intervalo lirico
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Livro do poeta Linaldo GuedesTRANSCRIPT
INTERVALO LÍRICO
Um
“Ao golpe da onda contra a pedra indócil
estala a claridade e estabelece sua rosa
e o círculo do mar se reduz a um cacho
a uma só gota de sal que tomba”
Pablo Neruda
Pintura
teus traços singulares
pluralizam-se
no ocaso noturno do inverno
tua pele
à distância
tem o cheiro do entardecer em jacumã
teus traços singulares
protegem o verbo e o verso
do solitário poeta plural.
Armadilha
ainda tive tempo
de fingir indiferença
aos teus olhares
tive tempo
mas não arrisquei
fugir ao círculo de fogo
que teus olhos desenhavam no calendário.
Pássaro
um sexo
espreguiça-se dentro do jeans
quer a liberdade
para ser aprisionado
por tuas mãos frágeis.
Notas dissonantes
ela me escreveu
que estava numa banda de rock
desde então,
meu coração passou a arranhar
notas numa guitarra imaginária.
Boato
dizem
que a saudade
repousa inquieta
no ombro esquerdo
da lua apática.
Perfume
entre
serras
cercas
e cenas mudas
repousa
o hálito
barroco
de teu corpo.
Abismo
você foge de mim
(não
como o diabo da cruz)
- enquanto
cultiva pétalas de ferrugem na alma.
Neblina
noite
tempo exato
para renovar a solidão
(e você,
que continua secando seus desejos no sertão!).
Tédio
na lua
criou-se
uma teia
de aranha
a culpa foi sua
que não quis esperar pelo amanhecer.
Bagaço
vi
tua lágrima
sendo moída nos engenhos
mas não consegui matar minha sede
nem esconder minha ressaca.
Feliz ano novo
teus seios
brilham no ocaso
vermelho
que invade
o ano virgem.
Black-out
e o farol
mostrou-se
mais apagado
do que teus olhos desconfiados
(feito a memória de um espelho espatifado).
Naufrágio
um barquinho
a escuridão
a lua como testemunha
a dor
fazendo versos
nos caracóis de teu sexo
um barquinho
sem luz
naufragando uma virgindade-baby.
Último desejo
quis escrever um poema
nos seios de seu corpo
cigano
você preferiu viver
um poema conjugal
com minha pele de anjo mau.
Quarto 129
a noite veio oculta
na neblina entediante do brejo
sua beleza foi despida
sem a violência dos bêbados famintos
na neblina
do brejo
a noiva abriu as pernas
para o eros esfomeado
e o mundo trancou-se solitário
num quarto frio de hotel.
DOIS
“ (...) não temo o que virá,
pois, venha o que vier, nunca será
maior do que minha alma”.
Fernando Pessoa
Casamento
um tempo está brotando...
é um tempo que abandona
as avenidas de cajazeiras
é um tempo que violenta
a ampulheta
um tempo está mastigando
(minhas raízes)
é um tempo que não se acomoda
na brisa do litoral
é um tempo que só fabrica
calendários bissextos
(um tempo circula meu dedo
e se abre para a escuridão).
Nuvem
uma nuvem dorme
em teu corpo nu
uma luz brilha
em teu sorriso azul
uma novem cobre
teu corpo tristonho
uma vida dorme
em teu sono sem sonho
uma nuvem acaricia
tua pele de onça
uma mão violenta
teu sexo (criança)
(uma nuvem observa meu corpo solitário).
Fúria
sugo
a saliva
de teu sexo
como quem sangra
na chuva
como quem chora
no cio.
Colcha de retalhos
construo sonhos
na maciez apática
de sua pele:
febre erótica
que invade meu ser
e monta a realidade flácida da vida.
Artifício
as flores artificiais,
na mesa
o filtro sem água,
na pia
a geladeira sem carne,
na sala
nós dois na cama:
artifícios filtrados em carnes conjugais.
Á beira-mar
quando teus lábios secarem
eu morrerei de sede
afogado em minha própria saliva
umedecida e sedenta
pelo beijo cansado
que sai de tua boca miúda
quando teus lábios secarem
no saara
já não existirá tanta sede
comparado ao desejo deserto
que arde em minha boca.
Reza
já implorei
a todos os deuses inexistentes
a eternidade
do cheiro de cio
que sai de tuas pernas.
Brilho
teus olhos
são faíscas ambulantes
que exorcizam
os desejos do pó
(a que fui reduzido).
Teu sexo
V
I
S
Ã
O
triangular
do ponto mais
aciden
tal do
pra
zer
.
Hipótese
e se eu te amasse
como um pássaro
ama a gaiola que o prende?
Literatura
eu, cheio de tese
ela, de tesão
eu, discutindo a matemática concreta
da abstrata poesia
ela, apenas me amando.
Desafinado
ela, Djavan
eu, chico Buarque
ela, sempre (a) manhã
eu, a tarde que arde.
Matinê
ela, Casablanca
eu, ... e o vento levou
ela, vôo sem despedida
eu, terra dividida.
Lira dos anos
eu, sempre em drummond
ela, pablo neruda
eu, corpo em amor natural
ela, uma canção desesperada.
Romance
eu, o nome da rosa
ela, dom casmurro
eu, mistérios medievais
ela, olhar de capitu.
Carrossel de silêncio
meu filho fala sozinho
no meio das crianças
brinca com ninguém
finge-se de gato
imita o cachorro
au
au
au
autista
(e o mundo finge que ele não existe).
Mergulho
nosso amor
está cercado de águas:
água verde
água azul
água fria
- para quem não sabe nadar
é um prato cheio!
Rascunho
desenhei teu corpo
num papel em branco
- saiu imperfeito:
o desenho não tinha
o pecado religioso
de tuas curvas proibidas.
