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8 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico analisará de que forma a conciliação judicial materializa uma alternativa eficaz e viável de solução de conflitos, quando estimulada previamente à instrução processual plena, entendida aqui como o estabelecimento do contraditório e, não, como produção de provas. Para tanto, será necessário abordar de que maneira o movimento conciliatório, empreendido recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça, com destaque na Justiça Federal de 1ª e 2ª instâncias (incluídos os Juizados Especiais Federais) devido à natureza dos litígios de competência federal, surge como tentativa à garantia da efetividade da prestação jurisdicional. A conciliação é defendida como a forma mais eficiente de solução de controvérsias, principalmente dado o fracasso da arbitragem no Brasil, e o caminho para a ampliação do acesso à Justiça e para a democratização do processo em contraposição à Justiça tradicional em que o magistrado, após análise da demanda, impõe a solução que tem por certa. O problema da efetividade do processo e do acesso à Justiça é objeto constante de estudos, com recorrência, sempre, às denominadas “ondas renovatórias” do direito processual, especificamente à “terceira onda” que alude aos meios alternativos de solução de controvérsias, através da mediação e da conciliação, em busca do resultado aguardado pelas partes. O presente estudo pretende, portanto, desenvolver, de forma teórica, como a conciliação judicial pode e deve ser estimulada previamente ao estabelecimento do contraditório, isto é, antes da instauração efetiva da lide, funcionando o juiz como terceiro imparcial, porém participativo, tudo com o objetivo de não só reduzir o número de demandas, que poderiam, num só momento, ser deslindadas, evitando mesmo o litígio, como também defender a viabilidade da eficácia do processo conciliatório.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico analisará de que forma a conciliação judicial

materializa uma alternativa eficaz e viável de solução de conflitos, quando

estimulada previamente à instrução processual plena, entendida aqui como o

estabelecimento do contraditório e, não, como produção de provas.

Para tanto, será necessário abordar de que maneira o movimento

conciliatório, empreendido recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça, com

destaque na Justiça Federal de 1ª e 2ª instâncias (incluídos os Juizados Especiais

Federais) devido à natureza dos litígios de competência federal, surge como

tentativa à garantia da efetividade da prestação jurisdicional.

A conciliação é defendida como a forma mais eficiente de solução de

controvérsias, principalmente dado o fracasso da arbitragem no Brasil, e o caminho

para a ampliação do acesso à Justiça e para a democratização do processo em

contraposição à Justiça tradicional em que o magistrado, após análise da demanda,

impõe a solução que tem por certa.

O problema da efetividade do processo e do acesso à Justiça é objeto

constante de estudos, com recorrência, sempre, às denominadas “ondas

renovatórias” do direito processual, especificamente à “terceira onda” que alude aos

meios alternativos de solução de controvérsias, através da mediação e da

conciliação, em busca do resultado aguardado pelas partes.

O presente estudo pretende, portanto, desenvolver, de forma teórica, como a

conciliação judicial pode e deve ser estimulada previamente ao estabelecimento do

contraditório, isto é, antes da instauração efetiva da lide, funcionando o juiz como

terceiro imparcial, porém participativo, tudo com o objetivo de não só reduzir o

número de demandas, que poderiam, num só momento, ser deslindadas, evitando

mesmo o litígio, como também defender a viabilidade da eficácia do processo

conciliatório.

9

Ressalte-se o problema da denominada Escola da Efetividade, que, não raro,

mais se preocupa com a redução do número de processos (quantidade) do que com

a qualidade da prestação jurisdicional.

Frise-se que a conciliação tem de ser vista, aqui, como um método

legitimador da atuação do Judiciário e, não, como solução única para o

congestionamento de causas e para a administração da Justiça.

O objetivo geral deste estudo é, pois, discutir e analisar como se tem

empreendido a conciliação judicial como forma de resolução de conflitos ou como

tutela diferenciada1, apta a trazer efetividade (jurídica e social) ao processo antes

mesmo da efetiva instauração do litígio.

Em vista disso, serão desenvolvidos os temas organizados em três capítulos.

No Capítulo I (Da Justiça tradicional à Justiça consensual), cuidar-se-á de

como o Estado assumiu para si o monopólio jurisdicional, reprimindo soluções

privadas, contrapondo a Justiça tradicional, calcada na imposição de uma solução

pelo juiz, à Justiça consensual ou coexistencial, como meio de acesso à Justiça e

democratização do processo.

No Capítulo II (Meios alternativos de solução de controvérsias), será

desenvolvido um estudo acerca dos meios alternativos de solução de controvérsias,

tratando das características da mediação, conciliação e arbitragem e suas

diferenças; das políticas públicas empreendidas (Movimento Nacional pela

Conciliação); de projetos de lei no sentido de institucionalizar a Justiça consensual.

Discutir-se-á, ainda, se os meios alternativos constituem alternativa ao Estado ou ao

processo tradicional.

No Capítulo III (Conciliação judicial e seu momento), por fim, terão ênfase

a conciliação judicial e o momento adequado para ser levada a efeito com maior

possibilidade de êxito, assim como a normatização da conciliação nos

1 GRECO, Leonardo. “O acesso ao direito e à justiça” in Estudos de direito processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 215.

10

procedimentos cível, penal e trabalhista. A audiência preliminar e as questões

processuais que envolve (necessidade ou dispensa de advogado e condução da

audiência por juiz ou conciliador) serão estudadas de forma a demonstrar a

relevância da conciliação como mecanismo de solução de conflitos.

O trabalho avançará no sentido de encontrar uma resposta teórica não-

exaustiva para a necessidade surgida, no âmbito do Poder Judiciário, no que se

refere ao estímulo aos movimentos conciliatórios e como podem estes compreender

a fase primeira do processo, antes mesmo do estabelecimento da contrariedade.

A crise enfrentada pelo Judiciário brasileiro, notadamente em razão da

multiplicação de demandas sem prontas soluções, indo de encontro à celeridade

preconizada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, contribui para o advento de

movimentos conciliatórios, visando a reduzir o desgaste de legitimidade do Estado e

afastar as barreiras enfrentadas pelas partes envolvidas.

Leis como a dos Juizados Especiais (Leis n° 9.099/95 e n° 10.259/2001) e o

próprio Código de Processo Civil são exemplos através dos quais o legislador

buscou o incentivo à conciliação. O Judiciário trabalhista, nascido como conciliação

administrativa, guarda, também, a primazia da conciliação sobre o contraditório.

Mas como tornar concreta a efetividade do e no processo, mantida a

qualidade da prestação jurisdicional, através da conciliação? E por que não

representar a etapa primeira, precedendo à análise larga do mérito da demanda?

Tal discussão que, embora não seja recente, mas ressoante, tem destaque

em épocas de crise de administração da Justiça, com o abarrotamento de processos

e a dificuldade na entrega (com qualidade) da prestação jurisdicional.

Ocorre que a efetividade do processo tem sido largamente difundida, senão,

de forma equivocada. Querer que o processo seja efetivo é querer que desempenhe

com eficiência, ou seja, com qualidade, o papel que lhe compete no ordenamento

jurídico. Mais precisamente, segundo Chiovenda, “o processo deve dar, quando for

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possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que

ele tenha direito de conseguir”2.

De outro lado, será socialmente efetivo o processo capaz de veicular as

aspirações da sociedade, permitindo-lhes a satisfação por meio de justiça, bem

como o processo que garanta igualdade de armas, com equilíbrio, quando da

persecução judicial de direitos.

Enfim, a conciliação judicial prévia ao estabelecimento do contraditório

apresenta-se como forma adequada para a obtenção do êxito esperado por quem

ingressa com a ação e por quem nela é demandado, porquanto, nesse momento,

não há que se falar, ainda, em litígio por ausência da resposta do réu, criando uma

ambiência necessária ao acordo.

Ressalte-se que o estudo busca analisar apenas a conciliação judicial,

escapando ao seu objeto a conciliação prévia extrajudicial.

O presente trabalho será apresentado como pesquisa descritiva e explicativa,

através do estudo sistemático do material teórico disponível.

Para a pesquisa bibliográfica e documental, serão utilizados projeto de lei,

legislação pertinente, livros de doutrina, artigos de revista e consulta a sites, sendo

os dados coletados de livrarias, bibliotecas e internet.

2 In “Instituições de Direito Processual Civil”, Bookseller, Campinas, 1998, vol. I, p. 67.

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CAPÍTULO I – DA JUSTIÇA TRADICIONAL À JUSTIÇA CONSENSUAL

Analisando os meios utilizados para solucionar conflitos, encontramos a

autotutela ou autodefesa, modalidade de solução da lide, que se manifestou em

tempos primórdios e perdura socialmente, legitimada ou não pelo Estado,

consistente em pôr fim ao conflito mediante o uso da força. A autotutela não

garantia, pois, justiça na solução do conflito, mas a imposição da decisão por uma

das partes a outra.

Surgiu, também, a autocomposição, agora como forma de solução pacífica e

consensual para o conflito. Pode-se perceber que nenhuma modalidade de solução

de conflitos contava, ainda, com a presença de terceiros desinteressados. Eram as

próprias partes que chegavam, por seus meios, amigáveis ou não, à composição da

lide.

Sentiu-se, pois, a necessidade de buscar resposta aos problemas através de

um terceiro, eleito pelas partes, normalmente escolhidos entre pessoas respeitadas

na coletividade.

Aparece, por fim, o Estado, como organização político-jurídica da sociedade,

que toma para si o monopólio da função destinada à solução das lides: a jurisdição.

Com sua moderna configuração, o Estado toma para si a tarefa de solucionar

os conflitos que advêm do agrupamento social, desempenhando o papel a partir da

aplicação da lei aos casos concretos que lhe eram submetidos. Foi o momento em

que se passou, pois, de uma Justiça privada para uma Justiça pública.

A jurisdição nada mais é do que uma função do Estado, que se coloca ao lado

de outras (legislativa e executiva), para a realização dos fins a que se destina. Ora

se destaca o seu caráter substitutivo da vontade das partes, ora o papel de revelar a

vontade concreta da lei, procedendo à justa composição do litígio. A pacificação é

realizada mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso levado

a juízo para ser solucionado. É função estatal que pacifica, mas que exerce uma

tutela do próprio ordenamento jurídico.

13

Note-se que a função jurisdicional não se limita a ditar a regra estabelecida

pelo Direito para o caso concreto, realizando, também, a regra sancionadora (tutela

executiva) e, ainda, em situações de risco de ineficácia do provimento final, poderá

prestar a tutela de urgência, materializada de diversas formas (medida cautelar,

antecipação de tutela, medida liminar).

Exercendo a jurisdição, o Estado substitui a vontade das partes, ou seja,

substitui a atividade das partes por uma atividade sua. A jurisdição tem como

premissa de agir uma alegada violação do direito, sendo chamada a atuar para fazer

valer, no caso concreto, o direito vulnerado. A atuação da função jurisdicional

pressupõe, pois, a existência de um caso concreto, uma lide à espera de solução,

haja vista que o Poder Judiciário não é órgão de consulta3.

Lembre-se de que a função jurisdicional tem de ser provocada (inércia inicial),

não sendo atribuição de juízes sair à busca de lides para resolver. Faz-se

necessária, pois, a iniciativa da parte. A inércia, ressalte-se, é inicial; assim, exercido

o poder de ação e, portanto, quebrada a inércia da jurisdição, o processo

desenvolve-se por impulso oficial.

Outro elemento essencial à função jurisdicional é a característica de

imparcialidade de que deve se revestir o juiz, demonstrando seu desinteresse

pessoal na lide. Todavia, esse elemento subjetivo não se confunde com passividade

ou neutralidade. O juiz deve ser imparcial no que toca ao conteúdo da controvérsia

e, não, quanto à relação processual.

Elemento fundamental componente da função jurisdicional é a bilateralidade

da audiência ou contraditório. De um lado, há a necessidade de informação da parte

sobre a existência da ação e de todos os atos do processo; de outro, a possibilidade

de reação das partes contra aqueles atos que lhe sejam desfavoráveis.

3 Quanto à jurisdição voluntária, à primeira vista, poderia parecer não ser jurisdição propriamente dita, por inexistir choque de pretensão, tratando, sim, de administração pública de interesses privados. Ocorre que não se pode relegar somente à jurisdição contenciosa uma situação conflituosa, que reclama a solução do Judiciário.

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Por fim, a coisa julgada revela-se, também, como característica da jurisdição,

configurando uma qualidade que a sentença possui de, num dado momento, tornar-

se imutável para dentro do processo em que foi proferida (coisa julgada formal) e

para fora do processo (coisa julgada material), porquanto incabível recurso4.

O Estado moderno impõe a sua própria atuação como o único meio

institucionalmente destinado a fazer valer a vontade concreta do direito objetivo, com

vistas a pôr fim às controvérsias e a promover a pacificação social.

Jurisdição5, na visão de Ada Pellegrini, Araújo Cintra e Cândido Dinamarco,

representa uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos

titulares dos interesses em conflito para, de forma imparcial, buscar a pacificação do

litígio. Como poder, é a manifestação do poder estatal, com capacidade para impor

decisões. Como função, expressa o ônus de promover a pacificação dos conflitos

através do direito e do processo. Como atividade, é o complexo de atos do juiz no

decorrer do processo. Hoje, a perspectiva da jurisdição é a busca da legitimidade do

seu sistema através da utilidade que o processo e o exercício da função jurisdicional

possam oferecer aos destinatários.

A Justiça tradicional, com a imposição de uma solução tida por certa pelo juiz,

abriu espaço para a Justiça negociada, coexistencial, como denomina Cappelletti6,

segundo a qual as partes discutem os pontos divergentes a fim de chegar a um

acordo de forma conciliada.

A Justiça consensual contribuiu para a ampliação do acesso à justiça e para a

democratização do processo, já que os conflitos passaram a ser discutidos e

negociados pelas partes sob a fiscalização e respaldo do Estado.

Ada Pellegrini assim escreve sobre a Justiça tradicional e a Justiça

consensual, demonstrando a vantagem da Justiça conciliada:

4 Ressalve-se a ação rescisória que não é recurso. 5 O conceito de jurisdição foi obtido do livro “Teoria Geral do Processo”, de Antonio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (19 edição – página 131). 6 CAPPELLETTI, Mauro. “Os Métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça” in Revista de Processo n° 74. p. 88.

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Todavia, a Justiça conciliativa não atende apenas a reclamos de

funcionalidade e eficiência do aparelho jurisdicional. E, na verdade, parece impróprio falar-se em racionalização da Justiça, pela diminuição da sobrecarga dos tribunais, se o que se pretende, através dos equivalentes jurisdicionais, é também e primordialmente levar à solução controvérsias que até agora não chegavam sequer a ser apreciadas pela Justiça tradicional.

Assim como a jurisdição não tem apenas escopo jurídico (o de atuação do direito objetivo), mas também escopo social (como a pacificação) e político (como a participação), assim também diversos fundamentos podem ser vistos na adoção das vias conciliativas, alternativas ao processo: até porque a conciliação (...) se insere no plano da política judiciária e pode ser enquadrada numa acepção mais ampla de jurisdição, vista numa perspectiva funcional e teleológica.

Releva, assim, o fundamento social da conciliação, consistente na sua função de pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o caso concreto; que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra ela costuma insugir-se com todos os meios na execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela da lide levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual aquela emergiu, como simples ponta do iceberg. Por isso mesmo, foi salientado que a Justiça tradicional se volta para o passado, enquanto a Justiça informal se dirige ao futuro. A primeira julga e sentencia; a segunda compõe, concilia, previne situações de tensões e rupturas, exatamente onde a coexistência é um relevante elemento valorativo7.

1 – A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO

Os conceitos inerentes ao direito processual eram limitados, apresentando um

sincretismo jurídico, calcado na confusão entre os campos substancial e processual,

com o qual o século XIX rompeu. A autonomia não só da ação, mas também dos

institutos processuais configurava pensamento revolucionário à luz da mentalidade

que antes vigorava. Tratou-se, no entanto, da ambiência necessária à renovação

dos estudos do direito processual, dotado, agora, de objeto e método próprios.

Chegou-se, então, à denominada metodologia da instrumentalidade. O

processualista, sensível aos problemas jurídicos, sociais e políticos de seu tempo,

interessou-se em obter soluções adequadas por meio de conceitos inerentes à sua

ciência.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco8:

7 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual de acordo com a Constituição de 1988. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1990. p. 221. 8 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1999. pp. 23-24.

16

É a instrumentalidade o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, sendo consciente ou inconsciente tomada como premissa pelos que defendem o alargamento da via de acesso ao Judiciário e eliminação das diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos sujeitos, nos estudos e propostas pela inafastabilidade do controle jurisdicional e efetividade do processo, nas preocupações pela garantia da ampla defesa no processo criminal ou pela igualdade e qualquer processo, no aumento da participação do juiz na instrução da causa e da sua liberdade na apreciação do resultado da instrução. A visão instrumental que está no espírito do processualista moderno transparece também, de modo bastante visível, nas preocupações do legislador brasileiro da atualidade, como se vê na Lei dos Juizados Especiais, na Lei da Ação Civil Pública, no Código de Defesa do Consumidor e no Código de Defesa da Criança e do Adolescente (medidas destinadas à efetividade do processo). É indispensável que também o intérprete fique imbuído desse novo método de pensamento e sejam capazes de dar ao seu instrumento de trabalho a dimensão que os tempos exigem.

O Estado contemporâneo tende a ser Estado de Direito, em que a legalidade

e a abertura do Poder Judiciário guardam valores e garantias abrigados pela

Constituição. Por essa razão, o processo, de cunho social e legalista, há de

assegurar a legalidade processual e os meios indispensáveis à promoção de

igualdade e liberdade.

A forma de interpretar as garantias constitucionais da igualdade,

inafastabilidade do controle jurisdicional, ampla defesa e contraditório, devido

processo legal – todos destinados à efetividade do processo à luz da ordem

constitucional e legal – conduz a um processo acessível a todos, mais ágil,

simplificado, aberto à participação efetiva dos sujeitos interessados e contando com

a instrução do juiz.

A Lei dos Juizados Especiais, por exemplo, instituiu novo processo, não mero

procedimento novo, apresentando um conjunto de idéias que constitui resposta

adequada às exigências contidas nos princípios processuais constitucionais

(celeridade, acessibilidade, simplificação, concentração, grau elevado de

participação das partes e do juiz).

No contexto da sensibilidade do sistema processual frente às mutações na

ordem constitucional, situam-se as “ondas renovatórias do processo”. A

constitucionalização do processo enfrentou, pois, barreiras diante daqueles que o

consideravam mero instrumento técnico e aos olhos de quem considerava o direito

processual, ciência neutra.

17

Na Lei dos Juizados Especiais, por exemplo, há a recomendação ao juiz para

que participe da instrução e dê aos textos legais interpretação capaz de fazer justiça

no caso concreto. Trata-se, pois, da postura instrumentalista esperada dos

magistrados.

Ademais, a natureza instrumental do processo impõe a conotação de

instrumentalidade do Estado (caráter público) para a realização de uma atividade

puramente estatal e pública: a jurisdição. A instrumentalidade do processo à ordem

político-constitucional é tão íntima que o desvio das diretrizes processuais

asseguradas constitucionalmente constitui risco à violação de regras insertas na

própria Constituição.

Ocorre que é pouco ao conhecimento do processo a afirmação de que ele é

um instrumento, se não acompanhada da indicação dos objetivos a serem

alcançados mediante o seu emprego. Afinal, todo instrumento é um meio e, como

tal, destinado a um fim.

Na visão estritamente jurídica do fenômeno político “jurisdição”, o escopo do

processo era a tutela de direitos. Com o reconhecimento da autonomia da ação e

independência científica e conceitual do direito processual, só se tutela o direito

subjetivo material quando existente, e a tutela de direitos não é o escopo

institucionalizado da jurisdição nem do sistema processual.

Isso porque a jurisdição tem inegáveis implicações com a vida social, tanto

que o reconhecimento de sua utilidade pelos membros da sociedade a legitima. Por

outro lado, sendo ela uma expressão do poder estatal, tem implicações também com

a estrutura política do Estado.

O direito processual há de estar atento à indispensável interação entre o

social, o político e o jurídico. Há de estar informado dos conceitos que outras

ciências lhe emprestam, ter sensibilidade para as deficiências do processo e

disposição para o seu aprimoramento.

