inovação em mão dupla

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Movimentação dos centros multinacionais de P&D a ~. '.#1,.':' ,;_ Astrônomos procuram um novo Sol Institutos nacionais sob avaliação As fotos racistas de um zoólogo

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Pesquisa FAPESP - Ed. 175

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Movimentação dos centrosmultinacionais de P&D•

a

~.'.#1,.':' ,;_

Astrônomosprocuramum novo Sol

Institutos• •nacionais

sob avaliação

As fotosracistas deum zoólogo

Mais saúde, mais qualidadede vida, mais alegria.É, realmente merece um prêmio .

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" PRÊMIO PEMBERTON ,-por uma vida mais saudável

A Coco-Colo Brosillonça a 2" edição do Prêmio Pemberton, que busca estimular pesquisas @1.~.~L~$

brasileiras na área de saúde. Se você trabalha com Medicina, Ciências Biomédicas, 1/~Nutrição ou Educação Física,faça com que a sua pesquisa seja transformada em hábitos

saudáveis na vida de milhares de pessoas. Você ainda pode ser premiado por isso. VIVA e POSITIVAMENTE

Para informações, regulamento e premiações, acesse:www.premiopemberton.com.br

IMAGEM DO MÊS

Queimadado bemAlgumas consequências dos incêndios florestais ainda são pouco conhecidas.Não se sabe exatamente quanto de CO2 é liberado com a queima, como a matanativa resiste e depois se recompõe e quais as alterações que ocorrem nomicroclima de uma floresta queimada. Para responder a essas questões,pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) emparceria com o norte-americano Centro de Pesquisa Woods Hole (WHRC, nasigla em inglês) realizaram em agosto uma queimada controlada no nordestede Mato Grosso. "Queremos entender qual a intensidade e a frequênciade incêndios que poderiam causar transformações severas em florestasda Amazônia e utilizar essas informações para gerar cenários futuros paraflorestas da região", diz Paulo Brando, do Ipam. O experimento foi provocadoem 150 hectares de uma floresta de transição entre o Cerrado e a mataamazônica. Parte da área foi mantida intocada, um terço vem sendo queimadoanualmente desde 2004 (ver Pesquisa FAPESP nO 103) e outro teve queimadascontroladas a cada três anos. Agora, até 2013 os pesquisadores acompanharãoa recuperação da floresta. Nas fotos, a maior mostra o início do fogoexperimental e a menor o funcionário do Ipam incendiando a borda da floresta.

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 3

l75 SETEMBRO 2010

SEÇÕES

3 IMAGEM DO MÊS

CARTAS

7 CARTA DA EDITORA

8 MEMÓRIA

24 ESTRATÉGIAS

46 LABORATÓRIO

68 SCIELO NOTíCIAS

LINHA DE PRODUÇÃO

94 RESENHA

95 LIVROS

96 FiCÇÃO

98 CLASSIFICADOS

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

CAPA16 Empresas

multinacionaisinstalam centrosde P&D noBrasil paraganhar mercado

ENTREVISTA10 Para a romancista

Nélida Pifíon,a imaginaçãoimpulsiona ahistória humana

CAPA ILUSTRAÇÃO DANILO ZAMBONI

POLíTICA C1E1YIíFlCA E TECNOLÓGlCA

30 AVALIAÇÃOSimpósio vai analisaros primeiros resultadosdos 122 lhstltutosNacionais de Ciênciae Tecnologia

42 MUDANÇASCLIMÁTICASLivro mostra comoum trio de físicos sededicou a combatera ideia do aquecimentoglobal nos EUA

36 INTERNACIONALlZAÇÃOGrupo do Institutode Física da Unicampse destaca por atrairpesquisadoresde outros países

40 FAPESP lança mãode um conjunto deiniciativas para tornara pesquisa paulista maiscompetitiva no exterior

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50 ASTROFíSICAEquipes brasileirasidentificam estrelassemelhantes ao Sol

54 FíSICATécnica simples medepropriedade de feixeluminoso útil para acomputação quântica

56 MEDICINAEspecialistas rastreiamno país síndromegenética quepode causarsucessivos cânceres

61 Infecções e consumode carne vermelhapodem facilitar osurgimento de tumores

62 PARASITOLOGIAEquipe da Unicampderruba a ideia de queexiste uma formabranda da malária

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LECNO~O~G,",-,-IL...LA _ /:LUMAN1I2A DES-'---_

64 NUTRIGENÔMICAConsórciosinternacionais dãocorpo a pesquisassobre a relação entregenes e nutrição

66Z00LOGIALivro reúne estudosde Paulo Vanzolini,autor da teoriados refúgios

74 ENGENHARIAFLORESTALDe crescimento rápido,o bambu ganha novasformas e usos no Brasil

80HISTÓRIAExposição e livrotrazem à luz fotospolêmicas feitaspor Louis Agassiz,rival de Darwin

78 ENGENHARIAQUíMICAComo são os novosplásticos que têm maiorresistência ao impactoe menor combustão

86CINEMAEstudo mostra a longaligação entre a sétimaarte e o Estado no Brasil

79 HOMENAGEMAlberto Pereira deCastro, conhecedordo desenvolvimentotecnológico, foiimportante para o IPT

90 ECONOMIAGoverno eletrônicocresce no país,mas estudoaponta carências

rUNDAçÃ.O DE AMPAROÀ PESQUISADO ESTADODE SÃ.OPAULO

CELSO LAFERPRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO lAFER PIVA,HERMAN JACOBUS CORNELlS VOORWALD, MARIA JOSÉ SOARES MENDESGIANNINI, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE,LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEOI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO,VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-AOMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIDUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTfFlCO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENT{nCO),CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYLON GONÇALVES DA SILVA,FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAOUIM J. DE CAMARGOENGLER, JOÃO FURTADO, JOSÉ ROBERTO PARRA, uns AUGUSTOBARBOSA CORTH, LUfs FERNANDES lOPEZ. MARIE'ANNE VAN SlUYS,MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERD, RICARDO RENZOBRENTANI, SÉRGIO OUEIROZ, WAGNER 00 AMARAl, WALTER COlll

DIRETORA DE REDAÇÃOMARllUCE MOURA

EDITOR CHEFENElDSON MARCOLlN

EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES),FABRfcIO MARQUES (POL{T/CA),MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA).RICARDO ZORZETTO (C/tNCIA)

EDITORES ESPECIAISCARlOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA ([D/çÃO QN-L/N[)

EDITORAS ASSISTENTESOINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃOMÁRClO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO

EDITORA DE ARTELAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇAO)

ARTEMARIA CECILIA FElU E JÚLlA CHEREM RODRIGUES

FOTÓGRAFOEDUARDO CESAR

WEBMASTERSOlON MACEDONIA SOARES

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATlAS

COLABORADORESANA LIMA, ANDRÉ CATOTO. ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS),OANIElLE MACIEL, OANllO ZAMBONI, GABRIEL BITAR, GUILHERMELEPCA. FRANCISCO BICUOO. JOSE LIA AGUIAR, LAURABEATRIZ.LEO RAMOS, LUIZ RUFFATO, NANA LAHOZ. NELSON PROVAZI.SALVADOR NOGUEIRA, UVA COSTRIUBA E YURI VASCONCELOS

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEMNECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIALDE TEXTOS E FOTOS SEM PRtVIA AUTORIZAÇÃO

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PESQUISA FAPESPRUA JOAQUIM ANTUNES, NO727 - 100 ANDAR, CEP 05415-012PINHEIROS - SÃO PAULO - SP

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SECRETARIA DO ENSINO SUPERIORGOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

J;;sFSC

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LNSTlTUTOVERIFLCAOORDEClRCULAÇlo

6 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

EMPRESA QUE APOIA A CIÊNCIA BRASILEIRA

BiOLABFARMACÊUTICA

[email protected]

Divulgação

A reportagem sobre a expansão dadivulgação científica no Brasil é esti-mulante (''A ciência compreendida",edição 174). Chamo a atenção parauma experiência editorial especial-mente ousada. No início do milênio,Stylianos Tsirakis, brasileiro donoda Odysseus Editora, lançou a sérieImortais da ciência. Coordenada porMarcelo Gleiser,cada volume é dedi-cado a um grande cientista, às vezesdois - Watson e Crick, Schrõdingere Heisenberg são duplas naturais.Com uma única exceção, todos ostextos são redigidos por autoresbrasileiros.

CARLOS TOMEI

Departamento de Matemática, PUC-RioRio de Janeiro, RJ

Ácidos graxos

Quero parabenizar Carlos Fiora-vanti e demais integrantes da revis-ta Pesquisa FAPESPpela reportagem"Insulina e glicose bem reguladas"(edição 173).Além do texto, a apre-sentação ficou benfeita.

RUI CURI

ICB/USPSão Paulo, SP

Minilaboratórios

Parabéns pela reportagem "Labora-tório de papel", de Pesquisa FAPESP(edição 174). Os minilaboratóriosde análises clínicas são práticos ebaratos, ideais para zonas de pobre-za por possibilitarem uma maiorrapidez no diagnóstico. Tambémgostei de saber que o professorGeorges Whitesides continua pes-quisando o assunto. Assim, o acessoà tecnologia nos lugares mais dis-tantes será mais fácil.

TERESA DALTRO

Instituto de Pesquisas Energéticase Nucleares (Ipen)São Paulo, SP

Correção

Na reportagem ''A contribuição deSão Paulo" (edição 171), onde se lê"O número de cientistas por milhabitantes em São Paulo é cerca del.100 ...'', leia-se "O número de cien-tistas por milhão de habitantes emSão Paulo é cerca de l.100 ...''.

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-mai! [email protected] ou para a rua JoaquimAntunes. 727 - 10° andar - CEP 05415·012 - Pinheiros -São Paulo. SP. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 7

A paixão pela palavra

Mariluce Moura - Diretora de Redação

carta da editora

A o longo da semana de fechamento da revista, enquanto leio todos os textos que logo serão publicados, tarefa intrínseca à minha função,

observo também se algum deles me toca de uma forma especial, para além de sua intensidade infor-mativa – de seu peso jornalístico/científico, digamos. E, sem prejuízo das três ou quatro reportagens que necessariamente recomendo neste espaço por sua importância no conjunto da edição, pinço às vezes justo aquele texto que entre outras coisas me pro-vocou alguma ideia nova e muito estimulante ou alguma particular sensação de prazer estético para, de cara, partilhar com o leitor as possibilidades de fruição que ali encontrei. Desta vez, o que se impôs com força à minha sensibilidade (ainda que não só a ela) foi a bela entrevista pingue-pongue da escritora Nélida Piñon concedida ao editor de humanidades, Carlos Haag. Devo dizer que concordo inteiramente com ele, quando puxou para a abertura da entrevis-ta essa declaração: “Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram. Por isso fui uma leitora das grandes histórias – com ‘H’ – desde pequena”. Ou esta outra: “O escritor não deve apenas criar, mas deve tam-bém emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo num país como o Brasil”. Confesso, entretanto, que para mim teria sido muito difícil escolher entre tantas afirmações primorosas e poderosas da romancista ao longo da conversa o que destacar de saída. Veja-se, por exemplo, algo que diz comentando os vários e excepcionais riscos que o ato de escrever envolve: o último deles “é quando você (...) não tratou seu texto com deferência até o final (...) e por preguiça ou por ambição ou pressa em ser aplaudida publicou cedo, antes do tempo, porque aquele livro requeria mais tempo, precisava vir a ob-ter um outro rosto, o rosto final que lhe cabia”. Não devo me estender mais e deixo aqui o convite para uma calma leitura, a partir da página 10, do que é, em síntese, uma longa e despudorada declaração da paixão de Nélida Piñon pela palavra e pela escrita.

É tempo de saltar para o chão bem mais duro e prosaico da economia e da inovação tecnológica,

mas perpassado ele também por desafios e questões instigantes. Assim, a reportagem de capa desta edição aborda os atuais efeitos no Brasil do movimento mundial de internacionalização das atividades de pesquisa e desenvolvimento de empresas multina-cionais. Conforme relato do editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, a partir da página 16, tudo in-dica que esse movimento registrado desde meados da década de 1990, vigorosamente continuado ao longo dos anos 2000 e direcionado originalmente para a China, Índia e Leste Europeu, começa a ganhar espaço também em nosso país, em parte graças a seu crescente mercado interno e boas perspectivas econômicas. Como uma espécie de contraparte nessa dinâmica, emerge um movimento inverso, ou seja, a implantação de centros de P&D de empresas brasi-leiras no exterior, de acordo com relato do jornalista Yuri Vasconcelos (página 21).

Entre as reportagens de ciência, quero destacar aquela que enfoca, a partir da página 50, a partici-pação de cientistas brasileiros no trabalho de busca e identificação de estrelas semelhantes a nosso Sol, nas vizinhanças da Via Láctea ou nem tanto. O autor do texto é nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto.

Na área de política científica e tecnológica quero recomendar a primeira de uma série de reportagens elaborada pelo editor Fabrício Marques sobre a traje-tória de grupos que refletem a saudável internaciona-lização da pesquisa científica no estado de São Paulo (página 36), apoiada por uma série de iniciativas que vêm sendo implementadas de forma decisiva pela FAPESP desde o ano passado.

Para concluir, chamo a atenção para o texto de abertura da seção de humanidades, motivada pela exposição Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje, na 29ª Bienal de Arte em São Paulo. A reportagem elaborada por Carlos Haag (página 80) desnuda as experiências – racistas e repulsivas – feitas com escravos negros no Brasil por Agassiz, rival de Darwin, segundo o qual o colega “coletava dados para provar uma teoria em vez de observar esses dados para desenvolver uma teoria”. Aqui entramos no reino das paixões tristes.

Há 128 anos, grupos de índios eram expostos na Exposição antropológica brasileira

Neldson Marcolin

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O dia 29 de julho de 1882 prometia ser diferente na cidade do Rio de Janeiro. O feriado e os fogos de artifício anunciavam o aniversário de 36 anos da princesa Isabel e convidavam para um evento raro na cidade. Naquele dia o Museu Nacional abriu a Exposição antropológica brasileira com a presença das principais personalidades

da sociedade carioca e de toda a Corte. Além da princesa, o imperador dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina visitaram a exposição, amplamente coberta pela imprensa. Também participaram da cerimônia de inauguração alguns índios Botocudo – de Goiás e do Espírito Santo – e Xerente – de Minas Gerais. A diferença é que os indígenas foram trazidos para serem expostos, e não para visitá-la.

Selvagens no museu

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 9

Ao lado, objetos de rituais usados pelos índios Mahué

O evento de 1882 foi um dos acontecimentos científicos mais importantes do final do século XIX no Brasil. Mostras semelhantes às do Rio estavam em voga em outros países da América Latina, Europa e nos Estados Unidos. O desejo de popularizar a ciência, as polêmicas sobre a teoria da evolução proposta por Charles Darwin, o anseio de conhecer o passado do Brasil e o fascínio provocado pelos índios motivaram o diretor do Museu Nacional, Ladislau Netto, a organizar a exposição. As coleções foram dispostas em oito salas que ganharam nomes em homenagem a figuras da história e da ciência: Vaz de Caminha, Léry, Rodrigues Ferreira, Hartt, Lund, Martius, Gabriel Soares e Anchieta. Todos escreveram relatos que ajudavam a tornar conhecido o Brasil de períodos anteriores, desde a descoberta da nova terra no século XVI. As oito salas mostravam peças arqueológicas descobertas no país, como restos humanos fossilizados, conchas de sambaquis e objetos indígenas de etnias diferentes. Também foi editada a Revista da Exposição Anthropologica Brazileira, com artigos que tentavam dar um significado científico ao conjunto apresentado no museu.

Os “selvagens”, como eram chamados, faziam parte da exposição em grupos vivos, compondo um cenário que simulava seu cotidiano. Os artigos

memória

da revista, dirigida por Mello Moraes Filho e escritos por especialistas brasileiros, sempre se referiam aos indígenas como representantes dos mais primitivos estágios da evolução humana em contraposição aos evoluídos homens brancos caucasianos. O evento era uma oportunidade para observá-los como se fossem fósseis vivos, na argumentação tão científica quanto possível para aquele período. As medidas dos índios, sua forma muscular, o formato do crânio, os hábitos sociais e morais foram analisados e comparados com mestiços e brancos. “Era uma antropologia física, completamente diferente da antropologia do século XX”, diz o biólogo Charbel Niño El-Hani, coordenador do Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Bahia, que estudou o tema. “Havia um olhar sobre os indígenas diferente do que viria a ter Claude Lévi-Strauss várias décadas depois.”

A ideia do índio como fóssil vivo era considerada útil para estudar o passado do homem no Brasil e não causava a mesma repulsa provocada hoje, avalia a historiadora Márcia Ferraz, do Centro Simão Mathias de Estudos de História da Ciência

Ilustração de índio Tembé. Na

outra página, capa da revista

com desenho de índia Botocudo

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Cesima/PUC-SP). “Aquela era a forma como se fazia ciência em todo o mundo, não só no Brasil”, explica Márcia. Os critérios científicos utilizados eram os da história natural, e não aqueles que as ciências sociais viriam a usar mais tarde.

A exposição ficou em cartaz durante três meses e foi considerada bem-sucedida por ter atraído mais de mil visitantes e causado alguma repercussão internacional. “Quem a visitou, no entanto, foi apenas a pequena elite do Rio daquele tempo, que era alfabetizada e interessada pelas novidades científicas”, conclui El-Hani.

10 n nonononono DE 2010 n PESQUISA FAPESP 1XX

PESQUISA FAPESP 175 n sEtEmbro DE 2010 n 11

Nélida Piñon

Um coração andarilho

Até no nome a escritora Nélida Piñon é inven-ção e imaginação: seu nome é um anagrama de Daniel, seu avô, imigrante galego que, como ela diz, “se aventurou cedo a cruzar o Atlântico, obedecendo ao gosto da aventura e à necessida-de de instalar-se numa terra que lhe ofertasse horizontes mais amplos”. De quebra, Nélida

ainda ganhou do ancestral uma comichão constante que a leva viajar sempre, seja nas letras, seja literalmente. “Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram”, conta.

Quando criança, ganhou dos pais dois presentes: uma conta na floricultura de Vila Isabel, onde passou a infância, para que pudesse presentear os amigos; e outra na livraria do bairro. Usou as duas sem parcimônia e, em 1961, estreou na literatura com Guia – Mapa de Gabriel Arcanjo, onde, afirma, venceu a luta que teve, desde menina, contra a sintaxe bem-comportada. Es-tudou jornalismo, foi professora, mas a literatura se transformou em sua vida, ou vice-versa. “O escritor não deve apenas criar, mas deve também emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo num país como o Brasil.”

Ficou conhecida como defensora dos direitos huma-nos durante a ditadura militar e também, mais tarde, dos direitos das mulheres. Foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, em 1989, em pleno cen-tenário da instituição. Ganhou vários prêmios, como Juan Rulfo (1995), o Menéndez Pelayo (2003), o Príncipe de Astúrias (2005) e o Jabuti (2005). Entre seus livros, destacam-se A república dos sonhos (1984), A doce canção de Caetana (1987), Vozes do deserto (2005), O aprendiz de Homero (2008) e Coração andarilho (2009). Está es-crevendo um novo livro, mas prefere não falar sobre isso. Tudo bem, pois na entrevista que se segue ela tem muito que contar sobre literatura, criação e vida.

Carlos Haag

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entrevista

Para a romancista, a imaginação impulsiona a história humana

12 n sEtEmbro DE 2010 n PESQUISA FAPESP 175

cação poética. Eu me lembro quando voltei dos meus dois anos na Europa, com meus 10 anos. Meu tio Manolo e sua família moravam na Bahia e meus pais me mandaram passar umas fé-rias lá. Adorei, e pedi ao meu primo, éramos da mesma idade: “Serafim, me leva na zona, quero muito conhecer a zona”. Imagina, uma menina de famí-lia! Ele ficou horrorizado. Mas de tanto eu pedir nós visitamos a zona. Achei uma maravilha, com aquelas ladeiras, aquelas mulheres na porta. Cheguei ao Rio de Janeiro e resolvi fazer um con-to, uma história de um personagem masculino que se apaixona por uma prostituta, vai atrás dela para declarar o amor, solicitar retribuição amorosa e ela não gosta, ela foge. Daí eu escrevo que ele está subindo “a ladeira íngre-me”. Foi um horror. O que me chocou não foi a redundância, mas eu pensei: “Não vou passar minha vida escre-vendo ‘ladeira íngreme’, isso eu não quero, é tão convencional, tão óbvio”. Enfim, foi um afã poético de minha parte buscar zonas misteriosas, zonas relativamente obscuras que a lingua-gem tem que ter, porque senão é uma tradução literal da linguagem. O efeito foi tão devastador na minha pessoa que deixei de escrever contos. É como se eu tivesse considerado a narrativa óbvia e eu corria o risco de repetir o que se fazia. Resolvi fazer exercícios poéticos durante uns quatro anos. Eu me sentava e escrevia desobedecendo qualquer plano, qualquer projeto. Era como se eu fosse uma comporta: a re-presa liberava, e as águas vinham com ímpeto, o que me ocorresse. Foram exercícios maravilhosos e por isso te-nho uma audácia metafórica, porque me habituei a dizer o que eu quisesse, sem temor, sem medir consequências e sem exigir benefícios, coisa que faço até hoje. Não tenho o menor medo do leitor, o leitor não me interessa, o que interessa é a literatura, e a literatura é o leitor. Meu processo de criação nasce de toda uma relação profunda que es-tabeleço com a vida e a vida para mim já é literatura também. Vou dizer que não tenho compartimentos estanques, está tudo associado, uma coisa asso-ciada à outra. Estou com você e sou a Nélida, mas a Nélida escritora, nunca sou a Nélida sozinha. Sou escritora 24 horas por dia.

Como a literatura entrou em sua vida?■nEntrou através de um fio muito tê- —

nue, que talvez tenha sido o primeiro fio narrativo da minha vida, minha própria história. Percebi que os livros, as páginas que eu lia, qualquer coisa que eu sorvesse em termos de papel, me traziam uma emoção extraordi-nária. Estava convencida de que não havia um ficcionista atrás daquelas histórias, mas alguém que vivera aquelas histórias, era como se fosse um diário, uma memória, e o narrador tivesse contando aquilo que ele vivera. Os escritores eram aventureiros. De modo que pensei: quero ser aventu-reira, quero ter as mesmas emoções que eles tiveram. O que me atraiu na literatura inicialmente foi o espírito das peripécias – palavra que ninguém mais usa, como se o ser humano não fosse destinado às grandes peripécias, daí a vida inerme, muito passiva que temos hoje vendo televisão, vendo as imagens que traduzem a nossa reali-dade, pois nós já não forjamos a nossa realidade. Eu queria ser aventureira, vivia todos os personagens e pensei: “Vou ser escritora”. Falei para meus pais: “Eu adoraria” – observe o espíri-to da narrativa – “jamais dormir uma segunda noite sob o mesmo teto”. Eu queria peregrinar, ser itinerante, anda-rilha. Sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram. Por isso fui uma leitora das grandes histó-rias – com “H” – desde pequena.

A senhora afirmou que “se vive e se ■nescreve sem rede de segurança”.

Acredito nisso. É um risco imen- —so. Acho até que muitas das minhas audácias pessoais, existenciais, eram bem-educadas aparentemente, mas acho que muito delas e do ato de es-crever, tudo isso veio de eu saber que escrever é um risco excepcional. De re-pente, usando uma frase bem popular, você cai na boca do povo. Cai, porque tudo o que você escreve, mesmo que esteja ficcionalizando, ganha uma le-gitimidade atribuída a você. Você é a matriz de tudo, então tudo sai de você; o pensamento é seu, podem atribuir algum traço biográfico e, além do mais, o fracasso estético, que também é um risco. Outra coisa que também é um risco excepcional é quando você se dá

conta de que errou na feitura do tex-to, escolheu o caminho equivocado, o tempo errado, a linguagem inadequada, ficou nervosa, não tratou seu texto com deferência até o final, deveria ter lhe dado mais algumas versões e por pre-guiça ou por ambição ou pressa em ser aplaudida publicou cedo, antes do tem-po, porque aquele livro requeria mais tempo, precisava vir a obter um outro rosto, o rosto final que lhe cabia.

Como é a busca pelo rosto da frase?■nTenho paixão pela palavra e também —

a suspeita de que a palavra me inspira; como ela é insidiosa, traiçoeira, ela in-duz você ao erro, à vaidade; você está crente que está dominando a frase, a palavra, a semântica, a sintaxe, que seja, e, de repente, sai tudo arrumadinho, mas uma bobagem, não tem a menor transcendência. O seu texto tem que ter uma transcendência, não cósmica, mas uma transcendência da sua vo-

sempre quis ser uma peregrina andando pelo mundo; as geografias para mim nunca me assustaram.Por isso fui uma leitora das grandes histórias – com “H” – desde pequena

PESQUISA FAPESP 175 n sEtEmbro DE 2010 n 13

A senhora morou em Vila Isabel e ■npassou dois anos numa aldeia da Galí-cia: como foram suas experiências com a cultura popular?

Gostei que você tivesse dito isso, —porque nunca ninguém falou dessa forma tão nítida. Você percebe que nos meus livros eu sempre homenageio o contador popular, sempre dou espaço à história dos vencidos. Isso já é uma coisa entranhada em mim desde pe-quena. Até hoje as pessoas com quem adoro conversar são os que trabalham comigo. Os porteiros me contam coisas impressionantes, não tanto no sentido episódico, mas me deixam ver a riqueza da vida de cada qual, desde que você tenha coragem de se debruçar sobre a vida do outro. Essa cultura popular, essa cultura talvez mais medieval, é minha grande paixão; tenho a sensação de que estou nas feiras medievais, adoro ir ao mercado. Sinto que minha imaginação é febricitante. Mas é uma imaginação também culta; vou incorporando a ela tudo o que eu sei e que o pensamento me ensejou. Realmente essa cultura popular está presente quase assim, na medida das grandes feiras medievais. Ainda acredito que somos filhos do medievo em muitos aspectos e talvez seja o nosso lado mais encantador, mais brutal, como comer com as mãos, ou seja, tudo o que nos torna imortais.

É por isso que a senhora descreve a ■nliteratura como “geologia, trabalho sobre entranhas”?

Em algum lugar houve a primeira —camada, a primeira poeira da qual vie-ram outras poeiras que foram se jun-tando, formando uma pedrinha, e assim foi o mundo surgindo. E as camadas se acomodam aparentemente, porque elas têm a paixão dentro delas, porque as camadas, de repente, podem originar vulcão, terremoto, tsunami. Como es-critora eu lido com palavras e essas têm uma origem espúria. Felizmente não sofreram expurgo, vieram de tempos remotos, foram obedecendo a uma ne-cessidade que cobrava a sua existência; cada palavra foi se acomodando à outra para prestar serviço, para que se pedisse o que cada qual carecia. A literatura tem esse lado de geologia porque é capaz de pôr em prática ou de traduzir o possível mistério humano que está no fundo das pedras, das montanhas, dos primeiros

alvoroços da humanidade. Você pode imaginar o que terá sido o ser humano em meio ao caos – e por isso mesmo ele teve que inventar deuses para que eles pudessem lhe dizer do que se trata tudo isso. A literatura não está isenta dessa genealogia, desse nascimento que veio de longe e as pessoas em nome de uma falsa modernidade querem se despojar disso. Nós temos maravilhas tenebrosas dentro de nós – eu digo, o escritor – e então temos que ouvir as vozes vencidas do passado. Para meu juízo não tem sociologia, não tem his-tória, não tem mundo documental, não tem nada que explique o intraduzível que somos nós. Acho o ser humano de uma complexidade excepcional, por is-so me insurjo quando as pessoas dizem que é uma “literatura de elite”. É uma tolice tão grande e que exprime uma má-fé quando dizem que um escritor é de elite, porque a literatura não é de elite, ela é um espelho da complexidade humana – e eu não conheço gente mais complexa do que nós.

Escrever, então, é um ato de rebelião?■nSim, porque você não é mimético, —

não copia o que você vê; o que você vê aparentemente é uma superfície que se alarga, com volumes e formas, mas você sabe que tudo isso é mentira, tu-

do isso é uma fraude. Atrás da forma, do volume, há um universo humano. O simples fato de você contrariar os ditames públicos, institucionalizados e canônicos já está propondo uma postura contrária, insubordinada e de rebelião. Não é uma rebelião das massas. Acho que as histórias que são contadas e que não são aprovadas no cotidiano dão prova de que há em pau-ta na coletividade humana uma imensa rebelião controlada pelas convenções sociais. Só que o escritor ignora as con-venções sociais e conta a história nas suas cruezas, com a carnadura exposta. É inevitável, pois o que você conta não é o que está se vendo; só aí já é uma postura contrária, insubordinada. Se a literatura fosse mimética, não haveria rebelião, você só daria para o leitor o que é visível, ou seja, o que está alheio às profundezas humanas. Mil frases que governam o pensamento ocidental perderiam a razão de ser.

Qual é o papel de um escritor numa ■nsociedade?

O que me preocupa mais é por que —é que ele escreve. Que extravagância é essa, por que ele decide ser um cria-dor? Isso a mim impressiona mais até. A sociedade até hoje não se desvinculou do ofício de narrar, todos nós estamos

14 n sEtEmbro DE 2010 n PESQUISA FAPESP 175

sempre narrando. Somos todos prisio-neiros da intriga, da urdidura humana. Então, não é tanto que o escritor revele o que ele está contando, o que ocorre é que os grandes sentimentos, as grandes perplexidades humanas estão na litera-tura e não em outro lugar. Estão nesse universo sombrio e luminoso e, ao mes-mo tempo, secreto, enigmático. Essa é a visão poética traduzida da realidade. A sociedade, se tem a coragem de se ver, se quer botar as mãos nas suas funduras, tem que ler os grandes textos. A litera-tura é quem vai lhe dar uma pálida ou portentosa resposta. Agora, se a barbá-rie predominar, se os seres humanos se satisfizerem com frases curtinhas, que podem ser repetidas em massa, aí é o fim de uma civilização. Penso que quanto mais você ler, enveredar pelas grandes criações, mais terá chance de se prevenir de regimes fortes.

Já houve uma literatura de preocupa-■nção social. Para onde ela foi?

Pergunta muito boa. Uma das coi- —sas que poderíamos já de saída dizer é que mudou o país. O Brasil hoje é um país urbano e então o drama que antes estava no campo e que foi tão bem re-tratado por muitos da geração de 1930 deslocou-se para o mundo urbano. En-tão essas preocupações sociais se dis-solvem hoje na mitologia urbana. Mas não havia utopia: a Baleia, cachorrinha do Graciliano Ramos, não tem utopia nenhuma. Nada era uma utopia, mas uma narrativa localizada na geografia e só persistiu – alguns desses livros per-sistiram porque narravam, contavam os pequenos dramas: solidão huma-na, desespero e, por acaso, mostravam cenas miseráveis. Mas há outras cenas menos ou mais miseráveis que desapa-receram porque não tinham grandeza literária. Porque o que faz predominar e prevalecer uma literatura é o poder estético, a beleza do texto, da lingua-gem, porque contar a história de um fulano que perdeu a filha e come feijão com farinha com a mão infelizmente não diz muito e, no entanto, você pode contar uma história da alta burguesia como O grande Gatsby que vale pelo que está contando e como conta. Tenho a impressão de que o que podemos ver numa literatura é o país de uma pes-soa; uma pessoa é um país, ou o país de uma coletividade, mas mesmo o país

de uma só pessoa é o país de todos. De repente, mesmo um personagem den-tro de um quarto, dependendo do que conta, você pode enxergar aquele país. Ao mesmo tempo, não precisa enxergar um país, a geografia, precisa enxergar o continente humano; um homem é um continente.

Como foi a sua passagem pela presidên-■ncia da Academia Brasileira de Letras?

Acho que me fez um bem imenso —pondo à parte gloriazinhas, repercus-sões imensas na imprensa brasileira e internacional. Digo em relação à mi-nha pessoa. Eu trabalhava oito a 10 horas e não ganhava nada. Eu disse no meu discurso de posse: “Sou bra-sileira recente”. Começava assim e eu explicava o quanto era recente, que eu não podia tanto escrever pelo Brasil, mas ao mesmo tempo vou justifican-do, faço todo um jogo que, pelo fato de ser recente eu tive que buscar ao longo da minha vida a contrafação da identidade brasileira e olhava os brasi-leiros antigos, descobrindo neles o que os distinguia de mim e que isso me deu uma liberdade, uma independência de análise do Brasil que talvez um “qua-trocentão” não pudesse ter, porque

ele estava demais envolvido nessa teia de aranha. Eu não, eu era uma cristã- -nova e não sofri os horrores de ter sido obrigada a abjurar a fé. Não. Eu era uma brasileira recente. Quando me dei conta, após a presidência: “Eu não sou mais brasileira recente”. Enveredei por todos os percursos do Brasil, não há nada desse país que eu não tenha visitado na minha cabeça, inclusive a fonte, esse berço, um dos berços mais importantes da cultura brasileira, do pensamento brasileiro, da língua portuguesa, que é a Academia. Vejo a instituição, a nossa Academia, como uma grande instituição brasileira. A mim impressiona muito como eles conceberam essa casa num Brasil tão pequeno, tão pobre, onde só o impe-rador era ilustrado. Em meio a tudo isso surge esse projeto de uma insti-tuição que deveria imitar a francesa de 400 anos, e acho que é uma beleza como temos sido fiéis às cláusulas pé-treas dessa instituição, de como nós nascemos grandes: Machado e Joa-quim Nabuco, e os outros brasileiros excepcionais que passaram por essa casa como Rio Branco, Euclides, Rui Barbosa – cabeças maravilhosas, tudo “vivinho”, gravitando em torno dessa casinha que era tão pobrezinha, sem ter sede própria. Afirmei num dis-curso: “Nós nascemos pobres, mas com ilusões”.

A imaginação pode conviver com o ■nexcesso atual de informações?

Essas informações também vão pre- —cisar de um pouco de imaginação, mas temo uma imaginação domada. A ima-ginação é uma maneira de você tradu-zir ou alargar as fronteiras do mundo. Ela impulsiona tudo, passa em revista todas as enciclopédias, todo o saber humano, como que vai além do que já foi registrado. Além do mais, é capaz de pegar um pouquinho de fragmento de cada livro humano e misturar, amalga-mar e dessa imaginação saem milagres, elementos feéricos. A imaginação dita o novo, não o novo inaugural porque não acredito nesse, mas o novo como se fosse uma semântica, uma maneira de “semantizar” a língua. Eu vejo as pes-soas tão fascinadas com a tecnologia, como se ela fosse resolver os grandes dramas ontológicos, as urgências cós-micas do ser humano. É uma maravi-

a imaginação é uma maneira de alargar as fronteiras do mundo. ela impulsiona tudo, passa em revista o saber humano

PESQUISA FAPESP 175 n sEtEmbro DE 2010 n 15

lha, não estou dizendo que não, mas não tem nada a ver com humanismo. O que nós vamos fazer com a tecno-logia a serviço do humanismo, essa é a grande questão: de que forma essa tecnologia poderá servir ao homem – um homem melhor, mais generoso, um homem mais crítico, capaz de en-tender todas as passagens do tempo, as elaborações da linguagem, do pen-samento, que não empobreça nada do que foi arregimentado até hoje. O que eu temo é que germine também uma pobreza, a reflexão rápida demais, um traço rápido no ar.

A ciência pode influenciar a criação?■nDiria que sim também, porque a —

imaginação do criador afetou grandes cientistas – Oppenheimer, Fermi etc. Todos os grandes cientistas ao longo da história sempre foram afetados pela imaginação. A imaginação está mui-to associada à intuição e a intuição é muito alimentada pela imaginação. A intuição não é alguma coisa menor, ao contrário. No meu juízo, ela expressa o saber mais avançado, porque acho que todo o saber está defasado, tudo o que você sabe em cinco minutos já está atrasado e você tem que adicionar mais um saber. Mas se você recorre à intui-ção ela dita aquilo que você ainda não sabe ou pensa não saber, ela te atualiza. As pessoas dizem: “Os cientistas desco-briram a pólvora com a intuição”. Não, senhor. A intuição era o saber último que ele tinha e não sabia que tinha. A intuição é um saber que ainda não foi oficializado pelo dono do saber. Ela é o último, uma alavanca excepcional. Sou atentíssima, ela às vezes é quem me dita. Outro dia pensei durante uma viagem: “O que está acontecendo com o Brasil? As pessoas acaso se dão con-ta de que há um hiato profundo entre um Brasil que é escassamente filho de Gutenberg, mas que não se dedicou a Gutenberg, aos livros, nessas décadas todas, séculos, e um Brasil que ago-ra, de repente, tem livros, tem mais escolas, mais universidades, resolveu ser tecnológico, tudo isso, Google; e esse hiato todo no nosso inconsciente?” É um vazio imenso e as pessoas não sabem que temos vazios terríveis na nossa consciência geradora de saber e de pensar. Poucos brasileiros terão conseguido recuperar o que não tive-

res. É como num escritor negro: você vai ver nele até mais do que numa escritora mulher os traços da escravidão que ele sofreu e que não podia aceitar de mo-do algum. São traços de ressentimento, de nostalgia de um passado que elas não tiveram, de uma sensibilidade que domina os mistérios do seu gênero ou de sua origem social. Agora, mulher na literatura houve muitas, mas não tantas como poderia ter havido se ela tivesse tido acesso ao conhecimento. A mulher é um ser absolutamente recente na cul-tura, mas esse fato não significa que ela não interferiu ao longo dos séculos no processo criador, pois foi uma forma-dora de opinião dos escritores, dos ho-mens, que ouviram seus suspiros, seus gritos, seus prazeres. A mulher foi dona dos sentimentos mais vitais da huma-nidade. No meu discurso ao receber o Prêmio Rulfo eu coloco a mulher co-brando a coautoria de Shakespeare, de Cervantes etc. Porque se ela não tivesse suprido esses grandes criadores com as informações que tinha sobre o amor, o nascimento, o sangue que sai entre as pernas, sobre a morte eles não poderiam falar dessas matérias vitais das quais a mulher se ocupava. Então, a mulher es-teve presente nas grandes criações e por isso ela poderia, sim, exigir coautoria.

