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INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DA REGIÃO SERRANA

Presidente Arildo Castelluber

Coordenação de Pesquisa e Extensão

Sandra Maria Guisso

Coordenação de Licenciatura Arildo Castelluber

Coordenação de Ciências Gerenciais

Ozirlei Teresa Marcilino

Coordenação de Ciências Ambientais Sandra Maria Guisso

CONSELHO EDITORIAL Charles Moura Netto – CBX Gerlinde Merklein Weber – FARESE Ismael Tressmann – FARESE José Roberto Gonçalves – Coopeavi Luciene Perini – FARESE Ozirlei Teresa Marcilino – Polo UAB-UFES Rudson Franz Rudio – FARESE Sandra Maria Guisso – FARESE Juliano Brás Zanetti – FARESE Mileide de Holonda Formigoni – FARESE COMISSÃO EDITORIAL Ozirlei Teresa Marcilino – Polo UAB-UFES Luciene Perini – FARESE Sandra Maria Guisso – FARESE Charles Moura Netto – CBX REVISÃO Dos autores CAPA, PROJETO GRÁFICO E ARTE Rogério Delai BIBLIOTECÁRIO Alex Souza do Nascimento

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PERIODICIDADE: anual Nota: As opiniões e conceitos emitidos, nos artigos publicados, nesta revista são de inteira responsabilidade dos seus autores. DIREITOS RESERVADOS REVISTA DA FARESE: Caderno de produção acadêmica da Faculdade da Região Serrana

REVISTA DA FARESE v.4, n.1, 2012. Anual

1. Cultura – Periódico. 2. Educação – Periódicos. I Instituto de Ensino Superior da Região Serrana – FARESE.

CDU 004

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade da Região Serrana.

Rua Jequitibá, 121, Centro

CEP: 29645-000 – Santa Maria de Jetibá – ES – BRASIL

Tel.: (27) 3263 2010 – Fax: (27) 3263 2010

E-mail: [email protected]

URL: http://www.farese.edu

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Editorial

Neste número da REVISTA DA FARESE: o olhar docente e discente os

artigos atendem a diferentes áreas, tais como: contabilidade, meio ambiente e

história. Os autores organizaram os conhecimentos dessas áreas de maneira a

discutir os temas de forma atual, envolvendo os acontecimentos da sociedade

atual.

O intuito da publicação da revista é divulgar os conhecimentos

produzidos no seio da faculdade, incentivando o envolvimento dos alunos na

pesquisa e na produção de conhecimentos.

Espero que este número da revista seja inspirador e desafie a todos os

leitores na busca pelo conhecimento.

Cordialmente

Sandra Maria Guisso

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SUMÁRIO

DEMONSTRAÇÃO DE FLUXO DE CAIXA E SALDO DE TESOURARIA.................06

AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO USO DE AGROTÓXICOS POR PRODUTORES

RURAIS DOS MUNICÍPIOS DE SANTA MARIA DE JETIBÁ E SANTA TERESA –

ES.............................................................................................................21

HISTÓRIA: REALIDADE OU FICÇÃO? UM EMBATE TEÓRICO BASEADO NA

HISTÓRIA CULTURAL..................................................................................38

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DEMONSTRAÇÕES DE FLUXO DE CAIXA E SALDO DE TESOURARIA

STATEMENT OF CASHFLOW AND BALANCE OF TREASURY

Antonio Marcos Amaral 1

Clóvis Luis Padoveze 2

1. Doutor PhD em Administração de Negócios pela Flórida C. University (EUA). Professor da FARESE. E-mail: [email protected] 2. Doutor em Contabilidade e Controladoria pela USP. Professor da Universidade Metodista de Piracicaba (SP). Endereço: Avenida Pérola Byington, n. 56, Centro, Santa Bárbara d‟Oeste - SP CEP 13.453.900 E-mail: [email protected]

Instituto de Ensino Superior da Região Serrana. Rua Jequitibá, 121 – Centro Santa Maria de Jetibá – ES – Brasil – CEP 29645-000

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DEMONSTRAÇÕES DE FLUXO DE CAIXA E SALDO DE TESOURARIA

Statement of cashflow and balance of treasury

RESUMO

Neste artigo são confrontados os demonstrativos de fluxo de caixa e o demonstrativo do saldo de tesouraria, levando-se em conta a importância de cada um deles na determinação do resultado do exercício. A discussão desse tema não poderia ser feita sem um modelo teórico de sustentação. Diversos modelos poderiam ser utilizados; no entanto optou-se por um modelo mais atual, conforme contextualizado no desenvolvimento do texto, que trata os demonstrativos contábeis, segundo Martins (1994, p.1) como um tipo de informação necessária para alcançar a eficiência do mercado. A metodologia de pesquisa utilizada para a elaboração deste artigo é exploratória, qualitativa, descritiva e foi desenvolvida para superar o maniqueísmo e a confusão semântica existente na discussão do tema. O objetivo principal é ressaltar que a Demonstração do Fluxo de Caixa - DFC e o saldo disponível em tesouraria, ou saldo de Tesouraria (T), destacam-se pela importância no contexto do planejamento empresarial, notadamente os dois elementos essenciais do processo de planejamento financeiro que segundo Gitman, (2008, p. 92), “são o planejamento de caixa e o planejamento de resultados”, ressaltando ainda suas relações respectivamente, com os resultados econômicos futuros (pagamentos e recebimentos) e financeiros com a solvência empresarial no presente (disponibilidades de Caixa, Bancos e aplicações de liquidez imediata). Espera-se que a contribuição deste trabalho sirva para melhorar o entendimento quanto à necessidade e praticidade desses demonstrativos, no que se refere ao controle e planejamento dos aportes e desembolsos para investimentos, oriundos do capital de giro – CDG e seus efeitos no resultado do exercício.

Palavras-chave: fluxo de caixa; custo; saldo; tesouraria.

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INTRODUÇÃO

Revisitando a terminologia e conceitual contábil sobre relatórios contábeis, também

conhecidos segundo Marion (2009), por informes contábeis, sendo os mais importantes as

demonstrações financeiras, (terminologia utilizada pela Lei das Sociedades por Ações), ou

demonstrações contábeis (terminologia preferida pelos contadores).

As demonstrações financeiras relacionadas (ou demonstrações contábeis), como o

Balanço Patrimonial (BP), Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), Demonstração

dos Lucros ou Prejuízos Acumulados (DLPA), mais a Demonstração do Valor Adicionado

(DVA) (se companhia aberta) e a Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC) também são

obrigatórias pela Lei n° 11.638/07, sendo que nos EUA esse demonstrativo é obrigatório

desde 1988.

Segundo Marion (2009), o saldo de tesouraria também tem relação direta e indireta

com a solvência empresarial. Saldo de tesouraria é a diferença entre capital de giro da

empresa e necessidade de capital de giro. Se o capital de giro for insuficiente para cobrir a

necessidade de capital de giro, o saldo será negativo, indicando que a organização

financia parte de sua necessidade de capital de giro com fundos de curto prazo,

aumentando seu risco de insolvência. O saldo de tesouraria positivo indica que a entidade

dispõe de fundos de curto prazo que poderão ser aplicados em títulos de liquidez

imediata, aumentando, assim, a margem de segurança financeira da empresa. Essa

relação é ressaltada quando se observa os ciclos do balanço patrimonial na relação do

ativo e o passivo com o tempo.

Certas contas do ativo apresentam uma movimentação muito mais lenta, quando

analisadas em relação a um conjunto de outras contas, como é o caso das

disponibilidades em correlação às compras de estoques para reposição das vendas

efetuadas à prazo, devido à incerteza e à dificuldade de liquidez apresentada por um

grande número de empresas brasileiras, especificamente quando as saídas de caixa,

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ocorrem antes das entradas de caixa, situação em que a companhia cria uma necessidade

de aplicação permanente de fundo (Necessidades de Capital de Giro - NCG) representada

pela diferença positiva entre o ativo cíclico e o passivo cíclico. Já o capital de giro – CDG,

propriamente dito, é definido como a diferença entre passivo permanente (-) menos o

ativo permanente. Este trabalho procura analisar duas demonstrações contábeis: a

Demonstração do Fluxo de Caixa - DFC, e a Demonstração do Saldo de Tesouraria – (T).

A Demonstração do Fluxo de Caixa (DFC) e a Demonstração do Saldo de Tesouraria (T)

são instrumentos básicos que compõem o planejamento financeiro das empresas e

funcionam como um mapa para orientação e direcionamento da mesma, no propósito de

atingir os seus objetivos, subdividido-os em metas. No entanto, são diferentes no tempo e

no espaço, pois, enquanto o primeiro demonstrativo trata do caixa no presente e no

futuro, sendo seus demonstrativos baseados em valores financeiros e econômicos, o

segundo demonstrativo aborda o “caixa” apenas no presente, com valores correntes e

circulantes disponíveis. A única identificação que tem em comum é quanto à origem dos

dados componentes, que devem ser extraídos de um sistema contábil construído para que

se tenha os saldos periodicamente. Os dois são partes integrantes dos planos operacionais

(curto prazo) e estratégicos (longo prazo) da empresa.

Especificamente, o chamado planejamento de caixa, segundo GITMAN (1997:586) “é a

espinha dorsal da empresa” e ”sem ele não se saberá quando haverá caixa suficiente para

sustentar as operações ou quando se necessitará de financiamentos de terceiros”.

É grande o interesse na demonstração do fluxo de caixa - DFC, seja para conhecer o

valor econômico e financeiro de uma empresa, seja para determinar a situação de risco

empresarial, bem como para avaliar futuras receitas e distribuições de recursos.