18

2 – A PROBLEMÁTICA DA EFETIVIDADE DO PROCESSO

O raciocínio instrumental conduz à idéia de efetividade do processo,

entendida como a capacidade de exaurir os objetivos que o legitimam no contexto

jurídico-social e político. O empenho em operacionalizar o sistema, buscando dele

extrair todo proveito que ele seja apto a proporcionar é a tônica no tema da

instrumentalidade do processo.

A instrumentalidade apresenta-se sob dois aspectos: negativo e positivo.

Negativo, para que não deixe de ser instrumento do direito material; positivo, para

que, como instrumento a serviço de vários objetivos, seja apto a realizá-los.

Não se trata de renunciar à autonomia do direito processual e muito menos

aos princípios de nível processual constitucional. É que a autonomia do processo

não deve implicar seu isolamento.

A força das tendências metodológicas do direito processual civil dirige-se com

grande intensidade para a efetividade do processo, segundo a qual o processo deve

ser capaz de cumprir a sua função sócio-política-jurídica.

A efetividade do processo revela a sonhada aptidão para eliminar

insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como canal de

participação dos indivíduos nos destinos da sociedade, assegurando-se-lhes a

liberdade. É preciso, pois, um novo método de pensamento também para não

desgastar a legitimidade do sistema.

Na mentalidade dos juízes, é preciso que esteja presente o empenho pelo

efetivo comando do processo, com a preocupação pelo compromisso com a justiça.

O tema da efetividade é, em verdade, muito complexo.

19

Cândido Dinamarco9 indica quatro aspectos fundamentais acerca da

problemática da efetividade do processo: admissão em juízo, modo-de-ser do

processo, justiça das decisões, e a efetividade dessa mesmas decisões.

A universalidade da tutela jurisdicional revela as limitações ao ingresso à

justiça, limitações que são, cumulativamente, jurídicas e de fato. Para a sociedade,

tais óbices impedem a realização de práticas pacificadoras; para o Estado, é fator de

desgaste de sua própria legitimidade.

As causas dessas limitações situam-se no campo econômico (pobreza e

custos do processo), no psicossocial (desinformação e descrença) e no jurídico

(legitimidade ativa individual). Trata-se, pois, de alguns obstáculos à efetividade

(social) do processo.

Tentativa de superação desses obstáculos, com propostas realistas, existe na

Lei dos Juizados Especiais, mediante a gratuidade de justiça no primeiro grau (art.

54, Lei n° 9.099/95), assistência judiciária a ser implantada junto a cada Juizado (art.

56, Lei n° 9.099/95), dispensa de patrocínio técnico (ius postulandi) e abreviação dos

procedimentos.

Causa jurídica de estreitamento da via de acesso à justiça é a disciplina da

legitimatio ad causam ativa, que teve avanço com a instituição da ação popular, do

mandado de segurança coletivo e de outras ações em que se confere legitimidade

ao Ministério Público e a outras entidades, inclusive a associações qualificadas.

Inegavelmente, a descrença na justiça afasta as pessoas do Poder Judiciário

e leva-as a buscar soluções alternativas para seus conflitos. São os chamados

sucedâneos da jurisdição.

A de maior uso e real utilidade é a autocomposição. O Código de Processo

Civil a prestigia através da conciliação no início das audiências, e a qualquer tempo,

conforme determinou a reforma empreendida pela Lei n° 8.952/94 (art. 125, IV, CPC

9 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 7 ed. São Paulo: Malhieros, 1999.

20

e a introdução da audiência preliminar no art. 331). A conciliação recebe especial

destaque na Lei dos Juizados Especiais, já que é proposta como dever fundamental

ao juiz, dando-lhe ênfase logo no início do processo.

O poder de pacificação é bastante grande na conciliação, pois encontra o

ponto de equilíbrio aceito para os termos de dois interesses conflitantes. Ademais,

chamando para o seu âmbito os pólos conciliadores e oferecendo-se como canal de

desafogo da litigiosidade contida, o Poder Judiciário ganha pontos em sua

legitimidade e com isso contribui para a ampliação do caminho de acesso à justiça.

Lembre-se de que não basta viabilizar o acesso ao processo: é necessário

oferecer um processo sensível às aspirações dos sujeitos litigantes, viabilizando o

acesso à ordem jurídica justa. Só assim se estará falando do devido processo legal

em seu caráter substancial associado ao princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional.

Quanto ao modo-de-ser do processo, ressalte-se que processo efetivo não é

apenas o que rigorosamente atue a vontade concreta do direito, mas o que seja

capaz de cumprir bem os escopos do sistema, com compensação das deficiências.

O processo que chegue ao ideal de segurança jurídica com razoável celeridade,

eliminando o conflito, é socialmente legítimo.

O contraditório deve assegurar às partes habilidade e grau tolerável de

malícia estratégica no processo. O grau de participação de todos constitui fator de

aprimoramento da qualidade do produto final, ou seja, fator de efetividade jurídica. A

celeridade, por sua vez, é fator de maior efetividade nos campos social e político,

mas também, hoje, no campo jurídico-administrativo.

No curso do processo, cabe ao juiz influir sobre o andamento e

endereçamento do litígio, sem comprometer sua imparcialidade, mas deixando

tradicional figura do juiz passivo. No entanto, imparcialidade não significa

insensibilidade. Tentar a conciliação e aconselhar, com prudência judicial, os

litigantes poderia parecer fonte de envolvimentos indevidos.

21

Sobre possível envolvimento do juiz na causa:

Compete ao órgão judicial tentar conciliar as partes (art. 448, 1ª parte), perguntado-lhes se estão dispostas a resolver amigavelmente o litígio, propondo a uma a solução alvitrada pela outra, ou sugerindo, ele próprio, um ou mais de uma solução viável. É de extrema delicadeza o papel do juiz nesse momento: cabe-lhe envidar esforços no sentido da composição amigável da lide, abstendo-se, porém de fazer pressão sobre qualquer das partes para que aceite um acordo em termos a que não se mostra disposta a anuir. Deve o juiz, especialmente, evitar que transpareçam de sua intervenção indício de um prejulgamento da causa10.

O juiz, na conciliação, deixa de ser a figura passiva que aplica o direito ao caso concreto e deve exortar as partes para que cheguem a um acordo antes que se inicie a instrução da causa. Não deve, porém, o magistrado influenciar as partes com prognósticos de resultados favoráveis ou desfavoráveis, sob pena de comprometer sua imparcialidade no julgamento futuro se a conciliação não tiver sucesso. Mantendo, portanto, sua imparcialidade e sem se adiantar sobre o mérito da causa, o magistrado observa às partes o interesse de uma solução amigável e, conseqüentemente, mais rápida11.

Todavia, a conciliação, como atividade inicial das audiências, podendo, ainda,

ser estimulada a qualquer tempo, não vem retirando aos juízes a eqüidistância

esperada para o julgamento, sendo certo que, para a efetividade do processo, o

magistrado não pode dispensar de participar da prova e de todo o processo.

A idéia de conferir efetividade aos processos mediante a instituição de

procedimentos adequados e mais céleres tem exemplo no mandado de segurança,

com possibilidade, ainda, de concessão de liminar. Outro caso de destaque, reitere-

se, na efetividade buscada, é o procedimento da Lei dos Juizados Especiais, fiel aos

princípios processuais, que são redimensionados e interpretados segundo novas

exigências.

Quanto à justiça nas decisões, todo o empenho de extrair justiça das

atividades desenvolvidas no processo manifesta-se no art. 6° da Lei 9.099/95. Trata-

se de aperfeiçoamento das técnicas do processo e, não, de renúncia à jurisdição de

direito.

10 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 82. 11 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 2 vol. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 232-233.

22

Quanto à efetividade das decisões, o sistema deve ser capaz de produzir

decisões que propiciem a tutela mais ampla possível aos direitos reconhecidos.

23

CAPÍTULO II – OS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

1 – ACESSO À JUSTIÇA: A “TERCEIRA ONDA RENOVATÓRIA”

A expressão “acesso à justiça”, embora de difícil definição, contribui para

determinar as finalidades básicas do sistema jurídico pelo qual as pessoas podem

reivindicar seus direitos e resolver litígios sob o amparo do Estado. Sabe-se (e

espera-se que seja) que o sistema deve ser acessível a todos e que deve produzir

resultados individual e socialmente justos.

No entanto, a concepção de “acesso à justiça” precisou romper com o plano

meramente teórico para questionar a confiabilidade de nossas instituições jurídicas e

tornar efetivos os direitos dos cidadãos.

O direito ao acesso efetivo à justiça ganhou relevo na medida em que o

welfare state procurou armar os indivíduos de novos direitos, ditos coletivos, difusos

e sociais.

Cappelletti, em seu “Acesso à Justiça”, elencou as denominadas “três ondas

renovatórias”12 do direito processual. No entanto, a terceira onda, em especial, será

12 A primeira “onda” do movimento pelo acesso à justiça representa a garantia de assistência judiciária para os pobres. O auxílio de um advogado é essencial, senão indispensável, para decifrar leis complexas e procedimentos técnicos (art. 133, CRFB). Grande reforma na assistência judiciária deu-se na Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha, com o denominado sistema judicare. Trata-se de sistema mediante o qual a assistência judiciária é estabelecida como direito para as pessoas que se enquadrem nos termos da lei. Os advogados particulares são pagos pelo Estado. O objetivo do sistema é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar por um advogado. Ocorre que o sistema judicare passou a se tornar insuficiente e inadequado para transcender direitos meramente individuais. Houve a necessidade de reivindicar os interesses difusos dos pobres enquanto classe, assim como direitos relativos ao consumo e ao meio ambiente. Surgiu, então, a segunda “onda” do movimento, pronta a enfrentar o problema da representação dos interesses difusos. A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção de tais direitos, porquanto se limitava a um litígio entre duas partes. Uma vez, portanto, que nem todos os titulares de um direito difuso podem comparecer a juízo, por razões jurídicas e fáticas, houve a necessidade de um representante adequado para agir em benefício da coletividade. Adveio, também, a noção da amplitude e limites subjetivos da coisa julgada, com efeitos sobre aqueles não citados individualmente. Sobre tal representação, podemos mencionar os instrumentos da ação popular (Lei n° 4.717/65), que confere, constitucionalmente, legitimidade a qualquer cidadão para a sua propositura; e a ação civil pública (Lei n° 7.347/85), com legitimidade também ampla, para a sua deflagração.

24

objeto de análise por tratar do novo enfoque do acesso segundo os novos métodos

alternativos de solução de conflitos.

A terceira “onda” constitui-se no novo enfoque de acesso à justiça, mais

precisamente nos métodos alternativos de solução de conflitos, incluindo alterações

nas formas de procedimentos, na estrutura dos tribunais e criação de novos

tribunais, colaboração de leigos, modificações destinadas a evitar litígios ou a

facilitar a sua solução.

Enfim, o enfoque do acesso à justiça gera diversas implicações, exigindo

estudo e reforma de todo o aparelho judicial-administrativo.

A terceira “onda”, ao trazer os métodos alternativos de solução de

controvérsias, mais relação tem com o presente trabalho. A conciliação, como um

desses métodos, é extremamente útil para muitos tipos de demandas e partes,

principalmente quando se quer restaurar relacionamentos prolongados, em vez de

simplesmente julgar as partes vencedoras e vencidas. No entanto, ainda que a

conciliação se destine, também, à redução do congestionamento do Judiciário, deve

ser certificado que os resultados representam êxito, ou seja, legitimação da função

jurisdicional, e, não, apenas mais um remédio para os problemas da máquina.

Nas sociedades contemporâneas, fala-se em três dimensões do direito e da

justiça, quais sejam: constitucional, transnacional e social.

A dimensão constitucional consiste na busca de determinados valores

fundamentais, insertos na Constituição e que vinculam o próprio legislador ordinário.

A dimensão transnacional, por sua vez, consiste na tentativa de superação

dos rígidos critérios de soberanias nacionais.

A terceira dimensão do Direito e da Justiça é a social que vem expressa na

questão do acesso ao Direito e à Justiça.

25

Aspecto essencial da dimensão do acesso ao Direito e à Justiça encontra-se

representado pela emergência dos direitos sociais ao lado dos tradicionais direitos

individuais de liberdade, denominados pela doutrina constitucional de direitos de

primeira geração, na tentativa de afirmar a fundamentalidade de tais direitos no

plano constitucional e além das fronteiras de soberania (transnacionais).

Se, por um lado, as dimensões constitucional e transnacional revelam a

busca por respostas aos grandes problemas da liberdade do indivíduo perante o

Poder Público e aos limites e deveres do Estado em relação ao indivíduo e a outros

Estados, a dimensão social, por outro lado, representa a tentativa de responder a

uma crise não menos intensa.

Cuida-se de crises oriundas das transformações das sociedades industriais e

pós-industriais modernas nas quais o reclamo por justiça adquire sentido decisivo,

no sentido da necessidade de petição de igualdade não apenas formal, senão real e

efetiva, principalmente no que tange ao campo das oportunidades e possibilidades.

À luz dessa nova demanda por justiça, tem lugar a filosofia política do

chamado Estado do Bem-Estar Social ou Estado promocional. Esta filosofia

traduziu-se na crescente intervenção do Estado em setores cada vez mais

numerosos, antes deixados à iniciativa e à autonomia dos particulares. À função

tradicional de proteção e repressão a violações dos direitos individuais acresceram-

se os papéis de promoção e atuação dos direitos sociais, implicando um fazer do

Estado.

O problema do acesso à justiça apresenta-se, portanto, sob dois aspectos

principais: como efetividade dos direitos sociais13, cuja garantia não deve ficar no

13 O ideal de igualdade é produto relativamente recente na história da civilização ocidental. As revoluções burguesas fizeram-se portadoras do referido ideal em luta contra os regimes colonial e feudal. Ocorre que a idéia de igualdade, que, a sua maneira, havia se firmado, adquiriu um sentido que, embora inovador, se revelou insuficiente em épocas mais recentes. Igualdade, até o advento do Estado Social, significava a abolição de diferenças jurídico-formais: tratava-se da igualdade (formal) perante a lei. Acontece que tal significado descuidava do fato de que sobre o caminho do acesso à lei e aos benefícios, instituições e direitos por ela regulados, encontram-se barreiras diversas, mais ou menos graves, na medida das diferentes capacidades econômico-sociais de pessoas e grupos. Sobre tais barreiras assim diz Cappelletti: “Por exemplo, se é certo que as portas dos tribunais estão formalmente abertas igualmente para todos, não é menos certo que tal acesso é bem diverso para quem tenha uma informação suficiente sobre seus próprios direitos, que possa fazer-se representar por um bom advogado, e

26

plano meramente teórico, e como busca por formas e métodos, novos e alternativos,

de solução de conflitos.

Juízes e tribunais converteram-se em elementos fundamentais do Estado

Social, protagonizando o denominado “gigantismo jurisdicional”, consubstanciado

em “ondas reformadoras”14.

O “gigantismo jurisdicional” é conseqüência direta dos ampliados direitos

sociais e conseqüência indireta do acesso aos órgãos jurisdicionais, realizado pelas

três ondas reformadoras.

Segundo o art. 5°, XXXV, da Constituição da República, “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Entretanto, sem os

instrumentos jurisdicionais adequados e de fácil acesso não adianta a Constituição

proclamar o princípio da inafastabilidade de jurisdição.

O fenômeno do “gigantismo jurisdicional” tornou-se preocupante não somente

por razões numérico-quantitativas – sobrecarga dos órgãos judiciais – mas também

e, sobretudo, por razões qualitativas.

A carga excessiva de trabalho pode traduzir-se em declínio da qualidade dos

procedimentos e das decisões judiciais. Ademais, quando a questão levada a juízo

concerne não exclusivamente a relações jurídicas interindividuais, senão a

problemas sociais – meio ambiente, previdência social, consumo, trabalho – então,

também, a figura tradicional do juiz como mero passivo, em suma, técnico do direito,

resta completamente alterada.

tenha a possibilidade de esperar os resultados a miúdo tardios dos procedimentos jurisdicionais, do que para quem careça de tais requisitos econômico-culturais” (“Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça”, p. 386). Os direitos sociais surgidos com o Estado Social são, exatamente, aqueles que cuidam de tais obstáculos sociais, econômicos, culturais e que, portanto, desejam promover igualdade real, pelo menos no campo das oportunidades. O movimento pelo acesso à justiça constitui aspecto central do moderno welfare state, não se limitando apenas à justiça em seu sentido judicial, mas também em relação à educação, trabalho, cultura etc. 14 Expressão utilizada por Cappelletti em “Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça” in Revista de Processo n° 74. p. 386.

27

A administração surge, assim, como ramo de governo, e certa politização do

juiz e da justiça resulta inevitável. Esse fenômeno representa o movimento em prol

do acesso à justiça e de sua ampliação.

Aqui, manifesta-se a mais complexa “onda” por um direito e uma justiça mais

aberta. Ainda que de forma incipiente, busca-se a adoção de procedimentos

acessíveis, mais simples e racionais, mais econômicos, eficientes e especializados

para certos tipos de controvérsias; a promoção de um tipo de justiça, definida como

coexistencial, isto é, calcada na conciliação e na mediação sobre critérios de

eqüidade social distributiva, em que seja importante manter relações complexas e

duradouras entre indivíduos e grupos, no lugar de relações isoladas.

A terceira “onda” intenta, ainda, submeter a atividade pública a formas novas

e mais acessíveis de controle, criar formas de justiça acessíveis e cada vez mais

descentralizadas e participatórias, com a atuação de grupos e categorias

diretamente interessados na solução da controvérsia.

O movimento universal de acesso à justiça foi, por décadas, manifestação

relevante do novo enfoque tanto da ciência jurídica quanto da reforma legislativa em

muitos países.

Como novo enfoque da ciência jurídica, ou seja, como movimento teórico,

criou uma visão que repudiou o formalismo, o qual tendia a identificar o direito como

mero sistema de normas produzido pelo Estado. Tratava-se de uma simplificação

exagerada da realidade, já que se negligenciavam os componentes reais do direito e

do sistema jurídico – os sujeitos, as instituições, o processo e o contexto social.

O realismo jurídico foi, pois, a primeira reação intensa contra o enfoque

formalista.

O movimento de acesso, como enfoque teórico, tende a uma visão mais fiel à

feição complexa da sociedade humana, embora esteja enraizado na crítica ao

formalismo e à dogmática jurídica.

28

Ressalte-se que a componente normativa do direito não é refutada, mas

encarada como mais um elemento. Na visão realista, adquirem relevo as instituições

e os processos. O resultado do enfoque do acesso à justiça é uma concepção

contextual do direito.

No lugar de uma concepção unidimensional, através da qual o direito e a

ciência jurídica se limitam à declaração de normas, afirma-se uma concepção

complexa: a primeira reflete o problema, a necessidade ou a exigência social,

induzindo à criação de um instituto jurídico; a segunda dimensão revela a resposta

ou solução jurídica; enfim, a terceira destina-se aos resultados acerca da

necessidade, do problema ou exigência social.

O papel da ciência jurídica, ou melhor, o papel dos operadores do direito

torna-se mais complexo, não se cingindo à descrição de normas, formas e

procedimentos aplicáveis a um processo judicial instaurado ou a um recurso

interposto. Leva-se em consideração, portanto, e, também, os custos a suportar, o

tempo necessário, as dificuldades a transpor e os benefícios a obter.

Especificamente no que alude ao processo civil, há três obstáculos básicos a

superar: econômico15, organizacional10 e processual.

