informe - fflch.usp.br · em todos os níveis; tudo isso enlaçado na malha fina das relações...
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I N F O R M EINFORMATIVO DA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS Nº 39 FEVEREIRO/2008
PROPOSTA PARA AGENDA DE DEBATES EESTUDOS SOBRE OS PROBLEMASATUAIS DA UNIVERSIDADEPROF. DR. GABRIEL COHN
DIRETOR
1. APRESENTAÇÃO
O presente documento consiste em texto que a
Diretoria da FFLCH apresenta ao conjunto da esco-
la, na figura do seu colegiado máximo, com o propó-
sito de contribuir para o debate em curso sobre as
grandes questões da universidade e, sobretudo, das
relações entre a universidade e a sociedade mais am-
pla. Naquilo que diz respeito ao patrocínio da Con-
gregação esse debate está em andamento, e vem de
encerrar, no dia 11 de setembro, a série realizada no
auditório da Geografia, sobre “Concepções de pes-
quisa” – na qual se tratava de reunir intervenções de
representantes de diversas áreas de conhecimento, que
permitam avançar na caracterização daquilo que en-
tendemos por pesquisa nesta escola. Parece ser con-
veniente, nesta altura e à luz das experiências recentes
na vida universitária, abrir o foco das cogitações e
avançar rumo a uma agenda de mais longo prazo, que
aponte para os fundamentos mesmos dos nossos pro-
blemas e das nossas áreas de atuação. Poder-se-ia
perguntar a razão de se levar proposta dessa ordem à
Congregação, quando outros foros podem, e efetiva-
mente são, continuamente mobilizados para o exame
dos problemas que nos concernem como participan-
tes da universidade. É que entendemos que o nosso
colegiado máximo deve, para além das suas incum-
bências regimentais estritas, invocar a sua condição
de instância de síntese e de condensação daquilo que
de outro modo se faria ponto a ponto e que constitui a
razão de ser mesma do nosso trabalho nesta Faculda-
de: o diálogo aberto e a reflexão conjunta sobre os
fundamentos da nossa ação, sempre em busca da lu-
cidez sobre o que fazemos e devemos fazer e das for-
mas institucionais que melhor assegurem uma
convivência civilizada.
2. EXPOSIÇÃO
A USP vive um momento difícil: as instâncias e
mecanismos de representação, o modo como as cate-
gorias que a constituem se relacionam entre si e no
interior de cada uma delas, as suas relações com a
sociedade mais ampla, tudo parece estar desarruma-
do, “out of joint” como diria nosso precursor Hamlet.
O primeiro ponto a se considerar, caso queiramos
construir uma agenda de reflexão solidária no futuro
imediato, é que isto não se restringe à USP, muito
menos a essa ou aquela das suas unidades. Temos que
enfrentar o fato de que a área das “humanas” vem-se
tornando cada dia mais vulnerável institucionalmente.
Alguém especialmente sombrio poderia concluir que
elas provavelmente só sobreviverão no futuro próxi-
mo porque servem como desaguadouro às exigênci-
as impostas às universidades no tocante à oferta de
cursos noturnos. (A propósito, a questão dos cursos
noturnos merece bem mais exame do que lhe vem
sendo concedido, como lembra o nosso colega da
Unicamp, Reginaldo Moraes, quando afirma que ela
é mais urgente e socialmente relevante do que muito
do que sustenta sobre temas como a moradia estu-
dantil). Em situação como essa a nossa FFLCH de-
ARTIGO
2 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOREITORA:Profa. Dra. Suely VilelaVICE-REITOR:Prof. Dr. Franco Maria Lajolo
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANASDIRETOR:Prof. Dr. Gabriel CohnVICE-DIRETORA
Profa. Dra. Sandra Margarida Nitrini
EXPEDIENTE
COMITÊ EDITORIAL DO INFORME: Profa. Dra. Sandra Margarida Nitrini (DTLLC), Prof. Dr. GabrielCohn (DCP), Prof. Dr. Pablo Ruben Mariconda (DF), Profa. Dra. Zilda Márcia Gricoli Iokói(DH), Profa. Dra. Esmeralda Vailati Negrão (DL) e Sra. Eliana Bento da S. A. Barros –MTb 35814 (SCS) - Membro Assessor. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL: Erbert A. da Silva– MTb 35870. PROJETO GRÁFICO E DIAGRMAÇÃO: Dorli Hiroko Yamaoka – MTb 35815.COLABORADORES: Gustavo Dainezi, Laís Lucas Moreira e Ricardo Balsani Ferraz. REVISÃO:Priscilla Vicenzo da Silva. FOTOS: Eusebio Gregorio Costa. SERVIÇO DE ARTES GRÁFICAS:João Fernando Querido Salvado. IMPRESSÃO: Gráfica – FFLCH/USP. TIRAGEM: 1200exemplares.
sempenha papel crucial: temos que fazer tudo para
romper o cerco que se estende sobre toda a universi-
dade e nos afeta em especial.
Neste ponto, emerge um tema fundamental para
nosso exame. Só poderemos avançar se conseguir-
mos dar plena e funda ênfase à dimensão de qualida-
de nas nossas atividades de formação e de pesquisa,
trabalhando a sério a busca de excelência. O debate
desse tema entre docentes, estudantes e funcionários
permitirá avançar muito, num campo decisivo – e
promovê-lo é uma das tarefas que teremos que en-
frentar logo mais. Isso representaria, aliás, um des-
dobramento natural do tema da pesquisa na
universidade e em especial nas ciências humanas. Nes-
te ponto, o mote poderia ser: qual é a relação entre
excelência e relevância na nossa área, e como levar
ambas ao seu grau máximo? Na realidade, aqui já se
apresenta a oportunidade para lembrar nossa contri-
buição própria nesse debate, que consiste em ver
esses dois termos como categorias crítico-reflexi-
vas, não aplicáveis sem mais. Pode-se sustentar, em
primeira aproximação, que será pelo ângulo da ex-
pressão mais plena da exigência de qualidade, sem
quaisquer concessões, que contribuiremos para a
recuperação da imagem da universidade pública.
Não será tarefa fácil, desde logo, em vista da fatal
ambigüidade que com tanta freqüência marca as
posições e reivindicações das diversas categorias que
a compõem: quer-se o máximo de qualidade pelo
lado da demanda, e o máximo de facilidade pelo lado
da oferta. Parece claro que esse tema, junto com
aquele que o fundamenta – o da nossa concepção da
natureza mesma da universidade – igualmente de-
verá ser objeto dos nossos debates vindouros.
É preciso considerar, também, que estamos às
voltas com problemas que transcendem amplamen-
te as universidades. Dizem eles respeito, entre ou-
tras coisas, à corrente desqualificação dos partidos
SumárioARTIGO
Proposta para agenda de debates e estudos sobre
os problemas atuais da Universidade ............. 1
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO
Reforma dos Prédios: ..................................... 5
PREMIAÇÃO
PRÊMIO CAPES 2008: ................................. 6
EVENTOS
Prof. Sedi Hirano ministra a
Aula Magna da FFLCH em 2008 ................. 12
A confusa origem do 8 de Março, o Dia
Internacional da Mulher ............................... 13
ESPAÇO MEMÓRIA
Entrevista: Shozo Motoyama ....................... 15
ESPAÇO DOS FUNCIONÁRIOS
Entrevista com Marlene P. Angelides,
Cláudio de Souza e Frank Nabeta ................ 20
Entrevista com Assad, representante do
Conselho Diretor de Base - SINTUSP ......... 21
DOUTORADO............................................. 23
MESTRADOS.............................................. 23
PRODUÇÃO DA FACULDADE ................ 27
3INFORME Número 40 – março/2008
políticos, em proveito de pequenas agremiações que,
para se diferenciarem entre si, entram numa espiral
de radicalização; a desvalorização da ação política
institucional e, junto a ela, a crise da representação,
em todos os níveis; tudo isso enlaçado na malha fina
das relações cotidianas, marcadas por sinais
preocupantes de disseminação do desrespeito gene-
ralizado, entre pessoas e categorias institucionais.
Soma-se a isso o dilema que vive uma universi-
dade como a nossa, ameaçada ao mesmo tempo “por
baixo” e “por cima”. Por baixo, pelas pressões no
sentido da expansão do acesso a ela, com todos os
custos correspondentes: mais vagas, mais infra-es-
trutura material e operacional, mais serviços (inclu-
indo saúde, alimentação, moradia e transporte), mais
docentes, sempre com a alternativa também onero-
sa do ensino à distância. Por cima, pelas conseqüên-
cias da exploração mais intensiva pelas entidades
de ensino superior privado dos nichos de mercado
de alta renda, somada ao seu crescente acesso aos
recursos públicos via agências de fomento, rompen-
do-se a posição privilegiada das universidades pú-
blicas no tocante à excelência. Tanto mais isso
importa quando se desenha no horizonte uma “solu-
ção” para esse dilema, a pior possível: a de se con-
verterem as universidades públicas em escolas de
ensino superior de massa, reservando-se a excelên-
cia para universidades privadas de elite e concen-
trando-se a pesquisa em institutos especializados.
Para evitar mal-entendido: não se afirma aqui que
haja uma política definida nesse sentido neste go-
verno ou em qualquer anterior. Sustenta-se que isto
é uma tendência objetiva, que poderá constituir a
base de políticas se não for bem identificada e com-
preendida pelas forças ativas da própria universida-
de. Todos conhecem o ponto terminal disso: a
repetição no ensino superior daquilo que aconteceu
no ensino médio. [Adendo, em 02/9: A recente in-
corporação da Fapesp à Secretaria de Ensino Supe-
rior do Estado, retirando-a da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, antiga Ciência e
Tecnologia, junto com a mudança de comando na-
quela Secretaria, modifica esse quadro, sem anulá-
lo, ao sinalizar a ênfase do atual governo estadual
no ensino à distância, em relação ao qual deverá ser
negociada a participação das universidades]. Está
para ser feita – e é tarefa urgente para nós – a análise
das novas formas das relações entre a universidade,
a sociedade mais ampla e o poder público (e, no in-
terior disso, das áreas de humanas com o conjunto
da universidade). Desde logo, fica claro que pouco
nos servirá uma sociologia rasa, de aplicação linear
de critérios sócio-econômicos ou de classe; a coisa
é bem mais intrincada.
Isso tudo se relaciona com um ponto que pode
parecer trivial, mas é fundamental. Na realidade, é
talvez o ponto que mais merece atenção, da pers-
pectiva deste documento, após a ênfase na redobra-
da exigência de qualidade nas diversas dimensões
do trabalho acadêmico. Trata-se da crise do modelo
da universidade pública provedora – essa entidade
capaz de literalmente acolher o estudante com todas
as suas necessidades, sem outro ônus senão a sua
participação indireta no seu financiamento, como
contribuinte (mais exatamente, como consumidor,
no caso do ICMS). É isso que dá sentido ao modo
peculiar como é incorporado por amplos segmentos
da universidade, em especial seus estudantes, o tema
da autonomia. O fato é que se vem aprofundando o
hiato entre a universidade pública gratuita e (supõe-
se) de qualidade e o “mundo exterior real”, em rela-
ção ao qual ela tende a funcionar mais como anteparo
do que como agência de qualificação para o sucesso
de planos de vida. Neste ponto, aliás, a área de hu-
manas parece especialmente vulnerável; mas isto
requer melhor exame. Nesse sentido, a universida-
de tende a operar como um território no interior do
qual é possível criar, de diversas maneiras e em di-
versos níveis, algo como “zonas autônomas” (o ter-
mo não é meu), alheias ao ultra competitivo mundo
administrado e dotadas de normatividade própria,
ou de nenhuma – espaços como que autárquicos e
soberanos, em suma. Entre tantos outros, um tema a
ser examinado, neste contexto, é o do modo como
se projeta no interior da vida acadêmica esse
descompasso entre o mundo interno à universidade
e o externo a ela. É bastante plausível a observação
de que isso se dê pela incorporação no cotidiano da
universidade dos padrões de conduta predatórios e
auto centrados próprios à sociedade mais ampla (com
o que o seu papel de anteparo e proteção vai se re-
duzindo a ideologia no sentido mais pobre do ter-
mo). Como construir e manter uma universidade
pública que não se reduza à condição de provedora
de serviços às suas categorias constituintes antes de
se dirigir à sociedade e, ao mesmo tempo, saiba re-
sistir às pressões mercantil-particularistas? Não é
problema fácil, para dizer o mínimo.
4 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
As intrincadas relações entre essa universidade
provedora e o resto do mundo delineiam uma área
de importância crucial no complexo de questões
sobre as relações entre universidade e sociedade no
futuro próximo. Num primeiro passo, vamos tomar
como referência o cenário doméstico. Na recém-
encerrada ocupação da Reitoria da USP por grupos
de estudantes e funcionários, dois itens que percor-
reram por longo tempo a pauta flutuante de reivin-
dicações estudantis associavam-se numa
combinação muito peculiar: expansão da moradia e
expansão do tempo de permanência na universida-
de. Encontramos nisso, com efeito, a expressão mais
acabada, quase caricatural, de duas tendências im-
portantes. Por um lado, temos a substituição de pro-
postas afirmativas sobre rumos e perspectivas da
universidade por demandas que são mais adequa-
das a uma clientela do que à participação ativa na
vida institucional. Para entender melhor isso, é pre-
ciso atentar para a outra dimensão do problema, re-
lativa, precisamente, à condição provedora da
universidade. Também aqui, e num nível mais pro-
fundo, encontramos uma ambigüidade, quando não
diretamente uma contradição. É que, da perspectiva
das demandas que ela própria engendra nas condi-
ções contemporâneas, ela é quase tudo, quando vis-
ta pelo ângulo provedor, e é pouco ou nada, quando
vista pelo ângulo da agência social incumbida de
propiciar aos novos cidadãos apoio efetivo na for-
mulação e realização de planos de vida.
É essa condição simultânea de ser tudo e não ser
nada que está na base dos demais dilemas e ambi-
güidades que marcam a universidade, hoje. (Resta
saber se isso é tão peculiar à área de humanidades
como se supõe). É ela, por exemplo, que torna tão
difícil para os movimentos reivindicatórios, do es-
tudantil ao docente, formular pautas de ação rele-
vantes para as políticas de pesquisa e ensino superior
que importam à universidade, sem perder-se no
âmbito estritamente corporativo ou de clientela. É
ela que ajuda a entender, também, a surpreendente
pobreza política e insensibilidade social de reivin-
dicações aceitas, ou diretamente feitas, por estudan-
tes de alto nível, como são tantos entre os que
aderiram à recente ocupação da Reitoria da USP.
