informações importantes sobre a imprensa que nos informa
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Informações importantes sobre a imprensa que
nos informa
José Ricardo Figueiredo
A mais longa campanha eleitoral da história
A campanha eleitoral de 2014 foi a mais acirrada dos últimos tempos.
Antes mesmo do período eleitoral houve as gigantescas manifestações de junho de 2013, a
campanha contra a Copa do Mundo no Brasil, e o impacto da operação Lava Jato denunciando a
corrupção na Petrobrás, fatos que a oposição explorou fortemente contra o governo. Durante o
primeiro turno das eleições, houve a trágica morte do candidato Eduardo Campos e sua
substituição por Marina Silva, que teve ascensão e queda meteóricas. No começo do segundo
turno, o candidato Aécio Neves aparecia nas pesquisas como favorito, e só perdeu a vantagem
para Dilma quando ocorreram os debates diretos entre os dois.
Só nestes debates, muitos os eleitores foram informados de que o ex-governador de Minas
Gerais construiu, com recursos do seu estado, um aeroporto nas terras de seu tio-avô, a quem
entregou as chaves. E que o então governador nomeou vários primos e primas para cargos bem
remunerados. E que favoreceu rádios de familiares com verbas públicas. Muita gente só soube
de tais fatos no momento em que a própria presidenta e candidata os citou.
Estas mesmas denúncias foram censuradas do programa eleitoral pelo TSE; seu impacto teria
sido maior se mais amplamente divulgadas.
Estas denúncias haviam aparecido na Folha de São Paulo, quando Aécio Neves e José Serra
ainda disputavam a vaga para candidatura do PSDB à presidência da República nas eleições de
2010, e enterraram a candidatura de Aécio naquela eleição. Mas nas eleições de 2014, Serra
estava descartado pela dupla derrota para Lula em 2002 e para Dilma em 2010, e Aécio foi
escolhido candidato. A partir de então, nem a Folha de São Paulo nem qualquer órgão da
grande imprensa lembrou as velhas denúncias. Precisou a presidenta lembrá-las.
Assim, o Brasil quase elegeu um candidato denunciado por práticas corruptas, acreditando que
seu discurso moralista fosse sincero, porque a grande imprensa e o TSE o blindaram contra
críticas. Ao mesmo tempo, a grande imprensa fazia todas as denúncias de corrupção no governo
recaírem sobre a presidenta.
Desde as eleições, as campanhas contra Dilma e Lula tem se acirrado pela grande imprensa, a
oposição e setores partidarizados da polícia e do judiciário, tentando reverter o resultado das
urnas, ou pelo impeachment ou pela anulação da chapa eleita. A campanha eleitoral continua;
2014 foi o ano da eleição que não terminou.
Neste contexto, é importante conhecer o papel que a grande imprensa vem cumprindo na
história republicana brasileira. Este folhetim trata um pouco a história da imprensa em si e sua
organização, mas, principalmente, de como a grande imprensa tem atuado na república, das
causas a que tem se dedicado na política e na economia.
A imprensa no Brasil
A imprensa brasileira nasceu com a Independência; não era permitida impressão de livros ou
jornais na Colônia. No Império surgiu uma imprensa artesanal, com jornais frequentemente
escritos, impressos e distribuídos por um só jornalista. Ao lado dos bajuladores do regime, havia
jornalistas críticos, como Cipriano Barata e outros, que chegaram a sofrer prisões e depredação
de suas instalações.
Ao final do Império e na Primeira República, os jornais passaram a se tornar empresas
industriais, capitalistas. As categorias dos tipógrafos e linotipistas foram pioneiras no ativismo
sindical. Havia variados graus de pluralismo político, conforme o período, existindo a imprensa
da oligarquia dominante e uma imprensa de oposição, onde se destacava a juventude militar,
que criticava o atraso do país e o domínio oligárquico pelo “voto de cabresto”. A imprensa de
caráter anarquista ou comunista era reprimida. Nos primeiros anos após a Revolução de 1930
continuou a florescer esta imprensa relativamente plural.
Porém, após a instalação da ditadura em 1937, o governo Vargas submeteu a imprensa à censura
do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), além de financiar uma imprensa
situacionista. A imprensa foi retomando sua liberdade quando se anunciava a virada nas
tendências da Segunda Guerra, e particularmente desde 1942, quando o Brasil abandonou a
neutralidade em favor dos Aliados. Com o fim da guerra, tudo indicaria que as condições
políticas favoreceriam o desabrochar da imprensa.
Entretanto, como observou o historiador Nelson Werneck Sodré, ocorreu um processo de
centralização da imprensa, perceptível já nas décadas de 1930 e 1940. Muitos títulos foram
sendo encerrados, poucos vieram substituí-los. Como novidade maior, foram sendo criadas
corporações englobando vários jornais e revistas, rádios e, depois dos anos 1950, televisões. A
primeira destas corporações foi o Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que incluía a
antiga TV Tupi.
Alertava então o historiador: “A época é das grandes corporações que manipulam a opinião,
conduzem as preferências, mobilizam os sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas
meticulosamente, arrasam reputações, impõem notoriedades, derrubam governos.”
Além da convicção ideológica que a une ao centro capitalista, a grande imprensa brasileira
sempre foi vinculada às agências de notícias Associated Press, United Press International
(americanas) e Reuters (inglesa), assim como às agências de publicidade estrangeiras. Mais do
que isto, nos anos 1960 foi registrada grande infiltração de capitais norte-americanos na
imprensa brasileira, o que era e ainda é proibido por lei; esta história é relatada no artigo “Um
escândalo dos anos 1960”.
Hoje em dia, seis grupos familiares controlam quase toda informação fornecida aos cidadãos
brasileiros sobre política, economia, cultura etc. Com frequência cada vez maior, estes grupos
tem atuado de forma coordenada na vida política brasileira, dando as mesmas notícias e
replicando cada um as notícias dos outros, impondo as mesmas visões políticas.
Um escândalo dos anos 1960
A década de 1960 registrou um aprofundamento da presença de capitais norte-americanos na
imprensa brasileira, apesar de ilegal. Antes já existiam as revistas Seleções do Reader´s Digest e
Visão.
O aparecimento de revistas com excelente qualidade técnica, de distribuição gratuita para
setores selecionados de opinião, tais como médicos, dirigentes industriais etc., cuja origem
estrangeira era patente, levou em 1963 a uma CPI, requerida pelo deputado João Dória.
O golpe de 1964 abafou a CPI, mas o tema voltou à tona em 1966 pelas denúncias do deputado
João Calmon, que apontou vários grupos de imprensa como estrangeiros, embora dirigidos por
testas-de-ferro brasileiros.
Por um acordo entre jornal O Globo e o consórcio americano Time-Life, a TV Globo recebeu
em 1965 a quantia de 2,84 milhões de dólares, financiamento que lhe permitiria destronar a TV
Tupi, e tornar a rede Globo o maior conglomerado de comunicação brasileiro.