15 A idéia de acesso é a resposta histórica à crítica do liberalismo e da regra de direito. O movimento de acesso à justiça trata de analisar e procurar os caminhos para superar as dificuldades e os obstáculos que fazem inacessíveis para tanta gente as liberdades civis e políticas. O obstáculo econômico, isto é, a pobreza de pessoas que, por motivos financeiros, nenhum ou pouco acesso têm à informação e à representação adequada, levou ao movimento de acesso, em sua denominada primeira “onda”, apoiando a assistência e orientação jurídicas. O segundo obstáculo, ou segunda “onda” (organizacional), é expresso por meio dos chamados direitos e interesses difusos ou coletivos, que constituem fenômeno típico e crescente nas sociedades modernas. Afinal, uma das características fundamentais das sociedades contemporâneas reflete a transformação da economia, do tipo antes baseado em relações interindividuais para outro em que a produção, a distribuição e o consumo se tornaram fenômenos de massa. Os direitos sociais tendem a acarretar benefícios para amplas categoriais de pessoas vulneráveis: mulheres, idosos, deficientes, minorias raciais. Nesses casos, o indivíduo isolado é, em regra, incapaz de vindicar efetivamente os direitos em causa, carecendo-lhe suficiente motivação, informação e poder para iniciar e sustentar um processo contra, por exemplo, um poderoso produtor ou poluidor. Ademais, ainda que ocorresse o contrário, o resultado seria inócuo, isto é, inadequado para desencorajar o transgressor de massa de prosseguir em atividades danosas, não produzindo o esperado efeito compensatório e, também, pedagógico. As reformas inspiradas no enfoque do acesso à justiça experimentaram expedientes destinados a proporcionar tutela efetiva a esses interesses coletivos e/ou difusos. Outrossim, têm vicejado expedientes diversos, como a class action, nos Estados Unidos, que revela a natureza híbrida, mas essencialmente privada, dos direitos difusos. É típico da class action atribuir a um ou a poucos membros da classe legitimidade para representar a classe inteira, desde que o tribunal reconheça como adequado o representante.

29

O terceiro obstáculo ao acesso à justiça é denominado processual, porque

mais diretamente relacionado com os métodos alternativos de solução de conflitos.

Em certas áreas ou espécies de litígios, a solução normal – o tradicional processo

litigioso – pode não se mostrar o melhor caminho para ensejar a reclamação efetiva

de direitos. Aqui, a busca há de visar a alternativas aos juízos ordinários e aos

procedimentos usuais.

Essa idéia, no entanto, não é nova: a conciliação e a mediação, por exemplo,

constituem sempre elementos relevantes em matéria de solução de conflitos.

Entretanto, as sociedades modernas descobriram novas razões para preferir tais

alternativas. O processo judicial, agora, é ou deveria ser acessível a segmentos

cada vez mais significativos, ou, ao menos teoricamente, a toda população. Esse é o

preço do acesso à justiça: o preço da própria idéia de democracia.

A perquirição por métodos alternativos fez emergir formas conciliatórias, não-

contenciosas, ou seja, em certos setores, um enfoque diferente – a justiça

coexistencial – pode ser preferível e apto a assegurar o acesso à justiça, em relação

à idéia rigidamente concebida como “certo ou errado”.

Inegavelmente, há questões árduas a enfrentar nessa terceira onda de

renovação, tais como: quais seriam as melhores espécies de instituições a

promover: arbitragem, mediação, conciliação, procedimento dos juizados especiais?;

quais seriam as melhores pessoas a atuar em tais instituições: leigos ou técnicos?;

qual a garantia mínima a ser mantida nessas espécies alternativas de órgãos

julgadores e procedimentos?

Embora surjam entraves e questionamentos no movimento por métodos

alternativos de conflitos, há situações em que, por exemplo, a justiça conciliatória ou

coexistencial é capaz de produzir resultados que são, qualitativamente, melhor

quando em cotejo com os resultados do processo contencioso.

O princípio tradicional é o de que a legitimação para agir compete a pessoa ou às pessoas que são ou afirmam ser titulares do direito vindicado em juízo (art. 6° CPC). No caso da class action, ao contrário, confere-se legitimação ao titular de mero fragmento do direito.

30

Há casos em que o conflito não passa de um episódio em relação complexa e

permanente; aí a justiça conciliatória tem a possibilidade de preservar tal relação,

tratando o evento litigioso antes como perturbação temporária do que como ruptura

definitiva; isso além do fato de que tal procedimento costuma ser rápido e informal,

menos dispendioso, e os próprios julgadores podem ter melhor conhecimento do

ambiente em que o episódio surgiu e mostrarem-se capazes de compreender o

drama das partes.

Outros campos em que a justiça conciliatória pode constituir a melhor opção

abrangem os conflitos de vizinhança e conflitos institucionais, como ocorre em

escolas, hospitais, aldeias, onde o contato e o convívio diário são mais intensos.

Isso explica a preferência por soluções conciliatórias em sociedades tradicionais ou

tribais, já que a não-aceitação (avoidance) poderia significar a perda daquele tipo de

família, tribo, solidariedade local que, nessas sociedades, representavam condições

mesmas de sobrevivência.

O ideal de igualdade perante a lei foi a grande e revolucionária inovação da

revolução burguesa nos sistemas de governo ocidentais desde o fim do século XVIII.

Até aquela época, as sociedades civis dividiam-se em estratos sociais, e a cada um

deles correspondia uma ordem jurídica diferente e até tribunais diferentes. O que

emergiu da revolução liberal-burguesa foi o ideal do Estado de Direito, onde a lei

tem caráter geral e segundo o qual todos são iguais perante a lei.

A filosofia do acesso à justiça reflete exatamente a tentativa de adicionar uma

dimensão social ao Estado de Direito. Assim, o movimento de acesso e sua terceira

onda, que enfatiza a importância dos métodos alternativos de solução de litígios,

refletem o núcleo mesmo dessa filosofia política. Uma filosofia, enfim, que aceita

procedimentos alternativos, na medida em que tais alternativas ajudem a tornar a

justiça eqüitativa e mais acessível.

31

Afinal, o direito e os remédios legais16 devem refletir as necessidades, os

problemas e as aspirações atuais da sociedade civil, desenvolvendo alternativas aos

métodos tradicionais sempre que sejam demasiado caros, lentos e inacessíveis ao

povo.

No entanto, o acesso à justiça encontra, ainda, os obstáculos ou barreiras

econômicas, geográficas e burocráticas17.

16 No Estado Democrático contemporâneo, os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados têm eficácia imediata, cabendo ao Estado garantir a todos os cidadãos o respeito a esses direitos, de modo concreto e efetivo, não obstante as desigualdades e condições adversas que dificultam, na prática, o seu exercício. Primeiramente, o acesso ao direito não estará concretamente assegurado se o Estado não oferecer a todo cidadão a possibilidade de receber aconselhamento jurídico a respeito de seus direitos. A Constituição de 1988, no art. 5°, LXXIV, assegurou a todos assistência jurídica, o que abarca assistência judiciária e assessoramento jurídico extrajudicial. O pressuposto último do acesso ao direito é o acesso à justiça, no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial, para a solução de qualquer litígio acerca de interesse que se afirme juridicamente protegido ou para a prática de qualquer ato que a lei subordine à aprovação, autorização ou homologação judicial. Se o cidadão tem consciência dos seus direitos, se o Estado lhe fornece todas as condições para livremente exercê-los, mas algum outro cidadão ou algum órgão do próprio Estado impede ou dificulta esse exercício, cabe ao Poder Público pôr à disposição do cidadão lesionado ou ameaçado a jurisdição necessária para assegurar o pleno acesso a tal direito. A mesma faculdade deve ser conferida ao cidadão que se apresente como titular de um direito, nos casos em que a lei subordina a existência, validade e eficácia desse direito à concorrência da vontade estatal, manifestada através de um órgão jurisdicional. 17 As barreiras econômicas resultam do custo da justiça: custas, honorários advocatícios, riscos de sucumbência. Muitos cidadãos sentem-se desestimulados de ingressar em juízo, porquanto o benefício econômico almejado é, muitas vezes, inferior às despesas a desembolsar. Os entraves econômicos também atingem o pobre na medida em que a Defensoria Pública, embora haja previsão constitucional, não está adequadamente estruturada em todo o País, embora desempenhe bem o seu papel. As barreiras geográficas decorrem da imensidão do território nacional e da impossibilidade de colocar pelo menos um juiz ao alcance de qualquer cidadão. Há Estados em que as partes têm de percorrer quilômetros para comparecerem à sede do Juízo competente, por meio de transportes precários e demorados. Justiça distante significa, em muitos casos, ausência de lei. A Justiça itinerante representou, com a EC n° 45/2004, avanço nesse sentido. Resta saber de será, de fato, implantada. Leonardo Greco sugere que nas localidades em que a reduzida população ou o reduzido número de feitos não justifiquem a presença permanente de juiz togado, deveria existir o juiz de paz (o que a Constituição brasileira proíbe) ou outro tipo de órgão com poder para julgar causas de menor complexidade e para conceder medidas provisórias urgentes em quaisquer causas. As barreiras burocráticas aludem ao desaparelhamento da máquina judiciária, decorrente da má remuneração e da falta de formação técnico-profissional de servidores e a inadequação da estrutura judiciária para enfrentar a massa de feitos que lhe é submetida. Sabe-se que despachos, decisões e sentenças levam meses para ser proferidos; partes retêm autos por meses para responder a alguma diligência; recursos levam meses para ser distribuídos. As vantagens de ser devedor, a inadimplência e a litigância de má-fé das pessoas de direito público estimulam a interposição de recursos inviáveis, a produção de provas inúteis, a contestação de direitos incontestáveis, sobrecarregando a justiça, dificultando e retardando o acesso do cidadão ao pleno gozo de seu direito. Também é componente do acesso à justiça, o direito de o cidadão, se necessário, entrevistar-se pessoalmente com o juiz. O processo escrito e o excesso de trabalho conduziram a um progressivo distanciamento entre o juiz e as partes. Por exemplo, na defesa do pobre em juízo, é evidente a posição de desvantagem em que se encontra o beneficiário da assistência judiciária gratuita, ante a falta do vínculo de confiança entre ele e o seu patrono.

32

Em vista disso, parece que o acesso à justiça tem se destacado menos como

direito e mais como um problema social, cuja solução consiste em retirar de

Tribunais e Juízos boa quantidade de processos.

Enfatize-se, porém, que o estímulo ao acesso deve ser, sobretudo, em

direção à ampliação e, não, à restrição pautada na necessidade de pôr fim às

demandas como se a função jurisdicional tivesse cumprido, ali, o seu papel.

2 – TUTELAS DIFERENCIADAS: MEDIAÇÃO, CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM –

CARACTERÍSTICAS E DIFERENÇAS

Muitos direitos se perdem, porque seus titulares não estão dispostos a lutar

por eles, cientes de que nenhum proveito concreto lhes trará a proteção judiciária

tardia, ou, até, de que os ônus sobrepujarão aos benefícios advindos da conquista.

Fala-se em salto qualitativo que deve dar a justiça, como serviço público

essencial. O acesso à justiça depende, em muitos casos, da estruturação e

fortalecimento de modalidades de tutela jurisdicional diferenciada.

A tutela jurisdicional diferenciada abrange os meios alternativos de solução de

conflitos, como a mediação, a arbitragem e a conciliação.

O acesso à justiça implica, também, a redefinição do alcance do princípio do contraditório, como projeção processual do princípio político da participação democrática. Contraditório que não se resume ao direito de ser ouvido, mas que impõe o direito de influir eficazmente na decisão; que garanta às partes o direito a pelo menos uma audiência oral, se necessária, possibilitando a auto-defesa; que trate as partes com efetiva igualdade ou paridade de armas, outorgando a ambas ampla possibilidade de influir na decisão. Em geral, a justiça como instrumento de garantia da eficácia dos direitos fundamentais somente cumpre o seu papel através de decisões expeditas. Os direitos cujo gozo é protelado pela demora da justiça são direitos sem eficácia até que a proteção judicial se concretize. Daí o apelo por tutelas de urgência. Por outro lado, o retardamento legítimo à proteção judiciária dos direitos é o que decorre da necessidade de assegurar à parte contrária o mesmo direito de acesso à justiça através do pleno exercício de seu direito de defesa e de assegurar ao juiz tempo indispensável a uma cognição adequada ao deslinde da causa. Além do mais, os juízes precisam com freqüência avaliar o desempenho do Judiciário e de si próprios e aferir se estão atendendo, com eficiência, à demanda social por justiça, inserindo mecanismos de consulta pública e de participação democrática que contribuam e sirvam de balança para o constante aprimoramento de sua atividade. Os cidadãos precisam confiar no Judiciário como garantia da eficácia dos seus direitos e de uma convivência social pacífica e justa. Essa confiança resulta menos do valor intelectual dos juízes e mais da consciência dos cidadãos de que o Judiciário, de fato, assume a responsabilidade (social) de buscar, com empenho, a realização daqueles objetivos.

33

A mediação tem obtido destaque, seja na figura dos conciliadores ou juízes

leigos, tendo em vista a chamada crise de administração da Justiça. Temos, por

exemplo, a possibilidade de conciliação prévia nas causas trabalhistas no âmbito de

empresas e sindicatos que instituíram Comissões de Conciliação Prévia.

A arbitragem, regulamentada pela Lei n° 9.307/96, tem pouco reflexo na

prática, daí o destaque para a conciliação, dada a impossibilidade de revisão judicial

da decisão, o que acaba por desencorajar os sujeitos da relação jurídica.

A tutela diferenciada abarca, ainda, os Juizados Especiais, os juízes de paz e

juízes leigos. No entanto, registre-se que, para que a tutela diferenciada se

consolide, é imprescindível que ofereça confiabilidade nas decisões e vantagens

acentuadas em relação à jurisdição comum, principalmente quanto à rapidez,

informalidade e custo.

A autotutela, a autocomposição e a arbitragem representam meios de solução

de conflitos, embora, por vezes, a jurisdição seja a única forma adequada para a

solução da lide (casamento, pedido de guarda etc.).

Considerando a titularidade do poder de decidir o conflito, existem formas

autônomas, quando os titulares do poder são as próprias partes (autotutela e

autocomposição), e heterônomas, quando o titular é um terceiro (jurisdição e

arbitragem).

A autotutela é marcada pela impossibilidade de o Estado-juiz estar sempre

presente quando da violação a um direito. Como exemplo de legítimo exercício da

autotutela, temos o exercício do direito de retenção (art. 1.219, CC/02) e o desforço

imediato (art. 1.210, §1°, CC/02).

A autocomposição, que, por vezes, encontra barreiras na indisponibilidade do

direito em debate, destaca-se na Constituição, através da atribuição conciliatória

(não-jurisdicional) aos juízes de paz; no Código de Processo Civil, com o reforço do

poder conciliador do juiz, permitindo-lhe tentar a conciliação a qualquer tempo; ainda

34

na Lei Processual Civil, com a previsão de audiências preliminares nos

procedimentos ordinário e sumário; através do advento dos Juizados Especiais

Cíveis, com o objetivo de, em primeiro lugar, conciliar; através da Justiça do

Trabalho que prima a conciliação em relação ao contraditório.

Calmon Filho sobre a ordem imposta e ordem consensual,

Considerando, então, os três meios de solução dos conflitos, verificam-se duas ordens opostas: a ordem imposta e a ordem consensual. Na primeira estão uma subordem de imposição unilateral (autotutela) e uma subordem heterocompositiva ou adversarial. Na subordem heterecompositiva, a solução é imposta por um terceiro alheio à vontade das partes, mediante um ato de autoridade e poder. Se baseia em uma ordem geral ou equidade e não nos interesses das partes, que sob a expectativa de uma decisão, se põem como adversários. Ao final, um será o vencedor e outro o sucumbente. A ordem consensual, ao contrário, é negociada e autocompositiva, não-adversarial, em que as partes mantêm o controle sobre o procedimento e sobre a decisão final, escolhendo o mecanismo mais apropriado, levando em consideração o tempo necessário para se chegar à solução, o custo, o lugar e a pessoa que eventualmente atuará como facilitador. As partes chegam a soluções suscetíveis de satisfazer os interesses de ambos, conservam o relacionamento entre si e preservam a confidencialidade dos fatos que geraram o conflito, do relacionamento e do próprio procedimento e sua solução18.

A arbitragem19 tem sua disciplina regulada pela Lei n° 9.307/96, que revogou

o tratamento antes existente no Código de Processo Civil acerca do instituto. O

sistema atual adota a expressão convenção de arbitragem (art. 3°), expressão

genérica que abrange tanto a cláusula compromissória (art. 4°) como o compromisso

arbitral (art. 9°).

Existe a possibilidade, em face da cláusula compromissória, em caso de

resistência de uma das partes, de a outra ingressar com uma ação, na qual, não

obtida a solução amigável, obtenha-se, ao final, sentença que valerá como

compromisso arbitral (art. 7°).

Em relação ao instituto da arbitragem, duas questões mostram-se pertinentes:

é jurisdicional a atividade do árbitro? A decisão do árbitro prescinde de

18 CALMON FILHO, Petrônio. “O conflito e os meios de sua solução” in Teoria do Processo: panorama doutrinário mundial (coord. Fredie Didier Jr e Eduardo Ferreira Jordão). Salvador: JusPodivm, 2007. p. 838. 19 O juízo arbitral instituído pela Lei n° 9.307/96 difere do previsto nos arts. 24 a 26 da Lei n° 9.099/95, não os tendo revogado. O juízo arbitral dos Juizados Especiais permanece, pois, com regime próprio, contando com a necessidade de homologação do laudo arbitral produzido.

35

homologação? Para chegar a essas respostas, duas correntes se formaram:

privatista ou contratualista, segundo a qual a atividade do árbitro não é jurisdicional,

já que não possui poderes inerentes ao exercício da jurisdição; e publicista,

consoante a qual há identidade entre a sentença arbitral e a sentença proferida por

magistrado.

No Brasil, é desnecessária a posterior homologação judicial da “sentença

arbitral”, possuindo eficácia de título executivo extrajudicial20 (art. 585, VIII, CPC).

No que se refere à discussão acerca da constitucionalidade ou não da lei de

arbitragem, cabe pequena nota. Na verdade, em se tratando de arbitragem, não é a

lei que exclui a lide da apreciação do Poder Judiciário, mas a vontade das partes. A

parte não vai coagida ao juízo arbitral, restringindo-se a partes capazes e quando

em choque direito patrimonial disponível. Inconstitucional seria se a arbitragem

representasse via obrigatória, vedada a judicial21. A arbitragem é, pois, mais um

meio de as pessoas acertarem as suas relações, embora fracassado na prática.

Ademais, a proibição de instituição de juízos ou tribunais de exceção dirige-se

aos órgãos judiciários e, não, a tribunais arbitrais.

O procedimento arbitral é iniciado com a nomeação de árbitro, o qual tentará

a conciliação. Em defesa, a parte pode argüir matéria relativa à existência, validade

ou eficácia da convenção de arbitragem. O árbitro, então, realizará a colheita de

provas, podendo decidir por eqüidade se houve opção pelas partes. O procedimento

encerra-se com a sentença arbitral da qual não cabe recurso, ressalvada a correção

de erro material ou eventual obscuridade, dúvida ou contradição.

Caberá controle a posteriori da decisão do árbitro dentro dos limites da ação

de anulação de sentença, cuja interposição não impedirá a execução da sentença

arbitral, e dos embargos à execução.

20 O CPC era expresso ao admitir a sentença arbitral como título executivo extrajudicial. No entanto, o art. 584, III, CPC foi revogado pela Lei n° 11.232/2005, tendo lugar, agora, na disposição geral inserta no art. 585, VIII, CPC). 21 Aliás, a arbitragem está prevista, no âmbito da Justiça do Trabalho, no art. 114, §1° da Constituição.

36

Não obstante o poder que a lei de arbitragem conferiu ao árbitro, há ainda

espaço, no curso do procedimento, para a atividade judicial, uma vez que o árbitro

não possui poderes coercitivos.

A mediação, por seu turno, é uma via alternativa na qual uma parte neutra

colabora com os litigantes para a obtenção do acerto solucionador do conflito. Trata-

se de via voluntária, na qual o mediador apenas facilita a obtenção da decisão

tomada pelas partes.

A mediação é, pois, um mecanismo para a obtenção da autocomposição

caracterizado pela participação de terceiro imparcial que auxilia, facilita e incentiva

os envolvidos. É a intervenção de um terceiro imparcial e neutro, sem qualquer

poder de decisão, para ajudar os envolvidos em um conflito a alcançar

voluntariamente uma solução mutuamente aceitável.

Ultrapassando os limites ao auxílio, facilitação e incentivo à negociação, o

terceiro imparcial deixa de ser mediador – que não tem poder sobre as partes – para

agir como árbitro.

A mediação é utilizada para descrever um conjunto de práticas elaboradas

para ajudar as partes na controvérsia, caracterizando-se pela participação de um

terceiro imparcial que ajuda os envolvidos a comunicar-se e a realizar escolhas

voluntárias em um esforço comum para resolver o conflito.

É fundamental que o mediador não expresse sua opinião sobre o resultado do

pleito, representando um modelador de idéias, razão por que não se recomenda a

mediação quando existe certo grau de desequilíbrio de poder entre os envolvidos.