A senhora pensa na morte?■nA morte física? Você não tem mais —

nada a fazer, você acabou e não pode defender mais os seus despojos, o que você deixa. É como diz a personagem do Tennessee Williams em Um bonde chamado desejo: “Eu sempre dependi da bondade de estranhos”. Pessoal-mente, gostaria que nossos trabalhos estivessem não só nas estantes, mas nas mãos das pessoas e que elas fos-sem descobrindo as filigranas do seu trabalho. A única coisa que você pode fazer é a sua obra. Faça sua obra com convicção, com coragem, sem medo, sem temor, sem compromisso com falsas gloriazinhas, sem se preocupar com os aplausos, porque o mais im-portante é a liberdade de escrever, a que preço seja.

O que diria um miniconto sobre a ■nsua vida?

“Nasceu escritora e morreu acre- —ditando que foi escritora ao longo da vida.” Fim. n

mos, o que deixamos para trás num determinado momento e que quase não chegamos a ter. O Brasil tem va-zios tremendos.

A mulher é uma criadora?■nO que eu sempre critico é quando di- —

zem “literatura feminina”, porque isso é um horror. Eu acho que existe a grande literatura, a boa literatura, e sendo feita por mulher, uma literatura que poderá registrar tonalidades femininas, de uma mulher, como também poderá registrar toques masculinos, fortes, contunden-tes, nessa mesma mulher. Eu acho que as vozes se confundem e pode haver uma voz muito forte num livro de mulher que revele essas percepções femininas. Acho natural que possa parecer que a mulher não é criadora, porque foi dis-criminada ao longo de milênios. Isso você guarda no seu coração, nos intesti-nos, no inconsciente remoto, são traços da sua natureza dominada. Se você for uma escritora forte, tem que ser crítica, irônica, do que nos tocou como mulhe-

InvestImentoemergente

ainternacionalização de centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de grandes empresas começa a ser acelerada e ganhar um espaço maior no Brasil. São amplos laboratórios multinacionais que têm o objetivo de gerar conhecimento e desenvolver tecnologia para produtos inovadores destinados ao mercado

ou a clientes específicos. Exemplos maiores foram os anún-cios neste ano de dois centros de pesquisa e desenvolvimento, um da IBM e outro da General Electric (GE), que vão ser ins-talados no país em locais ainda indeterminados porque são objeto de negociações com parceiros empresariais e governos federal, estaduais e municipais. Pesam na decisão da escolha da cidade ou região a oferta de incentivos fiscais, tanto na isenção de impostos como em financiamentos de agências governamentais, e a existência de profissionais qualificados para exercer a função de pesquisadores dentro das empresas. Os representantes das duas multinacionais não falam em valores, mas notícias veiculadas na imprensa indicam um investimento de US$ 250 milhões da IBM e US$ 120 milhões da GE, totalizando US$ 370 milhões.

Esse movimento mundial de internacionalização de ati-vidades de P&D de empresas multinacionais fora do país de origem acelerou-se fortemente em meados da década de 1990 e nos anos 2000, como mostrou um estudo de 2005 da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês). A busca de novos mercados emergentes primeiro focou a China, a Índia e países do Leste Europeu, e agora se volta para o Brasil, com mercado interno crescente e boas perspectivas econômicas. A empresa Du Pont, também de origem norte-americana, que está no Brasil há 73 anos, inaugurou em 2009 um Centro de Inovação e Tecnologia (CIT) na cidade de Paulínia, no interior paulista, próxima de Campinas. “Nos últimos 10 anos a matriz tem direcionado capital de investimento para construção de centros de pesquisa corporativa em regiões emergentes e o Brasil faz parte desse grupo”, diz Ariana Bot-tura, gerente do CIT da Du Pont. O novo centro, que recebeu

investimentos de R$ 4,5 milhões, tem o objetivo de desenvolver novas soluções, de forma mais rápida, para clientes da empresa detentora de um amplo leque de atividades industriais nas áreas ali-mentícia, biotecnológica, de polímeros, química e de tintas. Atualmente 42 pro-fissionais trabalham diretamente em atividades de P&D no centro.

A importância desses centros para o Brasil está no crescimento do nível da

capa

pESQUISA FApESp 175 n setembro De 2010 n 17

empresas instalam centros de P&D no brasil para ganhar mercado

Marcos de Oliveira | Ilustrações Danilo Zamboni

tecnologia produzida por empresas aqui e na contratação de centenas de pes-quisadores brasileiros, em grande parte com doutorado. “Em ordem crescente de complexidade das atividades tecno-lógicas das empresas multinacionais ins-taladas no Brasil, numa escala de 1 a 5, a grande parte está concentrada nas faixas 3 e 4, poucas na 1 e 2, e raras na 5”, diz o professor Sérgio Robles Reis Queiroz, do Departamento de Política Científica e

Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário adjunto de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimen-to Econômico do Estado de São Paulo. Ele coordenou ao longo de seis anos, de 2004 a 2009, com pesquisadores tanto da Unicamp como da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp), dois estudos sobre as atividades tecnológicas de filiais bra-

sileiras de multinacionais, um projeto financiado pela FAPESP, dentro do Pro-grama de Pesquisa em Políticas Públicas, e outro, na forma de subprojeto, dentro do programa Projetos Estruturantes, para os sistemas estaduais de Ciência e Tecnologia, financiado pela Finan-ciadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e FAPESP.

“Analisamos principalmente o que atrai as subsidiárias a trazer para o Bra-sil investimentos em P&D”, diz Quei-roz. Nos estudos, o grupo do professor desenvolveu um questionário eletrôni-co respondido por 89 empresas e um levantamento por meio de entrevistas com 55 empresas filiais de multinacio-

putação e com doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ele trabalhou nove anos no Centro de Pesquisa Watson, que é o principal cen-tro de pesquisas da IBM nos Estados Unidos. A empresa ainda tem mais dois centros nesse país, além de outros cinco distribuídos entre China, Israel, Índia, Japão e Suíça. Por enquanto, as atividades do centro da IBM no Brasil estão sendo realizadas nas sedes da empresa em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ainda sem especificar quantos pesquisadores serão contratados, Pinhanez diz que o labo-ratório será de grande porte no Brasil e vai se estruturar em pesquisas ligadas ao desenvolvimento de tecnologias e sis-temas para processar informações e dar apoio logístico à área de recursos natu-rais com prioridades na exploração de petróleo e mineração e ao que ele chama de sistemas humanos em áreas de apoio logístico para enfrentar desafios nos se-tores de tráfego aéreo, trânsito nas gran-des cidades, medicina, finanças, além de soluções para grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas a serem realizadas no Brasil. Outra área é o es-tudo de semicondutores para sensores e dispositivos que auxiliem esses sistemas. “Para isso vamos atrair os melhores pro-fissionais”, garante Pinhanez.

Até o mês de agosto, os dirigentes da GE no Brasil ainda não comentavam os detalhes de seu primeiro centro de tecno-logia na América Latina. A empresa atua nos setores de eletrodomésticos, moto-res de avião e equipamentos médicos e, por meio de um comunicado, revelou

laboratórIos

de grande porte

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(2

00

7)

21%

15%

13%

13%

10%

7%

5%

5%

5%

3%

2%

mão de obra

custo

ambiente / infraestrutura P&D

atender mercado / adaptação

especificidade do brasil e região

competências internas já instaladas na filial

Fuso horário

estabilidade / pacificidade do país

retorno financeiro

obrigação de legislação

outros

0% 5% 10% 15% 20% 25%

Facilidades para realizar p&D no Brasil

nais durante o ano de 2007. O nome das empresas, por acordo mútuo, não pode ser revelado. Os resultados indica-ram que o fator mais decisivo para uma empresa se instalar no Brasil é a boa oferta de mão de obra qualificada, que tenha competência técnica, capacidade criativa e flexibilidade.

Para a IBM, o fator “disponibilidade de doutores” pesou favoravelmente na aprovação do centro de P&D no Brasil. “A concentração de doutores no país é realmente importante. Vamos precisar de pessoal que saiba fazer pesquisa”, diz Claudio Pinhanez, pesquisador que está trabalhando diretamente na consolida-ção do IBM Research-Brasil. Formado na USP em matemática e ciência da com-

pESQUISA FApESp 175 n setembro De 2010 n 19

que o centro no Brasil será o quinto do mundo, além dos existentes nos Estados Unidos, Alemanha, Índia e China, que somam ao todo mais de 2.500 pesqui-sadores. No comunicado, a GE indica que o Brasil foi escolhido porque possui uma forte base industrial, universidades de primeira linha e importantes clientes na indústria. GE, IBM e Du Pont são exemplos do alto investimento de P&D de empresas norte-americanas em suas filiais no exterior. O Brasil está em 16° lugar nesses investimentos, entre 2002 e 2006, como mostra o relatório Science and Engineering Indicators 2010, da Fun-dação Nacional de Ciência (NSF).

profissionais relevantes - Embora exista o atrativo da existência de grande número de doutores formados no Brasil, mais de 10 mil por ano, a resposta encon-trada pelos estudos do professor Queiroz indica que a mão de obra especializada também é o primeiro fator de restrição à instalação de unidades avançadas de pesquisa no Brasil. “Pela relevância da mão de obra para atração de P&D não surpreende verificar que esse tema apare-ce também como fator mais citado pelas empresas quando questionadas sobre a dificuldade para atrair investimento es-trangeiro”, escreveu o professor Queiroz. “Muitas companhias indicam que há falta de mão de obra específica, princi-palmente engenheiros”, diz. “Há uma escassez de engenheiros provocada pelo crescimento da economia. Formam-se cerca de 40 mil engenheiros por ano no Brasil e ainda é pouco. Existem empre-

Dificuldades para realizar p&D no Brasil

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%

3,6%

7,3%

7,3%

mão de obra

importacão, custo e burocracia

instabilidade das políticas/ ambiente regulatório

internas à empresa

cooperacão com universidades e institutos de pesquisa

infraestrutura

incentivo/Financiamento e instabilidade econômica

imagem brasil

custo

Propriedade intelectual

mercado

5,5%

9,1%

9,1%

12,73%

20%

21,8%

23,5%

32,7%

1. Políticas de desenvolvimento de atividades tecnológicas em filiais brasileiras de multinacionais – nº 2003/06388-9 2. Estratégia para CT&I em São Paulo: universidades, institutos de pesquisa e empresas – nº 2006/50409-9

moDAlIDADE

1. Programa de Pesquisa em Políticas Públicas2. auxílio regular a Projeto de Pesquisa e Projetos estruturantes

Co or DE nA Dor

1 e 2. sérgio robles reis de queiroz – unicamp

InvEStImEnto

1. r$ 172.215,00 (FaPesP)2. r$ 2.250.140,00 (FaPesP e Finep)

Os prOjetOs

sas que têm 100 engenheiros atualmen-te, mas vão precisar de 500 daqui a três anos”, aponta Queiroz.

A propósito da demanda de enge-nheiros no país, um estudo divulgado em julho deste ano pelo Instituto de Es-tudos para o Desenvolvimento Indus-trial (Iedi), coordenado pelo professor Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que o problema não é simples e requer tempo. Além das atividades de P&D a que os engenheiros estão associados em conjunto com outros profissionais, eles também atuam nos processos de melhoria contínua dos produtos e dos sistemas de produção. Segundo o estu-do, quando comparado com outros 35 países, o Brasil tem o mais baixo per-centual de engenheiros entre os egres-sos da graduação do ensino superior, com 5% em 2007, enquanto a China está em primeiro lugar, com 35,6%, se-guida da Coreia do Sul, com 25%. Se-gundo o estudo do Iedi, “há uma forte e crescente demanda por profissionais de engenharia no Brasil que é detecta-da não pelos estudos econômicos, mas pelo dia a dia das empresas”.

Outro aspecto apontado pelas em-presas nos estudos de Queiroz em rela-ção à mão de obra foi a falta de fluência em língua inglesa por parte da grande maioria dos profissionais, mesmo entre os melhores qualificados tecnicamente. “Empresas de TIC [Tecnologia da In-formação e Comunicação] citaram que isso já impediu a ampliação de atividades locais, enquanto empresas do setor auto-motivo afirmaram existir vagas em aber-to para contratação que não são preen-

20 n setembro De 2010 n pESQUISA FApESp 175

chidas pela dificuldade em encontrar profissionais fluentes na língua.” Entre as dificuldades comentadas pelos dirigentes das empresas estão, em segundo lugar, a burocracia e os custos altos para im-portação de equipamentos ou insumos relacionados à P&D. No quesito coope-ração com universidade e institutos de pesquisa, 8% das entrevistas apontaram maus resultados de parceria e a falta de um mapa das competências nacionais nas instituições de pesquisa.

Incentivo fiscal - Na outra ponta, nas entrevistas feitas pessoalmente pelos pesquisadores com dirigentes de filiais de multinacionais instaladas aqui, apa-receu entre os atrativos para convencer as matrizes a trazer investimentos de P&D para o país o baixo custo desse tipo de atividade no Brasil em comparação com outros países. Um fator que não interessa e não pesa muito nas decisões são os incentivos fiscais. “O incentivo fiscal na forma de isenção de impos-tos, por exemplo, é um elemento que faz a diferença nos custos, mas não é por causa dele que uma empresa vai eleger o Brasil”, diz Queiroz. Para ele, o segmento no país que apresenta mais atividades em P&D ao longo de sua in-dustrialização é o automotivo. “Esses investimentos estão mais relacionados ao D (desenvolvimento) do que ao P (pesquisa). O que se faz no Brasil em grande parte das indústrias automotivas é a criação do produto, e não a elabora-ção de conhecimento para gerar aquele produto. É, por exemplo, a adaptação de

veículos. São atividades que necessitam de muitos engenheiros”, diz.

Para Queiroz, a atração de investi-mentos em pesquisa e tecnologia exi-ge uma estrutura institucional, como ocorre em outros países, com agências de promoção ou departamentos gover-namentais especializados. O foco des-sas agências não é exclusivo para P&D, mas elas têm se mostrado eficientes na verdadeira competição entre países pa-ra alocar esses investimentos. Em São Paulo, a Investe SP, Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Compe-titividade do estado, desde 2009 traba-lha na atração desses investimentos, da mesma forma que a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investi-mentos (Apex). “Fazemos a articulação de negócios, ajudando a filial no Brasil a demonstrar para a matriz a viabilida-de de instalar ou ampliar a empresa no estado. São informações sobre os insti-tutos e universidades, parceiros empre-sariais, parques tecnológicos e linhas de fomento, por exemplo”, diz João Emílio, gerente-geral de investimento e negócios da Investe SP. A atração de investimen-tos em P&D agrega outro tipo de ganho para o crescimento tecnológico e social do país. Para Queiroz, os centros de tecnologia também trazem o chamado efeito de transbordamento de conheci-mento em que um profissional, quando sai desse tipo de ambiente de trabalho, leva conhecimentos com ele, dentro de uma trajetória normal e comum, para outra empresa, muitas vezes menor, ou para um empreendimento próprio. n

Investimentos em p&D de empresas norte-americanas no exterior entre 2002 e 2006 - em milhões de us$

reino unido

alemanha

canadá

França

Japão

suécia

israel

suiça

china

belgica

itália

irlanda

cingapura

austrália

Holanda

brasil

coreia do sul

espanha

Índia

malásia

Hong Kong

taiwan

24.369

21.217

12.383

8.983

8.273

7.354

3.908

3.486

3.257

3.206

3.149

3.066

3.042

2.356

2.252

1.947

1.833

1.356

906

862

643

640

pAíS pAíSvAlor vAlor

Fonte: SCIEnCE and EngInEErIng IndICaTorS 2010/nsF (tabela 4-34)

pESQUISA FApESp 175 n setembro De 2010 n 21

e as multinacionais estrangeiras têm trazido seus centros de pes-quisa e desenvolvimento para o Brasil, o caminho inverso tam-

bém está sendo trilhado, embora ainda de maneira tímida e limitada, por multi-nacionais brasileiras que abrem unidades de P&D no exterior. Para compreender as dimensões desse fenômeno, é preci-so recordar que o processo de interna-cionalização de empresas brasileiras é recente. Ele ganhou impulso nos anos 1990 com a abertura do mercado bra-sileiro aos produtos importados entre 1990 e 1992 e intensificou-se na atual década, conforme explica Afonso Fleury, professor do Departamento de Engenha-ria de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do projeto temático Ges-tão empresarial para internacionalização das empresas brasileiras, financiado pela FAPESP e finalizado em maio deste ano. “Historicamente, nossa indústria cres-ceu sob o paradigma da substituição de importação. A partir da década de 1990, com a abertura do mercado, houve uma intensificação da entrada de subsidiárias de multinacionais no país, o que causou uma depuração das companhias nacio-nais. Quem tinha competência se man-teve e tornou-se competitivo”, diz ele. “Mais competitivas, elas tiveram que jo-

centros multInacIonaIs brasIleIros

s gar com as multinacionais nos mercados globais e, assim, ocorreu uma intensifica-ção do processo de internacionalização de nossas empresas.”

Esse processo, destaca o pesquisa-dor, começou pelos países do Merco-sul e da América Latina. Na década de 1990, por exemplo, cerca de 300 empre-sas brasileiras operavam na Argentina. Depois elas se espalharam para outros mercados como o asiático e o norte- -americano, onde as possibilidades de aprendizado são grandes. “Poucas multinacionais brasileiras vão para a Europa por causa de sua postura mais protecionista”, afirma Fleury.

A ida de empresas brasileiras para o exterior foi acompanhada em alguns casos com a internacionalização de suas áreas de pesquisa e desenvolvimento. Uma particularidade desse processo, ressalta Simone Galina, professora da Faculdade de Economia, Administra-ção e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP, é que as multinacionais bra-sileiras, de forma regular, se instalam no exterior apenas com unidades de desenvolvimento de produtos (DP) – e não propriamente centros de P&D. “A pesquisa, quando existe, se mantém centralizada nas matrizes. Esse movi-mento – de colocar o desenvolvimento de produtos no exterior – ainda é re-

Yuri Vasconcelos

22 n setembro De 2010 n pESQUISA FApESp 175

posto avançado - Um dos principais motivos para a abertura de centros de P&D lá fora é a possibilidade de ter acesso a recursos tecnológicos inexis-tentes ou de difícil aquisição no Brasil. Esse foi o objetivo da Smar, fornece-dora de equipamentos de automação para a indústria de açúcar e álcool, cuja matriz fica em Sertãozinho, interior de São Paulo, que decidiu abrir um centro

de P&D nos Estados Unidos. A demora na aquisição de componentes eletrô-nicos necessários para a montagem de seus protótipos era um obstáculo encontrado pela empresa em territó-rio nacional. A internacionalização, iniciada em meados dos anos 1980, quando um de seus pesquisadores se mudou para Nova York, permitiu que a empresa adquirisse componentes no país e fabricasse protótipos lá mesmo. “Naquela ocasião, percebemos que tí-nhamos necessidade de ter um posto avançado de pesquisa para ter acesso a novas tecnologias. Ele foi aberto para desenvolver a atividade de P&D junto aos escritórios comerciais e de produ-ção da empresa nos Estados Unidos”, ressalta Libânio Carlos de Souza, di-retor da Divisão de Desenvolvimento da Smar, empresa que teve um fatu-ramento de US$ 80 milhões em 2009. Segundo ele, as tecnologias criadas no exterior são incorporadas nos projetos da empresa. “Por exemplo, utilizamos os chips controladores de comunicação desenvolvidos em Nova York na linha de transmissores e nos controlado-res da empresa. Já fornecemos mais de 2 milhões desses controladores de comunicação ao mercado mundial”, afirma. A experiência em Nova York foi tão positiva que a empresa abriu outra unidade de P&D em Houston, no Texas. Nos últimos 15 anos foram investidos cerca de US$ 10 milhões na manutenção dos dois centros, que possuem oito funcionários, todos bra-sileiros. “A empresa é um dos melhores exemplos de internacionalização de P&D de multinacionais brasileiras”, aponta Simone.

Outra situação que leva uma mul-tinacional brasileira a ter um setor de pesquisa e desenvolvimento no exterior é quando ela compra uma subsidiária estrangeira possuidora de uma área de P&D. Isso aconteceu com a fabricante de aços Gerdau, empresa líder na pro-ducão de aços longos no Brasil e pre-sente com unidades de produção em 14 países, com um faturamento de R$ 30 bilhões em 2009. Em 2006, ela comprou uma fábrica na Espanha, que tinha um departamento de pesquisa e desenvol-vimento com cerca de 30 funcionários. Para Simone, a existência do centro de P&D pesou favoravelmente para a rea lização do negócio. “Esse centro da

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cente, até porque o processo de interna-cionalização das companhias brasileiras também tem pouco tempo”, destaca a pesquisadora. Para compreender esse cenário, é preciso considerar que, no geral, as empresas brasileiras, mesmo as internacionalizadas, são provenientes de setores em que a inovação tecnológi-ca não é prioridade. “Elas não se carac-terizam como empresas inovadoras em tecnologia. Assim, centros de P&D são poucos mesmo no Brasil”, afirma.

Simone e a professora Geciane Por-to, também da USP de Ribeirão Preto, foram responsáveis por um dos sete subprojetos, chamado de “Internacio-nalização de P&D”, no projeto temático coor denado pelo professor Fleury. Elas investigaram em detalhes o processo de internacionalização de P&D de multi-nacionais brasileiras, entre elas a fabri-cante de carrocerias de ônibus Marco-polo, a indústria de motores elétricos WEG, a siderúrgica Gerdau, a fabricante de tubos e conexões Tigre, a empresa de automação industrial Smar e a pro-dutora de compressores Embraco, que recentemente foi adquirida pela norte- -americana Whirlpool, fabricante dos produtos Brastemp e Consul. A partir dessa amostragem, ela buscou delinear os fatores que mais influenciam em-presas brasileiras a internacionalizarem suas unidades de desenvolvimento de produtos e as vantagens que adquirem ao concretizar tal iniciativa.

subsidiária espanhola acumula conhe-cimento em todas as etapas do processo produtivo e, além disso, mantém par-cerias, na Europa, com montadoras ou fornecedores da indústria automotiva para desenvolvimento e fornecimento de produtos especiais”, assinalaram Si-mone Galina e Paulo Guilherme Moura no livro Multinacionais brasileiras, pu-blicado pela Artmed Editora. Situação parecida ocorreu com a Marcopolo, que manteve em atividade na sua subsidiá-ria na Colômbia o setor de engenha-ria de desenvolvimento para criação de novos produtos e aperfeiçoamento dos existentes. A empresa faturou R$ 2 bilhões em 2009, e a produção em suas unidades no Brasil e no exterior resultou em 13.007 ônibus.

trabalho conjunto - A adaptação de produtos para mercados no exterior nos quais as subsidiárias atuam tam-bém é um motivo relevante para o in-vestimento numa área de P&D lá fora. Foi o que ocorreu com a fabricante de motores elétricos WEG, cuja sede fica em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, e conta com uma subsidiária em Por-tugal. Essa unidade não apenas adapta os produtos para suprir melhor a de-manda local, mas também atende às ne-cessidades de adequações a normas do mercado europeu. O foco da subsidiá-ria é uma linha especial de motores, de maior valor agregado. “A nossa unidade portuguesa detinha a competência de fabricar esse tipo de produto e coope-rou com a matriz no desenvolvimento

gestão empresarial para internacionalização das empresas brasileiras (organizado em 7 subprojetos) – nº 2004/10231-0

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Projeto temático

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InvEStImEnto

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O prOjetO

no continente precisam ter certifica-ção de laboratórios da região. “Em vez de desenvolver o produto no Brasil e enviá-lo para ser certificado na Europa, a subsidiária da WEG fica responsável por sua adequação, fabricação e poste-rior certificação”, comenta.

A busca por mão de obra especiali-zada, escassa ou inexistente no Brasil, é também motivação para a interna-cionalização da atividade de P&D por parte de multinacionais brasileiras. Um bom exemplo ocorre com a Embraco, que está estruturando sua área de P&D na China para se valer do grande nú-mero de graduandos e pós-graduandos em engenharia existentes naquele país. Segundo a pesquisadora da USP, a ten-dência percebida nas multinacionais brasileiras analisadas em seu estudo é centralizar a maioria absoluta das atividades de desenvolvimento, dele-gando às unidades no exterior tarefas específicas, sob coordenação da matriz. Mesmo assim, a pesquisadora vê com bons olhos o movimento de inter-nacionalização de P&D por parte de nossas multinacionais. “É fundamental que essas empresas estejam preocupa-das com a inovação tecnológica para que possam manter competitividade no mercado global”, diz ela. “Como qualquer outra operação da empresa, a internacionalização de P&D – ou de parte dela – deve fazer parte do plane-jamento estratégico da companhia. Se para a empresa ser mais competitiva internacionalmente precisa interna-cionalizar seu centro de P&D, ela o de-ve fazer. As multinacionais de países desenvolvidos já descobriram isso há algum tempo e tomam partido des-sa possibilidade para obter vantagens comparativas”, conclui. n

de uma nova linha de produtos para áreas de risco”, informou a empresa por meio de um comunicado. De acordo com a professora Simone, é vantajoso para a WEG, uma empresa com fatura-mento de R$ 5 bilhões em 2009, man-ter uma unidade de P&D na Europa porque os produtos comercializados

ESTRATÉGIAS MUNDO

IUM DIA ACASA CAI

A Universidade Harvardreconheceu ter encontradooito evidências de máconduta científica em trêsartigos científicos dopesquisador Marc Hauser,especialista em psicologiae biologia evolutiva queficou conhecido por suasdescobertas no campoda linguagem. "Com grandetristeza, confirmo queo professor Marc Hauserfoi considerado o únicoresponsável, segundo apurouum comitê de investigação,por casos de má condutacientífica", anunciouMichael Srnith, diretor daFaculdade de Artes e Ciências,segundo o blogThe GreatBeyond, da revista Nature.O anúncio surgiu depoisde a universidade ter sidocriticada por manterreservas sobre a investigação,enquanto se espalharamboatos que colocavam sobsuspeita estudantes e colegasde Hauser. Os problemas

se relacionam à aquisiçãoe à análise de dados e àdescrição de metodologiase resultados. De acordo como jornal The Boston Globe,as suspeitas despontaramem 2002 com um artigocientífico publicado nojornal Cognition, no qualHauser sustentava quemacacos seriam capazesde identificar padrões emsequências de sílabas.

ICENT,ROS CONTRAMALARIA

Os Institutos Nacionais deSaúde dos Estados Unidosvão investir US$ 106 milhõesem 10 novos centrosde pesquisa sobre malária,a fim de fortalecer apesquisa e a capacidadede treinamento em regiõesendêmicas. Os CentrosInternacionais de Excelênciapara a Pesquisa da Maláriasão uma iniciativa desete anos que busca criaruma rede de colaboraçãoentre universidades

24 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

LIBERDADE CERCEADA

Cientistas e professores da Argélia agora pre-cisam pedir autorização oficial para participarde conferências e congressos no exterior. OMinistério da Educação Superior e PesquisaCientífica divulgou uma carta circular expres-sando preocupação de que os acadêmicossejam levados em tais reuniões a "tomar po-sições contrárias aos interesses nacionais".Por isso, anunciou, os cientistas serão au-torizados a participar de conferências "emcoordenação com o Ministério de RelaçõesExteriores". A circular seguiu-se à participa-ção de pesquisadores argelinos numa con-ferência no Marrocos que discutiu questões

relacionadas ao conflito do Saara Ocidental, território que fazfronteira com Marrocos e Argélia, tópico sensível que inflamouas relações entre os dois países por décadas. "A decisão dizrespeito a poucos eventos", afirma Rabia Saray, responsávelpela área de treinamento e integração do ministério. No finalde junho, três professores da Mouloud Mammeri Universitytambém foram demitidos após participar de duas conferênciascientíficas no Marrocos. "Trata-se de uma séria violação da li-berdade de movimento e de expressão", disse à revista NatureDaho Djerbal, professor de história moderna da Universidadede Argel-Bouzaréah. Djerbal é um dos 350 acadêmicos queassinaram.uma petição on-Iine em repúdio à circular.

norte-americanas einstituições de localidadesda África, Ásia, AméricaLatina e ilhas do Pacífico.Os centros vão fazer pesquisasem tópicos como biologia domosquito, comportamentode parasitas e mudançasambientais. Segundo IanBoulton, diretor da empresade consultoria TropMedPharrna, a abordagem globaldo programa é bem-vinda."Ela contraria o hábitode dar ênfase à África emprejuízo de áreas endêrnicas,como a Amazônia, a Índiae a Oceania", disse. •••

Mosquito:regiõesendêmicas

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IALIANÇA ENTREVIZINHOS

Pesquisadores doAfeganistão e do Paquistãovão trabalhar juntosna solução de entravestecnológicos. Por intermédioda Global KnowledgeInitiative (GKI), aliançacriada nos Estados Unidosque reúne universidades,fundações e empresas,os vizinhos vão identificaráreas em que queiramconstruir capacidadecientífica. "A ideia éestimular a cooperação pormeio de treinamento epesquisa", disse à agênciaSciDev.Net Amanda LilleyRose, coordenadora doprograma. A agenda deveincluir tópicos comoculturas tolerantes à seca,produção de energia etecnologias de informação.Espera-se que especialistaspaquistaneses treinem seuscolegas afegãos e distribuammaterial educativo parao país vizinho. Até agorao projeto recebeu recursosda Fundação RichardLounsbery, sediadaem Washington. Entreos parceiros há instituições

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Pesquisadoraafegã: agendacomum

como a Comissão deEducação Superior doPaquistão, a UniversidadeLahore de CiênciasEmpresariais, a Universidadede Cabul e a AmericanUniversity do Afeganistão.

IKAROLlNSKAEM CHAMAS

Doze pesquisadores doInstituto Karolinska, entreos quais 10 que participamda seleção dos ganhadoresdo Prêmio Nobel deMedicina ou Fisiologia,publicaram uma carta numjornal da Suécia afirmandoque a instituição estáameaçada. Eles apontamo dedo para a presidenteHarriet Wallberg- Henriksson,acusando-a de concentrarpoder, aumentar aburocracia e suprimir vozescríticas. A carta foi umaresposta ao plano dereorganização do institutofeita por Harriet. Ela propôsum redesenho dos atuaistrês comitês acadêmicos e acriação de um comitê decoordenação acima deles,

comandado por ela própria.Mas, segundo a revistaNature, o estranhamentocomeçou em março,quando ela afastou o decanode pesquisa Karl Tryggvasonsem consultar os colegas,com base nas conclusões deuma investigação segundoa qual ele tentou influenciarum comitê de seleção deprojetos de pesquisa.Tryggvason argumenta quesó quis ajudar, indicandonomes com os quais nãotem conexão para substituircandidatos desclassificados.A presidente diz que há ummal-entendido e que nãoperseguiu ninguém. Mas onível de hostilidades chegoua tal ponto que parte dosprofessores da instituiçãodecidiu boicotar umbanquete oferecidoao rei Carlos Gustavo.

ARROZ PARA A ÁFRICA

Uganda espera tornar-se líder reqiortal empesquisas sobre arroz com a criação deum centro de pesquisa e treinamento paraagrônomos e fazendeiros. A instituição, quer~cebeu US$ 6 milhões em investimentos doJapão, deve começar a funcionar em dezem-bro. O investimento é parte da estratégianipônica de fazer parcerias com países doLeste africano investindo em infraestrutura,produção de alimentos e comércio exterior,no âmbito da iniciativa Tokyo InternationalConference on African Development. Den-tro dessa plataforma, o Japão lançou umainiciativa cujo objetivo é dobrar a produçãode arroz no continente entre 2008 e 2018."O Japão tem expertise e tradição na culturade arroz. Começamos a ajudar a África de-pois de descobrir que o consumo de arrozé escasso e o continente perde muitas divisas importando oalimento", disse à agência SciDev.Net Goto Akio, da Agênciade Cooperação Internacional do Japão (Jica). O projeto emUganda é uma das principais iniciativas da Jíca na África ebusca desenvolver novas variedades de arroz.

Cultura doarroz: novasvariedadese transferênciade tecnologia

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 25

TRANSiÇÃOLUSITANA

Cerca de 45% da eletricidadeproduzida em Portugal jáprovém de fontes renováveis,ante 17% há cinco anos,e o país está se tornandoum exemplo de transiçãorápida rumo à energia limpa,destacou reportagempublicada no jornal TheNew York Times. Segundoo diário, a conquistaé resultado de políticasagressivas para acelerar autilização de fontesrenováveis. A quantidade deenergia eólica produzida nopaís multiplicou-se sete vezese Portugal espera, em 2011,

tornar-se um dos primeirosa ina ugurar uma redede abastecimento de carroselétricos. Para estimulara transição, o governodo premiê José Sócratesreestruturou e privatizouconcessionárias de energiado estado. E para atrair asempresas privadas para essenovo mercado o governogarantiu contratos compreços estáveis por 15 anos."Ouvi todo o tipo decomentários: que era umsonho, que é muito caro",disse Sócrates ao jornal."Mas a experiênciaportuguesa mostra que épossível mudar num curtoperíodo de tempo."

26 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

Um robô humanoide estará a bordodo próximo voo do ônibus espacialDiscovery rumo à Estação Espa-cial Internacional, em novembro.O Robonaut 2, de 136 quilos, foidesenvolvido graças a uma parce-ria entre a Nasa, agência espacialnorte-americana, e a fabricante decarros General Motors. Sem per-nas, ele possui dois braços dotadosde capacidade motora para ope-rar as mesmas ferramentas queos astronautas utilizam. Mas, naprimeira experiência, trabalharáapenas no módulo do laboratório

Destiny. A ideia, contudo, é que futuramente possa se movi-mentar por toda a estação e até participar de reparos foradela. O Robonaut 2 foi desenvolvido para ter grande precisãonos movimentos e também muita força. A tecnologia serviráà Nasa, no trabalho pesado da estação, e à GM, em linhas demontagem de carros. "O R2 pode operar com segurança aolado de pessoas, uma necessidade tanto no espaço quanto naTerra", diz um comunicado da Nasa. A agência e a montadoratêm uma antiga parceria, que resultou no desenvolvimento dossistemas de navegação das missões Apollo, nos anos 1960. AGM também participou da construção do primeiro jipe lunar.

Robonaut 2:no espaçoe nas linhasde montagem

PETRÓLEOINTOCADO

O governo do Equadorcelebrou um acordo com aOrganização das NaçõesUnidas (ONU) em que secompromete a não explorarreservas petrolíferas noslimites do Parque Nacionalde Yasuní, na Amazôniaequatoriana. Em troca,receberá de um fundopatrocinado por naçõesdesenvolvidas cerca deUS$ 3,6 bilhões. O valor éequivalente à metade doque renderia a exploraçãodos campos, comcapacidade de 840 milhõesde barris de petróleo. ''Aassinatura deste acordo é

ANDROIDEEM ÓRBITA

uma medida audaciosa ehistórica. Este é o primeiropaís do mundo a fazê-lo,mantendo permanentementea fonte de carbono embaixoda terra, com um mecanismoefetivo e verificável", disse,segundo a agência BBC,Rebeca Grynspan, doPrograma das Nações Unidaspara o Desenvolvimento(Pnud). De acordo com ela,o acordo não tem precedente.Com uma área de 10 milquilômetros quadrados,a reserva de Yasuní tembiodiversidade muito ricae também abriga gruposindígenas. A ONU deverápropor acordos do tipoa países como Guaternala,Vietnã e Nigéria.

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AS BRASILEIRAS NORANKING CHINÊS

o Academic Ranking of World Univer-sities (ARWU), ranking internacionalelaborado pelo Institute of HigherEducation da Shanghai Jiao TongUniversity, da China, classificou aUniversidade de São Paulo (USP) en-tre as 150 melhores universidades domundo. O levantamento, divulgado nodia 12 de agosto, mostra que a USP éa primeira colocada na América Lati-na e no Brasil. Ela também é a únicainstituição brasileira a figurar entre as100 melhores do mundo num dos le-vantamentos setoriais do ranking, o daáreade medicina clínica e de farmácia.Está entre a 76a e 100a posição. Alémda USP,aparecem no ranking geral asbrasileiras Universidade Estadual deCampinas (Unicamp), no pelotão en-tre as 201 e 250 melhores; Federal deMinas Gerais (UFMG), Federal do Riode Janeiro (UFRJ) e Estadual Paulista(Unesp), entre as 400 melhores; e aFederal do Rio Grande do Sul (UFR-GS),entre as 500 melhores. No caso da Unesp, houve umsalto em relação a 2009, quando aparecia entre as 401 e500 melhores. Como acontece desde a criação do ranking,

em 2003, a Universidade Harvard, nos Estados Unidos, foia líder, mas a Universidade da Califórnia, Berkeley tomou asegunda posição de Stanford. Os Estados Unidos ocupam 17dos19primeiros postos. As britânicas Cambridge (5a) e Oxford(10a)sãoas únicas não norte-americanas entre as 10 melhores.A Alemanha ocupa a segunda posição entre as 500, com 39universidades, atrás dos Estados Unidos, com 154 instituições.Grã-Bretanha, com 38 universidades, e Japão, 25, aparecem àfrente da França, que com 22 instituições caiu da quinta paraa sexta posição, empatada com Itália e China. Na AméricaLatina, as universidades Autônoma do México (Unam) e deBuenos Aires (UBA) figuram no pelotão entre as 151e 200melhores, atrás da USP. A metodologia utiliza indicadorescomoo número de alunos e docentes vencedores do PrêmioNobelou da Medalha Fields (prêmio da área de matemática);o número de pesquisadores com artigos altamente citados nabaseThomson Scientific; e o número de artigos publicadosnas revistas Nature e Science; entre outros.

ESTRATÉGIAS BRASIL

mecanismos bioquímicose fisiológicos que levamà produção de substânciasconhecidas comobiflavonoides na araucária.O trabalho foi o vencedorna categoria pôster parapós-doutorandos.O resultado envolveupesquisas realizadas noLaboratório de ProdutosNaturais (IQ) e noLaboratório de BiologiaCelular (Biocel), doInstituto de Biociências daUSP. O projeto de Lydia,com bolsa da FAPESP, estávinculado a projetos doPrograma Biota-FAPESP eteve supervisão do professorMassuo Jorge Kato, do IQ.

