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2 Jornada Pedaggica da Educao InfantilQuero ensinar as crianas, elas ainda tm olhos encantados.
Dia 18 de julho de 2011
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INFNCIA & PSICOLOGIA
Marcos Tericos da Compreenso do Desenvolvimento da Criana Pequena
Vera Maria Ramos de Vasconcellos
Faculdade de Educao UERJ
Introduo
A Psicologia do Desenvolvimento se constitui, historicamente, em dilogo com a Infncia. Fala-se
de gneses (origem), incio: de infncia da Psicologia da Infncia (Kohan, 2003). O que fez a Psicologia
com o conhecimento acumulado de tanto estudar a criana? O que fez a Psicologia com as imagens de
Infncia e criana que construiu ao longo de todo o sculo XX Sculo da Criana? A quem a Psicologia
serve/serviu quando fala de Infncia? E em que momento a Psicologia deixa de falar das/sobre as crianas
e comea a falar com as crianas?
Para responder a essas perguntas decidimos transitar pelos principais marcos tericos tradicionais
Psicologia do Desenvolvimento voltada para a Infncia, produzidos ao longo da histria. Esperamos
que, pela localizao histrica das principais linhas de pensamento, dando destaque Teoria do Apego
(Attachment Theory) de John Bowlby (1969), Epistemologia Gentica de Jean Piaget (1936-70),
sociognese de Henry Wallon (1949/95, 1979) e perspectiva socio-histrica de Lev Vygotsky (1986/
95, 1987), possamos discutir a relao entre os fatores sociais e biolgicos, presentes nas teorias do
Desenvolvimento que falam da Infncia, a partir das tendncias da literatura internacional do incio do
sculo XX at a atualidade. Temos como objetivo compreender como os conceitos de infncia e criana
vm mudando na Psicologia e influenciando a Educao, e como tais mudanas tm marcado os temas
em estudo e as prticas, tanto de pesquisa quanto de ensino, alm da atuao profissional dos psiclogos e
educadores.1
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Sabemos bem que a criana o beb em particular no era vista como sujeito de investigao da
Psicologia e da Educao at as ltimas dcadas do sculo XVI (Aris, 1981). As primeiras observaes
sistemticas do desenvolvimento infantil (as chamadas biografias de bebs) foram registradas no final
do sculo XVIII e no incio do sculo XIX, sendo a origem da observao cientfica sobre a infncia
reconhecida a partir dos estudos e documentao de expresses emocionais em crianas, realizados por
Charles Darwin (1877), bilogo ingls, e, mais tarde, na tradio inglesa do Child Study Movement
(Urwin, 1986). Tais estudos, baseados nas teorias biolgicas e evolucionistas, acabaram por dar origem
s anlises do que era considerado o desenvolvimento normal de crianas, estabelecida, inicialmente,
pelos inatistas como capacidades instintivas e funcionais, resultantes de mudanas cumulativas presentes
no desenvolvimento da espcie. Nessa perspectiva, o desenvolvimento seria resultante de processos
maturacionais de caractersticas da espcie humana, visando a adaptao ao meio ambiente.
A ausncia da infncia e das crianas nos estudos cientficos existentes at o final do sculo XIX,
seguida pela concepo do desenvolvimento na qual enfatizada a maturao orgnica, encontrada,
ainda hoje, em estudos que adotam a orientao de autores como Gesell (1943) e busca descrever as
mudanas de comportamentos concretos, sem focalizar fatores internos ao prprio sujeito nem aspectos
ambientais. A nfase nas bases biolgicas do comportamento marcou as pesquisas do Desenvolvimento
Humano at a virada do sculo XIX, entrando no sculo XX, tendo como um de seus portais a Psicanlise.
Influenciado por Darwin, Sigmund Freud (1856-1939) desenha uma teoria do desenvolvimento
com base nas leis biogenticas, em especial os conceitos de latncia-sexual, sublimao, formao reativa
e regresso, resultando no destaque aos aspectos psicopatolgicos presentes no desenvolvimento da
criana. Freud, em 1905, escreve os Trs ensaios sobre a sexualidade infantil e, em 1909, exemplifica
com o caso do Pequeno Hans a origem das neuroses dos adultos nas experincias da infncia.
Nas transformaes sofridas pelos estudos da Infncia na Psicanlise, principalmente pelos
seguidores de Melanie Klein, as operaes dos processos inconscientes na criana pr-edipianos e
o prprio conflito edipiano passaram a ser explicadas como acontecendo muito antes do que fora
descrito por Freud, nos primeiros anos de vida (Klein, 1928/75). Nos estudos da autora e seguidores, o
desenvolvimento psquico da criana foi reduzido do tringulo edipiano para a dade me-beb, e o valor
dado por Freud ao desenvolvimento psicossexual foi redefinido. Assim, o drama triangular, alimentado
pelo desejo da criana em relao aos seus pais de ambos os sexos foi relocado a um estgio
cronologicamente anterior, no qual os atores psquicos ficaram reduzidos a dois: me e criana.1
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A especial ateno dada aos fatores biolgicos reforada pela trama kleiniana. De acordo com a
autora, o beb equipado com impulsos inatos, os quais so direcionados para o primeiro objeto de desejo
o seio da me.
A Psicologia da Infncia, alimentada pela psicanlise kleiniana, acumulou uma longa experincia
sobre a Infncia, valorizando o seu imaginrio, sonhos e patologias psquicas.
Muito diferente teria sido o caminho traado pela Psicologia do Desenvolvimento, caso os passos
dos intelectuais da Escola de Frankfurt tivessem sido seguidos. Em 1934, um grupo de eminentes adeptos
da viso psicanaltica de Freud, fortemente comprometidos com a ampliao de tais conceitos a partir de
uma anlise sociolgica das relaes humanas, emigrou para os Estados Unidos, fugindo da Alemanha
nazista. O grupo adotava em suas reflexes tericas uma combinao de perspectivas psicoanalticas,
sociolgicas e antropolgicas, no propsito de analisar criticamente a famlia como instrumento de
controle social. Os pesquisadores baseavam seus trabalhos numa verso popular da teoria psicanaltica
e numa anlise antropolgico-social da famlia. Mesmo considerando as importantes divergncias de
abordagem presentes nas perspectivas referidas, todos tinham em comum uma postura sociopsicolgica,
que situava a cultura e as relaes de poder existentes na sociedade no cerne dos estudos relativos
famlia. Conseqentemente, um grande nmero de estudos surgiu, tendo como principais tpicos o
desenvolvimento de tipos de personalidade e internalizao de vises de autoridade, todos calcados
numa anlise crtica do lugar da famlia e seus membros, inclusive as crianas, em sociedade (Riley,
1980).
