indicação geográfi ca: uma ferramenta de inclusão social · bahia agríc., v.8, n. 2, nov. 2008...

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31 Bahia Agríc., v.8, n. 2, nov. 2008 SOCIOECONOMIA Indicação Geográfica: uma ferramenta de inclusão social Edilberto Gargur* Este artigo tem o intuito de discutir ações de cunho estratégico que possam contribuir para a inclusão social de di- versos segmentos da sociedade, o que os profissionais de marketing denomi- nam de Marketing de Inclusão, após a constatação de que a Bahia é um Estado com forte vocação agrícola, que pos- sui a maior população rural do país e, no entanto, o setor primário tem pouca representatividade no Produto Interno Bru- to baiano, e a necessidade de o Estado ter uma agricultura avançada de perfil familiar. Apesar da preocupação com a estru- tura familiar da área rural, são necessárias diversas ações que garantam a perma- nência do cidadão no campo como a diversificação da produção agrícola, a melhoria quantitativa e qualitativa da produção, o acesso a financiamento, o aumento do investimento em novas tec- nologias, a redução do custo de produ- ção, a melhoria das malhas rodoviária e ferroviária, a melhoria do conhecimento e controle das variáveis mercadológicas e o treinamento gerencial e de mão-de- obra. Entre as dificuldades para o desen- volvimento da atividade agrícola no Es- tado podemos apontar a utilização de tecnologias impróprias para a produção, o baixo nível de organização dos produ- tores, a falta de padronização e de boas condições higiênicas dos produtos, co- mercialização fragmentada e marketing desestruturado. Para reversão dessa situação alguns comentários são necessários, como a importância da análise do mercado con- sumidor no enfoque de cadeia produtiva, quando, é analisado o ambiente externo, ou seja, o mercado na qual está operan- do a unidade produtiva. É interessante começar com um desenho da cadeia (sistema), seguido de levantamento de dados secundários existentes, da estrutu- ra do mercado e análise geral dos con- correntes, e concluir com as oportuni- dades e ameaças advindas das variáveis incontroláveis (ambiente político/legal, econômico, ecológico, sociocultural e tecnológico). No segundo momento, o estabe- lecimento dos objetivos e metas de *Mestre em Análise Regional,Professor, Salvador-BA; e-mail: [email protected] Foto: Silvio Ávila - Editora Gazeta Santa Cruz “Café do Cerrado”, café de alta qualidade em Minas Gerais

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31Bahia Agríc., v.8, n. 2, nov. 2008

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Indicação Geográfi ca: uma ferramenta de inclusão social

Edilberto Gargur*

Este artigo tem o intuito de discutir ações de cunho estratégico que possam contribuir para a inclusão social de di-versos segmentos da sociedade, o que os profi ssionais de marketing denomi-nam de Marketing de Inclusão, após a constatação de que a Bahia é um Estado com forte vocação agrícola, que pos-sui a maior população rural do país e, no entanto, o setor primário tem pouca representatividade no Produto Interno Bru-to baiano, e a necessidade de o Estado ter uma agricultura avançada de perfi l familiar.

Apesar da preocupação com a estru-tura familiar da área rural, são necessárias diversas ações que garantam a perma-nência do cidadão no campo como a diversifi cação da produção agrícola, a

melhoria quantitativa e qualitativa da produção, o acesso a fi nanciamento, o aumento do investimento em novas tec-nologias, a redução do custo de produ-ção, a melhoria das malhas rodoviária e ferroviária, a melhoria do conhecimento e controle das variáveis mercadológicas e o treinamento gerencial e de mão-de-obra.

Entre as difi culdades para o desen-volvimento da atividade agrícola no Es-tado podemos apontar a utilização de tecnologias impróprias para a produção, o baixo nível de organização dos produ-tores, a falta de padronização e de boas condições higiênicas dos produtos, co-mercialização fragmentada e marketing desestruturado.