USP (alto),Unicamp e Unesp:destaques

PREMIADANA FLÓRIDA

A pós-doutoranda LydiaFumiko Yamaguchi, doInstituto de Química daUniversidade de São Paulo(IQ-USP), foi premiadano 2010 Ioint AnnualMeeting da AmericanSociety of Pharmacognosye da Phytochemical Societyof North America, ocorridoem julho, na Flórida, nosEstados Unidos. O estudo"Biflavonoids biosynthesisin leaves and cell culturesof Araucaria angustifolia" -que envolveu a participaçãode outros pesquisadores -busca desvéndar os

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 27

ICYLON GONÇALVESASSUME CEITEC

Cylon Gonçalves da Silva,professor emérito doInstituto de Física daUniversidade Estadual deCampinas (Unicamp),assumiu em Porto Alegrea presidência da Ceitec S.A.,fabricante de semicondutoresligada ao Ministério daCiência e Tecnologia(MCT). Surgida em 2000como Centro Nacional deTecnologia EletrônicaAvançada, somente em2008 a Ceitec foitransformada em empresa.Seu principal objetivo édesenvolver a indústriaeletrônica brasileira pormeio da implantação deuma base sólida no setorde semicondutores."O Brasil já fez váriastentativas de implantar umaindústria de microeletrônica,mas, por razões econômicase de mercado, nenhumadelas teve muito êxito.Agora há uma janelade oportunidades. O paísvive uma demanda por

desenvolvimento detecnologias em várias áreas,como em telecomunicações",disse Cylon, que nosanos 1980 comandou aimplantação do LaboratórioNacional de Luz Síncrotron,em Campinas e, em 2000,foi um dos organizadoresda Conferência Nacionalde Ciência, Tecnologiae Inovação, realizadano ano seguinte. Nosúltimos tempos, CylonGonçalves era coordenadoradjunto da FAPESPpara pro&ramas especiais.

o físico: "Janelade oportunidades"

28 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

INTERCÂMBIO RETOMADO

Representantes de institutos de pesquisa e pro-gramas de biodiversidade de países da Améri-ca Latina e Caribe se reuniram em agosto, emBuenos Aires, para um workshop cujo objetivoera estreitar o diálogo entre as bases de da-dos de biodiversidade nacionais, regionais einternacionais. O evento foi uma iniciativa doPrograma Biota-FAPESP, do Escritório Regio-nal para América Latina e Caribe do ConselhoInternacional para a Ciência (lcsu-LAC) e doConselho Nacional de Pesquisas Científicas eTecnológicas (Conicet, na sigla em espanhol),da Argentina. A reunião também contou comrepresentantes da Comissão Nacional para oConhecimento e Uso da Biodiversidade (Co-nabio), do México, do Instituto Hurnboldt, daColômbia, e do Sistema de Informação em Bio-diversidade (SIB), da Argentina, entre outros.

Carlos Alfredo .Jolv, coordenador do Biota-FAPESP, disseque, quando o programa estava sendo planejado em 1997,as lideranças do Conabio e do Instituto Nacional de Biodi-versidade (InBio), da Costa Rica, colaboraram apresentandonum workshop os erros e acertos de seus programas. "Masdesde então o contato tem sido pequeno", afirmou.

IGAtJHADORES DOPREMIO BUNGE

Isaías Raw, pesquisadordo Institutó Butantan eprofessor aposentado daUniversidade de São Paulo;Guilherme de SousaRibeiro, epidemiologistana Universidade Federal daBahia; Niro Higuchi,do Instituto Nacional dePesquisas da Amazônia(Inpa), e Alexandre Fadigasde Souza, professor deecologia da Universidade doVale do Rio dos Sinos,foram os ganhadores da 55a

edição do Prêmio FundaçãoBunge. Na área de SaúdePública/Medicina Preventiva,Raw foi o contemplado nacategoria "Vida e Obra" eRibeiro em "Juventude". Naárea de Ciências Florestais,

Higuchi foi agraciado nacategoria "Vida e Obra"e Souza na "Juventude". Paraa categoria "Vida e Obra"são escolhidas obras deespecialistas já reconhecidos,e na "Juventude",pesquisadores de até 35anos que tenham defendidoteses de mestrado oudoutorado ou sobressaídocom algum trabalho nosramos de premiações. Osprêmios são de R$ 100 mil("Vida e Obra") e R$ 40 mil("Juventude"). A cerimôniade entrega dos prêmios serárealizada no dia 13 de outu-bro na Sala São Paulo. No diaseguinte será realizado oSeminário InternacionalFAPESP-Fundação Bunge,na sede da FAPESP, com aparticipação de especialistasnos temas do prêmio.

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IDETALHES FINOSDOS RAIOS

Uma rede formada porcâmeras de vídeo de altaresolução entrará ematividade até o iníciode 2011 para filmartempestades em São Josédos Campos (SP). Osequipamentos estão sendoadquiridos com o apoioda FAPESP por meio doprojeto temático Impactodas mudanças climáticassobre a incidência dedescargasatmosféricasno Brasil; coordenado porOsmar Pinto Iúnior, doGrupo de EletricidadeAtmosférica (Elat) doInstituto Nacional dePesquisas Espaciais (Inpe).As câmeras integrarão oprojeto Rammer (RedeAutomatizada Multicâmeraspara o Monitoramentoe Estudo de Raios),conduzido como trabalhode pós-doutoramentodo engenheiro eletricista

Antonio Carlos VarelaSaraiva, com bolsa daFAPESP. As três câmerasque darão início àrede contam com duascaracterísticas fundamentaispara o estudo de raios: altavelocidade de gravação eboa qualidade de imagem.Elas são capazes de registrar

até 2 mil quadros porsegundo com resolução de1.280 por 720 pixels. A ideiaé que registrem diferentesângulos de uma mesmatempestade, aumentando aqualidade das informações."Será possível observardetalhes finos do raio", disseSaraiva à Agência FAPESP.

Polímero:avanço doconhecimento

CHAMADA DE PROPOSTAS

IA FAPESPe a Braskem/ldeom lançaram nova chama-da de propostas de pesquisa a serem desenvolvidaspor pesquisadores de instituições no estado de SãoPaulo. Os projetos selecionados deverão contribuirpara o avanço do conhecimento e da tecnologia nasáreas de: 1) processos de síntese de intermediários,monômeros e polfrneros a partir de matérias-primasrenováveis; 2) captura, armazenamento e conversãode CO2; 3) estudos e desenvolvimento de materiaisque atribuam aos polímeros as propriedades físico--químicas que possibilitem sua utilização em apli-cações demandadas pelo mercado; 4) poliolefinas

(catálise, modificação química, outros); 5) formação de recursoshumanos altamente qualificados nos itens descritos. O total derecursos é de R$10 milhões, sendo R$ 5 milhões da FAPESP e R$5 milhões da Braskem/ldeom. As propostas serão recebidas até odia 16 de novembro. A Ideom Tecnologia foi criada em dezembro de2008 para ser a empresa de inovação e tecnologia da Braskem.

IUNIVERSOINViSíVEL

o Instituto de Física daUniversidade de São Paulosediará, de 10 a 30 desetembro, a mostraitinerante que homenageiao italiano GiuseppeOcchialini (1907-1993),pioneiro da física no Brasil.A exposição GiuseppeOcchialini, um cientistadedicado à descoberta douniverso invisível, que jápassou por Roma, Milãoe outras cidades italianas,foi organizada peloDepartamento deComunicação do InstitutoNacional de Astrofísica daItália. Occhialini foi um dosresponsáveis por liderar naUSP, na década de 1930,atividades pioneiras depesquisa em física. Ajudou aformar os primeiros gruposde físicos brasileiros, tendoentre seus alunos MarioSchõnberg (1914-1990) eCesar Lattes (1924-2005).A exposição poderá ser vistano Instituto de Física,na rua do Matão, 187, naCidade Universitária.

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 29

30 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

[ AvAliAção ]

As redes

política científica e tecnológica

na berlinda

Fabrício Marques

m simpósio de três dias, previsto para acontecer em Brasília no mês de novembro, fará a primeira avaliação dos 122 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), redes virtuais de pesquisa-dores criadas em áreas estratégicas ou em temas de fronteira, formadas graças a uma parceria entre o governo federal e as fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) – a FAPESP financia 50% dos

recursos destinados aos 44 institutos sediados no estado de São Paulo. A avaliação estava prevista no edital de lan-çamento, em 2008, e constituirá um primeiro parâmetro sobre o funcionamento do programa. Os contratos com os institutos têm duração de cinco anos, mas há garantia de financiamento apenas para os três primeiros. A pror-rogação por mais dois anos dependerá do desempenho dos 122 institutos. Há a possibilidade de lançar um novo edital no próximo ano. “É o momento de ver se todos estão correspondendo e se não houve algum artificialismo na formação das redes”, diz Eduardo Moacyr Krieger, membro do Conselho Superior da FAPESP e presidente da Acade-mia Brasileira de Ciências entre 1993 e 2004, que integra o comitê gestor do programa.

O seminário em Brasília terá 11 grupos de trabalho distribuídos por grandes temas. Cada coordenador de projeto apresentará os resultados parciais em sessões de 30 minutos, seguidas por 15 minutos de debates com consultores incumbidos da avaliação. Cada INCT poderá montar um estande mostrando os frutos de sua pesquisa. Krieger lembra que a meta inicial do programa era lançar 45 institutos, mas esse número chegou a 122 depois que as FAPs se prontificaram a investir pesadamente no programa, dando contrapartidas vultosas para as redes sediadas em

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simpósio vai analisar os primeiros resultados dos 122 Institutos Nacionais de Ciência e tecnologia

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 31

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seus estados. “A seleção de propostas foi feita da melhor forma possível, mas num tempo relativamente curto. Foram avaliados a qualidade das propostas e o interesse das FAPs. Agora teremos a visão do conjunto”, afirma. Krieger diz que é o momento também de discutir que outras áreas não contempladas na primeira chamada precisam sê-lo – e corrigir o rumo no próximo edital. “Fo-ram contemplados projetos de deman-da espontânea e em áreas estratégicas induzidas, mas não houve uma indu-ção muito detalhada. Numa próxima chamada será o caso de discutir outras necessidades”, diz.

Para o presidente do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o físico Carlos Aragão, a percepção é que o programa decolou. Segundo ele, os INCTs são o mais abrangente programa com redes temáticas já feito e seu objetivo princi-pal é gerar sinergia entre bons grupos de pesquisadores para dar mais quali-dade e projeção internacional à ciência e à tecnologia do país. “Mas ainda é ce-do para poder afirmar até que ponto a articulação dos grupos está mesmo po-tencializando a qualidade da pesquisa ou se, em algumas redes, os membros estão produzindo juntos o mesmo que fariam de maneira isolada”, afirma. “A avaliação em novembro nos dará um primeiro panorama”, diz Aragão.

Recursos para os institutos

meC

Fapepi

Fapern

Fapesc

Fapespa

Fapeam

ms

Petrobras

bNDes

Capes

Faperj

Fapemig

CNPq

FaPesP

FNDCt

0,0 50,0 100,0 150,0 200,0

Órgãos e agências que financiam o programa (em milhões de reais)

Os institutos começaram a fun-cionar entre dezembro de 2008 e fe-vereiro de 2010. Dos R$ 607 milhões comprometidos no projeto, a FAPESP é responsável por R$ 113,4 milhões. A Fundação, que oferece a metade dos recursos que abastecem os 44 institutos do estado de São Paulo, só fica atrás do FNDCT (R$ 190 milhões) no ranking das fontes financiadoras, seguida pelo CNPq (R$ 110 milhões), a Fapemig (R$ 36 milhões), a Faperj (R$ 35,8 milhões), a Capes (R$ 30 milhões), o BNDES (R$ 22,4 milhões), a Petrobras (R$ 21,4 mi-lhões) e o Ministério da Saúde (R$ 17,5 milhões). As FAPs do Amazonas (R$ 10,4 milhões), do Pará (R$ 8 milhões), de Santa Catarina (R$ 7,5 milhões), do Rio Grande do Norte (R$ 2,1 milhões) e do Piauí (R$ 1,5 milhão), além do Ministério da Educação (R$ 1 milhão), completam a lista dos financiadores. “A FAPESP contribui decididamente para o Programa INCT, sendo o segundo maior financiador. Fizemos isso pois o programa tem qualidades importantes, entre as quais facilitar a interação em redes de pesquisadores em todo o país, o que traz importante contribuição aos mais de 400 projetos temáticos que a FAPESP apoia”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. De acordo com o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, a participação da FAPESP foi funda-

32 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

mental para o programa, uma vez que São Paulo concentra a maior parte dos estudantes e dos grupos de pesquisa qualificados do país. “São Paulo refletiu sua capacidade científica no programa e deixou um exemplo bom para o fu-turo. As FAPs que ficaram de fora estão arrependidas”, diz Rezende.

Segundo o ministro, os coordena-dores dos institutos já começaram a apresentar relatórios em inglês para mostrar de maneira clara os resultados de pesquisa. “Eu já li três ou quatro relatórios e os resultados estão apare-cendo”, afirma. Ele admite que algumas áreas foram contempladas de modo insuficiente no programa: “Há muitos institutos na área da saúde, mas apenas 10% na área de engenharia. As ciências exatas também ficaram sub-represen-tadas”. Dos 122 institutos, 39 são da área da saúde, 14 estão em engenharias, física e matemática, 11 em biotecno-logia e nanotecnologia, 9 em ciências sociais, 9 em agronegócio, 7 em tecno-logias da informação e comunicação, 7 em estudos sobre a Amazônia, 7 em biodiversidade e meio ambiente, 7 em energia, 3 em Antártida, 2 em energia nuclear e 7 em outros temas. Em ju-lho, o MCT anunciou a intenção de criar dois novos institutos na área de ciências do mar, campo do conheci-mento que ficara de fora dos projetos contemplados. “O Brasil tem 8 mil quilômetros de costa e não podíamos deixar de ter institutos nessa área”, diz Rezende. A ideia é que um deles realize estudos na costa litorânea do Norte e do Nordeste e o outro no Sul e no Su-deste. “Espero que haja capacidade de organização dos pesquisadores. Se vie-rem duas propostas para uma mesma região, quem perder ficará de fora da rede, o que será uma pena.”

R ezende ressalta que a seleção dos institutos foi rigorosa. “Em esta-dos que disponibilizaram mais

dinheiro pode ter acontecido de ha-ver institutos aprovados com nota me-nor do que os de outros estados. Mas todos passaram por uma avaliação e eram projetos de grande qualidade”, afirma o ministro. Para Rezende, os INCTs terão o dom de potencializar os resultados dos grupos de pesquisa do país. “Embora o Brasil forme cer-

ca de 12 mil doutores por ano, ainda há falta de densidade em certas áreas. Com as pessoas trabalhando em rede e um financiamento que é razoável, estão melhorando a infraestrutura e a troca de informações”, completa.

Segundo Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos, da USP, e coordenador do INCT de Biotecnologia Estrutural e Química Medicinal em Doenças Infecciosas (IN-BEQMeDI), os institutos já estão cum-prindo um papel importante na apro-ximação de pesquisadores brasileiros com parceiros de outros países. Oliva, que desde fevereiro responde pela dire-toria de Engenharias, Ciências Exatas, Humanas e Sociais do CNPq, diz que os institutos são uma boa plataforma para acordos de cooperação. “Estamos recebendo instituições e agências de vá-rios países, como Alemanha, França, Holanda, Canadá e Espanha, em busca de acordos de coo peração. Os INCTs são uma porta de entrada para colabo-rações internacionais, que não só pro-movem a integração dos pesquisadores como ajudam a criar massa crítica, a dar visibilidade para nossa pesquisa e a abrir canais para captação de recur-sos”, afirma. Um edital de cooperação com a Suíça em áreas como neurociên-cias, saúde, energia e meio ambiente contemplou parcerias entre 10 INCTs

e instituições suíças, num valor total recomendado de 2,7 milhões.

O INBEQMeDI tem como missão realizar estudos estruturais e biológi-cos em alvos moleculares específicos de micror ganismos associados com doen-ças infecciosas, particularmente doenças tropicais negligenciadas. “Nossa meta é o desenvolvimento de novos fármacos pa-ra o tratamento das doenças endêmicas, como leishmaniose, esquistossomose, doença de Chagas, malária e leptospi-rose”, diz o professor. Ele ressalta que o modelo dos INCTs é claramente inspira-do no sucesso dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), criados pela FAPESP em 2000 – um deles, o Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural, é comandado pelo próprio Oliva e vem se dedicando a projetos inovadores em biotecnologia estrutural e química medicinal. “Os Institutos do Milênio, antecessores dos INCTs, já haviam se inspirado nos Cepid. Também busca-vam a formação de redes, mas eram mais fragmentados e tinham menos foco”, diz Oliva. “O Programa INCT assemelha-se ao programa FAPESP de Projetos Te-máticos e por isso a Fundação usou essa modalidade para participar da parceria com o CNPq”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, da FAPESP.

Segundo Oliva, já foi possível de-tectar um crescimento da produção científica entre os membros da rede. No ano passado eles publicaram 86 artigos em revistas indexadas, cinco a mais do que em 2008 e 19 a mais do que em 2007. No caso do INCT coordenado por Oliva, a ênfase do grupo consiste em obter novas tecnologias e aperfei-çoar os recursos humanos. “Isso por-que já tínhamos investido bastante em equipamentos, por conta de 10 anos de atividade do Cepid, da FAPESP”, afirma. Sete grupos da USP participam da rede, além de pesquisadores da Federal de São Carlos, da Federal de Viçosa e da Uni-versidade Estadual de Ponta Grossa.

O impacto dos INCTs na produção científica assume configurações peculiares em cada grupo. O INCT

de Técnicas Analíticas Aplicadas à Ex-ploração de Petróleo e Gás, por exem-plo, está permitindo a formação de uma rede de pesquisadores que já exis-tia no papel há algum tempo, mas não

O modelo dos

INCTs é

inspirado no

sucesso dos

Centros de

Pesquisa,

Inovação e

Difusão (Cepid),

da FAPESP

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 33

conjunta de material de consumo, o in-tercâmbio de peças de equipamentos de grande porte e as reuniões periódicas propiciaram o início da colaboração. Uma das principais metas do insti-tuto é trazer para o Brasil, por meio do treinamento de pesquisadores no exterior, novas técnicas de análise. “O parque de equipamentos é satisfatório, pois fomos fortemente apoiados tanto pela FAPESP como pela Petrobras, e a Finep ajudou nossos parceiros”, afirma. “Só pelo fato de formarmos uma rede já se tornou possível captar recursos com mais facilidade. Não mudamos as linhas de trabalho, mas a colaboração em rede permitiu que participássemos de um edital da Finep para laboratórios de geologia isotópica, que beneficiou grupos como o da Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro e das federais da Bahia e de Sergipe e de Mato Grosso. Sem a rede, esse edital não teria saído”, afirma Tassinari.

No INCT de Obesidade e Diabe-tes, o impacto na produção científica resultará, em boa medida, na compra por US$ 950 mil de um grande equipa-mento, um espectrômetro de massas, equipamento que permite identificar

saúDe

14

119

7

7

7

7

723

9

eNgeNharIas, FísICa e

matemátICa

bIoteCNologIa e NaNoteCNologIaCIêNCIas soCIaIs

tICs

amazôNIa

agroNegóCIo

bIoDIversIDaDe e meIo ambIeNte

eNergIa

aNtártICa e mar

NuClearoutras

Campos do conhecimentoAs áreas das 122 redes temáticas

39

os diferentes átomos que compõem uma substância, que será instalado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “Esse equipamento per-mitirá fazer análise do metabolismo dos obesos e diabéticos como nunca se fez não só no Brasil, mas inclusive no exterior”, diz Mario Saad, professor da Unicamp e coordenador do instituto. “Será um upgrade importantíssimo em termos de química analítica no meu la-boratório”, diz Aníbal Vercesi, professor do Departamento de Patologia Clínica da FCM, que integra a rede do insti-tuto. Segundo ele, nos Estados Unidos os pesquisadores encomendam estu-dos desse tipo a empresas e recebem o resultado em um prazo curto. “Meu plano é propor um novo projeto temá-tico para analisar as propriedades do proteoma das mitocôndrias de animais transgênicos”, diz Vercesi, que pretende, para isso, encontrar um estudante de pós-doutorado treinado na área para fazer análise proteômica. Mas mesmo antes da chegada do equipamento o grupo já observa uma influência posi-tiva da produção. Segundo ele, já se vê uma tendência de publicar artigos em revistas de maior impacto, como resul-tado do adensamento da pesquisa fei-ta em rede. Um exemplo recente é um artigo de capa da revista PLoS Biology, de autoria de José Barreto Campello Carvalheira, que encontrou benefícios gerados pelo exercício físico no contro-le da ingestão alimentar.

O INCT de Células-Tronco em Doen-ças Genéticas Humanas, coordena-do pela professora da USP Mayana

Zatz, com pesquisadores de cinco esta-dos, busca associar os estudos de genô-mica com a pesquisa de células-tronco no Brasil. Uma das metas é criar um banco de células-tronco que contenha amostras derivadas de ampla variedade de indivíduos com doenças genéticas para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e a busca de novos tratamen-tos. O instituto também é tributário de um Cepid da FAPESP, o Centro de Estudos do Genoma Humano, liderado por Mayana. “O grande salto do nosso grupo se deu com o Cepid. Agora, com o INCT, além das pesquisas visando à terapia celular com células-tronco, queremos fazer uma coisa nova, que é

conseguia efetivamente estabelecer-se. Coordenado por Colombo Celso Gaeta Tassinari, professor do Instituto de Geo-ciências da USP, o instituto tem como missão desenvolver técnicas de análise da composição isotópica em minerais e rochas, para auxiliar na análise de riscos exploratórios e nos estudos de reservatórios de óleo e gás. “A meta é formar massa crítica significativa e de alta qualificação para dar sustentação às próximas décadas nas atividades ligadas aos estudos exploratórios e de reserva-tórios de óleo e gás”, diz Tassinari. Além da FAPESP e do CNPq, o instituto tam-bém conta com recursos da Petrobras, grande interessada em suas pesquisas.

N o Brasil existem quatro grandes laboratórios que se dedicam a es-se tipo de investigação, na USP, na

Universidade de Brasília e nas federais do Pará e do Rio Grande do Sul. “A rede com essas instituições foi criada em 2004, mas não havia se tornado efetiva. Os laboratórios conversavam entre si, mas continuavam trabalhan-do segundo seus interesses, sem uma coordenação e com superposição de pesquisas”, diz Tassinari. A aquisição

associar os estudos de genômica com a pesquisa de células-tronco no Brasil”, afirma Mayana. Entre os objetivos do instituto busca-se, utilizando as células--tronco de pacientes afetados, criar li-nhagens celulares que permitam desen-volver diferentes estratégias de terapia gênica e agentes farmacológicos para corrigir defeitos genéticos específicos. No escopo do instituto figura um pro-jeto, o 80 mais, que vai coletar amostras de DNA de mil pessoas com mais de 80 anos, as quais serão submetidas a resso-nância magnética do cérebro em bus-ca de marcadores genéticos ligados ao envelhecimento saudável. “No futuro, esses genomas servirão para entender o significado de mutações encontra-das em pessoas mais jovens, isto é, se causam ou não doenças. Hoje já é pos-sível fazer o sequenciamento genético de uma pessoa por cerca de US$ 1.000, mas teremos muito mais informação do que conhecimento. Queremos sa-

ber o significado. Se uma mutação for prevalente em idosos saudáveis, sabe-remos que ela não causa prejuízo”, diz Mayana. Com recursos da Finep, um novo prédio vai multiplicar por dois o espaço para pesquisa do Centro de Estudos do Genoma Humano.

N o caso do INCT para Mudanças Climáticas, coordenado por Car-los Nobre, do Instituto Nacional

de Pesquisas Espaciais, o investimento está permitindo estimular a formação de uma ampla rede de 250 pesquisado-res espalhados por 70 instituições bra-sileiras e 10 internacionais e patrocinar estudos que vão além da tradicional pesquisa sobre o clima, abordando as-pectos como a adaptação às mudanças climáticas, a mitigação de seus efeitos, além de avançar na determinação das causas do aquecimento global. “Ob-servar as mudanças climáticas não nos dá o direito de afirmar que todas

as causas são antropogênicas. Temos alterações de vegetação muito signifi-cativas que nos levam a mudanças de caráter regional. Para entendermos, é importante ter pesquisa de caráter interdisciplinar, que envolva não só o climatologista, mas também o agrô-nomo, o biólogo e o cientista social”, afirma Nobre. Segundo ele, o escopo do INCT se aproxima ao de outras ini-ciativas como o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e a Rede Clima, do governo federal. “Essencialmente, o instituto está ajudando a aumentar os investimentos na pesquisa em mu-danças climáticas, que ainda é baixo. O INCT atualmente é responsável por 40% dos recursos para pesquisa em mudanças climáticas”, diz Nobre, que também coordena o programa da FAPESP.

A meta do INCT Semioquímicos na Agricultura, coordenado por José

Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia sediados em São Paulo

análise Integrada do risco ambiental

astrofísica

bioanalítica

biofabricação

biotecnologia estrutural e Química medicinal em Doenças Infecciosas

biotecnologia para o bioetanol

Células-tronco em Doenças genéticas humanas

Células-tronco e terapia Celular

Ciências dos materiais em Nanotecnologia

Comportamento, Cognição e ensino

Controle biorracional de Insetos Pragas

eletrônica orgânica

engenharia da Irrigação

estudos da metrópole

estudos do espaço

estudos do meio ambiente

estudos sobre os estados unidos

Fotônica aplicada à biologia Celular

Fluidos Complexos

Fotônica para Comunicações ópticas

genômica para melhoramento de Citros

hPv

Hymenoptera Parasitoides da região sudeste brasileira

usP

usP

unicamp

unicamp

usP

usP

usP

usP

unesp

uFsCar

uFsCar

usP

usP

Cebrap

Ita/uFrN

usP

unesp

unicamp

usP

unicamp

Instituto agronômico

santa Casa de são Paulo

uFsCar

Paulo hilário Nascimento saldiva

João evangelista steiner

lauro tatsuo Kubota

rubens maciel Filho

glaucius oliva

marcos silveira buckeridge

mayana zatz

roberto Passetto Falcão

elson longo

Deisy das graças de souza

maria Fátima das graças Fernandes da silva

roberto mendonça Faria

José antonio Frizzone

Nadya araújo guimarães

sergio Frascino muller de almeida e José renan de medeiros

Claudio augusto oller do Nascimento

tullo vigevani

hernandes Faustino de Carvalho

antonio martins Figueiredo Neto

hugo luis Fragnito

marcos antonio machado

luisa lina villa

angélica maria Penteado martins Dias

INSTITUTO COORDENADOR INSTITUIçãO

34 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

Informação Quântica

Investigação em Imunologia

materiais Complexos Funcionais

metrologia das radiações na medicina

mudanças Climáticas

obesidade e Diabetes

oncogenômica

óptica e Fotônica

Neurociência translacional

Pesquisas em Fisiologia Comparada

Políticas Públicas do álcool e outras Drogas

Processos redox em biomedicina

Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e adolescentes

sangue

semioquímicos na agricultura

sistemas embarcados Críticos

sistemas micro e Nanoeletrônicos

técnicas analíticas aplicadas à exploração de Petróleo e gás

tecnologias analíticas avançadas

toxinas

violência, Democracia e segurança Cidadã

unicamp

usP

unicamp

Ipen

Inpe

unicamp

hospital do Câncer a. C. Camargo

usP

unifesp

unesp

unifesp

usP

usP

unicamp

usP

usP

unicamp

usP

unicamp

usP

usP

amir ordacgi Caldeira

Jorge elias Kalil Filho

Fernando galembeck

linda viola ehlin Caldas

Carlos afonso Nobre

mário José abdalla saad

luiz Paulo Kowalski

vanderlei salvador bagnato

esper abrão Cavalheiro

augusto shinya abe

ronaldo ramos laranjeira

ohara augusto

euripedes Constantino miguel

Fernando Ferreira Costa

José roberto Postali Parra

José Carlos maldonado

Jacobus Willibrordus swart

Colombo Celso gaeta tassinari

Celio Pasquini

osvaldo augusto brazil esteves sant’anna

sérgio França adorno de abreu

INSTITUTO COORDENADOR INSTITUIçãO

Roberto Postali Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, é reduzir ou substituir o uso de agroquímicos na agricultura, desenvolvendo bases tecnológicas para a identificação, sín-tese e uso de semioquímicos na agri-cultura brasileira. Semioquímicos são substâncias utilizadas na comunicação entre os seres vivos na natureza, no caso insetos e plantas. “Nosso objeti-vo é formar massa crítica para reduzir nossa dependência externa nessa área. Hoje a identificação e a síntese desses produtos químicos são feitas no ex-terior. Temos de mandar feromônios para serem sintetizados no Japão ou nos Estados Unidos”, afirma. Além da Esalq, que coordena o instituto, há participantes das universidades fede-rais do Paraná, de Viçosa e de Alagoas. “Estamos colocando entomologistas e químicos para trabalhar juntos e queremos atrair pesquisadores estran-

geiros para fazer pós-doutorado no Brasil e nos ajudar a desenvolver essa expertise”, diz José Maurício Simões Bento, professor da Esalq-USP e sub-coordenador do instituto.

A experiência do primeiro edital dos INCTs sugere algumas cor-reções de rumo para as próximas

iniciativas, de acordo com coordena-dores dos institutos. Carlos Aragão, o presidente da CNPq, diz que um dos desafios é que a gestão das redes seja feita de maneira eficiente. “É preciso assegurar que o trabalho em rede, que é a forma moderna de fazer pes-quisa, está gerando benefícios”, diz. Segundo ele, alguns grupos têm rela-tado dificuldades e há coordenadores trabalhando numa carta de sugestões que apontará entraves e maneiras de superá-los. O climatologista Carlos Nobre afirma que é necessário ins-tituir a figura do gestor de recursos,

pois o financiamento dos institutos é elevado e sua administração sobre-carrega a rotina dos coordenadores. “Uma coisa é administrar um proje-to de R$ 100 mil, outra é cuidar de R$ 7,2 milhões ao longo de três anos. E o dinheiro entra numa conta com o meu CPF”, diz Nobre. “Como não há hipótese além de tratar o dinhei-ro com padrões éticos muito rígidos, acabo destinando muito tempo para cuidar disso”, completa. Outra queixa refere-se à regulação tardia do uso dos recursos. Os grupos já haviam combi-nado uma partilha dos recursos entre os membros da rede quando saiu uma norma estabelecendo que os recursos das FAPs só poderiam ser utilizados em grupos dos respectivos estados – a mobilidade de recursos só seria possí-vel com o dinheiro federal. “Tivemos de fazer rearranjos, o que trouxe al-guma frustração de grupos de outros estados”, diz Colombo Tassinari. n

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 35

36 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 37

Atração de talentos

Grupo do Instituto de Física da Unicamp se destaca por trazer pesquisadores de outros países

Num tempo em que se discute a importância de internacio-nalizar cada vez mais a ciência brasileira, o grupo de pesquisa-dores liderado pelo físico Mar-celo Knobel, professor titular da Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp), mostra como o intercâmbio de experiências entre estu-dantes de pós-graduação de nacionalida-des diferentes tem o condão de oxigenar um ambiente de pesquisa – e de atrair mais pesquisadores de fora, num círculo virtuoso. Knobel, de 42 anos, coordena desde o final dos anos 1990 um grupo dedicado à pesquisa de novos materiais magnéticos, instalado no Laboratório de Magnetismo e Baixas Temperatu-ras (LMBT) do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Como o grupo mantém colaborações com cientistas de vários países e é reconhecido internacio-nalmente, Knobel recebe com frequência mensagens de estudantes estrangeiros interessados em fazer mestrado, douto-ramento e pós-doutoramento na Uni-camp. Ele sempre avalia os pedidos com interesse e, com a ajuda da universidade e de agências de fomento à pesquisa, tem conseguido atrair gente de vários países para seu laboratório – atualmente reúne doutorandos e pós-doutorandos da Ín-dia, Espanha, Chile, Colômbia e Canadá. “Além do interesse dos pesquisadores,

Esta é a primeira reportagem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo

[ IntErnacIonalIzação ]

ajuda muito o fato de termos bolsas de estudo com valores bastante competi-tivos internacionalmente”, diz Knobel. “Eles vêm para o Brasil estimulados pela chance de trabalhar num ambiente em que é possível realizar pesquisa de pon-ta e até fazem um pé de meia”, afirma o professor, que agora também é pró-reitor de Graduação da Unicamp.

A canadense Fanny Béron é uma das pós-doutorandas que atuam no grupo de Knobel. Ela fez graduação, mestra-do e doutorado em engenharia física na École Polytechnique de Montreal e, em 2007, procurava uma universidade num país estrangeiro para fazer pós- -doutorado. Foi seu orientador Arthur Yelon, que mantinha uma colaboração com Knobel, quem sugeriu a Unicamp. “Não queria ir aos Estados Unidos, por-que já conheço muito bem o ritmo de vida norte-americano, e não achei lugar na Europa que tivesse um bom labora-tório numa cidade interessante”, lembra Fanny, que não se arrependeu da esco-lha. “Tenho acesso fácil a equipamentos que não tinha em Montreal, trabalho com um bom grupo que produz muito e tenho a possibilidade de colaborar com vários pesquisadores de alto nível”, afir-ma. Recentemente trocou a bolsa de pós- -doutoramento que recebera de uma ins-tituição canadense por outra da FAPESP, que tem o valor de R$ 5.028,90 mensais.

38 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

“A quantia era semelhante, mas a FA-PESP dá uma reserva técnica muito útil para ir a conferências”, explica. “Sei que as condições de pesquisa na Unicamp são melhores que em outros lugares no Brasil. O Brasil não é uma escolha tradicional para jovens pesqui-sadores estrangeiros, que em geral pre-ferem Estados Unidos e Europa, mas encontrei aqui tudo o que precisei e ainda tive a oportunidade de conhecer melhor a América do Sul”, conclui.

Outro pesquisador estrangeiro sa-tisfeito com a experiência na Unicamp é o espanhol Jacob Torrejón Díaz, que acaba de concluir o pós-doutoramen-to de um ano no grupo de Knobel e se prepara para fazer um novo pós- -doutorado, agora no Laboratoire de Physiques des Solides em Paris, do Centro Nacional de Pesquisa Cien-tífica da França (CNRS, na sigla em francês). Em 2009, quando acabou seu doutorado em materiais nanoestrutu-rados na Universidade Autônoma de Madri, constatou que as alternativas para pós-doutoramento na Europa es-tavam limitadas. “Era o início da crise econômica e a maioria dos programas de bolsas e contratos de pesquisa foi reduzida drasticamente”, recorda-se. Conhecia o professor Kleber Pirota, do grupo de Marcelo Knobel, que lhe sugeriu a Unicamp. “Ele me falou das bolsas de pesquisa da FAPESP de fluxo aberto, as quais eram aprovadas mui-to rapidamente, de um a dois meses, enquanto na Europa a maioria das agências demora um ano pra conceder uma bolsa. Eu considerei muito atra-tivo e interessante o projeto da pes-quisa, o equipamento do Laboratório de Magnetismo e Baixas Temperaturas e as condições econômicas da bolsa. E vim para o Brasil”, afirma. Às vés-peras de deixar o país, considera sua passagem pela Unicamp bastante pro-veitosa. “Aprendi diferentes técnicas de caracterização magnética, criogenia, técnicas de medida no Síncrotron, uso de potentes aparelhos, além da língua portuguesa e a maravilhosa cultura do Brasil”, enumera. Também desenvol-veu trabalhos em áreas diversas, de ressonância ferromagnética a nanofios isolados, que estão sendo publicados em revistas internacionais. “Estou feliz

cenciada em física pela Universidade de Santiago do Chile, que desde 2007 se dedica, sob orientação de Knobel, a um doutoramento em magnetoimpe-dância, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Todos os estrangeiros trabalham com alunos de mestrado e de iniciação científica brasileiros, que, de acordo com Knobel, se beneficiam não só do conhecimento e da experiên-cia partilhados como também da opor-tunidade de se familiarizarem com ou-tros idiomas e com um ambiente de pesquisa internacional.

Tarefas burocráticas - Knobel conta que não basta disposição para trazer os pesquisadores estrangeiros – o apoio institucional também é fundamental. “Em outros países, o líder de um gru-po de pesquisa recebe um grant e tem autonomia para gerenciar os recursos e trazer gente de fora. Aqui no Brasil não é assim que acontece. Só tem fun-cionado porque a Unicamp tem me-tas fortes para a internacionalização e busca ativamente novas parcerias para intercâmbios de estudantes”, afirma. O pesquisador adverte, contudo, que ainda há vários empecilhos a resolver, que, não raro, acabam sobrecarregando o líder do grupo com tarefas burocrá-ticas, tais como obter visto e até ajudar o aluno convidado a obter moradia. O pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, Ronaldo Pilli, confirma que ainda há dificuldades. “Tive de ser fiador do aluguel de um pesquisador estrangei-ro convidado que trouxe para o meu grupo”, afirmou.

O grupo de Knobel chama a aten-ção pela diversidade de pesquisado-res estrangeiros, mas está longe de ser um exemplo isolado na Unicamp. Um programa de bolsas de doutorado estabelecido pelo CNPq em parceria com a Academia de Ciências do Mun-do em Desenvolvimento (TWAS) já trouxe algumas levas de estudantes paquistaneses interessados em fazer doutorado no Instituto de Química (IQ) da universidade. “O interessante é que isso se retroalimenta e recebo pe-didos de cada vez mais paquistaneses interessados em vir para o Brasil”, diz Pilli, que é professor do IQ. Há outro

Os alunos

brasileiros se

beneficiam do

conhecimento e

da experiência

partilhados e se

familiarizam

com um

ambiente

internacional

por contribuir para melhorar o equi-pamento do laboratório. Participei ativamente da montagem do labora-tório de fabricação de nanoestruturas. Minha passagem serviu para o esta-belecimento de uma colaboração que espero seja duradoura”, afirma.