Mais tarde, nos anos 1940, nos Estados Unidos, como resultado das mudanas sociopolticas
vividas pelas Cincias Humanas, as propostas de estudo desse grupo de pensadores, como tipos
de personalidade, foram transformadas em questes mais bem comportadas, que passaram a ser
conhecidas como Psicanlise do Ego Forte e depois Psicologia do Ego, sendo dissolvidas na Psicologia
Humanista de Erich Fromm. As discusses anteriormente propostas, transladando a triangulao psquica
(id, ego e superego) para questes sociais, prioritariamente relativas famlia, ficaram desfiguradas
nas anlises transculturais (cross-cultural), presentes na Psicologia Cultural estudos da famlia e do
desenvolvimento da criana de Eric Erickson (1945). Enquanto isso, do outro lado do Atlntico, a
nfase biolgica presente na viso psicanaltica de M. Klein vai tomar ares de modernidade com os
trabalhos de seu dileto discpulo John Bowlby sobre o vnculo biolgico me-beb, mais bem analisado
pelas observaes naturalistas, herdadas da Etologia.1
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John Bowlby e a Teoria do Apego
John Bowlby (1907-1990) tem suas primeiras publicaes, nos anos 1930-40, baseadas na
perspectiva kleiniana de cuidado materno, adotada no Child Guidance Movement (Movimento de
Cuidado da Criana). Alm das bases da Teoria do Objeto de M. Klein, as idias de Bowlby foram
tambm influenciadas pela proposta etolgica, recm-surgida na Velha Ilha, a partir de estudos dos
bilogos Hinde e Tinbergen (Bowlby, 1958). Bowlby torna-se, assim, responsvel pela introduo das
idias da Etologia na Psicologia da Criana. Em 1958, ele transpe, da Etologia para a Psicologia da
Infncia, as noes de vnculo social primrio e afeto instintivo do beb para a me, acrescentando-as
categoria de respostas instintivas, padronizadas.
Os estudos desse pesquisador anteriores Segunda Guerra Mundial abordavam questes referentes
delinqncia juvenil, resultado de seu trabalho na Clnica Tavistock, em Londres. O tema, vale lembrar,
acabou por ser retratado em estudos desenvolvidos para a Organizao Mundial de Sade, em 1952,
quando as experincias do tempo vivido durante a guerra tinham encorajado psiclogos a verificar,
experimentalmente, os efeitos negativos da separao me-beb no desenvolvimento psquico das
crianas. Com efeito, em tempo de guerra, a Inglaterra e os outros pases que com ela se envolveram
assistiu a separaes de crianas, de suas casas e de seus familiares.
A Teoria do Apego (Attachment Theory) produzida a partir de
observaes naturais em que se analisa como crianas pequenas comportam-se na presena e, principalmente, na ausncia de suas mes e como isso pode contribuir para uma melhor compreenso do desenvolvimento de sua personalidade.
Bowlby define o comportamento de apego entre me e filho como vnculo primrio e resposta
instintiva. Ele d a esse vnculo status de valor evolutivo e de sobrevivncia, fundamentais para toda
a espcie humana e para cada indivduo em particular. Adota o conceito de monotropismo da Zoologia
para explicar a dependncia do recm-nato sua me, bsica sobrevivncia da espcie por garantir
alimentao, proteo e aquecimento ao seu corpo (1958, 1969/84).
A nfase nos aspectos biolgicos do comportamento, apoiada em explicao evolucionista, tendo
a dade me-filho como unidade de anlise para a Psicologia da Infncia, em detrimento dos aspectos
socioculturais, fica historicamente enraizada no clima socioeconmico britnico do final dos anos 1940
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e incio dos 1950 (Rutter, 1980). No final da guerra, a organizao social e econmica do pas (e por que
no de toda a Europa) exige a retirada das mulheres do mercado de trabalho, encorajando-as a retornar ao
aconchego da vida domstica. O emprego nas fbricas, principalmente as blicas, ficou reduzido, e esse
espao precisava ser ocupado pelos homens ex-combatentes em retorno normalidade da vida social e
familiar. Nesse contexto, a Teoria do Apego acaba por reforar o papel tradicional da mulher como nica
responsvel, na famlia, pelos cuidados e sade psquica de seus filhos. Essa recomendao, questionvel
j naquela poca, mereceu vigorosos debates, provocando uma anlise crtica do lugar dessa teoria.
A questo crucial : por que uma proposta particular de um pas, construda num momento
histrico especfico, ainda hoje influencia fortemente as pesquisas em Psicologia da Infncia, sobretudo
em pases em desenvolvimento?
Jean Piaget e a Epistemologia Gentica
Outra abordagem presente na Psicologia do Desenvolvimento de todos os tempos a Epistemologia
Gentica de Jean Piaget (1970). Conhecida como majorante nessa perspectiva, enfatiza a capacidade
cognitiva de superao e criao de novidades por parte do sujeito psicolgico (Puche-Navarro, Colinvaux
& Ure, 2001).
Comearemos por comentar a origem epistemolgica do projeto piagetiano e sua posio a respeito
das influncias sociais.
Piaget (1970) prope que a Epistemologia se torne uma cincia independente da Filosofia. Para
tanto, precisou proceder como nas outras cincias, formulando perguntas verificveis, do ponto de vista
tanto formal como experimental. Essa posio requer assim a obteno de evidncias empricas que
possibilitem ultrapassar a mera especulao filosfica para examinar questes passveis de investigao. O
autor prope ento substituir a tradicional pergunta metafsica O que o conhecimento? por uma pergunta
verificvel, que ele formula como segue: Como se passa de um estado de menor conhecimento para um
estado de maior conhecimento? (Piaget, 1970; Colinvaux, 2000). Para responder a essa pergunta, Piaget
argumenta que haveria dois caminhos: (i) examinar o desenvolvimento histrico da produo cientfica, o
que constitui uma anlise a posteriori, sem possibilidade de controle experimental; (ii) recorrer gnese
psicolgica individual, isto , estudar a origem primeira e formao de estruturas intelectuais e noes
bsicas em sujeitos humanos em crescimento, controlando experimentalmente suas respostas. O autor
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(1970) argumenta que o objetivo da Epistemologia Gentica buscar delinear as razes das diversas
variedades de conhecimento desde suas formas mais elementares, e seguir seu desenvolvimento at seus
nveis ulteriores, incluindo o pensamento cientfico (p. 6).
A investigao dos estgios de desenvolvimento infantil ao longo das dcadas de 1920 a 1950,
resumida no livro A Psicologia da Criana (La Psychologie de LEnfant Piaget & Inhelder 1966/93),
acaba por se constituir no passo decisivo para a construo da Epistemologia Gentica e permite que Piaget
formule a primeira teoria coerente e rigorosamente explicativa das etapas do desenvolvimento psicogentico
da inteligncia humana.