O objetivo deste artigo é clarificar os fundamentos teóricos que estabelecem o elo entre

os denominados Fluxos de Caixa e Saldo de Tesouraria e, ao mesmo tempo, sustentam o

Fluxo de Caixa como ferramenta prática de gestão e controle econômico-financeiro e

mensuração de perfomance de empresas, bem como também tecer observações sobre

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sua aplicação prática e as propriedades dos métodos de apresentação da Demonstração

dos Fluxos de Caixa, quais sejam os modelos direto e indireto, dependendo do interesse

dos usuários.

DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA

Na maioria dos países chamados de primeiro mundo sempre se teve em conta a

importância primordial do fluxo de caixa. No Brasil, apenas recentemente se tornou

obrigatória a elaboração do demonstrativo do fluxo de caixa, por força de lei. Sua

importância é de tal monta que, sem ele, o entendimento de controle financeiro ficaria

mascarado, especificamente o controle previsional de pagamentos e recebimentos. Mas,

antes de qualquer assertiva sobre sua utilização, é necessária uma melhor compreensão

para se consagrar o real entendimento e importância gerencial de sua utilização pelas

organizações em geral.

Segundo Sá (1994, p. 217):

O termo fluxo de caixa significa fluxo da liquidez, ou seja, o curso que no tempo

traça o confronto entre recursos de recebimentos e os desembolsos por

pagamentos. É a forma dinâmica de conhecer o comportamento da liquidez ou capacidade de dispor de dinheiro para fazer frente às necessidades financeiras.

Tecnicamente, o fluxo de caixa, é de natureza previsional e visa a observar, quase sempre a possibilidade de resgatar dívidas ou cobrir investimentos que demandam

desembolsos adicionais ou suplementares. Estrategicamente visa o atendimento à cobertura a pagamentos de débitos ou de investimentos, que demandem acréscimos

complementares de desembolsos futuros, especificamente nos casos dos débitos de

financiamento ou de funcionamento.

Já o termo Saldo de Tesouraria, diferença, entre Capital de Giro e Necessidade de

Capital de Giro (T= CDG – NCG) numa dada situação no tempo, é comumente confundido

com a Demonstração do Fluxo de Caixa no presente, pelo regime de caixa, no caso o

método direto Em tese, talvez o entendimento estivesse correto se os recursos desse

demonstrativo já existissem sob a forma numerária, o que não acontece na realidade,

quando o que se determina no presente é apenas a previsibilidade da ocorrência de um

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fato econômico, que será financeiro somente no futuro, por ocasião do desembolso e não

na ocasião da ocorrência do fato gerador.

O que ocorre, na verdade, é uma confusão semântica entre os termos fluxo de caixa,

referente à movimentação financeira, ou seja, entradas e saídas em regime de caixa e o

demonstrativo gráfico, denominado fluxo de caixa ou orçamento de caixa, em regime de

competência, de função precipuamente previsional, podendo, no entanto, ambos

constarem dos controles financeiros de caixa.

À luz dos Princípios Contábeis Geralmente Aceitos, especificamente, do postulado

ambiental que trata da “CONTINUIDADE” das operações da empresa, o saldo de

tesouraria é o valor resultante do fluxo de Caixa Descontado, ou seja, o saldo líquido de

caixa disposto no demonstrativo do fluxo de caixa, após todas as deduções e abatimentos,

ocasião em que os recursos deixam de representar uma previsibilidade e passam a ser

considerados disponibilidades, como, por exemplo, quando do financiamento da produção

e das vendas.

Segundo SCHRICKEL, (2000) afirma que:

[...] não existe, a rigor, uma forma fixa para se elaborar um fluxo de

caixa. Existem inúmeras formatações possíveis, cada qual

apresentando as informações com o nível de profundidade ou detalhamento desejado por seu elaborador ou usuário.

Tecnicamente, conforme citado anteriormente, de acordo com MARION (2009) existem

dois métodos de apresentação da Demonstração dos Fluxos de Caixa: o método direto e o

método indireto. Este último é obtido a partir do lucro líquido ajustado, ou seja, o total do

lucro líquido do exercício, mais (+) despesas financeiras, depreciações, variações diversas

(estoques, fornecedores e impostos e dividendos), saldo inicial de caixa, menos (-)

aquisição de imobilizado. O método indireto é mais utilizado pelas empresas brasileiras

porque faz uma ligação da Demonstração do Fluxo de Caixa com a Demonstração do

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Resultado do Exercício – DRE, além do que os Stackeholders1 estão mais familiarizados

com este método, e também esse método é o que representa o menor custo e obtenção

para as empresas. O Financial Accouting Standards Board – FASB, entidade que regula os

procedimentos contábeis nos Estados Unidos, por meio do FAS 95 (norma prática),

aconselha o uso do método direto.

SALDO DE TESOURARIA

A apuração e administração do saldo de tesouraria é extremamente importante para a

gestão do ciclo operacional e financeiro da empresa. A fonte de informação para sua

apuração e gestão é o balanço patrimonial, o que caracteriza a sua natureza estática.

Vejamos o seguinte exemplo: quando no balanço inicial o saldo de tesouraria é positivo,

havendo alterações do fluxo de caixa e das políticas operacionais e financeiras da

empresa, ele pode num segundo momento do saldo final, transformar-se em saldo

negativo.

FLUXO DE CAIXA

O fluxo de caixa evidencia a dinâmica da organização da empresa, e, por isso, as

informações para a sua gestão decorrem, inicialmente, da demonstração de resultados, e

as resultantes das ações operacionais no balanço patrimonial da empresa, caracterizando

a natureza dinâmica deste demonstrativo.

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Adicionando uma demonstração de resultados bastante sintética ao balanço patrimonial

da forma descrita no exemplo anterior, podemos elaborar o fluxo de caixa do período que

decorre entre os dois momentos do balanço inicial e final.

Fica bem distinta, então, a diferença entre os dois conceitos. Enquanto o Saldo de

Tesouraria evidencia uma situação momentânea do capital de giro, o Fluxo de Caixa

apresenta o movimento das operações e seu impacto no saldo de caixa.

FUNCIONALIDADE DO FLUXO DE CAIXA

O fluxo de caixa poderá tanto ser histórico, quanto projetado. No caso de se preferir

optar e lidar com um fluxo de caixa projetado, não deverá haver preocupações com

reconciliações dos valores futuros, (lucros projetados, dividendos, imposto de renda, etc.).

Já o fluxo de caixa histórico, oferece sem nenhuma dúvida uma percepção, quanto à

qualidade da administração financeira da empresa.

O foco sobre o fluxo de caixa, de acordo com vasta literatura deve considerar as duas

formas existentes de sua apresentação: o método direto e o método indireto (vide

Demonstração de Resultados do Período

Receitas 1.200

(-) Custos e Despesas (1.000)

Lucro Líquido 200

Fluxo de Caixa - Método Direto

Recebimento das Vendas 1.000

Pagamentos de Materiais e Despesas

e Impostos (1.200)

= Fluxo gerado no mês (200)

(+) Saldo Inicial de Caixa 1.000

= Saldo Final de Caixa 800

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Fipecafi. Manual de Contabilidade por ações. São Paulo, Atlas, 4 ed., 1995, p. 603/605) ,

sendo este obtido a partir do lucro líquido ajustado. Aquele, mais adequado à efetiva

movimentação financeira, é também de maior facilidade de compreensão dos seus

usuários. A elaboração desses fluxos dá-se através dos dados constantes do Balanço do

início do Exercício, do ciclo das operações correntes mensais, do Balanço ao final do

Exercício e da Apuração do Resultado do Exercício. Visto pela empresa, deve concentrar-

se em três procedimentos essenciais em áreas-chaves, do ponto de vista gerencial:

- Completar o ciclo de conversão de ativos, dele decorrendo a geração de vendas;

- Administrar as operações e reduzir os custos, de tal sorte a gerar lucros;

- Administrar os financiamentos dos ativos a tal ponto que a estrutura de passivos da

empresa apresente Redução dos riscos aos credores, estimulando-os assim a continuar a

financiar suas atividades no futuro.

Outros métodos e modelos são apresentados por vários autores. No entanto, existe

uma tendência generalizada de se seguir o modelo determinado pelo FAS 95 do Financial

Accounting Standards Boards - FASB, instituição americana que regula os procedimentos

contábeis nos EUA, que exige um modelo específico e diferenciado dos demais.

A classificação utilizada pelo FAS 95 segrega os fluxos em três grupos de atividades:

Operacionais, de Investimentos e de Financiamento (vide detalhamento Campos Filho,

Ademar. Demonstrações do Fluxo de Caixa, 1999).

O FASB determina também que sejam evidenciadas as seguintes informações:

a) O detalhamento do disponível;

b) Todas as operações que não afetam o caixa;

c) Conciliação com o lucro líquido;

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d) Detalhamento do saldo líquido de caixa, caso não esteja especificado no demonstrativo

do fluxo de caixa;

e) A flutuação da taxa de câmbio e seus efeitos sobre o saldo de tesouraria em moeda

estrangeira.

Apesar da abrangência que o FAS 95 demonstra, existem críticas e restrições de alguns

autores que acham que esse método não tenha melhorado o aspecto informativo e por

entenderem também que seus dados não são suficientes para se fazer uma avaliação da

política econômico-financeira da empresa de forma consistente. Outro ponto de dúvidas

diz respeito à sua aplicação num contexto ambiental econômico instável, como por

exemplo o cenário inflacionário brasileiro, o que faz com que se deva recomendar uma

certa cautela em sua utilização.

FONTES E USOS DO FLUXO DE CAIXA

Segundo SCHRICKEL (1998, pág. 280) “as fontes de caixa são finitas e a qualidade dos

usos são infinitos,” apesar de algumas reticências sobre a correção da utilização do termo

usos infinitos, porque se as fontes são finitas, não se pode gastar mais do que tem, então

em tese não seria uso infinito.