Afinal – se aceitarmos essa sumária caracterização
de um estado de real erosão institucional da univer-
sidade –, o que cabe esperar de uma instituição des-
se tipo, senão a dilatação do prazo de entrada no
mercado de trabalho, para uns, e a manutenção da
subsistência, para outros? Deixando-se de lado a
dimensão puramente tática da adoção de pautas flu-
tuantes, intermináveis e dificilmente conciliáveis
com o propósito manifesto de defesa da universida-
de pública na agenda dos movimentos estudantis,
essa característica também exprime algo mais fun-
do e relevante para o nosso debate: a saber, os dile-
mas e contradições dessa categoria social e da própria
instituição universitária no momento atual. (Um
exemplo desconcertante: há alguns anos, na
Unicamp, o reitor e também o diretor do IFCH fo-
ram objetos de ações especialmente agressivas por
parte de grupos estudantis, que investiam contra pro-
posta de expansão de vagas). Entre os docentes os
efeitos dessa situação também são profundos. Em
primeiro lugar, porque o trabalho acadêmico vai
perdendo prestígio, ao mesmo tempo em que se tor-
na mais precário sem o amplo feixe de seguranças
do período anterior. Depois, porque os docentes mais
jovens trazem para a universidade, e são incentiva-
dos a praticar nela, uma peculiar orientação da con-
duta derivada da expansão dos órgãos de fomento à
pesquisa. Consiste ela em fixar como referência bá-
sica da conduta cotidiana, não o seu departamento,
sua escola ou a universidade toda, mas aqueles ór-
gãos de fomento, com suas exigências característi-
cas e o correspondente estilo de trabalho. Isso
significa que a universidade, ou suas instâncias in-
ternas, não é sua referência básica; com efeito, fica
reduzida a pouco mais do que um guarda-chuva ins-
titucional. Está reduzida à condição de referência
institucional para aquilo que interessa diretamente,
que é a pesquisa e a docência numa área de conheci-
mento muito específica. Isto não pode deixar de in-
troduzir descompassos entre as concepções e
comportamentos dos docentes e pesquisadores mais
recentes e mais antigos, uma clivagem básica no in-
terior dessa categoria, assim como se amplia o hiato
entre a graduação e a pós.
Isso tudo sugere que o exame das condições do
entorno da universidade devem ser matéria de aná-
lises voltadas para a identificação das mudanças que
se vêm apresentando e as que se prenunciam. O so-
ciólogo Luciano Martins sempre insistiu num efeito
específico do período ditatorial na sociedade brasi-
leira: o de que as políticas de integração nacional e
de modernização então adotadas disseminaram nela
o ethos capitalista. Isso foi incorporado em outro
5INFORME Número 40 – março/2008
registro no período posterior, e contribuiu para a
impregnação na sociedade das formas de conduta
auto-referidas e predatórias da etapa histórica atual
– e a universidade não escapa disso, até nas formas
exacerbadas de reação a essa tendência. É preciso
entender melhor como a universidade incorpora um
grande paradoxo da vida social e política brasileira
contemporânea: instituições políticas formalmente
democráticas convivem com a carência de cidadãos
democráticos (alguns prefeririam falar de valores
republicanos). Se quisermos usar em sentido bas-
tante amplo o termo, a cultura política que se rebate
na universidade deve ser objeto de muita atenção.
Do contrário, correremos o risco da banalização de
referências centrais como espaço público, cidada-
nia e autonomia. Esse cuidado é importante tam-
bém porque pode conduzir àquela sobriedade crítica
sem a qual esperaremos demais de intervenções
institucionais como as mudanças estatutárias. Como
vários colegas vêm sustentando, a questão funda-
mental consiste em que estatutos, e demais instru-
mentos institucionais normativos, são exatamente
isso: instrumentos. Para quê? Para que modelo de
universidade, conforme qual concepção?
Formuladas as coisas dessa maneira, fica claro que
a confiança na busca da excelência tal como foi apre-
sentada no início destas considerações não se susten-
ta sem mais; pois não é a mera qualidade que está em
jogo (embora em momento algum ela deixe de ser
fundamental), e sim o papel que ela representa na nova
configuração que vai assumindo a universidade nas
suas igualmente novas relações com a sociedade. A
busca de respostas para o complexo de questões que
aqui se anuncia constitui desafio de monta para nós:
afinal, representamos uma escola que se orgulha do
seu viés reflexivo. Ela envolve, além das questões
pontuais diretamente relevantes (a começar, claro,
pelo exame da condição e das perspectivas das nos-
sas universidades, talvez em termos comparativos),
uma abertura de foco, talvez até chegar a tentativas
de caracterizar essa verdadeira fase de transição de
época que estamos vivendo em escala mundial. Na
passagem entre um nível de reflexão e outro, muito
há para examinar, ou reexaminar. Surpreende, aliás,
que a sociologia produzida numa universidade como
a USP tenha abandonado o problema da condição
jovem, que Octávio Ianni e Marialice Foracchi pro-
curaram desvendar em estudos pioneiros há mais de
quatro décadas, em contexto muito diferente. O exa-
me desse tema crucial no momento presente permiti-
ria, talvez, explorar a relação entre o que se disse
acima da condição de tudo e ao mesmo tempo nada
da universidade pública e a outra face desse parado-
xo: a de que no mundo em que têm que conduzir
suas vidas os jovens se defrontam com a presença
simultânea de um campo estreito de opções e pers-
pectivas futuras e de uma virtual ausência de limites
para as suas ações imediatas, igualmente virtuais em
grande medida.
Enfim, não falta matéria para exercer a lucidez
crítica, esse bem escasso sem o qual a universida-
de definha.
As últimas informações sobre o processo de re-
forma dos prédios da FFLCH são animadoras. Foi
realizada, no dia 04 de Março, uma reunião da dire-
toria da FFLCH com a COESF, para acertar as datas
de início das seguintes obras:
REFORMA DOS PRÉDIOS:REUNIÃO DECIDIRÁ DATA DE INÍCIO DE OBRAS IMPORTANTESPOR GUSTAVO DAINEZI
- Instalação de dois elevadores no prédio de His-
tória
- Ampliação e reforma do prédio de Letras
- Obras do último bloco de sanitários do prédio
das Ciências Sociais
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO
6 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
A assistente administrativa da Faculdade, Rena-
ta Guarrera Del Corço, adiantou ao INFORME as
referidas datas.
Obra Início Término
Elevadores na História 25/03/2008 out/09
Ampliação e reforma – Letras 01/04/2008 jun/09
Sanitários – Ciências Sociais 17/03/2008 jun/08
Outra obra que está perto de iniciar é a reforma
do Anfiteatro da Casa de Cultura Japonesa, apenas
aguardando término da licitação pela COESF.
OBRAS EM ANDAMENTO
Acompanhando as obras que já estão sendo exe-cutadas, há novas informações sobre duas delas:
√ A reforma da cobertura do prédio de Históriaestá parada por força de uma auditoria requisi-tada pela própria direção da FFLCH que, reali-zando um acompanhamento minucioso,detectou irregularidades na execução da obra esolicitou um laudo técnico à COESF. A obra estáparada até que o laudo saia para que possam sercorrigidas as irregularidades.
√ A reforma dos banheiros em um dos blocos doprédio de Letras está em seus últimos ajustes, e
a inauguração se aproxima.
PREMIAÇÃO
A FFLCH mostra sua força em mais uma premiação.
Desta vez, destacou-se no “prêmio CAPES de Teses
2008”, com duas premiações e uma Menção Honrosa.
Conversamos um pouco com os autores das teses
premiadas e com seus orientadores, para saber so-
bre suas teses, como se sentiram, quais são os pla-
nos para o futuro, e como seus trabalhos contribuíram
para suas respectivas disciplinas.
PAOLO RICCI
Premiado em: Ciência Política e Relações Interna-
cionais
Tese: De onde vêm nossas leis? Origem e conteúdo
da legislação em perspectiva comparada
Orientador: Fernando Limongi
Departamento de Ciência Política - Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política
Como reagiu ao recebimento do prêmio CAPES? Com uma taça de vinho!
PRÊMIO CAPES 2008:TRÊS VITÓRIAS PARA A FFLCHPOR GUSTAVO DAINEZI
Como surgiu a idéia de estudar as relações entreas arenas políticas e a produção legislativa?
O tema sempre me interessou desde o período da
graduação que fiz na Universidade de Bolonha (Itá-
lia). Em particular, na época, e não apenas no âmbi-
to acadêmico, o debate se articulava ao redor de
grandes temas que salientavam a importância de re-
pensar as instituições para solucionar o quadro de
crise institucional da democracia italiana. Ao acom-
panhar os escândalos de corrupção envolvendo po-
líticos e grupos de interesses, sobretudo a partir de
1992, meu interesse se direcionou para o estudo das
soluções institucionais oferecidas pelos políticos ita-
lianos. Assim, sobretudo, as questões relacionadas
com a reforma do sistema eleitoral, dos regimentos
internos do parlamento e, mais em geral, a mudan-
ça do sistema partidário.
O tema da produção legislativa se encaixa dentro
deste quadro analítico. A idéia de que a qualidade
das leis ou normas para uma democracia é produto
7INFORME Número 40 – março/2008
dos arranjos institucionais é consolidada na litera-
tura. Em geral, acredita-se que o desenho institucio-
nal pode fornecer a chave de leitura para
entendermos o comportamento dos deputados e, por
último, o tipo de normas produzidas. Assim, por
exemplo, é notória a tese de que dado um determi-
nado sistema eleitoral, considerando os incentivos
ao personalismo presentes nele, é conseqüente
o investimento do político em questões de cunho
local. A equação sistema eleitoral - comportamento
político - produção legislativa se repete no Brasil
nestes termos: sistema eleitoral personalista - com-
portamento personalista - políticas de cunho local.
À luz de sua tese, que traços fundamentais (posi-
tivos e negativos) conseguiu identificar no siste-
ma político brasileiro?
Acredito que o “padrão Brasil”, assim dizendo, possa
ser definido apenas quando visto em termos compa-
rativos. E o que ficou claro na tese é que, pelo menos
em termos de normas produzidas pelos deputados, o
padrão encontrado, seja quanto à quantidade seja no
mérito da qualidade delas, não se diferencia muito dos
demais países democráticos.
Quais as principais respostas e as principais per-
guntas que a sua tese levantou?
Uma resposta acima de tudo: a ciência política con-
temporânea tende a sobredimensionar a importân-
cia das instituições formais. Não que elas sejam
irrelevantes, ou não impactantes. Mas neste
sentido alguns autores tendem a fazer da explicação
vinculada às instituições a sine qua non da existên-
cia de uma “boa” democracia. Assim, acredito que
ao lado deste viés marcadamente “institucional” seja
necessário redescobrir e integrar uma análise que
leve em conta outras variáveis. Lembraria, apenas a
título de exemplo, o papel dos grupos de interesses.
Nesse sentido, mais do que olharmos para o mau
funcionamento de uma democracia devido ao arranjo
institucional adotado, seria mais útil focarmos so-
bre os atores que atuam e influenciam a formação
de uma política pública (sejam eles grupos políticos
como também grupos de interesses) .
É dito em seu trabalho que esta tese é o início de
um trabalho maior. Como você imagina que aspesquisas subseqüentes devem ser direcionadas?
A conclusão de qualquer tese deveria ser na verdade
o começo para outra indagação. No meu caso, após
ter estudado como um determinado arranjo instituci-
onal pode afetar o comportamento dos políticos, foi
quase que natural me questionar sobre os atores que
desenham as instituições. Ou seja, dada a importân-
cia do formato institucional (sistema eleitoral, tipo
de financiamento dos partidos...) seria agora neces-
sário investir numa análise voltada para o entendi-
mento de como as instituições nascem e são criadas.
O tema da “gênese” das instituições não é novo, mas
na ciência política ganhou espaço apenas recentemen-
te. Acredito que este seja um tema ainda pouco ex-
plorado, sobretudo no âmbito acadêmico brasileiro e
que precisaria ser mais desenvolvido.
Pretende orientar estas futuras pesquisas, ou con-
tinuará você mesmo, a título de pós-doutorado?
Pretendo sim! Sobretudo na área de política com-
parada! Mas para orientar é antes disso necessário
passar num concurso... Até lá vou continuar
pesquisando!
FERNANDO LIMONGI - OrientadorDo ponto de vista do arcabouço teórico das Ciên-
cias Políticas, qual a contribuição desta tese?
A tese tem um viés mais empírico. Há uma forte, eu
diria dominante, corrente teórica que faz uma série
de suposições acerca dos efeitos da legislação elei-
toral sobre a produção legislativa, mais especifica-
mente sobre as propostas de lei que legisladores
patrocinariam. Até onde eu sei, esta literatura é cheia
de hipóteses e previsões que nunca foram sistemati-
camente testadas. Há estudos sobre um ou outro país
e, quando muito, a comparação para um número li-
mitado de casos. A maior contribuição desta tese é
colocar estes juízos hipotéticos a teste empírico, am-
pliando o número de casos examinados.
Como foi o trabalho de orientar esta tese, que
pesquisou tantos países e tantas leis? Quais asprincipais preocupações do orientador numa tese
como esta?
Na realidade, central para uma boa orientação é a
existência de uma boa relação entre orientador e
orientando. No caso, houve um bom casamento en-
tre as minhas preocupações e pesquisas e o interes-
se de Paolo. Eu preciso notar que Paolo tinha uma
agenda própria de pesquisa desde que ingressou no
8 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
mestrado, recém chegado da Itália. Para ser sincero,
acho que neste caso, a contribuição do orientador
acabou sendo muito pequena. Paolo sempre traba-
lhou com grande autonomia e disciplina.
O fato de ter sido feito na FFLCH contribuiu de-cisivamente para o sucesso do estudo?
O trabalho de Paolo, sem dúvida alguma, em que
pese o que respondi na pergunta anterior, foi benefi-
ciado pelo ambiente de trabalho do departamento
de Ciência Política, da existência de um grupo de
referência entre os alunos e professores. O seu tema
de trabalho está inserido em uma área de pesquisa
privilegiada dentro do departamento. Beneficia-se,
portanto, de um rico e intenso debate intelectual, que,
aliás, no caso da Ciência Política, não se resume
apenas a esta área.