A Piaget interessava saber como as crianas constroem e desenvolvem novas ferramentas
intelectuais e formas de raciocnio no decorrer da ontognese, e como explicar a sua seqncia
desenvolvimentista. queles pesquisadores que trabalham sob sua influncia interessa compreender como
esse processo se d na rede das relaes sociais e como os intercmbios de significado a presentes atuam na
constituio do sujeito por inteiro. Disso decorre uma primeira divergncia terica, a propsito da noo de
egocentrismo, adotada por Jean Piaget (1923/59 e 1924/86) como caracterstica definidora do pensamento
e da linguagem da criana pequena. Tal noo, que surge no contexto do estudo intitulado A linguagem e o
pensamento da criana (Piaget, 1924/86), designa a inabilidade inicial para descentrar, para modificar uma
dada perspectiva cognitiva (manque de dcentration) (Piaget, 1981, p. 39).
A noo de egocentrismo acabou tornando-se mais conhecida devido crtica de Vygotsky, objeto
de rplica por parte de Piaget, mais de trinta anos depois, em seu artigo Comentrios sobre as observaes
crticas de Vygotsky (Piaget, 1981).
As crianas pequenas seriam egocntricas e no socializadas pela sua dificuldade de diferenciar o
seu prprio ponto de vista do dos outros. Esse egocentrismo cognitivo, ou perspectiva no socializada, foi
entendido por vrios desenvolvimentistas como no-social, um individualismo que precede as relaes
com os outros sociais (Vygotsky, 1986, 1995; Newman & Holzman, 1993/2002; Castorina et all, 1995).
Alguns anos mais tarde, no livro O julgamento moral da criana (1932/62), Piaget reconhece que
a experincia da criana com seus pares ocupa importante lugar no seu processo social de desenvolvimento
intelectual, moral e lingstico, e a aponta como condio necessria ao desenvolvimento do pensamento
do indivduo. Entretanto, embora essenciais no processo de desenvolvimento, os fatores sociais no so
primordiais para esse autor; quando presentes em sua obra e em suas investigaes, o detalhamento relativo
compreenso das crianas sobre invariantes do mundo fsico (Piaget & Inhelder, 1966/93) e da lgica
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matemtica (Piaget 1964), veremos que suas consideraes sobre o lugar das relaes sociais da criana,
na construo de habilidades cognitivas, so extremamente limitadas. Mesmo na obra de 1932/62, define a
criana egocntrica como pr-social e incapaz de comunicar-se com sucesso com seus pares.
A noo de egocentrismo foi por muito tempo, na histria da Psicologia da Criana, uma das
razes da relativa ausncia de pesquisas sobre o lugar das relaes sociais no desenvolvimento infantil,
causando vcuos enormes no conhecimento de como criar propostas intencionalmente educativas
(Vasconcellos, 1987).
No final da dcada de 1970 e no incio da de 1980, alguns pesquisadores dedicaram ateno especial
s relaes entre crianas, para demonstrar o papel das outras crianas e portanto das interaes sociais e
do contexto social no processo de desenvolvimento emocional e social da criana pequena. Esses autores
passaram a ser identificados como sociocognitivistas e suas pesquisas contriburam para a compreenso das
condies em que as interaes sociais favoreciam o desenvolvimento cognitivo..
Assim, em nosso entender, no foram suficientemente esclarecedores os debates com a escola
piagetiana quanto ao vnculo entre o processo individual e social de desenvolvimento. A melhor explicao
dada por Piaget s questes citadas est em seu livro de 1965:
O processo de relao com o mundo fsico e social anda de mos dadas, o problema parece sem soluo. Podemos dizer que eles constituem dois inseparveis aspectos de uma simples realidade, a individual e a social (p. 158).
Sem desmerecer a importncia da perspectiva piagetiana, a relevncia das relaes sociais no
desenvolvimento cognitivo tem sido largamente demonstrada em diferentes pesquisas empricas e na prtica
pedaggica, no confronto com o desenvolvimento de crianas pequenas, principalmente a partir da nfase
nas perspectivas sociocognitivistas.
Mesmo com a rpida expanso de estudos com base na perspectiva piagetiana, algumas dvidas
permaneceram, obscurecendo a compreenso sobre a competncia das crianas pequenas de iniciar e
desenvolver atividades entre elas, que promovam a elaborao de funes cognitivas e afetivas. As questes
principais relativas interao criana-criana vo alm de descrever as atividades sociais de cada um dos
membros da dade ou a natureza do contexto social: tratam da identificao dos mecanismos pelos quais as
interaes sociais so constitudas na elaborao das funes cognitivas e afetivas.
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H, porm, aspectos da teoria piagetiana que iremos avanar, pelo menos em interlocuo com
outros aportes tericos (Henri Wallon e Lev Vygotsky). Tais temticas aparecem, especialmente, em trs
estudos de sua gigantesca obra: O nascimento da inteligncia na criana (La naissance de lintelligence
chez lenfant, 1936/53), A construo do real na criana (La construction du rel chez lenfant, 1937/54) e
A formao do smbolo na criana: imitao, jogo e sonho (La formation du symbole chez lenfant (1946/
62). Juntos, esses trabalhos constituem um todo dedicado ao estudo das etapas iniciais do desenvolvimento
da inteligncia, isto , ao perodo sensrio-motor.
Desenvolvimento Sociogentico da Criana em Henri Wallon
Contemporneo de Piaget, Henri Wallon (1879-1862) discute, por intermdio da criana, uma
cincia do homem por inteiro em que a emoo direciona a vida. A partir desse autor, avanamos nos
estudos que reconhecem a criana como protagonista de seu desenvolvimento e de sua segurana afetiva
que at ento ficava restrita relao didica com a me ou com alguns outros poucos sociais, mais
prximos (Lewis, 1984; Dunn, 1984, Pedrosa 1989, 1990; Galvo 1993, 1995, Oliveira, 1990).
Wallon (1946) brinda-nos com a noo de constelao familiar, propiciando criana que nasce
um contexto social e simblico, no qual seus outros sociais mediaro e interpretaro suas aes no mundo,
dando a elas, desde sempre, significados. Essa mediao na tenso de compreender o que pertence a ela
(criana) e o que pertence ao ambiente na busca de diferenciao entre ela e o outro acaba por ocupar
lugar de contexto em si, isto , contexto da emoo: Funo essencialmente plstica e de expresso, as
emoes constituem uma formao de origem postural e sua substncia fundamental o tnus muscular
(Wallon, 1949/95, p. 161).