Calmon citava a editora Abril como também vinculada ao Time-Life. Na atual crise política, a
perfeita sintonia que se observa entre os órgãos dos grupos Globo e Abril, quando o Jornal
Nacional cita Veja extensamente, parece confirmar a antiga suspeita da presença do mesmo
grupo estrangeiro nas duas grandes empresas supostamente nacionais.
Calmon mencionava ainda o grupo Visão, que editava as revistas Visão, Dirigente Industrial,
Dirigente Rural, Dirigente Construtor e outras, a cadeia de rádios Piratininga, ligada a
organização religiosa norte-americana.
O grupo Rockfeller teria influência na Folha de São Paulo, na Última Hora, Notícias Populares
e TV Excelsior. O historiador Werneck Sodré registra o flagrante: “Em São Paulo, antigo
criador de aves e ovos, Otávio Frias de Oliveira, tornava-se, por singular passe de mágica,
proprietário da empresa jornalística Folha de São Paulo, que mantinha três diários dos mais
importantes da capital paulista”.
Nos mesmos dias da denúncia de Calmon, estourava uma polêmica entre os jornais O Estado de
São Paulo e Folha de São Paulo, com acusações mútuas de ligação com capitais estrangeiros. A
polêmica foi abafada por um “Manifesto á Nação”, assinado pelos diretores dos principais
órgãos de imprensa de todo país, atestando que nenhum deles aceitara dinheiro estrangeiro em
sua empresa, por ser ilegal, muito embora não vissem negativamente a participação estrangeira
na imprensa, assim como na economia brasileiras.
Calmon permaneceu na denúncia. Para encerra-la, a rede Globo liquidou sua dívida
publicamente reconhecida para com a Time-Life, com ajuda do regime militar, a quem serviria
até o fim.
Atualmente, acreditando que a campanha da grande imprensa contra Dilma e Lula pretende
mesmo combater a corrupção, muitas pessoas se vestem de verde e amarelo para ir às
manifestações estimuladas pela grande imprensa. Se conhecessem melhor a história dos órgãos
da grande imprensa, saberiam que as verdadeiras cores defendidas por eles não são o verde e o
amarelo.
A atuação política da grande imprensa no Brasil
A democracia do pós guerra
Com o fim da II Guerra, quando os valores democráticos derrotaram o nazi-fascismo,
articulavam-se os caminhos para a redemocratização do Brasil.
Uma das propostas era a convocação de uma assembleia constituinte com Getúlio, sob a
vigência da constituição democrática de 1934. A proposta foi apoiada até pelos comunistas,
muitos deles presos pelo ditador.
Mas a imprensa conservadora não aceitou isto, e exigiu a queda de Getúlio. Os ministros
militares, os mesmos que haviam servido à ditadura, depuseram Getúlio em outubro de 1945.
Encaminharam uma eleição presidencial e uma constituinte excluindo o ex-ditador, mas sob a
vigência da constituição anti-democrática de 1937.
Saiu vencedor o general Dutra. Seu governo foi bastante apoiado na imprensa conservadora pela
sua política econômica de arrocho salarial, por sua aproximação com os EUA, e pela repressão
ao Partido Comunista, que foi cassado em 1947.
Já no governo Dutra se colocou a questão da exploração do petróleo. A grande imprensa ecoava
a propaganda das empresas de petróleo estrangeiras, de que o Brasil não tinha petróleo, o que
foi desmentido pela exploração em Lobato, ou de que o Brasil não tinha capitais. Relata
Werneck Sodré: “enquanto a polícia do governo Dutra espancava os que defendiam a tese da
exploração estatal dos nossos recursos petrolíferos, a imprensa se unia para sustentar as teses
antinacionais de entrega destes recursos à exploração estrangeira”.
Em 1950, Getúlio lançou-se candidato e venceu. A imprensa não o poupou jamais por sua
política trabalhista, que duplicou o salário mínimo, e por seu nacionalismo, que levou à criação
da Petrobrás. A imprensa era pródiga em denúncias de corrupção, falando num “mar de lama”
que inundava o Palácio do Catete.
Em agosto de 1954 ocorreu o atentado da rua Torneleiros, que matou o major Vaz, da
Aeronáutica, e teria ferido Carlos Lacerda na perna. As investigações da Aeronáutica levaram a
Gregório Fortunato, que assumiu a tentativa de assassinato de Lacerda, isentando Getúlio,
posição que manteve mesmo depois da morte de seu chefe. De fato, Getúlio não tinha por que
criar um mártir da oposição às vésperas das eleições, e Gregório fora pessoalmente alvo de
críticas por Carlos Lacerda. Mas a grita da grande imprensa foi suficiente para convencer, de
novo, os comandantes militares das três armas a exigirem a renúncia do presidente. Getúlio
preferiu o suicídio físico ao suicídio moral e político.
O presidente eleito em seguida foi Juscelino Kubitschek, herdeiro político de Getúlio. Sua posse
estava sendo vetada pelo presidente em exercício, sob o argumento de que não tinha obtido
maioria absoluta dos votos, o que não era e não podia ser exigência numa eleição em um só
turno. Sua posse só foi assegurada pela intervenção decisiva do general Henrique Teixeira Lott,
ministro da Guerra, que abortou este golpe.
Werneck Sodré relata um fato expressivo: por ter assegurado a normalidade constitucional, o
general Lott foi tão criticado na imprensa que “moveu cerca de sessenta processos por crime de
injúria e calúnia contra jornais controlados pelas agências estrangeiras de publicidade, todos
sem resultado”. Fato duplamente expressivo, sobre a imprensa e sobre o judiciário.
O desenvolvimentismo otimista de Juscelino foi apoiado por Chateaubriand, mas
sistematicamente criticado no restante da grande imprensa, que na construção de Brasília só
enxergava corrupção e ineficiência, sem ver maior significado na interiorização da capital.
Em meio a muito denuncismo e falso moralismo, surgiu Jânio Quadros, uma figura
politicamente ambígua, que tinha como símbolo a vassoura, com a qual iria varrer a corrupção
deste país. Em poucos anos tornou-se prefeito de São Paulo, governador de São Paulo e
presidente da República, sucedendo Juscelino. Parte da imprensa conservadora, particularmente
O Estado de São Paulo, teria preferido outro candidato, mas Jânio servia à maioria da imprensa
como plano B contra a candidatura nacionalista do general Lott.
Jânio renunciou aos sete meses de governo, inesperadamente, sem explicar porque. Hipótese
plausível, que escutei de meu pai, janista frustrado como todos: repetir o que fizera Nasser,
presidente do Egito, que renunciara em frente a uma crise política para voltar, com maior poder,
nos ombros do povo. Mas ninguém fez questão de manter Jânio.
Sua renúncia quase levou o país à guerra civil, pela oposição dos chefes militares ao vice, João
Goulart. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, resistiu ao golpe. A solução
política foi uma instável e curta experiência parlamentarista. Após o plebiscito que restaurou o
presidencialismo em 1963, a grande imprensa passou a atacar com redobrada intensidade o
governo de João Goulart, advogando cada vez mais abertamente a intervenção dos militares, e
vindo a apoiar quase unanimemente o golpe de 1964.