A mediação não faz parte, diferentemente da conciliação, da estrutura do

Poder Judiciário, sendo atividade privada, despida de vínculo, e informada pelos

princípios da voluntariedade (direito garantido às partes de obter livremente o acordo

e retirar-se, a qualquer tempo, da mediação); consentimento informado (direito de as

partes obterem informação sobre o processo de mediação); autodeterminação (as

partes têm o poder de definir suas questões e determinar o resultado do processo);

37

imparcialidade/neutralidade (o mediador não tem o poder de impor o resultado às

partes, embora seja um interventor com autoridade); confidencialidade (toda

informação obtida pelo mediador ou pelas partes, salvo autorização, será mantida

dentro do programa de mediação).

Luis Alberto Warat sobre a diferença existente entre conciliação e mediação:

A conciliação e a transação podem, em um primeiro momento, parecer com a mediação, mas as diferenças são gritantes. A conciliação e a transação não trabalham o conflito, ignoram-no, e, portanto, não o transformam, como faz a mediação. O conciliador exerce a função de ‘negociador’ do litígio’, reduzindo a relação conflituosa a uma mercadoria. O termo de conciliação é um termo de cedência de um litigante a outro, encerrando-o. (...) A mediação seria uma proposta transformadora do conflito porque não busca a sua decisão por um terceiro, mas, sim a sua resolução pelas próprias partes que recebem auxílio do mediador para administrá-lo22.

Conciliação é um mecanismo que tem por escopo a obtenção da

autocomposição com o auxílio e o incentivo de um terceiro imparcial. Em geral, a

mediação é prática realizada fora do âmbito e do controle do Poder Judiciário,

enquanto a conciliação é uma atividade que, se não exercitada diretamente por

juízes, é por eles controlada, orientada ou fiscalizada.

Enquanto o conciliador manifesta sua opinião sobre a solução justa para o

conflito e propõe os termos do acordo, sendo mais participativo, o mediador atua

com um método estruturado em etapas, conduzindo a negociação, mas abstendo-se

de aconselhar, emitir opinião ou propor formas de acordo.

Conciliação23 é, pois, um mecanismo de obtenção da autocomposição que,

em geral, é desenvolvido pelo próprio juiz ou por pessoa que faz parte ou é

fiscalizada pela estrutura judiciária, tendo como método a participação mais efetiva

desse terceiro na proposta de solução, conforme ratifica a passagem de Lília Sales:

Os tipos de conflitos mais adequados à solução por meio da conciliação são aqueles nos quais as partes envolvidas não possuem vínculo afetivo, emocional. São conflitos esporádicos, menos complexos, que não relevem um entrelaçamento de sentimentos

22 WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca: ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p.60. 23 A conciliação e a mediação distinguem-se, ainda, da negociação. Nesta, não há a participação de um terceiro imparcial, sendo conduzida exclusivamente pelas partes.

38

que venham a esconder o real conflito. Como o conciliador tem uma participação efetiva no mérito (...) do conflito, ou seja, como o conciliador interfere diretamente sobre a forma como o conflito (..)será resolvido, a discussão torna-se mais direta, simples e rápida. A essa forma de solução, portanto, adaptam-se conflitos mais simples (exclusivamente patrimoniais), por exemplo. Tendo em vista a condução da conciliação, percebe-se que não se adapta a conflitos de ordem continuada ou sentimental, dada as peculiaridades desses conflitos que exigem uma conversa mais longa, com menor interferência de sugestões do terceiro imparcial e mais interferências de forma a estimular a criatividade e sugestões das próprias partes24.

A conciliação pode ser pré-processual, quando ocorrida antes da propositura

da demanda, e processual, promovida enquanto perdura o processo. Pode ser,

ainda, extraprocessual, realizada fora do processo, ou endoprocessual, realizada

dentro do processo, incidentalmente.

A conciliação pode ser, também, extrajudicial, quando se desenvolve sem que

haja processo judicial em curso, sendo denominada pré-processual quando

sobrevém o processo, ou judicial, quando concomitante ao processo e desenvolvida

no ambiente judicial.

A condução da conciliação pode se dar pela participação do juiz ou de

conciliador. Há quem critique possível envolvimento do juiz, que irá prolatar a

sentença caso frustrada a conciliação, na tentativa inicial de conciliar. O conciliador,

leigo, é mero auxiliar da justiça, não exercendo jurisdição nem detendo poder

decisório.

3 – A CELERIDADE PROCESSUAL POSITIVADA NO TEXTO CONSTITUCIONAL

Muito se tem falado acerca da busca pela “efetividade do processo”, no

sentido de que o processo deve cumprir sua missão social de eliminar conflitos e

fazer justiça.

Sabe-se que a demora, causada pela duração do processo e pela sistemática

dos procedimentos, pode acarretar inutilidade ou ineficácia do provimento esperado.

Assim, o tempo constitui, muitas vezes, óbice à efetividade da prestação 24 SALES, Lília Maia de Morais. Mediação de conflitos: família, escola e comunidade. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. pp. 43/44.

39

jurisdicional, principalmente no processo de conhecimento, no qual a atividade

cognitiva do julgador tem larga natureza ordinatória e instrutória.

Nesse sentido, a Emenda Constitucional n° 45/2004 ampliou o catálogo

expresso de direitos e garantias fundamentais, estabelecendo que a todos, em

processo judicial ou administrativo, são assegurados a razoável duração do

processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, garantia essa

que já era expressa na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de

San José da Costa Rica25).

Ressalte-se que se asseguram, também, os meios necessários a garantir a

celeridade da tramitação do processo, devendo tais meios ser oferecidos pelas leis

processuais pertinentes, vinculando a reforma constitucional à reforma

infraconstitucional.

Diversas leis já vigoram, acompanhando as diretrizes traçadas pela Reforma

do Judiciário, buscando a racionalização da prestação jurisdicional.

Como exemplos, as recentes leis n° 11.187/0526; 11.232/0627; 11.276/0628;

11.277/0629; 11.280/0630; 11.341/0631; 11.382/0632; 11.417/0633; 11.418/0634;

11.419/0635; 11.441/0736 e 11.448/0737.

25 Art. 8° - Garantias judiciais: 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (grifo nosso) 26 Modificou o CPC, empreendendo nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento. 27 Instituiu o cumprimento de sentença no processo de conhecimento, revogando dispositivos relativos à execução fundada em título judicial. 28 Dispôs sobre a súmula impeditiva de recursos. 29 Acresceu o art. 285-A ao CPC, dispensando a citação para contestar em processos idênticos de reiterada improcedência do pedido. 30 Alterou o CPC, dispondo sobre prescrição, meios eletrônicos etc. 31 Admitiu decisões disponíveis em mídia eletrônica entre as suscetíveis de prova de divergência jurisprudencial. 32 Alterou o processo de execução. 33 Dispôs sobre a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante. 34 Regulamentou a repercussão geral a ser demonstrada em recursos extraordinários. 35 Regulamenta a informatização do processo judicial. 36 Possibilita a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais pela via administrativa, obedecidos certos requisitos. 37 Instituiu a Defensoria Pública como legitimada ativa para a propositura de ação civil pública.

40

Efetividade e tempestividade do provimento jurisdicional são, pois, qualidades

exigidas na relação jurídica processual nas últimas décadas.

A razoável duração do processo parece ter sido o cerne da Reforma do

Judiciário, que contemplou diversos institutos e mecanismos aptos a contribuir com

a celeridade processual, entre eles a necessidade da demonstração da repercussão

geral das questões constitucionais para o conhecimento do recurso extraordinário

(art. 102, §4°, CRFB); edição de súmula vinculante (art. 103-A, CRFB); a atividade

jurisdicional ininterrupta (art. 93, XII, CRFB); a exigência de que o órgão jurisdicional

tenha número de juízes proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva

população (art. 93, XIII, CRFB); a distribuição imediata de processos nos tribunais.

Com a inclusão da duração razoável do processo no rol dos direitos e

garantias fundamentais, o princípio do devido processo legal ganha, com isso, nova

configuração, dada pela garantia de um processo sem dilações indevidas,

entendidas estas como atrasos ou delongas entre a realização de um ato e outro, ou

em razão da inobservância de prazos estabelecidos e uso de manobras

protelatórias, por exemplo.

Na verdade, a duração do processo deve observar a complexidade das

questões de fato e de direito discutidas no processo, o comportamento das partes e

de seus procuradores e a conduta das autoridades judiciárias e de seus servidores.

Embora a garantia da razoável duração do processo tenha recebido maior

destaque na seara do direito penal, até mesmo ante o fato de tutelar a liberdade de

ir e vir das pessoas, no processo civil já há demandas no sentido de vindicar a

concretização da garantia trazida pela EC n° 45/0438.

38 Ver MS 9526 / DF (STJ) “O Magistrado deve velar pela rápida solução do litígio e buscar suprir entraves que contribuem para a morosidade processual e inviabilizam a prestação jurisdicional em prazo razoável”. Ver, também, MS 10792/DF (STJ): MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. REQUERIMENTO DE ANISTIA. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo.

41

No âmbito do direito penal, o STF tem concedido ordem de habeas corpus

condicionada a mora processual às seguintes hipóteses: diligências suscitadas

exclusivamente pela acusação; inércia do próprio aparato judicial; e

incompatibilidade com o princípio do contraditório39.

4 – POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESTÍMULO AOS MEIOS ALTERNATIVOS

4.1 – “CONCILIAR É LEGAL” – O MOVIMENTO EMPREENDIDO PELO

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)40

A Conciliação é um meio de resolução de conflitos em que as partes confiam

a uma terceira pessoa a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um

acordo. O conciliador leigo é uma pessoa da sociedade que atua como facilitador do

acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à

aproximação de interesses e à harmonização das relações.

39 Ver HC 90617/PE e Informativo 486/2007. 40 O Conselho Nacional de Justiça empreendeu o Movimento pela Conciliação, indicando o dia 08 de dezembro como o dia nacional da conciliação. São 27 Tribunais de Justiça integrados; 23 Tribunais Regionais do Trabalho e 5 Tribunais Regionais Federais. Segundo estatísticas do Conselho (www.conciliar.cnj.gov.br/conciliar/arquivos/relatoriofinal.pdf), do ano de 2007, ressaltando-se, porém, que o movimento teve início em 2006, na semana do dia 08/12/2007, quase 300 mil pessoas foram atendidas pela Justiça Brasileira durante a Semana Nacional de Conciliação. Foram 291.438 pessoas atendidas, em 144.147 audiências. Deste total, foram alcançados 61.442 acordos, o que representa índice de 43%. Estes acordos permitirão o pagamento de R$ 255,977 milhões. O Estado de São Paulo lidera entre os Estados, com 18.291 audiências realizadas, nas Justiças Estadual, Trabalhista e Federal. O Ceará realizou 17.096 audiências e Minas Gerais, 15.588. A Justiça Federal da Região Sul encerra a Semana da Conciliação com R$ 16 milhões em acordos realizados. O índice de acordos alcançado no mutirão foi de 60% nas Varas Federais e Juizados das capitais e do interior dos três Estados da Região Sul, em 3.955 audiências realizadas. Os processos concluídos com a negociação envolviam disputas entre cidadãos e órgãos públicos ou empresas federais, como as ações contra o INSS e os casos que tinham como parte a Caixa Econômica Federal. O Tribunal de Justiça do Ceará encerrou a Semana com a realização de 21.728 audiências, que resultaram em mais de 11 mil acordos (51%). Em Minas Gerais, a Justiça do Trabalho, através de suas 137 Varas, realizou 6.588 audiências e homologou 3.122 acordos, o que representa índice de 47,39% de processos conciliados. A Justiça do Trabalho goiana promoveu entendimentos no valor de mais de R$ 2 milhões em 360 acordos firmados em 36 Varas do Trabalho no Estado. Já na segunda instância foram conciliadas 15 ações, cujos pagamentos somaram R$ 55.800. No Estado do Rio de Janeiro, das 2.200 audiências de conciliação realizadas, em 08/12/2007, no Fórum Central, obtiveram-se 69% de acordos. Os processos são dos Juizados Especiais Cíveis, responsáveis por 390 mil ações de um total de um milhão que tramitam por ano no Judiciário estadual. O Presidente do TJERJ convocou 200 juízes para o mutirão de encerramento da Semana Nacional da Conciliação, movimento promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em todo país a fim de incentivar esta nova modalidade de resolução de conflitos.

42

Conforme o momento em que for feito o acordo, a conciliação pode se dar na

forma processual, quando a lide já está instaurada, ou pré-processual, também

denominada informal, quando os conflitos ainda não foram jurisdicionalizados.

No caso da conciliação judicial, o procedimento é iniciado pelo magistrado ou

por requerimento da parte, com a designação de audiência e a intimação dos

envolvidos para comparecimento. Na conciliação pré-processual, a parte comparece

a unidades de conciliação já instaladas ou a Juizados Especiais. Na efetivação do

acordo, o termo da audiência se transforma em título judicial, já que homologado

pelo juiz. Na falta de acordo, é dado o encaminhamento para o ingresso em juízo

pelas vias normais.

A Justiça de Conciliação favorece o processo de paz social ao fomentar a

cultura do diálogo e tornar a Justiça mais efetiva e ágil, com a redução do número de

conflitos litigiosos e do tempo para a análise dos processos judiciais.

O Conselho Nacional de Justiça lançou, no dia 23 de agosto de 2006, o

Movimento pela Conciliação, cuja pretensão é difundir uma nova cultura de

resolução de conflitos41.

Não se trata, no entanto, de privatização da justiça, e tal movimento não pode

ser considerado como solução para desafogar o Judiciário. Trata-se, sim, da

humanização da justiça, uma justiça mais coerente com as transformações

contemporâneas.

A mediação é um instrumento que implementa a responsabilidade social das

pessoas envolvidas em conflitos, oferece uma redução de custos do processo,

oxigena o sistema judiciário, ao reduzir o volume de processos a serem analisados,

estimula a autonomia da vontade, a responsabilidade e o comprometimento.

41 Por iniciativa dos conselheiros Germana de Moraes e Eduardo Lorenzoni, com o apoio da Ministra Ellen Gracie e a unanimidade dos integrantes do Conselho Nacional de Justiça.

43

Reitere-se, porém, que o objeto único e primeiro do movimento não deve ser

a redução de processos, o que colocaria em xeque a qualidade da entrega da

prestação jurisdicional.

Sabe-se que a máquina estatal mostrou-se incapaz de atender às

necessidades básicas dos cidadãos e de prestar-lhes os serviços públicos

tradicionais. Os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo estão cada vez mais

desacreditados pela morosidade e pelo aumento da corrupção.

A partir do momento em que profissionais das mais diversas áreas, aliados a

advogados, juízes e formadores de opinião encorajam o uso da mediação para

resolver disputas entre partes, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, abre-se um

precedente importante no desenvolvimento de práticas que fomentem a cultura da

paz e do diálogo, indispensável na manutenção de relações.

No Brasil, ainda há um caminho longo a percorrer para se chegar a um

modelo de mediação que atenda às necessidades de uma população acostumada a

ter seus litígios resolvidos por terceiros que exercem papel de autoridade.

O Conselho Nacional de Justiça, através do Movimento, convocou o Poder

Judiciário a um esforço concentrado em favor da Conciliação em Juízo. A Justiça do

Trabalho, que traz, na origem, o espírito conciliatório, contribui para o

aprimoramento do instituto através do treinamento de Juízes e de servidores aptos a

desempenhar o papel de Conciliadores.

“O objetivo da conciliação não deve ser o ACORDO, o acordo, na verdade é a

conseqüência natural da conciliação. Daí a necessidade de uma releitura da

conciliação anteriormente vista sob o ditado, "mais vale um péssimo acordo do que

uma boa sentença". Eu diria que mais vale uma conciliação, ainda que não resulte

imediatamente em acordo. Para viabilizar uma conciliação saudável é necessário

pensar no conflito e o que está implícito na lide”42.

42 DUBUGRAS, Regina Maria Vasconcelos. A conciliação em movimento – mediação conciliatória. Artigo encontrado em http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/conciliarConteudoTextual/anexo/dubugras.doc.

44

A ação trabalhista, por exemplo, como primeiro passo para a sistematização

da lide, nem sempre traz expresso o conflito em que se funda. São diversas as

razões que motivam a propositura da reclamação pelo titular do direito material, ou

seja, o fato motivador da procura por advogado e/ou da Justiça pode ser: a) busca

de direitos; b) necessidade de dinheiro, c) inconformismo com a dispensa; d)

necessidade de compensar injustiças, ofensas ou danos sofridos; d) impressão de

que foram enganados, e) expectativas fundadas em suposições decorrentes de

informações verdadeiras ou até falsas.

Ou seja, o conflito implícito em uma ação trabalhista possui dimensões

internas e externas, presentes nas partes e com reflexos no exterior em busca de

solução ou compensação através do Judiciário.

Em primeira vista, o conflito pode parecer negativo, mas dependendo de

como é manejado, pode ser surpreendentemente positivo, daí a importância do

papel do Juiz-Conciliador diante do conflito, para conduzir as partes a uma

conciliação.

O primeiro passo para manejar bem um conflito é a percepção de que ele

pode trazer mudanças positivas tanto para os indivíduos quanto para as

organizações envolvidas. Ao mediador/conciliador cabe inicialmente auxiliar as

partes a entenderem que estão diante de um conflito que deve ser resolvido,

aceitarem que o ponto de vista de cada um pode estar incompleto e distorcido,

relembrarem que é necessário ouvir e tentar entender o ponto de vista do outro e

respeitar suas necessidades e problemas para conjuntamente encontrarem a melhor

e mais viável solução.

Em momento oportuno, portanto, o CNJ decidiu encampar o empreendimento,

sugerido pelos próprios juízes e segmentos da sociedade, cujos objetivos são

estimular o Judiciário a oferecer os serviços de conciliação e incentivar a população

a fazer uso destes mecanismos.

Lembre-se de que este movimento não prescinde dos advogados, promotores

de justiça, magistrados, de entidades e lideranças civis. Mesmo sabendo que não é

45

a solução definitiva para a grave questão do "tempo do processo" e de tantos outros

males que afligem o Judiciário, sem dúvida trata-se de boa alternativa que concorre

para a melhoria do sistema, constituindo-se em um instrumento que possibilita o real

acesso de grandes contingentes populacionais excluídos.

Cuida-se de um compromisso dos profissionais, sobretudo de juízes,

advogados, promotores e procuradores, de que, antes de aceitarem um caso e levá-

lo às últimas etapas de um processo judicial, darão ênfase à fase prévia em que as

partes buscarão solução para o conflito. Serão eles próprios os agentes e os

produtores da justiça, do acordo, da conciliação. Nada diferente, aliás, do Código de

Processo Civil (art. 331), que determina a tentativa de conciliação prévia em causas

que envolvam patrimônio privado, que admitam transação, como colisões de

automóvel, brigas de vizinhos, compra e venda, e tantos outros, não se devendo

esquecer da possibilidade de conciliação de direitos administrativos, penais e

previdenciários, por exemplo.

Na verdade, a conciliação proporciona vantagem material da qual podem se

beneficiar os transatores, ressaltando-se a efetiva colaboração que ambas as partes

podem emprestar a maior presteza e efetividade do processo, visto este como meio

de pacificação de conflitos. Não se deve esquecer, também, de que a sobrecarga de

processos diminui diretamente à medida que as conciliações vão sendo alcançadas.

A redução do número de processos traz, para o jurisdicionado, fim ao

processo, com todos os seus ônus, de duração e resultado indefinidos e, para o

Judiciário, possibilidade de exame mais diligente dos casos singulares e complexos,

melhorando a qualidade da resposta judiciária.

4.2 – PROJETO DE LEI N° 4.827/1998 – A TENTATIVA DE DISCIPLINA LEGAL

DA MEDIAÇÃO

O Projeto de Lei n° 4827-b/1998 (PLC 94/2002), de autoria da Deputada

Zulaiê Cobra (PSDB-SP), institucionaliza e disciplina a mediação, como método de

prevenção e solução consensual de conflitos.

46

O art. 1° do Projeto assim define a mediação: “Para os fins desta Lei,

mediação é a atividade técnica exercida por terceira pessoa, que, escolhida ou

aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com o propósito de lhes

permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos”.

Segundo o projeto, a mediação é possível em toda matéria que admita

conciliação, transação ou acordo, segundo as leis civil e penal.

