a pura e simples memorizao por parte do aluno surdo de vocabulrio em Portugus. Conforme Karnopp (2005, p. 25),

    o problema reside na concepo de leitura e escrita, e nas prticas inadequadas de trabalho com palavras e textos na lngua portuguesa que predomina na maior parte das escolas de surdos do Brasil. O fato que continua a prevalecer uma preocupao com a memorizao e decodificao de palavras, sendo atribuda pouca ou nenhuma importncia aos usos da escrita enquanto prticas sociais mais amplas (letramento).

    Mesmo se referindo a prticas de escolas de surdos, a autora possibilita-nos olhar para o contexto de incluso analisado acima. Alunos surdos tanto quanto alunos ouvintes necessitam interagir com a leitura para que no fiquem apenas apegados ao vocabulrio memorizado pela repetio do que aparece nas atividades escolares. O trnsito dos surdos pela lngua portuguesa tem que ser amplo no

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    sentido de convivncia com a escrita e com a leitura. Uma abordagem bilngue de educao de surdos implica estabelecer que o trabalho na escola vai se dar em duas lnguas, sendo a primeira a lngua de sinais e a segunda a lngua da comunidade prxima, nesse caso, a lngua portuguesa. No caso dos surdos,

    viver em uma condio bilngue implica viver concomitan-temente numa condio bicultural. A convivncia surda, tanto com a comunidade surda quanto com a comunidade ouvinte, imprime traos identitrios distintos nos sujeitos surdos, pois esses partilham de elos que os posicionam de formas especficas, ora como surdos quando esto na comunidade surda -, ora como no-ouvintes quando esto entre ouvintes (LOPES, 2007, p. 67).

    Nessa linha de pensamento, ser bilngue implica no transformar uma das lnguas em trampolim para o aprendizado da outra. A lngua de sinais e a lngua portuguesa so mantidas porque a primeira permite ao sujeito se identificar e viver uma experincia visual, e a segunda permite ao surdo estar entre brasileiros, sendo brasileiro.

    Entre as exigncias de uma escola que se diz bilngue, talvez a mais difcil para a escola seja romper com uma viso hegemnica de surdez, em que a surdez pensada como sinnimo de limite e de deficincia. Admitir a surdez como uma inveno forjada na cultura, bem como pensar o que seria uma proposta de educao bilngue para surdos, implica retomar compreenses equivocadas ou reducionistas de que bilinguismo um conjunto de mtodos e tcnicas de ensino usados em sala de aula para ensinar alunos surdos (LOPES, 2007, p. 68). Portanto, o bilinguismo para surdos refere-se ao portugus em sua modalidade escrita, no sendo o conhecimento da modalidade oral um elemento determinante para esse enquadramento.

    Voltando anlise para a presena ou no dos intrpretes de lngua de sinais nas escolas, encontramos 23 profissionais nas regies investigadas; 12 encontram-se atuando em outras funes e no necessariamente com alunos surdos nas escolas; 6 esto em sala de aula

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    como professores e 1 afirma que trabalha como itinerante. Embora no tenhamos muita firmeza para caracterizarmos os interpretes, pois no buscamos pela formao que possuam, nem mesmo buscamos analisar, nessa fase da pesquisa, o domnio da LIBRAS por parte deles, podemos destacar que h um desconhecimento por parte dos professores que atuam nas turmas tanto sobre o intrprete quanto sobre a atuao deste com os alunos.

    Muitos dos professores que responderam a planilha da pesquisa, mais especificamente aqueles que informam (no item 11) algo a mais que gostariam de salientar, afirmam que conhecem a lngua de sinais e que servem de intrpretes nas atividades da escola; porm, ao mesmo tempo em que fazem essa afirmao, tambm informam que os alunos no possuem lngua de sinais estruturada e que se comunicam com gestos convencionados em casa. Tais respostas nos indicam que, alm do desconhecimento da figura e do trabalho do intrprete, muitas vezes at mesmo confundido com o trabalho do professor, h o desconhecimento do sujeito surdo. Caldas (2008, p.144), ao contar sua experincia como aluna surda includa na escola regular, afirma que os professores no sabiam nada sobre surdez. Ela escreve que no havia uma real preocupao com o aprendizado, ou com a compreenso do contedo e sim com o saber responder as questes propostas e isso j bastava. Pelo fato de eu conseguir isso, era considerada igual aos demais alunos ouvintes.

    Na mesma direo do exposto por Caldas, Lopes (2006) narra a experincia que teve ao ser procurada por alunos surdos que gostariam de entrar em reforo pedaggico para aprender o portugus escrito. Esses alunos, todos integrantes da comunidade surda e militantes da causa surda, reivindicavam o direito de aprender na escola. Queriam fazer concurso pblico e vestibular, mas alegavam no estar preparados para tanto. Como estudantes do ensino mdio, eles acumulavam histrias tanto na escola de ouvintes como na escola de surdos. Ambas as escolas, na avaliao dos alunos, no ensinavam os contedos aos surdos. Ao analisar alguns excertos de falas de professores que atuavam com alunos surdos includos, Lopes (2008, p. 43) escreve:

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    A aprendizagem dos alunos surdos fica relegada ao domnio de alguns cdigos, ao estabelecimento de rela-es entre um conjunto de palavras e um conjunto de desenhos e memorizao de algumas palavras e con-ceitos previamente colocados. A memorizao mecnica e sem razes na lngua portuguesa e a memorizao de regras gramaticais no permitem que os surdos utilizem a lngua como um instrumento que pode servir de estratgia para negociar com ouvintes outros sentidos para o que aprendem.