Segundo Wallon, a frmula para entender o processo de desenvolvimento est em nos voltarmos
totalidade das relaes das quais a criana faz parte e as quais modifica. Para ele, a criana um ser
geneticamente social, ou seja, nasce num meio envolvente do qual depende inteiramente para a satisfao
de suas necessidades e a soluo de seus desconfortos, sendo um ser biolgico que nasce j social por ser
membro de um grupo com cultura e linguagem prprias (Vasconcellos, 1996).
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(...) unidade indissolvel que forma a criana e o adulto, o homem e a sociedade (...) separar o homem da sociedade, opor o indivduo sociedade, descorticar-lhe o crebro (...). A sociedade para o homem uma necessidade, uma realidade orgnica (Wallon, 1949/95, p. 11-12 grifo meu).
Na obra As origens do carter na criana (Les origines du caractre chez lenfant, 1949/95), o
desenvolvimento sociogentico descrito em seus trs primeiros anos. Durante esse perodo, a criana
encontra-se num sincretismo subjetivo, imersa no mundo cultural e simblico que a constitui.
Nesses primeiros anos, a percepo da realidade depender da identidade funcional entre os
objetos e as aes, apresentados pelos outros membros de sua constelao familiar; ou seja, pela
interpretao que os outros sociais derem a suas aes e movimentos, estes ganharo formato e expresso.
A partir dos 6 meses, a criana se revelar um ser essencialmente emocional, que deixa o lugar de
organismo vivente, constituindo-se em sujeito psquico na produo de comportamentos emocionais,
individuao do prprio corpo e formao da conscincia de si.
Diferente da tradio da Psicologia Cognitiva, a concepo walloniana de desenvolvimento
estabelece um processo de avanos consecutivos que no so estgios clssicos, mas se do na dialtica
da afetividade e da inteligncia emoo e razo que se influenciam mutuamente, em composio e
oposio, e so afetadas, constantemente, por fatores tanto biolgicos (aes fisiolgicas) quanto sociais
(manifestaes expressivas). Faz-se, assim, importante o conjunto da vida mental, que diz respeito ao
comportamento inteiro da criana e conquista da prpria personalidade (Wallon, 1968).
As reaes impulsivas, orgnicas e desordenadas precisam ser completadas, compensadas
e interpretadas (Wallon, 1946/75, p. 153). Essas complementaes, constituintes do sujeito humano,
aparecem por meio de processos comunicativos e expressivos que ocorrem em trocas sociais, de forma
descontnua e alternada, em que a emoo a primeira manifestao psicogentica da afetividade e o elo
entre o beb e seu outro social, portanto precedente cognio.
Para Wallon, o comeo da atividade mental depende de aes anteriores presentes no contexto,
a que chamava de meio. De acordo com o autor, o meio humano tem duplo sentido: milieu meio
como espao de ao ou campo de aplicao de condutas e moyen recurso, instrumento, condio de
desenvolvimento (Wallon, 1979; Nadel-Brulfert, 1986).
Wallon define a simbiose afetiva (participao do outro na formao da conscincia de si) do
beb com seu meio humano (me, pai e outros familiares) como sendo o fator emocional, voltado para
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a construo da sensibilidade interna (movimento centrpeto) do beb, inicialmente visceral e depois
afetiva (Dantas, 1990). O dilogo tnico passa a ser o preldio da comunicao verbal e tem no corpo um
instrumento operacional e relacional (Vasconcellos, 1987). A criana, inicialmente fundida nos outros
sociais, passa a desdobrar, em gestos e palavras, a compreenso de seu papel nas situaes interativas,
ao que Wallon chamou de movimento centrfugo. Essa etapa, que tem como marca o domnio da marcha
e da fala, corresponde ao intermeio necessrio para que o ato motor possa se interiorizar, formando a
representao mental.
De acordo com Dantas (1990),
ao longo dessa etapa, () vai haver uma nova utilizao das coisas, que deixam de ser apenas exploradas e manuseadas e se tornam significantes, isto , adquirem uma dimenso alm do aqui e do agora. autonomia sensoriomotora, adquirida com a marcha, segue-se, de maneira quase imediata, a entrada no mundo dos signos, que emancipa a criana da realidade (p. 31).
A preponderncia inicial da funo motora e emocional, presente logo no incio da vida da criana,
propicia o desenvolvimento relativamente tardio das funes intelectuais que aparecem por meio da
emergncia da fala, da traduo do significado das aes e da busca da autonomia de si. Pela construo
e transformao das relaes sociais e do prprio espao do corpo, a individualizao de cada parte dele e
sua integrao numa unidade corporal vai causar uma delimitao de si em relao aos outros.
Assim, o signo verbal existe no meio das relaes emocionais humanas (interpessoais), antes
de ser usado como instrumento cognitivo (intrapessoal), propiciando a tomada de conscincia de si.
Mais adiante aparece o domnio do universo simblico, permitindo a referncia a objetos e pessoas no
presentes, sobre os quais a criana ser capaz de pensar e agir. Gradualmente, com o aumento de recursos
prprios e da possibilidade da ao direta sobre o mundo fsico e social, a criana comea a se interessar
mais pelas coisas do exterior, diminuindo as solicitaes constantes dirigidas aos adultos de seu mundo
social (Wallon, 1989; Tran-Thong, 1987; Vasconcellos, 1987).
Lev Vygotsky e a Psicologia Infantil
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No cenrio da Psicologia do sculo XX aparece, de forma tardia, a contribuio de outro
autor contemporneo de Piaget, que havia sido silenciado por barreiras ideolgicas, lingsticas e
geogrficas: a partir dos anos 1960, a vida e o pensamento de Lev Vygotsky (1896-1934) passam a ser
tema de grandes debates e divergentes apropriaes por alguns estudiosos do Desenvolvimento Humano
em geral (Wertsch, 1985; Kozulin, 1990; Van der Veer & Valsiner, 1991, 1994; Newman & Holzman,
1993/2002) e da Psicologia da Infncia em particular (Bruner, 1975; Cole, 1998; Rogoff, 1998). A maior
parte dos trabalhos voltados para o legado vygotskiano tem sido mediada pelos interesses da Psicologia e
da Educao contemporneas, privilegiando discusses sobre as aes partilhadas entre diferentes atores
sociais, como base das origens sociais dos processos mentais superiores (Wertsch & Tulviste, 1992).
Assim, sua abordagem centralizada na pessoa, isto , no psiquismo em ao, e sua concepo do
desenvolvimento como oriundo de um plano social e destinado a um plano individual tm sido menos
enfatizadas por quase todos os seus seguidores (Valsiner, 1988). No entanto, em nosso entender,
exatamente a construo de uma conscincia pessoal de origem social, presente no esquema terico geral
de Lev Vygotsky, que tem relevncia, j que para esse autor social e individual so indissociveis e a
nica via para compreender o funcionamento psquico, tipicamente humano (Vasconcellos, 2002).