O autor da tese ressalta, na própria, que ela é
apenas o início de uma série de estudos que se
fazem necessários para a melhor elucidação da
problemática colocada. O senhor pretende ori-
entar (ou realizar) estudos nesta série?
Como disse, esta é uma área forte no interior do
departamento. Não sou o único a orientar trabalhos
nesta área. Ainda, obviamente, há muito o que
pesquisar neste campo. Ainda assim, gostaria de
notar um traço importante do trabalho premiado: a
tese é verdadeiramente comparativa. O Brasil é um
entre outros tantos casos estudados. Está em pé de
igualdade no tratamento dispensado pelo autor a Itá-
lia, Estados Unidos e outros tantos que discute na
tese. Acho que isto é prova do amadurecimento da
Ciência Política no Brasil. Tempos atrás, um conhe-
cido cientista político brasileiro criticou a produção
de nosso departamento, dizendo que todas as teses
tinham datas e nomes de lugares em seu título, que
éramos provincianos enfim. O trabalho do Paolo
mostra que progredimos bastante desde então.
Atualmente, quais são os principais estudos rea-lizados nas Ciências Políticas, pela FFLCH?
Esta não é uma pergunta fácil de responder. Qual-
quer avaliação que eu venha a fazer corre pelo
menos dois riscos. Fazer injustiça a alguma área
de trabalho por esquecimento ou pressa na res-
posta. Segundo, o que é uma variação do primei-
ro risco, não ser sistemática. Creio que posso
afirmar com segurança que, contra o usual lamento
de que o presente é pior do que o passado, de que
vivemos tempos de decadência etc. etc., que o
departamento de Ciência Política da USP apre-
senta hoje uma produção científica densa e inte-
grada ao debate político nacional. No último
triênio, melhoramos nossa nota junto a Capes e
creio que estamos em condições de melhorar ain-
da mais. Talvez ainda sejamos provincianos, pou-
co internacionalizados, mas não caipiras.
SIMONE SCIFONE
Premiada em: Geografia
Tese: A construção do patrimônio natural
Orientador: Wagner da Costa Ribeiro
Departamento de Geografia - Pós-Graduação em
Geografia Humana
Como surgiu a sua preocupação que iniciou o pro-jeto de pesquisa da tese?
A motivação para a pesquisa veio dos anos em que
trabalhei com a proteção do patrimônio natural no
órgão estadual Condephaat (período de 1988 até
1995). A convivência diária com os dilemas e pro-
blemáticas do patrimônio, a complexidade das ques-
tões envolvidas e, por outro lado, a constatação de
que atualmente há verdadeiro silêncio, uma ausên-
cia de discussão acadêmica sobre essas políticas
públicas de patrimônio, deram-me a certeza de que
esse era o momento propício de recolocar essa
temática que teve seu auge de discussão em meados
dos anos 1980 e depois foi esquecida.
Por que foi escolhida para um estudo mais espe-
cífico a região do litoral norte paulista?
A escolha do litoral norte tem relação com o intenso
processo de valorização do espaço que há alguns
anos vem se consolidando nesta região. Uma
das afirmações que freqüentemente ouvimos quan-
do trabalhamos na área de patrimônio é a de que o
tombamento acaba engessando e desvalorizando as
propriedades sobre as quais incide. No meu traba-
lho há um esforço para mostrar que, ao contrário do
que se diz, em relação à área tombada da Serra do
Mar no litoral norte, a proteção da natureza aparece
como um dado que contribui para a valorização do
espaço e que os proprietários de segundas residên-
cias em trechos altamente valorizados se apropriam
deste discurso da preservação para garantir a manu-
tenção deste processo.
9INFORME Número 40 – março/2008
Você sofreu algum tipo de resistência ao pesquisar
os registros históricos do Litoral Norte?
Apesar do trabalho ter levantado alguns casos
conflituosos e polêmicos, não houve problemas na
pesquisa de dados junto ao Condephaat. A única di-
ficuldade deu-se por conta da precariedade (na épo-
ca do levantamento) em que se encontrava o setor
de Protocolo, onde os processos ficam arquivados.
Naquela época o espaço interno era extremamente
reduzido diante do volume de processos arquivados,
o que gerava a impossibilidade de organização des-
te acervo. Mas essas dificuldades foram superadas
graças ao apoio das profissionais que trabalham lá e
que me auxiliaram na busca dos processos.
Quais os maiores erros que você identificou no
processo de construção do patrimônio natural no
Brasil?O maior equívoco está na política estadual paulista,
implementada há mais de uma década, a qual levou
ao que eu denomino no trabalho como “desregula-
mentação e exclusão” do patrimônio natural. Essa
política ignora e se dá à revelia de todo um esforço
intelectual liderado pelo Prof. Aziz Ab’Saber, desde
1976 e que inclui também outros excelentes profis-
sionais, que construíram historicamente a idéia de
um patrimônio natural. Essa política fundamenta-se
num discurso de que o patrimônio natural é atribui-
ção do Ibama e das Secretarias de Meio Ambiente e
que ele deve sair da esfera da Cultura. Os defenso-
res desta idéia não conseguem perceber que o
patrimônio natural é especificidade do universo da
Cultura, que ele é a natureza incorporada como par-
te integrante da memória social.
Espera-se que a recente mudança na condução polí-
tica do Condephaat signifique novas perspectivas
e promova a revisão deste que foi o responsável por
um verdadeiro retrocesso na discussão patrimonial.
Na sua opinião, o tombamento da Serra do Mar
serviu mais para proteger a natureza da regiãoNorte do litoral paulista, ou para garantir a ur-
banização com viés turístico daquele local?
O tombamento da Serra do Mar, enquanto foi tratado
de maneira séria pelo órgão, cumpriu, em parte, a fun-
ção de proteção deste patrimônio. Digo em parte, pois
as dificuldades nas condições operacionais sempre
estiveram presentes, mas eram superadas pelo esfor-
ço de profissionais envolvidos e engajados na ques-
tão. A política da desregulamentação alterou este qua-
dro, a fiscalização tornou-se precária, aprovaram-se
intervenções sem uma adequada instrução técnica, o
que gera absurdos como os que eu verifiquei no tra-
balho. A proteção deste e de outros patrimônios
naturais paulistas encontra-se num nível crítico ne-
cessitando urgentemente de revisão.
Por outro lado o trabalho mostrou que o tombamento
foi e é usado como garantia de manutenção dos pre-
ços elevados de terrenos, como garantia da conti-
nuidade e da reprodução de um padrão de turismo
de alta renda, um turismo segregador e que se apro-
pria privativamente de um patrimônio natural que é
de todos.
WAGNER DA COSTA RIBEIRO - Orientador
O que, na sua opinião levou esta tese a ser con-
templada para estudo na FFLCH, ou então, quala sua característica fundamental, dentro do
arcabouço teórico da Geografia Humana.
A FFLCH tem uma tradição em estudos críticos, tal
qual a tese de Simone Scifone. Na perspectiva da
geografia humana, ela se enquadraria dentro da geo-
grafia renovada que se pratica no Departamento de
Geografia desde a década de 1980. A renovação per-
mitiu a incorporação de novas categorias de análise,
como a produção do espaço, cuja matriz pode ser
identificada em autores como Milton Santos e Henri
Lefebvre, entre outros. O texto é original por, a partir
dessas referências, elaborar uma teoria de apropria-
ção da natureza preservada como fonte de riqueza pelo
setor imobiliário no litoral Norte de São Paulo por
meio de uma ação do Estado: o tombamento.
Quais as principais preocupações do orientadorem um trabalho como esse, que exigiu diversas
consultas a processos de tombamento, registros
legais, licenciamentos, além da pesquisa de cam-
po e da pesquisa bibliográfica?
Liberdade é a palavra chave. Sem ela, fica mais difí-
cil surgir a criação e a originalidade. Além disso, o
orientador deve estar atento para a coerência entre a
metodologia e as referências teóricas, ao rigor no uso
das fontes pelo orientando e, principalmente, acom-
panhar as etapas da investigação, como trabalhos de
campo, entrevistas e leituras do estudante. Por fim,
estimular a produção de artigos ao longo da tese, que
permite a exposição e discussão de resultados parci-
ais em eventos e, principalmente, o amadurecimento
10 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
do aluno. No caso da Simone Scifone, ela obteve o
reconhecimento em eventos como o da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente
e Sociedade, que publicou um artigo que ela apresen-
tou no II Encontro Nacional, realizado em Indaiatuba,
em 2004, em um livro que reuniu os melhores textos
de cada grupo de trabalho.
De que forma o senhor acredita que esta tese influ-
enciará o tratamento dado pela população brasi-
leira (em especial pelas autoridades competentes)
às reservas e aos recursos naturais do país?Infelizmente as “autoridades competentes” estão
distantes da reflexão desenvolvida na universidade.
Até parece que a exigência para que publiquemos
os resultados de nossas pesquisas é inversamente
proporcional ao interesse que eles despertam em
gestores públicos. Quem se dedicar a ler o texto “A
construção do patrimônio” vai encontrar alternati-
vas que permitam edificar novas relações
socioambientais em áreas protegidas, necessidade
premente em nossos dias.
TÉRCIO REDONDO
Menção Honrosa em: Letras/Lingüística
Tese: A corda e o travessão: a exploração social e a
sua configuração
dramática em Woyzeck, de Georg Büchner
Orientadora: Irene Aron
Departamento de Letras Modernas - Programa de
Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã
Como foi realizar um trabalho que requereu,
além de conhecimento em alemão, pesquisas
históricas, sociológicas e sobre teoria do teatro?A investigação literária requer como qualquer outra
disciplina acadêmica uma abordagem multidiscipli-
nar; é ela que permite uma visão mais abrangente do
objeto de estudo, no caso um texto dramatúrgico ale-
mão do começo do séc. XIX. O levantamento histó-
rico-social realizado é bastante modesto, e eu não
tenho a formação exigida para avançar além dos li-
mites que me propus então: um mapeamento mínimo
das condições materiais de existência do proletariado
alemão na primeira metade daquele século. Basica-
mente, ocupei-me das condições de assalariamento,
moradia, alimentação, alfabetização e taxas de mor-
talidade observadas nas camadas pobres, além de
averiguar algumas das medidas de coerção e repres-
são adotadas pelo Estado, quando esse proletariado
se rebelava ou ameaçava se organizar politicamente.
A maior parte da população alemã do período era
muito pobre, beirando muitas vezes a miséria absolu-
ta. Woyzeck, o protagonista da obra analisada, é um
desses milhões de alemães que buscavam, desespe-
radamente, os meios necessários para sobreviver. Sem
esse quadro histórico minimamente delineado, não
haveria, creio, exegese possível.
Por que Woyzeck foi escolhida como objeto de
estudo?É difícil apresentar um motivo cabal para a esco-
lha. Meu interesse pela obra de Georg Büchner, o
seu autor, vinha de longe. No mestrado eu havia
analisado Lenz, uma narrativa sua, e o restante dos
seus textos acabaram, no conjunto, por me interes-
sar. Mas Woyzeck, por sua forma fragmentária,
multifraturada pode-se dizer, ficou como um con-
vite irresistível. Quer dizer, irresistível e compli-
cado. Depois de ingressar formalmente no
doutorado, com o projeto pronto e aprovado, hou-
ve um momento de muita dúvida quanto às possi-
bilidades de prosseguimento da pesquisa; eu não
tinha por onde pegar, aquilo me parecia, de repen-
te, muito esquisito e inapreensível. Na ausência de
alternativa melhor, resolvi traduzir o drama, como
uma forma de me aproximar do texto. Foi uma boa
opção. O exercício da tradução acaba sempre por
levantar questões que são, no fundo, as questões
que também o intérprete se propõe. O próprio tom
– o estilo adotado na língua de chegada – pressu-
põe uma análise e uma interpretação da obra.
Que principais características históricas deWoyzeck sua pesquisa detectou?
Não se trata exatamente de identificar a marca his-
tórica do texto num sentido, digamos, sociológico.
Ela certamente se apresenta como elemento auxili-
ar da análise, mas o que se procurou aquilatar foi o
modo como a organização social da Alemanha do
período restaurativo comparece na obra como um
índice determinante de sua forma.
Havia outras teses com características similares,
na época em que ela foi elaborada?
A fortuna crítica de Woyzeck é muito extensa, e não
só na Alemanha. Woyzeck é a peça do repertório te-
atral alemão mais encenada em todo o mundo, ha-
11INFORME Número 40 – março/2008
vendo muita coisa publicada a seu respeito, inclusi-
ve por escritores de renome. E há estudos similares
ao que desenvolvi, sem dúvida. Na minha tese,
aprofundei um tema que é abordado por uma parte
importante da crítica: a exploração social. Conside-
rei mais de perto a relação de trabalho que se esta-
belece entre o protagonista e as personagens que o
“empregam”. Minha pesquisa caminhou no sentido
de estabelecer correspondências entre esse contrato
de trabalho e, por exemplo, o ritmo observado na
sucessão de suas cenas, sempre muito curtas e de
interrupção abrupta. Procurei demonstrar que a re-
lação de trabalho comparece como fator
determinante desse andamento em stacatto do dra-
ma, o qual se reproduz também na fala de Woyzeck,
muitas vezes elíptica e enunciada sem os modos
usuais de subordinação do discurso, em situações
nas quais ele seria tradicionalmente esperado. A
composição e o estilo têm, portanto, essa marca in-
delével de uma determinada ordem social.
Quais são os principais fatores que diferenciam
a interpretação da obra, quando transposta à
atualidade?
As possibilidades de recepção da obra e de sua adap-
tação para o teatro e outras formas de representação
são inúmeras. Há mais de uma adaptação do drama
para o cinema, com destaque para o filme de Werner
Herzog, com Klaus Kinski no papel principal. A
ópera tem o seu momento mais alto, no século XX,
com o Wozzeck, de Alban Berg. E no teatro há um
sem-número de encenações, algumas muito criati-
vas, procurando dar conta de uma forma que ainda
é muito inovadora. Acho que, tanto no terreno da
crítica quanto no âmbito da criação artística, o ren-
dimento aumenta na medida em que se busca traba-
lhar com alguma perspectiva histórica. É a maneira
possível de se compreender uma tragédia que não
se resume ao calvário de um indivíduo, mas que
implica um drama socialmente partilhado.