    Diante do quadro da educao de alunos surdos includos nas escolas do Vale do Rio dos Sinos e Serra gacha, nossa preocupao se volta para os processos pedaggicos e lingusticos implicados na incluso escolar. No levantamento da situao dos alunos nos municpios da pesquisa, inquieta-nos a pouca mobilizao de professores, de familiares, mas principalmente de sujeitos surdos. So estes ltimos os responsveis por alimentar a luta e proporcionar a independncia e autonomia surda. Manter a dependncia surda dos ouvintes, ou manter os alunos surdos enquadrados em representaes de deficincia parece ser algo recorrente em nossos materiais.

    Enfim...

    Ao iniciarmos este texto, antecipamos nossa inteno de indicar necessidades que precisam ser atendidas para que a incluso de surdos possa acontecer com responsabilidade, seriedade e respeito diferena. Diante da necessidade de conclu-lo, percebemos que no temos como apontar todas as necessidades que estariam implicadas na incluso dos surdos na escola regular. Podemos, sim, frisar algumas das indecises, inseguranas e carncias vividas pelos professores dentro das escolas envolvidas em nossa investigao. Uma das necessidades mais evidentes em nossas planilhas de pesquisa a de formao de professores. Associada a isso, vale ressaltar a necessidade da formao dos gestores que atuam nas escolas, em secretarias e coordenadorias de educao.

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    No parece haver domnio por parte de muitos profissionais das especificidades, nem mesmo de nomenclaturas envolvidas na educao de surdos, muito menos especificidades lingusticas envolvidas nas questes pedaggicas.

    Outra necessidade evidente o levantamento e o controle das matrculas dos alunos surdos. No h dados atualizados sobre esses registros, assim como no h controle maior sobre o que denominamos de processos de migrao escolar de surdos. Chama-nos a ateno o fato de as coordenadorias de educao do Estado e boa parte das secretarias de educao dos municpios envolvidos na investigao no possurem maiores informaes acerca desses alunos. Sem ter o acompanhamento deles, no conseguem providenciar recursos necessrios para que a incluso tica acontea.

    Mais uma necessidade para que a incluso possa acontecer sob outras condies a presena de intrpretes nas escolas atuando como intrpretes. O que encontramos nos municpios - intrpretes itinerantes, que trabalham uma vez por semana na escola, do aula de lngua de sinais para professores e atuam como professor de turma - dificulta e/ou impede que a incluso possa estar acontecendo com garantia aos alunos de condies de igualdade de participao. Ter uma lngua estruturada que possibilite a constituio de uma identidade surda condio importante para que os sujeitos surdos se desenvolvam e orientem sua participao na escola. Sabemos que so muitas as realidades envolvidas nessas incluses, mas sabemos tambm que a orientao de matrcula e a proposta pedaggica para que a incluso acontea so construdas pelas escolas.

    Vemos muitos professores lutando para que seus alunos sejam atendidos. Vemos escolas que deslocam o professor de srie ano a ano para que o mesmo professor acompanhe o aluno surdo, mas so poucas as escolas que se dizem inclusivas porque possuem projetos de incluso envolvendo a instituio e no um nico profissional. Isso nos faz pensar que talvez nossas maiores necessidades para que possamos falar de incluso de surdos esto ancoradas na mudana de olhar/cultura sobre o surdo e na falta de vontade poltica de fazer mudanas e

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    promover aes que venham a modificar as relaes mantidas nas escolas ditas inclusivas. Lopes (2007), ao argumentar sobre a incluso, escreve que este o nome que se d para um conjunto de projetos que deveriam estar articulados entre si e permanentemente sendo questionados pelas instituies educativas.

    De que incluso e de que condies pedaggicas e lingusticas falamos quando argumentamos acerca do que vemos acontecer em nossas escolas? Falamos de uma incluso excludente fundada na abnegao de professores que se vem altruisticamente envolvidos com um projeto que no deveria ser s seu. Movidos muitas vezes por razes religiosas, civis, missionrias, pedaggicas e at mesmo de autoajuda e voluntariado, os professores se mobilizam pela incluso, entendendo-a como imperativo tico e no como compromisso poltico de um Estado que prope e faz campanhas de incluso de todos na escola. Talvez seja importante concluir este trabalho com uma provocao, diramos pedaggica, s escolas: Que compreenso de surdez, de sujeito surdo, de educao de surdos, de identidade e de cultura a escola possui? Como projetos esto sendo realizados para que a INCLUSO acontea? Tais projetos prevem as diferenas entre os sujeitos e as especificidades de sua cultura e aprendizagem? Que princpios lingusticos e pedaggicos esto sendo criados para balizar uma escola inclusiva que deve estar em permanente (des)construo?

    Referncias

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    LOPES, Maura Corcini; VEIGA-NETO, Alfredo. Marcadores culturais surdos: quando eles se constituem no espao escolar. Perspectiva. Florianpolis, v. 24, n 24, n especial, jul/dez, p. 81-100, 2006.

    LOPES, Maura Corcini. Surdez & Educao. Belo Horizonte: Autntica, 2007.

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    Maura Corcini Lopes. Possui Graduao em Educao Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestrado e Doutorado em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Programa de Ps-Graduao em Educao e do Curso de Pedagogia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Coordenadora do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educao de Surdos (GIPES/CNPQ).

    Email: [email protected]

    Eliana da Costa Pereira de Menezes. Possui Graduao em Educao Especial e Mestrado em Educao pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutoranda em Educao na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Professora das Faculdades Palotinas (FAPAS/Santa Maria).

    Email: [email protected]

    Submetido em: novembro de 2009 Aceito em: julho de 2010