O único grande órgão de imprensa a opor-se ao golpe foi o Última Hora, que nos dias do golpe
foi depredado, depois descaracterizado e perdeu expressão.
A ditadura militar
A grande imprensa apoiou o primeiro governo militar, de Castelo Branco, pela política
econômica de arrocho salarial e liberalização da economia, pela aproximação aos EUA, etc.
Apoiou também o segundo, de Costa e Silva, um pouco mais envergonhadamente.
Uma exceção notável foi o Correio da Manhã, que retificou seu apoio ao golpe ao constatar o
rumo que tomava. Relata Sodré: “Nessa emergência, o Correio da Manhã teve a sua fase
gloriosa, tornando-se, em 1964 e 1965, o baluarte das liberdades individuais, no protesto e na
denúncia das torturas, das arbitrariedades que passaram a constituir o quotidiano da vida
brasileira”. O jornal sofreu represálias que o enfraqueceram, mas estas não provieram do
governo, e sim das agências estrangeiras, que lhe cortaram a publicidade, condicionando seu
retorno a que não atacasse interesses norte-americanos.
O povo não vinha gostando do que via, e em 1967 e 1968 avolumavam-se as mobilizações
contra o governo, e o início da guerrilha urbana. Na virada para 1969 houve o fechamento total
do regime, começando com a Junta Militar que substituiu Costa e Silva adoentado, e seguindo
com o general Garrastazu Médici. A imprensa sofreu censura militar, e a chamada auto-censura,
quando o editor suprimia previamente aquilo que avaliava seria censurado. Mas a imprensa,
com destaque a Rede Globo, também proporcionou voluntariamente farta propaganda
publicitária do governo.
Em seguida, veio Ernesto Geisel, que iniciou o processo de distensão política “lenta, gradual e
segura”. Teve algumas críticas da imprensa, apesar da censura, e apesar do apoio geral ao
governo. O Estado de São Paulo criticou o governo quando o Brasil reinaugurou a política
externa independente, afastando-se do alinhamento automático aos EUA, e quando adotou o
mar territorial de 200 milhas. Já a Folha de São Paulo, que chegara a emprestar suas peruas
para os órgãos de repressão, passou a aparecer como oposição. Comercialmente deu-se bem,
tendo sua vendagem aumentada, superando O Estado de São Paulo.
O último presidente militar foi João Figueiredo, que pegou o país já em crise, com inflação
beirando os 100% anuais, e foi levado “socorrer-se” junto ao FMI. O FMI impôs uma política
de “austeridade”, com corte de gastos públicos, corte de subsídios e juros altos. Explodiu a
recessão, o desemprego, e ao final do governo a inflação estava beirando os 1.000% anuais.
A imprensa apoiou as medidas do FMI, mas não tinha maior compromisso com um governo
desgastado. Era hora de todos aparecerem como democratas. Mas a Globo se manteve fiel ao
regime, e sequer noticiava as mobilizações que se sucediam em várias capitais, com cem mil,
duzentas mil pessoas, exigindo eleições diretas. Só quando as mobilizações atingiram
quinhentas mil pessoas a Globo parou de tentar esconder o que todo mundo já estava vendo.
A democracia reconquistada
Derrotada a eleição direta para 1985, as oposições e os dissidentes do partido do governo
venceram no Congresso com a chapa Tancredo Neves - José Sarney, pelo PMDB. Tancredo
adoeceu às vésperas da posse, e faleceu pouco depois, sendo substituído pelo governista
dissidente José Sarney, que de início manteve o ministério de Tancredo.
Entre 1986 e 1988 o país viveu nova constituinte, fortemente avançada em seu início, sob o
impulso de demandas populares, registradas nas centenas de milhares de assinaturas coletadas
em prol de variadas causas progressistas, mas que retroagiu com a articulação do “Centrão”
conservador no Congresso e Sarney, com apoio da grande imprensa.
Nas primeiras eleições diretas para presidente, em 1990, concorreram, entre outros, lideranças
populares históricas, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, uma liderança nova, Lula, e
uma liderança construída artificialmente, Collor. De família tradicional alagoana, dono da filial
da Globo em seu estado, Collor foi endeusado pela Veja e pelo Globo como “caçador de
marajás” quando fora governador de Alagoas. O povo acreditou.
O governo Collor começou com confisco da poupança no primeiro dia, e continuou com
recessão e desemprego em massa. Collor começou o processo de privatização das estatais mas,
sem força política, avançou pouco. Denunciado seu envolvimento com o esquema de corrupção
de P. C. Farias, e sem base de sustentação social, sofreu impeachment.
Itamar Franco, o vice, assumiu, procurou construir um ministério de união nacional naquele
momento de crise, e aplicou o Plano Real de estabilização da economia. Mas a grande imprensa
fez o que pôde para ridicularizar o topetudo, e elegeu Fernando Henrique Cardoso como autor
do Real. O povo acreditou.
O governo Fernando Henrique Cardoso foi a festa das privatizações, que merecem ser tratadas
como capítulo separado, a seguir. Além das privatizações, em si mesmas a maior dilapidação de
riqueza pública na nossa história, houve várias outras denúncias graves durante o governo de
FHC. Mas o presidente era elogiado pelas privatizações, e poupado pelas demais corrupções.
Um deputado confessou ter recebido duzentos mil reais para votar pela direito à reeleição, como
propunha o governo, e também denunciou outros pelo mesmo crime. Os deputados
mencionados renunciaram, e ficou por aí. Nem a imprensa, nem a justiça, nem a polícia foi atrás
da fonte dos recursos, ninguém investigou a quem interessava o crime. Assim como diversos
outros escândalos que vieram a tona numa nota da imprensa para submergir no esquecimento.
Em seu primeiro governo, Fernando Henrique Cardoso manteve uma política de juros
altíssimos, que atingiram 40% ao ano, para atrair capitais especulativos e manter a paridade
aproximada de um real para um dólar. A moeda artificialmente alta aumentava as importações e
reduzia as exportações, de tal forma que o país quebrou, sem reservas em moedas fortes,
retornando ao FMI, logo no início do segundo mandato.
A eleição de 2002 elegeu Lula, apesar de a grande imprensa difundir um mal explicado “medo
de um governo Lula”. E, como o povo foi percebendo que sua vida ia melhorando, a eleição de
2006 elegeu Lula de novo, apesar da grande imprensa, e a eleição de 2010 elegeu Dilma,
apoiada por Lula, apesar da grande imprensa, e a eleição de 2014 elegeu Dilma de novo, quando
a imprensa pensava que teria sua vitória. Daí os derrotados perderam a paciência e a compostura
democrática, e passaram a articular o impeachment.
Considerando a oposição raivosa da grande imprensa aos governos de Getúlio, de Juscelino, de
Jango Goulart, de Lula, e agora de Dilma, e, por outro lado, a propaganda da grande imprensa a
favor de Dutra, de Jânio, dos militares, de Collor e FHC, vê-se que a história do Brasil
republicano tem uma moral: toda vez que o povo ou uma elite com poder caíram na lábia da
grande imprensa, o Brasil andou para trás, e povo se deu mal.