Enfatizamos o que Vygotsky (1996) chamou de problemas da Psicologia Infantil. Para
ele, a ontognese humana deve ser compreendida com base em acontecimentos diversos, que se do
paralelamente e em decorrncia dos fatos da vida social, que so histricos e culturais. Em sua concepo,
a ontognese uma das linhas que compem a histria do desenvolvimento; as outras so a filognese e
a sociognese. A crise est presente na constituio dessas trs linhas, seja na histria das espcies, na
histria da humanidade ou na histria de cada sujeito social.
Portanto, necessrio sublinhar, na orientao vygotskiana, o lugar da histria como chave para
a compreeenso de qualquer processo de desenvolvimento. Scribner (1985, p. 120) esclarece tal viso,
dizendo que, para se estudar alguma coisa, historicamente, preciso que se estude esse fenmeno em
movimento. Desenvolvimento, para Vygotsky, compreendido como movimento, isto , processo
dinmico, no qual a criana e todos os que convivem com ela, seus outros sociais, esto em constante
processo de mtua transformao, num mundo (momento presente) em mudana, onde as alteraes
individuais (desenvolvimento) so tornadas possveis pelas caractersticas de cada sujeito em ao, mas
tambm pelas caractersticas do mundo (meio social) no qual esse desenvolvimento ocorre (Vasconcellos,
2001).1
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Vygotsky (1984/96) descreve o desenvolvimento da criana como marcado e caracterizado pela
alternncia entre perodos de calma e de crise, sendo dado destaque aos perodos de crise como os mais
relevantes, por propiciarem transformaes.
Para o autor, seja na histria das espcies, da humanidade ou do homem singular, o
desenvolvimento sempre se dar de forma catastrfica, produzindo revolues totais (revolutionary
breakthrough). O desenvolvimento, sempre, um processo que se manifesta de forma brusca,
impetuosa, que adquire, em certas ocasies, carter de catstrofe; lembra uma srie de acontecimentos
revolucionrios, tanto pelo ritmo das mudanas como pelo significado das mesmas (Vygotsky, 1996, p.
256).
Vygotsky marca a existncia, em todo desenvolvimento, da passagem de estados emergentes (um
presente tranqilo, que existe em si mesmo e poderia a ficar) para a brusca construo de aes futuras,
mais extensas e complexas, que subordinam o desenvolvimento antes conquistado e o transformam em
meio:
Produzem processos bruscos e fundamentais de troca e deslocamentos, modificaes e
rupturas da personalidade da criana. Num curto espao de tempo a criana se transforma por
inteiro, se modificam os traos bsicos de sua personalidade (p. 256).
Se os fenmenos relevantes do desenvolvimento ocorrem em perodos de crise, necessria
a construo de uma teoria que colabore na explicao dos processos humanos, histricos e sociais,
que se processam nesses perodos. Para o autor, todo fenmeno psicolgico detentor de sua prpria
histria (transformaes genticas), entendido como processo em movimento e em constante
transformaes qualitativas e quantitativas. O contexto social e a cultura tm funo de alicerce para essas
transformaes.
Vygotsky (1996) destaca que as condies exteriores determinam o carter concreto na qual se
manifestam e transcorrem os perodos crticos. Em outras palavras,
tais transformaes genticas ocorrem como processos espontneos, no desenvolvimento do sujeito, a partir de um determinismo biolgico, na direo de um indeterminismo social e cultural. Na perspectiva vygotskyana, os processos maturacionais e culturais (...) se constituem no meio onde as adaptaes biolgicas se transformam em relaes sociais (Vasconcellos & Valsiner, 1995, p. 45).
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A dialtica dos contrastes est presente nas crises de extenso e contrao, desintegrao
e decomposio dos perodos anteriores e caracterizam a histria das espcies, da humanidade e do
desenvolvimento de cada pessoa.
Na espcie humana, o uso e a inveno de instrumentos marcaram a transio de um
desenvolvimento situado na esfera puramente biolgica, para transformar o homem em sujeito histrico
e cultural (1996). A criana, nos perodos crticos de desenvolvimento, no somente adquire novas
caractersticas, como perde algumas que tinha anteriormente.
Um indcio valioso e importante para determinar o desenvolvimento da criana, num dado
perodo, perde seu significado no seguinte e os aspectos que ocupavam antes o primeiro
momento, no curso do desenvolvimento, se desfazem no segundo (p. 252).
Poucas vezes consideramos, em nossas anlises sobre desenvolvimento, os processos de
involuo, que em certas ocasies dominam os de evoluo (Tudge, 1996). O autor nos recorda
que Vygotsky no entendia o desenvolvimento humano como uma linha contnua, unidirecional, indo
das habilidades menos competentes para as mais competentes. Surge a noo de crise-estrutural, que
caracteriza o processo de desenvolvimento psicolgico, que assume e se transforma em novas formas
nos perodos estveis do desenvolvimento da criana, acontecendo nas alternncias entre momentos
de crise e de estabilidade. No momento de estabilidade que raro e rpido d-se a emergncia do
novo. como se os perodos de crise fossem estancados, provisoriamente, dando espao para o que
entendido por sntese dialtica (Vasconcellos & Valsiner, 1995, p. 79).
A criana (...) perde os interesses que antes orientavam sua atividade, que antes (ontem)
ocupavam a maior parte de seu tempo e ateno, e agora se diria que se esvaziam as formas
de suas relaes externas, assim como sua vida interior (Vygotsky, 1996, p. 257).
A obra de Vygotsky evidencia argumentaes tericas que enfatizam a emergncia do novo, na
estruturao das funes psicolgicas qualitativamente superiores, assim como a idia de perda das
conquistas anteriores e, tambm, a noo de bruscas e inesperadas mudanas no desenvolvimento. A
partir de uma concepo histrico-cultural em Psicologia, desenvolvimento crise, ruptura, revoluo
e catstrofe, em contraste com a capacidade de construo do novo, na calmaria do desenvolvimento
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pleno, presente em poucos momentos (perodos) de desenvolvimento tranqilo. Para seguir nessa
anlise, devem-se resgatar os trs ensaios, originalmente publicados em 1930 e retomados pelo grupo da
UNICAMP.
Na concepo de linguagem como instrumento, Smolka (1995/2000) ressalta a idia de Homo
duplex aquele que tem a capacidade de se desdobrar pelo signo (p. 14), permitindo entender a dialtica
do funcionamento mental. A autora resgata o conceito de drama superando o de processo, na formao da
dupla linhagem possvel ao desenvolvimento: (i) uma central tranqila e (ii) outra com status de adjunta,
desdobrando-se pelo signo (eu/meu, eu/outro) e pela linguagem (fala/ falado (p. 14).