Pretende continuar pesquisando Woyzeck?
Não desenvolvo no momento uma linha de pesqui-
sa específica que inclua o estudo de Woyzeck, mas
uma série de questões suscitadas no doutorado con-
tinua na ordem do dia do meu trabalho acadêmico.
De qualquer modo, mais cedo ou mais tarde, penso
que volto a me debruçar sobre esse quebra-cabeças.
Ele é muito atual para ser posto de lado.
IRENE ARON - Orientadora
Que características, em sua opinião, fizeram com
que a tese recebesse a Menção Honrosa no prê-
mio CAPES 2008?
Sem dúvida, a excelente análise da perspectiva his-
tórica que revela os mecanismos da exploração so-
cial, o eixo estruturador do drama, distanciando-o
dos preceitos do teatro burguês da época.
Que cuidados a orientadora deve ter para que a
produção da tese ocorra com tranqüilidade?
Dar ao orientando a máxima liberdade de desenvol-
ver seu projeto de pesquisa, apontando sempre a vi-
abilidade de tal projeto e os limites a serem
respeitados para deixar de lado aspectos da obra que,
embora relevantes, não dizem respeito diretamente
ao enfoque previsto.
Existem muitos estudos sobre Woyzeck? Em que
ponto do arcabouço teórico da Literatura Alemã
a tese se encaixa?
As obras de Büchner em geral já foram objeto de
vários trabalhos acadêmicos, inclusive a minha tese
de doutorado, Georg Büchner e a Modernidade.
Além disso, existem traduções dos dramas (a tradu-
ção do Woyzeck de Tércio Redondo, por exemplo),
e a da obra em prosa, Lenz, de minha autoria. Ence-
nações dos dramas foram e são igualmente freqüen-
tes nos palcos brasileiros. O autor releva em seu
trabalho aspectos da tradição teatral alemã e as ino-
vações propostas por Büchner. A bibliografia con-
sultada, pesquisada e analisada deu ao Autor
subsídios para determinar pontos convergentes e
divergentes desses aspectos.
O Autor da tese ressalva que há pontos da obra
de Büchner que ainda necessitam de estudo. A
senhora pretende orientar esses novos trabalhos?
A obra de Büchner é fonte inesgotável de pesquisas
tanto na Alemanha quanto fora do âmbito da língua
alemã e dá ensejo sempre a novas leituras e enfoques
que revelam a perspectiva contemporânea dos res-
pectivos autores.
Desde minha aposentadoria não pretendo orientar
mais trabalhos.
12 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
EVENTOS
Com o tema “Ética e Capitalismo”, a Aula Mag-
na da FFLCH foi ministrada este ano pelo Prof. Dr.
Sedi Hirano, professor do Departamento de Sociolo-
gia. Nas palavras de Gabriel Cohn, atual diretor da
FFLCH, Sedi representa uma geração de transição
na faculdade, quando filhos de imigrantes começa-
ram a ter acesso a ela. Cohn ainda disse que Sedi é
legítimo representante da “Escola Paulista de Socio-
logia”, da tradição de Florestan Fernandes e outros
grandes nomes. Na mesa que apresentou o profes-
sor ainda estavam a vice-diretora da faculdade, Prof.
Sandra Nitrini, e o presidente da comissão de gra-
duação, Prof. Roberto Bolzani.
A platéia do auditório foi composta em sua mai-
oria por empolgados calouros, alguns ainda com o
rosto pintado, que não pensaram duas vezes antes
de se sentar no chão, depois de esgotadas as cadei-
ras. Vários professores da FFLCH, e mesmo ami-
gos de Sedi de outras unidades, também estiveram
presentes. Ao agradecer as presenças, o professor
aproveitou para destacar Kokei Uehara, professor
emérito da Escola Politécnica e grande exemplo para
a comunidade japonesa no Brasil.
Segundo Sedi, “Ética e Capitalismo” é uma alu-
são direta ao clássico de Max Weber “A Ética Pro-
testante e o Espírito do Capitalismo”. Mais de um
século após o lançamento da obra, o professor fez
um balanço dos rumos do capitalismo e de sua ide-
ologia nesse período, quando ele se consolidou não
só no ocidente, mas também oriente.
O capitalismo como nós o conhecemos hoje nas-
ceu nos Estados Unidos da América, na sociedade
construída pelos imigrantes puritanos. Weber assi-
nalou que foi a ética desse grupo, moldada pela reli-
gião protestante, o principal motor do capitalismo.
Sua doutrina valorizava o trabalho, principalmente
quando realizado em favor da comunidade. A figura
PROF. SEDI HIRANO MINISTRA AAULA MAGNA DA FFLCH EM 2008POR RICARDO FERRAZ
que vai simbolizar essa relação é um dos “pais fun-
dadores” da pátria americana, Benjamin Franklin.
Máximas suas, como “o bom pagador é senhor da
bolsa alheia”, tinham cunhos utilitários, exaltando a
pontualidade, presteza e frugalidade. Eram essas,
aliás, algumas das características dos puritanos, para
quem a finalidade do trabalho não é somente a ri-
queza, mas o alcance da vida ética. “Nada mais te-
nho para mim do que a sensação de cumprimento
do dever”, diria Benjamin Franklin.
Weber se aprofundou nessa relação entre a religião
e a vida profissional. A doutrina calvinista da
predestinação faz com que nenhum desses protestan-
tes tenha certeza da salvação. Assim, todos procuram
sinais de que são eleitos agindo como tais. O tempo é
então um bem precioso, que deve ser dedicado ao tra-
balho, que constrói uma obra glorificadora de Deus.
Dentro desse raciocínio o lazer pode ser condenado, já
que é um tempo não dedicado à construção da socie-
dade, e ainda pode levar ao ócio. Segundo Weber, esse
protestante também estaria propenso a não cultivar as
amizades ou uma relação familiar intensa. Através de
uma postura ascética, ele se torna o homem que calcu-
la tudo para encontrar o sinal de predestinação.
A partir do sucesso do capitalismo americano,
essa ideologia não influenciou apenas a comunida-
de puritana, mas todo o mundo ocidental. Atualmente
o capitalismo é um imenso cosmo, no qual o indiví-
duo já nasce imerso, e que impõe as normas da ação
além da economia. “Ele educa e cria para si mesmo
indivíduos econômicos”, diz Sedi. Dentro desse sis-
tema que observa os preceitos do espírito capitalista
americano, a distribuição de riqueza acaba sendo
desigual, uma vez que as pessoas não aproveitam o
tempo do mesmo modo. A pobreza implica que a
pessoa não aproveitou de modo produtivo seu tem-
po, ou seja, trabalhou pouco.
13INFORME Número 40 – março/2008
O resultado é que em comparação com outros
países desenvolvidos, os EUA, onde essa ideologia
está mais enraizada, possui desigualdades gritantes.
Ainda em períodos onde essas crenças foram mais
radicalizadas, como nos anos 80, a economia do país
sofreu severamente. Diante desses problemas, o país
começou a prestar atenção à estrutura do capitalis-
mo no Oriente. Em países como Japão, China ou
Coréia, as bases da sociedade são fortemente
construídas pelo investimento em educação. Nesses
países sob influência do confucionismo, existe a re-
flexão religiosa, mas com um núcleo central na aná-
lise dos costumes, dos ritos e na educação da família,
que é formadora do caráter humano e da sociedade.
Os séculos XIX e XX foram fortemente marcados
por um período de intensa industrialização. Porém, com
a expansão da modernidade e a disseminação de novas
formas de tecnologia, a população, agora transforma-
da em mão-de-obra, foi onerada em muitos aspectos.
A partir de consultas com a Prof. Dra. Eva Alterman
Blay, Professora de Sociologia da FFLCH/USP e
Conselheira do NEMGE (Núcleo de Estudos da Mu-
lher e Relações Sociais do Gênero), trataremos a ex-
ploração, principalmente das mulheres, no período em
questão e o conseqüente dia em homenagem.
ANOS DE ESTUDO
Embora aposentada, a professora Eva Alterman
Blay orienta doutorados, mestrados e iniciações ci-
entíficas – atualmente ela mantém oito orientandas.
Pertence à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciênci-
as Humanas da USP, ao Departamento de Sociolo-
gia, é Conselheira do NEMGE (Núcleo de Estudos
da Mulher e Relações Sociais de Gênero) e ainda
orienta dois mestrados em Direitos Humanos na
Faculdade de Direito da USP.
Além das atividades didáticas, faz pesquisas so-
bre Imigração Judaica e está sempre pesquisando
questões de gênero. Freqüentemente participa de
conferências, mesas redondas, palestras, entrevistas
etc. Neste ano de 2008, dentre suas atividades estão:
a apresentação de trabalhos em quatro Congressos,
sendo dois Nacionais e dois Internacionais (inclusive
é representante da América Latina no Comitê de
Pesquisa sobre a Mulher - RC 32 - da Associação
Internacional de Sociologia) e o lançamento de seu
mais recente trabalho, seu livro “Assassinato de
mulheres e direitos humanos”, em 28 de março, na
Casa do Saber.
A CONFUSA ORIGEM DO 8 DE MARÇO,O DIA INTERNACIONAL DA MULHERPOR LAÍS LUCAS MOREIRA
A ORIGEM
Jornadas de 14, 16, chegando a 18 horas diárias,
salários infimamente pequenos e péssimas condi-
ções de trabalho, já eram considerados rotina na vida
daquelas mulheres que, assim como muitas das de
hoje, além de trabalharem fora, ainda cuidam da casa
e dos filhos. Porém, a diferença gritante entre am-
bos os contextos é que, naquela época, o reconheci-
mento dessa multiplicidade de tarefas era nulo,
considerado apenas um “complemento” da renda do
marido. Submetidas, muitas vezes, a humilhações e
abusos sexuais originados do medo de perder o em-
prego, eram vistas como prostitutas e incapazes tanto
física como intelectualmente. Só com o passar do
tempo, as idéias foram se transformando e a socie-
dade passou a agregar o merecido valor a essas mu-
lheres batalhadoras.
Esgotadas com a intensa exploração e certas de
que aquilo estava insustentável, operárias norte-
americanas passaram a se organizar. Um dos pri-
meiros resultados dessa organização foi a criação
da Women’s Trade Union League, em 1903, com-
posta por sufragistas e profissionais liberais. Mais
tarde, já em fevereiro de 1908, socialistas norte-
americanas organizaram uma grande manifestação
pelo direito de votar e por melhores condições de
trabalho, denominada “Dia da Mulher”, que agre-
gou adeptos ao longo dos anos. Oficialmente, a idéia
da criação de um Dia Internacional da Mulher veio
de Clara Zetkin, no II Congresso Internacional de
Mulheres Socialistas, realizado dois anos depois, em
1910, em Copenhagem. A priori, havia a intenção
de se criar uma data em homenagem, porém, ne-
nhuma certamente determinada.
Nesse aspecto da data iniciam-se as controvérsias.
14 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
De acordo com a seqüência cronológica dos fatos, logo
nos encontramos com o famigerado incêndio da fábri-
ca de tecidos, que, segundo a maioria das fontes e a
crença popular, foi o motivo pelo qual, hoje, o Dia In-
ternacional da Mulher é comemorado em 8 de março;
porém, as coisas não aconteceram dessa forma.
A FÁBRICA
A Triangle Shirtwaist Company (Companhia de
Blusas Triângulo), sempre manteve um ritmo muito
semelhante às empresas do setor, empregando ho-
mens, mulheres e crianças, com todas as más condi-
ções anteriormente citadas. Percebendo e
acompanhando um forte movimento sindical que se
formava (aliás, externamente estruturava-se a cria-
ção de um Sindicato Internacional de Trabalhado-
res na Confecção de Roupas de Senhoras –
International Ladies’ Garment Workers’ Union -
ILGWU), criou seu próprio sindicato interno.
Contudo, envolvidas em um contexto de protes-
to e união, as trabalhadoras que o compunham ten-
tavam tirar recursos dali para ajudarem
companheiras de outra fábrica, mas não o consegui-
ram. Fizeram piquetes na porta da Triangle, que ten-
tou fazê-las desistir contratando prostitutas para se
misturarem ao movimento – fato que só otimizou o
ideal revolucionário das trabalhadoras.
Inserido em uma constante de greves, movimen-
tos e passeatas, o sindicalismo se fortalecia ainda
mais. Em 25 de março de 1911, um ano após a pro-
posta da criação de um Dia da Mulher, acontece, de
fato, um incêndio. A Triangle empregava 600 pes-
soas, em sua maioria judias e italianas de 13 a 23
anos. Com o fogo, que se propagou rapidamente, já
que se tratava de uma fábrica que manipulava teci-
dos, morreram 146 trabalhadores, sendo 125 mu-
lheres e 21 homens.
POR TODA A PARTE
A partir disso, durante um longo período, mu-
lheres do mundo todo passaram a se manifestar, com
cada vez mais freqüência e cada vez mais fibra, já
que percebiam um pensamento unificado que esta-
va conquistando as massas e persuadindo donos de
fábricas. Dentre os principais eventos nesse senti-
do, está o dia 8 de março de 1917, cuja data remete
à manifestação de trabalhadoras russas do setor de
tecelagem, a qual contou com o apoio do setor
metalúrgico. Esse teria sido o primeiro ato da Revo-
lução de Outubro, segundo o ponto de vista de
Trotski. Já na década de 60, o dia 8 de março teria
sido suficientemente relevante para passar a ser o
dia preferido para as lutas das mulheres.
No Brasil, as coisas não foram muito diferentes
disso. As péssimas condições de trabalho, o salário
muito menor se comparado ao dos homens, as jor-
nadas muito extensas, a exploração sexual e o não
direito ao voto também eram corriqueiros. O movi-
mento sindical também dava seus primeiros passos,
porém, a enorme diferença entre ideais das anarquis-
tas e comunistas, dividia a classe trabalhadora. Mes-
mo dentro dos partidos, havia uma grave distinção
entre funções de homens e mulheres. As responsa-
bilidades dificilmente eram designadas às mulhe-
res, que ficavam com tarefas “femininas”. Durante
a proibição da existência do Partido Comunista,
muitas mulheres, pró-ativas e não acomodadas, pas-
saram a atuar junto a crianças de famílias pobres e
que viviam em favelas, na intenção de transmitir
novos valores que construiriam uma sociedade mais
igualitária futuramente. A primeira mulher a chegar
até a alta hierarquia do Partido Comunista, o PC, foi
Zuleika Alembert, que conseguiu a colocação de
deputada estadual de São Paulo só no ano de 1945.