A liberdade de expressão defendida pela grande imprensa
No imediato pós-guerra, entre 1945 e 1947, o Partido Comunista do Brasil, PCB, teve uma curta
existência legal, embora não isenta de percalços, pois vigia a constituição antidemocrática de
1937. A grande imprensa defendeu a cassação do partido e de sua imprensa, o que obteve em
1947. A liberdade de expressão defendida pela grande imprensa excluía os comunistas.
Em 1951 surgiu o jornal Última Hora, por Samuel Wainer, que apoiava o governo de Getúlio
Vargas, por sua política nacionalista e trabalhista. Atingiu o porte dos maiores jornais da época,
com edições no Rio e São Paulo. A grande imprensa gostou tanto da concorrência de uma
imprensa nacionalista, que desencadeou uma campanha pela cassação do jornal, argumentando
que Samuel Wainer não era brasileiro nato, e questionando o empréstimo do Banco do Brasil
que permitira a fundação do jornal, campanha tão virulenta que originou uma CPI. No entanto,
Victor Civita, da Abril, também não era brasileiro nato e nunca foi importunado por isto, e
outros órgãos de imprensa também tiveram empréstimos do mesmo vulto no mesmo Banco do
Brasil. A liberdade de expressão defendida pela grande imprensa excluía os nacionalistas.
Com a abertura política e com retorno da democracia, os períodos de campanha eleitoral
passaram a possibilitar a comunicação dos partidos com a população, sem intermediação da
imprensa. A postura da imprensa foi se revelando favorável à redução do tempo de campanha
eleitoral nas rádios e TVs. Acaba de consegui-lo, as próximas campanhas serão muito mais
curtas.
A grande imprensa também é favorável ao pleito das associações de rádios pela
descaracterização da Voz do Brasil, tornando seu horário de apresentação flexível.
No governo Dilma, a grande imprensa passou, não só a estimular protestos contra o governo,
mas também a estimular os panelaços nos momentos de fala da presidenta ou de seu partido.
Estes atos não são simples protestos, pois representam a recusa a ouvir o adversário, e buscam
impedir que estas falas sejam ouvidas pelo público nas redondezas dos panelaços.
Depois do fim da Lei de Imprensa herdada do período ditatorial, a falta de regulamentação do
direito de resposta vinha facilitando os abusos do direito de crítica pela grande imprensa. O
legislativo elaborou uma regulamentação obrigando a imprensa a publicar respostas
determinadas por um juiz, a menos que o órgão de imprensa revertesse a sentença por decisão
de órgão colegiado. A grande imprensa protestou e conseguiu relaxar esta exigência,
substituindo-a por uma decisão monocrática de instância superior.
Por outro lado, a Globo e seu editor chefe, Sr. Ali Kamel, passaram a impetrar processos
judiciais contra blogueiros que os criticam, alegando calúnia ou difamação, e ameaçando fazê-lo
a quem quer que mencione o ¨triplex¨ em Parati e o helicóptero que servem à família Marinho,
ou os empréstimos a juros favorecidos pelo BNDES.
A liberdade de expressão defendida pela grande imprensa significa a liberdade de expressão só
para a grande imprensa.
“Corrupção: Tô Fora!”
Esta frase fez parte da campanha de Lula em 2002.
Pelo que se vê, lê e escuta na grande imprensa, Lula traiu esta promessa, pois seu governo seria
o mais corrupto de todos.
Lula, assim como depois Dilma, respondem que tudo o que se tem visto de combate à corrupção
tem origem nas medidas de seus governos para aperfeiçoar, fortalecer e dar autonomia à Polícia
Federal e ao Ministério Público.
A grande imprensa teria a obrigação de esclarecer seu público sobre estas questões, mas não o
faz. Logo no primeiro governo, Lula duplicou o efetivo da Polícia Federal, e deu-lhe uma
autonomia nunca vista. Para evitar vazamentos e interferências de cima, o diretor geral só
passou a ser formalmente avisado de uma grande operação na véspera, e deve comunicar seu
chefe, o Ministro da Justiça, no dia seguinte.
Lula criou a Controladoria Geral da União (CGU), que, em dez anos, investigou e puniu mais de
4.400 servidores, permitindo retorno aos cofres públicos de cerca de R$10 bilhões.
Lula encaminhou leis que agravavam as penas contra os crimes “de colarinho branco”. A Lei de
Delação Premiada aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso foi modificada, dando
maiores benefícios ao réu delator.
O presidente Lula também deu a palavra de que só iria indicar, para o posto de Procurador Geral
da República (PGR), o nome mais votado pelos procuradores do Ministério Público Federal.
Com isto, abdicou do poder de escolher a autoridade que, constitucionalmente, pode mandar
investigar o presidente da República, ministros, senadores e deputados.
Todas estas medidas são coerentes com o princípio basilar da luta contra a corrupção: aquele
que executa não pode ser aquele que fiscaliza. São medidas recomendadas pela Ordem dos
Advogados do Brasil e por muitos intelectuais democráticos. Todos estes criticavam o
“Engavetador Geral da República” dos tempos de Fernando Henrique Cardoso, abafador de
denúncias submisso a pressões do Executivo. Da mesma forma se criticava a anterior submissão
da Polícia Federal e do Ministério Público a pressões políticas.
Foram estas mudanças de Lula, mantidas por Dilma, fortalecendo e garantindo a autonomia dos
órgãos de fiscalização, que permitiram a alta intensidade de combate à corrupção que estamos
vivendo. Não é a toa que a campanha pelo impeachment é encabeçada por alguns conhecidos
corruptos, começando por Eduardo Cunha.
Como é possível que governos que adotam estes compromissos e estas práticas sejam apontados
como os mais corruptos?
A grande imprensa jamais valorizou, ou sequer deu destaque, a estas medidas. Só se aproveita,
seletivamente, das denúncias surgidas.
Mas a própria atitude do governo também atrapalha. Se as garantias de autonomia da Polícia
Federal e do Ministério Público têm a consequência positiva de evitar interferências políticas de
cima, também têm a consequência negativa de permitir a tendenciosidade política dos próprios
quadros da Polícia Federal, dos procuradores do Ministério Público e de juristas.
Recentemente, a presidenta reconduziu para a Procuradoria Geral da República a Rodrigo Janot,
o mais votado na lista dos procuradores. Em seu primeiro mandato já tinha dado indicações de
favorecimento a Aécio Neves, ao ignorar as denúncias da Lava Jato contra ele pelo episódio da
lista de Furnas. Depois que reassumiu, voltou a ignorar denúncias contra o ex-governador
mineiro, já citado em cinco delações, e aceitou as denúncias contra Lula.