Podemos depreender da uma concepo de homem (sujeito) no como uno, mas, pelo menos, duplo, na luta/tenso constante social, mental entre autonomia/submisso; homem capaz de, experienciando e condensando diversas posies/papis sociais, controlar (o outro, a si prprio) e resistir (p. 14).
A criana no vista como produto das circunstncias, mas como algum que transforma as
circunstncias transformando-se, e, nessa interdependncia, h a formao do novo. A fala, que assume
o papel de adjunto nos primeiros momentos do processo de desenvolvimento infantil, pode ser um bom
exemplo. A fala d a propriedade do nome ao objeto, nome e objeto esto fundidos um no outro. A marcha
tambm serve de exemplo. No comeo do andar, tem papel central no desenvolvimento da criana, sua
atividade-fim; aps total domnio da marcha, a criana passa a andar-para fazer alguma coisa. A marcha
adquire ento o status de adjunto, tornando-se instrumento para aes mais independentes.
Entendemos, portanto, seguindo Vygotsky, que a sntese dialtica, presente no perodo de crise,
transforma e reorganiza as funes psicolgicas centrais e adjuntas, possibilitando o surgimento de novas
funes, com base nas perdas e nas reorganizaes das funes prvias.
A temtica ficar ainda mais clara caso nos debruemos no artigo The history of development
of higher psychological functions, no qual ele no s apresenta o Mtodo da Dupla Estimulao (p.
47-96), em Vygotsky (1983/95), como discute o que se tornar a grande contribuio da abordagem
histrico-cultural, a metodologia de estudo da liberdade de escolha (free-will), presente na
ontognese.
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Com essa orientao, o desenvolvimento da criana se torna cada vez mais livre, no sentido de
ser sempre um passo frente do que dado pelo meio (fsico e afetivo) (Vygotsky, 1995, p. 16-17),
garantindo a nfase no desenvolvimento psicolgico por inteiro do sujeito que social, histrico e cultural,
processo que forma a estrutura dinmica da personalidade da criana (p. 327-340) que nos termos de
hoje seria compreendido como sujeito singular.
A Noo de Zona de Desenvolvimento Proximal
So muito poucas as construes tericas em Psicologia que realmente ajudam a compreender
como o processo de desenvolvimento se d de um momento presente para outro futuro. Entre elas est a
noo de Zona de Desenvolvimento Proximal.
No ltimo ano e meio de sua vida, Vygotsky volta suas atenes e pesquisas para a relao
entre educao e desenvolvimento em geral. Nesse perodo surge a abordagem sistmica das zonas de
desenvolvimento, que mais tarde seria consagrada como a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).
Em outro trabalho (Vasconcellos, 1998) j discutimos as diferentes elaboraes conceituais
de Vygotsky para o que hoje conhecemos como ZDP, porm em todas elas a nfase sempre recaa
na importncia da participao social no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criana.
Para Vygotsky, a interao dos diferentes membros de uma cultura favorece a criao da ZDP. Esses
membros podem ser adultos ou crianas de mesma idade ou de idades prximas, mas com capacidades
e habilidades sociais diferentes. Ao estar em contato com outros parceiros, a criana no s desenvolve
sentimentos, posturas corporais e sociais, como transforma o nvel de desenvolvimento potencial em nvel
de desenvolvimento atual (ou real).
Portanto, quando falamos no nvel de desenvolvimento de uma criana, estamos falando de, pelo
menos, dois nveis, o atual e o potencial. A ZDP se caracterizaria por uma certa tenso entre o nvel de
desenvolvimento atual (aquilo que o sujeito j capaz de fazer e que pode ser observado pelo grupo
social) e o nvel de desenvolvimento potencial (as funes intrapsquicas que o sujeito possui, mas que
esto imersas em suas potencialidades). A resultante dessa tenso seria um novo nvel de desenvolvimento
atual. Ou seja, a criana tem um desempenho quando realiza alguma atividade sozinha, mas esse
desempenho pode ser ampliado se a mediao de um parceiro (criana ou adulto) criar condies para tal
(Oliveira, 1993). 1
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Assim, o desenvolvimento infantil, para Vygotsky, visto de forma prospectiva, isto , vai alm
das aparentes capacidades apresentadas pelas crianas. Na ZDP, o nvel de desenvolvimento atual
encarado como fonte de possibilidades para o surgimento das diversas habilidades e capacidades da
criana e no como fim ltimo de tal processo (Vasconcellos & Valsiner, 1995).
Importncia da Palavra no Desenvolvimento
Outra temtica vygostkiana central a concepo de linguagem como instrumento de
comunicao e como ferramenta psicolgica. Aqui, no voltaremos s discusses j tradicionais entre
as incompatibilidades das duas perspectivas (piagetiana e vygostkiana) e, menos ainda, ao que h de
ideolgico em cada uma delas. Deter-nos-emos no significado da palavra para a criana pequena em
desenvolvimento e no que ela a auxilia a avanar nesse processo.
O signo/palavra, na criana pequena, aparece como meio nas atividades internas e tem seu
significado definido pelo objeto a que se refere. Pelo uso das palavras, a criana supera as limitaes
imediatas do ambiente onde est, j que a palavra dispensa a mobilidade fsica, levando o falante
para onde quiser. Uma das possibilidades de concepo da linguagem como instrumento: o signo/
palavra, que, to logo adquirido, funciona tambm como orientador interno do pensamento e, uma vez
internalizado, torna-se uma parte profunda e constante dos processos psicolgicos superiores; a fala atua
na organizao, unificao e integrao de aspectos variados do comportamento da criana, tais como:
percepo, memria e soluo de problemas (Vygotsky, 1998, p. 169).
O carter constitutivo da fala, do brincar e das interaes atua na formao das funes
psicolgicas superiores, levando a criana a avanar em seu processo de desenvolvimento. As situaes
concretas, mediadas pela fala, pelo outro social e pelo brinquedo, vo se apresentando criana e
j chegam repletas de significados. O processo de compreenso e reconstruo do novo vai sendo
internalizado e ressignificado no universo infantil. Nessa concepo, a criana no simples produto
de situaes criadas pelas outras geraes: ao contrrio, ela est sempre de corpo inteiro, transformando
as circunstncias e sendo por elas transformada. No ato da fala, a criana vai se conhecendo e se
desdobrando em novas possibilidades. Cumpre lembrar que, na orientao vygostkiana, todas as funes
no desenvolvimento comeam no nvel social e depois passam para o nvel individual. Utilizando as
palavras do autor, todas as funes superiores originam-se das relaes reais entre indivduos humanos
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(p. 164).