Para reversão dessa situação alguns comentários são necessários, como a importância da análise do mercado con-sumidor no enfoque de cadeia produtiva, quando, é analisado o ambiente externo, ou seja, o mercado na qual está operan-do a unidade produtiva. É interessante começar com um desenho da cadeia (sistema), seguido de levantamento de dados secundários existentes, da estrutu-ra do mercado e análise geral dos con-correntes, e concluir com as oportuni-dades e ameaças advindas das variáveis incontroláveis (ambiente político/legal, econômico, ecológico, sociocultural e tecnológico).

No segundo momento, o estabe-lecimento dos objetivos e metas de

*Mestre em Análise Regional,Professor, Salvador-BA; e-mail: [email protected]

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marketing, sendo que os principais ob-jetivos devem ser colocados, em termos de vendas, de participação de mercado, lucratividade e outros. O nível de deta-lhamento deve ser o maior possível, para que essas metas possam ser observadas no transcorrer do período para o qual o estudo foi elaborado. Deve-se discorrer sobre segmentação de mercados, sele-ção de mercados-alvo, diferenciação, en-tre outros fatores.

Uma ferramenta que pode contribuir para a redução das desigualdades entre as regiões é o Marketing de Território que busca a satisfação das necessidades – de-mandas dos residentes, turistas e investi-dores de um território ou entidade admi-nistrativo-territorial, produzindo benefício para a sociedade civil local. É uma valiosa ferramenta de desenvolvimento social e econômico de um município, região, país ou território particular.

O Marketing de Território é uma perspectiva para pensar e planejar o de-senvolvimento a partir das expectativas e necessidades de moradores, turistas e investidores, é uma análise integrada e prospectiva destinada a agir no território e uma prática de promoção destinada a dar uma maior e melhor visibilidade e no-toriedade aos lugares.

O desenvolvimento sustentado é centrado nas condições do território, pro-curando qualifi car a oferta territorial e os

fatores internos, satisfazendo as necessi-dades e expectativas dos interessados.

Nesse contexto, os territórios preci-sam diversifi car sua base econômica e criar mecanismos para se adaptar fl exivel-mente às novas condições de mercado, desenvolvendo e alimentando caracte-rísticas empreendedoras e estabelecen-do incentivos atraentes para os atuais e possíveis compradores e usuários de seus bens e serviços.

Uma ferramenta para a promoção de um território é a implantação de um Sis-tema de Indicação Geográfi ca. Uma ma-neira de desenvolver produtos com maior valor agregado, favorecendo a diversifi ca-ção agrícola, promovendo determinadas características, podendo contribuir para a melhoria do rendimento dos agricultores e para a sua fi xação no campo.

Apesar das diversas denominações existentes no mundo como: Denomina-ção de Origem (DO), Denominação de Origem Controlada (DOC), Denominação de Origem Protegida (DOP), Indicação Geográfi ca (IG), Indicação Geográfi ca Protegida (IGP), Indicação de Procedên-cia (IP) e Apelação de Origem (AP). Uma Indicação Geográfi ca compreende dois níveis: a Indicação de Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO).

A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual no Brasil, em

seu art. 176, defi ne uma Indicação Geo-gráfi ca como Indicação de Procedência no art. 177:

“Considera-se indicação de proce-dência o nome geográfi co de país, cida-de, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabrica-ção de determinado produto ou de pres-tação de determinado serviço.”

E como Denominação de Origem (DO) no Art..178:

“Considera-se denominação de ori-gem o nome geográfi co de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualida-des ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfi co, incluídos fatores naturais e humanos.”

O mesmo ocorre com o Instituto Na-cional da Propriedade Industrial - INPI, através da Resolução nº 075/2000, no Art 2º e § 1º e 2º, que defi ne as Indicações Geográfi cas (IG) de forma semelhante.