Sagitário
mais um novembro
a comemorar bodas
de amor
e reticências
(em louvor de que?).
Consumo
o free
se consumindo
no cinzeiro
feito nosso amor
(nunca por inteiro).
Santíssima trindade
pai, filho e mãe do espírito insano
proteja as dores e liberte a vida.
TRÊS
“o amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença”.
Carlos Drummond de Andrade
Stress
cansei de ser romântico
(agora)
quero ser humano!
Separação
agora que já foi
procuro o que ficou
o último olhar de ira
o vazio da despedida
teu carinho que hoje é só poesia
(e carência).
A flor e o espinho
o amor
o amor
- todos os caminhos
levam à dor
quando teu cheiro sobra
ou o prazer vai embora
é do amor que falamos
é a dor que escondemos
num caso
falta o pedaço necessário
para se chegar ao paraíso
em outro
sobra o dicionário
para tentar explicar o sumiço da flor.
Intervalo
baby,
quando a
onda do mar
bate em nossa
porta gritando o pedaço
que falta para a sorte do nosso amor
é porque a dor já arde em nossas ilusões
(e
quei
ma
a
que
la
car
ta
ras
ga
da)
baby, quando a onda do mar traz o
sal da vida em suas mágoas é porque
nenhuma
música melodia
o duelo
desafinado
dos adultos.
A carta
há quanto tempo não lhe faço um poema, baby
será que cansamos de nós mesmos
e esquecemos de olhar para o farol?
será que não lemos mais juntos a alma de pessoa,
e nem suportamos mais nossos ombros poéticos em drummond?
que fizemos de nossos sorrisos:
guardamo-los em gavetas invioláveis
enferrujadas pelas frustrações da vida?
há quanto tempo, baby, não pronuncio seu nome
será que faltam palavras para dizer
o que nunca cansou de se afirmar
em meu coração?
há quanto tempo não faço amor com você, baby
será que nossos corpos tornaram-se
esfinges egípcias?
há quanto tempo, baby, que perdi a noção
do tempo
e tudo em volta tornou-se uma monótona
e enorme ampulheta?
há quanto tempo, baby
que não olho o relógio
temendo confundir a hora de chegar em casa
quando já não se tem mais casa
há quanto tempo
que tudo é rotina angustiante
que tudo é ausência
e nem a literatura salva
há quanto tempo, baby
há quanto tempo, baby
há quanto tempo, baby...
Regresso
aqui estou:
malas desfeitas
ilusões refeitas
você sorri amarelo
e eu confundo cores
(daltônico que procura
a gênesis da lírica amorosa
nos alfarrábios bíblicos de sua alma).
Rubi
meu pequeno rubi
acordas ao meu lado
e percebes:
a noite
não é bijouteria
e nosso amor
não pode ser encontrado
numa caixa de penhor.
Espera
na hora do ato
o tempo
se faz hiato
e fica dormindo
embaixo do travesseiro.
Diálogo erótico
tuas pernas
já se abrem mais flexíveis
enlaçam meus ossos
numa chave de desejos
em abertura para o falo
silencioso.
3 movimentos para 1 só ato
1. por trás
tuas nádegas
nada dizem
apenas
escondem minha glande
por sob sua grande
angular
2. pela frente
o vinho
molha os lábios
já ensopados
é hora de beber o amor
3. por cima
enquanto suspiro cansado
num
vai
e vem
em frenesi
você respira deitada
com um estranho
sorriso ácido no olhar.
Fábula
é durante
o encanto
que a dor existe
e
(só)
depois da dor
que o amor fica.
Ciclo
não é só querer você por todos os janeiros
cultivando mitos
folha
a
folha
em seu pomar de atritos
não é só buscar fevereiro
definindo ritmos
passo a passo
na alegoria: triste arlequim
não, não é só procurar águas em março
submergindo
mares e rios
na felicidade de um naufrá (cio)
muito menos abrir portas
destravar cadeados
chave a chave
no quarto mês de nossa prisão
sei que é um pouco mais
um pouco maio
um pouco mouros perdidos na primavera
sei que quero junho
quero junto
que jung
nada de freud
a explicação minha devoção junina
(silêncio em julho)
melhor sorrir a ausência de sorrisos
melhor contar um segredo a juliana
não estou bem certo é se rejeitaria
a sina de imperador
: agosto
ao gosto agostinista
rituais nada agnósticos
- agnus dei
dai-me um cântico para não rezar
sei que sinto o bafo de vulcões
em setembro
a sete léguas de distância
do meu próprio império
como se fora sete pastores em busca
de sete línguas e duas irmãs
outro mês já se inicia, sim
já já anuncio outubro
outrora buscava ruínas
hoje cavo minas
para suar poemas que não vão lhe conquistar
novenas de meus encantos
novembro e seus prantos
novelos que se enroscam
metonímias da minha linguagem
não quero só a parte que me cabe no seu todo
(dezembro é o ano inteiro
onde cabem todos os janeiros de mim em mim).
FICHA TÉCNICA
Intervalo Lírico
Copyright @ 2005, by Linaldo Guedes
Editor
Juca Pontes
Projeto gráfico
Milton Nóbrega
Direção de Arte
Syllas Mariz
Editoração eletrônica
Martinho Sampaio
Aparecida Pereira
Revisão
Martinho Moreira Franco
Supervisão
Luís Sérgio Baptista
Projeto editorial
Forma Editorial
Produção
Dinâmica Editora
Acabamento e impressão
Gráfica JB
Prefácio
Delmo Montenegro
O livro “Intervalo Lírico” integrou a Coleção Tamarindo e pode
ser adquirido na internet no seguinte endereço:
http://www.estantevirtual.com.br/qau/Linaldo%20Guedes