A fala das pessoas ao redor da criana , ao mesmo tempo, social, instrumental e produtora (Pino,
1995, p. 31). Ela social no s porque garante a comunicao entre pares, mas por ter algum significado
corrente e constante, sendo, portanto, partilhvel. instrumental por servir de guia e predeterminante para
os caminhos pelos quais o desenvolvimento se dar. Mas, enquanto se move por esse caminho definido e
pr-traado por seus outros sociais, a criana pensa ( produtora), da maneira que possvel ao seu nvel de
desenvolvimento intelectual (cognitivo) e vai ao, mesmo tempo, produzindo novas formas de expresso.
Tanto as ferramentas (palavras) produzidas na realizao do ato da fala quanto o produto resultante
(o falado, o discurso) so socializveis; isso significa que podem voltar ao coletivo e ser usados por qualquer
outro falante com uma histria cultural prxima. Ao mesmo tempo que remete ao seu autor, prenuncia
uma certa modalidade da ao da qual portador. Esta qualidade do instrumento tcnico, como de toda obra
humana, permite a sua socializao: tanto do seu uso (fazer), quanto da idia que ele encerra (saber) (Pino,
1995, p. 31-32).
O adulto, com a ajuda de comunicao verbal, pode tentar determinar o caminho atravs do qual o
processo de generalizao prosseguir no desenvolvimento da criana. Os instrumentos semiticos a fala,
as conversas, as normas, as argumentaes buscam estabelecer o ponto de chegada desse caminho, isto ,
a generalizao a ser obtida, mas os adultos no podem transferir seu modo de raciocinar para as crianas. A
criana percebe os significados das palavras do adulto, mas no pode adotar o modo de raciocinar dele; ela
constri o seu prprio.
A proliferao e a transferncia do significado das palavras so dadas pelas pessoas que cercam
a criana, no processo de mediao semitica (fala) e tcnica (discurso), usando palavras, criando
discursos, conferindo e se dando conta de outros reais possveis, de outras formas de existncia. A criana
pode chegar a um produto, que semelhante ao dos adultos, porm obtido via operaes intelectuais
completamente diferentes e conseguido atravs de meios de raciocnio singulares. (Vygotsky, 1931, p.
258). A palavra dita d outra dimenso ao real e se torna comunicvel, pensvel, interpretvel. Usando o
nome das coisas, compartilha-se a sua existncia e desdobra-se a mesma (eu conheo e voc tambm, por
isso posso nome-la). Com as palavras, afetamos o comportamento do outro e somos por ele afetados.
Transformamos a ao do outro e nos transformamos pelo discurso.
Brinquedo e Brincar no Processo de Desenvolvimento1
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De acordo com Vygotsky, o brinquedo serve como referncia dos valores das geraes anteriores
que o produziram, tendo papel fundamental na construo/produo da realidade da criana. Mediada
pelo brinquedo, a criana apreende e age no mundo social, construindo sua prpria histria de vida e de
conhecimento. A criana utiliza o brinquedo como orientador externo, que acaba por produzir
movimentos de transio no seu prprio processo de desenvolvimento.
Para Vygotsky (1987), por intermdio do brinquedo, a criana passa a lidar com diferentes
percepes e significados relacionados com objetos, aes e conceitos, que ela ainda no domina, mas
j fazem parte do conhecimento de seus outros sociais. Em momentos de brincadeira, aes, objetos e
imagens mentais, construdos na vida de relao, servem de transio entre as restries reais do perodo
da infncia e as situaes apreciadas do mundo do adulto, transformando o que apreciado e desejado
em realizaes de sonhos e fantasias. Uma criana no se comporta de forma puramente simblica
no brinquedo; ao invs disso, ela quer e realiza seus desejos, permitindo que as categorias bsicas da
realidade passem atravs de sua experincia (Vygotsky, 1987, p. 114).
Segundo Vygotsky (1998), a primeira manifestao da imaginao da criana um novo processo
psicolgico, que tem origem em situaes reais, concretas e imediatas de interao. O brinquedo envolve
a criana num mundo imaginrio e, por meio dele, ela experimenta tendncias irrealizveis, criando para
isso uma situao imaginria. A criana ao querer realizar seus desejos; ao pensar, age. As aes internas
ou externas so inseparveis: a imaginao, a interpretao e a vontade so processos internos conduzidos
pela ao externa (idem, p. 114).
Na brincadeira espontnea, a criana utiliza, de maneira prazerosa, sua capacidade de separar
o significado do objeto, sem dar-se conta do que est fazendo. Mais adiante o brinquedo lhe fornecer
a possibilidade de transio entre o pensamento da situao concreta e imediata para uma situao
imaginria, ou seja, ele garante a passagem de um pensamento puramente situacional, caracterstico da
primeira infncia, a pensamentos menos sincrticos e confusos, mais prximos aos do adulto, que podem
ser totalmente desvinculados de situaes reais.
Buscando uma sntese
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Neste livro de muitos saberes sobre a Infncia, a inteno central de nosso captulo foi apontar
como as abordagens clssicas em Psicologia do Desenvolvimento, que estudam a pequena infncia, podem
ser interpretadas como interlocutoras da Infncia e das outras disciplinas que estudam o cotidiano das
crianas, principalmente quando dedicadas anlise da relao me-beb, criana-criana e professora-
criana. Inicialmente, identificamos duas tendncias tericas e as acusamos de serem responsveis pela
lacuna existente por muitos anos nos estudos das relaes sociais entre crianas de pouca idade, bem
como a inexistncia de investigaes sobre a importncia dos aspectos sociais nos primeiros anos de vida.
Para ns, as abordagens tericas de John Bowlby e Jean Piaget, apesar de laboriosamente construdas e
incontestavelmente marcantes nas pesquisas em Psicologia da Infncia, inclusive dos dias de hoje, deixam
de registrar a riqueza e a multiplicidade da vida de relaes da criana, que existe desde seu nascimento,
em ambientes sociais mltiplos, e, mesmo quando as reconhecem, desprezam o fato de o ambiente fsico e
social tambm se modificar medida que a criana cresce e se transforma como sujeito social singular.
Vimos em outros autores Henri Wallon e Lev Vygotsky a possibilidade de novos postulados
que abrem a perspectiva da primazia do social no desenvolvimento humano, social como algo que
acontece em ambientes socioculturais estruturados, com especficas formas de relaes e significaes
prprias a cada cultura (Vasconcellos, 2002).