No âmbito da Lava Jato, têm sido graves e sistemáticos os vazamentos de informações que
deveriam correr sob sigilo, o abuso de prisões preventivas, e outros desvios da boa prática
judicial. Isto foi denunciado em uma carta de 104 proeminentes juristas, divulgada a 15 de
janeiro, denuncia a série de violações de preceitos para o bom desempenho da justiça no
processo do Lava Jato. Dizem eles:
“O desrespeito à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da
jurisdição e ao princípio do juiz natural, o desvirtuamento do uso da prisão provisória, o
vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às
defesas dos acusados, a execração pública dos réus e o desrespeito às prerrogativas da
advocacia, dentre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com
consequências nefastas para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira”
Estes princípios clássicos do direito, cujo cumprimento os juristas reclamam, surgiram com a
experiência histórica de que, quando tais princípios não são seguidos, o juiz não pune
necessariamente criminosos, mas pune quem quiser punir.
Boa parte das críticas dos juristas volta-se para a cobertura da grande imprensa, denunciando
uma “estratégia de massacre midiático” que:
“tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados
(mesmo antes deles serem julgados) e pressionar instâncias do Poder Judiciário a manter
injustas e desnecessárias medidas restritivas de direitos e prisões provisórias, engrenagem
fundamental do programa de coerção estatal à celebração de acordos de delação premiada.”
Os golpes em marcha
A campanha pelo impeachment surgiu imediatamente após sua eleição, antes de aparecer
qualquer fundamentação jurídica. Depois passaram a procurar alguma delação premiada que
mencionasse qualquer indício de crime de responsabilidade pelo qual possam atacar a presidenta
e o ex-presidente. Por isto, o impeachment é visto como um golpe midiático-jurídico contra a
ordem democrática. Mas não é o único golpe em curso.
A permanente campanha antipetista, acirrada com a Lava Jato, influiu pesadamente no primeiro
turno das eleições, acarretando uma composição do Congresso Nacional com forte queda na
participação dos partidos ligados aos setores populares. O número de deputados cuja atuação
política iniciou-se em sindicatos ou movimentos populares caiu de 90 para 46.
O parlamento assim constituído, totalmente representativo das elites econômicas mais
retrógradas, além de acuar o governo, vem introduzindo uma pauta muito perniciosa para o
povo e para o país.
Afrontam-se as maiorias e as minorias. A terceirização do trabalhador, hoje permitida para
atividades subsidiárias como segurança e limpeza, passa a ser admitida para trabalhadores em
atividades fim das empresas, jogando no lixo os direitos adquiridos até para profissionais
qualificados. Aprova-se uma lei “anti-terrorismo” que permite criminalizar todo movimento
social. As mulheres que tiverem sido estupradas, para recusar uma eventual gravidez, serão
condenadas a provar o estupro, não mais para um serviço médico qualificado, mas para uma
instituição policial. A tendência de reconhecimento e respeito pelas relações homo-afetivas é
substituída pela sua marginalização.
Afronta-se a soberania nacional. Retira-se a obrigatoriedade da participação da Petrobrás no
pré-sal, enfraquecendo a posição da empresa, já enfraquecida pela Lava Jato e pela crise no
setor petroleiro mundial com a queda do preço do petróleo. O wekeleaks, grupo de guerrilheiros
eletrônicos que torna públicas informações preciosas, já tinha revelado troca de mensagens entre
o autor do projeto, José Serra, e a Chevron, petroleira americana. Outro parlamentar propõe
substituir o sistema de partilha no pré-sal pelo de concessão, como querem as petroleiras
estrangeiras.
Fatos igualmente graves foram observados pelo jornalista Jânio de Freitas no próprio âmbito da
Lava Jato. Enquanto os empresários brasileiros denunciados estão presos, nenhum empresário
estrangeiro o foi, embora tenham aparecido ali denúncias objetivas envolvendo corrupção pelas
empresas Samsung, Mitsui e os estaleiros Jurong e Keppel Fels de Cingapura. O absurdo maior
é que as empresas brasileiras estão proibidas de firmar contrato com governos ou estatais
enquanto não se fecharem os acordos de leniência, ao passo que as estrangeiras estão liberadas.
Tanto é que a Mitsui acaba de se tornar sócia da Gaspetro.
O golpe que vem sendo dado não é só contra o governo. É contra o povo e contra o país.
O desabafo de uma mulher desiludida
Enquanto a polícia federal e a imprensa vasculham minuciosamente a vida do ex-presidente
Lula, e violam princípios clássicos do direito em busca de qualquer denúncia que possa
comprometer a Lula e a Dilma, uma ilustrativa série de informações acerca do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso apareceu de forma espontânea.
Foi uma iniciativa da jornalista Miriam Dutra, ex-funcionária da Rede Globo e ex-amante de
Fernando Henrique, antes dele assumir a presidência, que concedeu uma entrevista para a
revista Brazil com Z, destinada a brasileiros no exterior, onde conta sua história.
O relacionamento de Miriam com Fernando Henrique durou seis anos, até que Miriam
engravidou, criando uma situação comprometedora para o então promissor político.
Com a ajuda da revista Veja, foi divulgado que o pai da criança seria um biólogo, não nomeado.
Com a ajuda da Rede Globo, a jornalista foi enviada para a Europa. O senador, governador da
Bahia e ministro das comunicações Antônio Carlos Magalhães, do PFL, aconselhou-a a aceitar a
ida para a Europa. Ali foi posta no ostracismo, suas propostas de pauta jornalística nunca eram
aprovadas pela emissora. Miriam acrescenta que, em troca, a rede Globo teve acesso a
financiamento do BNDES a juros subsidiados.
Depois de algum tempo, o salário de Miriam na Globo foi reduzido, e passou a ser
complementado pelo salário de um emprego fantasma na empresa Brasif, que na época era
concessionária de free-shops em vários aeroportos nacionais, obtidos sem licitação pública,
pagando aluguéis irrisórios.
Miriam acrescenta que sua irmã também tem ainda um emprego fantasma deste tipo, como
assessora do senador José Serra, sem nunca comparecer ao serviço.
O caso extraconjugal e a recusa do promissor político em assumir suas consequências são
questões éticas de foro íntimo do hoje ex-presidente. Mas, quando ele mobilizou empresas de
comunicação, líderes políticos e empresas concessionárias de serviço público, transformou sua
questão de foro íntimo em questão política. E, por ter envolvido procedimentos ilícitos, como
empregos fantasmas, concessões sem licitação ou empréstimos favorecidos, a questão se torna
judicial.
O mais importante para o tema aqui tratado é que o desabafo de uma mulher desiludida acabou
revelando a profunda articulação entre os meios de comunicação mencionados e a frente
neoliberal, representada na época por PSDB-PFL, já preparando o caminho para a candidatura
futura de Fernando Henrique Cardoso.
O PFL agora se chama DEM, vários líderes do PSDB migraram ou podem migrar de sigla. Mas
a articulação continua a mesma.
As Privatizações no Brasil
Desde que uma luz indicativa do final do regime militar começou a aparecer em meio às trevas,
a grande imprensa assumiu uma cruzada em defesa das privatizações. As estatais passaram a ser
mostradas como locais de ineficiência, corrupção e empreguismo político. O governo deveria
privatizar estas empresas e empregar os recursos arrecadados para saldar a dívida e para investir
nas legítimas funções do estado, como educação e saúde.