A figura do mediador imparcial estende-se a qualquer pessoa que tenha

experiência técnica e prática na matéria objeto do conflito, abrangendo, também,

pessoas jurídicas que se dediquem ao exercício da conciliação.

A mediação pode ser judicial ou extrajudicial. O mediador judicial está sujeito

a compromisso, podendo ser recusado por qualquer das partes.

O Projeto traz a possibilidade, ainda, de, em qualquer tempo e grau de

jurisdição, o juiz orientar as partes acerca da conveniência de se submeterem à

mediação extrajudicial, ou, com a concordância delas, designar mediador,

suspendendo o processo pelo prazo de até três meses, prorrogável por igual

período.

O art. 5º do Projeto permite que ainda que não exista processo, obtido acordo,

este poderá, a requerimento das partes, ser reduzido a termo e homologado por

sentença, que valerá como título executivo judicial ou produzirá os outros efeitos

jurídicos próprios de sua matéria, não inovando nesse sentido.

Relevante disposição encontra-se no art. 6º segundo o qual, antes de

instaurar processo, o interessado pode requerer ao juiz que, sem antecipar-lhe os

termos do conflito e de sua pretensão eventual, mande intimar a parte contrária

para comparecer a audiência de tentativa de conciliação ou mediação, ressalvando-

se que, não obtido o acordo, deverá ser conferido prazo à parte contrária para

demandar sua defesa, já que, de início, desconhecerá o objeto do litígio.

47

O relator opinou pela constitucionalidade do projeto, sustentando que a

mediação é meio de autocomposição no qual se prestigia a autonomia da vontade,

relegando ao Judiciário as matérias que dele imprescindem.

O Deputado Jarbas Lima, por sua vez, discordando do relator, disse que o

objetivo principal do projeto é diminuir o número de demandas que chegam ao

Judiciário, com a institucionalização do método da mediação como meio de

resolução de conflitos interindividuais. Segundo o Deputado, a mediação é forma

amistosa de resolução de conflitos, não devendo ser legalmente disciplinada, sob

pena de ferir o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Enfatizou a

questão do art. 6°, o qual, para ele, não pode a parte ser intimada para tentar

compor o litígio, devendo, ao contrário, ser citada.

O Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) propôs texto substitutivo, no

qual disciplina a mediação paraprocessual como mecanismo complementar de

solução e prevenção de litígios no âmbito do processo civil.

A mediação paraprocessual será prévia ou incidental ao processo judicial, e

judicial ou extrajudicial em relação ao mediador-condutor.

A mediação prévia é facultativa, podendo ser judicial ou extrajudicial. A

judicial dar-se-á através de requerimento subscrito pelo demandante e por seu

advogado a ser distribuído a um mediador, cientificando-se a parte contrária para

comparecimento junto a seu advogado.

O art. 6° do Projeto substitutivo institui a mediação incidental como

obrigatória, salvo os casos que excepciona, dada a natureza das causas elencadas

em seus incisos. Frustrada a mediação, a petição inicial é remetida ao juízo para o

qual fora inicialmente distribuída, retomando-se o processo judicial.

O Projeto tende, ainda, a conferir nova redação ao art. 331 e a acrescentar o

art. 331-A, nos seguintes termos:

Art. 331. Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo máximo de

48

30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. § 1o Na audiência preliminar, o juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, mesmo tendo sido já realizada a mediação prévia ou incidental. § 2o A lei local poderá instituir juiz conciliador ou recrutar conciliadores para auxiliarem o juiz da causa na tentativa de solução amigável dos conflitos. § 3o Segundo as peculiaridades do caso, outras formas adequadas de solução do conflito poderão ser sugeridas pelo juiz, inclusive a arbitragem, na forma da lei, a mediação e a avaliação neutra de terceiro. § 4o A avaliação neutra de terceiro, a ser obtida no prazo a ser fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito. § 5o Obtido o acordo, será reduzido a termo e homologado pelo juiz. § 6o Se, por qualquer motivo, a conciliação não produzir resultados e não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, na mesma audiência, fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário”. (NR) Art.331-A. Em qualquer tempo e grau de jurisdição, poderá o juiz ou tribunal adotar, no que couber, as providências previstas no artigo anterior”.

Outro substitutivo foi apresentado, sugerindo nova alteração ao art. 331 do

CPC e ao art. 285, mantido o acréscimo do art. 331-A:

Art. 285. Nas causas que versarem sobre direitos suscetíveis de transação, estando em termos a petição inicial, o juiz designará audiência preliminar, com prazo de vinte dias, nos termos e para os fins do caput e § 1º do art. 331. §1º Frustrada a conciliação e nas demais causas, ordenará a citação do réu, para responder; do mandado constará que, não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor. §2º Na audiência, o juiz poderá ser auxiliado ou substituído por conciliador. Art. 331. ........................................................................ § 1ºNa audiência, o juiz ouvirá as partes sobre os motivos da demanda e tentará a conciliação, mesmo que já tenha sido realizada mediação prévia ou incidental. §2ºOutras formas de solução do conflito poderão ser sugeridas pelo juiz, como a arbitragem, a mediação e a avaliação neutra de terceiro. § 3ºA avaliação neutra de terceiro, a ser realizada no prazo fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vincula as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las no sentido de uma composição amigável do conflito. § 4ºObtido o acordo, lavrar-se-á o respectivo termo (art. 449). § 5ºCaso não obtida a conciliação e não adotado outro meio de solução do conflito, o juiz de imediato fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário. § 6ºSe o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá desde logo sanear o processo e proceder nos termos do parágrafo quarto." Art. 331-A. Em qualquer tempo e grau de jurisdição, poderá o juiz ou tribunal adotar, no que couber, as providências previstas no artigo anterior."

O substitutivo apresentado pelo Senado inova ao permitir que o Poder Público

exerça controle sobre a qualidade da mediação. A atenção voltada para a formação

do mediador, mais exigente que o Projeto inicial (bacharel em Direito, Registro no

49

órgão competente), as condições do local em que a mediação deverá ser realizada

(local apropriado) e a atribuição do poder de fiscalização ao Tribunal de Justiça, à

Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, tem como objetivo

assegurar a qualidade do serviço prestado ao jurisdicionado.

Certo é que o Projeto inicial da Deputada Zulaiê representa proposta tímida

para a instituição da mediação, ao passo que ao Projeto substitutivo pode configurar

nova realidade para o estímulo ao acordo, com a instituição da mediação

paraprocessual.

5 – MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: ALTERNATIVOS AO

ESTADO OU AO PROCESSO TRADICIONAL?

Os meios alternativos de solução de conflitos constituem uma forma de tutela

jurisdicional diferenciada em contraposição à Justiça tradicional na qual o juiz impõe

a solução que entender justa e conforme ao Direito e à lei.

Como alternativa ao procedimento voltado para a prolatação de uma

sentença, resultado de um contraditório técnico, com respeito às regras processuais,

surgem as tentativas de acordo ou meios de solução negociada, que contribuem

para evitar as largas etapas, ordinatória e instrutória, do processo.

Analisados sob o ângulo político-social, o termo “alternativos” referir-se-ia à

jurisdição estatal e, não, ao procedimento formal tradicional. Diante disso, emerge o

questionamento segundo o qual visariam os métodos alternativos a assegurar maior

legitimidade ao Estado-Juiz ou a reduzir a figura do Estado.

Os argumentos a favor dos meios alternativos ganharam força,

principalmente, com a crise do modelo do Estado do Bem-Estar Social e o

conseqüente ressurgimento do Estado Liberal como ideologia hegemônica

(neoliberalismo).

A crise de administração da Justiça, caracterizada pela sobrecarga dos Juízos

e Tribunais e pela inevitável morosidade daí advinda, justificaria a adoção de meios

50

alternativos, sem necessidade, pois, de julgamento, como forma de garantir maior

eficiência estatal. Isso porque seria menos vantajoso investir na reestruturação do

aparelho do Estado.

Nesse sentido, o Estado, no desempenho da função jurisdicional,

representaria óbice à livre negociação decorrente da autonomia privada. Assim,

quando menos o Judiciário interviesse, melhor seria para a economia.

Merecem destaque, como exemplos de que os meios alternativos são

estimulados por interesses econômicos, a arbitragem (Lei n° 9.307/96), as

Comissões de Conciliação Prévia no âmbito da Justiça do Trabalho, instituídos em

empresas e sindicatos (art. 625-A, CLT, com redação empreendida pela Lei n°

9.958/2000) e o Movimento pela Conciliação, encabeçado pelo Conselho Nacional

de Justiça, nas Justiças Estadual, Federal Comum e Trabalhista, de 1ª e 2ª

instâncias.

Ocorre que a função jurisdicional não significa necessariamente

burocratização. Em países, como o nosso, em que se constitucionalizou o acesso à

justiça (art. 5°, XXXV, CRFB), a tutela jurisdicional revela-se como direito e garantia

fundamental para fazer frente às desigualdades sociais, reequilibradas, pelo juiz, na

condução do processo.

A discussão acerca dos meios alternativos transcende, pois, a problemática

técnico-processual, abrangendo questões de políticas públicas.

Inegavelmente, o processo de judicialização de conflitos sociais esgotou o

Judiciário formal. No entanto, a desativação e desaparelhamento da máquina

judiciária implicaria, para as soluções negociadas, perda de espaço.

Ademais, é certo que o esvaziamento do Judiciário representaria retrocesso

diante dos direitos e garantias fundamentais que se institucionalizaram e

constitucionalizaram, e ambiente propício para o advento de um Estado opressor,

pondo fim às conquistas que o Estado Democrático de Direito fincou.

51

Conforme dispõe Cappelletti sobre a vantagem da conciliação, como meio

alternativo, e sobre a necessidade, por outro lado, da função jurisdicional na

condução de conflitos sociais, ou seja, na sua legitimação:

A conciliação é extremamente útil para muitos tipos de demandas e partes, especialmente quando consideramos a importância de restaurar relacionamentos prolongados, em vez de simplesmente julgar as partes vencedoras ou vencidas. Mas, embora a conciliação se destine, principalmente, a reduzir o congestionamento do judiciário, devemos certificar-nos de que os resultados representam verdadeiros êxitos, não apenas remédios para problemas do judiciário, que poderiam ter outras soluções43.

Devemos, no entanto, ser cautelosos para que o objetivo de evitar o congestionamento não afaste causas que, de fato, devam ser julgadas pelos tribunais, tais como muitos casos que envolvem direitos constitucionais ou a proteção de interesses difusos ou de classe. O desvio, em suma, pode ir longe demais. Por outro lado, o desvio geral pode não ir suficientemente longe, se enfocado de nossa perspectiva de acesso à justiça: um enfoque mais especializado do que o arbitramento ou conciliação gerais parece necessário para criar foruns efetivos onde os indivíduos possam reivindicar seus direitos44.

Sem pretender esvaziar a atividade jurisdicional, substituindo-a por meios

alternativos é

fundamental que sejam aplicadas medidas de aperfeiçoamento da atividade estatal jurisdicional, pois tais medidas alicerçarão a base de sustentação dos denominados meios alternativos. Em outras palavras, para que os meios alternativos sejam eficientes, é fundamental que haja a possibilidade de opção idônea entre a solução contenciosa e consensual, o que não ocorre no caso de uma das opções apresentar-se morosa, caótica e ineficiente45.

43 Cappelletti e Garth, p. 85. 44 Cappelletti e Garth, p. 91. 45 CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: 2007. p. 49.

52

CAPÍTULO III – CONCILIAÇÃO JUDICIAL E SEU MOMENTO

1 – AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO: CONSIDERAÇÕES GERAIS

A audiência inicial ou preliminar realizada no processo do trabalho e a

audiência conciliatória realizada no processo civil (art. 331, CPC) têm sua utilidade

dependente da forma como são conduzidas e da capacidade do conciliador de

transformar o espírito de litígio em espírito conciliatório.

Para tanto, é necessária a criação de um ambiente de diálogo, onde não só o

juiz e os advogados se manifestem, mas também onde haja um convite às partes

para expressarem suas razões relativas ao conflito sem receio. Este diálogo exige,

ressalte-se, a simplificação da linguagem.

Na passagem a seguir transcrita, o autor português Alexandre Vaz trata da

inserção de Portugal na Comunidade Européia e da necessidade de adaptação à

legislação processual.

Mas uma outra linha de tendência que todos os autores sublinham e os legisladores da C. E. têm consagrado é o grande relevo dado à tentativa oficiosa de conciliação proposta pelo juiz do processo contencioso no começo ou durante este último todas as vezes que parece possível ao juiz induzir as partes a uma conciliação de ‘equidade e persuasiva. É o que está expressamente consignado de uma forma muito precisa no art. 21 do novo Código Francês de 1976 quando se diz expressamente neste artigo ‘que faz parte da missão do juiz realizar a conciliação dos pleiteantes’. Na legislação portuguesa a evolução foi a seguinte: no Código de 1876 a conciliação prévia era obrigatória diante do juiz de paz (art. 357); no Código de 1939 a tentativa de conciliação tornou-se facultativa diante do juiz de paz (art. 476), se bem que este Código tivesse consagrado também a tentativa oficiosa do juiz da causa na audiência preliminar no decurso do processo (art. 513 do CPC) No código em vigor em 1961 a tentativa de conciliação preliminar mesmo facultativa foi suprimida, e a tentativa oficiosa do juiz da causa subsiste ainda nos termos da legislação anterior (arts. 509 e 652 do CPC); - mas é preciso acrescentar que a legislação portuguesa aprova também a tentativa de conciliação obrigatória preliminar em matéria especial (...). Esta mesma tendência evolutiva se revelou também na Itália. Sendo os autores italianos unânimes em afirmar que a tentativa prévia de conciliação deixou de ter qualquer alcance prático, sobretudo após a promulgação do Código Grandi de 1942: - falando a este propósito alguns autores de autêntica ‘involução’ deste instituto (Picardi) e da quase ‘total anulação’ do seu alcance prático (Carpi) Todos atribuindo a maior importância (...) à tentativa oficiosa de conciliação do juiz da causa com carácter de ‘conciliação de equidade’, na qual se distinguem e contrapõem as conciliações justas e injustas, razoáveis ou danosas: só a conciliação de equidade e persuasiva devendo ser proposta pelo juiz às partes, dentro de uma

53

visão nitidamente jurisdicionalística da composição amigável sugerida pelo juiz da causa46.

Outra prática que deve ser superada é o medo de entrar no mérito sob

suspeita de pré-julgamento; a mediação conciliatória em juízo deve ser feita à

sombra da lei e da jurisprudência, facultando às partes conversar sobre o mérito e

sobre as perspectivas de sucesso, sem emissão de juízo definitiva por parte do

julgador.

O papel do conciliador deve ser, primeiro, o de criar uma atmosfera de

diálogo, em que as partes se sintam em equilíbrio e livres para discutir o conflito a

ponto de analisá-lo reciprocamente e para criarem possíveis soluções, ainda que

sob a perspectiva de um julgamento futuro pelo Judiciário, e com as informações

necessárias sobre a duração do rito processual e os recursos interponíveis.

A demora processual não deve ser um meio de pressão para a obtenção do

acordo, mas as partes devem ter consciência de todas as opções e caminhos de

que dispõem diante da lide.

O Conciliador deve abster-se de expressar seus valores e convicções para

ouvir e adentrar ao universo das partes, auxiliando-as na percepção do que elas

entendem como melhor para elas e qual o caminho a alcançar.

A forma de lidar com o conflito pode ser chamada de “gerenciamento”, cujos

métodos em equilíbrio podem levar a resultados surpreendentes. A mediação

conciliatória permite em vários casos que as partes encontrem prestação

jurisdicional através da construção da resposta ao conflito, sem abrir mão de suas

pretensões, inicialmente opostas, mas construindo um caminho mais satisfatório

face ao seu desejo inicial.

Existem várias formas de prestação jurisdicional. Existem lides que devem ser

julgadas e existem outras para as quais o julgamento não soluciona, podendo gerar

aumento de conflito. Nestas, o Judiciário deve estimular, como mediador e

46 VAZ, Alexandre Mário Pessoa. Direito Processual Civil. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 285/286

54

educador, contribuindo para que os indivíduos sejam capazes e hábeis em relação

aos seus próprios conflitos.

Por outro lado, a sentença judicial é a solução encontrada por uma terceira

pessoa, o juiz, ante o conflito que lhe é apresentado pelas partes, que, nem sempre,

buscam meios não-adversariais para superar as divergências.

A conciliação traduz-se em simples acordos que poderão ser realizados tanto

nos processos já em trâmite quanto nos conflitos que sequer chegaram a se

transformar em ações judiciais. A atividade é desenvolvida por meio de conciliadores

que atuam junto às unidades judiciais e a bairros populosos, vilas e distritos

distantes, municípios que não sejam sede de jurisdição, sob a fiscalização do

Judiciário, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.

Enfatize-se que a via judicial, no entanto, não fica excluída, caso a tentativa

de acordo, por intermédio do conciliador, não obtenha êxito.

Essa fase, em geral, (a da conciliação) não é suficientemente estimulada

pelos juízes, comprometidos com a cultura jurídica de justiça imposta e não

produzida pelas partes. A conciliação, porém, é mais rápida e mais barata do que a

sentença. Esse tipo de iniciativa é fator de pacificação social, complementar e

integrado ao Judiciário.

Na conciliação, o resultado vai estar mais próximo da vontade das partes em

conflito. Se as partes ajudam a construir o acordo, o incentivo para obedecer ao

combinado é maior.

Ressalve-se que o Movimento pela Conciliação não diminui a essencialidade

dos profissionais jurídicos — juízes, advogados, procuradores, promotores,

defensores públicos. Ao contrário: a conciliação sempre pode ser aprimorada com a

participação desses profissionais, e eventual ilegalidade ou violação a direitos no

procedimento conciliatório pode ser examinada pelo Judiciário. Diminuir a demanda

por sentenças impostas é potencializar a atuação dos juízes sobre os casos que

mais dependem da sua apreciação, ou seja, é fator de legitimação.

55

A jurisdição, enquanto atividade substitutiva, dirime o litígio do ponto de vista

dos seus efeitos jurídicos, mas, na imensa maioria das vezes, ao contrário de

eliminar o conflito subjetivo entre as partes, o incrementa: o vencido dificilmente

reconhece que seu direito não era melhor que o da outra parte, e, não raro, credita

ao Poder Judiciário a responsabilidade pela frustração a suas expectativas.

2 – INICIATIVAS CONCILIATÓRIAS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL

COMUM – A NATUREZA DOS LITÍGIOS E A NÃO-AUTORIZAÇÃO PARA

CONCILIAR – MAIOR VIABILIDADE NA JUSTIÇA ESTADUAL

No âmbito da Justiça Federal, as iniciativas voltadas à conciliação são

relativamente recentes. Não há tradição de acordo nas causas que envolvem os

entes públicos, que tramitam nos foros federais, até mesmo em razão da natureza

peculiar dos litígios. Sempre sob o pressuposto de que o interesse público é

insuscetível de negociação, é indisponível, os órgãos e entes da Administração

costumam recusar sistematicamente as tentativas de solução conciliatória nos

processos, mesmo se a derrota na ação fosse iminente e mais prejudicial aos cofres

públicos.

Quando da instalação dos Juizados Especiais Federais (JEF’s), em 2002, e

diante da expressa previsão legal de que a União, suas autarquias, fundações e

empresas públicas poderem solucionar as demandas judiciais por acordo (art. 10,

parágrafo único, Lei n° 10.259/2001), implementaram-se, com significativa

expressão, por iniciativa do Judiciário, as tentativas de conciliação.

Os resultados começaram a surgir, inicialmente de forma tímida, e não

ficaram restritos às ações de competência dos JEF’s. Dentre as iniciativas que

tiveram êxito, na Justiça Federal, destacam-se as conciliações nas demandas

referentes ao Sistema Financeiro de Habitação, nos processos de cobrança de

crédito comercial, nos processos de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

(FGTS), nas execuções fiscais e nas ações previdenciárias de concessão e de

revisão de benefício.

56

O sucesso destas iniciativas, porém, tem estado na dependência da

disposição de alguns procuradores e representantes dos entes públicos, que,

rompendo com a costumeira forma de lidar com os processos, convenceram-se de

que os conceitos tradicionais de levar a litigiosidade às últimas conseqüências

merecem revisão.