Vygotsky e Wallon propem, cada um ao seu modo, um novo paradigma de estudo do psiquismo
humano, a partir do materialismo histrico. Ambos consideram que o desenvolvimento se d no todo,
no cabendo a fragmentao do sujeito. Contrariamente aos enfoques mecanicistas, reducionistas e
associacionistas da poca, esses autores postulam um enfoque qualitativo e dinmico do psiquismo
humano.
Tanto um quanto o outro criticam a incapacidade do que denominam psicologia tradicional,
denotativa de uma viso hierarquizada e organizada das condutas humanas, e escolhem valorizar a
pluralidade de formas de ser das pessoas das crianas em particular. Outro ponto comum enfatizado
por ambos a importncia da gnese social no ato de conhecer e a natureza mediadora do contexto e das
condies histrico-culturais, que tornam possvel o processo de desenvolvimento do sujeito-criana e da
formao de suas funes psicolgicas. A criana vista como ser ativo e interativo, que vai construindo
formas singulares de conhecer e vincular ao seu desenvolvimento o que ocorre em contextos culturais
especficos (Vasconcellos, 1996).
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Abandonamos com Wallon e Vygotsky a necessidade de perseguir sistemas estruturais universais
e reducionistas presentes na compreenso das funes e processos de desenvolvimento da criana.
Ganhamos com eles anlises e discusses diversas a respeito da infncia, do brincar, da linguagem, da
histria, do social e da cultura, e, principalmente, suas idias de atividade semitica, com significao
para o outro, antes de ter significao para si. A Psicologia que buscamos pensa no apenas a unidade
integrativa e a organizao do psiquismo e das condutas, mas tambm o que as diferencia internamente
e as relaes que provoca entre seus componentes. O enfoque desenvolvimentista almeja, desde sempre,
descrever e compreender no s as relaes e contradies entre o indivduo e o mundo, mas sobretudo
as contradies internas de um mesmo sujeito e as aes, tambm contraditrias, de um mesmo indivduo
sobre o mundo, sobre o outro e sobre si mesmo (Vasconcellos, 2002).
Esse enfoque comum leva Wallon e Vygotsky a adotar posies muito prximas sobre muitos
assuntos, mesmo que tais assuntos tenham importncia diferenciada em cada uma de suas obras.
Enfatizamos a preocupao comum de Wallon e de Vygotsky em promover um enfoque qualitativo
e dinmico do psiquismo e do seu desenvolvimento, impedindo a Psicologia e a Educao de separar
pensamento e afeto, concebendo-os como resultante de dois processos de desenvolvimento independentes.
Esses autores nos obrigam a pensar tais relaes como interdependentes, como o so os desenvolvimentos
das crianas, dos adultos e das sociedades.
Por isso, presente nos dois autores, est a afirmao de que os processos afetivos, intelectuais
e socioculturais formam uma unidade no uma unidade esttica e invarivel, mas uma unidade
que se modifica, sendo que tais mudanas garantem a importncia do conjunto do desenvolvimento
psquico da criana. Vygotsky e Wallon tm concepes comuns quanto importncia da relao entre
desenvolvimento intelectual e cognitivo, por um lado, e desenvolvimento afetivo e subjetivo, por outro,
tese que nos convida a pensar no apenas em sua unidade e em suas relaes, mas tambm que essas
relaes nunca so constantes, que elas se desenvolvem, se transformam durante a atividade e a histria
das crianas e seu entorno sociocultural. Em outras palavras, eles nos convidam a melhor discutir a
relao entre desenvolvimento intelectual e cognitivo e desenvolvimento afetivo e subjetividade, tornando
o prprio desenvolvimento objeto de diferentes zonas proximais que se constituem, se solicitam e se
completam umas s outras (Rochex, 1999).
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Somos firmes na possibilidade de estabelecer conexes claras e explcitas entre as teorias que
insistimos em adotar e que constituem a especificidade de uma reflexo terica sobre a Infncia e as
crianas em desenvolvimento. Ns as entendemos como sujeitos psicolgicos emergentes das interaes
sociais as quais modificaram pelo simples existir. Privilegiamos compreender a histria cultural da
humanidade como vinculadora de uma orientao centrfuga s atividades das crianas, que, em reao a
esse movimento, construiro um outro, no sentido inverso (orientao centrpeta), constituindo-se como
sujeitos nicos, que sofrem a ao do meio, mas, ao mesmo tempo, agem nele, como sujeitos dessa mesma
histria.
Revisitando essa longa histria, verificamos que a Infncia est no centro do pensamento da
Psicologia h mais de um sculo. Muitos foram os caminhos e, portanto, tambm os descaminhos e erros
cometidos nessa trajetria, o que expe a Psicologia da Infncia, mais que qualquer outra cincia, s
crticas de suas jovens parceiras na (re)descoberta da Infncia.
Precisamos pensar, compreender e criar formas entender e interpretar o ser humano histrico, seu
processo de desenvolvimento, e de estar no mundo, ao mesmo tempo que analisamos, de forma crtica, as
cincias a ele dedicadas. Entendemos que os conceitos que vo sendo reconstrudos no interior das teorias
passam a interferir diretamente no comportamento das pessoas, nas premissas institucionais, alterando
interesses culturais, sociopolticos e econmicos de contextos sociais mais amplos (Vasconcellos, 2006).
Mais que paradigmas rivais, que competem entre si, os captulos que compem este livro expandem
e apontam espaos de dilogo entre reas do conhecimento sobre/da Infncia, visando contribuir para
a construo de um mundo onde os fenmenos hoje associados a ela, como as trgedias da fome, das
doenas, do trfico de crianas e da pedofilia, ou qualquer outra forma de violncia contra a criana e suas
famlias, possam ser eliminados de nossa histria. Temos por compromisso comum situar a Infncia no
centro das reflexes das Cincias do Homem.
Esse desafio conceitual um empreendimento tico e poltico, que atravessa as prticas sociais
influenciadas pelas diferentes concepes tericas aqui esboadas. Iniciamos um dilogo, ao qual
pretendemos dar prosseguimento em outros fruns. Convidamos os demais autores a investir nesse caminho.
Acreditamos que esse desafio de impedir toda e qualquer simplificao e reduo na forma
de se pensar o ser humano e a(s) cincia(s) a ele dedicadas, que tm inspirado nosso fazer psicolgico.
Simultaneamente, as discusses tericas das Cincias Humanas atravessam as prticas sociais influenciadas
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pelas perspectivas ticas e polticas das diferentes concepes tericas de desenvolvimento humano.
Portanto, enquanto estudiosos da Infncia precisamos construir novos patamares complementares
de compreenso, pois quando os paradigmas disputam entre si a hegemonia do conhecimento das
peculiaridades da Infncia, so as crianas que perdem e com elas perdemos todos ns como sociedade.
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