Segundo Marcelo Knobel, a con-centração de estudantes da América Latina fez com que dois idiomas fos-sem adotados no laboratório: além do inglês, que é a língua franca da ciência, também o portunhol pode ser ouvido. Fanny e Torrejón Díaz trabalharam em conjunto com pesquisadores como o indiano Surender Kumar Sharma, que fez graduação, mestrado e doutorado em física na Universidade Himachal Pradesh e, desde 2007, está na Uni-camp, com bolsa da FAPESP. “Comecei a colaborar com o Surender durante o seu doutoramento e depois ele deci-diu vir”, lembra Knobel. “No caso dele, há um aspecto interessante. Ele acaba de conseguir trazer a sua esposa, que também conseguiu uma bolsa de pós- -doc na biologia, também da FAPESP”, afirma. O grupo tem ainda estudantes como a chilena Lenina Valenzuela, li-

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 39

exemplo bem-sucedido no campo da iniciação científica, também na área de química. Trata-se de um programa piloto da FAPESP e da National Science Foundation (NSF) que promove in-tercâmbio de alunos de graduação de química de universidades paulistas e norte-americanas. A oportunidade, no caso, é de mão dupla: tanto os alunos da Unicamp fazem estágio nos Esta-dos Unidos quanto os alunos norte- -americanos vêm estagiar no Brasil. Um dos alunos da Unicamp que parti-ciparam do programa, Ricardo Barroso Ferreira, de 21 anos, recentemente foi coautor de um artigo na revista Science. Por conta do estágio que realizou na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, ele participou de um projeto que resultou na criação de um cristal sintético tridimensional capaz de cap-turar emissões de dióxido de carbono – tema do artigo da Science.

A Unicamp tem uma estratégia para ampliar sua internacionaliza-ção. Segundo o pró-reitor Ronaldo Pilli, teve início em 2009 um projeto voltado a atrair professores visitantes estrangeiros para ministrar cursos de curta duração. Um edital lançado no ano passado em parceria com a Pró- -Reitoria de Pós-Graduação recebeu 60 propostas de departamentos interes-sados em trazer professores visitantes para ministrar cursos de pós-gradua-

Não basta ter

disposição

para trazer

pesquisadores

estrangeiros.

O apoio

institucional

é fundamental

ção de no máximo dois meses. Vinte e sete propostas foram selecionadas e a Unicamp vai investir R$ 400 mil no primeiro ano. Também há um esfor-ço para atrair pesquisadores visitantes por perío dos maiores. A meta é oferecer bolsas de um a dois anos para nomes de interesse dos departamentos com a chance de prestar um concurso para docente ao final do período da bolsa. Anúncios em revistas científicas in-ternacionais, como Nature e Science, atraíram mais de 50 interessados, que

enviaram seus currículos para a Uni-camp e foram submetidos ao escrutínio dos departamentos. Os selecionados foram convidados a visitar a universi-dade e já há dois deles, um canadense e um francês, que virão passar até dois anos na Unicamp a partir de março. “Nosso interesse não é apenas trazer estrangeiros, mas também repatriar pesquisadores brasileiros estabelecidos no exterior”, diz Pilli. Para facilitar a incorporação desses pesquisadores, a Unicamp planeja mudar as regras de concursos de certas categorias de do-centes, permitindo que as provas sejam feitas em idiomas estrangeiros.

Também no campo do ensino a Unicamp tem um trabalho forte pela internacionalização. A cada semestre a instituição recebe cerca de 100 estu-dantes estrangeiros de graduação e de pós-graduação, na maioria de países da América Latina com quem a uni-versidade mantém convênios – o total de estrangeiros estudando na Unicamp oscila entre 800 e mil alunos. “A pro-cura é grande por estudantes de países como o Peru e a Colômbia, que veem a Unicamp como referência em ciên-cias exatas e engenharias”, diz o físico Leandro Tessler, responsável pela Coor-denadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori). Segundo ele, a universidade tem se esforçado em fazer convênios com universidades norte- -americanas e europeias. “Há espaço para crescer, principalmente com os Estados Unidos”, diz. A ideia, segundo Tessler, é aplicar no ensino a mesma estratégia da pesquisa. “A universidade se qualifica quando se expõe ao exte-rior. Na pesquisa, usamos parâmetros internacionais e nos tornamos reco-nhecidos. Estamos fazendo o mesmo agora com o ensino”, afirma. Uma das vantagens é fazer com que os estudan-tes da Unicamp tenham contato com ideias diferentes. “Os grupos universitá-rios brasileiros são muito homogêneos e é bom conhecer mais diversidade”, afirma. Mas o objetivo fundamental é garantir uma formação superior inter-nacionalizada. “O aluno se torna mais competitivo quando tem vivência in-ternacional”, afirma Tessler. n

Fabrício Marques

40 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

A internacionalização da pesquisa no estado de São Paulo vem sendo alvo de um conjunto de iniciativas da FAPESP. Um dos exemplos dessa estratégia pode ser visto em São Paulo, no início de agosto, quando 350 estudantes de pós-graduação brasileiros e estrangeiros e 20 especialistas de diversas nacionalidades

reuniram-se para homenagear o matemático norte- -americano John Nash e celebrar o 60º aniversário do Equilíbrio de Nash, teorema que dá sustentação à teoria dos jogos. Entre os palestrantes havia quatro ganhadores do Prêmio Nobel, o próprio John Nash, laureado em 1994, o alemão Robert Aumann, ganhador em 2005, e os norte-americanos Eric Maskin e Roger Myerson, premiados em 2007. O evento foi o quarto realizado no âmbito do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), modalidade de apoio da FAPESP que busca aumentar a exposição internacional de áreas de pesquisa de São Paulo que já são competitivas mun-dialmente. Lançado no ano passado, o programa oferece oportunidades para que pesquisadores paulistas organi-zem cursos de curta duração, de uma ou duas semanas, para os quais devem convidar professores de vários lu-gares do mundo e do estado de São Paulo. A audiência dos cursos deve ser formada por certa quantidade de estudantes, sendo que pelo menos a metade forçosa-mente deve ser recrutada fora do Brasil. “Com isso, nós queremos fazer uma exposição mundial destas áreas de

Esforços articulados

FAPesP lança mão de um conjunto de iniciativas para tornar a pesquisa paulista mais competitiva no exterior

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 41

Há interesse

crescente de

instituições

estrangeiras

de celebrar

parcerias com

pesquisadores

paulistas

pesquisa e despertar o interesse de es-tudantes estrangeiros de vários lugares em trabalhar como cientistas aqui em São Paulo”, disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, em entrevista ao Pesquisa Brasil, programa de rádio de Pesquisa FAPESP. “Queremos mostrar a eles o que há de melhor aqui em São Paulo. Está previs-to no edital que cada evento tem uma sessão reservada, na qual alguém da FAPESP vai apresentar a Fundação e as oportunidades de pesquisa no estado de São Paulo. Fui fazer essa apresenta-ção em três dos eventos e a receptivida-de foi ótima. Houve muitas perguntas e interesse genuíno de estudantes de vários lugares do mundo, como Chile, Estados Unidos, França, China e Índia”, afirmou. O programa tem dois editais por ano – a terceira chamada deverá ser lançada em breve.

A estratégia de internacionalização da Fundação articula um conjunto de outros esforços, como acordos de coo peração com agências, empresas e/ou instituições científicas da Alema-nha, do Canadá, dos Estados Unidos, da França, do México, de Portugal, do Reino Unido e da Suíça (ver lis-ta de convênios em www.fapesp.br/materia/102/a-instituicao/convenios--e-acordos-de-cooperacao-da-fapesp.htm). Um exemplo é o acordo de cooperação firmado em 2004 com o Centro Nacional de Pesquisa Cientí-fica (CNRS) da França, voltado para estimular o intercâmbio de cientistas

e a submissão de projetos conjuntos envolvendo pesquisadores de institui-ções paulistas e colegas franceses, que já geraram quatro chamadas de propostas e contemplaram 27 projetos. Em mol-des semelhantes, a FAPESP mantém um convênio com o DFG (Deutsche Forschungsgemeinschaft), principal agência de fomento à pesquisa da Ale-manha. No ano passado, a Fundação estabeleceu uma ponte com a pesquisa britânica, ao firmar acordos de coope-ração com os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês) e com o King’s College London, que se tornou a primeira universidade britânica parceira da FAPESP.

Há um interesse crescente de instituições estrangeiras de celebrar parcerias com pesquisadores paulistas. No mês passado, por exemplo, seis representantes da Academia Chinesa de Ciências (CAS, na sigla em inglês) estiveram na sede da FAPESP, em São Paulo, com o propósito de iniciar co-laborações científicas. “Queríamos saber como agências como a FAPESP funcionam”, comentou Pan Jiaofeng, secretário-geral da CAS. “Temos in-teresse especialmente em biomassa, biodiversidade e neurociências.” Se-gundo ele, essa foi a primeira visita ao Brasil. “Há uma preocupação sobre como selecionamos as áreas prioritá-rias”, disse Celso Lafer, presidente da FAPESP. “Falamos sobre as possibili-dades de cooperação futura e ficamos de explorar isso mais tarde.”

Para atrair pesquisadores de fora, oportunidades de bolsas de pós-dou-torado da FAPESP são oferecidas em anúncios mensais na revista Nature e também no site da Fundação, em por-tuguês e em inglês. Grandes iniciati-vas da Fundação, como os programas Biota, que estuda a biodiversidade do estado de São Paulo, o Bioen, de pes-quisa em bioenergia, e o Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, vêm promovendo workshops e seminários com a participação de pesquisadores estrangeiros, a fim de estimular a participação dos pesquisa-dores paulistas em redes internacionais e mantê-los em contato com o estado da arte em seus campos do conheci-mento. “Não há bala de prata para solucionar problemas complicados, pois eles requerem muitas ações para serem resolvidos. É por isso que nesse assunto, de tornar mais internacional a pesquisa que se faz em São Paulo, é importante termos várias iniciativas articuladas”, disse Brito Cruz. n

42 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

Negar para não mudar

Livro mostra como um trio de físicos se dedicou a combater a ideia do aquecimento global nos eUA

Nos tribunais, quando as evidências são enormes contra o réu e a condenação parece questão de tempo, os advogados de defesa sempre podem recorrer a uma derradeira tática: fomentar uma dúvida qualquer, às vezes sobre um aspecto se-cundário do delito, para turvar o raciocínio dos membros do júri e, assim, evitar ou ao menos

postergar o quanto for possível a sentença. A partir do final dos anos 1980, uma versão desse clássico estrata-gema judicial – que, dentro e fora das cortes, fora usado eficazmente pela indústria do cigarro durante décadas para negar e minimizar os conhecidos malefícios do ta-bagismo – passou a ser empregada nos Estados Unidos para questionar a existência do aquecimento global e a contribuição das atividades humanas, em especial a quei-ma de combustíveis fósseis emissores de gases de efeito estufa, no desencadeamento das mudanças climáticas.

Sempre que era divulgado um novo estudo de peso sobre a natureza do aquecimento global, três veteranos pesquisadores de enorme prestígio, abrigados numa enti-dade privada em Washington, o George C. Marshall Ins-

Marcos Pivetta, de San Diego* Ilustrações Nelson Provazi

[ Mudanças cliMáticas ]

titute, saíam a campo para questionar os novos dados. “Primeiro, eles disseram que as mudanças climáticas não existiam, depois afirmaram que as variações de tempe-ratura eram um fenômeno natural (tentaram atribuir a culpa a alterações na atividade solar) e então passaram a argumentar que, havendo as mudanças e mesmo sendo culpa nossa, isso não importava porque nós sempre pode-ríamos nos adaptar a elas”, afirmou a historiadora da ciên-cia Naomi Oreskes, da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), numa palestra realizada para jornalistas latino-americanos durante o 7o Taller Jack F. Ealy de Periodismo Científico, que ocorreu em julho nessa uni-versidade. “Em todos os casos, eles negavam que havia um consenso científico sobre a questão, apesar de serem essen-cialmente eles mesmos os únicos que estavam contra.”

Ao lado do também historiador da ciência Erik Conway, que trabalha no Instituto de Tecnologia da Ca-lifórnia (Caltech), Naomi lançou em maio nos Estados Unidos o livro Merchants of doubt – How a handful of scientists obscured the thuth on issues from tobacco smoke to global warming (“Mercadores da dúvida – Como uns

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 43

poucos cientistas ocultaram a verdade em temas que vão do cigarro ao aquecimento global”, numa tradução livre para o português). Na obra, muito bem documentada e que recebeu elogios na imprensa leiga e nas revistas cien-tíficas, Naomi e Conway, um especialista na história da exploração do espaço, mostram que já existe, e não é de hoje, um consenso científico sobre o aquecimento global, detalham a trajetória dos líderes do instituto e suas táticas de negação das mudanças climáticas.

Nos Estados Unidos, país que historicamente é o maior emissor de gases de efeito estufa e também o maior refratário a adotar políticas para mitigar as mudanças climáticas, a ação dos céticos do aquecimento global foi encabeçada nas duas últimas décadas por uma trinca de influentes físicos aposentados ou semiaposentados, todos hoje mortos: o especialista em física da matéria sólida Frederick Seitz (1911-2008), que participou do projeto da construção da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial e foi presidente da Academia Nacional de Ciên-cias dos Estados Unidos na década de 1960; o astrofísico Robert Jastrow (1925-2008), fundador e diretor do God-

dard Institute for Space Studies da Nasa nos anos 1960 e uma figura importante na condução de vários projetos da agência espacial; e William Nierenberg (1919-2000), pesquisador apaixonado pelo mar que foi durante mais de 20 anos diretor do prestigioso Scripps Institution of Oceanography. Nenhum deles era um especialista em modelos climáticos, mas esse detalhe não diminuía sua influência na mídia e na administração norte-americana, sobretudo em governos republicanos.

Em 1984 os três fundaram o George C. Marshall Ins-titute, cujo slogan era (e é) “ciência para uma política pública melhor”. O think tank, expressão em inglês usada para denominar esse tipo de instituto, tinha como obje-tivo original fazer lobby a favor do polêmico projeto de construção de um escudo espacial capaz de defender os Estados Unidos de um eventual ataque de mísseis balísti-cos disparados pela União Soviética. Apelidada de Guerra nas Estrelas, a iniciativa de defesa, concebida durante a ad-ministração de Ronald Reagan, nunca saiu do papel. Com a derrocada do império soviético entre o fim dos anos 1980 e o início dos 1990, o projeto do escudo espacial foi

44 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

arquivado e Seitz, Jastrow e Nierenberg redirecionaram a atuação do instituto para um tema mais atual: o combate ao ambientalismo em geral e à negação do aquecimento global. “Eles tinham aquela ideia de que os ambientalistas eram como melancias: verdes por fora e vermelhos por dentro”, disse Naomi.

Ozônio e DDT - A dupla que escreveu o livro se conheceu numa conferên-cia sobre história da meteorologia em 2004 na Alemanha e logo ambos per-ceberam que haviam chegado à mes-ma constatação: os cientistas que mais ativamente combatiam nos Estados Unidos a ideia de que a temperatura global do planeta estava aumentando eram os mesmos que, no passado re-cente, tinham negado ou ainda nega-vam a existência do buraco na camada de ozônio, os perigos da chuva ácida, os malefícios do pesticida DDT e os problemas de saúde causados pelo tabaco em fumantes passivos. “Em todos esses temas científicos, eles sem-pre estiveram do lado errado”, afirmou Naomi, que já deu aulas em Harvard, em Stanford, na New York University e hoje dirige o Sixth College da UCSD. “Quando descobrimos que Seitz tinha coordenado entre 1979 e 1985 o pro-grama de pesquisa da R.J. Reynolds To-bacco Company, que investiu US$ 45 milhões em estudos científicos, vimos que tínhamos uma boa história.”

A atuação dos membros do insti-tuto visava (e visa) mostrar que não havia consenso científico sobre a exis-tência das mudanças climáticas e muito menos certeza sobre quais seriam as suas causas. Logo, diziam os cientis-tas do George C. Marshall Institute, o debate nesse campo da ciência estava totalmente aberto e não fazia sentido os Estados Unidos adotarem qualquer medida legal ou prática para diminuir o consumo de combustíveis fósseis. Exa-tamente a mesma tática foi empregada durante décadas por pesquisadores e médicos ligados ou patrocinados pela indústria do cigarro, que, a despeito das crescentes evidências dos malefícios do tabaco, negavam e minimizavam as conclusões dos estudos científicos.

Posta dessa maneira, a negação do aquecimento global parece ter sido alvo de uma conspiração encabeçada por um grupo de cientistas conserva-dores. Os autores do livro, no entanto, se apressam em descartar qualquer in-sinuação nessa linha. Eles dizem que não encontraram nada de ilegal na atuação de Seitz, Jastrow e Nierenberg e que tudo foi feito mais ou menos às claras. Entre os estratagemas do insti-tuto, estava o de invocar um princípio clássico da imprensa norte-americana e ocidental: lembrar os jornalistas de que eles sempre têm de ouvir e dar espaço equivalente a visões contrárias às dominantes. Nas reportagens sobre mudanças climáticas, os dirigentes do George C. Marshall Institute e outros céticos do aquecimento global eram com frequência o outro lado.

Merchants of doubt apresenta Seitz, Jastrow e Nierenberg como fervorosos de- fensores da desregulamentação da econo-mia, anticomunistas convictos, “falcões” a serviço da indústria dos combustíveis fósseis e de interesses conservadores. “O lobby deles foi muito eficiente porque a cultura americana da finada Guerra Fria era permeada pela crença no fundamen-talismo dos mercados, na ideia de que os mercados eram, sempre e em todo o lugar, bons e que a regulamentação é sempre ruim”, diz Conway. “Essa ideia permitiu que a negação do aquecimento global funcionasse tão bem. A propagan-da é mais eficiente quando se assenta em algo que as pessoas já acreditam.”

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Merchants of doubt: táticas da indústria do cigarro para negar o aquecimento global

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 45

Reação ao livro - A publicação do livro levou a uma reação dos atuais coman-dantes do George C. Marshall Institute. Num artigo divulgado em junho no site do think tank, William O’Keefe e Jeff Kueter, respectivamente CEO e presi-dente do instituto, dizem que a obra carece de fundamentação científica e distorce a realidade. Eles defendem os bons serviços prestados à ciência pelos fundadores do instituto, dizem que Seitz, Jastrow e Nierenberg sempre foram anticomunistas e defensores do livre mercado – e que isso está longe de ser um defeito nos Estados Unidos.

De concreto, a resposta não desmen-te nenhum dos fatos centrais relatados

no livro. Por exempo, O’ Keefe e Kueter admitem que Seitz realmente chefiou o programa de pesquisas da R.J. Reynolds depois de ter se aposentado do cargo de presidente da Universidade Rockefeller, algo que, segundo eles, não era segredo e estava na autobiografia do físico. Mas dizem que o intuito do programa não era gerar dados que questionassem os malefícios do cigarro. Pelo menos esse não era o objetivo de Seitz, ainda que pudesse ser o da indústria do tabaco.

Sobre a questão das mudanças cli-máticas, as respostas dos atuais dirigen-tes do instituto parecem dar mais razão a Naomi e Conway do que contradizê- -los. “Na verdade, o único consenso (sobre o aquecimento global) que existe é entre aqueles que escrevem (o rela-tório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC, na sigla em inglês)”, afirmam O’Keefe, ex-vice presidente do Instituto Americano do Petróleo, e Kueter. Por isso, eles advo-gam mais pesquisas científicas sobre o tema e nenhuma ação imediata para diminuir as emissões de gases de efeito estufa: “Somos contra as políticas de reduções das emissões de poluentes e de mecanismos semelhantes ao Proto-colo de Kyoto? Sim. Elas são caras e vão trazer pouco retorno ambiental”.

Para o climatologista Carlos No-bre, coordenador do Programa FA-PESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e do Centro de

Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a atuação de lobbies conservadores ligados à indústria dos combustíveis fósseis, como o realiza-do pelo George C. Marshall Institu-te, atrasa a obtenção de um grande acordo mundial para a redução das emissões de gases de efeito estufa. “Eles sabem que estão numa batalha perdida, a exemplo do que ocorreu com o debate em torno dos malefícios do tabaco”, argumenta Nobre, que faz parte do time de 600 cientistas de mais de 40 países que compõem o IPCC. “O que eles querem é atrasar o máximo possível a adoção de medidas que for-cem a indústria americana a reduzir suas emissões de poluentes.”

O físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP), outro representante do Brasil no IPCC, pensa de forma semelhante. “Eles querem ga-nhar tempo”, afirma Artaxo. “Em ciên-cia, nunca há 100% de certeza. Mas os dados compilados pelo IPCC represen-tam a melhor ciência disponível sobre a questão do aquecimento global.” Em seu último relatório, o IPCC atribuiu, com um grau de 95% de confiabilidade, as mudanças climáticas ao aumento das atividades humanas no planeta. Cria-do em 1988, o IPPC não é perfeito e está corrigindo suas imprecisões e a forma de trabalhar. Mas seus dados, diz a maior parte dos pesquisadores, são uma razão para agir – e não para o imobilismo como defendem os céticos das mudanças climáticas.

A visão de Washington sobre o aque cimento global mudou com a chegada do democrata Barack Obama à Casa Branca? Para Conway, a atual administração parece aceitar a realida-de de que as mudanças climáticas são reais e decorrem essencialmente das atividades humanas. “Mas os Estados Unidos não têm sido muito pró-ativos nessa questão”, reconhece Conway. “Somos os líderes mundiais em ciên-cia do clima. No entanto, em termos práticos, de medidas mitigadoras do aquecimento, os países escandinavos estão muito na nossa frente.” n

* O jornalista Marcos Pivetta participou do 7o Taller Jack F. Ealy de Periodismo Cientí-fico a convite do Institute of the Americas

Usar a imprensa

para negar

o consenso

científico sobre

o aquecimento

era uma tática

usada pelos

céticos do clima

LABORATÓRIO MUNDO

PARA UMA VIDAMAIS LONGASe quiser viver mais, faça amigos. Ese empenhe em manter esses laçossociais por toda a vida. Integrar umarede social ampla e sólida permiteviver mais e melhor, segundo estudoconduzido por Julianne Holt-Lunstade Timothy Smith, da UniversidadeBrigham Young, e J. Bradley Layton,da Universidade da Carolina do Norte,nos Estados Unidos. Eles vasculharamdiferentes bases de dados em buscade estudos sobre a influência das rela-ções sociais na saúde e identificaram148 estudos, feitos com 309 mil pes-soas que tinham em média 64 anos noinício do acompanhamento, que durouem média sete anos. Analisando essestrabalhos, os pesquisadores verifica-ram que a participação em grupossociais permite prever o risco de morrer. Quem conserva umbom relacionamento social tem uma chance 50% maior desobreviver do que as pessoas que se mantêm isoladas. "Amagnitude desse efeito é comparável à de parar de fumar esuperior à de fatores de risco como a obesidade e o sedenta-risrno", escreveram os autores na PIos Medicine.

IPARA DORMIRNA FESTA

Por que algumas pessoasconseguem dormir com amaior barulheira, enquantooutras precisam de silêncioabsoluto? Porque o cérebrode algumas pessoas, as quedormem com a TV ligada,detecta menos sons queo de outras, que acordamquando um carro passa narua em meio à noite. IeffreyEllenbogen, da Faculdadede Medicina de Harvard,coordenou uma equipe quemediu as ondas cerebrais

de um grupo de indivíduossubmetidos a três noitesde testes, com intensidadecrescente de ruídos -telefone tocando, pessoasconversando, máquinasdo hospital. O estudomostra como uma regiãodo cérebro, o tálamo,bloqueia a propagação deinformações, como os sons,que possam atrapalharo sono (Current Biology).O desafio agora é descobrircomo integrar sono e ruídos- ou como dormir quandoa festa do vizinho segueincontrolável noite afora.

46 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

IAS FLORESTASEOCLlMA

Um estudo conduzido porpesquisadores da Austráliareacende o debate sobre asformas de reflorestamentomais eficientes paraextrair da atmosfera o gáscarbônico, associado aoefeito estufa e às alterações

do clima. Avança naAustrália o plantio de vastasáreas com apenas umaespécie de árvore, em geralde crescimento rápidocomo o eucalipto ou algunstipos de pinheiro.Preocupados com a perdade biodiversidade causadapela expansão dasmonoculturas, IohnKanowski, da Conservaçãoda Vida SelvagemAustraliana, e CarlaCatterall, da UniversidadeGriffith, decidiram avaliarqual estratégia dereflorestamento retirariamais carbono do ar.Durante alguns anos, elescompararam três tiposde reflorestamento:monoculturas; culturasmistas, com até 10 espéciesde valor comercial; eplantações com maisde 20 espécies de árvorese arbustos da flora nativa.Cada hectare de mataoriginal recuperada extraiuem média 106 toneladasde carbono da atmosfera,enquanto as culturas mistasretiraram 86 e as áreas demono cultura 62 (Ecological

Monoculturas:baixa absorçãode gás carbônico

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Management &Restoration). Essainformação, porém, nãoé suficiente para estimularo reflorestamento comespécies originais, bemmais caro que o plantiode monoculturas. Ospesquisadores sabem queserá preciso criar novasestratégias caso se queiraconservar o ambientee armazenar carbonoa custo mais competitivo.

IRNA CONTRAA HEPATITE B

Vem da China uma novaestratégia para combatero vírus da hepatite B,que atualmente vive noorganismo de cerca de 350milhões de pessoas e podecausar cirrose e câncer nofígado. Pesquisadores daUniversidade Xiamenconstruíram e testaram40 plasmídeos (DNAcircular) que codificavamtipos variados de RNAde interferência (RNAi),que ativa ou silencia genes.Quatro plasmídeos semostraram capazes dereduzir em até 90%a ação de quatro formas(genótipos) desse vírusin vitro e em camundongos

que desenvolveram umaforma severa de hepatite,sem sinais de toxicidadepara as células, comodescrito em um artigopublicado em agostona BMC Microbiology.Diante dos resultados,a equipe liderada porNing-Shao Xia cogitoua possibilidade de combinarvários tipos de RNAi paraampliar a eficácia tambémcontra outras formasdo mesmo vírus.

MONTANHAS EMMOVIMENTO

O sapo ao lado é ainda maispoderoso do que parece:ajudou a desvendar comoaconteceu o soerguimentodo Himalaia, a cadeia demontanhas que inclui opico mais alto do mundo.Os sapos da tribo Paini, queinclui os gêneros Nanoranae Quasipaa, ficaram nomesmo lugar enquantoas rochas embaixo delesse chocavam, dobravam

A COLADOS VíRUS

Os mecanismos pelos quaiso vírus tipo 1 da leucemia dacélula T humana (HTLV-1) seinstalam e se espalham noorganismo estão um poucomais claros. Uma equipe doInstituto Pasteur de Pariscoordenada por Ana-MonicaPais-Correia verificou que osvírus HTLV-1 se aglomeramna superfície de uma célula,infectando-a. Depois formamuma película que adere à su-perfície da célula infectada efacilita a transmissão rápidados vírus para outras células.Proteínas e outras substân-cias que compõem o ambiente

extracelular facilitam a formação dessa película, que permiteaos vírus passar despercebido diante das defesas do orga-nismo, como detalhado em um estudo publicado em agostona Nature Medicine. Esse trabalho pode favorecer a busca denovas formas de combater o HTLV-1. Dos cerca de 20 milhõesde pessoas infectadas por esse vírus, de 5% a 10% desenvol-vem leucemia ou doenças inflamatórias.

e formavam montanhas.Um grupo de pesquisadoresde Kunming, na China, e daUniversidade da Califórniaem Berkeley, fez análisesgenéticas em 24 espéciesdesses sapos que ao longodo tempo desenvolverambraços fortes e espinhudos,essenciais para segurar asfêmeas nos rios caudalososdas montanhas. A sequênciadas mudanças evolutivaspor que passaram nosúltimos 55 milhõesde anos - enquanto seadaptavam ao frio, aosbaixos teores de oxigênioe aos rios de águas rápidas- indica a ordem em quemontanhas e sistemas derios surgiram. As conclusõesapoiam a teoria pouco

O sapo Quasipaabou/engeri

difundida de que a índianão empurrou a Ásia aospoucos, mas colidiu umasérie de vezes, deslocandoo que hoje é o sudeste daÁsia para o lado, em seguidao sul da China para lestee por fim a China centralpara nordeste (PNAS).

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 47

LABORATÓRIO BRASIL

ICHUVANO SERTÃO

Chove pouco no Polígonodas Secas, região de climasemiárido que abrange1.133 municípios doNordeste brasileirohabitados por mais de 40milhões de pessoas. E opouco de chuva que cai porali se concentra em poucosmeses, de março a maio,tornando a região propensaa secas drásticas. Comequipes da Espanha e dePortugal, os meteorologistasTercio Ambrizzi, daUniversidade de São Paulo,e Everaldo Souza, daUniversidade Federal doPará, alimentaram ummodelo computacionalcom informações sobrea umidade do ar de umperíodo de cinco anos a fimde identificar a origem daágua das chuvas na região.Analisando o caminho

percorrido por partículasda atmosfera, concluíramque a maior parte da águaque chega ao Polígono dasSecas vem do AtlânticoSul, carregada pelos ventos.Apesar de vizinha, asuperúmida Amazônia nãocontribui para as chuvasda região. Eles verificaramainda qpe o vapor-d'águado oceano influenciaprincipalmente as chuvasque ocorrem de janeiroa março, antes do períodomais chuvoso, embora umvolume de água maiordo Atlântico entre nocontinente no mês de abril(PlosOne). Ventos quecarregam a chuva paraa Amazônia e parao sul do litoral nordestinoparecem causar essedescompasso entre aentrada de mais umidade ea ocorrência de índices maiselevados de precipitação,afirmam os autores.

48 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

As redes de rios da Amazônia de-veriam ser mais protegidas, já queo desmatamento nas bacias hidro-gráficas tem se intensificado, ape-sar da criação de áreas destinadasà conservação ou à ocupação porpovos indígenas. Pesquisadoresdo Instituto Nacional de Pesquisasda Amazônia (lnpa), do InstitutoNacional de Pesquisas Espaciais(lnpe), do Instituto Socioambien-tal (ISA) e da Fundação Nacionaldo índio (Funai) dividiram as 10grandes bacias da Amazônia Legalbrasileira em 927 sub-bacias: 21%delas apresentavam mais de 20%

de desmatamento, que pode aumentar a vazão dos rios, e27% não tinham área de conservação (Environmental Con-servation). Segundo Ralph Trancoso, pesquisador do Inpa quecoordenou o trabalho, a área total protegida na Amazônia émais de três vezes superior à desmatada. O problema é queas áreas protegidas não reduzem o desmatamento, apenasdirecionam o processo de ocupação. Ele sugere: "É precisoinvest~r em mecanismos de pagamento pelos serviços arn-bientais prestados pelas áreas protegidas para gerar algumbenefício para os indígenas e as populações tradicionais efortalecer os investimentos do governo nos métodos de Ii-cenciamento, monitoramento e fiscalização".

Semiá rido: regadopor nuvens vindasdo Atlântico

MAIS ATENÇÃOAOS RIOS

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UM JARDIMDIGITAL

Um batalhão de 400 taxonomistasconseguiu em dois anos transfor-mar em realidade um sonho antigodos botânicos brasileiros: criar umalista única com informações sobrea origem, a distribuição e a clas-sificação de todas as espécies deplantas, algas e fungos encontra-dos no país. Construída com o apoiodo Ministério do Meio Ambiente ecoordenação do Jardim Botânicodo Rio de Janeiro, essa fonte pre-ciosa de informação - a Lista deespécies da flora brasileira - agoraexiste e, melhor, qualquer um podeconsultá-Ia no site http://floradobrasil.jbrj.gov.br/2010. Ali estãodados sobre 40.988 espécies (3.608 de fungos, 3.495 de algas,1.521de briófitas, 1.176de pteridófitas, 26 de gimnospermas e31.162de angiospermas). É o mais completo catálogo de plantasdo país desde a Flora brasiliensis, obra produzida entre 1840e 1906 pelo naturalista Carl Friederich von Martius que reúneinformações de 23 mil espécies. A nova lista deverá ser atua-lizada periodicamente, segundo seus organizadores.

IDIETATÓXICA

A alimentação à base depeixe e farinha de mandiocadas populações ribeirinhasdo rio Tapajós, no Pará,parece estar longe dosaudável. O químicoFernando Barbosa, daUniversidade de São Paulo(USP) em Ribeirão Preto,analisou amostras de sanguede 453 moradores de 13comunidades ribeirinhase detectou teores de chumboaté 10 vezes superiores aolimite considerado aceitável.Ao buscar a origem dacontaminação, o pesquisadordescobriu que praticamentetodas as comunidadestorram a farinha demandioca em chapasmetálicas que a contaminam.

Mimosa sp:leguminosacomum noCerrado

"Chegamos a identificarfarinha com 1 microgramapor grama de chumbo", disseBarbosa à EcoAgência.No Brasil não há legislaçãoque regule a concentraçãode chumbo na farinhade mandioca, mas paraalimentos similares emoutros países a concentraçãomáxima permitida é 0,1

micrograma de chumbo porgrama do produto. Outrosestudos já haviam mostradoque també:n os peixes,muitas vezes, estãocontaminados por mercúrio.O consumo desse metal podeprejudicar a capacidadeintelectual, o crescimentodas crianças e gerar outrosproblemas neurológicos.

IO REFORÇO DEUMA VACINA

Formular e produzir umavacina eficiente contra oHIV, o vírus causador daAids, tem sido um desafiohá quase 30 anos. Quandoestiver pronta, porém, umavacina eficiente pode servaliosa em termos desaúde pública, mesmo empaíses com estratégiasde tratamento de amploalcance como o Brasil.Por meio de modelagensmatemáticas, pesquisadoresda Fundação Oswaldo Cruz,do Ministério da Saúdee de centros de pesquisa dosEstados Unidos mostraramque uma vacina capaz deprevenir de 40% a 70% dasinfecções, se aplicada em80% dos integrantes dosgrupos mais propensosa contrair o vírus, poderiareduzir até 2050 o númerode novos casos em até 73%e o de mortes em 30%.Segundo o estudo publicadoem julho na PlosOne,estratégias de vacinaçãomais dirigidas poderiam seraltamente efetivas. Mesmoo tratamento gratuitooferecido à população nãoé suficiente para detero vírus. O Ministério daSaúde registrou mais de 500mil casos de Aids e 200 milmortes no país até 2008.

No Tapajós,peixes e farinhacom metaispesados

PESQUISA fAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 49

50 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

[ AstrofísicA ]

o Sol e suas irmãs

brasileiros identificam estrelas semelhantes à que aquecee iluminaa terra

Procura-se um novo Sol. De preferência, aqui mes-mo pela vizinhança. Não que este não sirva mais. O Sol, que nos últimos 4,6 bilhões de anos tem se apresentado invariavelmente todas as manhãs e se recolhido no final do dia, está apenas em sua meia- -idade. Ainda deve viver outros 5 bilhões de anos iluminando e aquecendo a Terra e os planetas pró-

ximos. É verdade que nem tudo será sombra e água fresca. Daqui a uns 300 milhões ou 1 bilhão de anos, no máximo, o Sol passará a brilhar mais intensamente, aumentando a temperatura na Terra e tornando inviável a vida como se conhece hoje. Até lá, muitos dirão, há tempo de sobra. Mas há quem já comece a pensar no que fazer. Afinal, segundo os astrônomos, no longuíssimo prazo a humanidade terá de deixar a Terra caso queira continuar a existir.

Os quase 50 grupos internacionais que se dedicam a vasculhar os céus atrás de uma estrela como a nossa, é claro, não esperam encontrar um lar para os tataranetos de seus tataranetos. Estão mais interessados em saber se o Sol é mesmo uma estrela sem par entre as centenas de bilhões de estrelas do Cosmo, ou se, ao contrário, é um astro banal, encontrado aos montes nesta e em outras galáxias. Essa dúvida vem acompanhada de outra: estamos sozinhos no Universo ou há vida em outros mundos?

Ricardo Zorzetto

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 51

lo, foi identificada entre as quase 10 mil que o telescópio espacial Corot, satélite franco-europeu-brasileiro lançado em 2006, observou nos primeiros anos de operação. Como ela, deve haver ao me-nos outras 20 nas proximidades do Sol, calculam os pesquisadores da UFRN com base em dados do Corot. Elas se somam a outras dezenas de estrelas semelhantes ao Sol mapeadas nos úl-timos anos por outros telescópios.

Apesar de parecer um número eleva-do, não é. Pouquíssimas dessas estrelas têm todas as características idênticas às do Sol e são o que a astrofísica francesa Giusa Cayrel de Strobel chamou no fim dos anos 1980 de gêmeas solares. Só 7% das estrelas que se encontram a até 33 anos-luz do Sistema Solar são parecidas com o Sol a ponto de proporcionarem a existência de condições necessárias ao surgimento da vida como conhecemos na Terra, segundo levantamento pu-blicado em 2006 na Astrobiology pelos

astrofísicos Gustavo Porto de Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Eduardo Del Peloso e Luan Ghezi, do Observatório Nacional.

Foi Mello, aliás, quem encontrou anos antes a estrela que por uma déca-da foi considerada a melhor candidata a gêmea do Sol: a 18 Scorpii. Descrita em 1997 por Mello e Lício da Silva, seu orientador no doutorado, a 18 Scorpii é uma estrela de brilho sutil, pratica-mente invisível a olho nu, que aparece no alto da constelação de Escorpião. Ela está a 46 anos-luz da Terra – distân-cia que poderia ser percorrida durante a vida de um ser humano, caso surja tecnologia para viajar a velocidades próximas à da luz – e foi identificada entre 118 mil estrelas observadas pela sonda espacial Hipparcos, da Agência Espacial Europeia (ESA).