Normalmente e legalmente são três as fontes de recursos financeiros:

Aumento de capital em dinheiro;

Por venda de ações;

Empréstimos bancários (incluindo Descontos de Duplicatas) e Lucros obtidos e

retidos na empresa.

Se nos detivermos por instantes nas finanças pessoais de qualquer indivíduo, teremos

a percepção do que venham a ser fontes finitas e usos infinitos, exemplo:

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ENTRADAS DE CAIXA

SAÍDAS DE CAIXA

FONTES FINITAS USOS INFINITOS

. Salário Hipoteca . Moradia

. Juros e Dividendos Empréstimo Pessoal . Água, Luz, Tel.

. Herança Cheque Pré-Datado . Carro

. Seguros . Roupas e Alimentação

. Venda de bens . Lazer

Fonte: SCHRICKEL. Wolfgang Kurt. Análise de Crédito. 1998, p.279

É de grande importância ter conhecimento e não esquecer-se que, sempre haverá uma

limitação de fontes de caixa para a empresa e um potencial infinito de usos de caixa, por

mais bem sucedido ou por maior que seja um empreendimento e, portanto, por mais “rico

ou líquido” que seja.

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ENTRADAS DE CAIXA

SAÍDAS DE CAIXA

FONTES FINITAS USOS INFINITOS

. Lucro Líquido Aumento de Capital . Working Investiment

. Depreciação Empréstimos

Bancários

. Compra de Ativos Fixos

. Vendas de Ativos Títulos privados . Investimentos

. Intermediação . Dividendos

.Racionalização do

Ciclo Operacional

. Diversificações

. Pagamento de

Empréstimos

Fonte: SCHRICKEL. Wolfgang Kurt. Análise de Crédito. 1998, p.280.

O entendimento de que a depreciação é fonte de recursos decorre da apresentação do

fluxo de caixa, método direto e método indireto.

CONCLUSÃO

O fluxo de caixa é, sem dúvida, um instrumento metodológico essencial de controle na

gestão de uma organização e na comparação de fluxos alternativos de recursos, dotando

o gestor financeiro de informações valiosas para a tomada de decisões estratégicas

futuras, auxiliando, assim, na escolha de projetos de investimentos, que possibilitem a

maximização dos resultados de uma empresa. Nos tempos atuais, quando se fala na nova

economia, teleinformática, economia de mercado, economia de escopo, novos modelos de

gestão, administração estratégica, etc., não se concebe a existência numa organização, de

uma gestão financeira sem o uso da ferramenta “Fluxo de Caixa”, que é inclusive um dos

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métodos utilizados para avaliação de empresas, nos casos de aquisição, quando são, na

maior parte das vezes, avaliadas pelo critério de desconto de fluxos de caixa (valor

líquido). Por isso, quando alguém adquire uma empresa, não a adquire somente pelo valor

de seus ativos atuais, mas pelos custos com potencial de serviço futuro que possa ser

identificado, que, na verdade, pode ser considerado um ativo pela representação futura de

receitas, sendo essa uma assertiva inclusive de Padoveze (1997), opinião que é ratificada

por Brasil Vinagre (1999:159) quando afirma que: ”Quem adquire uma empresa não está

efetivamente comprando seus ativos, mas os fluxos de caixa futuros da organização”.

A abordagem de avaliação de uma empresa pelo fluxo de caixa não precisa

necessariamente contar com o valor contábil do ativo operacional (Ativo Cíclico + não

Circulante (antigo Permanente) na data atual. Ele é puramente estimativo porque conta

com a expectativa da performance financeira futura da empresa, ( Modelo Fleuriet)

conforme dispõe Neto (1997, p.53-54).

Então, deve-se entender o fluxo de valor monetário real de uma empresa, como sendo

a somatória do seu valor contábil atual mais o valor contábil líquido futuro, cuja

metodologia comumente é hoje conhecida por EVA (Economic Value Added). Então, pode-

se afirmar que a base do EVA* (EVA futuro = LOL – CC) é decorrente de sua capacidade

de geração de caixa presente e futura. Fica então mais uma vez evidenciado, com isso, a

grande importância do entendimento e utilização do fluxo de caixa no gerenciamento dos

processos administrativos e econômicos das organizações em geral.

SIGLAS

EVA: Valor Econômico Agregado ou Adicionado

LOL: Lucro Operacional Líquido

CC: Custo do Capital

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NOTAS 1. Stakeholders - Grupos de interesses nas demonstrações financeiras das empresas.

REFERÊNCIAS

BODIEZVI. MERTON. Robert C. Finanças. Porto Alegre. Ed. Bookman. 1999.

BRASIL, Haroldo V. e BRASIL, H.G. Gestão financeira de empresas. Rio de Janeiro: Qualimark, 1993.

CAMPOS, Filho Ademar. Demonstração do Fluxo de Caixa. São Paulo. Ed. Atlas. 1992.

FIPECAFI. Manual de Contabilidade das sociedades por ações. São Paulo, Atlas, 4

Edição, 1995.

GITMAN, Lawrence J. Princípios de Administração Financeira. São Paulo. ED. Harbra.

1997.

HORNGREN, T. CHARLES. Introdução à Contabilidade Gerencial. Rio de Janeiro.

Prentice-hall. 1985.

Lei nº 11.638/2007.

Lei nº 11.941/2009.

LEITE, Paula de Hélio, Introdução à Administração Financeira. São Paulo: Atlas.

1994.

MARTINS, Elizeu. Análise das Demonstrações Contábeis e Financeiras. São Paulo:

Atlas. 1994.

MARION, José Carlos. Contabilidade Empresarial. 11ª Edição. São Paulo: Atlas. 2005.

PADOVEZE, Clóvis Luis. Contabilidade Gerencial – São Paulo: Atlas. 1997.

POLO, Fernandes Edison. Engenharia das Operações Financeiras. São Paulo: Ed.

Atlas. 1996.

20

ROSS, A. Stephen. Princípios da Adm. Financeira. São Paulo. Ed. Atlas. 1999.

SÁ, A.LOPES. Dicionário da Contabilidade. São Paulo: Atlas. 1995.

SCHRICKEL. Wolfgang Kurt. Análise de Crédito. São Paulo: Atlas: 1998.

ZDANOWICZ, EDUARDO JOSÉ. Fluxo de Caixa. Porto Alegre – RS. Ed. Sagra Luzzatto.

1998.

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AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO USO DE AGROTÓXICOS POR

PRODUTORES RURAIS DOS MUNICÍPIOS DE SANTA MARIA DE

JETIBÁ E SANTA TERESA - ES

Juliano Brás Zanetti1

Vagner Viana Silva2

Naira Rani Nóbrega de Jesus3

Wellington Luiz Urselino da Costa4

Juliette Zanetti5

1. Mestre em Fitotecnia pela UFRRJ. Professor da FARESE. Professor da FARESE. E-mail: [email protected] 2. Mestrando em Metodologia, Qualidade, Inovação e Sustentabilidade pela PUC-RJ. Endereço: Vereador Jaime de Azevedo, Lt 03, Qd 47 – Bairro Fazenda Caxias. Seropédica – RJ E-mail: [email protected] 3. Licenciada em Ciências Agrícolas. Endereço: Rua Lígia Rocha Wanderley, N° 02, qd: 111 - Bairro do Engenho, Itaguaí - RJ. E-mail: [email protected] 4. Discente de Agronomia da UFRRJ. Endereço: Rua Bernada Maria da Conceição, n° 636, Bairro Fazenda Caxias. Seropédica RJ. E-mail: [email protected] 5. Discente de de Engenharia de Agrimensura e Cartografica da UFV. Endereço: Rua Padre Anchieta. Bairro Ramos, prédio 29- Apto 04. Viçosa – MG. E-mail: [email protected]

Instituto de Ensino Superior da Região Serrana. Rua Jequitibá, 121 – Centro Santa Maria de Jetibá – ES – Brasil – CEP 29645-000

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AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO USO DE AGROTÓXICOS POR PRODUTORES

RURAIS DOS MUNICÍPIOS DE SANTA MARIA DE JETIBÁ E SANTA TERESA -

ES

RESUMO

Ao longo dos anos, a agricultura mundial cresceu em produtividade e área cultivada, acompanhada pelo uso intensivo de agrotóxicos, que também sofreram grandes evoluções, muitas modificações técnico-produtiva foram acontecendo na intenção de uma produção cada vez maior. O uso de produtos químicos tem aumentado muito a produção, mas o seu uso indiscriminado e sem os devidos cuidados, acarretam muitos problemas tanto ambientais quanto para a saúde de animais e do próprio homem. Este trabalho tem como objetivo estudar o uso de agrotóxicos e os impactos ambientais, e socioeconômicos causados ao trabalhador rural em pequenas propriedades dos municípios de Santa Teresa e Santa Maria de Jetibá-ES. Para o trabalho de campo foi realizado um diagnóstico regional rápido com vistas a conhecer melhor o perfil dos agricultores residentes nas regiões de estudo. Para a busca de informações foram feitas visitas às propriedades rurais no período do 2° semestre de 2011 e 1º semestre de 2012. A análise dos resultados demostrou que 100% das propriedades visitadas no município de Santa Teresa utilizam agrotóxico durante o processo de produção agrícola. E cerca de 72% dos entrevistados de Santa Maria de Jetibá. O tipo e a frequência de uso de agrotóxicos é varável. Em relação o uso completo do EPI em Santa Maria de Jetibá apenas 5% e Santa Teresa com 9%, essa porcentagem pequena apresenta riscos a saúde desses agricultores. A baixa escolaridade, a falta de programas de Ensino de Jovens e Adultos no meio rural, cursos de capacitação dos agricultores, políticas agrícolas de assistência técnica e extensão rural estão entre os principais motivos que levam aos produtores destas regiões ao uso às vezes indiscriminado de agrotóxicos em suas lavouras. Palavras-chave: contaminação humana e ambiental; trabalhador rural; extensão rural;

pesticidas; fatores econômicos.