A origem das Indicações Geográfi cas remonta ao apogeu do Império Romano, quando os imperadores recebiam vinhos com indicação da procedência nos vasos. E existem casos clássicos como o mármo-re de Carrara, na região da Toscana, na Itá-lia, e o vinho de Falerne, na divisa do Lácio e a Campânia. A última lista conhecida de Indicação Geográfi ca do Império Roma-no foi a publicada no Edito de Dioclecia-no, em 301, na qual vinhos de seis regiões podiam ser vendidos a um preço maior que os outros, sendo Falerne, Picénum, Savine, Sezze, Sorrento e Tibur.

No aspecto jurídico a Convenção da União de Paris (CUP), voltada para a pro-priedade intelectual, ocorrida em 1883, não defi ne de forma precisa o que é uma Indicação Geográfi ca. E o Acordo de Ma-dri, de 1891, do qual o Brasil é signatário desde 1896, não impossibilitava o uso de termos genéricos. Porém o Acordo de Lisboa, de 1958, relativo à proteção das Denominações de Origem e seu Registro Internacional, é um sistema de proteção da Indicação Geográfi ca, do qual o Brasil não é signatário, não obstante o Gover-no brasileiro ter criado, recentemente, na Vinho do Vale dos Vinhedos (RS), reconhecido como Indicação de Procedência (IP)

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estrutura do Ministério da Agricultura, Pe-cuária e Abastecimento, uma Coordena-ção de Incentivo à Indicação Geográfi ca de Produtos Agropecuários.

A região com maior tradição de Indi-cação Geográfi ca é a Europa, com 4.900 Indicações Geográfi cas registradas na Comunidade Européia, sendo a França o grande destaque, com 470 Apelações de Origens Controladas de vinhos, 45 de produtos lácteos e 23 AOCs de outros alimentos (nozes, pimentas, etc.), além de 67 Indicações Geográfi cas Protegidas (IGPs) de diversos tipos (aves, presuntos, etc.). Existem, aproximadamente, 600 ar-tigos dentro do Sistema de Indicações Geográfi cas, onde estão inseridos mais de 140 mil produtores.

A experiência francesa remonta ao século XVII, sobre vinhos, quando surgiu a primeira Appellation d’Origine, Château-neuf-du-Pape. O nascimento da Denomi-nação de Origem Controlada (DOC), nos vinhos, aconteceu em 1919, sendo criado em 30 de julho de 1935, o Institut Natio-nal des Appellations d’ Origine (INAO), vinculado ao Ministério da Agricultura da França que regula o sistema jurídico para as Denominações de Origem. Em 1960, ocorre a extensão da DOC para os produ-tos lácteos e a criação dos labels (selos); em 1976, surge os labels regionaux (selos regionais); em 1988 surge a certifi cação de conformidade; sendo que, em 1990, acontece a extensão da DOC para todos os produtos. Com Denominação de Ori-gem, a França possui, hoje, 10 queijos de leite de cabra: Chabichou, Chevrotin, Crot-tin de Chavignole, Pélardon, Picodon de la Drome, Poligny Saint Pierre, Rocamadour, Sainte Maure de Touraine, Selles sur Cher e Valençay.

Com Denominação de Origem Pro-tegida, Portugal possui, hoje, 10 Indica-ções Geográfi cas de mel, sendo: da Serra da Lousã, da Serra de Monchique, da Terra Quente, das Terras Altas do Minho, de Bar-roso, do Alentejo, do Parque de Montezinho, do Ribatejo Norte (Serra D’aire, Albufeira de Castelo de Bode, Bairro, Alto Nabão) e dos Açores.

Com Denominação de Origem Pro-tegida, a Espanha possui, hoje, 19 Indi-cações Geográfi cas de azeite: de La Rioja, de Mallorca, de Terra/Oli de Terra Alta, del Bajo Aragon, Monterrubio (Badajoz), Ante-quera (Andaluzia), Baena (Córdoba), Gata-Hurdes (Cárceres), Les Garrigues (Lleida), Mantequilla de Sória (Castela Leão), Montes de Granada, Montes de Toledo, Poniente de Granada, Priego de Córdoba, Sierra de Cádiz, Sierra de Cazorla (Jaén), Sierra de Se-gura (Jaén), Sierra Mágina (Jaén) e Siurana (Tarragona).