O início do programa de privatizações deu-se no governo de Fernando Collor de Mello. Foram
particularmente empresas de geração e transmissão de energia, bancos estaduais e outras. Seu
vice, Itamar Franco, ao assumir após o impeachment, privatizou a Companhia Siderúrgica
Nacional. Mas foi no governo de Fernando Henrique Cardoso, realmente, que ocorreu a grande
festa das privatizações, atingindo as gigantes Vale do Rio Doce e Telebrás.
Desde o começo ficou claro que o parque industrial estatal brasileiro estava sendo alienado a
preços irrisórios. De saída, toda formatação do processo de privatizações foi deixada a cargo de
uma agência estrangeira de avaliação de risco, intimamente vinculada aos capitais interessados
nas aquisições.
A primeira surpresa foi a aceitação como pagamento pelas empresas privatizadas, pelo preço de
face, das “moedas podres” tais como títulos de dívida agrária e outros títulos da dívida pública
de longo prazo. Os que foram informados previamente adquiriram estes títulos por valor
irrisório no mercado secundário.
A Vale do Rio Doce, detentora de todo subsolo brasileiro e de toda infraestrutura para explorá-
lo, foi vendida por R$ 3,3 bilhões, que era seu faturamento trimestral. O gigantesco sistema
telefônico brasileiro foi esquartejado e a vendido por R$ 22 bilhões, praticamente equivalentes
aos R$ 21 bilhões gastos pelo governo nos três anos anteriores para “preparar a empresa para a
privatização”.
Para completar, grande parte dos recursos para a aquisição de empresas estatais foi financiada
pelo BNDES, a juros subsidiados.
O resultado disto foi que o gigantesco processo de privatização rendeu muito pouco para ser
invertido em saldar dívidas, que aumentaram, ou para áreas sociais.
Aspecto importante sobre a atuação da imprensa neste momento foi que, nos dias dos grandes
leilões de privatização, que tanto defendera, a imprensa evitava chamar as atenções para o
momento dos leilões, até que já estivessem consumados. Era a melhor forma de não estimular
movimentos de oposição.
Mesmo em torno das causas mais justas e altruístas aparecem, junto aos bem intencionados,
alguns oportunistas. Quando a própria causa é antipatriótica, como foram as privatizações, os
oportunistas não são alguns, são a regra geral.
Durante o processo de privatização da telefonia, a rádio CBN divulgou uma gravação com a
nítida voz do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso interferindo a favor de um dos
grupos em disputa. Mas apenas a revista Carta Capital transcreveu a fita. A grande imprensa não
tocou no assunto.
No livro A Privataria Tucana, o jornalista Amaury Ribeiro Jr. relata sua investigação dos
caminhos dos recursos financeiros amealhados pelo ministro do planejamento da época das
grandes privatizações, José Serra. Nada disso foi ventilado na grande imprensa.
Receita amarga
O governo deve reduzir seus gastos para diminuir os impostos, e aumentar os juros para abaixar
a inflação. Estas recomendações são tão repetidas na grande imprensa que assumem ares de
verdades científicas incontestáveis.
Entretanto, esta receita é fundada em uma versão, simplista e extremada, de uma das correntes
teóricas em economia, a chamada corrente ortodoxa ou neoclássica, que é contestada
cientificamente por outras correntes teóricas em economia, e por economistas neoclássicos de
mente mais aberta. Este ponto é abordado nos capítulos subsequentes.
Neste capítulo tratamos do resultado prático da teoria ortodoxa, que já foi aplicada em muitos
momentos de estabilidade e de crise, no Brasil e no mundo. No Brasil, foi aplicada no governo
Dutra (1946-1950), nos governos militares de Castelo Branco e Costa e Silva (1964-1969), e ao
longo de quase todo período das duas “décadas perdidas”, de 1980 e 1990. Voltou a ser aplicada
em 2015, e ameaça permanecer.
Descrevemos abaixo duas destas experiências, uma que deu certo do ponto de vista de reduzir a
inflação, com alto custo social, outra que nem a inflação conseguiu resolver, apesar do altíssimo
custo social.
O exemplo que “deu certo”
A inflação, que atingiu 40% ao ano em 1963, tendendo a dobrar no ano seguinte, foi um dos
principais motivos do enfraquecimento político do presidente João Goulart.
Quando assumiram o poder em 1964, os militares implementaram a política ortodoxa,
conseguindo abaixar lentamente a inflação por meio de arrocho de salários e recessão. A
consequência foi o grande descontentamento popular registrado pelas manifestações de 1968 e
1969, e pelo começo de guerrinha urbana.
A reação dos militares foi endurecer a repressão política através do AI-5. Entretanto, também
perceberam a necessidade de abandonar a política econômica recessiva, elaborando um projeto
de desenvolvimento, muito dependente de investimentos e empréstimos externos. Foi o
chamado milagre econômico, que chegou a apresentar crescimento da ordem de 10% ao ano
com inflação abaixo de 20% ao ano na primeira metade dos anos 1970.
O exemplo que não deu certo, mesmo
A partir de 1975, entretanto, a inflação voltou a crescer. Pesou o aumento do preço do petróleo,
do qual 80% era importado, e pesou a subida das taxas de juros internacionais, pois os
empréstimos haviam sido feitos com juros flutuantes, dependentes da política do FED (o banco
central dos EUA). Em 1980 a inflação atingiu 100% ano. Então o Brasil foi ao FMI (Fundo
Monetário Internacional), que impôs a receita recessiva: corte de gastos governamentais,
eliminação de subsídios e aumento de juros.
Em vez de reduzir a inflação, esta aumentou de 100% em 1980 para perto de 1.000% ao ano em
1985, quando o último presidente militar passou a faixa a Sarney. Neste caso, além de
socialmente perversa, a política ortodoxa fracassou até mesmo em seu objetivo declarado de
reduzir a inflação.
O governo Sarney experimentou medidas heterodoxas para controlar a inflação, como o Plano
Cruzado, o Plano Bresser e Plano Verão. Por meio de mudanças de moeda, estes planos
eliminavam a inflação inercial, isto é, a tendência dos preços subirem num ano pelo menos tanto
quanto subiram no anterior, por causa dos repasses de custo e recomposições salariais. Para a
manutenção da inflação baixa estes planos apoiavam-se em congelamento de preços, de duração
efêmera. Com o fracasso destes planos, retornava a política ortodoxa, sem melhor resultado.
O presidente Collor assumiu dizendo que tinha uma só bala em seu fuzil para matar o tigre da
inflação. Esta bala foi uma heterodoxia radical e desastrosa: um confisco de poupanças que
desestruturou muitas empresas e muitas famílias, e gerou enorme recessão econômica, sem
resolver o problema inflacionário.