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INTRODUÇÃO

A agricultura tal qual se pode observar em um dado lugar e momento aparecem

em princípio como um objeto ecológico e econômico complexo, composto de um meio cultivado e um conjunto de estabelecimentos agrícolas vizinhos, que

entretêm e que exploram a fertilidade desse meio. Levando mais longe o olhar, pode-se observar que as formas de agricultura praticadas num dado momento

variam de uma localidade a outra. E se entende longamente a observação num

dado lugar, constata-se que as formas de agriculturas praticadas variam de uma época para outra. (MAZOYER e ROUDART, 2010).

Ao pensar nos modelos de produção que atualmente predominam em nossa sociedade

temos que nos reportar o gênesis da agricultura, e traçar uma linha do tempo para

visualizar a sua evolução e seus processos de formação. A agricultura é concebida como

tal pela necessidade do homem em dominar “domesticar” a natureza para produzir

alimento e fixar residência em um determinado local. Com o passar dos anos as técnicas

vãos se aprimorando e em um determinado momento da história da humanidade a

dominação que outrora era levemente agressiva passar a ser degradante tanto para a

humanidade como para o meio ambiente.

Desde os tempos mais remotos o homem utilizava a terra como fonte de subsistência,

ou seja, plantava, cultivava e colhia para suprir suas necessidades vitais. Com o passar do

tempo, houve a necessidade de ampliar sua produção agrícola, pois o cultivo que

anteriormente seria apenas de subsistência agora passa a ser fonte de renda para as

famílias. No início respeitava-se a natureza retirando dela somente o necessário para

manter suas culturas. Porém com o início da produção em massa, houve a necessidade de

industrializar o campo, ou seja, o trabalho que antes era manual passa a ser mecanizado.

Entretanto, a mudança não ocorreu apenas no setor tecnológico, como também visava o

melhoramento, no sentido de aparência dos produtos, alem de uma aceleração das

culturas.

Quando a agricultura deixou de ser somente para consumo próprio do agricultor, houve uma grande expansão na plantação e com isso também vieram uma serie

de consequências, ou seja, houve o aumento no numero de ervas invasoras ou daninhas, insetos e muitas outras pragas que viriam a destruir as plantações, e na

tentativa de defender a agricultura contra pragas que atacavam as plantações, os

agrotóxicos foram criados. (MORO, 2008).

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Os agrotóxicos ou agroquímicos começaram a ser utilizados na década de 20, no

entanto, foi durante a segunda guerra mundial que seu uso se intensificou. Esses produtos

químicos eram armas químicas poderosa nas mãos daqueles que detinham. Dentre as

revoluções agrícolas, a Revolução Verde foi a que mais se destacou pelo seu impacto na

sociedade na produção de alimentos e seu impacto na saúde dos produtores e no meio

ambiente.

Na década de 1950, quando se iniciou a chamada “Revolução Verde”, foram observadas

profundas mudanças no processo tradicional de trabalho na agricultura, nas práticas

agrícolas de sementes geneticamente melhoradas, insumos industriais (fertilizantes e

agrotóxicos) e mecanização, bem como em seus impactos sobre o ambiente e a saúde

humana. Novas tecnologias, muitas delas baseadas no uso extensivo de agentes químicos,

foram disponibilizadas para o controle de doenças, aumento da produtividade, controle de

plantas invasoras e proteção contra insetos e outras pragas. Entretanto, essas novas

facilidades não foram acompanhadas pela implementação de programas de qualificação da

força de trabalho, sobretudo nos países em desenvolvimento, expondo as comunidades

rurais e consumidores a um conjunto de riscos ainda desconhecidos, originado pelo uso

extensivo, indiscriminado e sob pouca orientação técnica de um grande número de

substâncias químicas perigosas e agravado por uma série de determinantes de ordem

social (MOREIRA et al., 2002).

A mais de uma década que várias publicações já evidenciavam o incentivo à utilização dos agrotóxicos no mundo. Segundo Bull (1986, p.12), „a indústria dos

agrotóxicos repete com frequência no Brasil o argumento de que a aplicação de agrotóxicos é necessária para aumentar a produção dos alimentos e que os

mesmos acabariam com a fome dos pobres no país e no mundo‟. Ao longo dos

anos, a agricultura mundial cresceu em produtividade e área cultivada, acompanhada pelo uso intenso de agrotóxicos, que também sofreram grandes

evoluções, muitas modificações técnico-produtiva foram acontecendo na intenção de uma produção cada vez maior. Muitas moléculas novas surgiram, com

características físico-químicas que propiciam funcionalidades diferenciadas e

comportamentos ambientais distintos, com grandes alterações nos perfis toxicológicos e eco-toxicológicos, fruto dos avanços tecnológicos e pressões

ambientalistas (Armas et al., 2005).

25

Atualmente, existem mais de 15.000 formulações para 400 agrotóxicos diferentes,

sendo que aproximadamente 8.000 destas formulações encontram-se licenciadas no

Brasil, que segundo a ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária é o maior

consumidor de agrotóxicos no mundo. A classificação destes agrotóxicos no Brasil

recebida é de acordo com o Decreto nº. 98.816/90 que dá aos agrotóxicos a distribuição

entre classes que determinam o nível de toxidade, recebendo cada classe uma cor que

ajuda ao produtor identificar seu nível toxicológico.

O Brasil apresenta um dos maiores mercados na área de proteção de plantas. Desde

2008 o país foi alçado ao primeiro lugar do ranking mundial, mesmo ano em que se

obteve safra recorde de soja, milho e algodão. Segundo o diretor da Anvisa, Agenor

Álvares, o principal fator responsável por esse crescimento foi a expansão agrícola do país.

Trata-se de um mercado bilionário e altamente concentrado. Em 2010, ainda segundo a

Anvisa, o mercado nacional de agrotóxicos movimentou US$ 7,3 bilhões, o que representa

14,25% do total mundial que chegou a US$ 51,2 bilhões no mesmo ano. “Na região

sudeste do Brasil estima-se que consumo de agrotóxicos esteja em torno dos 12 kg de

agrotóxico/trabalhador/ano podendo atingir valores bem superiores a este em algumas

áreas produtivas” (Moreira, et al., 2002). O estado do Espírito Santo segundo Demetrius

de Oliveira, integrante do Comitê Estadual “é o que mais consome agrotóxicos no Brasil,

em valor absoluto são 4,7 kg por hectare principalmente nas culturas de cana de açúcar,

café, hortaliças, eucalipto e pastagens”.

A ampla utilização dos agrotóxicos no meio rural brasileiro, o desconhecimento dos riscos associados a sua utilização, o consequente desrespeito às normas básicas de

segurança, a alta toxicidade de certos produtos, a livre comercialização, a grande

pressão comercial por parte das empresas distribuidoras e produtoras, e esse quadro é agravado por uma série de determinantes de ordem cultural, social e

econômicos encontrados no meio rural, que constituem importantes causas que levam ao agravamento dos quadros de contaminação humana e ambiental-

observados no Brasil (MOREIRA et al., 2002).

Portanto, este trabalho tem como objetivo estudar o uso de agrotóxicos e os impactos

ambientais, sociais e econômicos causados ao trabalhador rural em pequenas

26

propriedades rurais dos municípios de Santa Teresa e Santa Maria de Jetibá-ES,

decorrentes do modelo de agricultura adotado em suas propriedades.

Este levantamento serve de base para definição de estratégias de monitoramento de

compra e uso de agrotóxicos de maneira ampla no que visa à avaliação de todo o ciclo

produtivo das principais culturas agrícolas da região. Além disso, configura este

levantamento de extrema importância para um direcionamento de pesquisas de

monitoramento e desempenho de agrotóxicos nas regiões produtoras.

METODOLOGIA

O estudo desenvolveu-se com pequenos proprietários rurais de regiões dos municípios

de Santa Teresa e Santa Maria de Jetibá, ambos localizados na região serrana do estado

do Espírito Santo. Em Santa Teresa as localidades estudadas foram: Santo Antônio do

Canaã, Santo Hilário, Várzea Alegre, Tabocas, e Nova Valsugana. No município de Santa

Maria de Jetibá, foram: Alto Santa Maria, Garrafão, Rio Claro e Potratz.

Para realizar o trabalho de campo foi realizado um DRR (diagnóstico regional rápido)

com vistas a se conhecer melhor o perfil dos agricultores residentes na região. Com

resultados prévios do levantamento dos agricultores das regiões produtoras de ambos os

municípios. Para a busca de informações foram feitas visitas às propriedades rurais no

período do 2° semestre de 2011 e 1º semestre de 2012.

Realizaram-se entrevistas com roteiro pré-estabelecido e a aplicação de questionários,

as quais tiveram com finalidade fazer um levantamento de dados, conhecimentos e

percepções dos agricultores a respeito dos agrotóxicos. No primeiro momento, tabularam-

se dados sobre o perfil socioeconômico-ambiental dos entrevistados e as suas práticas de

uso dos agrotóxicos; no segundo momento, mais qualitativo, investigou - se a percepção

de riscos no tocante à utilização dos mesmos. Anteriormente ao trabalho, foi realizado um

levantamento bibliográfico para tratar dos temas relevantes ao estudo.

27

Foram efetuadas 73 entrevistas semiestruturadas nos próprios estabelecimentos rurais.