A 18 Scorpii é só 5% mais luminosa que o Sol e um pouco mais nova, com idade calculada em 4,2 bilhões de anos. n

as

a

Passado e futuro: outras estrelas

ajudam a entender a

evolução do sol

Enquanto aguardam essa era de luz e calor excessivos, equipes do Brasil e de outros países investem mais do que nunca na busca de outro Sol. Alguns candidatos não muito distantes até surgiram nos últimos anos. Dos 10 que têm idade próxima à do Sol, ao menos quatro foram identificados por pesqui-sadores que atuam no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Outros mais devem apa-recer à medida que se tornem públicos os dados de amplos levantamentos este-lares e de trabalhos encaminhados para publicação. Ao menos uma nova estrela semelhante ao Sol deverá ser apresen-tada pelos astrofísicos José Renan de Medeiros e José Dias do Nascimento Júnior, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na reunião anual da Sociedade Astronô-mica Brasileira, no início de setembro em Passa Quatro, Minas Gerais.

Essa estrela, cujo nome e localiza-ção no céu ainda são mantidos em sigi-

CiênCia

52 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

Sua superfície é 12 graus mais quente que a solar, onde a temperatura é de 5.507 graus Celsius ou 5.780 Kelvin (K), a es-cala de temperatura preferida dos físicos. A massa da 18 Scorpii é 1% maior que a do Sol e sua velocidade de rotação 17% mais elevada: ela leva 23 dias terrestres para completar uma volta em torno de seu eixo enquanto o Sol precisa de 28.

M as nem toda essa semelhança garantiu à 18 Scorpii o título de gêmea solar. Sua composição

química é um pouco diferente da do Sol, constataram Nascimento e Mello. Eles compararam a concentração do elemento químico lítio, um dos mais simples da natureza, em cinco candi-datas a gêmea solar e notaram que a quantidade de lítio da 18 Scorpii é deze-nas de vezes superior à do Sol, segundo artigo publicado em 2009 na Astronomy and Astrophysics. É uma diferença con-siderável, uma vez que, além de indicar a idade da estrela, a abundância desse elemento químico permite ter uma ideia do que se passa em seu interior.

Essas colossais bolas de gás não são tranquilas como parece a distância. O interior de uma estrela é extremamente turbulento. Da superfície para o centro, o gás eletricamente carregado (plasma) se torna mais denso e quente. Os 5.780 K medidos na superfície solar – a camada mais externa visível do Sol, responsável por sua cor amarela – sobem gradativa-mente até atingir 15 milhões de graus no coração da estrela, onde núcleos do elemento químico hidrogênio (o mais simples e abundante do Universo) se combinam produzindo hélio e liberan-do energia na forma de partículas de luz (fótons) altamente energéticas. Os fótons produzidos por fusão nuclear seguem um caminho tortuoso em que são absorvidos e reemitidos inúmeras vezes por outros elementos químicos até que conseguem atravessar os 700 mil quilômetros de espessura do Sol

e escapar para o espaço quase 200 mil anos depois de terem sido criados.

Sabe-se hoje que os níveis de lítio de estrelas como o Sol diminuem com o tempo. Alguns estudos vêm mostrando que estrelas com pouco lítio são menos ativas que aquelas com níveis elevados e sofrem menos explosões, que lançam altos índices de radiação muito energé-tica sobre os planetas ao redor. Por essa razão, concluíram os pesquisadores, a 18 Scorpii, rica em lítio, dificilmente abrigaria um sistema planetário favo-rável à vida – por ser realmente distinta do Sol ou apenas encontrar-se em um estágio evolutivo diferente.

O trabalho que desbancou a 18 Scorpii como gêmea solar ajudou a con-solidar o favoritismo de outra estrela, a HIP 56948. Identificada em 2007 pelo astrofísico peruano Jorge Meléndez, atualmente professor da Universidade de São Paulo, essa estrela da constelação do Dragão é 47 graus mais fria que o Sol e 14% maior. Distante da Terra 220 anos-luz, a HIP 56948 tem a mesma massa e composição química solar e é apenas 100 milhões de anos mais velha. “Hoje essa estrela é a número 1 entre as 10 principais candidatas a gêmea solar e

deverá ser investigada pelo projeto Seti [Search for Extraterrestrial Inteligence], que procura sinais de vida em outras partes do Universo”, diz Nascimento.

A busca por um novo Sol ganhou fô-lego em 1995 depois que os astrônomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz anunciaram ter detectado o primeiro planeta orbitando uma estrela parecida com o Sol fora do Sistema Solar (ver Pes-quisa FAPESP nº 104). Quinze anos mais tarde são 479 os planetas extrassolares conhecidos e 43 as estrelas que têm mais de um planeta por companhia. Nenhu-ma delas, porém, idêntica ao Sol.

Enquanto não encontram um gê-meo solar ideal, o alvo mais natural para a procura de planetas habitáveis, os pes-quisadores aproveitam estrelas chama-das de análogas solares – semelhantes, mas não idênticas ao Sol – para construir um perfil evolutivo do astro que tornou possível a vida na Terra. Assim, esperam conhecer melhor como foi seu passado e como deve ser seu futuro. “A tentativa de construir um perfil evolutivo de estrelas como o Sol recebeu prioridade na mis-são Corot”, diz José Renan de Medeiros, um dos coordenadores da participação brasileira no projeto.

Em abril deste ano Mello, Nascimen-to e Medeiros encaixaram uma peça im-portante nesse mapa. Em parceria com pesquisadores da Espanha, da Inglaterra e da França, descreveram no Astrophy-sical Journal um Sol muito jovem. É a estrela kappa1 Ceti, da constelação da Baleia, que tem tamanho, massa e tem-peratura próximos aos do Sol, mas é bi-lhões de anos mais nova. A kappa1 Ceti tem entre 400 milhões e 800 milhões de anos, a idade do Sol no período em que surgiu a vida na Terra e os oceanos de Marte evaporaram.

S e no passado distante o Sol de fa-to se pareceu com essa estrela, os modelos de evolução da atmosfe-

ra terrestre podem precisar de alguns ajustes. A kappa1 Ceti emite de duas a sete vezes mais radiação ultravioleta al-tamente energética e 35% menos raios ultravioleta de menor energia do que o Sol produz hoje. Essa forma de radiação é importante por controlar as reações químicas que permitiram o aumen-to da concentração de gás carbônico

a estrela HiP

56948 é a

candidata

número 1 entre

as 10 principais

concorrentes

ao posto de

gêmea solar

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 53

(CO2) na atmosfera da Terra primitiva e o aquecimento do planeta.

A produção de energia das estrelas oscila com o tempo e depende de dois fenômenos interligados: a velocidade de rotação e a geração de campos magné-ticos. Como as estrelas não são esferas rígidas, a superfície delas se move mais rapidamente na região do equador e mais lentamente nos polos. E quanto maior a velocidade do plasma, mais intensos são os campos magnéticos gerados, que, por sua vez, influenciam o tipo de radiação emitida. De tempos em tempos esses campos ficam retorcidos e emaranhados em áreas de intensa atividade e emissão de energia, vistas como manchas escu-ras na superfície das estrelas (ver www.revistapesquisa.fapesp.br).

Segundo os modelos de evolução es-telar, quando surgiu o Sol devia ter uma taxa de rotação muito alta, completando um giro em torno de si mesmo a cada três dias e emitindo de centenas a milhares de vezes mais radiação altamente energética. Com o tempo, ele passou a girar mais de-vagar e a produzir mais radiação na faixa da luz visível. “Sabemos que isso parece ser verdade a partir da análise de estrelas mais jovens e mais velhas que o Sol”, conta Mello, que em alguns meses deve publicar

nA

sA

Artigo científico

RIBAS, I. et al. Evolution of the solar activity over time and effects on planetary atmos-pheres. ii. κ1 Ceti, an analog of the Sun when life arose on Earth. The Astrophysical Journal. v. 714. 1o mai. 2010.

Fornalha estelar

Como toda estrela, o sol é uma imensa esfera de plasma, gás eletricamente carregado. Em sua região central, o núcleo, a temperatura é de 15 milhões de graus e a cada segundo 4,5 milhões de toneladas de matéria são convertidos em energia. na fotosfera, camada que emite a maior parte da luz visível, a temperatura baixa para cerca de 5.000 graus. Campos magnéticos ajudam a aquecer a camada mais baixa da atmosfera, a cromosfera, e a mais alta, a coroa, que está a 2 milhões de graus e origina os ventos solares.

um trabalho com dados de três estrelas semelhantes à que o Sol foi na infância e dados de estrelas com as quais ele deverá se parecer em bilhões de anos.

N os últimos anos a astrofísica Adria-na Válio, da Universidade Presbi-teriana Mackenzie, em São Paulo,

vem analisando a atividade na super-fície de estrelas análogas ao Sol usando uma técnica inovadora que ela própria criou. Quando começou a participar do projeto Corot em 2002, Adriana tentou imaginar uma forma de usar a luminosidade medida pelo satélite para ter uma ideia do que se passava na superfície das estrelas. Propôs então que aproveitassem o eclipse de plane-tas, companheiros de 20% das estrelas com planetas observadas até hoje, para medir o tamanho das manchas escuras em sua superfície e outros indicadores de atividade estelar.

Adotando o planeta como uma es-pécie de régua astronômica, Adriana vem conseguindo medir com precisão jamais alcançada o tamanho, a tempe-ratura, a localização e o tempo de vida das manchas estelares. Também calcu-lou o período de rotação das estrelas e quanto elas giram mais rápido no equa-

dor do que nos polos. Com o italiano Antonino Lanza, ela testou a estratégia com a Corot 2, estrela semelhante ao que deve ter sido o Sol aos 500 milhões de anos, e mostrou que funciona. Em agosto, Adriana apresentou a análise da estrela Corot 6, semelhante ao Sol aos 3 bilhões de anos, em um simpósio da União Astronômica Internacional.

A partir de dados do campo magnéti-co e da rotação de estrelas semelhantes ao Sol, Nascimento, Meléndez e Mello pre-tendem investigar o que ocorre abaixo da superfície estelar. “Estamos passando dos quantificadores externos, como a lumino-sidade e a temperatura, para os internos, como a zona convectiva e o campo mag-nético”, conta Nascimento, que está oti-mista com a qualidade e a quantidade de dados sobre análogas solares obtidos pelo Corot e outros programas. “Nos próximos 10 anos”, calcula, “deveremos encontrar uma estrela idêntica ao Sol”. n

núcleo

Fotosfera

Cromosfera

Coroa

Se tem uma coisa que os físicos apreciam é a simplicidade. Para a maioria deles, a noção de que tudo – até mesmo o Universo – pode ser resumido num pu-nhado de equações é charmosa demais para ser desprezada. Às

vezes, as tentativas de traduzir a nature-za em números exigem a construção de caros e complexos aceleradores de par-tículas. Mas não foi o caso do trabalho feito pelo grupo de Jandir Hickmann, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), publicado no final de julho na Physical Review Letters. Com ferramentas bem mais modestas (uma fonte de laser, al-gumas lentes e tiras de fita isolante), ele e três colaboradores criaram uma estra-tégia bastante simples de medir uma propriedade da luz que talvez possa ser usada para manipular informação em um computador quântico.

A propriedade medida é o chamado momento angular orbital. Visualizar mentalmente essas propriedades, como praticamente tudo no mundo quânti-co, é bastante complicado. Mas o físico da Ufal usa uma metáfora a partir da física clássica para explicar. Imagine que a Terra seja um feixe de luz. Nosso planeta executa, tendo o Sol como re-ferencial, dois movimentos distintos. Um deles, em torno de seu próprio eixo, é a rotação, que induz a ocor-rência de dias e noites. O equivalente desse movimento no feixe de luz seria o momento angular de spin. O outro movimento da Terra é ao redor do Sol, a translação, que produz os anos. Seu equivalente quântico seria o momento angular orbital. Combinados, os dois movimentos fazem a energia da luz se concentrar em determinadas regiões do feixe. À medida que a luz avança

[ Física ]

O giro da luz

Salvador Nogueira

Técnica simples mede propriedade de feixe luminoso útil para a computação quântica

A ideia por trás dessa tecnologia nascente é usar as interações e proprie-dades da luz e das partículas atômicas para efetuar cálculos que dificilmente poderiam ser feitos de outro modo. Isso porque uma das características mais estranhas do mundo quântico é o fato de que uma partícula, até que seja observada, pode conter todas as configurações possíveis para ela. Por exemplo, uma partícula de luz pode ter simultaneamente spin -1 ou 1, antes de ser detectada. Com isso, ela poderia, em princípio, ser usada para fazer duas operações a um só tempo.

Os experimentos que usam o spin para o processamento quântico têm obtido algum sucesso, mas Hickmann enxerga um potencial ainda maior pa-ra o uso do momento angular orbital. “Isso porque ele não tem um limite para a quantidade de estados que pode assumir. Enquanto o momento angular de spin só pode ser 1 ou -1, o momento angular orbital pode ter qualquer valor, contanto que seja um número inteiro, positivo ou negativo”, explica o físico.

Com isso, ao menos em princípio, a quantidade de cálculos simultâneos que podem ser feitos por um proces-

sador quântico baseado em momento angular orbital passa a ser muito maior. À medida que se desenvolvam técnicas eficientes de medição, essa ideia pode ficar um pouco mais próxima da rea-lidade. Mas só um pouco.

“O maior problema da computa-ção quântica é a decoerência”, diz Hi-ckmann. Esse é o nome dado à perda dessa delicada condição em que as partículas são mantidas apresentando todos os estados ao mesmo tempo e, portanto, útil para o processamento de informações. “O difícil é gerar estados quânticos robustos o suficiente para não se perderem”, afirma. Segundo o físico, até hoje os únicos processado-res quânticos testados têm baixíssima capacidade de processamento. “É co-mo se eu tivesse um processador capaz de contar só até 16 bits quânticos. Ele tem poucos dedos, não consegue contar muito”, explica, “por isso ainda não tem aplicação prática”. n

artigo científico

HICKMANN, J. et al. Unveiling a truncated optical lattice associated with a triangular aperture using light’s orbital angular momentum. PRL. v. 105. 30 jul. 2010.

em uma direção, essa área de concen-tração de energia se desloca em espiral ao longo do eixo do feixe luminoso – se fosse visível, formaria uma imagem que lembra um saca-rolhas.

Há muito tempo os cientistas sabem mensurar as propriedades de spin, mas o momento angular orbital é bem mais difícil de medir. Usando uma mesa óp-tica, Hickmann e seus colegas dispara-ram um laser de argônio na direção de um detector. No caminho, a luz tinha de passar por um holograma, uma es-pécie de filtro em que adquiria momen-to angular orbital, antes de atravessar uma abertura em forma de triângulo equilátero feita em uma tira de fita iso-lante. Por que esse material? “Só para demonstrar a facilidade de execução”, diz o físico brasileiro.

Desvios - O laser, ao atravessar a aber-tura, interage com as bordas do triân-gulo e sofre um desvio (difração). O que se vê no detector é um triângulo diferente, formado por um conjunto de discos luminosos. Basta contar o núme-ro desses discos que formam um dos lados do triângulo para saber o valor do momento angular orbital. Ele será proporcional ao número de discos.

Essa constatação animou os físicos. “Foi uma surpresa, pelo menos para mim, que houvesse uma relação tão simples e bonita”, disse Miles Padgett, da Universidade de Glasgow, na Escó-cia, ao Physical Review Focus, veículo de divulgação científica da Sociedade Física Americana, que apresentou com destaque a pesquisa brasileira. A razão para excitação é que há esperança de que o momento angular orbital possa ser usado como base para a chamada computação quântica.

Discos coloridos:

resultado do desvio da luz

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PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 57

Em 1998, no quinto ano do curso de medicina, Maria Isabel Achatz atendeu uma mulher de 65 anos que já tinha tido três cânceres – um no seio, o segundo no peritônio, a membrana que reveste o abdômen, e o terceiro em outro seio – e naque-le momento apresentava outro, no pulmão. “Ela contou que os médicos tinham falado que um câncer não tinha nada a ver com outro”, retoma Maria Isabel. Intrigada, já que não era mesmo um só tumor que havia se espalhado por outros órgãos, ela começou a puxar o fio de uma síndro-me rara, marcada pela predisposição ao câncer e expressa por meio de tumores independentes e sucessivos em idade precoce – antes dos 30 anos e mesmo na infância.

À medida que apareciam outras pessoas com relatos semelhantes aos daquela mulher, Maria Isabel, em São Paulo, e logo depois outros pes-quisadores de outros estados concluíram que essa doença de origem genética – a síndrome de Li-Fraumeni, que aumenta em até 90% o risco de desenvolver câncer ao longo da vida –, embora fosse descrita como rara, não era rara no Brasil. Se a frequência dessa doença na população for confirmada, poderão surgir sérios problemas de saúde pública, na medida em que os hospitais públicos, ao menos de imediato, dificilmente te-rão laboratórios e equipes para acompanhar as pessoas com esse problema.

“Em um ano encontramos 28 famílias com casos muito semelhantes”, espantou-se a médica, pesquisadora no Hospital do Câncer A.C. Ca-margo desde 2001. Trabalhando em conjunto, as

[ Medicina ]

equipes de Maria Isabel, de Fernando Vargas, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, e de Patricia Ashton-Prolla, da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), identificaram até agora 325 pessoas de 132 famí-lias com a síndrome de Li-Fraumeni. Em nenhum outro país apareceram tantos portadores dessa doença, até hoje encontrada em 560 famílias no mundo todo (o conceito de família, aqui, inclui tios e primos, não só pais e filhos).

A maioria das pessoas com essa doença já diagnosticadas no Brasil descende de imigran-tes portugueses e mora nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Porém, como há décadas os mo-radores desses estados migram para outras re-giões, moradores de outras regiões podem ter essa doença e nunca terem sido diagnosticados. Uma das linhas de trabalho em andamento examina essa possibilidade, em busca de uma delimitação precisa do alcance geográfico e populacional des-sa forma hereditária de câncer.

A origem dessa doença já está definida. A su-cessão de tumores independentes que caracteriza a síndrome de Li-Fraumeni resulta de alterações – ou mutações – no gene TP53, localizado no cromossomo 17. Cada célula humana contém duas cópias desse gene. Uma mutação que surja em uma das cópias nas células sexuais (nos tes-tículos ou nos ovários) pode ser transmitida aos filhos, cada um com 50% de chance de herdar a mutação. O gene TP53 aciona a produção de

Histórias de família

especialistas rastreiam no país síndrome genética que pode causar sucessivos cânceres

Carlos Fioravanti | Fotos Gabriel Bitar

58 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

proteínas de reparo do DNA, que a cada dia sofre cerca de 7 mil danos resultan-tes da radiação solar ou do ataque de agentes químicos. “Quando o gene está mutado”, diz Patricia, “os mecanismos de reparo funcionam de forma deficitá-ria e a célula fica mais propensa a sofrer uma transformação maligna”.

Em 2006, as equipes de Maria Isabel, Patricia e Vargas, em colaboração com o grupo de Pierre Hainaut, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, apresentaram a mutação predominante nas pessoas com Li-Fraumeni no Brasil. Chamada de R337H, essa alteração en-contra-se em uma das extremidades do gene, enquanto em outros países outras mutações responsáveis pela síndrome estão na região central do gene.

Na trilha do gene – As equipes de São Paulo, Rio e Porto Alegre, em conjun-to com colegas da França e da Itália, verificaram que as cidades com maior número de pessoas com essa mutação coincidiam com os pontos de parada dos tropeiros, como eram chamados os comerciantes portugueses que percor-riam o Sul e o Sudeste nos séculos XVII e XVIII. A análise de 29 trechos de DNA de 12 pessoas não aparentadas portado-ras da mutação indicou que todas essas pessoas tinham um ancestral comum europeu, como detalhado na Human Mutation de fevereiro de 2010. “É uma hipótese de trabalho a ser testada”, diz

Vargas. “Ainda não investigamos outras regiões do país.” Maria Isabel acrescenta: “Estamos abertos a novas colaborações que possam nos ajudar a delimitar o al-cance geográfico dessa síndrome”. Outra possibilidade é que a mutação R337H não seja exclusivamente brasileira, mas tenha sido subdiagnosticada em outros países. Por enquanto emergiram apenas dois casos, um português que morava na França e um brasileiro no Canadá.

A mutação R337H tem se mostra-do bastante prejudicial: as mulheres que a têm estão sujeitas a um risco de até 97% – e os homens, de 73% – de desenvolver câncer ao longo da vida. Enquanto na população em geral o ris-

co de apresentar um tumor antes dos 30 anos é de 1%, nos portadores dessa mutação pode ser de 50%. Descrita em 1969 pelos médicos Frederick Li e Joseph Fraumeni, essa síndrome pode se manifestar na infância por meio de tumores no cérebro, em glândulas co-mo as adrenais, no sangue (leucemia) ou nos ossos e em tecidos moles como o músculo. Nos adultos, os tumores mais frequentes associados a essa síndrome são os de mama, intestino, ossos, siste-ma nervoso central e pulmão, leucemia, estômago, próstata e pâncreas.

A frequência dessa mutação na po-pulação, de tão elevada, surpreendeu os pesquisadores. Em um grupo de 160 mil recém-nascidos testados em Curitiba, no Paraná, 455 – uma em cada 300 crianças – tinham a mutação causadora dessa síndrome no Brasil. “É um valor muito mais alto do que está nos livros”, diz Vargas. Em outros países, essa síndrome acomete uma em cada 5 mil pessoas. Se confirmado por levantamentos mais amplos, esse resul-tado torna a síndrome a forma mais co-mum de câncer hereditário, ao menos no Brasil. De origens distintas, tumores hereditários de mama, ovário, intestino, tireoide, próstata e pele entre adultos e de retina entre crianças respondem por 5 a 10% do total de casos de câncer. Vargas observa que a frequência dessa mutação na população – ou prevalên-cia –, se confirmada, pode superar a de outras deficiências genéticas, como o hipotireoidismo congênito, encontrado em uma em cada grupo de 4 mil pes- soas, a fenilcetonúria, encontrada em um em cada 10 mil recém-nascidos, ou uma das formas de nanismo, que aco-mete uma em cada 15 mil pessoas.

Duas mulheres – Essa prevalência, se for mesmo tão alta, pode trazer um sério problema de saúde pública: “As pessoas com essa mutação, por estarem em risco para diferentes tumores, em diferentes idades, precisam ser acompanhadas por toda a vida, mas no momento não temos hospitais públicos e equipes preparadas para atender um problema dessa mag-nitude”, diz Patricia. Sua equipe encon-trou a mutação em duas mulheres de um grupo de 750 sem câncer de mama que faziam mamografias anuais. As duas pertenciam a uma mesma família, até então apenas com casos esparsos de tipos

Nem todos

da mesma

família,

mesmo com

a mutação,

deseNvolvem

câNcer

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 59

diferentes de câncer, não uma história clara de câncer hereditário. A perspecti-va de ter câncer não inquietava as duas mulheres, mas em dois anos um tumor de útero manifestou-se em uma delas e outros tumores foram diagnosticados em outras pessoas da mesma família, incluindo uma criança de 4 meses.

Patricia conta que os pais dessa criança de 4 meses procuraram os médicos porque não entendiam por que a filha ganhava peso em excesso, mesmo que recebesse apenas leite ma-terno. O problema não era tendência à obesidade, como pensavam, mas um tumor nas glândulas adrenais que cau-sou um desequilíbrio hormonal cujo resultado mais visível era o sobrepeso. Os médicos retiraram o tumor e aos poucos o bebê voltou ao peso normal. A equipe do hospital pediu que outras pessoas dessa mesma família, com ou sem câncer, fizessem o teste genético, que identificou a mutação em várias delas. “Ao menos nessa família”, diz ela, “nem todas as pessoas que nascem com a mutação desenvolvem câncer, que po-de ser de diferentes tipos e se manifestar em idades também diferentes”.

Esta é uma característica intrigante desta síndrome: por que uma criança com a mutação pode ter um tumor agressivo e outra pessoa da mesma família, com a mesma mutação, pode chegar aos 60 anos sem ter nada? Uma das explicações é que o DNA de algu-mas pessoas com essa mutação pode abrigar também outras alterações gené-ticas, dessa vez protetoras. Um exemplo é uma duplicação de 16 pares de bases nitrogenadas, as unidades do DNA, em meio a outro trecho do gene TP53. À frente desse trabalho, Virginie Marcel, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, de Lyon, França, em cola-boração com as equipes de São Paulo e do Sul, verificou que nas pessoas que tinham esse trecho duplicado os pri-meiros sinais de câncer apareciam qua-se 20 anos depois do que nas pessoas que não o tinham. “Deve haver outros mecanismos genéticos que ajudam a proteger as pessoas que carregam essa mutação”, diz Maria Isabel.

Ainda há muitas outras dúvidas. “O que desencadeia os tumores? Que tipo de câncer vai aparecer primeiro? Não sabemos. Não temos todas as respos-tas”, observa Patricia. Atualmente ela

pais de

criaNças

que tiveram

câNcer Não

sabem que

outros

familiares

podem

carregar

a mutação

coordena um estudo para identificar essa mutação em 1.500 mulheres e 500 crianças que apresentaram tumores típicos dessa síndrome. As equipes do Hospital das Clínicas e do Instituto do Câncer Infantil de Porto Alegre já veri-ficaram que uma em cada quatro das primeiras 150 crianças avaliadas tinha história familiar de câncer. “Entre as crianças com carcinoma adrenocortical [na glândula adrenal], a maioria tem a mutação R337H”, conta ela. “Há casos isolados de crianças com a mutação que tiveram algum tipo de câncer, mas não têm história familiar da doença. Seus pais provavelmente não sabem que ou-tras pessoas da família podem carregar a mutação e desenvolver tumores.”

Volte sempre – “Ainda não temos co-mo impedir o aparecimento de tumores, mas podemos fazer o diagnóstico preco-ce”, diz Maria Isabel. Os médicos pedem para que as pessoas com essa mutação voltem aos hospitais a cada seis ou 12 meses para fazer os exames que detec-tam tumores – todo câncer pode ter al-to grau de remissão ou até mesmo cura quando tratado no início. Às mulheres com essa alteração genética, pedem que

60 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

façam mamografia a partir dos 25 anos, não dos 50, como indicado às mulheres sem essa mutação. “Se encontramos um pólipo, retiramos logo”, conta ela.

Por vezes, quem pede para fazer os testes genéticos não tem câncer, mas teme a doença que marcou a his-tória da família. “Muitos se sentem como se tivessem uma espada sobre a cabeça, que pode cair sobre eles a qualquer momento”, comenta Vargas. Saber que cada célula do corpo contém uma falha genética com consequên-cias possivelmente trágicas pode trazer inicialmente um alívio, porque o fato de muitos familiares terem câncer ga-nha finalmente uma explicação. Com o tempo, porém, afloram ansiedade, medo, forças, fragilidades, desejos, frustrações e dúvidas sobre a própria vida e as relações familiares.

“Muitas vezes as mulheres, ao te-rem conhecimento que têm a muta-ção, não sabem mais se querem mesmo ter filhos, com medo de transmitir essa alteração, ou se devem casar ou con-tar para o marido, que às vezes as abandona quan-do sabe que elas têm essa predisposição genética”, conta Christina Tarabay, psicóloga do Hospital do Câncer A.C. Camar-go. “Quem tem essa mutação às vezes tem medo de ser identificado pelo con-vênio médico, de contar para a família ou de perder o controle sobre a vida. Algumas pessoas aceitam fazer o teste genético, mas não querem saber do re-sultado. Temos de respeitar as escolhas e decisões das pessoas a quem ofere-cemos tratamento, sempre.”

“O teste genético é um pedaço de papel com uma carga simbólica imensa, que pode mudar profundamente a vida das pessoas, independentemente do re-sultado encontrado”, diz Christina. Ela se surpreendeu ao ver como 35 pessoas de uma mesma família, com idade mé-dia de 47 anos, reagiam ao fato de terem feito o teste genético, um ano antes, e saberem que tinham a alteração gené-tica que poderia causar um câncer de-pois do outro. “As 14 que souberam que tinham a mutação adotaram o humor como mecanismo de defesa psíquica, tratavam o problema abertamente e aderiram ao acompanhamento mé-dico e psicológico”, diz ela. “Por outro

lado, as outras 21 anularam a alegria que poderiam sentir por não terem a mutação, às vezes se sentiam culpadas por não terem o mesmo gene defeituo-so dos irmãos e se tornavam solícitas para fazer os familiares com a mutação se sentirem confortáveis.”

O biólogo José Roberto Goldim convive com esse drama no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde chefia o serviço de bioética. “Aparentemente, vamos dar uma boa notícia para quem não tem a mutação e vemos a pessoa de-sabar, porque sente que, a partir daquele momento, não pertence mais à família e que perdeu uma característica que dá identidade à família. As pessoas em famílias com doenças genéticas cresce-ram vendo doentes e pensando que um dia também vão ficar doentes. A doen-ça faz parte da herança familiar.” Toda tarde de segunda-feira, ele conta, sua equipe se reúne com Patricia e outros médicos para acertarem o que e quando contar a quem fez os testes genéticos e a seus familiares, evitando impactos negativos ao comunicar os diagnósticos nos dias seguintes.

artigos científicos

1. ACHATz, M.I.W. et al. Highly prevalent TP53 mutation predisposing to many can-cers in the Brazilian population: a case for newborn screening? Lancet Oncology. v. 10, n. 9, p. 920-5. set. 2010.2. PALMERO, E.I. et al. Tumor protein 53 mutations and inherited cancer: beyond Li-Fraumeni syndrome. Current opinion in oncology. v. 22, n. 1, p. 64-9. jan. 2010.

quem descobre que Não tem a mutação

pode se seNtir culpado e excluído da família

“O teste genético muda a noção de privacidade, porque vai além do pró-prio indivíduo”, diz Goldim. Enquanto os resultados de um exame de sangue diz respeito apenas a quem o faz, os de um teste genético pode se estender a toda a família e revelar parentes des-conhecidos, casamentos encobertos e casos de falsa paternidade. “Temos de ter muita cautela e muita discrição”, recomenda. “Não podemos simples-mente fazer o teste, dar o resultado e pedir para chamar a família. Temos de pensar, a todo momento, até que ponto podemos expor os problemas de uma pessoa a seus familiares.” n

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 61

bem aNtes do câncer

eInfecções e consumo excessivo de carne vermelha podem facilitar o surgimento de tumores

pisódios banais da vida como um herpes labial ou os sábados de comilança na chur-rascaria podem ter sérias consequências décadas mais tarde. Infecções causadas por vírus, bactérias ou parasitas, tanto quanto o consumo elevado de carnes vermelhas, po-

dem favorecer o desenvolvimento de tumores, às vezes por mecanismos ainda não conhecidos. O virologista alemão Harald zur Hausen fez esse alerta com a autoridade de quem descobriu a ligação entre a infecção causada pelo papiloma vírus humano (HPV) e o câncer de colo de útero e, por essa razão, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 2008. Sua apresentação marcou o início do funcionamento do Centro Internacional de Pesquisa e Ensino (Cipe) do Hospital do Câncer A. C. Camargo, em São Paulo, no dia 5 de agosto.

zur Hausen reiterou a associação entre infecções e câncer. Os vírus causadores do herpes estão ligados a tumores de pele e outros; o HPV a câncer cervical, no ânus, nos genitais, na boca ou na faringe; o HIV, causador da Aids, a câncer de pele como o sarcoma de Kaposi; e os vírus das hepatites B ou C a câncer de fígado. A bactéria Helicobacter pylori pode causar úlcera e induzir a formação de tumores de estômago, enquanto a Mycobacteria tuberculosis, além da tuberculose, pode causar tumores em células de revestimento (epite-liais) ou de glândulas como a adrenal. Entre os vermes, zur Hausen lembrou do Schistosoma haemotobium, causador da esquistossomose, principalmente na África, associado ao câncer de bexiga, e do Schistosoma mansoni, que provoca esquistossomose no Brasil e pode levar ao câncer retal.

Uma das razões pelas quais uma infecção pode favo-recer a formação de tumores, ele explicou, é o fato de o material genético dos vírus interagir com genes das células humanas. Uma vez alterados, os genes podem mudar os mecanismos de duplicação ou de reparo do DNA e faci-litar a proliferação de células anormais. Vírus, bactérias e parasitas podem também gerar inflamações crônicas, que desregulam as defesas do organismo. Carlos Fioravanti

“Aproximadamente 21% dos casos de câncer no mundo inteiro são cau-sados por infecções”, disse zur Hausen. Desse total, 71% poderiam ser evitados por meio de vacinas, antibióticos ou antivermífugos. No Brasil, 26% dos casos de câncer poderiam ser evitados por meio da prevenção de infecções, de acordo com um estudo recente do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Por sorte, a evolução de uma infec-ção para um câncer geralmente é lenta. Um câncer cervical aparece depois de 15 a 20 anos de o HPV ter se manifes-tado e o câncer de fígado depois de 30 a 60 anos após o início da hepatite B ou C. Uma exceção é o vírus Epstein-Barr, que pode acionar a formação de tu-mores na faringe em menos de um ano depois de o vírus ter se instalado no organismo. Inversamente, infecções podem às vezes evitar o câncer, como no caso da leucemia. “Os fatores de risco para leucemias na infância são infecções raras e status socioeconômi-co alto”, disse.

A alimentação também pode ace-lerar ou adiar o desenvolvimento de tumores. “Argentina, Uruguai, Nova zelândia e Estados Unidos são os países que mais consomem carne vermelha e os que apresentam o maior número de casos de câncer colorretal, de mama e de pulmão em não fumantes”, comentou zur Hausen, que expôs em gráficos e ta-belas como a carne vermelha ou a carne industrializada ampliam a incidência de câncer e como o consumo de frutas e legumes a detém. A hipótese dele é que uma infecção causada por um vírus que ele chama de TT estaria diretamente relacionada ao câncer colorretal.

Nem tudo está claro. Segundo ele, cozinhar ou fritar carne vermelha pode liberar substâncias ainda pouco conhe-cidas que se combinam com compos-tos do organismo, formando moléculas que beneficiam os tumores. “A carne de frango frita ou grelhada parece não li-berar esses compostos”, disse. “Existem suspeitas de que o leite de vaca pode transmitir agentes causadores de câncer da vaca para os seres humanos.” Mesmo assim, zur Hausen não se tornou vege-tariano. “Ainda como carne vermelha. Tenho 74 anos, estou na fase final de minha vida e sei dos meus riscos.” n

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e oculta

Equipe da Unicamp derruba a ideia de que existe uma forma branda da malária

Por muito tempo considerado um pa-rasita pouco agressivo, o Plasmodium vivax na verdade pode causar com-plicações graves, além dos violentos acessos de febre que caracterizam to-dos os tipos de malária. À frente de uma equipe internacional, o parasi-

tologista Fabio Trindade Maranhão Costa, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), agora explica por quê. Os plasmódios vivax têm a capacidade de aderir às células do doente, causando danos até agora imputados apenas a seu parente mais mal-afamado, o Plasmodium falciparum.

A equipe identificou essa característica usando parasitas recém-retirados do sangue de pacientes do hospital da Fundação de Me-dicina Tropical do Amazonas, em Manaus, e fez testes usando células de pulmão humano e de cérebro de macacos-de-cheiro, ambas mantidas em cultura, além de cortes de pla-centa humana recolhida depois do parto. Os resultados desses experimentos, publicados no Journal of Infectious Diseases, mostram que os parasitas P. vivax aderem às células mesmo quando submetidos a um fluxo de líquido, simulando a situação que enfrentam dentro de um vaso sanguíneo. É provavelmente essa a explicação para as notificações, cada vez mais comuns nos últimos 10 anos, de complicações – como problemas pulmonares ou convulsões – em casos de infecção por vivax.

“Não existe parasita benigno”, sentencia Costa. Embora faça sentido pensar que um or-ganismo que infeste outro cause sempre algum efeito nocivo, até pouco tempo atrás o Plasmo-dium vivax não era levado muito a sério. Ele não tem em sua superfície as estruturas, chamadas knobs, características de P. falciparum e consi-deradas essenciais para que o microinvasor se ancore às células humanas e dê origem a um processo inflamatório que danifica os tecidos e pode levar à morte, ou a um aborto quando a infectada é uma mulher grávida.

Havia também outro motivo para os pes-quisadores não suspeitarem que o Plasmodium vivax aderisse às células. É que não observavam o fenômeno chamado sequestro – o desapareci-mento dos parasitas adultos durante a segunda metade de seu ciclo de vida. O sequestro já é bem conhecido em falciparum: os parasitas não aparecem no sangue porque estão agarrados ao revestimento interno dos vasos sanguíneos, o endotélio. Como o sangue dos infectados com vivax apresentam parasitas adultos em qualquer fase do ciclo de vida, até agora se considerava que ele fosse menos agressivo.

Os pesquisadores se conformaram com esses indícios indiretos por causa de uma di-ficuldade técnica nada trivial. Desde os anos 1970 os parasitologistas conseguem cultivar, em hemácias humanas no laboratório, colô-nias de P. falciparum, que se reproduzem e mantêm a capacidade de infectar. Mas o vivax é mais exigente e se recusa, ainda hoje, a viver em condições artificiais.

Costa superou essa adversidade usando parasitas recém-colhidos de pacientes e des-cobriu que os plasmódios vivax aderem às células endoteliais, porém cerca de 10 vezes menos do que os falciparum. Mas, uma vez aderidos, ambos os tipos de plasmódio têm a mesma capacidade de se manter colados às células. “Ainda não sabemos exatamente como os vivax aderem, mas parece ter relação com genes chamados vir, uma família gênica muito variável nos plasmódios”, conta o parasitolo-gista da Unicamp.

Como o parasita não se adapta às condi-ções de laboratório, só é possível fazer esse trabalho nas regiões endêmicas – no Brasil, o ideal é Manaus, onde é tratada boa parte

[ Parasitologia ]

PESQUISA FAPESP 175 n sEtEmbro DE 2010 n 63

pesquisa exigirão uma infraestrutura adequada para ensaios biológicos mais sofisticados. Costa também espera, em Manaus, examinar amostras de tecidos de pacientes que morreram por causa da malária e desenvolver métodos para estudar in vitro os processos inflamató-rios desencadea dos por vivax.