Contudo, foi expulsa ao criticar a condição que a
mulher era tratada dentro do próprio partido.
O COMEÇO DA VIRADA
O feminismo, nos anos 60 e 70, tomou cada vez
mais força. Com a união daquelas que se diziam
envolvidas no chamado “feminismo” da época e as
que se autonomeavam “movimento das mulheres”,
foram combatidos a ditadura e os militares na luta
pelo retorno da democracia, as prisões arbitrárias,
os desaparecimentos políticos etc. O dia marcante
desse combate era 8 de março.
Finalmente, em 1975, com a freqüência de movi-
mentos em 8 de março a ONU oficializou esse dia
como o Dia Internacional da Mulher. Apesar disso,
no Brasil, as pessoas ainda insistem em, erroneamen-
te, associar a comemoração desse dia ao incêndio da
fábrica, sem ter conhecimento das inúmeras circuns-
tâncias que fizeram da data o que ela representa hoje.
É preciso saber que há uma história de luta construída
com muito suor e, predominantemente, pelas classes
baixas da sociedade. Um verdadeiro exemplo de de-
dicação que resultou em vitória, apesar do preconcei-
to implícito que a sociedade ainda carrega consigo.
15INFORME Número 40 – março/2008
Ainda na gestão do Reitor Adolpho Melfi, o profes-
sor Shozo Motoyama, diretor do Centro de História
da Ciência, recebeu uma importantíssima missão:
coordenar um projeto que pretendia resgatar a his-
tória da Universidade de São Paulo por ocasião do
aniversário de 70 anos da instituição. Apesar de um
pouco atrasado para a comemoração, há dois anos
foi lançado o primeiro livro decorrente desse proje-
to, “USP 70 Anos, Imagens de uma História Vivi-
da”. Agora o professor coordena os trabalhos que
darão origem, ainda este ano, a segunda das quatro
obras que deverão ser publicadas sobre a história da
universidade. Em entrevista ao repórter Ricardo
Ferraz, Shozo esclarece as motivações, dificulda-
des e recompensas desse trabalho.
Ricardo Ferraz: Como esse trabalho de recupe-
ração da memória da USP se desenvolveu?
Shozo Motoyama: Eu fiquei muito contente quando
o professor Melfi — antigo reitor Adolpho José Melfi
— me pediu para fazer uma história da USP, isso na
comemoração do aniversário de 70 anos da USP.
Foi um projeto aprovado pela comissão de come-
moração de 70 anos, mas ainda assim meio proble-
mático, pois não tinha recursos. A proposta era muito
interessante, nós topamos a parada e realmente foi
um trabalho muito gratificante, embora a gente ain-
da esteja no meio. A idéia é fazer uma trilogia: um
livro sobre a história da USP, centrado mais na rei-
toria, nos órgãos centrais, na política mais geral ado-
tada pela USP; o segundo volume seria para ver a
contribuição das unidades da USP para a sociedade
brasileira, e paulista em particular; o terceiro seria
uma coisa um pouco mais crítica, no sentido de ten-
tar entender o papel da universidade dentro do con-
texto mais amplo e geral do país. Nós conseguimos
cumprir uma parte, que é este livro — “USP 70 Anos,
Imagens de Uma História Vivida”; estamos traba-
lhando agora com a segunda parte, que é a contri-
ESPAÇO MEMÓRIA
ENTREVISTA: SHOZO MOTOYAMAPOR RICARDO FERRAZ
buição das unidades, e também dentro deste contex-
to ver como as pessoas que saíram da USP contri-
buíram; a terceira, que é mais difícil, vai ser um
exercício muito interessante. Ela estaria até de acor-
do com o papel que nós aqui da FFLCH fazemos,
porque eu acredito que a FFLCH é uma espécie de
consciência crítica da USP.
Nosso trabalho foi pensado no seguinte sentido: no
primeiro momento a sociedade em geral não enten-
de bem quais são as contribuições da USP. Dela to-
dos têm uma visão boa, acreditam que é uma coisa a
se aspirar, mas concretamente não sabem de que
maneira a universidade está contribuindo para soci-
edade. É uma defesa da universidade, porque ela
sempre esteve em uma corda bamba em que as pes-
soas começam a duvidar do papel importante que
uma universidade, principalmente pública, tem.
Nesse sentido, a idéia foi mostrar concretamente
essas contribuições que a sociedade está recebendo
das universidades e da USP em particular. Como, à
medida que fomos pesquisando, vimos que a contri-
buição da USP é muito grande, decidimos até des-
dobrar o segundo volume em duas partes. O primeiro
volume ficou um pouco grande demais, porque nós
contamos a história mais ou menos geral da univer-
sidade desde 1827, quando apareceu a primeira uni-
dade da USP, que é a Academia de Direito de São
Paulo. Curiosamente, mesmo eu que estou aqui na
USP há quase 40 anos não sabia da dimensão e da
quantidade das contribuições que a universidade vem
fazendo ao longo desses anos, 70 desde que virou
universidade. Eu estou muito feliz em poder mos-
trar essas coisas, mesmo porque é também uma de-
fesa da universidade pública.
RF: A USP tem o cuidado necessário com sua pró-
pria memória?SM: Veja, nós brasileiros vivemos muito o presente e
esquecemos um pouco o passado. Nós temos o que
16 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
eu chamo de uma cultura muito imediatista; pensa-
mos que é muito importante o dia de hoje, e de fato é,
mas não temos muita preocupação pelo passado. É
curioso que, como eu sou descendente de japoneses,
conheço um pouco a história do Japão, e a gente vê
que os japoneses têm uma tradição muito grande em
preservar a memória. Isso porque eles tiveram uma
difusão relativamente grande em termos de escrita,
de ter acesso à escrita. Então muitas famílias, mesmo
as que não eram importantes, seja do ponto de vista
econômico ou social, quando puderam deixaram re-
gistros das suas atividades, das suas famílias, das suas
origens, etc. Enquanto isso, nós que somos um dos
maiores países do mundo, conhecemos muito pouco
da nossa história, e a nossa história é muito interes-
sante, extremamente diversificada.
É como essa questão da USP, se não existisse esse pro-
jeto, certamente nós não conheceríamos, não estaría-
mos cientes das coisas que a USP vem fazendo ao
longo desses anos. Infelizmente muita coisa já se
perdeu, a USP não se preocupou. Mas havia uma
razão fundamental para que eles não estivessem tão
preocupados com a questão da memória. Evidente-
mente, na Escola Politécnica, que já tinha alguns
anos, na Faculdade de Direito, que já tinha quase
cem anos de existência, e em algumas instituições
já havia interesse em pensar sua história. Mas a ver-
dade é que no Brasil não existia naquele momento
uma verdadeira universidade, aquilo que a gente
pudesse chamar de universidade, embora existisse
uma universidade no Paraná, uma universidade no
Rio de Janeiro. Os fundadores da USP, no caso a
elite paulista, estavam muito preocupados em ter
uma identidade, e ter uma universidade que pudesse
ser chamada assim. A pessoa que freqüentou aquela
universidade tem uma marca, ela se formou nela por
tais e tais razões. E neste aspecto é que a Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras — FFCL, antigo nome
da FFLCH — teve um papel muito importante. A
FFCL era o cerne, o centro de toda essa idéia da
universidade que estava se formando. Ou seja, as
pessoas que fizessem a Universidade de São Paulo,
seja na Esalq ou na Escola Politécnica, teriam uma
marca, e essa marca seria elas terem cursado disci-
plinas básicas na Faculdade de Filosofia. Infelizmen-
te isso não aconteceu, não aconteceu até por questões
muito entendíveis. Escolas que tinham uma tradi-
ção, como a Faculdade de Direito, uma coisa cente-
nária, não estavam tão interessadas em fazer com
que seus alunos passassem por uma Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras. A Medicina, a Escola
Politécnica também; embora em um primeiro momen-
to, em função de um diretor, a Escola Politécnica par-
ticipou muito da formação inicial do processo, mas
depois também acabou não contribuindo para que a
Faculdade de Filosofia pudesse cumprir esse papel
para o qual seus fundadores a haviam destinado.
Mas a Faculdade de Filosofia foi realmente um gran-
de fenômeno que vai modernizar não só a Universi-
dade de São Paulo, mas todo o país. Ela vai se tornar
uma espécie de modelo para as universidades brasi-
leiras, e ao mesmo tempo vai desenvolver uma série
de estudos extremamente importantes em diversas
áreas, até para compreensão do país, que era uma
coisa que não era feita em termos de pesquisa pro-
priamente dita. Havia muitos trabalhos de história,
muitos trabalhos de sociologia, muita coisa interes-
sante, mas que tinha um pouco de preconceito ideo-
lógico, e que não era só do Brasil. Veja, por exemplo,
que uma idéia que se desenvolveu muito antes da
USP era a do branqueamento. Havia muitos estu-
dos, não só de sociólogos, mas de biólogos e outros,
que achavam que o atraso do país era devido à infe-
rioridade racial. Desenvolveram, na verdade, uma
pseudociência com todas as características da ciên-
cia. Muito curioso na verdade, mas muito perigoso
também.
As pesquisas que havia em sociologia eram desse
tipo. Então vieram os franceses e falaram “não, não
é bem assim, nós temos de trabalhar, temos de co-
nhecer as comunidades, sejam de índios, sejam de
negros, enfim, de toda a sociedade em geral.” E pes-
soas como Roger Bastide, entre outros, vão traba-
lhar com essas questões e formar uma série de
discípulos importantes. Foi uma coisa renovadora
na tentativa de conhecer o Brasil. Mas fundamen-
talmente, o que eu quero dizer é que a contribuição
da Faculdade de Filosofia foi no sentido de abrir o
estudo das ciências humanas, seja da sociologia, da
história ou da geografia, de uma forma mais moder-
na, com uma metodologia mais moderna e encaran-
do-as como ciência. Essa contribuição, eu acho que
é extremamente importante, e a faculdade pode se
orgulhar.
Mas a FFCL também teve um papel muito impor-
tante na área das chamadas ciências básicas, ou ci-
ências puras, como a física, matemática, química,
biociências. A ciência foi praticada no Brasil, de
17INFORME Número 40 – março/2008
uma maneira institucional ou individual, desde o
descobrimento. Mas a gente poderia dizer que não
havia o estado de arte, seja na área de botânica, de
zoologia, genética. A Universidade de São Paulo, e
em particular a Faculdade de Filosofia, teve esse
papel de modernizar a pesquisa científica no país.
Foi de lá que surgiram os primeiros trabalhos que
tiveram repercussão internacional na área de física,
de química, de biologia. Áreas novas, como a gené-
tica, por exemplo, foram iniciadas sempre com uma
política pé no chão. Eles disseram: “nós não temos
cientistas de nível internacional, então vamos trazer
essas pessoas de fora”. A Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras adotou isso como uma política
maior da instituição.
RF: Eu gostaria que o senhor comentasse esse
papel dos pesquisadores estrangeiros aqui naFFLCH.
SM: Sem dúvida, em termos de modernização, foi
fundamental o que eles fizeram aqui, uma coisa ex-
tremamente importante, que até deu contribuições
muito grandes a nível internacional. Eu vou citar
apenas dois ou três casos para você ter uma idéia.
Falando em ciências humanas, vieram para cá algu-
mas pessoas que depois se transformaram em gran-
des cientistas, não só a nível brasileiro, mas
internacional. Um deles é o Fernando Braudel, na
área de história, que hoje está novamente na moda,
com muita gente discutindo seus trabalhos. Pouca
gente sabe que ele passou sua juventude, o início da
sua carreira, aqui. Ele veio para o Brasil ainda como
professor do secundário, pouco conhecido, mas as
pessoas já viam nele uma grande potencialidade.
Aqui ele se aprimorou, e conseguiu então se trans-
formar em um grande nome da área de história, do
ponto de vista internacional, da Escola de Annales,
e inclusive lá da França.
Outro é o caso do Levi-Strauss, que também veio pra-
ticamente desconhecido para cá. Mas ele então viu
essa potencialidade, esse laboratório que é a socieda-
de e a comunidade brasileira. Ele se aproveitou bem
disso e transformou-se em um dos grandes papas da
antropologia. Roger Bastide quando conheceu o Bra-
sil percebeu um local extremamente interessante, com
exemplares nunca estudados de comunidades de ne-
gros, imigrantes, enfim, era um laboratório extremante
rico que ele soube aproveitar.
O que foi novo nesse processo é que eles vieram aqui
transmitir seu conhecimento, eram pesquisadores,
pessoas entusiasmadas que queriam conhecer a natu-
reza, a sociedade, e fizeram pesquisas ao mesmo tem-
po em que ensinaram seus discípulos brasileiros a
pesquisar. Esse é o grande mérito que a FFCL teve.
A mesma coisa aconteceu nos campos da física e da
genética. Para cá veio um físico com grande potenci-
al, mas ainda desconhecido, chamado Gleb Wataghin.
Esse pesquisador estava muito interessado em fazer
seu nome como físico, e trabalhava com uma questão
que não dependia muito de financiamento, os raios
cósmicos. Ele então começou a fazer pesquisas desse
tipo aqui na USP, e naquela época estavam sendo des-
cobertas nos raios cósmicos uma série de partículas
novas. Ele trouxe o estado de arte da pesquisa física,
pelo menos uma das partes da pesquisa física, para
cá, e formou uma série de pessoas. Mais do que isso,
depois de ensinar o que sabia para aquelas pessoas,
ele as enviou para os centros mais desenvolvidos na
área, para que pudessem aprender mais. Foi assim
que ele mandou para os Estados Unidos o Mário
Schenberg, que é um dos maiores físicos teóricos que
o Brasil teve até agora, que mandou para Inglaterra o
César Lattes, uma pessoa que por três vezes perdeu o
prêmio Nobel.
Então nesse sentido eu acho que foi fundamental
termos uma escola que ensinasse as pessoas a faze-
rem pesquisa, pois ela é uma coisa internacional, na
qual você tem que concorrer com as pessoas do
mundo todo.
RF: Quais são as fontes mais importantes nessa
pesquisa?