A hiperinflação domada
A hiperinflação foi domada finalmente em 1994, no governo Itamar Franco, graças a um plano
heterodoxo, o Plano Real. Tecnicamente, foi um aprimoramento dos planos heterodoxos do
governo Sarney. Também empregava uma mudança de moeda para eliminar a inflação inercial,
mas eliminou as polêmicas “tablitas” de conversão de dívidas empregadas nos planos anteriores,
introduzindo um indexador de transição, a URV, e as regras da mudança monetária foram
previamente anunciadas à população, sem surpresas.
Como se vê, não foram medidas ortodoxas que permitiram eliminar a hiperinflação, mas sim
uma medida heterodoxa, elaborada a partir de outras experiências por economistas que
procuraram caminhos para enfrentar a hiperinflação de forma não recessiva nem socialmente
injusta.
A manutenção da estabilidade monetária
Entretanto, para garantir a baixa inflação da nova moeda, a política adotada tem sido quase
unicamente através dos juros. Isto ocorreu durante os governos de Fernando Henrique Cardoso,
de Lula e de Dilma, com diferenças entre os períodos.
O primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso praticou a mais alta taxa de juros da história
do Brasil, chegando a pagar 40% ao ano pela compra de seus papéis, para atrair dólares
especulativos e, assim, manter a câmbio em torno de 1 real para 1 dólar.
Com o valor artificialmente alto da moeda brasileira, nossos produtos perderam mercados no
exterior enquanto produtos estrangeiros inundavam o Brasil. Tal política enfraqueceu a indústria
brasileira e deteriorou o balanço de pagamentos do país, para dar uma momentânea sensação de
alto poder de compra da moeda. Esta política demagógica levou à reeleição de Fernando
Henrique, mas quebrou o país. Logo nos primeiros dias do segundo mandato, a paridade foi
abandonada com o país já sem reservas financeiras, ajoelhado mais uma vez junto ao FMI. Os
juros mantiveram-se acima dos 20% ao ano durante todo o resto do governo.
Nos governos Lula e Dilma, as taxas de juros desceram abaixo daqueles níveis, mas são ainda
muito altas em comparação com as taxas mundiais. Uma tentativa de redução de juros em 2012,
no governo Dilma, levantou enorme oposição da grande imprensa a seu governo, oposicionismo
que não cessou com o recuo na política de juros baixos. A política econômica tem se distinguido
da de Fernando Henrique pelo papel dado ao BNDES, pelo apoio às estatais, pelos recursos
destinados ao atendimento das maiores carências sociais e outros aspectos, mas pouco alterou a
política monetária do Banco Central.
Conclusão
Se a tratamento recessivo da inflação já se provou desastroso, por que ele continua sendo
aplicado?
Sempre há os penalizados e os beneficiados por quaisquer políticas. Os altos juros drenam
recursos de todos os trabalhadores e dos empresários produtivos para irrigar os bancos e os
detentores de capital em moeda. O arrocho desastroso para o trabalhador pode ser uma dádiva
para o capitalista. A concorrência desastrosa para um empresário é a glória do concorrente
vencedor, monopolista. Por estas razões, muito práticas, a teoria ultra-ortodoxa é dogma para o
setor financeiro e para o empresariado monopolista.
A inflação e os juros
Tendo como base unicamente a lei da oferta e da procura, a teoria ortodoxa interpreta a inflação
como excesso de moeda em circulação: o dinheiro se desvaloriza porque haveria dinheiro
demais para os produtos em oferta. A inflação indicaria que o governo emitiu muita moeda para
cobrir seus gastos em excesso. A solução seria 1- corte de gastos do governo para diminuir a
emissão de moeda e 2- aumento de juros dos títulos públicos para enxugar o dinheiro em mãos
das pessoas e empresas.
Em certos casos esta receita funciona, conseguindo abaixar a inflação, à custa do esfriamento da
economia, com aumento do desemprego e quebra de empresas. Mesmo os defensores da
ortodoxia reconhecem que a receita é amarga para os trabalhadores, e para muitos empresários
produtivos. Para eles, tais danos seriam o preço que o povo paga pelos erros do governo. Um
exemplo de aplicação bem sucedida da ortodoxia, neste sentido, foi a crise de 1963-1969 no
Brasil.
Entretanto, em crises profundas, a aplicação da receita ortodoxa pode gerar, não apenas
empobrecimento dos trabalhadores, mas também aumento de inflação, ao invés de redução. Foi
o que ocorreu com a crise de 1979-1994. Como isto foi possível?
Além de se basear unicamente na lei da oferta e da procura, a versão mais dogmática da
ortodoxia só pensa nesta lei de forma estática, sem atentar à sua dinâmica.
Se a taxa de juros aumenta, esfriando a economia, há como primeiro efeito a diminuição do
consumo das pessoas, assustadas pelo crediário, bem como do consumo produtivo das
empresas, pois fica mais difícil para o empresário encontrar investimento produtivo que renda
mais que os juros. Com menor procura pelos produtos, os preços diminuem. Este aspecto é
previsto pelo economista ortodoxo.
Quando a inflação é causada por excesso de demanda por produtos, a receita opera eficazmente.
O primeiro problema é que a inflação pode ser causada por aumento de custo de produção. Por
exemplo, quando varia o câmbio, aumentando o custo dos insumos importados, quando ocorrem
desastres naturais, secas ou inundações, etc. Nestes casos, o juro tem pouco efeito sobre a causa
da inflação, mas terá o mesmo efeito pernicioso sobre o crescimento e sobre a distribuição de
renda.
O que bem poucos ortodoxos costumam levar em conta é que, como o investimento diminui, a
oferta de produtos estará diminuindo logo em seguida, neutralizando o efeito anti-inflacionário
anterior.
Assim, uma coisa é aumentar juros por curtos períodos, quando se verifica aquecimento
excessivo ou especulativo. Outra coisa é manter juros altos por décadas.
Ora, o Brasil vem padecendo de altíssimos juros, é liderança mundial de juros altos, quase
ininterruptamente desde 1980, quando foi socorrer-se junto ao FMI, até agora, com exceção de
alguns meses durante 1986 e durante 2012. Todo o efeito anti-inflacionário dos altos juros vem
sendo repetidamente anulado pelo desaquecimento da economia. Entretanto, os efeitos
inibidores do desenvolvimento são cumulativos. O que se viu desde 1980 foi a
desindustrialização da economia e da pauta de exportações do Brasil.
Além disso, ao aumentar os juros, aumentam os gastos do governo, em favor do sistema
financeiro. Assim, o governo dispõe de ainda menos recursos para atender à demanda social,
que aumentou pelos efeitos perniciosos da alta de juros.
O outro lado da receita ortodoxa, corte de gastos do governo, também é problemático. Ao
diminuir seus gastos, o governo reduz a demanda de serviços para a iniciativa privada, o que
acarreta redução dos impostos arrecadados, o que vai exigir mais cortes de gastos.
A combinação dos dois fatores, altos juros e corte de gastos, resulta potencialmente desastrosa
para a economia.
Estas e outras críticas da escola ortodoxa são formuladas pelas correntes denominadas
desenvolvimentistas, que engloba keynesianos, estruturalistas, marxistas, e por alguns
economistas ortodoxos esclarecidos.