Impacto – Entender o funcionamento do Plasmodium vivax tem um enorme impacto potencial em saúde pública. No mundo todo 2,85 bilhões de pessoas – a maior parte na Ásia – correm risco de serem infectadas por essa espécie do parasita, responsável por 85% dos casos de malária no Brasil. “E essa proporção vem aumentando”, acrescenta Costa. O mais preocupante é que a variedade de vivax predominante no país já começa a demonstrar sinais de resistência aos medicamentos contra a malária, como a cloroquina. Analisando o sangue de pessoas com malária na Amazônia, a equipe do médico Marcelo Urbano Ferreira, da Universidade de São Pau-lo (USP), verificou que existe grande diversidade entre as variantes de vivax existentes no Brasil, que são claramen-te distintas daquelas encontradas, por exemplo, na Ásia. Esses achados podem ajudar a explicar a resistência aos anti-maláricos em algumas das áreas em que ocorre essa forma de malária.

Por enquanto, pelo menos, a des-coberta do grupo de Campinas não aponta diretamente para novos fár-macos. E não existem medicamentos eficientes que atuem diretamente con-tra a adesão em falciparum, apesar de o processo já ser bem conhecido. Mas o pesquisador não descarta que estudar esses mecanismos em vivax, sobretudo quando for possível estudá-los in vivo,

talvez em macacos, deve levar a um co-nhecimento que ajudará no combate à doença. “É uma quebra de paradigma que vai abrir possibilidades gigantes de pesquisa, passamos a ver a patogênese provocada por esse parasita de maneira diferente”, prevê Costa.

Enquanto não se descobre como evitar a adesão dos plasmódios às cé-lulas do endotélio e da placenta, a saída é buscar estratégias mais eficientes de combater os insetos que os transmitem para os seres humanos, como a elabo-rada recentemente pelo grupo de Mar-celo Ferreira. Ao longo de alguns anos a equipe de Ferreira examinou todas as casas da comunidade de Granada, no leste do Acre, e constatou que apenas 22% delas concentravam 70% dos casos da doença. A aplicação de inseticidas em 25% das casas, em especial as que funcionam como foco de transmissão, já permitiria reduzir em dois terços os casos de malária, segundo estudo reali-zado pelo médico Natal Santos da Silva, da equipe de Ferreira, e publicado em maio na Transactions of the Royal So-ciety of Tropical Medicine and Hygiene. “Esperamos ter contribuído com evi-dências que ajudem a planejar novas intervenções de controle do mosquito transmissor da malária”, diz Ferreira. n

artigos científicos

1. CARVALHO, B.O. et al. On the cytoa-dhesion of Plasmodium vivax-infected erythrocytes. Journal of Infectious Diseases. no prelo.2. DA SILVA, N.S. et al. Epidemiology and control of frontier malaria in Brazil: lessons from community-based studies in rural Amazonia. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. v. 104 (5), p. 343-350. mai. 2010.

1. Avaliação dos mecanismos protetores da oxigenação hiperbárica (HBO) na malária cerebral experimental e na citoaderência parasitária – nº 2009/08728-82. Dinâmica populacional de polimorfismos de Plasmodium vivax na Amazônia rural brasileira – nº 2010/50333-8

modAlIdAdE

1 e 2. Auxílio regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dorES

1. Fabio trindade maranhão Costa – Ib-Unicamp2. marcelo Urbano Ferreira – UsP

InvEStImEnto

r$ 345.124,00 (FAPEsP) r$ 347.436,27 (FAPEsP)

Os PrOjetOs

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Plasmodium vivax infecta células do sangue

dos pacientes da região amazônica. Para esse trabalho, Costa contou com a colaboração de dois colegas locais: o médico Marcos Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, e Paulo Nogueira, da Fundação Oswaldo Cruz. “Sem eles, o trabalho não teria sido possível”, afirma o pesquisador da Unicamp, que pretende investir seu financiamento de pesquisa para aprimorar as condições de trabalho em Manaus. Os próximos passos da

64 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

Saúde à mesa

Consórcios internacionais dão corpo a pesquisas sobre a relação entre genes e nutrição

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[ NutrigeNômica ]

Maria Guimarães

Uma dieta personalizada pode equilibrar o fun-cionamento dos genes e reduzir propensões naturais a certas doenças com base genética, como o diabetes. Na verdade ainda não pode, mas alguns pesquisadores acreditam que, com financiamento adequado e esforços coordena-dos, em cerca de uma década a nutrigenômica

será uma realidade. É como parte desse esforço concerta-do que cerca de 600 pesquisadores se reúnem no Guarujá, litoral paulista, entre os dias 26 e 29 deste mês, para a Conferência Internacional de Nutrigenômica.

Uma vertente da nutrigenômica investiga como os nutrientes afetam diretamente a ação dos genes. É o caso da ação de gorduras, ou ácidos graxos, sobre genes que controlam células do sistema imunológico, estudada pela farmacêutica Renata Gorjão, da Universidade Cruzeiro do Sul, em colaboração com o grupo coordenado por Rui Curi, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universi-dade de São Paulo (ICB-USP). Eles descobriram que o DHA e o EPA – os dois tipos mais comuns de ômega-3, uma gordura comum no óleo de peixes de águas frias – reduzem a atividade de genes envolvidos com a proli-feração dos linfócitos, as células que funcionam como a

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 65

Ong, da Faculdade de Ciências Farma-cêuticas da USP, vem mostrando, em trabalho coordenado pelo médico Fer-nando Moreno, do mesmo laboratório, que uma molécula comum no mel e em derivados do leite – a tributirina – pode ajudar a prevenir o câncer hepático. Em experimentos com ratos, o grupo mos-trou que o tratamento com tributirina reduz lesões pré-cancerígenas no fíga-do. Ela modifica a cromatina, estrutura que empacota o DNA, e com isso ativa genes ligados à morte celular. Por isso, os ratos tratados desenvolveram menos lesões no fígado, e as que surgiram eram menores do que nos não tratados. “Es-ses estudos mostram como processos epigenéticos, que modulam a expressão dos genes sem modificar a sequência do DNA, podem ser instrumentos impor-tantes contra o câncer”, frisa Ong.

Esforço conjunto – Pesquisas como essas são iniciativas importantes, mas para que entrem em prática é preciso juntar esforços. “A ciência está se tor-nando tão complexa que simplesmente não dá para fazer sozinho”, comenta Chris Evelo, chefe do Departamento de Bioinformática da Universidade de Maastricht, na Holanda. “Boa parte da genômica e da genética em ampla escala é na verdade bem nova e esta-mos aprendendo como aplicar essas ferramentas”, completa, o que torna a bioinformática central no estágio atual das pesquisas. É imprescindível por is-so a iniciativa de redes internacionais, como a Rede Europeia de Nutrigenô-mica, coordenada pelo holandês Ben van Ommen, que estabelece colabora-ções com vários países fora da Europa, inclusive o Brasil.

A maior parte dos pesquisadores à frente da nutrigenômica faz questão de frisar que o conhecimento ainda não é suficiente para gerar aplicações práti-cas. Como a nutrigenômica exige um conhecimento da variação genética na população inteira, um grupo brasileiro liderado pelo biólogo Carlos Menck, do ICB-USP, busca agora fincar as bases para um projeto varioma humano.

“As recomendações nutricionais que vêm nas embalagens de alimentos e suplementos se baseiam em estudos norte-americanos e europeus”, alerta a bióloga Lucia Ribeiro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. Ela é coordenadora da Rede Brasileira e da Rede Latino-Americana de Nutri-genômica e preside a comissão organi-zadora da Conferência Internacional de Nutrigenômica. Ela está à frente de estudos sobre a vitamina D e se prepara para iniciar um trabalho sobre vitami-na A, importante para o crescimento, a visão e o desenvolvimento embrioná-rio. “Algumas pessoas são capazes de transformar o betacaroteno da dieta em vitamina A, outras precisam de suplementação direta”, explica. E isso depende de genes, daí a necessidade de entender as características genéticas da população brasileira para chegar a re-comendações adequadas.

O trabalho está no começo. “Na mi-nha opinião, a nutrição personalizada ainda está distante e não será ampla-mente usada por um bom tempo”, re-lativiza John Hesketh, coordenador do Projeto Internacional de Genômica de Micronutrientes, de que Lucia faz parte. Ele vem estudando, entre outras coisas, como o consumo de selênio afeta genes que podem interferir no desenvolvi-mento de câncer colorretal.

Para Jim Kaput, diretor da Divisão de Nutrição e Medicina Personalizadas, da Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, o grande feito até agora da nutrigenômica foi enfatizar a importância de analisar genes e ingestão de nutrientes no mesmo experimento. Ele diz que o campo, impulsionado pelos resultados do Projeto Genoma Humano, na verdade tem raízes antigas. “Muitas vezes citamos Hipócrates, 2.500 anos atrás: ‘Que o alimento seja seu remédio, e o remédio sua comida’.” n

memória do sistema imunológico. “Se essas células se multiplicam demais, o resultado é uma doen ça inflamató-ria”, explica Renata. Daí a necessida-de de dosar o consumo de ômega-3 conforme as necessidades individuais.

O efeito das gorduras parece ser bem disseminado. A alemã Hannelo-re Daniel, da Universidade Técnica de Munique, uma das convidadas de des-taque no congresso, vem mostrando em camundongos que dietas com diferen-tes teores de carboidratos e gorduras afetam a expressão de genes em vários órgãos e tecidos.

A nutricionista Sophie Deram, da Faculdade de Medicina da USP, tri-lha outra vertente da nutrigenômica, a nutrigenética, que examina como a composição genética de cada pessoa in-terage com os alimentos na propensão a doenças. A pesquisadora de origem francesa, que já se considera brasileira, estuda crianças que chegam ao ambula-tório de obesidade infantil do Hospital das Clínicas. Ela descobriu que varia-ções no gene da perilipina (Plin), uma proteína das células de gordura, afetam a tendência à obesidade. Crianças com a variante Plin-4 têm mais risco de, se ficarem acima do peso, desenvolver a síndrome metabólica: resistência à insu-lina, pressão arterial aumentada e baixos teores do colesterol HDL – aquele que traz mais benefícios ao organismo.

“O curioso”, explica Sophie, “é que o Plin-4 acelera a quebra de gorduras e por isso é considerado protetor con-tra a obesidade”. Esse é um lembrete eloquente de que os genes atuam em conjunto com o ambiente: crianças portadoras do Plin-4 que têm uma dieta muito inadequada acabam ten-do problemas justamente por causa da grande quantidade de fragmentos de gordura livres no sangue, com efeito tóxico. Sophie verificou também que crianças portadoras da variante Plin-6 respondem muito bem ao tratamento com dieta e exercício.

Esse enfoque também tem sido promissor na luta contra o câncer, tema da Conferência Internacional sobre Mecanismos de Antimutagêne-se e Anticarcinogênese, que acontece em paralelo com a de nutrigenômica. O farmacêutico bioquímico Thomas

Hipócrates,

há 2.500 anos,

já disse: “Que

o alimento seja

seu remédio,

e o remédio

sua comida”

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 65

Livro reúne estudos de Vanzolini, autor da teoria dos refúgios

os 10 anos, Paulo Emílio Vanzolini conseguiu a aprovação no exame de admissão para o curso ginasial e, como prêmio, ganhou do pai uma bicicleta. Com sua bicicleta, o ga-roto foi passear no Instituto Butantan, zona oeste da capital paulista, onde se encantou com as cobras e decidiu que seria pesqui-

sador. Aos 14 anos, Vanzolini já era estagiário no Instituto Biológico de São Paulo e aos 23 formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo (USP). No doutorado, concluído em 1951 na Universidade Harvard, Estados Unidos, decidiu enveredar pela herpetologia, o estudo de répteis e anfíbios.

Depois de mais de seis décadas dedicadas à ciên-cia, Paulo Vanzolini, hoje com 86 anos, faz chegar às prateleiras das livrarias a obra Evolução ao nível de espécie – Répteis da América do Sul. Com mais de 700 páginas, o livro lançado pela editora Beca com apoio da FAPESP é uma coletânea com 47 dos prin-cipais artigos publicados pelo pesquisador, entre 1945 e 2004. “Juntamos em um único documento o que estava disperso. Essa articulação facilita a con-sulta. É uma obra bastante representativa da minha carreira”, resume Vanzolini. “Sempre trabalhei com a mesma linha de pesquisa, procurando explicar como teria surgido a grande diversidade da fauna sul-americana. O que fiz nesses estudos pode agora ser encontrado no livro”, completa o pesquisador, premiado em 2008 pela Fundação Guggenheim, de Nova York, como reconhecimento por suas con-tribuições à ciência. “A publicação dessa coletânea tem um especial significado para a FAPESP”, afirma Celso Lafer, presidente da Fundação, no prefácio do livro. “É, em primeiro lugar, um reconhecimento da contribuição de Vanzolini para o desenvolvimento da zoologia e, em segundo lugar, uma maneira de sublinhar como sua história de vida está ligada de maneira tão construtiva à da FAPESP.”

Miguel Trefaut Rodrigues, professor do Institu-to de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP), conta que os trabalhos de Vanzolini ajuda-

[ Zoologia ]

Francisco Bicudo

a obra de uma vida

A

ram a mudar a zoologia brasileira, que até meados do século XX se dedicava principalmente à descrição pontual e isolada de animais. “Ele reorienta es-ses estudos e passa a se preocupar com os mecanismos de especiação, com a perspectiva evolutiva, reunindo conhe-cimentos biológicos e geomorfológicos e avaliando os bichos em função das paisagens que habitavam”, diz. “Em sua obra, o estudo sistemático dos répteis e

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 67

restrita aos poucos que naquela época falavam inglês. É fundamental também por lidar com exemplos práticos, apon-tando como foram identificados esses re-fúgios”, conta Trefaut. O segundo propõe um mecanismo novo para explicar como surgem novas espécies, com adaptações ecológicas diferentes das apresentadas por seus ancestrais. “Vanzolini foi ino-vador ao introduzir e divulgar no Brasil, por meio de seus alunos, uma visão mo-derna e centrada no estudo da variação geográfica, usando para tanto ferramen-tas estatísticas”, detalha Zaher.

Ponto de partida – As polêmicas fazem também parte da trajetória de Vanzoli-ni. Estudos brasileiros e internacionais que avaliaram grãos de pólen, sedimen-tos de rios e de bacias hidrográficas ten-tam não só contestar, mas negar a teoria dos refúgios (ver Pesquisa FAPESP nº 129). Vanzolini rebate e afirma que até agora nenhuma outra explicação cien-tificamente convincente foi apresenta-da em substituição à tese que formulou. “Não há como negar que os refúgios existiram como mecanismo climático e ecológico”, diz Trefaut. “O fato é que a ciência faz o melhor possível a todo ins-tante. Talvez em 10 ou 15 anos a teoria D

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a busca por um modelo evolutivo ca-paz de explicar a sua diversidade cor-respondem a pontos indissociáveis de um mesmo processo mental”, completa Hussam Zaher, atual diretor do Museu de Zoologia da USP.

Trefaut lembra que, por muito tem-po, a explicação cientificamente mais aceita para justificar a biodiversidade de biomas como a Mata Atlântica estabe-lecia que o grande número de espécies era resultado de longos períodos de estabilidade climática e geológica, que teriam representado ambiente propício para cruzamentos e reprodução. No fi-nal da década de 1960, Vanzolini resga-tou conceitos inicialmente formulados para explicar a diferenciação de aves na Europa para apresentar a teoria dos re-fúgios, proposta simultânea e indepen-dentemente pelo alemão Jurgen Haffer. Nessa tarefa, contou com o auxílio do geógrafo brasileiro Aziz Ab’Saber.

Segundo essa interpretação, a Amé-rica do Sul teria passado, especificamen-te no último 1,6 milhão de anos, por ciclos de variações climáticas intensas. Entre 18 mil e 14 mil anos, quando o continente enfrentou a última glacia-ção, teriam se formado por conta do frio nichos geográficos com florestas tropicais – os refúgios –, que garanti-ram a sobrevivência de espécies menos acostumadas ao frio. Quando a tem-peratura voltou a esquentar, esses ani-mais puderam abandonar os refúgios e voltaram a se encontrar. “Vanzolini mostra que a diversidade e a especiação surgiram graças à formação das ilhas de isolamento e a mudanças frequentes, e não em consequência de evolução lenta e estável”, diz Trefaut.

Ele cita os artigos “Zoologia sistemá-tica, geografia e origem das espécies”, de 1970, e “The vanishing refuge: a mecha-nism for ecogeographic speciation”, de 1981, como dois dos trabalhos de des-taque da coletânea. Ambos estão direta-mente re lacionados à teoria dos refúgios. “O primeiro é um estudo multidiscipli-nar, escrito em português, tornando acessível uma linha de pesquisa até então

seja repensada e revista. Ainda assim, as contribuições de Vanzolini terão sido o ponto de partida”, completa.

Trefaut lembra ainda o papel rele-vante de Vanzolini, diretor do Museu de Zoologia da USP de 1962 a 1993, na organização da coleção do museu. “Quando ele assumiu a direção havia pouco mais de mil exemplares catalo-gados. Hoje são mais de 300 mil”, conta. Segundo Trefaut, o próprio Vanzolini muitas vezes se dedicava a datilograr rótulos e fichas de identificação dos bi-chos guardados. “A vida dele foi dedica-da às coleções”, reforça. Zaher concorda e afirma que Vanzolini “liderou uma equipe de zoólogos que construiu, ao longo de décadas, uma das maiores e mais importantes coleções zoológicas neotropicais”. Ao comentar o que mu-dou em seis décadas na ciência nacio-nal, Vanzolini, que também é um con-sagrado compositor de música popular brasileira, não hesita: a consolidação do sistema de pós-graduação, que na épo-ca dele não existia e ajudou a colocar o Brasil em posição de destaque no cená-rio internacional. “Reverencio a nature-za. E tive uma carreira gratificante”, diz. “Posso dizer que sou um pesquisador completamente realizado.” n

Detalhes de répteis e anfíbios,

desenhados pelo pesquisador

SeiBiblioteca deRevistas Científicasdisponível na internetwww.scielo.org

Notícias

• Políticas públicas

Planejamento para a Amazôniao ensaio "Novas territorialidades na Amazônia: de-

safio às políticas públicas", de Bertha Koiffmann Becker,da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta osconceitos de territorialidade e gestão do território, pro-pondo estudos que aprofundem o conhecimento sobre oprocesso de transformação territorial contemporâneo naAmazônia, questionando o planejamento governamentalcom base no conceito de macrorregião e argumentandoa respeito da necessidade de serem formuladas políticaspúblicas para escalas geográficas adequadas aos processossociais territorializados. No caso da Amazônia, as polí-ticas e o planejamento governamental devem levar emconsideração dois vetores de transformação regional,que expressam a estrutura transicional do Estado e doterritório contemporâneos, o vetor tecnoindustrial e ovetor tecnoecológico.

BOLETIM DO MusEU PARANAENSE EMÍLIO GOELDI. CIÊN-

CIAS HUMANAS - VOL. 5 - NO 1- BELÉM - )AN./ ABR. 2010

• Agricultura

Bioestimulantes na sojaA utilização de

biodtimulantes pro-porciona incremen-tos no desenvolvi-mento vegetal, em-bora poucos estudostenham abordadoaspectos fisiológicosda soja (foto) rela-cionados à aplicação

desses produtos. Um experimento com a cultura da so-ja foi instalado com o objetivo de avaliar o uso de umbioestimulante composto por citocinina, ácido indol-butírico e ácido giberélico via sementes ou via foliar emdiferentes estádios fenológicos de duas cultivares, sendouma cultivar convencional e outra geneticamente mo-dificada. A cultivar convencional proporcionou maiorprodução de grãos do que a cultivar transgênica. A utili-zação do bioestimulante incrementou o número de vagenspor planta e a produtividade de grãos, e os resultados

para aplicação via sementes e via foliar não diferiramentre si. Na produtividade de grãos, o tratamento combioestimulante proporcionou aumento de 37% em rela-ção à testemunha. O bioestimulante aumentou o númerode vagens por planta e produtividade de grãos tanto emaplicação via sementes quanto via foliar, confirmando ahipótese desse estudo. Todavia, a maior produtividadenão está relacionada ao maior crescimento da parte aérea,considerando-se a altura das plantas, ramos por planta,altura de inserção da primeira vagem. Em relação ao au-mento da produtividade, o bioestimulante é mais efetivoquando aplicado na fase reprodutiva. O experimento estárelatado no artigo ''Aumento da produtividade de sojacom a aplicação de bioestimulantes", de Danila Come-lis Bertolin, Marco Eustáquio de Sá, Orivaldo Arf, EnesFurlani Iunior, Adriana de Souza Colombo, FrancielleLouise Bueno Meio de Carvalho, da Universidade EstadualPaulista, campus de Ilha Solteira.

BRAGANTIA - VOL. 69 - NO 2 - CAMPINAS - 2010

• Nutrição

Chá-verde brasileiroOs estudos do chá-verde brasileiro ainda são escassos

quando comparados aos realizados com chás-verdes pro-duzidos em outros países. No trabalho "Chá-verde bra-sileiro (Camellia sinensis var. assamica): efeitos do tempode infusão, acondicionamento da erva e forma de preparosobre a eficiência de extração dos bioativos e sobre a esta-bilidade da bebida" foram avaliados os parâmetros sólidossolúveis e compostos fenólicos extraídos, bem como aspropriedades antioxidantes da bebida. Os dados eviden-ciam que o uso da erva a granel sob agitação e tempo deinfusão de cinco minutos foi a condição mais propícia paraa extração dos bioativos. As bebidas obtidas foram estáveispor 24 horas em temperatura ambiente e em geladeira,visto não terem sido detectadas redução das propriedadesantioxidantes e variações significativas dos seus principaisbioativos. O estudo foi realizado por Márcia FernandesNishiyama, Maria Aparecida Ferreira Costa, Andréa Miurada Costa, Cristina Giatti Marques de Souza, Cinthia Gan-dolfi Bôer, Cissa Kelmer Bracht e Rosane Marina Peralta,da Universidade Estadual de Maringá.

CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS - VOL. 30 - SUPL.1-

CAMPINAS - MAl. 2010

68 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA F"APESP 175

• Divulgação científica

A fraude dos embriões clonadoso estudo ''A incrível história da fraude dos embriões do-

nados e o que ela nos diz sobre ciência, tecnologia e mídia',de Iara Maria de Almeida Souza e Amanda Muniz LogetoCaitité, da Universidade Federal da Bahia, analisa, a partirde notícias em jornais brasileiros, o caso da fraude científicados embriões donados, cometida pelo sul-coreano Woo SukHwang. A exposição da ciência pela mídia costuma destacaraspectos intelectuais, descobertas e promessas de aplicação.Nesse caso, a ciência é mostrada em seu avesso, e desvela-sea trama de fios que ligam elementos diferentes: governo co-reano, pesquisadores, instrumentos, fundos para pesquisa,óvulos e fungos e revistas científicas, entre outros.

HISTÓRIA, CIÊNCIA, SAÚDE - MANGUINHOS - VOL. 17-

NO 2 - RIO DE JANEIRO - ABR.!jUN. 2010

• Mudanças climáticas

o efeito estufa e as batatasA concentração atmosférica dos gases do efeito estufa,

principalmente o COz, tem aumentado nas últimas décadasem razão das atividades antrópicas. A concentração de COzaumentou de aproximadamente 280 partes por milhão porvolume (ppmv) no período pré-industrial para a atual con-centração de 380 ppmv. Há registros de que, durante o séculoXX, houve um aumento da temperatura média da superfícieglobal de 0,6 °C, e projeções indicam um provável aumentode 1,1 a 6,4 °C na temperatura média global até o final doséculo XXI, dependendo da região do planeta. O aumentoda concentração de COz e da temperatura poderá alteraro desempenho das culturas, incluindo a batata. O objetivoda revisão "Aquecimento global: efeitos no crescimento, nodesenvolvimento e na produtividade de batata'; de IoelmaDutra Fagundes, Gizelli Moiano de Paula, Isabel Lago, NereuAugusto Streck e Dilson Antônio Bisognin, da UniversidadeFederal de Santa Maria, foi reunir informações da literaturasobre os possíveis efeitos do aumento na concentração deCOz e da temperatura do ar no crescimento, no desenvolvi-mento e na produtividade da cultura de batata. O aumentodo COz, seguido de aumento na temperatura do ar, de ma-neira geral, resultará em menor crescimento, redução naduração do cido de desenvolvimento, menor produtividadee aumento da incidência de doenças da batata.

CIÊNCIA RURAL - VOL. 40 - NO 6 - SANTA MARIA - jUN. 2010

• Medicina

Falta de comunicação na UTIA falha de comunicação entre os profissionais da saúde

em centros de tratamento intensivo pode estar relaciona-da ao aumento de mortalidade dos pacientes criticamentedoentes. Os doentes foram divididos em três grupos con-

forme o hábito de comunicação de seus médicos assistentescom os médicos rotineiros: comunicação diária da con-duta, comunicação eventual e rara comunicação. Foramanalisadas as consequências da falha na comunicação entreos profissionais médicos (atraso na realização de procedi-mentos, na realização de exames diagnósticos, no início deantibioticoterapia, no desmame do suporte ventilatório e nouso de vasopressores) e inadequações de prescrição médica(ausência de cabeceira elevada, ausência de profilaxia medi-camentosa para úlcera de estresse e para trombose venosaprofunda) relacionando-as com o desfecho dos pacientes. Nototal, havia 792 pacientes no estudo. A mortalidade foi maiornos pacientes pertencentes ao grupo de rara comunicação(26,3%) comparada aos demais (comunicação diária, l3,6%,e comunicação eventual, 7,1%). Os detalhes estão no artigo"A adequada comunicação entre os profissionais médicosreduz a mortalidade no centro de tratamento intensivo'; deCassiano Teixeira, Eubrando Silvestre Oliveira, Sérgio Fer-nando Monteiro Brodt, Roselaine Pinheiro Oliveira, FelippeLeopoldo Dexheimer Neto e Cíntia Roehrig, do HospitalMoinhos de Vento de Porto Alegre, e Terezinha MarleneLopes Teixeira, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA - VOL. 22 -

NO 2 - SÃO PAULO - ABR.!jUN. 2010

• Antropologia urbana

Pichadores de São PauloO artigo "As marcas

da cidade: a dinâmica dapichação em São Paulo';de Alexandre BarbosaPereira, da Universidadede São Paulo, tem comocentro os pichadoresna cidade de São Paulo.Trata-se de jovens queinscrevem sua marcaem muros, prédios eviadutos da cidade. Talprática não é apreciadapela população, que vêna pichação uma for-

ma de degradação da paisagem urbana. O estudo abordao modo particular com que esses jovens se apropriam doespaço urbano pelo estabelecimento de pontos de encontro.Os pichadores têm uma maneira de conceber o centro e aperiferia de São Paulo que dialoga com a dinâmica da me-trópole. Embora se identifiquem com a periferia de ondesão oriundos, eles têm o centro como importante local deatuação. A pesquisa revela como se estabelecem relações detroca, aliança e conflito entre si na cidade.

LUA NOVA - NO 79 - SÃo PAULO - 2010

> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão cispo-níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revislapesquisa.fapesp.br

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 69

LINHA Df PRODUÇÃO MUNDO

ÁGUA LIVREDE ARSÊNICOEm vários países subdesenvolvidos, umimportante problema de saúde pública é oconsumo de água contaminada por arsênico,substância nociva ao organismo presentenaturalmente no solo e em rochas. Duas no-vas tecnologias mostraram-se eficazes noprocesso de descontaminação. A primeiradelas, criada na Universidade de Ciência eTecnologia de Pohang, na Coreia do Sul, éfruto da combinação de nanocristais mag-néticos com materiais baseados em grafeno,formado apenas com átomos de carbono. Ocompósito resultante é adicionado na águae em apenas 10 minutos remove as partícu-las de arsênico. Em seguida, o líquido passapor um processo simples de filtragem e estápronto para o consumo humano. O outro mé-todo emprega um sistema de tubos de vidroe plástico que, submetido à luz solar durantealgumas horas, faz a purificação da água.A desinfecção é feita pela radiação solar.Desenvolvido pelas universidades de Tara-pacá, do Chile, e Nacional de Engenharia, doPeru, o protótipo foi capaz de reduzir o nível de contaminaçãopor arsênico de 500 partes por bilhão (ppb) para 30 ppb. Atecnologia foi projetada para funcionar em áreas isoladas. Aágua tratada é própria para a irrigação, mas, dependendo doíndice de purificação, pode tornar-se potável. I

MAGNÉTICASE SENSíVEIS

eletrônica para odesenvolvimento dememórias magnéticasaltamente sensíveis, sensores·magnéticos e dispositivosde micro-ondas. A boanotícia é que pesquisadoresda Universidade de Cornell,nos Estados Unidos,conseguiram criar umfilme de titânio deeurópio ao mesmo tempoferromagnético eferro elétrico. O titânio deeurópio, quando submetido .•••

Quase não há na naturezamateriais que possuamsimultaneamente aspropriedades ferroelétrica(eletricamente polarizado esem condução de corrente)e ferro magnética(com campo magnéticopermanente). Um materialcom essas característicasestá em alta porque poderiarevolucionar a indústria

70 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

ao fatiarnentoem camadasnanométricas, esticado eposicionado sobre umcomposto de disprósio -elemento químico do grupodos lantanídeos, da mesmaforma que o európio -,apresenta propriedadesferro magnética eferro elétrica melhores queas conhecidas atualmente.

IBATERIA FEITA ~DE CERA E SABAO

As recarregáveis bateriasde íon de lítio são umdispositivo obrigatórioem diversos equipamentoseletrônicos portáteis,como telefones celularese tocadores de mp3, eestão na mira da indústriaautomobilística, quepretende utilizá-Ias emcarros elétricos. Paratorná-Ias mais baratas eacessíveis, um grupo depesquisadores daUniversidade do Estadode Nova York, emBinghamton, e doDepartamento de Energiado Laboratório NacionalPacific Northwest(PNLL, na sigla em inglês),nos Estados Unidos,conseguiu criar eletrodospara essas baterias queutilizam cera e sabãocomo ingredientes em seuprocesso produtivo.O segredo está na parafinae nos ácidos oleicos presentesnessas substâncias, que,conforme os pesquisadores,melhoraram a síntesede fosfato de manganêsnos eletrodos de lítio -processo fundamental paraa bateria gerar carga.

Novas memórias:polarizadase permanentes

IALGAS CRESCEMCOM LUZ AZUL

Produzir biocombustíveis,como o biodiesel, a partirde algas é uma possibilidadejá comprovada por muitospesquisadores e anunciadapor empresas. Busca-se umaprodução mais eficienteeconomicamente esustentável. Para isso umgrupo de pesquisadores daUniversidade Syracuse, dosEstados Unidos, inovou aodesenvolver um sistema quefaz as algas crescerem maisrápido por meio damanipulação de partículasde luz e do uso de técnicasde nanobiotecnologia.A equipe do professorRadhakrishna Sureshkumarconstruiu um pequenobiorreator que usa umasolução de nanopartículasde prata que refletem edispersam melhor a luz azulpromotora do crescimentodas algas como uma

fotossíntese acelerada.Quando a combinação idealentre a luz e as nanopartículasse estabelece dentro doreator, as microalgas verdes,da espécie Chlamydomonasreinhardtii, crescem30% a mais que um grupoestabelecido para controle.O que as nanopartículasfazem é controlar,refletindo e espalhando,a intensidade e a frequênciade luz azul favorecendoo crescimento das algas(Nature, 12 de agosto).

FRUTA REFORÇADA

Bananas transgênicas biofortificadas são a nova esperançano combate a casos de anemia, diarreia le cegueira em paísespobres. É o que indicam os resultados preliminares de umestudo realizado por pesquisadores da Austrália e Uganda,na África. O melhoramento genético buscou criar frutas comteores mais elevados de vitamina A e ferro. O estudo teve iníciono ano passado e a primeira colheita foi feita recentemente.Apesar dos bons resultados, os pesquisadores da Organiza-ção Nacional de Pesquisa Agrícola, de Uganda, e da Univer-sidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, acreditamque serão necessários mais cinco anos até que os primeiroscultivares comerciais possam ser colocados no mercado. Ospesquisadores inseriram nas células da banana um gene desoja para estimular a produção e armazenamento deferro na polpa da fruta. Também foraminseridos genes de milho e de umcultivar de banana do SudesteAsiático, que são muito ricos emcarotenoides pró-vitamínico A.

IGLlCEMIASEM PICADA

Qualquer possibilidade queevite as picadas de agulhaé bem-vinda nos examesde rotina, por exemplo.Tanto pela dor da invasãoque se faz na pele e nosvasos sanguíneos como pelaeconomia proporcionadapela eliminação das injeçõesusadas uma única vez.Uma esperança que aindaengatinha no Laboratóriode Espectroscopia doInstituto de Tecnologia deMassachusetts (MIT), nosEstados Unidos, é o uso daespectroscopia de Ramanpara verificação do nívelde glicose por meio de umescaneamento com umapequena sonda emissorade luz infravermelha sobrea pele do braço ou do dedo.

Bananacontraanemiacom genesde milhoe soja

Microalgas:maiorproduçãoresulta emmaisbiodiesel

A Raman é um métodousado para identificarcompostos químicos pelafrequência de vibraçõesdas moléculas. A sondaserve para medir os níveisde glicose eliminandoa extração de sangue.Imaginada há 15 anos peloprofessor Michael Feld,diretor do laboratório,a técnica está emdesenvolvimento. Em julhodeste ano, o grupo doprofessor Feld apresentouna Analytical Chemistryum artigo com um novométodo de calibração dosistema que permite maiorgrau de acerto dos níveisde glicemia no sangue.A dificuldade era mediro nível dessa substânciano líquido intersticiallogoabaixo da pele. O novosistema de calibraçãoaumentou a precisão daanálise da glicose e, mesmonecessitando de ajustes parair ao mercado, ajudou ospesquisadores a desenvolverum pequeno equipamentocom espectros copia deRaman, do tamanho de umnotebook, que poderá serusado nos consultóriosmédicos e nas residências,principalmente de pacientescom diabetes do tipo 1, que,muitas vezes, necessitammedir várias vezes no diao nível de glicemia.

PESQUISA FAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 71

LINHA Df PRODUÇÃO BRASIL

-------------------------------------------------------------------------------------------------iTRANSPORTE DE ~CARGA PESADA ~

~

i;:Um avião para transporte militar éo mais recente projeto da Embraeraprovado para entrar em fase deprotótipo e produção. O KC-390está com quase todas as configu-rações prontas para voar pela pri-meira vez em 2014 e ser produzidoem série nos anos seguintes. A em-presa já firmou um acordo com aForça Aérea Brasileira (FAB) para avenda de 28 aeronaves. São aviõesque vão levar tropas e cargas varia-das, no total de 23 toneladas, comoveículos e armamentos, pessoas emoperações de busca e salvamento,além de combustível para reabas-tecer aeronaves em voo. Poderá operar em pistas curtas esemipreparadas em ambientes que variam da Antártida àAmazônia. Terá sistemas de visão noturna e de autodefesacomo despistadores de mísseis. O KC-390 terá 33 metros em)de comprimento, 35 m de uma ponta a outra da asa e alturade 10 m, medidas aproximadas do maior jato da companhia, oEMB-195, que possui 38 m de comprimento, 10 m de altura e28 m entre as pontas das asas. Um modelo em tamanho realdo compartimento de carga foi a primeira estrutura construí-da do futuro avião. Ele demonstrou com cargas reais o bomespaço interno e a versatilidade da aeronave.

IVACINA CONTRA AESQUISTOSSOMOSE

pesquisadora da FundaçãoOswaldo Cruz (Fiocruz) doRio de Janeiro. A vacina usaum antígeno - substânciaque estimula a produção deanticorpos - para prepararo sistema imunológicocontra um ataque doparasita, impedindo queele se instale no organismo.No caso, a substânciautilizada é a proteínaSM 14, um antígeno contrao verme Schistossomamansoni, o principalcausador da doença no

A primeira vacina contraa esquistossomose - doençaque atinge cerca de 200milhões de pessoas no mundoe causa uma inflamaçãosevera no intestino e fígado -deverá ser testada ainda esteano pela empresa Ouro fino,de Cravinhos, no interiorpaulista. A empresa comproua licença de produção datecnologia, desenvolvida pelamédica Miriam Tendler,

72 • SETEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 175

Brasil, isolada pelapesquisadora no início dadécada de 1990. A SM 14foi um dos seis antígenosprioritários selecionadospela Organização Mundialda Saúde (OMS). Em testesfeitos em camundongos, ataxa de imunização atingiu70%. O início dos testesem pessoas depende apenasda autorização da AgênciaNacional de VigilânciaSanitária (Anvisa).A Ouro fino planeja lançaroutra vacina com a mesma

S. mansoni:antígeno contra

<11II '--_---'o parasita

Projeto do KC-390:avião militar devevoar em 2014

proteína SM 14, destinadaa proteger animais contraa fasciolose hepática,parasitose que provocaperda de peso, entre outrossintomas, e atinge 300milhões de bovinos e ovinosno mundo. A expectativaé que em dois anos oproduto esteja no mercado.

I~IOMATERIALOSSEO

Um novo biomaterialcom estrutura nanométricapara regeneração óssea foidesenvolvido no Institutode Química da UniversidadeEstadual Paulista (Unesp),campus de Araraquara,pela doutoranda SybeleSaska, com apoio da FAPESP.A base do biomaterialsão bactérias do gêneroGluconacetobacter,que produzem fibras decelulose durante o seucrescimento. A partir

dessas fibras em escalananométrica foraminseridos na estrutura domaterial elementos comocolágeno e hidroxiapatita -componentes encontradosnos ossos -, além depeptídeos (fragmentos deproteína) sintetizados emlaboratório que tornaramo material osteoindutor -estimulante da regeneraçãoóssea, promovendomaior proliferaçãoe diferenciação celular.O estudo, orientado peloprofessor ReinaldoMarchetto, foi um dos cincopremiados na 88a ReuniãoGeral da AssociaçãoInternacional de PesquisaOdontológica (IADR),realizada em julho emBarcelona, na Espanha.