A verdade é que a autorização legal para a conciliação não é suficiente para

que a medida passe a ser admitida com naturalidade no meio jurídico. Portanto,

alguns dogmas da formação dos profissionais do direito precisam ser repensados. E

isto inclui rever conceitos arraigados, tanto por magistrados, como por advogados,

membros do Ministério Público e, especialmente, por representantes da Fazenda

Pública.

Em verdade, não é costume, na formação do jurista, o ensino da conciliação.

Os cursos de direito e parte da doutrina cultuam a litigiosidade, a partir de uma

concepção puramente formal dos mecanismos da ampla defesa e da própria

atividade jurisdicional.

Protegendo-se na “indisponibilidade do interesse público” e no “princípio da

legalidade”, insurgem-se os representantes da Fazenda indefinidamente contra

reiteradas decisões judiciais, recusando-se a conciliar ou até mesmo deixando de

comparecer às audiências de conciliação.

Ocorre que não se vulnera o interesse público com a conciliação. Onde está

escrito que a Administração, em nome do interesse público não pode reconhecer

direitos, pelo simples fato de terem sido demandados judicialmente? O que impede o

reconhecimento em juízo de eventual erro administrativo?

É certo que nem sempre a conciliação será o mecanismo apto a solucionar os

processos. Situações há que demandam a atividade substitutiva do Poder Judiciário

– o julgamento – para balizar os comportamentos. Mas a conciliação sempre deve

ser a primeira alternativa e a mais estimulada, principalmente antes do

estabelecimento do contraditório, como instrumento de grande potencial que é para

a pacificação dos conflitos.

57

2.1 – INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO – PODER DE

CONCILIAÇÃO E TRANSAÇÃO DOS REPRESENTANTES DA FAZENDA

PÚBLICA EM JUÍZO

Segundo José dos Santos Carvalho Filho47 sobre o princípio da

indisponibilidade:

Os bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade, esta sim a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos. O princípio da indisponibilidade enfatiza tal situação. A Administração não tem a livre disposição dos bens e interesses públicos, porque atua em nome de terceiros.

A representação judicial da Fazenda Pública está prevista nos arts. 131 e 132

da CRFB, cabendo à Advocacia-Geral da União a representação da União Federal,

à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a representação da União na execução

da dívida ativa de natureza tributária, e aos Procuradores de Estado, a

representação das unidades federadas respectivas.

Os Juízos de Fazenda Pública e os Juízos Federais, por possuírem em um

dos pólos da demanda a Fazenda Pública (autarquias, empresas públicas,

fundações públicas de direito público, União, Estados, Distrito Federal e Municípios),

apresentam dificuldades no que alude à tentativa de conciliação.

Isso se dá principalmente porque os representantes judiciais da Fazenda

Pública, Procuradores de Estado e de Município, bem como os Procuradores

Federais e da Fazenda Nacional, não hesitam em afastar a possibilidade de transigir

ou conciliar sob o respaldo do princípio da indisponibilidade do interesse público.

A Lei Complementar n° 73/93 que rege a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da

União, versa em seu art. 4° ser da atribuição do Advogado-Geral da União desistir,

47 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

58

transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, de acordo

com o estabelecido em lei.

A referida lei é a de n° 9.469/97, na qual se permitem transações com a

observância dos limites lá impostos. Segue transcrição dos dispositivos pertinentes.

Art. 1º O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não-propositura de ações e a não-interposicão de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$1.000,00 (mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições aqui estabelecidas. § 1º Quando a causa envolver valores superiores ao limite fixado no caput, o acordo ou a transação, sob pena de nulidade, dependerá de prévia e expressa autorização do Ministro de Estado ou do titular da Secretaria da Presidência da República a cuja área de competência estiver afeto o assunto, no caso da União, ou da autoridade máxima da autarquia, da fundação ou da empresa pública.

Art. 2º O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, fundações ou empresas publicas federais poderão autorizar a realização de acordos, homologáveis pelo Juízo, nos autos dos processos ajuizados por essas entidades, para o pagamento de débitos de valores não superiores a R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), em parcelas mensais e sucessivas até o máximo de trinta.

Em sede de Juizado Especial Federal, interessante o disposto no art. 10,

parágrafo único, da Lei n° 10.259/2001, regulamentado pelo Decreto n° 4.250/2002,

segundo o qual os representantes judiciais da Fazenda Pública Federal ficam

autorizados a conciliar, transigir ou desistir nos processos de competência dos

JEF’s.

Uma vez que os Juizados Federais tem por objetivo julgar causas de menor

valor, até 60 salários mínimos, a autorização conferida para o ente público conciliar

e transacionar representa importante contribuição trazida pela Lei n° 10.259/2001.

Nesse ponto, não se diga tratar-se de vulneração ao princípio da

indisponibilidade do interesse público. Não há vedação à transação, mas vedação à

transação desvantajosa para a Administração.

59

Não se esqueça de que um acordo pode ser extremamente útil para o

interesse público, mormente no que se refere à diminuição, por exemplo, do valor da

condenação, quando sucumbente a Fazenda Pública.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) prevê, também, na Lei n°

8.213/91, em seu art. 13248, possibilidade de transação nos limites ali estabelecidos

em processos movidos em face da autarquia.

O mesmo diga-se quanto à representação do Estado em juízo, regulamentada

pela Lei Complementar n° 15/80 – Lei Orgânica da Procuradoria do Estado do Rio

de Janeiro.

É preciso, pois, que o Estado não encare o cidadão como um inimigo a ser

vencido. Muitas vezes, considera-se dever estatal opor todos os obstáculos à vitória

do cidadão em juízo, quando certo é que a vitória do Estado se dá com a

prevalência do direito e, não, com a sucumbência do cidadão.

O termo “interesse público”, embora de conceituação vaga e indeterminada,

restou definido na Lei que regula o processo administrativo no âmbito federal, Lei nº

9.784/99, da seguinte forma: “o atendimento a fins de interesse geral, vedada a

renúncia total ou parcial de poderes ou competência, salvo autorização em lei” (art.

2º, parágrafo único, II).

Do mesmo modo, a expressão “direitos indisponíveis”, usualmente oposta

como fator impeditivo a conciliações e transações, também se insere no campo dos

conceitos vagos ou indeterminados.

Em primeiro lugar, ser indisponível não implica, necessariamente, ser

inegociável. Os alimentos são irrenunciáveis (art. 1.707, CC/02) embora admitam

acordo; os valores e interesses suscetíveis de tutela por meio da ação civil pública

(meio ambiente, patrimônio cultural, ordem urbanística) são indisponíveis, sendo,

48 “A formalização de desistências ou transigências judiciais, por parte de procurador da Previdência Social, será sempre precedida da anuência, por escrito, do Procurador-Geral do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS ou do Presidente desse órgão, quando os valores em litígio ultrapassarem os limites definidos pelo Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS.”

60

todavia, plenamente possível a transação, quando se puder alcançar , com menor

custo, maior efetividade e ganho tempo, a tutela reclamada; o próprio crédito

tributário é passível de ajustes, tais como moratória, parcelamento, compensação,

transação, remissão, isenção ou anistia.

Impende, ainda, distinguir o interesse público primário do secundário ou

fazendário. O primeiro seria aquele de toda a coletividade, do povo em geral, ao

passo que o interesse público secundário seria o da pessoa jurídica de direito

público. O certo é que, ao final, essas duas espécies coincidam.

Portanto, o interesse secundário não tem outra natureza que não a de

interesse público propriamente dito, no sentido de que a Administração tem o poder-

dever de realizar a boa gestão da coisa pública, com o correto manejo do erário,

aproximando-se, quanto mais possível, ao que se entende por interesse público.

Quando se fala em interesse ou direito indisponível, associado, por certo, a

interesse público, tem-se, à primeira vista, a idéia de que insuscetibilidade de

qualquer composição. Isso vem influenciado, muitas vezes, pelas disposições do

Código Civil, tal é mostrado na redação do art. 841 (“Só quanto a direitos

patrimoniais de caráter privado se permite a transação”) ou por disposições do CPC,

o qual, segundo o art. 447, autoriza a conciliação quando “o litígio versar sobre

direitos patrimoniais de caráter privado”, ou, ainda, o art. 331, relacionando a

possibilidade de designação de audiência preliminar ao fato de a causa versar

acerca de “direitos que admitem transação”.

Verifica-se, pois, que os interesses, valores e direitos indisponíveis o são sob

um aspecto material, a fim de que reste preservado o núcleo essencial do interesse

em lide.

Como exemplo, no campo dos direitos protegidos pela tutela da ação civil

pública, direitos metaindividuais e, portanto, indisponíveis, a Lei prevê a

possibilidade de celebração, no bojo de inquérito civil, de termo de ajustamento de

conduta, podendo, assim, evitar o ajuizamento da ação civil pública. Em vista disso,

não se vê motivo razoável para que, uma proposta a ação civil, não possam as

61

partes transacionar para encerrá-la. “E, se podem ser feitos esses compromissos

extrajudiciais, com maior razão podem ser realizados em juízo”49.

A tentativa de conciliação em primeiro grau, logo na audiência preliminar do

art. 331, CPC, depende, se lido literalmente, de que se trate de litígio cujo objeto

admita transação. Outra tentativa abre-se ao início da audiência de instrução e

julgamento (art. 447).

Como diz Nelson Nery, “a transação pode ocorrer quer quando se trate de

direitos disponíveis (transação plena) quer quando a causa verse sobre direitos

indisponíveis (transação parcial”) 50.

Portanto, quanto ao fato de a conciliação ao início da audiência de instrução e

julgamento falar em direitos patrimoniais de caráter privado (art. 447, CPC), é

preciso não interpretar tal restrição de modo a excluir das causas afetas à Fazenda

Pública a possibilidade de conciliação.

Assim como a Administração Pública está autorizada a resolver internamente

seus próprios conflitos, anulando seus atos quando eivados de ilegalidade ou

revogando-os por motivo de conveniência e oportunidade, é razoável que possa se

valer da conciliação para dirimir conflitos judicializados.

A participação de um ente político em movimento de conciliação judicial pode

surpreender dada a usual contraposição que se costuma fazer entre interesse

fazendário e disponibilidade ou entre indisponibilidade e transação.

3- PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – O

MOMENTO PARA A CONCILIAÇÃO

A discussão sobre a efetividade do processo e o acesso à justiça tem sido

tema de grandes debates. A criação dos Juizados Especiais surgiu com essa

preocupação. Trata-se de Juízos destinados às pessoas comuns com o fim de

49 3ª Câmara de Férias “j” – MS 258.284-1/6 – j. em 26.09.1995, v.u., Rel. Des. Mattos Faria. 50 Código de Processo Civil comentado. 7. ed. São Paulo: RT, 2003. Nota 6 ao art. 331 do CPC.

62

garantir direitos de pequeno valor monetário na tentativa de superar, ou, ao menos,

atenuar os obstáculos opostos ao pleno acesso de todos à justiça.

A pretensão inicial dos Juizados Especiais era (e ainda é) a de promover a

acessibilidade geral ao Poder Judiciário, reduzindo os custos da demanda e a

duração do litígio. Através dos Juizados, parte da população carente de recursos

passa a ter a possibilidade de litigar sem os ônus processuais tão comuns no

procedimento ordinário. Eles também visam à equalização das partes, tornando o

juiz mais ativo e informal no curso do processo, com consciência ética e de justiça,

permitindo a simplificação da produção de provas e limitando a possibilidade de

recursos. Não se vai, aqui, discutir, no entanto, se é correto ou não as limitações

empreendidas pela Lei dos Juizados.

Fixa-se a idéia de alteração no estilo de tomada de decisão, o que enfatiza a

conciliação como sua principal característica. Há a possibilidade de se promover

acordo entre partes de forma rápida e informal.

Quando Cappelletti traz a idéia de criar um tribunal especial para causas de

pequeno valor, ele foca nas condições financeira e social dos litigantes. Pretende-se

criar um processo mais célere, simples e barato.

Os Juizados Especiais, previstos no art. 98, I, da Constituição da República,

são regidos pela Lei n° 9.099/95. Os Juizados Especiais Federais, com previsão

expressa na Constituição, em seu art. 98, §1°, são regulamentados pela Lei n°

10.259/2001.

O art. 3° da Lei n° 9.099/95 dispõe que o Juizado Especial Cível tem

competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor

complexidade. Os Juizados têm, pois, competência para as seguintes causas:

causas cujo valor não exceda a 40 salários mínimos; ação de despejo para uso

próprio; ações possessórias sobre bens móveis de valor até 40 salários mínimos;

causas submetidas ao rito sumário do CPC, observado o valor de alçada do juizado,

quais sejam: arrendamento rural e parceria agrícola; cobrança ao condômino de

quantias devidas ao condomínio; ressarcimento por danos em prédio urbano ou

63

rústico; ressarcimento por danos causados em acidente de veículo em via terrestre;

cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo;

cobrança de honorários de profissionais liberais.

O parágrafo 2° do referido art. 3° prevê, expressamente, as causas que

afastam a competência dos Juizados, quais sejam: causas de natureza alimentar,

falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública; as relativas a acidentes de

trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade de pessoas, ainda que de cunho

patrimonial.

O art. 21 e seguintes da lei tratam da audiência de conciliação no âmbito dos

Juizados. Segundo o dispositivo, o juiz esclarecerá às partes sobre as vantagens da

conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio.

A conciliação é conduzida por juiz togado ou leigo (de preferência, advogados

com cinco anos de experiência) ou por conciliador (preferencialmente, bacharel em

direito) sob sua orientação.

A conciliação, uma vez obtida, é reduzida a escrito e homologada pelo juiz

togado, mediante sentença.

O processo no Juizado instaura-se com a apresentação de pedido escrito ou

oral à sua Secretaria. Registrado o pedido, a Secretaria designa audiência de

conciliação (arts. 14, caput e 16).

Presentes as partes, deverá o conciliador, após inteirar-se acerca do pedido,

dedicar-se à aproximação das partes para a busca da conciliação. Para isto, não é

suficiente apenas propor formalmente o acordo (como mostra a prática), mas haver

empenho e uma certa técnica na condução da audiência, dando oportunidade para

as partes exporem sinteticamente suas razões, deixando-as à vontade, e expondo-

lhes, sem adentrar o mérito, as vantagens de um acordo.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, regidos pela Lei 9.099/95,

predomina o entendimento de que o momento processual oportuno para a entrega

64

da contestação é o da audiência de instrução e julgamento, realizada em data

posterior à sessão de conciliação, esta pretensamente destinada única e

exclusivamente à tentativa de conciliação51.

Com efeito, ao contrário do CPC, a Lei n° 9.099/95, que rege o procedimento

sumariíssimo aplicado no âmbito dos JEC’s, silenciou acerca do assunto.

Há quem entenda, porém, ser a audiência de conciliação, quando não obtido

acordo, o momento oportuno para a entrega da peça de bloqueio, o que mais condiz

com o propósito do presente trabalho. Afinal, certo é que não consta do diploma

legal indicação para que a contestação seja entregue somente em sede de AIJ.

O art. 2º da Lei 9.099/95 dispõe, de forma expressa, que, no âmbito da

Justiça Especializada, “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade,

simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre

que possível, a conciliação ou transação”.

O procedimento sumaríssimo deve observar, no trâmite dos feitos

processados no âmbito dos JEC’s, um desenvolvimento processual muito mais

célere que o estabelecido para o denominado procedimento sumário, e que, por sua

vez, estabelece o momento processual da audiência de conciliação para

oferecimento de resposta escrita ou oral, caso frustrada a conciliação.

4 – A CONCILIAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS CÍVEIS

Os Juizados Especiais Federais são regulamentados pela Lei n° 10.259/2001,

cujo art. 3° define como causas de sua competência aquelas de competência da

Justiça Federal, insertas no art. 109 da CRFB, ressalvando o teto de 60 salários

mínimos.

51 Tal entendimento é corroborado pelo Enunciado Cível n° 10 editado pelo FÓRUM NACIONAL DE JUIZADOS ESPECIAIS, no qual se lê: "A contestação poderá ser apresentada até a audiência de instrução e julgamento".

65

O parágrafo 1° do art. 3° exclui, no entanto, expressamente, a competência

dos JEF’s para as seguintes causas: causas sobre bens imóveis da União,

autarquias e fundações públicas federais; causas para a anulação ou cancelamento

de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento

fiscal; causas que tenham por objeto a impugnação de pena de demissão imposta a

servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares; ações de

mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, ações

populares, execuções fiscais, ações por improbidade administrativa e demandas por

direitos e interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; causas entre

Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou

residente no País; causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado

estrangeiro ou organismo internacional; disputa sobre direitos indígenas.

A incompetência dos JEF’s para o julgamento de tais causas, mais

complexas, visa, exatamente, a atender aos princípios da celeridade, informalidade

e simplificação.

O art. 9° diz que a citação para audiência de conciliação deve ser efetuada

com antecedência mínima de 30 dias.

O art. 10, parágrafo único, diz que os representantes judiciais da União,

autarquias, fundações e empresas públicas federais, sempre rés em sede de

Juizado Especial Federal, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos

processos de sua competência.

Reitere-se que existe considerável preconceito contra a possibilidade de

conciliação e transação quando for parte pessoa jurídica de direito público, tendo em

vista, principalmente, a alegação de indisponibilidade do interesse público. Todavia,

a indisponibilidade não significa proibição da transação, mas apenas da transação

desvantajosa. Um acordo pode ser extremamente útil para a coletividade, caso em

que impedi-lo é que vulnera o interesse coletivo. A transação já é, hoje, legalmente

possível, mas as dificuldades administrativas para sua concretização tornam esse

eficiente instrumento figura de pouca utilidade prática.

66

A busca pelo acordo, em sede de Juizado, embora se trate de Justiça

Federal, cujos feitos têm natureza muito mais complexa, pode representar uma

realidade, seja na própria audiência de conciliação, seja, por exemplo, no bojo da

peça contestatória. Ações que versam sobre obrigações de fazer e de pagar, como

revisão de benefícios previdenciários e pagamento de atrasados, financiamento da

casa própria e mesmo ações indenizatórias, por demonstrarem simplicidade, são

extremamente passíveis de conciliação por parte do ente público.

A conciliação pode, muitas vezes, interessar ao ente público, servindo para

diminuir o valor da condenação, economizar trabalho, tempo, honorários

advocatícios, custas e até, conforme o caso, percentual do débito devido. A

experiência demonstra que o autor muitas vezes prefere desistir de parte do pedido

desde que receba o acordado com rapidez (renúncia ao valor excedente à alçada).

5 – PROCEDIMENTO SUMÁRIO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – O

MOMENTO PARA A CONCILIAÇÃO

O Código de Processo Civil regula os procedimentos comum e especial. O

comum, por sua vez, divide-se em ordinário e sumário.

O art. 275 e seguintes do CPC cuida do procedimento sumário a ser

observado nas seguintes causas: causas de valor não-excedente a 60 salários

mínimos (rito dos Juizados Especiais Federais); causas (qualquer que seja o valor)

de arrendamento rural e parceria agrícola; cobrança ao condômino de quantias

devidas ao condomínio; ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;

ressarcimento por danos causados em acidente de veículo em via terrestre;

cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo;

cobrança de honorários de profissionais liberais (causas essas de competência,

também, dos Juizados Especiais, quando observado o limite de alçada).

O rito sumário poderá ainda ser escolhido nos demais casos previstos em lei,

vedado o procedimento nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas.

Não se aplica, também, o rito sumário a nenhuma das causas para as quais exista

previsão em procedimento especial.

67

O art. 277 do CPC cuida da audiência de conciliação, a ser realizada no prazo

de 30 dias, citando-se o réu com a antecedência mínima de 10 dias, ocasião em que

apresentará sua contestação ao pedido inicial, conforme consta no art. 278.

Acrescente-se que não se justifica a alegação de que a regulamentação dos

Juizados Especiais pela Lei n° 9.099/95 teria esvaziado o procedimento sumário.

Por diversas razões, cuja digressão não cabe aqui fazer, citamos duas: os Juizados

Especiais foram previstos, na sua lei de regência, como opção e faculdade e, não,

como via obrigatória. Ademais, ainda que os Juizados tenham competência para as

causas insertas no art. 275, II, do CPC, as demandas lá elencadas deverão observar

o teto do Juizado.