Durante as visitas às propriedades, o critério de escolha dos informantes foi aleatório não

importando o sexo, mas um representante, agricultor ou agricultora, que se dispusesse a

responder o questionário, no momento da entrevista, sob os aspectos relacionados à

propriedade principalmente sobre a prática de uso dos agrotóxicos, voltando para uma

perspectiva de esclarecer a situação em que se encontra a população do meio rural, que

manipula os agrotóxicos, e também os riscos consequentes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O município de Santa Teresa-ES está localizado a setenta e oito quilômetros da capital

e a 655 metros de altitude. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística) senso 2010, a população é de 21.873 habitantes. Entre as principais atividades

agropecuárias destaca-se o cultivo de café, frutíferas como uva, banana e goiaba,

olerícolas principalmente tomate, eucalipto, e vem crescendo as atividades como criação

de bovinos de leite e carne, e floricultura.

A cidade de Santa Maria de Jetibá-ES é localizada a 700 metros de altitude e está a

oitenta quilômetros da capital. Um município com 34.176 habitantes (IBGE, 2010), é o

maior produtor de hortaliças do estado. A olericultura segundo Jacobson et al. (2009)

representa a atividade mais bem distribuída no município, alcançando aproximadamente

80% das 3.000 propriedades familiares existentes. A região também é importante na

criação de aves para corte e postura, além de produtora de café, de eucalipto e de mel.

Existem também atividades de ecoturismo, agroindústria, piscicultura, floricultura,

fruticultura e produção de tubérculos.

Na figura 1, apresenta as principais atividades agrícolas para ambos os municípios, nas

localidades estudadas. Observa-se que para o município de Santa Maria de Jetibá é

marcante a produção de olerícolas, entre as principais podemos citar: o repolho, cebola,

28

alho, gengibre, alface e beterraba. Na região pesquisada no município de Santa Teresa,

notamos a hegemonia do cultivo do café e tomate para à maioria das famílias estudadas

como principal atividade.

Fonte: Produzido pelos autores

Analisando o perfil dos entrevistados (Tabela 1), verificamos que 64% dos

entrevistados de Santa Maria de Jetibá e 46% de Santa Teresa situam-se na faixa etária

até 40 anos. Quanto à escolaridade, 73% dos entrevistados do município de Santa Maria

de Jetibá estudaram até a 4ª série do ensino fundamental enquanto que 41% dos

entrevistados do município de Santa Teresa estudaram 5ª a 8ª série do ensino

fundamental.

A falta de informação por parte dos trabalhadores rurais quanto ao risco a que

estão expostos quando manipulam agrotóxicos, deve-se na maior parte das vezes à baixa escolaridade, que dificulta, ou mesmo impossibilita o acesso às

informações de extrema importância para a sua segurança e dos envolvidos direta e indiretamente com a atividade agrícola (DOMINGUES, 2004).

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Olerícolas Café Banana Eucalipto Milho Feijão

Santa Maria de Jetibá Santa Teresa

Figura 1 - Perfil das principais culturas cultivadas nas regiões de estudo

29

Tabela 1 – Dados socioeconômicos e ambientais das regiões estudadas

Característica Santa Maria de

Jetibá Santa Teresa

Idade (média)

39,4 44,1

Sexo Masculino 57 69

Feminino 43 31

Escolaridade

1ª à 4ª série 73 37

5ª à 8ª Série 21 41

Ensino Médio 06 22

Propriedade Proprietário 78 61

Meeiro 22 39

Uso de Agrotóxico Sim 72 100

Não 28 0

Relatou algum Sintoma de Intoxicação

Não 89 78

Cursos de Capacitação Não 87 72

Assistência Técnica Não 68 22

Fonte: Produzido pelos autores

Em relação à condição do produtor, em média de ambos os municípios estudados

verificamos que aproximadamente 70% são proprietários. As regiões pesquisadas

apresentaram características próprias de pequenas propriedades que praticam a

agricultura familiar. Sendo observada uma maior participação feminina na propriedade

agrícola no município de Santa Maria de Jetibá com 43%.

Segundo MELO (2002):

O trabalho da mulher na agricultura familiar é gratuito e considerado “ajuda”, revelando que a atividade desenvolvida nessa forma de produção pertence ao

homem, é da sua responsabilidade, é sua obrigação. O trabalho da mulher, não sendo reconhecido, ao contrário do desempenhado pelo homem, sugere que ele

não gera valor econômico e social. Usando a definição mais ampla de trabalho, ele

não transforma a natureza através do dispêndio da capacidade física e mental. Tudo isso reafirma a tradicional divisão sexual do trabalho.

O autor supracitado traz considerações importantes a se observar sobre a

desvalorização do trabalho feminino na agricultura familiar tornando-se uma barreira para

o aumento da sua participação efetiva nas tomadas de decisão no âmbito rural. No

30

entanto quando as mesmas desempenham um trabalho remunerado ganham menos que

os homens. Criou-se o mito da fragilidade, mesmo despenhando funções na agricultura

como colheita, plantio e tendo que arcar com os afazeres domésticos esse trabalhado é

visto como ajuda. Quando existe um pequeno reconhecimento em alguns casos da sua

capacidade de trabalho o mesmo é desvalorizado no meio rural, como resposta a

desvalorização continua tanto dos homens como das próprias trabalhadoras rurais. Mais

recentemente, começaram a emergir no país movimentos sociais que visam a valorização

da trabalhadora rural.

Com relação ao uso de agrotóxicos, notamos que em 100% das propriedades visitadas

no município de Santa Teresa utilizam agrotóxico durante o processo de produção

agrícola. E cerca de 72% dos entrevistados de Santa Maria de Jetibá. As justificativas são

o controle de pragas e doenças, o aumento da produção, o controle de plantas invasoras

e o receio de perder a produção. No município de Santa Maria de Jetibá 28% restantes

desenvolvem a agricultura orgânica. A palavra “veneno” foi a mais utilizada pelos

entrevistados para se referirem aos agrotóxicos. Quanto à frequência de aplicação dos

agrotóxicos, foi variável em ambos as regiões estudadas quanto a cultura implantada,

sendo que para as propriedades de olerícolas a intensidade de aplicação era em sua

grande maioria semanalmente. De modo geral, segundo os agricultores, a aplicação é

intensificada no verão, devido à maior intensidade de infestação de pragas e doenças,

plantas invasoras e aplicação de fertilizantes.

Há um uso diversificado entre os agricultores de defensivos agrícolas, os herbicidas

usados no controle de plantas invasoras como o Roundup original e o Glifosato 480 foram

os que apresentaram em maior uso nas propriedades estudadas. A baixa frequência de

uso e o alto número de defensivos se dão devido a diversificação de cultivos e também

diversificação de produtos no mercado para o controle de mesmas pragas.

31

Como descrito pelos próprios agricultores, a escolha dos produtos a serem utilizados

varia de acordo com o conhecimento a respeito de um determinado produto, a

recomendação de um profissional e o preço.

O desconhecimento ou o chamado „conhecimento popular‟ da classificação química

dos agrotóxicos, em relação ao grau de toxicidade ou a formulação do produto é evidente na população analisada. Mesmo assim sabe da influencia dos efeitos dos

agrotóxicos a saúde humana (FEHLBERG et al. 2003).

As quantidades aplicadas para a maioria das propriedades já são descritas no momento

de compra do defensivo agrícola, quando não são estabelecidas a partir do rótulo da

embalagem.

Em um estudo realizado por Moreira et al., (2002) realizando uma avaliação integrada

do impacto do uso de agrotóxicos sobre a saúde humana em uma comunidade agrícola de

Nova Friburgo, RJ encontrou que nenhum dos entrevistados conseguiu interpretar a

totalidade das mensagens contidas em figuras de rótulos e bulas de produtos agrotóxicos,

como alguns pictogramas e representações gráficas de procedimentos de uso e descarte.

Segundo PINTO (1985):

A complexidade das informações descritas nos rótulos não condiz muitas vezes, com o nível cultural do agricultor criando uma barreira à comunicação sobre o uso,

os cuidados e os efeitos sobre a saúde e o ambiente, como constatado em outros

estudos.

A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) (Tabela 2) observou-se que

32% dos trabalhadores do município de Santa Maria de Jetibá não fazem uso de qualquer

equipamento que vise sua proteção mesmo em propriedades que utilizem agrotóxicos em

seus cultivos, onde segundo relatos de agricultores não modificam o abito do trabalho por

estar manuseando produtos que podem causar danos à sua saúde.

Os EPI não foram desenvolvidos para substituir os demais cuidados na aplicação e sim

para complementá-los, evitando-se a exposição. Para reduzir os riscos de contaminação,

as operações de manuseio e aplicação devem ser realizadas com cuidado, e de preferência

32

com a orientação de um engenheiro agrônomo. O seu papel, portanto, é de suma

importância, desde a emissão da receita às orientações dos produtos e do EPI (MENEZES

e OLIVEIRA, 2012).

Tabela 2 – Uso de equipamento de proteção individual (EPI) para ambas as regiões estudadas.

Uso de Equipamento de

proteção ambiental

Santa Maria de Jetibá

Santa Teresa

Percentual (%)

Usa completo 5 9

Máscara 32 64

Luvas 15 4

Avental 5 9

Jaleco 37 91

Calça 35 95

Botas 31 95

Nenhum 32 5

Fonte: Produzido pelos autores

Uma percepção maior acontece pelos trabalhadores do município de Santa Teresa,

onde em sua maioria fazem uso de algum equipamento que acreditam que lhes confere

alguma proteção. Essa maior percepção de riscos, pode ser atribuída a dois fatores

presentes na pesquisa quando comparado entre os municípios. O primeiro devido à uma

maior escolaridade presente entre os produtores do município de Santa Teresa, e o

segundo devido à uma maior assistência técnica prestada pelas próprias lojas de

agroquímicos, Incaper e/ou filhos de produtores vizinhos que estudaram e conhecem os

princípios de uma produção convencional.