Como exemplos clássicos podemos citar: charuto Cohiba (Havana, Cuba), Ca-cau Chuao (Venezuela), mármore Carrara (Itália), licor Pisco (Peru), queijo Roquefort (França), rum (Cuba), aguardente Singani (Potosí, Bolívia), vinho Châteauneuf-du-Pape (Vallée du Rhône, França), vinho da Galícia (Espanha), vinho do Porto (Portu-gal), vinho de Bordeaux (França), presun-to de Parma (Itália), torrones de Alicante (Espanha), café da Colômbia, tequila (Mé-xico), chá de Darjjeling (Índia) e o café Vera Cruz (México).

A Organization for an International Ge-ographical Indications Network – oriGIn é a primeira associação internacional de pro-dutores de Indicação Geográfi ca, criada em junho de 2003, em Genebra, na Suíça e, formalmente, reconhecida em Alicante, na Espanha, em novembro do mesmo ano, que reúne mais de 30 países, com a

participação de mais de 70 organizações de produtores, representando mais de um milhão de produtores.

As Indicações Geográfi cas proporcio-nam as seguintes contribuições: valori-zam e protegem os produtos; fi xam o ho-mem no seu habitat de origem; ajudam aos consumidores nas suas escolhas; são instrumentos de agregação de valor, com geração de emprego e renda, que possibi-litam a inclusão social; protegem a marca e a imagem dos produtos; incrementam o desenvolvimento tecnológico da área envolvida; facilitam a presença dos pro-dutos nos mercados interno e externo; estimulam a melhoria quantitativa e qua-litativa da produção; afi rmam a imagem de um território; e são reconhecidas pelo tratado de comércio sobre os direitos de propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC), conhecido como Trade-Related Aspects of Intellec-tual Property Rights (TRIPS).

Um Sistema de Indicação Geográfi ca é uma ferramenta de desenvolvimento socioeconômico e propicia um produto único, em área territorial bem defi nida, com uma relação íntima entre produto, meio ambiente, conhecimento humano e características devidas ao meio geográ-fi co.

Hoje, o Brasil possui quatro Indica-ções Geográfi cas, todas reconhecidas como Indicações de Procedência (IP): o

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Café do Cerrado (MG), o vinho do Vale dos Vinhedos (RS), a carne da Campanha do Pampa Meridional (RS) e a cachaça de Paraty (RJ).

No Brasil, uma das primeiras iniciati-vas do gênero foi a do Conselho das As-sociações dos Cafeicultores do Cerrado (CACCER), localizado no município de Patrocínio, no Estado de Minas Gerais, instituída em 1993 e que, atualmente, conta com 3.500 produtores rurais, 4.500 propriedades, em 55 municípios, e 155 mil hectares plantados com pés de café, com uma produção média de 3.500.000 sacas de 60 kg, 10% da produção nacio-nal. A criação do Conselho permitiu a demarcação de uma região de origem, a qual produz café de alta qualidade, e o lançamento de uma marca para o pro-duto, denominada de “Café do Cerrado”. Em 2005, Conselho recebeu o reconheci-mento de direito, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, sendo

uma primeira Indicação Geográfi ca de café no mundo.

Concluindo, a implantação de um Sis-tema de Indicação Geográfi ca no Estado da Bahia propiciaria a organização da pro-dução e agregação de valor ao produto, garantindo, assim, a sua projeção no mer-cado interno e externo, com a divulgação e projeção da marca Bahia. Algumas ini-ciativas já estão se desenvolvendo, como os trabalhos realizados para a Indicação de Procedência da cachaça de Abaíra, na Chapada Diamantina, sob a coordenação do Ministério da Agricultura e em parceria com a SEAGRI, EBDA, SEBRAE e UNIFACS. Espera-se maiores avanços.

REFERÊNCIASAMARAL FILHO. J. do. A endogeneização no desen-volvimento econômico regional e local. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, v. 23, p.261-286, 2001.

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