SM: Nós estamos no campo da historiografia da his-
tória. Como eu disse, infelizmente não se pensou
muito na preservação, talvez em função do fato que
nós somos um país de analfabetos. Felizmente isso
está passando, é uma coisa extremamente importan-
te, para qual só agora estamos despertando. Mas nós
certamente sempre temos uma grande dificuldade
em trabalhar com nossa história, principalmente his-
tória científica, tecnológica, educacional, e mesmo
cultural, porque a história política, bem ou mal, a
partir de um certo período, tem os diários oficiais.
Você vê a visão oficial, mas é uma visão sobre o
assunto e dá para pesquisar a partir daquilo. No caso
da ciência e tecnologia, nós temos uma grande difi-
culdade, e uma delas é que se você está em um país
que tem uma ciência já “desenvolvida” você tem
18 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
revistas científicas, nas quais o resultado do traba-
lho dos cientistas está. É claro que sempre tem al-
guma coisa importante que se perdeu, e tem de ser
recuperada, como o caso do Mendel. Ele publicou
os trabalhos iniciais da genética moderna em uma
revista qualquer que ninguém lia, como a grande
maioria das revistas científicas, mas deixou regis-
trado. Isso foi recuperado 50 anos depois por outros
pesquisadores. Não é que no caso do Brasil nós não
tenhamos, mas temos relativamente pouco.
Em termos de instituições, elas também tinham
muito pouco interesse em preservar. Hoje, com a
informática, a computação, a situação está mudan-
do um pouco. Mas quando os documentos são em
papel, isso ganha um volume muito grande; a partir
de certo momento as coisas acabam se deterioran-
do, se perdendo, a manutenção é muito difícil. Mes-
mo assim, os museus, as instituições de pesquisa,
todos eles na medida do possível tentaram preser-
var, e temos muito material para trabalhar. No caso
da USP é mais fácil quando é um instituto ou coisa
assim, porque é uma coisa mais localizada. A uni-
versidade é muito grande, quando as unidades se
preocupam em manter esse tipo de documento é
muito bom. Agora, a grande maioria não se preocu-
pa com isso, principalmente quando tem objetivos
práticos; eles estão interessados em fazer aquelas
pesquisas, não em preservar.
Não existia até agora uma coisa mais especializada
na preservação da memória. O que nós verificamos
é que havia muito pouca coisa escrita, por exemplo,
em termos de livros. O livro mais valioso que te-
mos é um livro escrito por um professor que teve
um papel importante aqui, Ernesto de Souza Cam-
pos, quando houve o 4º centenário da cidade e a
USP estava comemorando os seus 20 anos. Histó-
ria da Universidade de São Paulo não é um livro de
história, mas tem uma série de dados extremamente
interessantes. Nesse sentido nós procuramos os da-
dos, acho que os mais sistematizados encontramos
nesse livro. Evidentemente nas atas dos conselhos
universitários também existe alguma coisa, mas in-
felizmente elas são muito condensadas.
O caso mais interessante que eu conheço, em ter-
mos de preservação da memória, é uma coisa que é
conhecida como anais do CNPQ, que na época se
chamava Conselho Nacional de Pesquisas. Seu pri-
meiro presidente era um militar, mas também era
um pesquisador e uma pessoa muito interessante,
Almirante Álvaro Alberto. Ele tinha ciência de que
as coisas que estava fazendo tinham uma importân-
cia histórica muito grande, e uma das razões era que
o CNPQ foi responsável pela política nuclear brasi-
leira. Ele sabia que uma série de questões políticas
importantes estava relacionada com a ciência e
tecnologia, e ele gravou todas essas discussões na
reunião do seu conselho deliberativo, reuniões lon-
gas que demoravam três, quatro horas. Eles grava-
ram, transcreveram, copidescaram e depois deixou
escrito, não publicado, mas como anais.
Então você vê a riqueza das discussões. Geralmente
havia conflitos muito claros, principalmente no caso
da energia nuclear. É uma coisa muito interessante,
mas infelizmente a universidade não faz isso. Na
maioria das unidades, e também em quase todas as
partes do mundo, não se reproduz in totum, exata-
mente o que aconteceu nos conselhos.
Nesse sentido, na história contemporânea são muito
interessantes e importantes os depoimentos das pes-
soas que viveram essa história. É claro que, como
qualquer documento, você tem que analisar com cui-
dado, porque evidentemente a pessoa que está falan-
do nunca vai falar mal das coisas que fez, a menos
que ele esteja altamente arrependido, ou seja, um
masoquista. Mas, mesmo com essa maquiagem que
as pessoas dão, um historiador de talento sabe sem-
pre retirar daí as coisas essenciais daquilo que ele quer
saber. Então, na medida do possível, nós sempre ten-
tamos entrevistar as pessoas que estão envolvidas,
embora isso não tenha um apelo para uma leitura ge-
ral. Nós poderíamos fazer uma coisa que tivesse ape-
lo ao público, como os jornalistas fazem, mas a idéia
não é bem essa, é deixar registrado. Então nós sem-
pre entrevistamos as pessoas que participaram do pro-
cesso. Infelizmente, já no caso da USP, uma grande
maioria de reitores havia falecido. Nos depoimentos
aprendemos muita coisa, porque mesmo que não con-
cordemos com as ações das pessoas, vemos uma cer-
ta coerência nelas fazerem aquilo, e é muito para dar
uma série de pistas para você ir procurar. Assim, ge-
ralmente até adotamos uma técnica mais liberal, dei-
xar a pessoa falar a vontade para a gente pescar alguma
coisa dessa história.
RF: Professor, sua história pessoal aqui na USP
influencia o trabalho?SM: Bom, eu não sei se existe uma influência nesse
sentido, mas claro que eu sou produto dessa univer-
19INFORME Número 40 – março/2008
sidade. Veja, eu entrei na universidade em um perí-
odo extremamente crítico, mas ao mesmo tempo
envolvente, fascinante, que foi a década de 60. Eu
fiz a graduação de 65 a 67, o bacharelado acabei em
69, e o doutoramento em 71. Foi um período extre-
mamente agitado, principalmente do ponto de vista
estudantil, isso no mundo todo. Havia movimento
estudantil contestando o status quo praticamente em
todas as partes do mundo; o seu epicentro era Paris,
mas se estendeu para a Califórnia, Alabama, Tóquio,
Istambul, e aqui em São Paulo também. Mas São
Paulo ainda tinha uma história anterior, embora cada
uma das universidades deva ter a sua, porque justa-
mente em 64 houve a chamada revolução, em que o
regime militar se impôs aqui. Houve uma repres-
são, e temos que reconhecer que nesse caso, relaci-
onado aos intelectuais, foi relativamente branda, na
medida em que não houve, ao que tudo indica, tor-
tura ou coisa desse tipo. Por exemplo, meu
orientador, que era o professor Mário Schenberg, foi
preso. Um amigo meu, Fuad Daher Saad, que era
um líder estudantil e ainda hoje é professor no insti-
tuto de Física, disse que jogou xadrez na prisão com
o Schenberg. Houve um aprendizado muito grande
nesse processo, de ter vivido no Crusp, de ter passa-
do por um período diferente da universidade, por-
que foi uma coisa meio contestatória, e que foi muito
útil para mim e para o meu posicionamento. De um
lado, eu tive a felicidade de ter contato muito mais
direto, em função do movimento, com professores
de grande gabarito e pessoas que tinham um
posicionamento desenvolvimentista, progressista,
que queriam uma sociedade melhor. Claro, socieda-
de melhor é uma coisa muito relativa, para um capi-
talista é uma coisa, para um socialista é bastante
diferente. Para mim então esse foi um período ex-
tremamente educativo, mas eu diria que não é tão
diretamente ligado a USP. Claro que o fato de ter
esses professores progressistas, Mário Schenberg,
Florestan Fernandes, o próprio Fernando Henrique
Cardoso, isso é fruto da própria universidade.
Mas eu diria que esse ambiente contestatório, até fe-
bril, muito entusiasmado, também tinha os seus ris-
cos. Eu felizmente nunca fui extremo, sempre fui
socialista, sempre achei que a sociedade tem que se
pensar mais em termos de pessoas do que de lucro,
mas eu nunca fui ao extremo. Ainda, depois de o pro-
fessor Schenberg ser cassado, fui apadrinhado por um
professor muito respeitado, de centro-direita, mas
muito mais centro, o professor Eurípedes de Paula.
Ele tinha muito prestígio entre os militares, por ter
participado da 2ª Guerra Mundial como expedicio-
nário, e foi um grande nome aqui na FFLCH. Ele era
um historiador também, que tinha uma visão mais
ecumênica das coisas. Eu aprendi muito com ele, as-
sim como aprendi também com o professor
Schenberg; então eu acho que tudo isso ajudou muito
na minha formação, no meu comportamento e na for-
ma como vejo essas questões.
Mas eu tenho que confessar que também ajudou
minha própria origem; eu sou da 2ª geração de japo-
neses, mas meus pais fugiam um pouco do estereó-
tipo do imigrante. Meu pai era matemático e minha
mãe era professora lá no Japão. Meu pai sabia falar
português, até tentou cursar matemática na FFCL,
em função do fato do diploma dele do Japão não
valer aqui. Eu vivi no meio de uma biblioteca enor-
me que ele tinha, sobre matemática, física, história,
e mesmo de literatura, então eu tinha um conheci-
mento mais ou menos direcionado. Meu pai nunca
me disse “você tem que ser matemático, físico, ou
qualquer coisa”, mas eu acabei em um primeiro
momento me formando em física. Então eu já tinha
um pouco dessa visão do que é ciência, do que é
uma visão crítica.
Isso foi então altamente reforçado pela educação que
eu tive aqui, e tenho que confessar que realmente
foi uma educação de 1ª qualidade, não no sentido
como muita gente poderia entender uma educação
universitária e educação em geral. Se você pensar
do ponto de vista didático, ou do ponto de vista de
aulas magistrais, de entusiasmar os alunos, você pode
ter uma grande decepção aqui nessa universidade.
Ela aqui se caracteriza como uma universidade de
pesquisa, mostra que tem desafios culturais, cientí-
ficos, tecnológicos, extremamente interessantes, e
como fazer frente a eles.
Eu tinha certa tendência de ver as coisas dessa for-
ma, que foi concretizada em função de eu ter vindo
para essa universidade, em particular para a FFCL.
Como eu disse, eu vim aqui em 65, entrei no Crusp,
e depois nunca mais saí dessa cidade universitária.
Então eu estou extremamente feliz de poder preser-
var, e colocar a público àqueles que estão interessa-
dos, aquilo que foi feito aqui e qual o seu significado.
Nesse sentido, eu acho que o que estamos fazendo é
um trabalho que vale a pena. Como eu disse, essas
coisas também são, até certo ponto, circunstanciais.
20 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
Eu tenho o meu interesse desde estudante de conhe-
cer as características do universo, da natureza; quan-
do criança eu queria ser astrônomo, depois comecei
trabalhando em astrofísica, e certamente estaria ainda
hoje trabalhando se não fossem essas convulsões
sociais que acontecem de tempos em tempos. Eu
sempre pensei nessa questão do desenvolvimento,
principalmente do Brasil. Talvez estivesse muito
mais interessado, não feliz, porque feliz eu estou,
em estar trabalhando com os buracos negros, galá-
xias, como os raios cósmicos se formam, ou então
de ver como é que a gente pode mudar este planeta
Terra que hoje está globalizado, no sentido melhor,
e como é que o Brasil poderia melhorar, que são
desafios muito interessantes. Então falar sobre uni-
versidade aparentemente não é uma coisa tão am-
pla, ambiciosa como essa, mas faz parte do jogo.
Uma grande universidade, uma boa universidade tem
um papel importante em um processo como esse,
nós temos que conhecer essas coisas.
Serão publicadas no Informe, no decorrer deste ano, entrevistas com professores, referentes à memó-
ria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Esta série de entrevistas prepara a come-
moração dos 75 anos da FFLCH (festejados no próximo ano) e procura retratar as experiências de
docentes importantes na trajetória da Faculdade.
ESPAÇO DOS FUNCIONÁRIOS
No fim de 2007, realizou-se a eleição que nomeou
os representantes dos funcionários para 2008. Em
entrevista, eles falam de seus planos, melhorias e
intenções em relação à FFLCH.
1 - Em linhas gerais, como vocês definiriam o pe-
ríodo que têm pela frente e suas intenções?O período que teremos pela frente, se considerar-
mos a atual crise da educação em todos os níveis,
será de grandes mobilizações de docentes, estudan-
tes e funcionários. Nesse contexto, o envolvimento
dos funcionários dará força à representação para uma
atuação efetiva nas instâncias de debate e decisão
da FFLCH, no sentido de que nossa Faculdade hon-
re sua tradição de luta e defenda a Universidade
Pública dos ataques que vem sofrendo. A defesa por
melhores condições de trabalho e salários é dos as-
ENTREVISTA COM MARLENE P. ANGELIDES,CLÁUDIO DE SOUZA E FRANK NABETAPOR LAÍS LUCAS MOREIRA
pectos da luta mais geral em defesa das Universida-des Públicas e da educação pública como um todo.
2 - Mais concreta e explicitamente, quais serãoos planos para o ano de 2008?Fazer com que todos os funcionários sejam infor-mados dos assuntos que nos dizem respeito diretaou indiretamente e envolvê-los nas discussões e de-cisões de nossa categoria, tanto internamente à Fa-culdade quanto na Universidade. A participação dosfuncionários será fundamental num debate, impres-cindível, que se fará este ano sobre a constituição deuma Estatuinte, cujo papel será o de sistematizar aspropostas de um novo Estatuto para a Universidade,que garanta, entre outras importantes medidas, umaampliação da representação de alunos, professorese funcionários nas instâncias de debate e delibera-
ção das Unidades e da Universidade.
21INFORME Número 40 – março/2008
3 - No ponto de vista de vocês, quais serão os
principais aspectos a serem modificados e/ou
corrigidos?
A informação sobre questões importantes tanto para
a vida funcional de cada um quanto para a vida da
Faculdade e da Universidade deve chegar a um nú-
mero maior de funcionários, e não apenas por e-mail.
Devemos ter um informe impresso para facilitar o
acesso às informações de um número maior de pes-
soas. Será necessário constituir um Fórum de Re-
presentantes que dê conta das tarefas de cunho
administrativo e político que deverão ser realizadas.
4 - Haverá algum quesito a ser mantido? Se sim,
qual (is)?