A subutilização ou utilização ineficiente de EPI representa grande perigo à saúde do

aplicador, causando elevação significativa no número de intoxicações. Neste aspecto deve-

se enfatizar que o uso de EPI é um ponto de segurança do trabalho que requer ação

técnica, educacional e psicológica para a sua aplicação (MONQUERO et al.,2009).

Oliveira-Silva et al., (2001) estudando à Influência de fatores socioeconômicos na

contaminação por agrotóxicos no Brasil aponta como motivo de falta de precaução no uso

33

e manuseio de defensivos agrícolas à falta de escolaridade onde poucos leem os rótulos

das embalagens.

Segundo Pinto (1985) mesmo dentro deste grupo é de se esperar que os textos não

sejam perfeitamente interpretados, tanto pelo nível de escolaridade quanto pelo teor

técnico das informações contidas nos rótulos, que cria uma série de barreiras à

comunicação sobre o uso, os cuidados e os efeitos sobre a saúde e o ambiente.

Diante dos resultados apresentados notamos um grande uso de defensivos

agrícolas em ambas as regiões e como apontado, atrelado á inúmeros fatores sociais,

econômicos e culturais. E ainda observa-se que há pouca atenção com os cuidados que

deve ser tomado com uso e manuseio de defensivos agrícolas, o que acarretam á

problemas à saúde do produtor e consumidor, e ao meio ambiente. Se levantarmos mais

um dado relacionado a respeito do período de carência, por exemplo, foi notado que mais

de 30% dos produtores de ambas as regiões não sabem o significado (dados não

publicados). Informações como estas sobre o período de carência, poder residual, respeito

às dosagens, uso de meios alternativos de controle, táticas de monitoramento de

populações de pragas, faltam aos produtores, alguns devido a falta de escolaridade

apontada por inúmeros autores, como principal fator do mau uso e manuseio incorreto.

Castro e Confalonieri (2005) estudando o uso de agrotóxicos no município de Cachoeiras

de Macacu (RJ) observaram que os agricultores utilizam os agrotóxicos de maneira

inadequada e, na maioria das vezes, não respeitando o período de carência. Empregam

produtos não específicos para uma determinada praga ou doença, e ainda fazem

“coquetéis de agrotóxicos”, misturando produtos de diferentes composições químicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos por este trabalho concordam, em geral, com constatações feitas

por outros autores, em pesquisas com grupos de agricultores em diferentes partes do

Brasil, no que se refere aos perigos do uso e um baixo índice de conscientização sobre os

34

riscos inerentes ao uso dos agrotóxicos que podem oferecer risco à saúde das pessoas,

aos animais e ao meio ambiente. De forma alguma esse artigo se põe contra ou a favor do

uso dos agrotóxicos temos a postura de pensar como esse processo tem se dado nessas

regiões e quais as possíveis relações econômicas, sociais e ambientais que envolvem tal

uso. Acreditamos na transição para uma agricultura de base sustentável ou em um uso

mais racional dos agrotóxicos no meio rural.

A baixa escolaridade ainda é um fator que precisa ser revisto no campo com programas

de Ensino de Jovens e Adultos no meio rural. No entanto, acreditamos ser essencial um

ensino diferenciado com programas que envolvem a agricultura como o tema da pesquisa

que é bem abrangente e tem grande influência tanto no cotidiano dos agricultores como

para aqueles consumidores dos alimentos produzidos. A falta de cursos de capacitação

dos agricultores e de programas de assistência técnica e extensão rural, voltados

especificamente para à realidade do homem do campo da região centro serrana do

Espírito Santo pode ser apontado como um dos principais limitantes, pois só com a

capacitação acreditamos na quebra desse ciclo vicioso que permanece nas regiões

estudadas há décadas.

Os dados levantados ao uso dos EPIs são preocupantes e está intrínseco que a saúde

do aplicador, demanda o seu uso completo. Em Santa Maria de Jetibá com apenas 5% e

Santa Teresa com 9% essas porcentagens pequenas apresentam riscos a saúde desses

aplicadores. O não vinculamento de alguns sintomas à saúde humana ao uso de

agrotóxicos é comum, pois o sistema de saúde pública em algumas regiões do Brasil ainda

tem dificuldade em identificar (diagnóstico que envolve a profissão de agricultor) o uso

dos agrotóxicos e os efeitos/sintomas deles no organismo. Geralmente o diagnóstico é

tardio levando a óbito na maioria dos casos.

Enfim, acreditamos que o meio rural passa por grande complexidade em relação à

educação de jovens e adultos que dada ao meio e que as autoridades competentes

possuem mecanismos para sanar essas disparidades entre a cidade e o campo. No âmbito

35

do uso de agrotóxicos não olhar os agricultores como atores fundamentais para o

desenvolvimento nacional é fechar os olhos para si mesmos, pois os produtos produzidos

no campo são os mesmos que veem todos os dias para a maioria das mesas dos

brasileiros como já foi constatado, já que é aagricultura de base familiar que alimenta o

povo brasileiro.

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38

HISTÓRIA: REALIDADE OU FICÇÃO?

UM EMBATE TEÓRICO BASEADO NA HISTÓRIA CULTURAL

Jaquelini Scalzer 1

1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES; na linha de pesquisa em História, Sociedade, Cultura e Políticas Educacionais. E-mail: [email protected]

Instituto de Ensino Superior da Região Serrana. Rua Jequitibá, 121 – Centro Santa Maria de Jetibá – ES – Brasil – CEP 29645-000

39

HISTÓRIA: REALIDADE OU FICÇÃO?

UM EMBATE TEÓRICO BASEADO NA HISTÓRIA CULTURAL

RESUMO

O presente artigo busca tecer algumas questões, embora sem pretensões de respostas definitivas, a respeito da disciplina de História e da produção historiográfica, tendo por norte as discussões envolvendo a narrativa histórica e a questão que esta suscita sobre a História, qual seja,a relação História e ficção. Como não poderia deixar de ser, para tal embate, utilizaremo-nos de historiadores e literatos, sobretudo Roger Chartier, Sandra Pesavento, Paul Ricoeur e Hayden White. Dentro desta polêmica, enfatizaremos a tensão gerada pelo fato da história narrativa ser tratada como uma inverdade ou mesmo uma ficção, trazendo como argumento a favor da veracidade a construção do discurso do historiador. Para concluir traremos a narrativa histórica tratada nos meandros da História Cultural e as possibilidades que este novo olhar pode trazer ao embate História/Literatura. Fechamos o trabalho com algumas considerações finas que não têm outra pretensão senão a de contribuir com algumas reflexões suscitadas sobre o tema a partir do fazer do historiador e seu compromisso com a verdade, mesmo que subjetivada. Palavras-chave: História narrativa; História cultural; fazer do historiador.

40

O EMBATE ACERCA DA NARRATIVA HISTÓRICA

Nas últimas décadas do século XX assistimos ao retomo da narrativa histórica na

tentativa de trazer o leitor para uma história que se pretendia totalizante. Esse retomo

tem suscitado críticas que, embora revestidas de novas faces e argumentos, há muito

acompanham a trajetória da História e sua tentativa de reconhecimento como sendo uma

ciência. A crítica é de que a História, ao se apropriar da narrativa, perde todas as

possibilidades de efetivar suas pretensões à verdade científica1.

Como defensor ferrenho desta idéia, aparece o literato Hayden White2, que faz

questão de mostrar como, ao fazer uso de instrumentos literários para organizar seu

discurso, o historiador preenche as lacunas próprias da pesquisa com ficção, privando-o

do estatuto de verdade que, segundo ele, a História ambiciona. Vejamos como Whitese

posiciona nesta questão:

A distinção mais antiga entre ficção e história, na qual a ficção é concebida como

representação do imaginável e a história como a representação do verdadeiro, deve dar lugar ao reconhecimento de que só podemos conhecer o real

comparando-o ou equiparando-o ao imaginável. Assim concebidas, as narrativas históricas são estruturas complexas em que se imagina que o mundo da

experiência existe pelo menos de dois modos, um dos quais é codificado como real

e o outro se revela como ilusório no decorrer da narrativa. Trata-se obviamente de uma ficção do historiador a suposição de que os vários estados de coisas que ele

constitui na forma de começo, meio e fim de um curso do desenvolvimento sejam todos verdadeiros ou reais e que ele simplesmente registrou o que aconteceu na

transição da fase inicial para a fase final. (...) Isto implica que toda narrativa não é

simplesmente um registro do que aconteceu na transição de um estado de coisa para outro, mas uma redescrição progressiva de conjuntos de eventos de maneira

a desmantelar uma estrutura codificada num modo verbal no começo, a fim de justificar a recodificação dele num outro modo no final. Nisto consiste o ponto

médio de todas as narrativas (WHITE, 1994, p.115).

Por esta citação, longa - eu reconheço, podemos perceber a noção que White tem de

ficção e de narrativa. Para ele a ficção se focaliza no imaginável, no mundo das ilusões,

do irreal. E narrativa é uma construção textual na qual o autor distorce os fatos para

dar-lhes coerência e facilitar a compreensão, falando, é claro, de modo simplista. Logo,

não é difícil perceber porque, para ele, a narrativa histórica retira da História seu

41

aspecto de veracidade.

Sandra Pesavento3, ao trazer as críticas que contribuíram para que a História refletisse

sobre sua construção, escrita e apropriação, traz a ideia de White sobre a História e as

proximidades que ele determina desta com a Literatura. Segundo Pesavento, White

afirmava que a História era uma forma de ficção, tal como o romance era uma forma de

representação4 histórica. Mais do que isso, sendo as representações discursivas, os

historiadores se valeriam das mesmas estratégias tropológicas das narrativas usadas pelos

romancistas ou poetas. Ou seja, a reconstrução histórica é uma ficção, pois o historiador

cria um enredo na sua narrativa, mesmo que faça uso de sujeitos e fatos-reais, o que

nega à História não só a pretensão de veracidade, mas tira-lhe o caráter científico.