Lembre-se de que não pode o autor substituir o procedimento sumário pelo

ordinário nos casos em que a lei exige a observância do primeiro; isso porque a

forma procedimental é posta no interesse da Justiça. Assim, eventual emprego do

procedimento ordinário no lugar do sumário implica conversão de rito e, não,

nulidade processual.

O objetivo do procedimento sumário foi propiciar solução mais célere a

determinadas demandas. O rito sumário apresenta-se muito mais simplificado e

concentrado, com ênfase na oralidade, do que o ordinário, porquanto, à exceção da

petição inicial, defesa, provas e julgamento devem realizar-se no máximo em duas

audiências – uma de conciliação e resposta, outra, de instrução e julgamento.

O legislador cuidou de elencar o rol de ações que podem tramitar segundo o

rito sumário, já que há causas mais complexas e que demandam, normalmente,

contraditório de maior amplitude.

Instituiu-se uma audiência inicial destinada, especificamente, à conciliação e à

resposta do demandado, quando não obtido acordo. Autorizou-se o uso de

conciliador para auxiliar o juiz na tentativa conciliatória. Permitiu-se, ainda, a

possibilidade de formulação de pedido contraposto, vedada a reconvenção, como

nos Juizados Especiais. Eliminou-se a possibilidade de intervenção de terceiros,

68

salvo assistência e recurso de terceiro prejudicado, bem como a declaratória

incidental, razão por que qualquer incidente deverá ser aduzido pela defesa em fase

de instrução. Tudo isso para adequar o objetivo do procedimento que são a

celeridade e a simplificação.

De acordo com o procedimento sumário, o autor, já na petição inicial, deverá

produzir prova testemunhal, com indicação do rol, e documental, cuja pertinência

será apreciada na audiência inicial.

Outra particularidade do procedimento estudado é que o juiz, ao despachar a

inicial, defere a citação, designando, de pronto, audiência de conciliação, a ser

realizada no prazo máximo de 30 dias.

A citação é para que o réu compareça à audiência conciliatória e nela produza

sua defesa, caso não logre êxito a solução negociada. A contestação, a ser

produzida em audiência, bem como eventual exceção, podem se dar através de

petição escrita ou de forma oral, não havendo restrição quanto à matéria argüível

referentes aos fatos narrados na exordial, salvo reconvenção.

O procedimento sumário é, pois, mais concentrado de modo que caberá ao

réu aduzir sua defesa e argüir exceção de uma só vez.

Ressalte-se que não se abrem o contraditório e a instrução sem antes buscar

a solução conciliatória. A citação, por isso, é, primeiro, para a conciliação, momento

ideal, a qual, restando frustrada, leva o réu a produzir sua contestação ainda na

sessão inaugural. Ao revés, obtido o acordo, a conciliação é reduzida a termo e

homologada por sentença. Trata-se de estímulo à justiça consensual, vinculada à

idéia de que o jurisdicionado aspira a uma justiça mais simples e menos solene,

mais próxima, portanto, de suas preocupações cotidianas.

A fim de facilitar o acesso à solução negociada, a lei traz a necessidade de as

partes comparecerem à audiência de conciliação ou, pelo menos, fazerem-se

representar por preposto com poderes para transigir.

69

Ao despachar a inicial, não deve, pois, o juiz se preocupar com o saneamento

de questões preliminares mais complicadas, uma vez que estas poderão restar

prejudicadas pela possível composição entre as partes.

6 – PROCEDIMENTO NA JUSTIÇA DO TRABALHO

No processo do trabalho, concentra-se nas audiências a maioria dos atos

processuais.

A audiência será contínua. Não podendo concluí-la no mesmo dia, por motivo

de força maior, o juiz marcará sua continuação para dia próximo.

O art. 455 do CPC declara que a audiência é una e contínua. A unidade

decorre do princípio da concentração dos atos na audiência. A continuidade, por sua

vez, deriva do fato de que a audiência deve iniciar e encerrar-se no mesmo dia,

sempre que possível.

Quando a contestação, a instrução e o julgamento são praticados numa única

audiência, chamam-na una. No processo do trabalho, a praxe segue no sentido de

designar uma audiência para tentar conciliar as partes e na qual é apresentada

defesa; outra, para oitiva de depoimentos pessoais e testemunhas; e uma terceira,

em que é proferida a sentença.

Designada a audiência e notificado o reclamante, o seu não-comparecimento

importa no arquivamento do feito (art. 844, CLT). Nessa hipótese, não há

apresentação da contestação em audiência.

No caso, porém, de o reclamante não comparecer à audiência em

prosseguimento (após a audiência conciliatória), na qual deveria depor, não há

arquivamento do processo, mas confissão quanto à matéria de fato, porquanto já

estabelecido o contraditório (Enunciado n° 09 do TST).

O não-comparecimento do reclamado, por sua vez, importa revelia e

confissão quanto à matéria de fato (art, 844, CLT).

70

Na audiência, o empregador poderá fazer-se representar por preposto que

detenha conhecimento sobre os fatos narrados na petição inicial. A presença das

partes na audiência, no processo do trabalho, está relacionada à tentativa de

conciliação, o que poderia não ocorrer se estivessem presentes somente os

respectivos advogados.

Reclamante e reclamado comparecerão à audiência juntamente a suas

testemunhas, apresentando, na oportunidade, as provas que serão produzidas em

juízo (art. 845, CLT). Não há necessidade, pois, de requerer produção de provas na

petição inicial ou na contestação, devendo fazê-lo na audiência.

Em dois momentos, na audiência, é obrigatória a tentativa de conciliação:

antes de apresentada a contestação (art. 846, CLT) e após o oferecimento das

razões finais (art. 850, CLT).

Não obtido acordo, cabe ao reclamado aduzir sua defesa (art. 847, CLT),

após o que se seguirá com a instrução do processo (art. 848, CLT).

A rigor, poderíamos dizer que inexiste prazo para a parte se manifestar sobre

os documentos, em razão de imprevisão legal, talvez com vistas a tornar mais célere

o procedimento e prestigiar o princípio da concentração dos atos em audiência.

Apenas em prol do princípio do contraditório, admissível seria a manifestação

superveniente acerca de documentos juntados, quando não obtida a conciliação na

audiência inicial.

7 – AUDIÊNCIA PRELIMINAR DO ART. 331 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL –

QUESTÕES PROCESSUAIS ENVOLVIDAS

A criação da audiência preliminar, pela Lei n° 8.952/1994, encontra-se

vinculada à questão da efetividade da entrega da prestação jurisdicional. O

71

legislador, inicialmente, se serviu da expressão “audiência de conciliação”, tendo

sido substituída, corretamente52, pela Lei n° 10.444/2002.

Buscou-se, com a sua inclusão no CPC, modificar a sistemática do

saneamento do processo e, assim, criar o momento apropriado para que o juiz

efetue a tentativa de conciliação, antes do início da fase instrutória (ainda que o art.

125, IV, CPC admita a conciliação a qualquer tempo).

Perceba, de início, que o magistrado pode, a qualquer tempo do processo, designar audiência de tentativa de conciliação, que não se confunde com a audiência preliminar a que se refere o art. 331 do CPC, embora nesta última espécie também seja estimulada a conciliação entre as partes litigantes. (...) Pode ser realizada várias vezes num único processo, inclusive após o encerramento da fase de instrução probatória. O não-comparecimento das partes e/ou de seus advogados a essa audiência não acarreta qualquer nulidade processual, sendo a ausência interpretada como desinteresse na composição da lide53.

A Lei n° 8.952/91, procurando incentivar a autocomposição dos litígios,

instituiu a obrigatoriedade da audiência preliminar, na qual se tentará a conciliação

das partes, antes de dar início à fase específica da instrução processual, nela

também se completando a fase saneadora.

Não haverá audiência de conciliação quando ocorrer qualquer das hipóteses

do art. 267, ou alguma das hipóteses dos incisos II a V do art. 269; e quando a

causa versar direitos que não admitem transação.

Na verdade, a conciliação, no início da audiência de instrução e julgamento,

parecia inviável. A AIJ, sob a condução do magistrado, não nos parece o melhor

momento para tentar a primeira aproximação das partes, porquanto, nessa fase, já

terá sido desencadeada a etapa instrutória, com todos os seus custos financeiros.

Trata-se de ocasião mais próxima da sentença do que do princípio do processo. E

nessa fase, as partes têm pouca motivação para realizar acordo.

52 Antes, achava-se que a audiência de conciliação servia apenas para a tentativa de conciliação. Daí a acertada substituição do termo. 53 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 438/439.

72

A audiência preliminar contribuiu, pois, para o propósito de o juiz exortar as

partes em favor da conciliação, em momento bem anterior ao da instrução.

Poucos se deram conta do fato de que a audiência preliminar ter sido trazida para o direito brasileiro como a oportunidade, desde que frustrada a tentativa de conciliação, de se realizar aquilo que nos permitimos chamar de “saneamento compartilhado”54.

O saneamento é a atividade concentrada realizada pelo juiz para que se

extraiam do processo eventuais vícios de que padeça; para que se decida acerca de

questões processuais pendentes; para se fixarem os pontos controvertidos; tudo

preparado para o início da instrução probatória. Lembre-se, no entanto, de que a

atividade saneadora não se esgota na audiência preliminar.

Não obtida a conciliação, ou não devendo a audiência preliminar realizar-se,

passa-se à fase de saneamento, por força do que determina o art. 331, §3°, CPC.

A audiência preliminar representa um esforço em favor da efetividade do

processo, já que possibilita, por exemplo, a redução do volume de processos

pendentes, a exigir instrução, sentença e eventual fase recursal; e a redução das

hipóteses de agravo calcadas na alegação de cerceamento de defesa.

A audiência preliminar procurou agilizar o procedimento, possibilitando, desde

já, a autocomposição do litígio acerca dos direitos disponíveis, e, frustrada a

conciliação, por intransigência das partes ou pela impossibilidade substancial, a

fixação dos pontos controvertidos da causa que imprescinde de instrução probatória.

Assim, não sendo caso de julgamento segundo o estado do processo, com ou

sem resolução de mérito (art. 329), ou de julgamento antecipado, deveria o juiz,

tratando-se de procedimento comum ordinário, designar audiência preliminar.

Ao estatuir a audiência de conciliação, no CPC, como fase independente do

processo, anterior ao saneamento e à audiência de instrução e julgamento, o

legislador conferiu-lhe a qualidade de ato essencial do procedimento ordinário, cuja

ausência importava nulidade do processo, por atropelo, pelo juiz, do iter processual. 54 WAMBIER, Luiz Rodrigues. “Audiência preliminar como fator de otimização do processo” in Revista de Processo n° 118. p. 139.

73

A obrigatoriedade da designação da audiência preliminar não se resumia à

oportunidade de tentar a conciliação, mas de retirar do processo qualquer vício de

ordem formal e, principalmente, demarcar as provas a serem produzidas.

Por outro lado, para os que entendiam que a audiência preliminar se prestava

eminentemente à conciliação, a falta de designação não implicava nulidade, já que a

conciliação poderia ser obtida a qualquer tempo.

Acertado, portanto, o termo “audiência preliminar”, o que demonstra que a sua

designação não se destina somente à busca pela autocomposição.

De acordo com a atual redação do art. 331, o juiz pode deixar de designar a

audiência se não se tratar de direito disponível (ordem objetiva) e se as

circunstâncias da causa indicarem pequena probabilidade de êxito (ordem

subjetiva).

A audiência deverá ser designada no prazo máximo de 30 dias, quando

possível, devendo as partes ser intimadas a comparecerem, podendo, no ato, ser

representadas por procurador ou preposto com poderes para transigir.

Consagrou-se, então, a possibilidade de a intimação da parte ser feita na

pessoa do advogado55, desde que esteja ele investido de poderes especiais para

transigir. A intimação somente será feita diretamente ao litigante se não

representado, ou na hipótese de o procurador não se encontrar imbuído de poderes

especiais para tanto.

Visando a facilitar a representação das pessoas jurídicas, a lei permite o

comparecimento de preposto com poder para conciliar5657. Presentes, pois, as

55 Pode acontecer que as partes se disponham a chagar a acordo, mas os seus advogados entendam pela não-conciliação, nada impedindo, em tal contexto, que mesmo assim, o Juiz promova e homologue a conciliação, já que para tal efeito não é imprescindível a presença dos patronos dos litigantes (REsp 92.478-PR, Rel. Min Barros Monteiro, DJU 20.05.02, p. 142). 56 A prática demonstra, contudo, que a atuação de prepostos não enseja resultados positivos no sentido da conciliação, com a adoção de atitudes cautelosas, dado o receio de exacerbar as recomendações do preponente, contribuindo para a frustração da tentativa conciliatória. 57 Outro aspecto relevante se relaciona com a eficácia da audiência no que toca à conciliação, quando é parte o Poder Público, em que, via de regra, a composição não comporta solução pelo meio conciliatório, isso porque,

74

partes, pessoalmente ou por prepostos, ou ainda, por advogados com poder para

transigir, instala-se a audiência preliminar.

A ausência da parte e de seu procurador não lhe acarreta qualquer sanção

processual, porém permite inferir o seu desinteresse pela conciliação ou pelo

acompanhamento dos demais atos processuais que serão realizados.

Proposta a conciliação e obtida, o juiz deverá determinar a sua redução a

termo e homologar mediante sentença (art. 269, III, CPC). Frustrada, por outro lado,

a conciliação, o juiz deverá passar ao segundo momento da audiência preliminar,

caracterizada pela fixação dos pontos controvertidos relevantes que ainda

demandam instrução probatória.

Completa Theodoro Junior:

Não se alcançando a conciliação, o juiz, mesmo assim, deverá extrair do contato pessoal com as partes dados importantes para simplificar o prosseguimento do feito e completar o seu total saneamento antes de passar a coleta dos elementos de prova58.

Em seguida, o juiz declara saneado o processo, com decisão acerca de

eventuais questões atinentes ao objeto formal do processo (condições da ação e

pressupostos processuais), e deferimento dos meios de prova necessários à

formação de sua convicção.

A audiência preliminar orienta-se, portanto, em três direções: oportunizar o

primeiro esforço no sentido da conciliação; promover o saneamento do processo; e

organizar a atividade judicial subseqüente, fixando os pontos relevantes e definindo,

desde logo, as provas a produzir.

muitas vezes, os Procuradores não detêm autorização para tanto. Ver, no entanto, o tópico acerca da viabilidade da conciliação pela Fazenda Pública, quando mais vantajoso é o acordo. 58 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 40 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 370.

75

Os pontos controvertidos59 são aqueles sobre os quais se estabeleceu a

disputa entre as partes, sejam de fato ou de direito. Os dissensos eminentemente de

direito comportam julgamento antecipado, dispensando mesmo a tentativa de

conciliação. Mas é certo não ser de todo recomendável dispensar a audiência

preliminar em lides que não envolvem controvérsias fáticas, sendo também

aconselhável a solução conciliatória.

A resolução das questões processuais pendentes alude a exigências

meramente formais do processo, não repercutindo no mérito, isto é, não vincula o

pronunciamento judicial futuro.

A fase de produção e determinação de provas é restrita aos fatos

especificados no processo e tidos como controversos. Passado esse momento

processual, não poderão as partes reclamar nova produção de provas ou especificar

as que pretendia produzir, pois terá ocorrido o fenômeno da preclusão (art. 183,

CPC). Ressalte-se, porém, que a preclusão não afasta a faculdade outorgada ao juiz

de determinar a produção de provas, de ofício, com vistas a formar seu

convencimento (art. 130, CPC).

A audiência preliminar não se mostra imprescindível60, uma vez que somente

será levada a efeito se a causa versar sobre direitos que admitem transação e se

ultrapassadas a extinção imediata, com ou sem resolução de mérito, ou o

julgamento antecipado da lide, podendo daí concluir que o objetivo precípuo da

audiência é mesmo a conciliação.

Como última tarefa na audiência preliminar, o juiz designará data para a

audiência de instrução e julgamento (art. 451, CPC) se realmente necessária a

realização desse ato processual.

59 Napoleão Nunes Maia Filho cita opinião de Luiz Guilherme Marinoni, segundo o qual o momento da fixação dos pontos controvertidos, na audiência preliminar, é único e irrepetível no curso do processo, sujeito, pois, à preclusão. Ocorre que o art. 451, CPC atribui um outro momento para a fixação dos pontos controvertidos, qual seja, após a instrução. Também citado por Nunes Maia, Nelson Nery Junior considera haver oposição entre os arts. 331 e 451, defendendo ser este último incompatível com o sistema da audiência preliminar. 60 “Nada recomendava, portanto, a transformação da audiência preliminar em simples eventualidade a ser cumprida segundo critério pessoal do juiz”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 40 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 370)

76

Quanto à condução da audiência preliminar, o CPC, segundo uma

interpretação literal, confere, somente ao juiz61, a possibilidade de condução da

audiência. Isso se explica, talvez, pelo fato de que a audiência preliminar não se

destine tão-somente à conciliação, mas também ao saneamento do processo,

quando não obtida aquela. No entanto, entendemos possível a realização da

audiência por conciliador (leigo), quando a possibilidade de conciliação se mostrar

considerável, ou quando, à primeira vista, a causa não demandar grandes reparos

formais, que, se existentes, poderiam, após suscitados pelas partes, ser decididos,

ulteriormente, pelo juiz62.

8 – A CONCILIAÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL

A autocomposição é o meio de solução de conflitos produzido pelos

envolvidos ainda que auxiliados por terceiro imparcial. A solução do conflito é

construída pelas próprias partes, sendo três os resultados possíveis em sede de

direito penal: renúncia, transação, submissão, acordo cível (composição) e

suspensão do processo.

A renúncia implica a disponibilidade da ação penal (de iniciativa pública e

condicionada a representação), podendo ser manifestada pela simples não-

propositura da ação penal ou no curso do processo.

Submissão seria o reconhecimento da procedência do pedido, quando o

acusado reconhece os termos da pretensão e se submete à pena imposta.

Transação penal (art. 76 da Lei n° 9.099/95) é o acordo caracterizado por

concessões recíprocas, em que o autor renuncia à parte de sua pretensão enquanto

o acusado se submete integralmente à pretensão reduzida.

61 “Nesse mister é do maior relevo o preparo pessoal, vocacional e intelectual do Juiz, além do seu perfeito conhecimento e domínio do direito envolvido na lide, sem o que o seu esforço conciliatório poderá ficar comprometido nos seus resultados ou ainda fortemente diminuídas as chances de levar a bom termo a iniciativa da conciliação, tão prezável como forma de resolver o litígio” (MAIA FILHO, Napoleão Nunes. “A audiência preliminar e a seqüência do processo” in Revista Dialética de Direito Processual n° 9. p. 110.) 62 A desvantagem seria o esvaziamento da concentração dos atos em audiência e da efetividade e celeridade preconizada no art. 331, já que o conciliador não detém poder decisório.

77

O art. 98, I da Constituição permite textualmente a transação penal. A Lei n°

9.099/95 regulamentou o âmbito de aplicação da transação e instituiu a proposta de

aplicação imediata de pena restritiva de direitos e de multa.

A conciliação é o mecanismo para a obtenção da autocomposição mais

adequado aos conflitos de natureza penal, pois sua realização, no ambiente

judiciário, proporciona segurança.

Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública

condicionada a representação, o acordo cível acarreta a renúncia ao direito de

queixa ou representação, restando extinta a punibilidade.

Havendo representação ou cuidando-se de crime de ação penal pública

incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá

propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser

especificada na proposta. Aceita a proposta pelo autor da infração e por seu

defensor, será ela submetida à apreciação do juiz, que poderá ou não acolher a

proposta do Ministério Público, aplicando a pena, o que não importará reincidência

para os fins do art. 64 do CP.

A suspensão do processo está prevista no art. 89 da Lei n° 9.099/95. Poderá

ser proposta, por 02 a 04 anos, pelo Ministério Público, quando do oferecimento da

denúncia, para os crimes cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a 01 ano,

desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado

por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão

condicional da pena63.

Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, o juiz, recebendo a denúncia,

poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, desde

que satisfaça as seguintes condições, podendo o juiz especificar outras: reparação

do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; proibição de freqüentar certos lugares;

63 Os requisitos para a suspensão condicional da pena encontram-se no caput e incisos do art. 77 do Código Penal.

78

proibição de ausentar-se, sem autorização judicial, da comarca onde reside;

comparecimento mensal e obrigatório a Juízo para informar sobre suas atividades.