O envio, a todos, de informes dos representantes, de
pautas e atas de CTA e Congregação, das reuniões
das Comissões de Qualidade de Vida, do Grupo de
Treinamento e da Comissão Permanente de Recur-
sos Humanos; as reuniões de funcionários também
serão intensificadas.
5 - Considerando que estamos num ano em que
acontecerão eleições para diretor e vice-diretor
da Faculdade, quais serão as diretrizes para 2008nesse sentido?
A renovação da direção da FFLCH deverá ser debati-
da amplamente, envolvendo alunos, professores e
funcionários. Entre os funcionários, serão convocadas
reuniões para um balanço da gestão que se encerra e
a discussão dos programas dos candidatos a diretor.
Nessas reuniões, procuraremos verificar, nos progra-
mas, quais propostas relativas aos funcionários vêm
ao encontro das nossas, e tentaremos comprometer
os candidatos e os funcionários com sua efetivação.
Matéria publicada no boletim Você Sabia nº001 -
JAN/08
1- Em linhas gerais, como você definiria o SINTUSPàqueles que não conhecem? Como ele é organiza-
do? Existem comissões, diretórios, etc? Há muita
representatividade pelas unidades da USP?
O SINTUSP, aos que não o conhecem ou que o co-
nhecem de longa data e mantém uma lembrança re-
lativamente triste, é só mais um órgão de
representação. Para aqueles que estão mais envolvi-
dos com as questões políticas e afins, ele é um dos
maiores e mais representativos sindicatos do Brasil.
O SINTUSP possui uma diretoria composta por fun-
cionários de praticamente todos os campi da USP e
também é composta pelos CDB (Conselho Diretor
de Base), que se reúnem para debater os rumos da
nossa vida funcional. Nessas reuniões também são
sugeridas ações de greves, atos e paralisações.
A representatividade dos CDB´s nas unidades é
muito relativa. A maioria dos casos é de companhei-
ros ativos, porém já ouvi falar de representantes que
iam às reuniões para coletar informações das ações
propostas e divulgar aos diretores das unidades que,
de alguma maneira, conseguiam bloquear, ou dimi-
nuir o impacto dos atos, etc.
ENTREVISTA COM ASSAD, REPRESENTANTE DO CONSELHODIRETOR DE BASE - SINTUSPPOR LAÍS LUCAS MOREIRA
2- Qual é a importância do cargo de represen-tante do Sindicato dentro da FFLCH? E quais
são seus objetivos para o ano de 2008 dentro do
SINTUSP?
Ser representante CDB na FFLCH é um cargo de
muita responsabilidade, uma vez que há inúmeras
reuniões durante o ano, há também a necessidade
de se divulgar tudo o que o SINTUSP elabora em
termos de boletins, etc. O CDBista na FFLCH é
muito ouvido antes, durante e no pós-greve. Ele tam-
bém tem como responsabilidade a marcação das reu-
niões onde os funcionários irão decidir o destino da
faculdade na greve, definir qual será o papel da
FFLCH durante a paralisação, se de encarar as difi-
culdades de frente indo a todos os atos ou apenas
apoiando a greve.
Infelizmente, não há tempo para que o CDBista, pelo
menos neste último mandato, uma vez que sou o
único representante, consiga fazer tudo o que lhe
cabe. Acredito ter realizado um bom trabalho na
minha gestão como representante e tenho certeza que
incentivei outros a encararem o cargo com mais se-
riedade e afinco, pois sabemos que o CDBista tam-
22 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
bém é visto com maus olhos em momentos mais
críticos, porém os funcionários estão acreditando
mais em seus representantes e dando apoio quando
estes são atacados.
Para 2008 meus projetos são outros, torço apenas
para que haja candidatos ao cargo de CDB.
3- Em sua opinião, a FFLCH costuma ser mais
adepta a movimentos sindicais do que outras fa-
culdades da USP? Se sim, qual o motivo disso?
Se não, quais outras unidades costumam se en-
volver também?A FFLCH é uma das primeiras unidades a aderirem à
greve, juntamente com a PCO. O histórico da nossa
casa é de lutas, desde a época da repressão. Muitos de
nossos professores foram presos, enfim, a FFLCH é
uma unidade politizada, apesar de achar que muitos
de nossos colegas perderam a vontade de lutar por já
terem participado de muitas greves. Acredito que
novos elos estão sendo criados com os alunos, alguns
professores novos na casa, outros não tão novos as-
sim, como é o caso do professor Francisco Capuano
Scarlato, que está entre os representantes das diver-
sas instâncias acadêmicas e administrativas, que irão
resgatar o ânimo político da faculdade e com certeza
o futuro das greves, paralisações, defesas de funcio-
nários; será grandioso e com uma adesão há muito
não vista por esses lados.
Em relação às unidades participantes temos várias:
ECA, FAU, IO, BIOCIÊNCIAS, CEPE, diversas
unidades aderem ao movimento, porém cada uma
em seu momento.
4- Há alguma novidade ou projeto que já se en-
contra em fase de implantação, que já podemosdivulgar aos funcionários da FFLCH?
Até o momento desconheço qualquer projeto, pois,
como disse, há muitas tarefas a realizar, tanto no âmbi-
to do CDB quanto no dia-a-dia em nossos locais de
trabalho, o que me impediu de participar do primeiro
CDB de 2008. O próximo será em março, quando en-
tão receberei tais informações, inclusive a data de quan-
do ocorrerão as eleições para os novos representantes.
Entrevista publicada no Boletim Você Sabia nº002
– FEV/08
ORIENTADORES: Jacqueline Cerquiglini-Toulet e
Philippe Willemart
BANCA: Dominique Boutet, Fernando Segolin e João
Hansen.
RESUMO
O trabalho aborda a figura da mulher medieval, prin-
cipalmente a partir do olhar da autora Christine de
Pizan. No primeiro capítulo, A tradição na qual inse-
re-se a obra de Christine de Pizan, é feita uma recu-
peração dos textos exempla e specula, tratados de
DOUTORADO
CHRISTINE DE PIZAN:UMA RESISTÊNCIA NA APRENDIZAGEM DA MORAL DE RESIGNAÇÃOLUCIMARA LEITE
educação, porque acreditamos que esse gênero lite-
rário serviu de modelo para os textos da autora. Du-
rante os séculos XII e XIII os eruditos começaram a
demonstrar sua preocupação com a educação e o com-
portamento de homens e mulheres. Por isso, os ser-
mões e os textos com essa temática se multiplicaram.
Essa preocupação pode ser mensurada pela quanti-
dade de textos em forma de exemplum e speculum
que surgem nessa época. Os livros Cité des dames e
Trois vertus nos quais Christine aborda a educação
da mulher, são exemplos desse gênero de texto. O
23INFORME Número 40 – março/2008
capítulo faz uma análise das principais característi-
cas de exemplum e speculum: suas origens, seus au-
tores, seus principais títulos e datas. A diferença entre
speculum e exemplum fica mais clara se cotejarmos
as duas obras de Christine. Em Cité des dames, ela
faz uso do exemplum, ela apresenta uma série com
mais de cem exemplos de pequenas histórias de mu-
lheres dignas de imitação. Já em Trois vertus, Christine
descreve o cotidiano das mulheres e seus comporta-
mentos de acordo com a classe social.
Segundo capítulo, Fortuna crítica e a descrição. Ex-
pomos uma cronologia com datas e nomes de autores
que leram Christine, quais obras foram reeditadas,
traduzidas e comentadas. Christine foi conhecida e lida
por seus contemporâneos na França, Itália e Inglater-
ra. No século XV, após sua morte, elogios lhe foram
feitos por diversos autores, suas obras traduzidas para
o inglês e o português e reimpressas. Em seguida é
apresentada uma descrição detalhada da estrutura das
obras Cité des dames e Trois vertus; os principais as-
suntos tratados e a ordem de exposição.
No terceiro capítulo, Uma resistência na aprendi-
zagem da moral resignativa, apresentamos uma bre-
ve história da educação feminina entre os séculos
XII e XIV. Após essa primeira parte, segue uma com-
paração entre os pontos de intersecção de Cité des
dames, Trois vertus e Mesnagier de Paris. Faz-se
notar a importância de observar a diferença entre os
textos produzidos por autores masculinos, como o
Mesnagier, tanto no que diz respeito ao tratamento
dado às mulheres como à temática. Christine abor-
da o cotidiano das mulheres, desde as mais ricas até
as mais simples, indicando-lhes suas obrigações
desde o levantar-se até o deitar, ela trata da questão
de saber se portar segundo as prerrogativas sociais,
etc. No entanto, ela não é prolixa dando explicações
nos mínimos detalhes. Ela fala a seres que têm co-
nhecimento e possuem inteligência. Por fim, é apre-
sentada uma relação hierárquica das virtudes e dos
defeitos presentes nas três obras.
Como conclusão podemos verificar, pelas transfor-
mações apresentadas nos textos de Christine, que a
autora fez uma adaptação dos textos masculinos.
Adaptação esta que deu forma à voz de muitas mu-
lheres que até então não tinham um representante
de seus anseios na esfera literária.
Palavras-chave: Educação medieval. Educação fe-
minina. Literatura francesa.
MESTRADOS
Departamento: Letras Clássicas e Vernáculas
Programa: Filologia e Língua Portuguesa
Orientador: Profa Dra Lineide do Lago Salvador
Mosca
Banca: Professores Doutores Hudinilson Urbano e
Maria Lígia Coelho Mathias
Resumo
A presente dissertação tem por objeto de estudo a
construção do discurso, em sua perspectiva retórico-
RETÓRICA DO POVO : A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO PERSUASIVONOS RECURSOS DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITOFÁBIO SOUZA TRUBILHANO
argumentativa, nos recursos de infração de trânsito.
Com esse propósito, este trabalho se debruça sobre a
linguagem, o texto e o discurso persuasivo, tendo em
vista a sua aplicabilidade ao processo administrativo,
cujo julgamento é de competência da Junta Adminis-
trativa de Recursos de infrações do Município de São
Paulo. Os recursos são interpostos pelos infratores
que, com os próprios punhos os escrevem, daí o títu-
lo Retórica do Povo, o qual faz alusão à retórica na-
tural, inerente à comunicação. Para realizar-se a
24 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
análise argumentativa dos recursos serviram de base
teórica, entre outros, os estudos aristotélicos da Anti-
ga Retórica e os estudos da Nova Retórica, proce-
dentes de Perelman e Tyteca, autores do Tratado da
Argumentação. Procurou-se também aliar os funda-
mentos do raciocínio dialético-argumentativo, próprio
da Retórica, ao raciocínio cartesiano demonstrativo-
analítico, próprio da Lógica Formal, no que tange à
construção do discurso persuasivo petitório.
A tríade ethos, pathos e logos forneceu alicerce teó-
rico para as análises realizadas, concluindo-se no sen-
tido de que os estudos retóricos clássicos são
plenamente aplicáveis aos discursos hodiernos, não
podendo uma análise argumentativa consistente dei-
xar de debruçar-se sobre as fontes da Retórica Clássi-
ca. Por sua vez, a Nova Retórica também serviu de
base às análises empreendidas, recuperando os prin-
cípios da velha Retórica e apontando novas aborda-
gens sobre o discurso persuasivo ao explicitar as
técnicas argumentativas mobilizadas na comunicação.
Assim sendo, mostrou-se frutífero o estudo das infra-
ções de trânsito sob o ângulo da argumentação, o que
veio a confirmar o fato de que a retórica faz parte do
cotidiano das pessoas e é inerente à linguagem.
Departamento: Letras Modernas
Programa: Estudos Lingüísticos e Literários em
Inglês
Orientador: Prof. Dr. Lynn Mario Trindade
Menezes de Souza
Banca: Profs. Drs. Kátia Rubio (EEFE - USP) e
Walkyria Maria Monte Mór (FFLCH)
Resumo:
Esta pesquisa de cunho etnográfico procura inves-
tigar o complexo da linguagem, focalizando o cará-
ter performativo da linguagem e a busca por uma
língua-franca de modo geral, e o papel do modo nar-
rativo em particular, na construção de identidade,
considerando-se que esta é composta por um com-
plexo de vivências de corpo, alma e espírito, sócio-
históricas e culturais contextualizadas. Os
significados de nossas construções narrativas são
constituídos por e constituem nossos contextos so-
ciais, culturais e ideológicos. Identidade não é
homogenia, estável ou fixa, pelo contrário, trata-se
de uma construção híbrida, uma teia de significação
performativa (Geertz 1973; Hall 1996, 1997, 2003;
Bhabha 1990, 1994, 1998, 2000; Menezes de Souza
2004, 2006), é um complexo, conjunto de narrati-
vas, de processos de ação, de construção de signifi-
cação, que formam o sujeito (Bruner, J. 1986, 1992,
TEIAS DE SIGNIFICAÇÃO: PERFORMANCE DE LÍNGUA-FRANCA ENARRATIVAS VIVENCIADAS DE IDENTIDADEIRENE SINNECKER LEVIN
2001; Klapproth 2004). A vivência contextualizada
é o elemento de ligação entre narrativa e identidade
(Merleau Ponty 1945, 1961, 1984; Varella 1991,
Lakoff & Johnson 1999, Bakhtin 1988, Lemke
1997). Procuraremos demonstrar como as narrati-
vas construídas em torno da comunidade cafeeira
no Brasil do século XIX, especialmente em torno
da imigração de cunho particular, para a fazenda de
café Ibicaba, do Senador Vergueiro, no estado de
São Paulo, são vivências de identidades
contextualizadas que repercutem na construção de
outras identidades que exercitam o direito de narrar
e significar até os dias de hoje. Para sobrevivermos
à crise de identidade criamos várias identificações.
Através do direito de narrar sob perspectivas,
vivências e contextos distintos, sejam de inclusão
ou deslocamento, sejam voltadas para o passado ou
futuro, somos todos híbridos ao lidarmos com a
indeterminação e contingência de identidade que é
o que temos em comum. Detectamos que várias “ver-
dades” são construídas sócio-histórica e culturalmen-
te a partir de seus contextos e que ‘as identidades
são um complexo de narrativas vivenciadas, forma-
das nas zonas híbridas de encontro de culturas’.
Palavras-Chave: linguagem, performance, nar-
rativa, vivência, identidade.
