introduÇÃo caracterizaÇÃo dos pacientes1

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Eliza Keiko Oda Moroi, Juliana Yamashiro, Leila del Castillo Saad, Rodrigo Nogueira Angerami, Ruth Moreira Leite, Silvia Silva de Oliveira Centro de Vigilância Epidemiológica “Professor Alexandre Vranjac” – Secretaria de Estado da Saúde - SP CASUÍSTICA E MÉTODOS No período de 2016 a 2018 houve uma expansão sem precedentes da circulação do vírus da febre amarela (FA) na região Sudeste do Brasil, culminando com a introdução do vírus em regiões indenes desde a década de 1930. O presente estudo descreve as características da febre amarela silvestre (FAS) em humanos no estado de São Paulo (ESP) de janeiro de 2017 até maio de 2018. DISTRIBUIÇÃO DOS MUNICÍPIOS COM TRANSMISSÃO DE FA SEGUNDO MÊS DE DETECÇÃO DO PRIMEIRO CASO HUMANO DE JAN/2017 A 2018 INTRODUÇÃO A maior proporção de casos (97,2%) ocorreu em áreas onde não havia recomendação de vacina até 2017, com coberturas vacinais inferiores a 5%. Ao detectar os primeiros PNHs positivos para FA, um caso humano ou com base em previsão de que a circulação viral iria começar em um local, dava-se início a uma campanha de vacinação. Isto ocasionou concomitância de casos de evento adverso pós-vacinal (EAPV) e FAS. O diagnóstico diferencial neste caso torna-se bastante complexo, dado que existe viremia vacinal nos dias que se seguem à vacinação. Dos 521 casos confirmados autóctones, 92 (17,6%) tinham informação de terem sido vacinados. Dentre eles, 8 (1,5% dos vacinados) em tempo de estarem imunizados (falha vacinal?). Para chegar a um encerramento dos casos (em geral, mas especialmente dos que tinham vacina) foi necessário estabelecer um conjunto de critérios (ter frequentado locais com circulação viral conhecida, RT-PCR em tempo real sem detecção de vírus vacinal em nenhuma amostra, quadro clínico compatível, resultados de imuno-histoquímica). DESAFIOS PARA A VIGILÂNCIA Foram reportados 1495 casos neste período: 583 foram confirmados, 89,4% dos quais foram autóctones. Houve predomínio do sexo masculino (81,6%), a idade variou de 1 a 90 anos, com mediana de 43 anos. Dos 521 casos confirmados autóctones, 193 tiveram evolução fatal, resultando em uma letalidade de 37,0%. Nos 472 casos em que este dado estava disponível, os níveis de AST/TGO variaram de 5,94 a > 14.000 UI/ml, com mediana de 2394 UI/ml. A bilirrubina total variou 0,01 a 16,36 UI/ml, com mediana de 2,33 UI/ml. Ficou bastante evidente durante a análise dos casos que a TGO era aproximadamente 2,5 vezes maior do que a TGP no início do quadro. A biologia molecular (PCR) conseguiu detectar material genético do vírus desde o dia do início dos sintomas (IS) até 48 dias após, sendo o exame confirmatório em 84,6% dos casos. Com a internação de pacientes mais graves em hospitais com mais recursos foi possível observar a resposta e a evolução da doença com o emprego de recursos mais avançados de terapia intensiva, evidenciando a necessidade de encaminhar precocemente os pacientes com sinais de gravidade para centros de referência. CARACTERIZAÇÃO DOS PACIENTES 1 REFERÊNCIAS 1- Banco de dados da Divisão de Zoonoses do CVE – dados não publicados, avaliação em 15/05/2018. 2- Saad, LDC, Barata, RB. Epidemiol. Serv. Saude, Brasilia, 25(3):531-540, jul-set 2016. 3- BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO FEBRE AMARELA – 28/05/2018. Acesso no site: www.cve.saude.sp.gov.br CARACTERÍSTICAS EPIDEMIOLÓGICAS DA FEBRE AMARELA HUMANA NO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017-2018 Divisão de Zoonoses do Centro de Vigilância Epidemiológica “Professor Alexandre Vranja” Telefone: (011)3066-8296 Email: [email protected] Jan-nov 2017 Dez-2017 Jan-2018 Fev-2018 Mar-2018 Abr-2018 Mai-2018 Jan 2017-Mai 2018 CASOS DE FEBRE AMARELA (AUTÓCTONES + IMPORTADOS) NO ESP POR SEMANA EPIDEMIOLÓGICA (2017-2018) 3 Fonte: Sinan; CVE/CCD/SES-SP Atualizado em 28/05/2018 O surto de FAS ocorrido no ESP neste período, pela rápida expansão do vírus, grande e crescente número de município até então indenes com transmissão, do significativo número de suspeitos (e óbitos) a serem investigados, impôs grandes desafios ao sistema de VE no sentido de contribuir com informações qualificadas e oportunas para adoção de medidas de prevenção (incluindo vacinação), controle (ações de controle vetorial), comunicação de risco e educação em saúde, além da adequação da regulação de vagas para assistência hospitalar. O presente trabalho resultou da análise do banco de dados da Divisão de Zoonoses (CVE), criado especificamente para o acompanhamento dos casos humanos de FA a partir de janeiro de 2017, constituído por uma planilha com os dados necessários para o acompanhamento e encerramento dos casos e uma pasta individual para cada suspeito, com todas as informações recebidas das diversas fontes públicas e privadas que colaboraram na notificação e investigação dos casos. RESULTADOS-CIRCULAÇÃO VIRAL 1 A primeira evidência de circulação recente do vírus da febre amarela no estado de São Paulo ocorreu em 2016, na região de São José do Rio Preto. Foram intensificadas a vigilância de epizootias e a vacinação contra febre amarela. Em seguida foram atingidas as regiões de Ribeirão Preto e Araraquara (já no início de 2017), todas áreas com recomendação de vacina contra febre amarela desde 2001 e 2008. Posteriormente, foi observada a partir da região de Campinas, com aumento do número e municípios com casos notificados e tendência de expansão progressiva das áreas de transmissão no sentido norte-sul e de oeste para leste do estado, culminando com transmissão na região metropolitana de São Paulo e litoral paulista. Até maio de 2018 já tinham sido envolvidos 71 municípios, a maioria fora da área com recomendação de vacina até 2017. Os casos humanos ocorreram aproximadamente um mês após a detecção de epizootias em PNH na região e com um padrão de disseminação de FAS, com casos esparsos ou pequenos aglomerados, atingindo principalmente homens em idade produtiva. A exceção foi o município de Mairiporã, onde o surto foi explosivo, com 173 casos em torno de 12 semanas já com cobertura vacinal maior do que 80%. O que talvez possa ser explicado pelo tipo de ocupação, mas que ainda precisa de estudos. Área com recomendação de vacina 2001 Área com recomendação de vacina 2008 Área sem recomendação de vacina Área com recomendação de vacina 2009 Quilômetros 0 100 200 300 N Áreas com e sem recomendação de VFA no ESP até 2009 2