Ocorre a revogação obrigatória da suspensão se, no curso do prazo, o

beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não reparar o dano sem motivo

justificado. Haverá, por outro lado, revogação, a critério do juiz, se o acusado vier a

ser processado no curso do prazo por contravenção, ou descumprir qualquer

condição imposta. Expirado o prazo da suspensão sem revogação, estará extinta a

punibilidade, a qual o juiz declarará.

A composição dos danos civis encontra-se prevista no art. 74 da Lei n°

9.099/95, procedendo o juiz a sua homologação por sentença irrecorrível, podendo

ser executado no juízo cível competente. Em caso de ação de iniciativa privada ou

pública condicionada, a composição devidamente homologada implica renúncia ao

direito de queixa ou representação, extinguindo a punibilidade (art. 107, V, CP).

9 – CONCILIAÇÃO PRÉVIA AO ESTABELECIMENTO DO CONTRADITÓRIO –

MOMENTO PROPÍCIO PARA A TENTATIVA NEGOCIAL

A Reforma do Judiciário, materializada pela EC n° 45/04, foi apresentada

como o primeiro passo para a superação da crise atravessada pela administração da

Justiça brasileira, com foco no problema do excesso de demandas e na morosidade

daí advinda.

As transformações ocorridas nas últimas décadas demonstraram o aumento

explosivo de demandas, tornando imperiosa a necessidade de mudanças. Ocorre

que não é a técnica processual a única razão para justificar a crise da Justiça. Na

verdade, o problema pode estar, sim, no manejo da técnica.

Não se discute que a demora dos processos é um problema, mas não basta,

apenas, tornar a justiça mais expedita.

O Estado Democrático contemporâneo traz como principal tema a eficácia

dos direitos fundamentais, acrescendo a responsabilidade do Poder Judiciário na

79

função de guardião desses direitos, através da valoração ética, social e política da

norma jurídica.

O compromisso do Judiciário com a garantia desses direitos não permite

encarar a sua organização com espírito burocrático ou com objetivos meramente

estatísticos ou quantitativos, pois, apesar das dificuldades que entravam a sua

atuação, de sua eficiência depende a sobrevivência e a legitimidade do Estado

Democrático de Direito e do próprio Poder.

Portanto, qualquer reforma que se restrinja a resolver o problema da

quantidade de processos estará atacando tão-somente as conseqüências da crise,

mantidas as suas causas. As limitações já existentes não demonstram redução de

litigiosidade nem aceleração do deslinde de litígios. Isso justifica por que muitos

decidem por demandar na Justiça Estadual Comum causas que, em tese, poderiam

ser desfechadas em Juizados Especiais. Tal afirmação não retira, contudo, da

proposta dos Juizados os benefícios com ela advindos.

Há a alegação, também, de que a escassez de juízes impede um desfecho

mais célere das causas. Acrescente-se, entretanto, que, ao lado do problema

relativo ao recurso humano, existem os obstáculos econômicos, burocráticos e

geográficos sobre os quais falamos em tópico próprio.

Nesse contexto, a conciliação é, portanto, relevante instrumento para o fim de

evitar ou resolver conflitos, apresentando as funções preventiva e repressiva. Hoje,

por exemplo, busca-se evitar que conflitos menores ou pessoas menos favorecidas

fiquem à margem do Poder Judiciário, como se dá com o trabalho desempenhado

pelos Juizados Especiais.

O Movimento pela Conciliação, sobre o qual já discorremos, representa uma

solução prática para a tentativa de pacificar com critérios de justiça. Trata-se de

empregar os novos e velhos instrumentais com nova mentalidade.

80

O momento propício para a conciliação deve ser aquele estabelecido

previamente ao contraditório, tal como ocorre nos Juizados Especiais, nas causas

que obedecem ao rito sumário do CPC e na Justiça do Trabalho.

Conforme diz Cappelletti, na passagem a seguir transcrita:

(...) os procedimentos de conciliação para pequenas causas tendem a ser mais eficazes quando mantidos em particular. (...) Tal privacidade, ao que parece, estimula a informalidade, a sinceridade e a honestidade, criando uma atmosfera que conduz à conciliação; todavia, ela também pode tornar mais difícil o controle da qualidade do procedimento judicial. Em suma, ao combinar conciliação e procedimento judicial, pode-se perder o reconhecido valor representado pela investigação pública no procedimento judicial. Existem, portanto, boas razões para separar o estágio judicial de um procedimento de conciliação prévio e para não confundir numa só pessoa o conciliador e o jugador64.

Antes do estabelecimento do contraditório, não há, ainda, de fato, litígio

instaurado, havendo margem e ambiência, em tese, propícias para o acordo. A

tentativa de conciliação após a distribuição da petição inicial, com a contestação aos

termos do pedido inicial já acostada aos autos, inibe, em muito, a viabilidade do

acordo. Principalmente porque a parte demandante já conhece o teor da resposta do

réu, contra a qual, induvidosamente, se insurge, findando a possibilidade de

negociação superveniente.

Certo é que existem matérias que podem ser deslindadas de pronto através

da conciliação inicial. As causas, por exemplo, que versam questões

predominantemente de fato, como pedidos indenizatórios razoáveis, são, facilmente,

passíveis de acordo.

Por outro lado, as causas, cujo mérito se compõe de questões

eminentemente de direito impedem, muitas vezes, o acordo, por estarem

respaldadas em lei, mas não afastam, de forma absoluta, a viabilidade negocial.

Causas como de revisão de benefícios previdenciários, embora sejam matéria de

direito, permitem a tentativa e obtenção de conciliação para as partes que

pretendem dar fim de imediato ao litígio.

64 BRYANT, Garth, CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. pp. 110-111.

81

É claro que algumas ações submetidas ao procedimento ordinário do CPC

tratam questões complexas que exigem do juiz e das partes grande poder de

instrução e convencimento, demandando, por sua vez, um contraditório mais amplo,

calcado em reflexão mais profunda aos termos deduzidos no pedido do autor.

No entanto, a tentativa de conciliação, quando estimulada antes mesmo do

contraditório, torna-se mais viável. Não se está defendendo, aqui, a redução de

garantias processuais constitucionais, como a possibilidade conferida à parte

contrária de responder à pretensão autoral com a profundidade desejada, mas o

momento propício para o acordo, sem dúvida, está na tentativa prévia à instauração

mesma do litígio, quando dispostas as partes a tanto.

Ademais, a realidade social dos conflitos e a sua dimensão ditam o grau de

iniciativa franqueada ao juiz. É preciso abandonar o comportamento desinteressado

do magistrado tradicionalmente inconformado com as deficiências instrutórias

deixadas pelas partes ao longo do processo.

A liberdade das formas, deixada ao juiz entre parâmetros razoavelmente

definidos e mediante certas garantias fundamentais aos litigantes, caracteriza os

procedimentos mais adiantados, como se dá na Lei dos Juizados Especiais. O que

precisa ficar claro, como fator de segurança para as partes e como advertência ao

juiz, é a exigência de preservação das fundamentais garantias constitucionais do

processo, expressas no contraditório, na igualdade, no acesso e no devido processo

legal.

O procedimento, mais estratificado na legalidade, sempre constitui o plano

para o exercício da jurisdição, assim como para a ação e defesa pelas partes. A sua

observância racional legitima o resultado do exercício do poder. O procedimento

tem, também, o valor social de enfraquecer o confronto e reduzir o conflito. A

institucionalização dos conflitos tem, em geral, a serventia social de direcioná-los

para as vias civilizadas da linguagem adequada, do respeito e do contraditório.

A idéia da legitimação pelo procedimento apresenta êxito mesmo fora do

campo jurisdicional devido à inserção do sistema processual na ordem constitucional

82

e da sua aceitabilidade social. Afinal, seria arbitrário o poder exercido sem a

participação dos próprios interessados diretos no resultado do processo. E falar em

participação significa falar em ativismo jurídico, referente à postura participativa do

juiz através das iniciativas instrutórias, do diálogo, da assunção do comando do

processo e do envolvimento nos pontos controvertidos da demanda.

Tal é o efeito da revisitação que aos poucos vai sendo feita aos institutos

processuais tradicionais na busca de soluções novas para velhos problemas. As

“ondas renovatórias”, caracterizadoras das novas tendências do direito processual,

só se mostram concretas e úteis na medida da ampliação qualificada e equilibrada

da tutela jurisdicional. São as medidas de abertura da via de acesso à justiça,

brevidade dos juízos, maior participação dos magistrados e das partes.

Owen Fiss65 sustenta que a adjudicação e o movimento favorável ao acordo

baseiam-se em premissas questionáveis, não crendo em que o acordo seja

preferível ao julgamento ou deva ser institucionalizado em base ampla.

O acordo seria um consentimento coercitivamente obtido, realizado por quem

não detém autoridade, com ausência de instrução processual e com envolvimento

perigoso do juiz. Privaria, também, os magistrados da oportunidade de fornecerem

interpretação legítima ao caso.

O objetivo imediato e primeiro, no entanto, é interpretar o caso à luz do direito

ou resolver a lide, de modo também legitimador?

Segundo o autor, a disparidade de recursos entre as partes pode influenciar o

acordo de três formas: a parte mais pobre pode ser menos passível de reunir e

analisar as informações necessárias à previsão final do litígio; pode, no desespero

de obter a indenização pleiteada, ser induzida à celebração do acordo; pode ser,

ainda, forçada a celebrar o acordo em razão de não possuir meios de sustentar o

processo até o final.

65 FISS, Owen. “Contra o acordo” in Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. SP: Revista dos Tribunais, 2004. pp. 121-145.

83

O apelo do acordo decorre do fato de evitar a necessidade de instrução e

julgamento da causa. O acordo deve, então, realizar-se antes da sessão de

julgamento ser concluída e de o juiz haver iniciado a formação dos juízos de fato e

de direito, portanto, e, de preferência, antes do contraditório.

O autor, em verdade, sustenta que o acordo obtido quando já em andamento

o processo, ou seja, em fase de instrução, já contraditado o pedido inicial, traz

excessiva desvantagem para a parte mais vulnerável da relação.

O movimento favorável ao acordo deve introduzir uma perspectiva qualitativa,

com aptidão para solucionar as demandas. Muitas vezes, o problema do acordo não

está relacionado com o objeto do processo judicial, mas com fatores tais como a

riqueza das partes, a previsão de julgamento do processo ou a necessidade de

interpretação legítima do direito.

Não há que se falar, porém, em substituir a jurisdição ou o julgamento através

do acordo. Na verdade, a conciliação é e deve ser encarada como fonte legitimadora

da atuação jurisdicional, consoante a condução acertada pelo Judiciário.

A conciliação pode ser judicial ou extrajudicial. A primeira pode ser facultativa

ou obrigatória. A última pode acontecer a qualquer momento, dependendo

exclusivamente da vontade das partes.

A partir da reforma do CPC, em 1994, o instituto da conciliação foi

privilegiado, permitindo ao juiz tentar conciliar a qualquer momento.

No entanto, acerca do momento para a tentativa da conciliação, Ada Pellegrini

alerta:

Dispõe a lei que o juiz determine de ofício o comparecimento das partes à audiência de instrução e julgamento, para antes dela tentar a conciliação (...). Todavia, a experiência tem mostrado escassos resultados na conciliação realizada neste momento procedimental, de modo que alguns juízes têm antecipado a tentativa para momento imediatamente sucessivo à citação, com resultados surpreendentes. Com efeito, as partes costumam chegar à audiência já com o espírito exacerbado pelas

84

atividades postulatórias, tornando extremamente improvável a composição amigável, facilmente atingível em momentos anteriores Critica-se, ainda, a atribuição da função de conciliador ao próprio juiz da causa, em razão da dificuldade de desvincular o papel mais ativo do juiz, na obra de convicção das partes, de um verdadeiro pré-julgamento. Mesmo assim, deve-se reconhecer que o êxito da tentativa de conciliação depende em grande parte da habilidade pessoal do juiz, de seu poder de persuasão e da forma como a conduz, devendo evita pressões descabidas sem deixar de empenhar-se a fundo no convencimento das partes. Por isso alguns juízes conseguem elevado número de acordos, enquanto outros são menos felizes em suas tentativas66.

Como proposta à crise de administração da Justiça, na qual se destacam “a

sobrecarga dos Tribunais, a morosidade dos processos, seu custo, a burocratização

da justiça, certa complicação procedimental, as deficiências do patrocínio gratuito”67,

têm sido propostas medidas de flexibilização e de ampliação do acesso baseadas na

deformalização do processo e das controvérsias, em busca de meios alternativos de

solução, e nas medidas conciliatórias.

Sob o regime do Código Philippino, quanto à conciliação prévia, o juiz alertava

a ambas as partes, no começo da demanda, que procurasse a conciliação, sob o

argumento de que o resultado do deslinde da causa era sempre duvidoso.

Na Constituição Imperial de 1824, outorgava-se aos juízes de paz a atribuição

de tentar a conciliação entre as partes. A necessidade de conciliação era

considerada condição preliminar de validade do processo, sob pena de nulidade. No

entanto, o juiz que buscava a conciliação – o juiz de paz – não era o mesmo que

julgava a causa, caso não obtida aquela, isso para não prejudicar a sua

imparcialidade. Se o réu estivesse em lugar incerto e não-sabido era chamado a

conciliar por meio de edital. Em caso de não-comparecimento e, portanto, frustrada

a conciliação, o réu era condenado em custas.

Entretanto, nas causas em que não fosse possível a conciliação, como as que

envolviam a Fazenda Pública, não se exigia a conciliação prévia como condição de

validade do processo.

66 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Conciliação e Juizados de Pequenas Causas” in Juizado especial de pequenas causas: lei n. 7244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: RT, 1985, pp. 149/150. 67 GRINOVER, Ada Pellegrini. Tendências ao Direito Processual. Rio de Janeiro: 1990, p. 177. Citada por PACHECO, José da Silva. Evolução do processo civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 309.

85

Na República, através do Decreto nº 359, de 26/04/1890, a conciliação foi

abolida como exigência, ressalvando-se às partes a possibilidade de transação.

No Código de Processo Civil e Comercial de São Paulo, de 1930, a

conciliação era regulada, reservando às pessoas que desejassem transigir que se

apresentassem voluntariamente perante um juiz de paz, cujo termo teria força de

sentença.

No âmbito da Justiça do Trabalho, surgiram, com os Decretos nº 21.396, de

05/05/1932, e 22.132, de 25/11/1932, as juntas de conciliação e julgamento, como

órgão administrativo, integrando, posteriormente, o Poder Judiciário.

Foi editada, também, a Lei nº 9.958/2000 que introduziu a obrigatoriedade da

conciliação prévia como pressuposto para o ajuizamento da ação trabalhista, se

houver Comissão de Conciliação Prévia instituída para esse fim.

A Lei nº 7.244/84 determinava que o processo, perante os juizados de

pequenas causas, tentaria buscar, sempre que possível, a conciliação das partes.

No Código de Processo Civil de 1973, em sua feição original, autorizava-se a

conciliação a qualquer tempo, ressaltando-se que a tentativa, após os trâmites

regulares, era pouco viável, já que consolidados os ataques recíprocos. Razão por

que tem sido sugerida a alteração do momento adequado para o estabelecimento da

conciliação logo no início do processo ou em momento realmente oportuno.

No procedimento ordinário, destaca-se a tentativa de conciliação das partes

consubstanciada nos arts. 125, IV e 342, CPC. Do mesmo modo, a introdução da

audiência prévia (art. 331, CPC), a ser realizada no prazo de 30 dias, estimulou a

solução conciliatória. Frustrada a conciliação, o juiz inicia as fases saneadora,

instrutória ou mesmo julgadora, na hipótese de julgamento antecipado da lide.

Verifica-se que a conciliação prévia encontra-se prevista principalmente no

procedimento sumário, com as inovações trazidas pelas Leis nº 8.952/94 e 9.245/95,

86

na Lei nº 9.099/95, na Lei nº 5.477/78 (art. 9º), na Lei nº 6.515/77 (art. 3º, §§2º e 3º)

e na Lei nº 8.245/91 (art. 61).

Acerca das limitações, para o juiz, da tentativa de conciliação, Carlos Alberto

Carmona68, citado por Walsir Edson Rodrigues Júnior69, assim dispõe:

Tal obrigação do juiz, já estando caracterizada a aberta litigiosidade das partes e com os ânimos acirrados entre os contendores, torna penosa e pouco produtiva a tentativa de harmonização: em primeiro, as partes já terão desenvolvido atividade probatória no processo, e não estarão dispostas a relegá-la ao esquecimento, até porque o custo envolvido poderá ser considerável; os advogados, diante do material probatório já acostado aos autos, nem sempre serão simpáticos à solução de meio, conciliativa, que tornará inútil o trabalho até então desenvolvido; o magistrado, que no mais das vezes já terá condições de intuir a razão do autor ou do réu, precisará manter a todo custo sua posição de imparcialidade, o que limitará drasticamente sua atividade de conciliador. Este quadro pouco animador vem dissuadindo muitos juízes de insistir na experiência conciliativa, preferindo limitar-se apenas à pergunta (formal) sobre a eventual possibilidade de acordo entre partes para passar em seguida à instrução processual.

68 CARMONA. A crise do processo e os meios alternativos para a solução de controvérsias. In Revista de Processo nº 56. p. 93. 69 JUNIOR RODRIGUES, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. pp. 47-50.

87

CONCLUSÃO

Na conciliação, em regra, não existem vencedores nem perdedores. São as

partes que constroem a solução para os próprios problemas, tornando-se

responsáveis pelos compromissos que assumem, resgatando, tanto quanto possível,

a capacidade de relacionamento. Nesse mecanismo, o papel do juiz não é menos

importante, pois é aqui que ele cumpre sua missão de pacificar verdadeiramente o

conflito.

A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, ao lançar o programa pela

conciliação, não apenas estimula e orienta os órgãos judiciários neste caminho, mas

também alerta as autoridades públicas e a comunidade jurídica em geral para a

necessidade de revisão de seus dogmas. A conciliação pode trazer maiores

benefícios às partes e efetividade às demandas judiciais, tendo respaldo na lei e na

Constituição.

O acesso à justiça é um dos pressupostos do acesso ao Direito, no sentido

de se estar diante de um órgão imparcial, com competência previamente instituída,

para a solução do litígio apresentado.

Outro pressuposto do acesso à justiça trata-se da celeridade buscada em

sede processual, isto é, a necessidade de não somente proceder à entrega efetiva

da prestação jurisdicional, mas principalmente de entregá-la de forma célere (e com

qualidade).

O Judiciário passa – e deve passar – por constante avaliação de desempenho

no sentido de que o juiz não deve figurar meramente como a personificação do

Estado, administrador da justiça, mas como um agente imbuído de responsabilidade

social, pretendendo sempre a otimização dos trabalhos no âmbito do Judiciário, no

que alude às demandas a ele trazidas, além de procurar conjugar a atividade

burocrática interna com a satisfação do jurisdicionado.

Conciliação é um meio de solução de conflitos em que as partes confiam a

uma terceira pessoa, o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las na

88

construção de um acordo. O conciliador pode ser uma pessoa que atua, de forma

voluntária e após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os

envolvidos, ou o próprio juiz.

Conforme o momento em que se perfaz o acordo, a conciliação pode ser

realizada na forma processual, quando a lide já está instaurada, ou pré-processual,

também denominada informal, quando os conflitos ainda não foram

jurisdicionalizados.

No caso da conciliação judicial, o procedimento é iniciado pelo magistrado ou

por requerimento da parte, com a designação de audiência e a intimação das partes

para o comparecimento. Na conciliação pré-processual, a parte comparece à

unidade do Poder Judiciário apta a atendê-la, transformando-se em título judicial, ou

seja, sentença, o termo lavrado em audiência.

A Justiça de Conciliação favorece o processo de paz social e coletiva ao

fomentar a cultura do diálogo e tornar a Justiça mais efetiva e expedita, reduzindo o

número de conflitos litigiosos e o tempo para a análise dos processos judiciais.

O Movimento pela Conciliação, empreendido no âmbito do Poder Judiciário,

através do Conselho Nacional de Justiça, intenta propagar a cultura da conciliação

como meio de solução de controvérsias, já apresentando praticantes principalmente

na Justiça Federal de 1ª e 2ª instâncias, através do incentivo à conciliação em sede

de processos que versam questões preponderantemente de fato, passíveis,

portanto, de acordo.

89

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