Podemos lembrar ainda Paul Veyne, que dá um tratamento semelhante (ou ainda

mais pejorativo) à História. Para Veyne, tudo poderia ser História, não havendo portanto

“a” História, mas as histórias, espécies de itinerários possíveis, que não dariam conta da

totalidade ou da verdade, mas dariam explicações plausíveis. Ele não só reduz a História

a uma narrativa sem capacidade explicativa de verdades ou totalidades como a aproxima

de ser uma disciplina mais literária.

Estes e muitos outros "ataques" à História e sua escrita são trazidos ao debate por

Sandra Pesavento e, muitos deles causam grande angústia a uma parte significativa dos

historiadores. Mas, ao mesmo tempo, impeli a repensar o fazer histórico, o que é

benéfico para a disciplina, uma vez que neste momento em que tanto se discute sobre

esta transição de paradigmas (modernidade/pós-modernidade), grande parte das

ciências (ou as que assim se pretendem) estão se reorganizando, se reificando5.

Uma das reflexões resultantes de tais críticas, culmina na resposta que Chartier6dá a

Hayden White, onde ele primeiro agrupa os que abordam esta questão em dois grupos:

aqueles que decidiram que não havia diferença e que a História era ficcional na medida

42

em que a sua verdade era absolutamente semelhante à verdade de uma novela. E o

grupo no qual ele se inclui, dos que acreditam que há algo específico no discurso

histórico, o qual é construído a partir de técnicas específicas. Independente do que o

historiador narra, para fazê-lo ele deve ler os documentos, organizar suas fontes,

manejar técnicas de análise, utilizar critérios de prova. Ou seja, para Chartier, todos

esses procedimentos que o historiador deve seguir (e o literato não) é que fazem a

grande diferença; é que estabelecem um critério de distinção entre a narrativa histórica

e a narrativa literária. De acordo com Chartier, se é preciso adotar essas técnicas em

particular, é porque há uma intenção diferente no fazer histórico, qual seja,restabelecer

a verdade entre o relato e o que é objeto deste relato. Muito embora ele reconheça que,

ao organizar seu saber o historiador se valha da narrativa, o que ele mesmo lembra,

exige do historiador um certo cuidado ao escolher o tipo de narrativa que vai 'adotar,

devendo optar por uma narrativa que respeite o discurso do saber, mas que, ao mesmo

tempo seja atrativa ao público leitor. Ele reconhece que a escrita não é neutra, e que ao

descrever uma prática do passado", o historiador tem que ter claro as distâncias entre as

práticas e os discursos, e que a forma como se escreve sobre algo em muito influenciará

a leitura que se fará do mesmo.

Outra reflexão importante é a que faz Sandra Pesavento, segundo a qual escrever a

História, ou construir um discurso sobre o passado, é sempre um ir ao encontro das

questões de uma época. Ora! O grande dilema no qual a História é aqui colocada

resulta, em parte, de sua tentativa de se colocar como ciência no império do paradigma

da modernidade, onde o status de ciência exigia como pré-requisito básico chegar à

verdade.Logo, a História começou a se pensar e a agir com esta objetividade e a

pretensão das ciências exatas( ou pelo menos tentou ser dessa forma), ignorando, por

isso, as subjetividades que são próprias do fazer histórico. Sobre isso, Pesavento nos

lembra que:

Representação e imaginário, o retorno da narrativa, a entrada da ficção e a

idéia das sensibilidades levam os historiadores a responderem não só às possibilidades de acesso ao passado, na reconfiguração de uma temporalidade,

como colocam em evidência a escrita da história e a leitura dos textos

(PESAVENTO, 2004, p.59).

43

Ou seja, as mudanças contemporâneas são inegáveis e atingem a História como a

outras áreas do conhecimento, forçando uma ressignificação a fim de se colocar perante

as questões em debate no momento. E ai nós acrescentamos: será que a busca da

verdade, uma verdade única e inquestionável, é o que a sociedade do momento exige

da História? Ou seria esta uma exigência daqueles que vivem presos a Era da

Modernidade, da exatidão, das certezas? O que importa hoje, neste debate sobre a

História, é muito mais “como” o historiador constrói seu discurso, do que a verdade

como elemento central do mesmo. A metodologia, a seleção, as fontes, a urdidura é

que farão toda a diferença.

Nesse sentido, Pesavento (2004) trabalha com a ideiade que a História é uma ficção

controlada: pelo método, o qual possibilita ao historiador, meios de controle e verificação

para fazer a fonte falar, produzindo sentidos e revelações; pelas fontes que convertem o

documento em provas através das quais se caminha para a explicação; pelo discurso do

historiador que permite ao leitor refazer seus caminhos através do encadeamento lógico

dos dados; e pelo extratexto que revela toda a bagagem de conhecimentos que o

historiador possui, referente ao contexto em questão e que pode influenciar no

cruzamento dos dados em análise. Em outras palavras, ao trazer a História como uma

ficção controlada, Pesaventoreitera a fala de Chartier de que o "fazimento"7do historiador

é o que o difere, em larga escala, do literato, independente do primeiro conseguir ou não

chegar à uma verdade de fato, se é que esta existe.

Não poderia encerrar este embate teórico sem tratar, mesmo que superficialmente, de

Paul Ricouer; e se o trazemos agora e não junto com as críticas de White e Veyne é

porque pensamos que sua apreciação sobre a História se difere, em alguma medida, de

ambos. A começar pela forma como ele pensa a narrativa. Conforme Ricouer, a relação

História e Literatura, pensada na perspectiva da narrativa, deve considerar que:

Uma história descreve uma seqüência de ações e de experiências feitas por um

certo número de personagens, quer reais, quer imaginários. Esses personagens

são representados em situações que mudam ou a cuja mudança reagem. Por sua vez, essas mudanças revelam aspectos ocultos da situação e das

personagens que engendram uma nova prova que apela para o pensamento,

44

para a ação ou para ambos. A resposta a' essa prova conduz a história à sua

conclusão. (RICOUER, 1994, p.214).

Ou seja, por mais generalizada que esta definição de narrativa possa parecer,

podendo ser aplicada tanto à narrativa histórica como à narrativa literária, ela repousa

numa premissa inquestionável, qual seja, o ato de narrar, notabilizando assim a

ausência do ocorrido. Ora! Por trás do ato de narrar está a intenção ou objetivo do

narrador que determinará toda sua conduta até culminar na narrativa. Percebe-se então

uma brecha para a fala de Chartier dos fazeres próprios do historiador (método, fonte,

seleção, pesquisa ...), não distanciando a História da Literatura, mas mostrando que

essa proximidade não retira seus méritos e/ou credibilidade.

Sabendo que Ricouer defende a ficcionalização da história, a qual ocorreria não

apenas pelo papel ocupado pela imaginação na narrativa histórica, na sua função de

configurar uma temporalidade que ele denomina terceiro tempo8, mas no papel central

que o imaginário desempenha na construção deste "ter sido" que vem a ser o passado.

Dessa forma, diz ele, a História se aproxima da ficção literária como uma ilusão

controlada. Assim ele traz mais dois elementos que vislumbram uma possibilidade de

diálogo: a idéia do imaginário no centro da narrativa histórica, o que não nega de todo

a possibilidade de uma verdade, ou de verdades, dependendo de como se pensa a

categoria imaginário; e a História como ilusão controlada, levando a crer que este

controle, se não for o mesmo, aproxima-se dos mecanismos que Pesavento cita na

chamada ficção controlada, que por sua vez remete aos fazeres do historiador tratados

por Chartier. Por isso, pensamos aqui nas possibilidades de um diálogo entre a História

e a Literatura. Se não da História Tradicional, vemos grandes possibilidades deste

diálogo ocorrer com a História Cultural.

45

A HISTÓRIA CULTURAL E A NARRATIVA HISTÓRICA

Se trouxemos para este debate a História Cultural, foi não só pela sua difusão nos

últimos tempos9, mas porque vemos que grande parte dos argumentos dos que colocam a

narrativa histórica como algo que confere à História um caráter de ficção, podem ser

desconstruídos no contexto deste novo olhar (da História cultural) sobre a História e sua

forma de pensar a realidade, a verdade, a escrita e a leitura, sejam estas duas últimas

históricas ou não.

A História Cultural surge num momento de crise paradigmática em que as indagações

do homem acerca do mundo e de si próprio estão se reformulando, haja vista queo

mundo e o homem se ressignificaram, gerando uma tensão transitória que atinge as

ciências como um todo, os saberes e a História. Ginzburg ilustra bem este momento, bem

como a História dentro deste contexto, ao dizer que:

Se não tivesse sido capaz de corrigir as suas imaginações, expectativas ou

ideologias sob o influxo das indicações (nem sempre agradáveis) vindas do mundo exterior, a espécie Homo sapiens ter-se-ia extinguido há muito tempo.

Entre os instrumentos intelectuais que lhe permitiram adaptar-se ao ambiente circundante (natural e social) modificando-o cada vez mais, conta-se também com

a historiografia (Ginzburg, 1991, p.196).

Dessa forma, a História pode transformar-se dentro deste novo paradigma, mas não

pode jamais deixar de existir enquanto instrumento intelectual que permite ao homem

encontrar-se como parte integrante da dinâmica do mundo, sendo inclusive capaz de

alterá-lo. E é isso que a História Cultural faz; mantém-se na transitoriedade atual como

uma possibilidade de se pensar o passado, não como verdade dada por uma ciência, mas

como possibilidade repleta de variações, que quer se fazer ler de alguma forma, seja por

vestígios mais contundentes ou pelos "silêncios de Marx", que nos chegam ainda hoje.