Um importante economista brasileiro, Ignacio Rangel, criador do BNDE (hoje, BNDES), que
dominava as concepções teóricas keynesiana e marxista, escreveu em sua obra “A Inflação
Brasileira” que nossa inflação era um “epifenômeno”, um fenômeno superficial, sintoma de um
problema estrutural da economia.
Exemplo típico de problema estrutural, em que cabe o caso brasileiro, é o de uma nação com
lento desenvolvimento técnico em comparação às principais nações do mundo. Esta nação tem
uma tendência permanente à inflação, por causa do câmbio. A nação que acelera sua técnica
produz com maior eficiência, reduz os custos de produção unitária. Enquanto isto, a nação que
permanece tecnicamente estacionária não consegue competir. Para garantir o equilíbrio do
balanço de pagamentos, o país fica obrigado a desvalorizar sua moeda para retomar alguma
competitividade, e esta desvalorização cambial incita a inflação.
Num caso destes, querer combater a inflação com a receita ortodoxa, mantendo a economia sem
crescimento, agrava o problema estrutural da defasagem tecnológica. E assim foram os mais de
trinta anos de juros altos que vivemos de forma quase ininterrupta desde 1980, quando o
governo Figueiredo recorreu ao FMI. O resultado disto pode ser visto por uma comparação
chocante.
Entre 1930 e 1980, a economia brasileira cresceu a 7% ao ano, em termos médios, a despeito de
períodos de crise. A revolução de 1930 tivera uma inspiração industrializante. Era forte a
presença de pensadores desenvolvimentistas como Ignácio Rangel, chamado por Getúlio Vargas
para criar o BNDE (hoje, BNDES), ou Celso Furtado, chamado por Juscelino Kubichtchek para
criar a SUDENE.
De 1980 até hoje, a economia vem crescendo em torno de 1% ao ano. Neste período, a política
econômica brasileira vem sendo dominada pelo pensamento ortodoxo do Banco Central e vem
mantendo, quase ininterruptamente, suas taxas de juro entre as mais altas do planeta. Estas
décadas presenciaram enorme desindustrialização do Brasil: o percentual de participação da
indústria no PIB reduziu-se de 30% para 9% neste período, e nossa pauta de exportação voltou a
ser basicamente matérias primas (“commodities”). Num momento de crise mundial, a queda dos
preços das matérias primas está afetando fortemente a economia do Brasil e de outros países.
A independência do Banco Central
O consultor sindical João Guilherme Vargas Netto explica o funcionamento das instituições que
controlam a compra e venda de títulos públicos, pelos quais o governo toma empréstimos de
pessoas e empresas, através das instituições financeiras:
“Criado em 1980, o Sistema Especial de Liquidação e Custódia, sob responsabilidade do Banco
Central (COPOM) e da Associação Nacional das Instituições dos Mercados Abertos (Andima),
é um grande sistema computadorizado ao qual têm acesso apenas as instituições credenciadas
do mercado financeiro e através dele os negócios com títulos públicos têm liquidação imediata;
daí a taxa Selic.”
Esta taxa de juro Selic, a que o poder público paga por seus títulos, opera praticamente como o
piso das taxas de juro no país. As taxas de juro de empréstimo para pessoas e empresas são
maiores, geralmente bem maiores.
Um dos dogmas do ideário liberal é a independência do Banco Central em relação ao governo.
Com isto a política econômica do país ficaria na dependência unicamente das tais instituições
dos mercados abertos. Os governos, eleitos com a expectativa popular de atacar os problemas
do país, ficariam impotentes para fazê-lo. Este dogma mostra o caráter elitista da concepção
liberal, para quem a política econômica deve ser assunto dos monopólios financeiros. O oposto
disso é a concepção democrática, de que a política econômica deve ser dirigida pelo governo
legitimamente constituído.
Em vez de independência do Banco Central, os setores populares e desenvolvimentistas querem
que o Banco Central oriente sua política de juros ampliando seu objetivo, abarcando não mais
apenas o controle da inflação a curto prazo, mas também o crescimento e o emprego. Sugerem
uma mudança de composição do COPOM para diminuir o peso do sistema financeiro e dar
representação aos setores produtivos do empresariado e ao trabalho.
O COPOM se reúne a cada 45 dias, sob pressão vigilante da imprensa. Antes da primeira
reunião deste ano, a 20/01/2016, havia a expectativa no “mercado” de que a reunião do COPOM
em 20/01/2016 iria aumentar os juros SELIC de 14,25% para 14,75%, com o argumento de
combater a inflação, próxima dos 10%. Porém, levando em conta a situação recessiva, o
COPOM desta vez frustrou os desejos do “mercado” e manteve os juros, já muito altos. Foi
grande a gritaria da imprensa, acusando o COPOM de dobrar-se às pressões do governo e de
não empenhar-se suficientemente no controle da inflação. A segunda reunião do ano,
03/03/2016, também manteve os juros, sem gritaria da imprensa desta vez.
Declaradamente, a grande imprensa quer que o governo não governe, impondo como dogma
uma visão estreita e unilateral da ortodoxia.
Sugestões de leitura
Para quem quiser se aprofundar no conhecimento da imprensa no Brasil, segue a sugestão de
livros abaixo:
História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré. Editora Mauad. Obra densa, de 600
páginas, do historiador Werneck Sodré, cobrindo detalhadamente a imprensa no Brasil desde o
Império até fins do século XX.
Pedro Pomar- Idéias e batalhas, de Oswaldo Bertolino. Editora Anita Garibaldi e Fundação
Maurício Grabois. Biografia do militante comunista Pedro Pomar, muito atuante na imprensa
partidária, até seu assassinato pela ditadura militar.
Minha razão de viver – memórias de um repórter, de Samuel Wiener. Editora Record.
Autobiografia do fundador do jornal nacionalista Última Hora.
Chatô – O Rei do Brasil, de Fernando Moraes. Companhia das Letras. Biografia de Assis
Chateaubriand, fundador da primeira rede nacional de informações, os Diários Associados, e da
primeira TV brasileira, a TV Tupi. O livro inspirou filme do mesmo nome, dirigido por
Guilherme Fontes, que conta a história do jornalista como se relembrada no juízo final de seu
personagem, na forma de um programa de auditório do tipo Esta É Sua Vida.
O Quarto Poder, de Paulo Henrique Amorim. Memórias do jornalista, que trabalhou no Jornal
do Brasil, na Globo, hoje trabalha na Record. Paulo Henrique Amorim cunhou a designação da
grande imprensa como PIG: Partido da Imprensa Golpista.
A Privataria Tucana, de Amauri Ribeiro Júnior, Geração Editorial. O jornalista investigativo
desvenda os caminhos usados para remeter ao exterior e repatriar os recursos provenientes da
corrupção das privatizações. Revelações sobre José Serra que a grande imprensa jamais
divulgou.
A outra história da Lava-Jato, de Paulo Moreira Leite, Geração Editorial. O jornalista analisa as
concepções do juiz Sergio Moro, seu desrespeito aos princípios da inocência presumida, e a
interação entre suas investigações e a imprensa.