MERCÚRIOTRATADO

Um novo sistema pararemoção do mercúriode efluentes líquidose do petróleo, sem geraçãode resíduos tóxicos,foi desenvolvido por

pesquisadores do InstitutoAlberto Luiz Coimbrade Pós-Graduação ePesquisa de Engenharia daUniversidade Federaldo Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), com apoio daPetrobras. Pelo método,o mercúrio passa por umtratamento de adsorção- processo em que asmoléculas ou íons ficamretidos na superfície dossólidos por meio deinterações químicas oufísicas - com um compostoà base de fosfato de cálcio.Como esse fosfato tevea composição modificada,o metal fica fixadona sua estrutura demaneira segura, evitando

Técnicapararemovermetalnão deixaresíduos

o armazenamento e otratamento pós-remoção.A pesquisa, conduzidano Programa de EngenhariaQuímica sob a coordenaçãodas professoras VeraSalim e Neuman Resende,resultou em dois pedidosde patente. As atividadesindustriais e a queimade combustíveis fósseissão responsáveis pelaemissão de mercúrio noambiente. O processamentode petróleo gera resíduostóxicos que contêmmercúrio, já que esseelemento metálico e seuscompostos encontram-sepresentes naturalmenteno carvão, no gás naturale no óleo cru.

DESCONTAMINAÇÃOSIMPLES

A junção de dois métodos -um bem simples chamadoSodis, que utiliza garrafasplásticas do tipo PET eradiação solar como fontede energia, e o outroconhecido como fotocatáliseheterogênea, em que é precisousar um semicondutor, nocaso o dióxido de titânio empó misturado ao oxigênio -apresentou bons resultadosno tratamento de efluentes."O tratamento atingiueficiência média de remoçãode 99% das bactérias dogrupo Escherichia coli", dizAdriana Ribeiro Francisco,que fez o estudo durantea sua pesquisa de mestradona Faculdade de EngenhariaAgrícola (Feagri) daUniversidade Estadual deCampinas, sob orientaçãodo professor José EuclidesPaterniani. "Conseguimostambém reduzir os poluentesorgânicos presentes naágua, com remoção da core da turbidez." Os resultadosindicam seu uso empequenas comunidades.

JOGO EDUCATIVO ON-LINEUm videogame on-iine. desenvolvido com base no conteúdo dequatro disciplinas do ensino médio - química, física, matemáti-ca e biologia -, foi lançado em agosto pelos pesquisadores doCentro Multldisciplinar para o Desenvolvimento de MateriaisCerâmicas (CMDMC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação eDifusão (Cepid) da FAPESP.O ludo educativo (www.ludoeducativo.com.br) é composto de 2 mil questões, 500 de cada disciplina, queseguem os parâmetros curriculares do ensino médio. O sistemaalterna as perguntas e as respostas para que o jogador enfrentesempre um novo desafio e permite que sejam feitos comentáriossobre as questões. O ludo, terceiro jogo desenvolvido pelo grupode pesquisa coordenado pelo professor Elson Longo, diretor doCMDMC e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dosMateriais, foi produzido pela Aptor Software.

PESQUISA fAPESP 175 • SETEMBRO DE 2010 • 73

74 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

tecnologia

ANATOMIA FLEXÍVELDe crescimento rápido, o bambu ganha novas formas e usos no brasil

Leve, flexível e ao mesmo tempo muito resistente, o bambu começa a ganhar cada vez mais espaço como um material que pode substituir em aplicações in-dustriais a madeira usada na construção de móveis, entrar na composição da argamassa de cimento no lugar da areia ou, ainda, como elemento estrutu-ral na construção civil. Além de ser um excelente

sequestrador de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, que usa para a formação do seu tecido lenhoso, o bambu é um material renovável que, após a poda, continua a brotar anualmente sem necessidade de um novo plantio. Para cada hectare plantado, quase 10 toneladas de gás carbônico são absorvidas por ano. Entre as cerca de 1.300 espécies de bambu existentes no mundo, 19 são consideradas priori-tárias, ou seja, efetivamente úteis para empregos diversos e com comprovado valor econômico.

No Brasil foram identificadas até agora 232 espécies nativas, das quais cerca de 80 são endêmicas – existentes apenas no país. Cada uma delas possui características quí-micas e físicas como diâmetro, espessura de parede e altura distintas, o que resulta em usos diferenciados. “De maneira incrivelmente rápida, a planta passa do estágio de broto comestível para alcançar, em poucos meses, até 30 metros de altura”, diz o professor Marco Antônio dos Reis Pereira, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, no interior de São Paulo, que desde a década de 1990, no seu projeto de mes-trado, se dedica a estudar essa gramínea gigante.

Pereira escolheu como tema de estudo a utilização do bambu em um sistema de irrigação para pequenas áreas.

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A partir daí começou a plantar a gra-mínea no campus da Unesp e hoje pos-sui uma coleção de 25 espécies, das quais 11 com valor econômico. “Todo ano consigo retirar mais de 400 colmos de bambu para utilização nas pesqui-sas”, diz Pereira, autor do livro Bambu de corpo e alma, escrito em parceria com o professor Antonio Ludovico Beraldo, da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lançado em 2007. O colmo é o caule cilíndrico ca-racterístico das gramíneas, com nós e entrenós bastante visíveis, como no bambu e na cana-de-açúcar. Além de usar a matéria-prima na forma natural para construção de galpões e outras aplicações, as varas também são corta-das em pequenas ripas, coladas lateral-mente, destinadas à fabricação de cha-pas utilizadas na construção de móveis, objetos de decoração, placas e pisos.

Anatomia da planta - “Nossos estu-dos são na área de design de produtos e também na parte de características física e mecânica das espécies, como tração, compressão, flexão, retração e inchamento”, diz Pereira, que também dá aulas no curso de design na pós-gra-duação da universidade. Em parceria com o professor Mário Tomazello Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, no interior

paulista, Pereira desenvolve um dos 12 projetos financiados desde 2008 pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq) que têm como foco o estudo do bambu em suas mais diversas facetas. Tomazello, coordena-dor do projeto, dedica-se a pesquisas relacionadas à anatomia da planta.

“O Brasil não tem mais madeira de lei para fazer mobiliário, porque já avançamos sobre todos os biomas onde ela existia em grandes quantidades”, diz Pereira. A madeira de reflorestamento, proveniente de plantações de pinus e eucalipto, é a mais utilizada atualmente para essa finalidade. “Tudo o que se faz com a madeira é possível fazer com o bambu, porque os dois são parecidos quimicamente.” O que diferencia as duas matérias-primas é a anatomia – porque o bambu é oco. “Embora seja usado há milênios, o bambu é conside-rado o material do futuro, porque é uma planta de crescimento rápido e sequestra muito CO2 da atmosfera”, ressalta. Para transformar o eucalipto em produtos e estruturas é preciso esperar entre 20 e 30 anos, ante quatro anos necessários para o colmo da gramínea gigante ser considerado adulto – ou maduro –, com adequada resistência mecânica. Para o estabelecimento da cultura, uma moita de bambu leva de oito a 10 anos para se tornar adulta, conforme as condições de clima e solo. Nos países orientais, como China, Índia e Japão, a planta tem mais de 5 mil usos catalogados, que vão do broto comestível, produção de vinagre e cestos, até pontes, templos e prédios de cinco andares. A estrutura da cúpu-la do monumento indiano Taj Mahal,

por exemplo, construído há quase 400 anos, foi feita de bambu. Uma das par-ticularidades dessa planta é o fato de já nascer com o diâmetro que apresentará quando adulta.

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o grupo de pesquisa liderado pelo professor Carlos Alber-to Szücs, do Departamento de Enge-nharia Civil, também desenvolve um projeto com bambu laminado colado e tem como parceiros a empresa cata-rinense Oré Brasil, de Campo Alegre, e a Associação Catarinense do Bambu (BambuSC). A empresa, antes mesmo de o projeto ter início, fabricava mó-veis feitos com esse material, mas sentia necessidade de conhecer em detalhes o comportamento físico e mecânico do bambu gigante (Dendrocalamus gigan-teus) e do bambu-mossô (Phyllostachys pubescens) usado nas mesas e cadeiras que produzia. “Nós fazemos a parte de caracterização do bambu sob o ponto de vista do seu comportamento me-cânico, ou seja, quanto o conjunto de lâminas coladas resiste em função dos diversos esforços a que a peça final pos-sa ser submetida”, diz Szücs.

A empresa trabalha com finas lâmi-nas, que passam por um processo de transformação até estarem prontas para uso. Depois de serem fatiadas e aplai-nadas longitudinalmente, são tratadas com ácido pirolenhoso – obtido pela condensação da fumaça proveniente da carbonização da madeira durante a produção de carvão vegetal – e, poste-riormente, secas em uma estufa espe-

Planta tem mais

de 5 mil usos

catalogados nos

países orientais,

que vão do broto

comestível até

pontes e prédios

76 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

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Mesa Demoiselle da Oré Brasil: estrutura leve e resistente

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 77

cial, de alto rendimento. “As lâminas são coladas umas às outras para produção do mobiliário”, diz Szücs. Esse processo permite a criação de peças leves e del-gadas, bem diferentes dos móveis rús-ticos fabricados com as varas de bambu cortadas e amarradas. Em novembro do ano passado, três peças assinadas pelo arquiteto e diretor de design da em-presa, Paulo Foggiato, conquistaram o primeiro lugar na categoria mobiliário no 23o Prêmio Design Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Entre elas a mesa Demoiselle, inspirada nas estru-turas dos primeiros aviões criados por Santos-Dumont, um dos precursores no uso estrutural do bambu.

Norma técnica - Após os ensaios feitos na UFSC, os móveis são testados em um laboratório do Serviço Nacional da Aprendizagem Industrial (Senai) com base em normas internacionais, porque no Brasil ainda não há uma norma téc-nica para mobiliários feitos com bambu. Esse é um tema que esteve na pauta de discussão do 2º Seminário da Rede Na-cional de Pesquisa do Bambu, realizado em agosto em Rio Branco, no Acre, que reuniu pesquisadores envolvidos com os 12 projetos de diferentes instituições e

universidades financiados pelo CNPq. O programa é coordenado pelo professor Jaime Almeida, do Centro de Pesquisa e Aplicações de Bambu e Fibras Naturais da Universidade de Brasília. “Queremos estabelecer uma norma técnica específica para o bambu, da mesma forma que existe uma para a madeira”, diz Szücs, que há 27 anos trabalha com madeiras de florestas plantadas.

No encontro, Beraldo apresentou os resultados do seu projeto, focado na utilização de resíduos da planta em compósitos destinados à construção ci-vil. Todo processamento de bambu gera pequenos pedaços que podem substi-tuir a brita ou a areia na produção de argamassas e concretos alternativos. Com esse agregado de origem renová-vel é possível fazer um concreto mais leve, que funciona como isolante térmi-co, indicado para uso em pisos, blocos vazados e telhas onduladas. “Como qualquer material vegetal, os resíduos do bambu contêm substâncias, como taninos e açúcares, que interferem nas reações de hidratação do cimento”, diz Beraldo, que desde meados da década de 1980, quando descobriu as várias possibilidades de aplicação do bambu, começou a se interessar pelo tema. Para neutralizar essas substâncias, que dão cor e odor às plantas, basta ferver os resíduos do bambu em água quente ou em solução diluída de cal. Em seguida eles são secos e estão prontos para o uso. O mesmo material pode ser usa-do na composição do gesso, após tra-tamento das partículas.

“O bambu tem também grande potencial de uso na geração de ener-gia, com poder calorífico similar ao do eucalipto”, diz Beraldo. Em apenas qua-tro anos de plantio pode ser usado para fazer carvão, diante de 10 anos do euca-lipto e de 30 de árvores nativas. “Todas as aplicações dessa gramínea gigante, no entanto, vão esbarrar na produção em pequena escala para pequenos usos que se faz no Brasil há séculos”, diz Beraldo. “É preciso um suporte para a produção de mudas de forma científica.” A produ-ção de mudas de forma sistematizada é um dos grandes entraves para o cultivo em larga escala da planta.

Pesquisadores do Laboratório de Bio logia Celular e Molecular do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Ce-na), no campus da USP em Piracicaba, têm se dedicado a superar esse obstácu-lo. “Embora cresçam naturalmente no campo, é bastante complicado fazer a multiplicação de mudas das espécies de interesse, como a do bambu-gigante”, diz a pesquisadora Siu Mui Tsai, coor-denadora de um dos projetos apoia-dos pelo CNPq. Após conseguir bons resultados com a primeira e segunda geração, o rendimento começa a decair e, ao chegar à quinta geração, as mu-das morrem. “Isso ocorre porque existe naturalmente uma interação grande da planta com microrganismos benéficos denominados endofíticos, que são eli-minados no cultivo in vitro”, diz. Os pesquisadores querem entender melhor como funciona essa relação para avan-çar na produção em larga escala. n

1. Projeto Bambu: manejo do bambu-gigante (Dendrocalamus giganteus) cultivado na Unesp/campus de Bauru e determinação das características físicas e de resistência mecânica do bambu laminado colado – nº 2003/04323-72. tratamento químico de colmos de bambu pelo método Boucherie modificado – nº 2001/12700-0

modAlIdAdE

1 e 2. auxílio regular a projeto de pesquisa

Co or dE NA dorES

1. marco antonio dos reis pereira – unesp 2. antonio ludovico beraldo – unicamp

INvEStImENto

1. r$ 45.989,40 (fapesp)2. r$ 12.065,00 (fapesp)

Os PrOjetOs

Lâminas de bambu após tratamento

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Plástico avançado

Material ganha resistência ao impacto e menor combustão

Dinorah Ereno

Abusca por plásticos mais resistentes e que libe-ram menos fumaça quando expostos ao fogo está no foco de dois projetos de pesquisa condu-zidos em universidades brasileiras em parceria com a empresa Braskem, gigante brasileira da área petroquímica com sede na cidade gaúcha de Triunfo. Um dos estudos, desenvolvido na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), teve como objetivo transformar o polipropileno – usado em embalagens de biscoito, carpetes, frascos e em peças do setor automotivo – em um material com maior resis-tência ao impacto, mas que mantivesse suas qualidades estruturais. “Adicionamos à resina termoplástica mate-riais como borracha e argila, controlando a estrutura em escala nanométrica”, diz o professor Ricardo Oliveira, do Instituto de Química da UFRGS. “Com esse controle, distribuímos a argila na interface entre a borracha e o polipropileno, o que resultou em ganhos significativos de resistência ao impacto sem perda de rigidez do material.” A escolha da argila foi feita em função da sua constituição química, que possibilita a separação das suas camadas de silicato, onde são intercaladas as cadeias poliméricas.

A pesquisa, que teve início em 2007 como tema de doutorado da aluna Patrícia da Silva, produziu um de-pósito de patente e um artigo científico publicado este ano. “Nosso interesse está voltado agora para a aplicação do mesmo conceito de estrutura usado na composição do polipropileno para outros materiais, como poliéster e polietileno”, diz Oliveira. Ele ressalta que a parceria da universidade com a Braskem envolve cerca de 10 pro-jetos. “São duas grandes linhas de pesquisa envolvendo nanotecnologia e aproveitamento de recursos a partir de fontes renováveis.”

Um outro estudo, conduzido durante o doutorado de Antônio Rodolfo Junior na Faculdade de Engenha-ria Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientação da professora Lucia Helena Innocentini Mei, avaliou o comportamento de nano-compósitos de PVC (policloreto de vinila) misturados à argila e óxidos metálicos para retardar a liberação de calor e a emissão de fumaça em caso de exposição do material ao fogo. A importância do estudo deve-se ao fato de essa resina termoplástica – assim chamada porque amolece quando aquecida, permitindo que seja fundida e moldada inúmeras vezes – ser usada em uma ampla gama de aplicações, que englobam desde mate-riais médico-hospitalares e embalagens para alimentos até produtos usados na construção civil.

O PVC é o único material plástico que não é total-mente originário do petróleo porque desse óleo usa o eteno em 43% da sua composição e o restante 57% de cloro, proveniente do cloreto de sódio. A presença do cloro em sua estrutura química faz com que o produto resultante seja pouco inflamável, mas quando ele entra em combustão esse elemento é o principal responsável pela produção de uma fumaça densa e escura. A pesqui-sa demonstrou bons resultados com a adição de óxidos. “Nas amostras analisadas, foi observado um evidente controle da fumaça emitida por compostos de PVC com a adição de óxidos metálicos como zinco, cobre e molibdênio”, relata Rodolfo, gerente de engenharia de aplicação na área de PVC da Braskem. n

[ engenharia quíMica ]

Microscopia:polipropileno

e borracha

Artigos científicos

1. DA SILVA, P.A.; JACOBI, M.M. et al. SBS nanocomposites as toughening agent for polypropylene. Polymer Bulletin. v. 64, v. 3, p. 245-57. fev. 2010.2. RODOLFO, A.; MEI, L.H.I. Poly(vinyl chloride)/metallic oxides/organically modified motmorillonite nanocomposites: fire and smoke behavior. Journal of Applied Polymer Science. v. 116, n. 2, p. 946-58. 15 abr. 2010.

78 n seteMbro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

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PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 79

Senhor IPtAlberto de Castro, conhecedor do desenvolvimento tecnológico, foi importante para o instituto

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[ homenagem ]

Dr. Alberto: contribuição reconhecida

O engenheiro Alberto Pereira de Castro tinha uma identificação tão grande com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) que, quando a instituição completou 100 anos, em 1999, passou a ser chamado de “Senhor IPT”. Não foi uma homenagem à toa – Castro trabalhou como superintendente por 18 anos ininterrup-

tos naquele que é um dos principais centros de pesquisa tecnológica do país e deu sua contribuição para o avanço tecnológico brasileiro. No dia 13 de agosto morreu em consequência de parada cardíaca, aos 95 anos. Deixou a mulher, 3 filhos, 9 netos e 11 bisnetos.

Doutor Alberto, como era conhecido no IPT, nasceu na cidade goiana de Mineiros em 1915. Aos 11 anos a família mudou-se para Uberlândia, em Minas Gerais, que ele deixou quando foi para São Paulo cursar enge-nharia civil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). No terceiro ano do curso, em 1936, entrou para o IPT como assistente-aluno. Formou-se em 1938, especializou-se em metalurgia e foi contratado pelo instituto no ano seguinte como engenheiro auxiliar na seção de metais. Trabalhou em análises e prestação de serviços às empresas até 1944, quando pediu demissão e foi para uma empresa de metalurgia, e depois atuou como consultor. Em 1968 voltou ao instituto como su-perintendente, cargo que exerceu até 1985. Entre 1995 e 1996 foi diretor vice-presidente e presidente de 1996 a 2005, data em que se aposentou, aos 90 anos.

“O doutor Alberto era uma referência para todos nós no IPT e, em 18 anos de trabalho intenso, esteve sempre no centro das decisões que marcaram os grandes pro-cessos de transformação e de crescimento do instituto”, disse João Fernando Gomes de Oliveira, atual presidente do instituto. “Os diretores do IPT continuavam indo, sempre que possível, à sua casa para pedir conselhos e aprender com sua sabedoria.”

Além da carreira no instituto e como consultor de empresas, Castro foi diretor da Companhia Brasilei-ra de Materiais Ferroviários (Cobrasma) por 20 anos. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira das

Instituições de Pesquisa (Abipti), em 1980. Em 2005 a Abipti criou dentro da associação a Universidade Corporativa Alberto Pereira de Castro, em sua ho-menagem, com o objetivo de promover a educação com ênfase na gestão da inovação tecnológica.

Castro teve sua contribuição à pes-quisa tecnológica reconhecida. “O dou-tor Alberto foi por décadas a referência mais influente para o IPT. Conhecedor como poucos das forças e fraquezas do desenvolvimento tecnológico e da engenharia no Brasil, ele sempre foi determinante para a qualidade de de-cisões”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. A necessidade de saber o momento cer-to para realizar mudanças foi uma das lições que deixou. “A tecnologia precisa de delivery mechanisms [mecanismos de entrega], que pressupõem relações multiplicadoras envolvendo institutos de pesquisa, indústrias, escritórios de engenharia, governo e escolas. Quando percebemos que os delivery mechanisms não estão funcionando, é hora de agir diferente”, dizia Castro. n

As fotos secretAs do professor AgAssiz

Exposição e livro trazem à luz imagens polêmicas feitas por rival de Darwin

Carlos Haag

[ História ]

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PESQUISA FAPESP 175 n sEtEmbro DE 2010 n 81

Aqueles que põem em dúvida os efeitos perniciosos da mistura de raça e são levados por falsa filantropia a romper todas as barreiras colocadas entre elas deveriam vir ao Brasil”, afirmou o zoó-logo suíço Louis Agassiz (1807-1873) em seu livro A journey to Brazil (1867),

escrito a quatro mãos com a mulher, a americana Elizabeth Cary, resultado da visita ao país como líder da Expedição Thayer, entre 1865 e 1866, da qual fizeram parte, entre outros, o futuro filósofo William James (1842-1910) e o geólogo Charles Frederick Hartt, indo do Rio de Janeiro ao Ama-zonas. Professor da Lawrence School, ramo da Universidade Harvard, e fundador do Museu de Zoologia Comparada da mesma universidade, Agassiz era o mais notável e popular cientista da América do Norte, defensor do criacionismo, do poligenismo, adepto da teoria da degeneração das raças e um opositor feroz do evolucionis-mo. Após a publicação de A origem das espécies (1859), de Darwin, porém, seu prestígio passou a ser questionado por jovens naturalistas america-nos que rejeitavam suas interpretações teológicas e racistas. Ele então abraçou com entusiasmo a chance de vir ao Brasil com o objetivo de pes-quisar os peixes da bacia amazônica para provar a “falácia” das teses darwinistas.

Não menos importante, a viagem era a opor-tunidade de visitar um “paraíso racialista”. Agas-siz aproveitou a sua estada para recolher provas materiais da “degeneração racial” provocada pe-lo “mulatismo”, comum na população brasileira, fortemente miscigenada. O resultado foi uma série de 200 imagens, conservadas no Museu Peabody de Harvard, em sua maioria inéditas devido ao seu conteúdo polêmico: retratos nus da população africana do Rio e dos tipos mestiços de Manaus. Um grupo de 40 dessas fotografias está sendo exibido pela primeira vez

as três poses típicas das fotos de agassiz

humanidades

82 n sEtEmbro DE 2010 n PESQUISA FAPESP 175

na exposição Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, on-tem e hoje, mostra que faz parte da 29ª Bienal de Artes de São Paulo e está em cartaz no Teatro de Arena até o final do mês. Ao mesmo tempo, acaba de ser lan-çado o catálogo homônimo da exibição, editado por sua curadora, Maria Helena Machado, professora do Departamen-to de História da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisadora também é a organizadora do livro O Brasil no olhar de William James (pela Edusp, a ser lançado até o final do ano), que traz cartas, diários e desenhos do filósofo americano, irmão do escritor Henry James, como integrante da Expedição Thayer. Então um jovem de 23 anos, estudante de medicina em Harvard, James era admirador do suíço, mas a estada brasileira mudou sua visão sobre o “Professor” (como se refere a Agassiz), bem como, nota Maria Helena, foi um ponto decisivo na vida do filósofo do pragmatismo, pois teria sido aqui que ele decidira se dedicar à filosofia. “In-do contra a corrente do momento, seus registros do Brasil são peculiarmente empáticos, apesar de ter contraído va-

ríola, que o deixou temporariamente cego, colidindo com a visão do mentor da viagem, Agassiz, cuja posição política e ideológica o vinculava aos defensores do racismo e das teorias da degeneração pelo hibridismo”, fala a professora.

P asseando pelo éden amazônico, a Expedição Thayer, com apoio dos governos americano e brasileiro,

devassaria a Amazônia, apropriando-se dos peixes, das rochas e capturando ima-gens dos mestiços e mestiças da região, fotografados nus em poses dúbias, con-gelados como exemplos da degeneração racial, em nome da construção de um inventário dos perigos da miscigenação”, continua Maria Helena. Agassiz havia se tornado o principal divulgador de uma ciência idealista e cristã, que reafirmava o criacionismo ao mesmo tempo que usava uma linguagem “vanguardis-ta”, cheia de nomes técnicos e alusões a procedimentos científicos. “Se por um lado ele se alinhava no campo dos adeptos da ciência empírica como chave do conhecimento, ao mesmo tempo se reconciliava com as visões metafísicas e religiosas que buscavam interpretar, no

livro da natureza, os desígnios divinos.” O zoólogo fora discípulo do naturalis-ta francês Georges Cuvier, que negava a interconexão genética das diferentes espécies, cuja análise pressupunha uma descrição empírica minuciosa dos se-res observados, já que cada espécie era única em si mesma. Além disso, Cuvier acreditava que o mundo havia sofrido inúmeras catástrofes que teriam di-zimado as espécies que o povoavam, sendo em seguida outras criadas pela mão divina. Assim, os animais que co-nhecemos teriam sido originados por uma criação recente, hipótese que daria conta do grande problema para os não evolucionistas: a diferença entre os ani-mais fósseis e os atuais.

“Agassiz também preconizava que todos os seres organizados foram cria-dos para pertencer a uma determinada ‘pátria’, ou seja, existiria uma ligação en-tre os seres e seus hábitats. As diferenças de clima não bastavam para explicar a distribuição das espécies. A lógica do povoamento saíra diretamente de Deus”, explica a historiadora Lorelai Kury, pes-quisadora da Fundação Oswaldo Cruz e professora da Universidade do Esta-do do Rio de Janeiro. Segundo o suíço, existiriam “províncias zoológicas”, já que Deus, depois de ter criado novas espécies em diferentes épocas, teria de-signado a cada uma a sua “pátria”.

“O cientista, para Agassiz, era um ser privilegiado que saberia desvendar o plano divino por meio da observa-ção científica da natureza, ocupando o lugar tradicionalmente reservado aos teólogos. Sua visão se ligava a uma perspectiva platônica e estática da vida e da ciência, cujas diretrizes se repor-tavam a certezas como a existência de tipos ideais e, sobretudo, a reafirmação da precedência do plano divino sobre a realidade do mundo natural”, diz Maria Helena. Ainda segundo o zoólogo, have-ria uma hierarquia natural na escala dos seres, de animais para humanos, assim como entre as raças humanas, fruto da intenção divina de impor uma ordem ao mundo. “Cabia aos homens entender e respeitar isso. Os negros, que teriam sido criados por Deus expressamen-te para habitar os cinturões tropicais, provinham de uma espécie humana inferior, cuja virtude seria a força fí-sica e a capacidade de servir. Ante os brancos, superiores, eles abdicavam de

imagens iriam servir de argumento racialista

PESQUISA FAPESP 175 n sEtEmbro DE 2010 n 83

sua autonomia em nome da seguran-ça do comando e da proteção de seus mestres. Essas ideias eram comungadas por pró-escravistas e por abolicionistas como Agassiz.” Tal concepção de mundo tinha ampla aceitação, em especial pe-lo público leigo americano, acalmando suas angústias num mundo em rápida transformação. “Agassiz, durante esse período, estava mais interessado em se dirigir às preocupações do público do que à comunidade científica. Ele igno-rava solenemente o número crescente de intelectuais que haviam perdido o interesse na ideia de criações separadas, continuando a dar palestras abertas em defesa do poligenismo e do pluralismo”, observa a antropóloga Gwyniera Isaac, curadora de etnologia americana do Smithsonian’s National Museum of Na-tural History e autora do artigo “Louis Agassiz’s Photographs in Brazil.”

A viagem ao Brasil era, então, uma necessidade, pois, com a publicidade da expedição, ele acreditava que consegui-ria aliados para rebater o evolucionismo e defender a fixidez das espécies e as criações sucessivas. “Na região amazô-nica, Agassiz dedicou-se a buscar pro-vas de uma recente glaciação que teria marcado uma ruptura entre as espécies atuais e as extintas (o que levou Hartt a se afastar dele), dentro do espírito das catástrofes naturais como responsáveis pela geração de novas espécies, isoladas e sem ligação com outras. Com relação aos peixes, ele acreditava que as espé-cies encontradas variavam ao longo do

foto de negro:

tentativa de criar tipos

puros raciais

nos, a segregação dos afro-americanos em um cinturão de clima quente no Sul, no qual eles viveriam o mais apartado possível, sob a tutela dos brancos”, conta Maria Helena. “Com isso os defensores da incompatibilidade da convivência da raça negra com a civilização acredita-vam que os negros seriam impedidos de cometer danos irreparáveis ao corpo da nação.” Em meio à Guerra de Seces-são, circulavam, no Norte e no Sul dos Estados Unidos, propostas de “repatria-ção” dos ex-escravos, inclusive para o Brasil (ver “O dia em que o Brasil disse não aos Estados Unidos”, na edição 156 de Pesquisa FAPESP). Os argumentos de Agassiz sobre as províncias zoológi-cas, que destinavam as áreas tropicais para a raça negra, tingiam essas pro-postas com a aura de filantropia. Por isso, observa a pesquisadora, os interes-ses da Expedição Thayer iam além da ciência. “Por trás do discurso público do cientista-viajante havia outro que ligava Agassiz aos interesses norte-americanos na Amazônia, conectado a duas linhas de ação diplomática: a abertura do

Amazonas e eram diferentes para cada afluente”, afirma Lorelai. Contrário a Darwin, Agassiz pensava que a variabi-lidade em cada espécie era nula e o que hoje se considera uma variedade o zoó-logo tomava por uma espécie nova.

O suíço também tinha outros inte-resses, menos científicos. Desde a sua chegada aos Estados Unidos,

em 1840, havia se envolvido no debate norte-americano sobre as raças, abra-çando a teoria da degeneração, que afir-mava ser a miscigenação ou hibridismo o caminho certo para a degenerescência social. Afinal, se Deus criara a flora, a fauna e o homem em nichos precisos, como o ser humano afrontava esses desígnios misturando climas e raças e, pior, fazendo-as interagir? “Para alguns dos abolicionistas e pensadores racia-listas do século XIX, além do mal dos deslocamentos de negros, resultante do tráfico, outro erro, ainda pior, seria o ‘mulatismo’, a conspurcação do sangue ocasionada pela mestiçagem. A solução seria a emigração coletiva ou, pelo me-

expedição,

Além dA ciênciA,

queriA A

AberturA

do AmAzonAs

à nAvegAção

internAcionAl

84 n sEtEmbro DE 2010 n PESQUISA FAPESP 175

Amazonas à navegação internacional e aos projetos de assentamento de negros americanos como colonos ou apren-dizes na várzea amazônica, vista como extensão natural do ‘Destino Manifesto’ dos EUA.” O governo norte-americano sabia da ligação entre Agassiz e Dom Pedro II, que trocavam correspondên-cia desde 1863, e o suíço veio ao Brasil para pressionar o imperador a abrir a navegação da Amazônia, no que teve sucesso, e também para ajudar a pro-mover a imigração de negros.

N esse sentido, o Brasil era visto co-mo lugar ideal para recolher provas dos perigos da degeneração, que

seriam veiculados em sua volta aos EUA. Para isso pensou em fazer uma expressiva coleção de fotografias que documentaria as mazelas da mistura de raças puras e híbridas, tudo com caráter abertamente racialista”, nota Maria He-lena. “A consequência natural de alian-ças entre pessoas de sangue misturado é uma classe de indivíduos em que o tipo puro desaparece assim como todas as qualidades físicas e morais das raças primitivas, produzindo mestiços tão repulsivos como cachorros vira-latas”, anotou Agassiz. Daí a observação pre-cisa de Darwin sobre o rival: “Ele coleta

dados para provar uma teoria em vez de observar esses dados para desenvol-ver uma teoria”. Esse é o princípio que explica as fotografias brasileiras. “Para demonstrar sua tese, ele coletou ima-gens sobre a classe ‘híbrida’ das popula-ções que, acreditava, eram aparentes no Brasil. Humanos, como qualquer outra espécie, requeriam análise por meio de métodos empíricos e ‘frios’ como a fo-tografia”, nota Gwyniera Isaac.

Com o objetivo de ilustrar o per-fil dos brasileiros, Agassiz encomen-dou ao fotógrafo profissional Augusto Stahl uma série de daguerreótipos de

africanos, que classificou como “tipos raciais puros”, gerando duas séries de fotografias, uma em forma de por-traits e outra de caráter científico e fi-sionômico de tipos étnicos de negros e negras do Rio de Janeiro, incluindo alguns chineses que viviam na cidade. Os retratados aparecem nus e em três posições fixas: de frente, de costas e de perfil. Em Manaus, foi ainda mais longe e criou um Bureau d’Antropologie para documentar as diferenças entre as raças puras e mistas, contando com a ajuda do fotógrafo improvisado Walter Hun-newell na feitura de retratos dos tipos híbridos amazônicos. Agassiz já fizera antes, em 1850, uma série semelhante, com escravos americanos da Carolina do Sul, experiência que, afirma, teria consolidado suas ideias racistas. “Usan-do novos recursos técnicos, como a fo-tografia, surgiram teorias sobre as novas formas de capturar o corpo humano, visto como veículo de traços raciais a serem revelados pela capacidade do naturalista de ‘ler corpos’. Ele inaugu-rou uma representação somatológica e frenológica do outro africano que iria se generalizar nas décadas seguintes e povoaria os nascentes museus antro-pológicos”, avalia Maria Helena.

“A antropologia havia se transfor-mado, naquela época, na ciência do vi-sível, do corpo físico com suas marcas de distinção racial e, assim, as represen-tações visuais eram cruciais. Nos EUA, isso era obtido por meio da contrapo-sição da cor da pele, o que fazia da raça um conceito baseado no contraste. Ver a imagem de um negro ao lado da de um branco imediatamente provocaria no público a ideia da suposta diferença ‘inerente’ entre as raças. Agassiz, para reforçar isso, interpolou na sua coleção de fotos de negros imagens de estátuas clássicas gregas, versão idealizada dos brancos”, explica a antropóloga Nancy Stepan, da Universidade Columbia, e autora do livro Picturing tropical nature. “A fotografia aparecia como a certeza de verdade para os cientistas, em vez dos antigos desenhos, que seriam limita-dores. Foi assim usada na psiquiatria, na medicina, na categorização de cri-minosos e, no final do século XIX, era uma parte essencial da administração do Estado moderno.”

Agassiz, sem treino nas complica-das mensurações antropométricas, viu

muitAs dAs

mulheres

fotogrAfAdAs

pAssArAm por

constrAngimentos

no bureAu

d’Antropologie

de AgAssiz

em mAnAus

Nesta e na próxima página: mestiços do amazonas

PESQUISA FAPESP 175 n sEtEmbro DE 2010 n 85

na fotografia uma saída, atribuindo à invenção uma “importância de época”. “Ele buscava, porém, o tipo estável que comprovasse a sua noção da fixidez das espécies. Essa procura de um tipo ao qual os indivíduos poderiam teorica-mente ser reduzidos, contramão do fluxo contínuo dos seres, cegou Agassiz para a evidência que levou Darwin e Wallace a propor a teoria da evolução. A mesma falácia fez com que suas fo-tografias, ao final, fossem tão confusas e inesperadas para ele”, afirma a antro-póloga. Eram também polêmicas. “Fui para o estabelecimento e lá cautelosa-mente admitido por Hunnewell com suas mãos negras. Na sala estava o Pro-fessor ocupado em persuadir três mo-ças, às quais ele se referia como índias puras, mas, como se confirmou depois, tinham sangue branco. Estavam muito bem vestidas e eram aparentemente re-finadas, de qualquer modo não liberti-nas. Elas consentiram que se tomassem com elas as maiores liberdades e foram induzidas a se despir e posar nuas. En-tão chegou o sr. Tavares Bastos e me perguntou ironicamente se eu estava vinculado ao Bureau d’Antropologie”, descreveu William James. “Na tradição europeia, da qual Agassiz fazia parte, estar vestido era sinal de civilização e as roupas eram um símbolo de status e gênero. Deixar pessoas nuas roubava delas a dignidade e a humanidade. Pa-ra ele, isso era possível porque muitas eram escravas”, observa Nancy.

M uitas das mulheres fotografadas, porém, eram da boa sociedade de Manaus e o clima no Bureau não

era dos mais respeitosos. As fotos se situam numa zona desconfortável en-tre o científico e o erótico, gêneros que se cruzavam com frequência no século XIX. As observações de James revelam o clima de segredo, o que contrasta com as afirmações de Agassiz sobre a natureza abertamente científica das fotos. Além disso, a menção de James sobre as ‘mãos negras’ de Hunnewell tem um duplo sentido que vai além da sujeira dos produtos químicos”, anali-sa o antropólogo John Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas. Ao mesmo tempo as fotos se enqua-dravam na convenção etnográfica de introduzir o confortável espectador branco àquilo que é não apenas exóti-

co, e está em distância segura, como também invisível. O resultado das ima-gens coletadas, porém, não era o espe-rado por Agassiz. “O livro do casal e os diários de James estão cheios de exem-plos frustrados de encontrar tipos ‘pu-ros’. O Brasil conseguiu confundir Agassiz, que acreditava estar num país com exemplos definidos das três raças ‘puras’. Ele se deparou, porém, com ‘hí-bridos’ que cruzaram com outros ‘híbri-dos’ e assim por diante, gerando uma realidade complexa que não poderia ser apreendida em suas fotografias”, diz Nancy. “Isso era impossível sem lançar mão de outros recursos, como legen-das, o que ia de encontro ao seu méto-do científico em que as ‘raças falavam por si mesmas’. Paradoxalmente, ao despir seus modelos, Agassiz removeu alguns dos poucos signos que poderia ter usado para assegurar as identidades raciais dos tipos.”