Sobre esta História Cultural, Pesavento diz:

Se a História Cultural é chamada de Nova História Cultural, como o faz Lynn Hunt

é porque está dando a ver uma nova forma de a História trabalhar a cultura. Não se trata de fazer uma História do Pensamento ou de uma História Intelectual, ou

ainda mesmo de pensar uma história da Cultura nos velhos moldes, a estudar as

46

grandes correntes de idéias e seus nomes mais expressivos. Trata-se, antes de

tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e

construídos no mundo. A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admiti-seque os sentidos

conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se representam de forma cifrada, portanto já um significado é uma apreciação valorativa

(PESAVENTO, 2004, p.15).

Dentro dessa História Cultural as verdades definitivas, as certezas normativas, as leis e

os modelos dão espaço para as verdades possíveis, as dúvidas, as suspeitas. Ou seja, um

dos maiores questionamentos feitos à História enquanto narrativa, a saber, sua pretensão

à verdade, se torna infecundo, pois a verdade é relativizada pela representação, um dos

conceitos base da História Cultural. Conforme traz Pesavento, a representação é a

presentificação de um ausente; é um apresentar de novo que dá a ver uma ausência. Não

é uma cópia do real, sua imagem perfeita como que num reflexo, mas uma construção

feita a partir dele. A representação substitui a realidade que representa, construindo um

mundo paralelo de sinais no qual as pessoas vivem inserindo-se em regimes de

verossimilhança e credibilidade, não de verdades. É, pois com a representação que a

História Cultural trabalha; logo, sem a menor pretensão de chegar ao real de fato, pois ela

tem consciência de que a realidade do passado só chega ao historiador por meio de

representações. Assim, respondendo à crítica de que ao retomar a narrativa, o historiador

se afasta do real para preencher as lacunas dos fatos em si, a História Cultural nos traz a

ideia de que os próprios fatos não nos chegam como aconteceram na realidade, mas por

meio das representações que os outros, ao registrarem de alguma forma tais fatos,

tiveram deles. Isto, contudo não lhe desmerece como fonte de estudo de uma época,

pois, se representaram desta ou daquela forma é porque algum peso os signos utilizados

têm. Todavia, tal postura não faz da História uma ficção, pois a verdade comparece no

trabalho do historiador como um horizonte a alcançar, mesmo sabendo que este horizonte

não será jamais constituído por uma verdade única ou absoluta, uma vez que um mesmo

fato pode ter, ao longo do tempo, várias representações.

Tais argumentos nos fazem pensar em Chartier ao tratar das comunidades

interpretativas, ou seja, grupos que se apropriam de modo semelhante ou igual de um

determinado dado. Acreditamos que a discussão sobre as alterações que a organização

47

da História em narrativa suscitam, são irrelevantes quando pensamos que, cada

comunidade interpretativa de épocas passadas podem ter representado o mesmo fato de

maneira variada, de acordo com a apropriação que fizeram deste, sem que isso tire

dessas interpretações o valor de verdade, é a verdade de cada comunidade. E mais

ainda, quando Chartier traz a leitura como uma apropriação, uma invenção, uma

produção de significados, nos questionamos sobre as diferentes leituras que se pode

fazer de uma mesma escrita, inclusive de uma narrativa histórica, embora Pesavento nos

lembre que o historiador pode se fazer valer de elementos na produção de seu texto

para evitar desvios de interpretação por parte do leitor, como utilizar questões

norteadoras, lançar mão de dados ilustrativos,exemplos e citações etc.

Contudo, vale lembrar que, para a História Cultural, ficção não é sinônimo de invenção;

que imaginário não se restringe ao irreal. Se algo se encontra no imaginário coletivo a

ponto de se fazer representar, nem que seja por meio da ficção, é porque alguma

significação no real ele tem. É o que nos mostra Robert Dartonao pesquisar as histórias de

Mamãe Ganso e outras narrativas ficcionais em sua obra O grande massacre dos gatos,

ou Ginzburg em “O Queijo e os vermes”. Assim, História e Literatura são formas de dar a

conhecer o mundo, mas só a História tem como objetivo chegar o mais próximo possível

do real acontecido.

Ainda sobre a proximidade entre a História e a literatura é preciso dizer que, para a

História Cultural, a relação entre ambas se resolve no plano epistemológico, mediante

aproximações e distanciamentos. Pesaventocita Ricouer, que assim define tal relação:

São ambas (...) refigurações de um tempo, configurando o que passou, no caso da Historia, ou o que se teria passado, para a voz narrativa, no caso da Literatura.

(...) Valem-se de estratégias retóricas, estetizando em narrativa os fatos dos quais

se propõem falar. São ambas formas de representar inquietudes e questões que mobilizam os homens em cada época de sua história (...) (PESAVENTO, 2004, p.

81).

48

Por outro lado, nos lembra Pesavento, há distanciamentos entre uma forma narrativa e

outra. Logo, quando a História Cultural admite o uso de estratégias fictícias, a

reconstrução do passado com base na verossimilhança ou verdades cumulativas e

parciais, ela não se identifica de todo com a Literatura, pois o faz sempre controlada por

um método, pelo uso de fontes, por lidar com o acontecido. Ou seja, é uma ficção

controlada na qual sua relação com o objeto se diferencia da relação que a Literatura tem

com seu objeto, haja vista que, mesmo consciente de trabalhar com representações, a

História tem como meta atingir uma verdade sobre o acontecido, que se aproxime o

máximo possível do passado. Aliás, nessa relação História e Literatura, a Literatura é

utilizada em grande proporção como fonte pela História Cultural, o que demonstra que os

historiadores dessa corrente não pensam a ficção como uma invenção pura e

simplesmente. Tomando-se os devidos cuidados, a Literatura permite o acesso ao que há

de sensível de uma época, ao modo como as pessoas pensavam o mundo e a si próprios,

quais os valores que guiavam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos. Ou

seja, ela representa o real, viabilizando a leitura do imaginário; é a concepção do passado

formulada no tempo da escrita, ou, para a literatura de ficção científica, é a fonte para

saber como uma época pensava o seu futuro.

COMENTÁRIOS FINAIS

Concluindo este artigo, mas sem a menor pretensão de encerrar o debate em

questão, pensamos que ambas, História e Literatura, deveriam se propor ao diálogo e

não ao embate. Mas um diálogo sem valor de uso, como normalmente ocorre quando

duas áreas se propõem a dialogar. Ou seja, a História não deve ter a Literatura única e

exclusivamente como uma de suas fontes; e a Literatura não deveria valer-se da

História apenas para contextualizar suas produções. Sob a óptica da História Cultural,

ambas caminham lado a lado, não tendo sentido a disputa da supremacia ou as

acusações feitas a uma, menosprezando-a ao aproximá-la da outra (uma história

literaturizada e/ou uma literatura historicizada).

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A ficção literária, como bem mostram os teóricos da História Cultural, sobretudo Darton,

não surge do nada. Resguardados os devidos cuidados, ela retrata um conjunto de

sensibilidades que povoam o imaginário de uma época. E se assim ocorre, uma parcela de

real existe nisso tudo. Do mesmo modo, por mais metódica, cautelosa e seletiva que seja

a História no seu processo de pesquisa e investigação, na tentativa de se chegar a uma

verdade ou próximo dela e de suas variações, ao término, para se apresentar ao público,

ela necessita de uma urdidura coesa, seja ela em forma de narrativa ou qualquer outro

gênero textual. Esta urdidura, contudo, não é feita ao acaso. Normalmente é ali que o

historiador coloca seu vasto conhecimento, que transcende o objeto em questão e que é

fruto de sua trajetória como pesquisador. Logo, quando esse diálogo entre Literatura e

História ocorrer nestes níveis de reconhecimento (igualdade), acreditamos que um novo

horizonte de possibilidades se abrirá para ambas; e elas, bem como a humanidade em

geral, terão muito a ganhar.

NOTAS

1. Aristóteles, ao falar sobre Heródoto, já dizia que a diferença entre a História e a Literatura é que, enquanto a primeira narra acontecimentos, a segunda narra fatos que podiam acontecer. O que demonstra que esta tensão entre História e Literatura não é recente. Ela nos acompanha há data.

2. Interpretação formulada a partir de sua obra "Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura.", citada na bibliografia.

3. Em sua obra História e História Cultural, 2004, ela faz uma relação de teóricos que ao

levantar questões sobre a história e sua escrita contribuíram para uma reflexão da mesma (da História sobre si mesma) e, entre eles está Hayden White.

4. O conceito de representação aqui utilizado é o de Chartier, segundo o qual esta é a forma que o indivíduo ou grupo interioriza e se utiliza de determinados elementos.

5. Reificando no sentido de (re)encontrar novos objetos, fontes, métodos; lançar novos

olhares para o mundo do qual fazem parte; perguntar-se sobre seu papel no mundo e na realidade emergentes.

6. Ele responde a White em vários momentos e obras. Aqui tomamos como exemplo algumas entrevistas e algumas de suas principais obras sobre o tema - conferir na bibliografia.

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7. Fazimento é trazido aqui como os procedimentos que o historiador deve seguir desde os primeiros passos de sua pesquisa até a finalização da mesma e a transcrição desta em texto.

8. O terceiro tempo é o tempo construído pelo historiador, segundo Ricouer. Ele resulta da vontade do historiador em reconstruir o passado para cumprir seu pacto de verdade com O leitor, ou seja, um tempo que não está no passado do acontecido nem no presente da escrita.

9. De acordo com Sandra Pesavento (2004), cerca de 80% da produção historiográfica do Brasil são nos campos da história Cultural.

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BIBLIOGRAFIA

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