25INFORME Número 40 – março/2008
Departamento: Geografia
Programa: Geografia Humana
Orientador: Prof Dr. Armen Mamigonian;
Banca: Francisco Capuano Scarlato e Tania Maria
Fresca
ResumoEste trabalho de pesquisa tem como objetivo investi-
gar e discutir a expansão dos projetos de transportes
na região Centro-Oeste e sua relação com a expansão
agrícola. A pesquisa foi feita através de consultas em
revistas especializadas, e textos de pesquisa econô-
mica. O Brasil apresenta sérios problemas de infra-
estrutura que prejudicam sua capacidade produtiva e
comprometem seu crescimento econômico.
Atualmente, um dos gargalos mais perceptíveis que
impedem o crescimento da economia é a necessidade
de ampliação e modernização dos meios de transpor-
tes de cargas para atender com qualidade a produção
industrial e agrícola. Não é suficiente obter recordes
consecutivos na produção de grãos e minérios se não
há recursos adequados para fazer o escoamento em
tempo hábil aos portos e consumidores. Há mais de
50 anos, o Brasil priorizou as rodovias e hoje sofre
com a falta de recursos financeiros para manter as
estradas e ampliar as rotas para as regiões afastadas
AS FERROVIAS BRASILEIRAS E A EXPANSÃO RECENTEPARA O CENTRO-OESTERICARDO PETRILLO FICI
dos principais centros econômicos. Mesmo após as
privatizações, as rodovias continuam precárias e sem
perspectivas de melhoramentos a curto prazo.
O transporte rodoviário tem suas vantagens, mas seus
custos de manutenção e ampliação são mais eleva-
dos, principalmente se forem considerados as despe-
sas para policiamento, engenharia de tráfego, além
dos problemas ambientais causados pelo
desmatamento e poluição nas grandes cidades. As
ferrovias têm maior capacidade de carga, contemplam
as necessidades continentais do Brasil, e seu custo de
manutenção é reduzido. As ferrovias foram esqueci-
das por quase meio século e os 30.000 quilômetros
de estradas de ferro em funcionamento são insufici-
entes para atender a produção nacional. A malha fer-
roviária atual transporta aproximadamente 23% da
produção do país a custos mais acessíveis. Após as
privatizações os novos investimentos do setor priva-
do geraram um aumento de 94% na produtividade do
sistema na última década. A ampliação das ferrovias
requer maior vontade política do governo e da socie-
dade para que os trilhos tenham maior representação
dentro da matriz dos transportes do Brasil.
Palavras-chave: Centro-Oeste, Ferrovias, Logística,
Privatização, Soja.
Departamento: Letras ModernasPrograma: Estudos Lingüísticos e Literários emInglêsBanca: Maria Helena Vieira Abraão - UNESP S. J.Rio Preto, Lynn Mario T. Menezes de Souza - DLM/ USP. Suplentes: Leila de Mello Darin - PUC-SP,Elizabeth Harkot de la Taille - DLM / USP
ResumoEsta pesquisa focaliza práticas e eventos de letramentoobservados no ensino de leitura em inglês de duas
LEITURA EM INGLÊS NO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DAATIVIDADE DE LEITURA NA ESCOLA E SUA RELAÇÃO COM ACOMUNICAÇÃO MEDIADA POR NOVAS TECNOLOGIASTAÍSE FIGUEIRA MOTTA
escolas do Ensino Médio (uma pública e outra parti-cular). A partir da análise interpretativa de váriosexcertos de exercícios, de fragmentos de entrevistagravada em áudio com as professoras e de depoimen-tos de alunos, colhidos por meio de questionário, iden-tificamos concepções de linguagem e de educaçãosemelhantes nas duas escolas investigadas. Verifica-mos também regularidades no que diz respeito aoparadigma de aprendizado curricular, presente nasduas escolas, assim como notamos contradições en-tre o que é realizado nas escolas e as práticas de leitu-
26 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
ra e de aprendizado interativo desenvolvido pelos alu-nos fora da escola, possibilidades geradas a partir denovas tecnologias de informação e comunicação.Por entender que a abordagem qualitativa seja a maisadequada aos objetivos propostos, convivemos coma realidade da sala de aula para a coleta de dados,utilizando procedimentos e instrumentos caracterís-ticos da pesquisa de cunho etnográfico. Por meio detriangulação das informações obtidas, selecionamospráticas e eventos de letramento significativos parauma análise interpretativa, apoiando-nos em teoriasde base sociológica postuladas na década de 1990,como a do Letramento Crítico (Critical Literacy),concepção desenvolvida sob o termo guarda-chuvade Novos Letramentos (New Literacy Studies). Tam-bém adotamos os Multiletramentos (Multiliteracies),cujo foco está centrado em dois aspectos das socie-dades contemporâneas: primeiro, a interação de fron-teiras lingüísticas e culturais dentro de e entresociedades, e, segundo, a multimodalidade, múlti-plos modos de construção de significado, envolven-
do o lingüístico, o visual e o sonoro, dentre outrosmeios semióticos que integram a crescente tendên-cia de textos mediados por novas tecnologias.Nas duas instituições participantes dessa pesquisaobservamos práticas e eventos de letramento simi-lares, apontando para uma concepção de educação ede linguagem convencionais que não correspondemàs necessidades da sociedade contemporânea queintegra globalmente a produção e a distribuição depalavras, sons e imagens, interativamente. Portan-to, o resultado das análises indica uma necessidadede revisão nas concepções de leitura, aprendizagem,linguagem e de conhecimento estabelecidas nas es-colas, de modo a promover a re-estruturação e aadequação de práticas que correspondam às exigên-cias da sociedade pós-industrial, fundada em novastecnologias de informação e comunicação.
Palavras-chave: leitura, letramento crítico,multiletramentos, tecnologias de informação e co-
municação, língua inglesa.
PRODUÇÃO DA FACULDADE
CAÇA ÀS SUÁSTICAS:O PARTIDO NAZISTA EM SÃO PAULO SOB A MIRA DA POLÍCIA POLÍTICA
ANA MARIA DIETRICH
Este livro, em co-edição com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, resulta do inven-tário do Fundo DEOPS/SP, desenvolvido pela equipe de pesquisadores do PROIN (ProjetoIntegrado Arquivo do Estado/USP) que, desde 1996, tem contribuído para a construção doconhecimento histórico acerca do exercício moderno do poder por meio das instituiçõespúblicas. Representa uma conquista que diz respeito ao direito à memória. Expressa oretorno ao Estado de Direito que restabelece as garantias individuais e as liberdades públi-
cas, entre as quais o direito à informação e à livre circulação de idéias.Editora Humanitas
www.fflch.usp.br
OS “QUEBRA-SANTOS”: ANTICIERICALISMO E REPRESSÃO PELO DEOPS/SPEDUARDO GÓES DE CASTRO (COL. INVENTÁRIO DEOPS, 14)
Neste livro, o autor apresenta seu mapeamento dos prontuários policiais do Fundo DEOPSdo Arquivo Público do Estado de São Paulo. Através deste inventário, constatamos que, emmuitos casos, os “inimigos políticos” coincidem com os “inimigos da Fé católica”. Popular-mente denominados de “Quebra-santos”, os hereges da Ordem Social e Política eram “eter-nos inimigos de nossa pátria”. Daí encontramos fichados pelo DEOPS, além dos anarquistas,comunistas e socialistas, também os partidários do protestantismo, do espiritismo e da ma-
çonaria, além dos Testemunhas de Jeová.Editora Humanitaswww.fflch.usp.br
27INFORME Número 40 – março/2008
REGIONALISMOS, DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO
GILDO MARÇAL BRANDÃO, MARCOS COSTA LIMA E ROSSANA ROCHA REIS (ORGS.)
Os artigos contidos neste livro são o produto de um seminário ocorrido em novembro de
2006, na Universidade Federal de Pernambuco, numa parceria entre os departamentos de
Ciência Política da USP e da UFPE em torno de uma mesma questão: a investigação sobre os
processos (nacionais e internacionais) de democratização e do desenvolvimento, seja do pon-
to de vista teórico, seja na perspectiva da construção das instituições, com vistas ao enrique-
cimento do debate político brasileiro, ainda polarizado em torno do dilema “crescimento
versus estabilidade”Editora Humanitaswww.fflch.usp.br
A IGREJA COMO REFÚGIO E A BÍBLIA COMO ESCONDERIJO: RELIGIÃO E VIOLÊNCIA NA PRISÃO
CAMILA CALDEIRA NUNES DIAS
A partir do referencial teórico do interacionismo simbólico, a autora procura compreender olugar, o papel e a posição dos presos evangélicos dentro da prisão e também como são esta-belecidas as relações entre presos religiosos e a massa carcerária. O foco da análise se dátanto nos discursos e nas relações exclusivas do grupo religioso quanto no âmbito externo aogrupo, focalizando as relações sociais estabelecidas entre presos evangélicos e massacarcerária. Emergem, a partir daí, as ambigüidades, as tensões e os conflitos entre estes doisgrupos que conferem outros significados para a prática religiosa, traduzidos na expressão“esconder-se atrás da Bíblia”, que faz referência aos presos que encontram na conversãoreligiosa uma opção de sobrevivência física, ainda que esta signifique um elemento a mais
nos processos de destruição da identidade, característicos das instituições totais.
Editora Humanitas
www.fflch.usp.br
Quase todos os textos do livro “Gilda, a paixão pela forma” foram apresentadas no seminá-rio sobre Gilda de Mello e Souza (1919-2005), realizado em agosto de 2006 na Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na qual Gilda se destacoucomo uma das figuras mais marcantes de seu tempo.
Tendo iniciado a formação intelectual sob a orientação de Mário de Andrade, primo-irmãode seu pai, começou a cursar Filosofia em 1937, na recém-fundada Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras, onde se formou em 1939, tendo sido aluna de Claude Lévi-Strauss, RogerBastide e Jean Maugüé.
Integrou uma geração de mulheres talentosas que iria marcar o timbre da inteligência bra-sileira e, diversamente de muitas colegas que desistiram da profissionalização acadêmica, vista como alter-nativa ao confinamento doméstico, Gilda fez caminho próprio. Traçou um itinerário pessoal combinandoharmoniosamente vida familiar e carreira intectual e, como algumas outras contemporâneas de valor, contri-buiu para a constituição de um modelo de excelência, diferente do modelo masculino.
Em 1941, participou da fundação da revista Clima, marco da vida intelectual brasileira, com os amigosAntonio Candido – com quem se casaria em 1943 –, Paulo Emilio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado,Ruy Coelho, Lourival Gomes Machado e Alfredo Mesquita, entre outros.
De 1943 a 1954, foi assistente de Roger Bastide na cadeira de Sociologia e, a partir de 1955, tornou-seprofessora de Estética no Departamento de Filosofia, cuja direção viria a assumir nos anos difíceis da dita-dura militar. Nesse departamento fundou, em 1970, a revista Discurso, até hoje uma referência nos estudosfilosóficos brasileiros. Aposentando-se em 1972, recebeu, em 1999, o título de professora emérita da USP.
Na tese de doutoramento, A moda no século XIX, Gilda adotou uma sociologia sensível às figuraçõessimbólicas das práticas sociais, dispensando o recurso à voga acadêmica, no seu setor. Defendida em 1950,é considerada, hoje, uma obra-prima da incipiente sociologia brasileira e, apesar de publicada na Revista doMuseu Paulista no ano da defesa, a tese amargou trinta e sete anos no limbo das obras esquisitas, circulando
GILDA, A PAIXÃO PELA FORMA
28 Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP
INFORME
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências HumanasServiço de Comunicação Social – SCS
Prédio da Administração – Rua do Lago, 717Cidade Universitária – CEP 05508-900Telfax: 3091-4612 – Fone: 3091-4938 e 3091 -1513
Informativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - nº 40 - março de 2008
apenas entre os poucos iniciados que a admiravam. O reconhecimento tardio foi impulsionado pela ediçãode 1987 feita pela Editora Companhia das Letras, com o título O espírito das roupas: A moda no século XIX.
Os ensaios que compõem “Gilda, a paixão pela forma” concentram um conjunto excepcional de colabo-radores e se empenham em realçar a importância, a abrangência e a originalidade do pensamento crítico deGilda de Mello e Souza, lembrando que ela contribuiu decisivamente para a formação de várias gerações deintelectuais que hoje ocupam lugares destacados na vida cultural brasileira.
O fascínio exercido pelo estilo “ensaístico”, que destoava do “rigor” e do “cientificismo” dominantes nosanos de 1950 e 1960, jamais será esquecido por quem freqüentava a aulas de estética de Gilda. Há quem lembre,ainda, que tão importante quanto acompanhar suas aulas era freqüentar sua sala, na faculdade, para comentar comela um filme recém lançado, um livro ou as dificuldades de um trabalho em curso. Nesses contatos, ela tanto podiaexpor com paixão opiniões sobre os teóricos da arte que admirava quanto administrar o antagonismo juvenilentre alunos marxistas e nietzschianos. Sua prosa cuidada flui com elegância dos livros O tupi e o alaúde (1979),Exercícios de leitura (1980), A idéia e o figurado (2005), e O espírito das roupas (1987).
As sessões do seminário e, agora, o livro “Gilda, a paixão pela forma”, foram concebidos com o intuitode dar a palavra a intelectuais que já haviam tratado de algum aspecto da obra de Gilda de Mello e Souza.Em ambas as inciativas estão examinados moda, artes e literatura, no eixo “análise da cultura”; artes plásti-cas, cinema e literatura, no eixo “crítica de arte” – e ainda a notável e corajosa contribuição institucional deGilda ao Departamento de Filosofia.
Finalmente, dada sua relevância no panorama da cultura brasileira, os nomes aqui reunidos atestam, porsi só, a dimensão do legado intelectual de Gilda de Mello e Souza:
Sergio Miceli
Franklin de Mattos
Bento Prado Júnior
Marilena Chaui
Walnice Nogueira Galvão
Otília B. Fiori Arantes
Paulo Eduardo Arantes
Heloisa Pontes
Joaquim Alves de Aguiar
Vilma Arêas
Ismail Xavier
Eduardo Escorel
Roberto Schwarz
Davi Arrigucci Jr.
Modesto Carone
Nelson Aguilar
Jose Miguel Wisnik
Laura de Mello e Souza
Gilda de Mello e Souza por volta de 1943acervo Ouro sobre Azul
Gilda de Mello e Souza emmeados da década de 1990
Guilherme Maranhão