A coleção brasileira nunca foi divul-gada e em A journey to Brazil aparecem apenas algumas delas como base para xilogravuras. “Para isso contribuiu uma série de razões políticas e acadêmicas que acabaram por inviabilizar o seu projeto de estudo das raças. Há que se considerar também o ambiente moral rígido da Nova Inglaterra e a perda da credibilidade científica de Agassiz. As fotos guardam, no entanto, uma atua-lidade, ao evocar os rostos e vidas de pes soas que foram anuladas não ape-nas pela ‘objetificação’ da ciência, mas pelas políticas de esquecimento”, diz Maria Helena. William James resume bem a questão: “Tenho me beneficiado em ouvir Agassiz falar, não tanto pelo que ele diz, pois nunca ouvi ninguém pôr para fora uma quantidade maior de bobagens, mas por aprender a for-ma de funcionar desta vasta e prática máquina que ele é”. n

86 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

O primeiro grande evento do recém-implantado Estado Novo foi a criação, em novembro de 1937, do Altar da Pátria, cenário em que se acendeu uma pira para a queima das bandeiras estaduais, de-monstração de que o poder, agora, estava nas mãos de Vargas. Uma semana depois estreava o filme O descobrimento do Brasil, do cineasta Humberto

Mauro (1897-1983). “Não foi por acaso, porque ele reúne simbolicamente os laços entre política, história, educação, religião e arte (cinema e música), como se encenasse no-vamente no momento da descoberta essa comunhão, mos-trando aos espectadores de então que o que viram e viveram em 1937 tinha sua origem em 1500”, analisa o historiador Eduardo Morettin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e au-tor de Humberto Mauro, cinema e história, a ser lançado em 2011 pela Cosac & Naify. “A ideia de nação nos filmes daquela época se relacionava com a supressão dos direitos civis e de tudo o que representasse o regional ou visões particulares, que o regime via como divergentes do interesse nacional”, explica. Ciente desse imenso poder do cinema, Vargas batizou-o de “livro de imagens luminosas”.

“O cinema se transformou em propaganda dos sím-bolos nacionais do Estado e das suas instituições de cultura. As imagens cinematográficas ganharam um estatuto igual ao das artes plásticas e dos livros didáticos.” Dentre os vários produtos dessa visão destacam-se O descobrimento

[ cinema ]

a história no escurinho do cinema

estudo mostra a longa ligação entre a sétima arte e o estado no brasil

e Os ban deirantes (1940), ambos de Mauro, mas pouco associados ao cineasta de Cataguases. “Esses filmes pro-duzidos em pleno Estado Novo e totalmente em sintonia com a sua ideologia foram esquecidos pela crítica, porque, comparativamente, são precários e destoam do que o dire-tor mineiro fez antes e depois. Esquecê-los, porém, é deixar de lado a faceta conservadora da produção de Mauro”, diz o pesquisador. Afinal, será o movimento feito pelo Estado e pelos intelectuais conservadores entre os anos 1920 e 1930, observa Morettin, em que os dois filmes tiveram função exemplar, que acabará por dar ao cinema brasileiro a sua legitimação cultural. “Ambos estão inseridos num projeto mais amplo de discussão do uso do cinema para fins educativos em que era importante validar o discurso cinematográfico. Para isso, usavam estratégias de auten-ticação para diferenciar o filme educativo do melodrama da época, em que não havia preocupação com a verdade

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 87

Caravela reconstruída para dar veracidade

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A

histórica.” O cinema nacional, então, deu seus primeiros passos de mãos dadas com o Estado. “A década de 1930 pode ter sido o momento em que se criou a política cultural para consolidar o cinema brasileiro, mas foi antes, nos anos 1920, que se iniciou a ligação entre ele e o Estado.”

O evento fundador da união ocorreu durante a Exposição internacional do centenário da Independência, no Rio de Janeiro, entre 1922 e 1923, quando o governo adotou diferentes iniciativas de apoio à produção: contratação de cinegrafistas e produtores; subvenção à realização de filmes, com a isenção da taxa de importação de negativos; compra e produção de documentários etc. Tudo para que o país tivesse fitas que revelassem aos brasileiros e aos estrangeiros o “nosso progresso”. “Isso mostra que havia uma sintonia entre o Brasil e os EUA ou os países europeus, onde as fitas eram usadas como veículo de propaganda. Para os organi-

zadores da exposição o cinema dava o necessário aggiornamento com o mundo contemporâneo.” Segundo a crítica da época, a dificuldade de aceita-ção do cinema no Brasil derivaria de uma suposta insistência do meio em fazer visível a desigualdade e a falta de harmonia, como nos populares “filmes naturais”, dedicados à exuberância da natureza e

à vida no campo, “oportunidade” de se visualizar o inde-sejável. Educadores pediam a criação de um cinema que fosse digno do país idealizado pela elite e que representasse suas “qualidades”. Esse discurso moralizador alinhava-se ao movimento dos anos 1920 e 30 de intelectuais como Edgar Roquette-Pinto e Fernando de Azevedo em torno dos educadores da Escola Nova, que exigiam a inclusão do cinema no currículo escolar.

“Nesse contexto destaca-se a ação de Roquette-Pinto, que foi o grande pensador do uso dos meios de comunica-

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ção de massa, como o rádio e o cinema, no desenvolvimento da transformação da sociedade e, já em 1910, criou o nos-so primeiro acervo de fitas científicas no Museu Nacional, afirmando que o cinema estenderia o conhecimento a todos os cidadãos”, afirma a historia-dora Sheila Schvarzman, professora de comunicação contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, autora do livro Humberto Mauro e as imagens do Brasil (Editora Unesp). “Ele reconhecia o potencial educativo do cinema, mas negava que este tivesse um estatuto artístico. Chegava a cha-mar o cinema de ficção de ‘agitador de almas’. Afinal, para Roquette-Pinto e Vargas o cinema era um instrumento que atingia o povo diretamente, ‘ensi-nando independentemente da vontade de aprender e que chegava muito longe no espaço’, por causa de sua linguagem visual, que até crianças e analfabetos compreendiam.” Suas imagens seriam a expressão de progresso, já que capazes de reproduzir fielmente o real, tendo a possibilidade de “gerar progresso” pelos exemplos que veiculariam. Com seu caráter de espetáculo, avisavam, o

vantagens para a instrução do público e da propaganda do país, dentro e fora de suas fronteiras”, atingindo a todos: “A escola dos que não têm escola”. Em 1936, o governo foi além e resolveu ele mesmo produzir seus filmes com a criação do Instituto Nacional de Cine-ma Educativo (Ince). Roquette-Pinto, diretor do órgão, chamou Humberto Mauro para ser o diretor técnico e o cineasta produziu, em apenas 11 anos, cerca de 300 filmes sobre zoologia, edu-cação artística, física, literatura, dança, geografia e história, além de reporta-gens exaltando a figura de Vargas.

Hollywood - Mauro era um diretor de prestígio, tendo criado obras como O tesouro perdido (1927), Brasa dormida (1929) e Ganga bruta (1933). “Eram filmes com a linguagem do cinema narrativo de Hollywood, mas no espí-rito ideológico da revista Cinearte, de Adhemar Gonzaga, que privilegiava temas ligados às ‘qualidades nacionais’, escondendo a pobreza. O que se deve-ria fazer era mostrar um Brasil ‘civili-zado’ como os EUA e Europa, distante de tudo aquilo que, para as elites, era a cara do nosso atraso”, observa Morettin. “Alguns anos mais tarde, Mauro optou por uma nova visão onde o cinema era uma via de modernização por meio da educação, já que não seria suficiente nem possível criar imagens modernas numa sociedade arcaica, como queria Gonzaga. No projeto do Ince, o cinema não é um fim em si mesmo ou forma de expressão; é, antes, um meio”, nota Sheila. “A partir do trabalho em conjun-to com Roquette-Pinto, o diretor tomou contato com o projeto salvacionista de chegar à modernidade pela educação. Mauro imbuiu-se da ideia de que a na-ção e seus valores eram capazes de redi-mir o homem corrompido pelo pecado original.” A primeira grande exibição do novo ideal não veio do Ince, mas de um pedido do Instituto do Cacau da Bahia, que convidou Mauro a produzir um curta de propaganda que acabou se transformando em O descobrimento do Brasil. “A obra era parte de um proje-to de se encontrar a maneira correta e científica de retratar a história, ou seja, pela visualização do fato histórico. Para validar a inserção no mercado, dentro do conceito do cinema com fins edu-cativos, o filme contou com as con-

Cartaz de estreia do filme em 1937

cinema era eficaz na transmissão das mensagens e, logo, capaz de vencer as “resistências da ignorância, do poder lo-cal e do atraso”. Isso, é claro, se colocado em “mãos conscientes e competentes”: urgia “salvar o cinema do próprio cine-ma”, afastando-o da ficção e colocando seu poder a serviço da educação.

“As pessoas, porém, seriam obrigadas a ter com o cinema uma relação pautada pela razão fria, não pelo sentimento. O que se queria era formar um público, visto como um todo homogêneo, que não iria sofrer a influência ‘negativa’ das fitas ditas comerciais. Eles se preo-cupavam muito com as crianças, para os educadores ‘presas fáceis’. Bastava ver as ‘manifestações descontroladas durante as matinês’: ‘é uma gritaria ensurdece-dora na sala, uma exaltação desvairada dos jovens, presos de intensa emoção’.” O Estado foi chamado a tomar a si a ques-tão. Inicialmente por meio do decreto nº 2.140, de 1932, que, entre outras medi-das, criou a obrigatoriedade da exibição de um curta-metragem nacional antes da projeção de um longa de ficção. No texto destacava-se a importância do fil-me educativo, “instrumento de grandes

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sultorias de Afonso de Taunay, diretor do Museu Paulista, e Roquette-Pinto. Villa-Lobos foi autor da trilha sonora.” Referenciais iconográficos de quadros como A primeira missa (1861), de Victor Meirelles, ou o uso da carta de Caminha como referência primordial do roteiro (chega mesmo a aparecer literalmente na tela) foram resgatados para garantir autenticidade e valor educativo à pro-dução. “O que se queria era tirar da fita qualquer traço do entretenimento do melodrama. Os filmes históricos, se-gundo seus idealizadores, deveriam ser encenações de documentos, colocando os espectadores em contato com a his-tória ‘como ela foi’.” Para Taunay, por exemplo, bastava animar pinturas de vultos históricos para conferir veraci-dade às imagens em movimento. Isso explica a composição estática, em table-aux, dos filmes, amarrados a referências pictóricas. “Não era simplesmente uma obra de propaganda, mas a produção de Mauro e a música de Villa-Lobos se encaixavam perfeitamente na ideia de formação de um corpo unido em torno de objetivos comuns, tendo um líder acima das divergências sociais.” Seria Mauro uma versão nacional de Leni Riefenstahl?

Villa-Lobos - “Há semelhanças, mas, ao contrário da cineasta alemã, ele era apenas um técnico, com autonomia restrita, alguém capaz de transformar em imagens as teorias dos intelectuais, sem grandes autorias.Villa-Lobos, sim, foi um artista que mitificava o papel do Estado como sendo o sujeito da histó-ria, mas Mauro não via no seu trabalho junto ao Ince uma identidade entre a sua criação como cineasta e a ideologia do regime”, acredita Morettin. Além disso, nos dois filmes, o diretor, ainda que de forma inconsciente, se revelaria adepto incerto do projeto ideológico. “Isso apa-rece em alguns poucos traços autorais que se pode ver na fita, como a melan-colia e a ausência de finais felizes, coisas que são típicas de seu estilo. Essas inter-ferências impediram os filmes de ser o meio apropriado para o sentido épico que os intelectuais do regime queriam ver retratado.” Em O descobrimento, continua, há efetivamente uma leitura harmoniosa do momento fundador da nação: basta ver a cena da recepção feita pelos portugueses aos índios, em que Carlos Haag

Cabral e frei Henrique de Coimbra pa-recem embalar o sono dos nativos. Ou, em Os bandeirantes, em que a ideologia varguista se manifesta no discurso de Fernão Dias Paes ao enforcar o filho para manter a disciplina e a ordem da expedição, como fazia Vargas, o “pai” da sociedade brasileira. Na contramão, o diretor enfatizou inesperadamente o custo da empreitada dos bandeirantes (doenças, mortes, fome), e mesmo o momento da descoberta das pedras preciosas, o suposto clímax, recebe dois meros planos a distância. A morte

Filmes

trazem traços

autorais de

Mauro, como

a melancolia,

que o afastam

do oficial

melancólica de Fernão Dias Paes igual-mente não se enquadra numa esperada apologia histórica. Isso se repete no final ambíguo de O descobrimento, quando, no contratempo da música ufanista de Villa-Lobos (com coros de “Brasil! Bra-sil!”), o público vê a imagem da cruz com três desolados degredados ao seu redor. São dissonâncias fortes. “Não acho, no entanto, que fosse uma crítica consciente ou uma sabotagem do pro-jeto ideológico, mas reforça a ideia de que o cinema é polissêmico e não pode ser amordaçado.” Depois que Roquette-Pinto saiu do Ince, em 1947, Mauro con-seguiu novamente filmar coisas notáveis como Canto da saudade (1952), e re-força a ideia de que os filmes históricos foram só um interregno na sua carreira. A ambivalência desses filmes impediu que se identificassem totalmente com o Estado Novo. Tardou para que o mundo evocado em filmes como Ganga bruta ressurgisse e o Cinema Novo retomasse Mauro como “pai fundador do cinema brasileiro”. Leni Riefenstahl, nos trópi-cos, recebeu o perdão. n

[ ECONOMIA ]

té a década de 1970, quatro serviços públicos eram oferecidos aos brasileiros com a ajuda de novas tecnologias, representadas, na época, pelo telefone. Eram os números de emergên-cia de três dígitos: 190, da Polícia Militar;192, do Pronto Socorro; 195, para a falta ou va-zamento de água; e 199, da Defesa Civil. Nos

últimos 15 anos, porém, a informatização da máquina pú-blica acelerou: o país é, hoje, pioneiro em diversas áreas do chamado governo eletrônico, ou e-Gov. Entre os grandes avanços brasileiros, há a entrega de 98% das declarações de Imposto de Renda pela internet e o voto eletrônico.

Apesar de ser referência em inovação nas áreas eleitoral e tributária, o país precisa informatizar diversos setores da administração pública. Na maioria dos municípios o atraso é grande. A avaliação é de Florencia Ferrer, doutora em sociologia econômica pela USP, que coordenou o Núcleo de Estudos e Desenvolvimento em Governo Eletrônico (Ned-Gov), na Fundação do Desenvolvimento Adminis-trativo (Fundap), com apoio da FAPESP, e hoje dirige uma empresa que funciona como um think tank sobre o tema, a e-Estratégia Pública. A socióloga desenvolveu metodologias para medir a economia e a eficiência que as novas tecno-

A cidAdAniA NO tEMpO dIgItAl

A

Joselia Aguiar | Ilustrações Guilherme Lepca

logias possibilitam em administrações públicas como a do estado de São Paulo, projeto que contou com uma Bolsa Jo-vem Pesquisador da FAPESP.

A área de compras públicas é uma das que mais têm a avançar no uso de meios eletrônicos, como afirma a especialista. Se todas as aquisições de produtos e serviços realizados pelos governos federal, estadual e munici-pal ocorressem de forma eletrônica, o Brasil economizaria R$ 23 bilhões por ano, segundo seus cálculos. “Não há dúvidas quanto à redução de custos e de burocracia possibilitada pelo e-Gov, o que o torna mais necessário para eco-nomias emergentes”, diz.

O governo eletrônico ajuda a redu-zir preços nas compras públicas porque permite não só aumento da concor-rência como maior integração com a cadeia de fornecedores. “Empresas de todo o país, independentemente do

porte, podem disputar a preferência, em igualdade de condições, desse que é o maior consumidor de produtos e serviços: o governo”, diz a socióloga, que aborda o tema em livros como Ges-tão pública eficiente – Impactos econô-micos de governos inovadores (Editora Campus) e e-Government – O governo eletrônico no Brasil (Editora Saraiva).

A automação da administração pública pode contribuir para eliminar deficiências que favorecem a corrup-ção, segundo a pesquisadora. Calcula- -se que, ao fechar as vias pelas quais a fraude faz escoar dos cofres públicos algumas dezenas de milhares de reais por dia, a economia representaria 10% daquilo que o Fisco arrecada por ano. “O governo eletrônico deve ser visto como sinônimo de democracia e trans-parência”, acrescenta.

No Brasil, a chamada informática pública começou já na década de 1970.

Governo eletrônico cresce no país, mas estudo aponta carências

Os primeiros a fazer grandes incorpo-rações de tecnologia da informação foram o governo federal e os estaduais de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará e Pernambuco. A partir dos anos 1990, gestões como as de Fer-nando Henrique Cardoso (1995-2002), em escala nacional, de Mario Covas (1995-2001), Geraldo Alckmin (2001-2006) e Aécio Neves (2003-2010), nos seus respectivos estados, foram algumas das que implantaram como prioridade uma agenda de e-Gov, como explica Florencia Ferrer. “As primeiras expe-riências ocorrem no que se refere às obrigações do cidadão com o Estado”, como explica a pesquisadora.

No âmbito tributário, as mudanças começaram há mais de uma década. O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a ter declaração de IR por in-ternet. Quando era obrigatória a decla-

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ração de isentos de CPF, apesar de esta fatia da população ser considerada de “excluídos digitais”, quase 70% decla-raram pela web. Esse modo se tornou o preferido por ser gratuito; opções como correio e casas lotéricas representavam custo. O pagamento de impostos de veí-culos foi um dos primeiros processos a migrar ao meio eletrônico. “Nota-se uma grande mudança na relação do cidadão com o poder público, uma vez que o e-Gov facilita a realização de tarefas que devem cruzar as estruturas burocráticas de vários departamentos”, observa a especialista.

A entrega de serviços e a realização de trâmites ao cidadão são áreas onde há pouco uso de novas tecnologias, avalia a pesquisadora. Em âmbito municipal, também é raro encontrar tecnologia de ponta. “A maioria dos municípios não possui investimentos nem políticas direcionadas nesse sen-tido.” Porém, segundo diz, é cada vez maior o entendimento de que o acesso à internet e o ingresso na economia digital devem ser políticas públicas. Como exemplos, destaca, em âmbito federal, a Política Nacional de Banda Larga (PNBL) e, no estadual, o recente caso do Acre, que oferece internet gra-tuita em boa parte da capital.

de R$ 20 por processo – caiu de R$ 22 para R$ 2. Para o cidadão, o diferencial é maior: antes da modernização, era pre-ciso pagar, para licenciar o veículo, R$ 68 a um despachante ou ir pessoalmente ao Detran, o que o fazia ter despesas que, na média, somavam R$ 56. Esse trâmite hoje não é mais necessário, pois é possível que o pagamento seja reali-zado pela internet. O custo é apenas o da postagem do documento, de R$ 10, enviado para a casa do contribuinte. A mudança permitiu uma economia de R$ 715 milhões em termos absolutos. Ao mesmo tempo, houve aumento de 300% dessa arrecadação.

Com a adoção de meios eletrônicos, houve grande economia na emissão de documentos como carteira de identi-dade e certificação de antecedentes cri-minais. O custo médio total ponderado para todos os trâmites analisados é de R$ 47,08 para o processo tradicional, na Polícia Civil, e de R$ 34 para os postos do Poupatempo, uma redução de 29%: uma queda de R$ 50 milhões por ano nesses custos. A emissão de um boletim de ocorrência (BO) po-de ser realizada hoje pela internet. A economia é grande, em comparação com o método antigo, que exigia ida às delegacias: para o cidadão, a redu-ção de custos é de 88%, para o Estado, de 67%. “Da mesma forma como os setores produtivo e bancário já fazem há algum tempo, os governos, como prestadores de serviço, precisam adotar as novas tecnologias de forma intensiva e irreversível”, defende a especialista.

F lorencia Ferrer ressalta que, para reestruturar a máquina pública – reduzir as despesas (custos de pro-

dução) e aumentar os financiamentos de capital (poupança) –, deve-se com-binar não só a incorporação do governo eletrônico como a adoção de um novo tipo de gestão. “A tecnologia é um fator que facilita, acelera e melhora proces-sos, mas não os determina”, ressalva. Ou

E studos realizados pela equipe de Florencia Ferrer avaliaram, a partir de metodologias próprias, a econo-

mia feita no estado de São Paulo com o uso de meios eletrônicos. Com a Bolsa Eletrônica de Compras (BEC), implan-tada em 2000, por exemplo, houve uma queda de 25% nos preços e de 51% no custo do processo de compras. Para as empresas fornecedoras, o custo de par-ticipar de licitações caiu mais: 93%. Em termos absolutos, a economia anual é de cerca de R$ 94 milhões.

A versão eletrônica do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) levou o Estado a uma economia

O governo eletrônico no Brasil - nº 03/10454-7

modAlIdAdE

Programa Jovem Pesquisador

Co or dE nA dorA

maria Florencia Ferrer – Fundap/UsP

InvEStImEnto

r$ 130.036,80

O PrOjetO

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 93

seja, o governo eletrônico é um meio de modernização da gestão pública, mas depende fundamentalmente da mudança de gestão. “O governo eletrô-nico deve ser inserido numa política mais ampla de reforma do Estado, que contemple a análise e a reformulação de processos, de estrutura administra-tiva, de marco regulatório, do relacio-namento entre os agentes, das funções do próprio Estado e do relacionamento do Estado com a sociedade civil.”

Entre as metodologias desenvolvi-das para calcular a economia e a efi-ciência que as novas tecnologias pos-sibilitam em administrações públicas, um dos destaques é o Binps (Benefícios sobre Investimentos Públicos). O índice apura e quantifica economicamente a redução de custos para o governo como consequência da inovação. Há outro índice, chamado Medidor de Benefí-cios Públicos, que compara custos de processos de gestão entre suas formas tradicional e inovada. Há o índice e-Licitações, que mensura o aumento de eficiência de compras públicas ne-gociadas em licitações realizadas por meio de processos inovados. Seu ob-jetivo é demonstrar os avanços que es-

ses procedimentos acarretam na forma de executar o gasto público. O índice de Aderência a Governo Eletrônico (IA e-gov) foi criado para ir além de mensurações subjetivas e pesquisas de percepção sobre o fenômeno da cor-rupção. Demonstra o grau de eficiência decorrente do uso de meios eletrônicos em qualquer processo inerente à gestão pública, além do desvio do nível máxi-mo de maturidade de e-Gov que esse processo pode atingir.

O líder mundial em serviços de e-Governo e inclusão digital é o Canadá. Outros países fizeram nos últimos anos esforços expressivos: Cingapura, por exemplo, chegou ao topo dos rankings internacionais sobre o setor ao executar com sucesso cinco planos nacionais de informática. Para sair da crise provocada pelo colapso da antiga União Soviética, a Finlândia passou de exportador de ma-térias-primas a exportador de tecnologia e tornou-se modelo de economia do co-nhecimento. O Sri Lanka foi o primeiro a adotar no mundo um programa nacio-nal de e-Desenvolvimento com o apoio do Banco Mundial. “Esses são países que aproveitaram bem as TICs (Tecnolo-gias da Informação e Comunicação) em

suas estratégias de desenvolvimento so-cioeconômico”, afirma Peter Titcomb Knight, Ph.D. em economia por Stan-ford (EUA) e coordenador do projeto e-Brasil, organizador de e-Desenvolvi-mento no Brasil e no mundo (volume editado pela Yendis/ Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico).

S e antes era o líder em governo ele-trônico entre os países da América Latina, o Brasil perdeu o posto para

o Chile. Após o período militar, o pri-meiro governo democrático, de Patrí-cio Aylwin (1990-1994), concentrou-se inicialmente na reestruturação política, constitucional e institucional. Foi ape-nas no governo de Eduardo Frei (1994-2000) que se iniciou a modernização da gestão pública, como explica Patricio Gutiérrez, coordenador para e-Gov na Secretaria Geral da Presidência no Chi-le. Com Ricardo Lagos (2000-2006), o governo eletrônico se tornou concreto. A administração chilena passou a in-cluir, sistematicamente, iniciativas para diminuir a brecha digital. Há aquelas destinadas à gestão dos centros de aces-so comunitários, como infocentros, te-lecentros, bibliotecas públicas etc. E há

outras orientadas para a oferta de conteúdos e serviços na in-ternet. “Nos últimos 10 anos, o uso das novas tecnologias na administração pública levou a mudanças extraordinárias no Chile”, avalia o especialista, num dos capítulos de e-Desenvolvi-mento no Brasil e no mundo.

Os grandes custos acarretados pela implementação de softwares e constru-ção da infraestrutura tecnológica po-dem ser transferidos, segundo Florencia Ferrer, para o setor privado. Ou ao me-nos parte deles. Ela dá como exemplo o governo do Arizona, nos Estados Uni-dos, que criou um sistema para licen-ciamento de carros feito pela internet. O site foi construído e é mantido pela IBM, que passou a receber 2% do valor de cada transação efetuada. O proces-samento on-line custa só US$ 1,60 – no processamento antigo custava US$ 6,60. Com isso, o Estado poupa dinheiro.

“O fornecimento de serviços gover-namentais pode contribuir na eficiência do setor empresarial com informação e simplificação dos procedimentos buro-cráticos, e melhorar o custo país.” n

A tecnologia é um fator que facilita, acelera e melhora processos, mas não os determina

94 n setembro De 2010 n PESQUISA FAPESP 175

resenha

Q ual o impacto da confiança que os cidadãos têm nas instituições políti-cas para o fortalecimento democrá-

tico? Esta é a questão central que preside o livro Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?, organizado por José A. Moisés. O livro se estrutura tendo como pano de fundo a argumentação de Moisés de que a confiança é um recurso central para o bom funcionamento de sociedades complexas, desiguais e diferenciadas. A confiança produz uma democracia com mais qualidade, promovendo uma fiscalização mais efetiva das instituições políticas e dos governantes, por parte dos cidadãos. A ausência da confiança gera desafeição política. Assume, como segunda premissa, a “defesa”, de Morlino, da criação de uma “única mesa” de diálo-go entre culturalistas e institucionalistas, e do uso da pesquisa survey, no desenvol-vimento da teoria da democratização.

Tendo como eixo tais premissas, são apresentados no livro estudos sobre o caso do Brasil, do México, das novas democra-cias na Europa e da Coreia do Sul.

Focalizando o Brasil, Moisés des-taca que o amplo apoio dos cidadãos, no sentido difuso, à democracia e seus valores coexiste com elevados índices de desconfiança nas instituições políticas. Para superar esse dilema seria necessá-rio que as pessoas acreditassem e obe-decessem às normas que regulamentam as relações sociais, com base na previsi-bilidade das ações das instituições.

A cultura política brasileira desvalo-riza as instituições e os gestores públi-cos, produzindo, nesse contexto, a ins-titucionalização da “falácia eleitoralista” como único requisito da democracia. Moisés constata, no cenário político brasileiro, a predominância do que denomina de “cidadãos ambivalentes”, o que constitui, segundo o autor, uma

potencial ameaça à democracia no futuro, na medida em que essas pessoas preferem alternativas não democráticas para resolver os problemas do país.

Resultados similares são constatados por Raquel Me-neguello, que identifica um elevado grau de insatisfação com o funcionamento da democracia brasileira. No entanto, segundo a autora, a construção da legitimidade política se daria com base em concepções idealistas, independente-mente do desempenho das instituições. Problematizando esta questão, Moisés e Carneiro desenvolvem estudo que aborda a relação entre adesão à democracia e satisfação com a mesma e a confiança nas instituições. Resultados dessa pesquisa revelam que, embora o Brasil pareça ter entrado num círculo democrático virtuoso, convive com a descon-fiança nas instituições e ceticismo político.

Os meios de comunicação também teriam papel relevante no fortalecimento democrático. A despeito das críticas do caráter antipolítico do papel da mídia, Mesquita, em análise do Jornal Nacional, por meio da construção de uma escala de taxa de consumo do telejornal, constata que os brasileiros que mais assistem ao telejornal e são mais escolarizados tendem a mostrar mais satisfação com a democracia.

Em estudo comparativo das novas democracias na Eu-ropa, Mariano Torcal e Lorenzo Brusattin constatam que desconfiança política é um sintoma de um processo mais amplo de desafeição institucional, exigindo, portanto, um tra-tamento multidimensional do conceito de apoio político.

No caso mexicano, Victor M. D. Ponte observa a inexis-tência de confiança interpessoal e institucional, resultado de uma organização vertical e um regime autoritário, em que a desconfiança se impôs como relação social. Para o autor não há relação entre confiança social e institucional e o aumento da confiança, mais do que produto de maiores índices de escolaridade ou renda, exigirá um processo de reformulação estrutural das instituições.

No caso da Coreia do Sul, Chong Ming Park e Doh Chull Shin argumentam que o país institucionalizou a democracia representativa tornando eficientes os procedimentos poliár-quicos. No entanto, no que diz respeito à cultura política, os coreanos têm preferência pela democracia-princípio, a qual depende, preponderantemente, do desempenho político, e não econômico, das instituições.

Quem confia no governo?estudo mostra ceticismo político dos brasileiros

Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?

José Álvaro moisés (org.)

edusp

304 páginas r$ 42,00

Marcello Barquero é professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Marcello Barquero

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 95

livros

intelectuais e modernidadesDaniel Aarão Reis e Denis Rolland (orgs.) FGV Editora 348 páginas, R$ 61,00

A relação dos intelectuais com o conceito de modernidade é e sempre foi complexa. Neste livro, as modernidades são concebi-das como processos históricos singulares, que combinados com tradições específicas resultam em situações e contextos úni-cos, no tempo e no espaço. Essa coletânea traz diferentes abordagens e visões sobre o tema, rompendo com as polarizações tradicionais prejudiciais à história.

FGV editora (21) 2223-1010www.fgv.br/editora

Negros no estúdio do fotógrafo Sandra Sofia Machado Koutsoukos Editora Unicamp 360 páginas, R$ 48,00

Os estúdios fotográficos do Brasil no sécu-lo XIX eram frequentados por pessoas de todas as camadas sociais. Este livro retrata negros livres, libertos, escravos domésticos ou presos no Brasil daquele período. A au-tora traça o caminho da produção daqueles retratos, sua significação, sua circulação e seu armazenamento em álbuns. Ao explo-rar as histórias por trás das imagens, o livro confere vida àquelas personagens.

editora Unicamp (19) 3799-4427www.editora.unicamp.br

Dependência de drogasSergio D. Seibel Editora Atheneu 1.192 páginas, R$ 204,30

A 2a edição de Dependência de drogas, reescrita e atualizada, se faz útil pela uni-versalidade do problema da dependência que a cada dia apresenta novas progressões e aspectos, exigindo, consequentemente, constantes revisões de conceitos e conhe-cimentos. O livro mantém uma aborda-gem multidisciplinar e contou com 106 colaboradores, 11 seções e 81 capítulos e subcapítulos.

editora Atheneu (11) 2858-8750www.atheneu.com.br

A revolta da vacinaNicolau Sevcenko Cosac Naify 144 páginas, R$ 37,00

A 2a edição de A revolta da vacina reconstitui os episódios da maior convulsão social da cidade do Rio de Janeiro, a campanha de vacinação contra a varíola (1904). Sevcenko analisa a modernidade por trás da reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira Pas-sos, identificando o processo de especulação imobiliária e a situação de exclusão social. Segundo o autor, a saúde pública se une ao uso autoritário da ciência. E a República promove a “democratização da senzala”.

Cosac Naify (11) 3218-1444www.cosacnaify.com.br

Deus e o diabo na terra do sol: Estado e economia no BrasilAngelita Matos Souza AnnaBlume 162 páginas, R$ 23,25

Este livro busca unir teoria de Estado e análise da política macroeconômica à compreensão dos avanços e limites no processo de desenvolvimento capitalis-ta no país. E centra o foco de análise no governo Geisel (1974-1978), sobretudo a criação da “ciranda financeira”, que abri-ria caminho à transformação do padrão de acumulação vigente desde meados dos anos 1950 até se consolidar nos anos 1990, com a privatização de empresas estatais e abertura da economia brasileira.

Annablume (11) 3031-1754www.annablume.com.br

A Marinha brasileira na era dos encouraçados, 1895-1910João Roberto Martins Filho FGV Editora 224 páginas, R$ 46,00

O autor analisa, a partir das revoluções que movimentaram a indústria naval mundial até a primeira década do século XX, os diferentes projetos de moderniza-ção concebidos pela Marinha brasileira.

FGV editora (21) 3799-4427www.fgv.br/editoraFo

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ficção

A menina

O homem apeou na Estação Clínicas do metrô e, sonam-búlico, as pernas arrastaram-no ao longo do subterrâ-neo que conduz ao hospital. A sexta-feira desmoronava

aflita na tarde quente daquele começo de janeiro, gordas nuvens inertes no céu, centenas de vestimentas urgentes se acotovelando, anônimos e determinados, Seu Guilherme, Seu Guilherme, ligaram pro senhor, a vizinha esgoelava da janela. Na recepção, o barulho dos ventiladores embaralhava o odor ácido de suor, o enjoativo cheiro doce de balas e biscoitos e chocolates. As crianças, lambuzadas, desfilavam envergonhados risos, correrias impertinentes. As mulheres aliviavam-se com improvisados abanadores. Os homens, en-tediados, acabrunhavam-se. Guilherme, enfiado numa roupa domingueira, driblou zonzo o povaréu, encaminhando-se ao setor de informações.

A vizinha se prontificara a ceder o número do telefone, “Pralgum recado, qualquer coisa”, e agora explanava, debru-çada à janela, Seu Guilherme, é pro senhor ir lá pegar as coisas da, e calou-se, talvez comovida com a menina, que, no colo, agarrava-se ferozmente ao pescoço do pai, os olhos encova-dos, assustados. Há dois dias homiziara-se, junto com a filha, no compadre, três ruas abaixo, sem coragem de tornar à casa, as paredes externas por rebocar, a porta da cozinha provisória, o chão de cimento grosso, quanto a mulher se empenhara na compra daquele terreno!, “Aqui vai ser a sala, ali o quarto das crianças, lá o quintal”, adivinhava cômodos onde outros vislumbravam apenas touceiras de mato enfezado, quanto economizara para adquirir o material de construção, quanta alegria ao acompanhar, tijolo a tijolo, o lar eclodindo, “É um sonho, Gui, um sonho!”, murmurava, orgulhosa.

Autômata, a atendente recitou, “Quarto andar. Fim do corredor, elevador à esquerda. Próximo!”. Mais de um mês, a agonia: deixava o Jardim Reni escuro ainda para pegar no batente, ajudante de pedreiro numa obra na Vila Formosa

Luiz Ruffato

PESQUISA FAPESP 175 n setembro De 2010 n 97

que um irmão da Igreja Quadrangular arrumara, de lá cru-zava a cidade até o Hospital das Clínicas para colher notícias, “Melhorou?”, indagava ansioso, contrariando a desesperança do médico, que avisara, “Seu Guilherme, o quadro é muito grave”, agarrando-se à misericórdia divina, a um senso de justiça, afinal, a mulher sempre boa para com todos, preo-cupada em fazer o bem, voltada para a família, as orações, o culto dominical, a casa...

Então, devagar, caminhou para a rua Cornélio de Arzão, o sol sapecando a calva, aguardou resignado o ônibus, des-ceu na Estação Itaim Paulista, tomou o trem até o Tatuapé, baldeou para o metrô, apeou na Sé, trocou de linha, saiu na Estação Clínicas, mais de duas horas de condução apertada. No quarto andar, a moça, inteirada do problema, “Ah, sim”, gritou para o colega, consultando uma lista, “Armário vinte e sete!”. A luz fria das lâmpadas fluorescentes banhava o chão limpíssimo; no relógio de parede o tempo, impaciente, velava. O rapaz depositou a bolsa de napa, judiada, sobre o balcão, a moça falou, “Tem que conferir, senhor”, e ele, submisso, abriu o zíper, passou os olhos, “Está certo”. Ela, no entanto, redarguiu, “Não, senhor, tem que verificar item por item... É praxe”. O rapaz, condoído com o embaraço do homem, esvaziou a bolsa, contou: “Um par de sapatos de salto alto preto; um vestido de alça azul-marinho; três cal-cinhas; dois sutiãs; um pijama; uma camisola; uma camisa de malha; uma bata; uma calça jeans; escova, pasta de dente, chinelo, e, ahn!?, uma... prótese dentária...”.

Esquivo, Guilherme balançou a cabeça, a mulher não gostaria nada nada de saber-se exposta assim, a ponte móvel talvez sua única vaidade, nunca falou daquele assunto com as amigas, nem os parentes próximos, irmãos, irmãs, pai, mãe, ninguém tinha ciência, mesmo com ele, seu marido, demorou a confessar, a contragosto, uma vez, no banhei-ro, quando havia tirado para assear, esqueceu de passar o

trinco na porta, ele entrou, sem querer flagrando a peça na palma da mão, ela, uma vergonha danada, chorou duas horas seguidas, “Eu não tinha dinheiro pra ir ao dentista”, soluçava, sofrida, “Perdi uns dentes”, ele tentou acalmá-la, “Meu bem, eu também tenho falhas, isso aqui, ó, é um pivô”, sem adianto. E ver revelado, desta maneira, a olhos alheios, desrespeitosos, aquele segredo que acoitara por toda a sua curta vida... “É, é isso”, reafirmou, deslizando o zíper e ten-tando se livrar logo daquele incômodo. Mas a moça ainda disse, “Senhor, tem que dar baixa. Assine aqui, nesta linha”, e ele, trêmulo, garranchou a sua melhor letra.

Quando cruzava outra vez o nó daquele povo todo que lotava o salão de recepção, sentiu as pernas escurecerem, a vista fraquejar, e, não fosse uma senhora gorda, teria desaba-do no chão imundo. Logo, entretanto, alguém franqueou um lugar entre as cadeiras de plástico vermelho, surgiu um copo d’água, o segurança, autoritário, aproximou-se, espalhando o bolo que se formara, “Desafasta, gente, pro homem res-pirar”. Ainda aturdido, Guilherme minimizou, encabulado, “Foi só uma bobagem, desculpem... está tudo bem agora... desculpem”, e buscou forçar o corpo a erguer-se, mas este, estúpido, desobedeceu, arriando de novo... Então, vencido, levou as mãos ao rosto e, agitado, desatou, “Ai, meu deus, o que vai ser da menina, o que vai ser? Eu já estou acaba-do... não valho nada mesmo... nada me afeta mais... mas, e a menina?, coitadinha... o que vai ser dela, agora?, tão pequenininha, tão inocentezinha... ai, meu deus, o que vai ser dela, gente, o que vai ser?”

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Luiz Ruffato publicou Eles eram muitos cavalos (em 6ª edição, lançado também na Itália, Portugal, França e Argentina) e Estive em Lisboa e lembrei de você (lançado também em Portugal e no prelo na Itália e Argentina), entre outros.

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