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Eliza Keiko Oda Moroi, Juliana Yamashiro, Leila del Castillo Saad, Rodrigo Nogueira Angerami, Ruth Moreira Leite, Silvia Silva de Oliveira

Centro de Vigilância Epidemiológica “Professor Alexandre Vranjac” – Secretaria de Estado da Saúde - SP

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período de 2016 a 2018 houve uma expansão semprecedentes da circulação do vírus da febre amarela (FA) naregião Sudeste do Brasil, culminando com a introdução do vírusem regiões indenes desde a década de 1930. O presente estudodescreve as características da febre amarela silvestre (FAS) emhumanos no estado de São Paulo (ESP) de janeiro de 2017 atémaio de 2018.DISTRIBUIÇÃO DOS MUNICÍPIOS COM TRANSMISSÃO DEFA SEGUNDO MÊS DE DETECÇÃO DO PRIMEIRO CASOHUMANO DE JAN/2017 A 2018

INTRODUÇÃO

A maior proporção de casos (97,2%) ocorreu em áreas onde não haviarecomendação de vacina até 2017, com coberturas vacinais inferiores a 5%.Ao detectar os primeiros PNHs positivos para FA, um caso humano ou combase em previsão de que a circulação viral iria começar em um local, dava-seinício a uma campanha de vacinação. Isto ocasionou concomitância de casosde evento adverso pós-vacinal (EAPV) e FAS. O diagnóstico diferencial nestecaso torna-se bastante complexo, dado que existe viremia vacinal nos dias quese seguem à vacinação. Dos 521 casos confirmados autóctones, 92 (17,6%)tinham informação de terem sido vacinados. Dentre eles, 8 (1,5% dosvacinados) em tempo de estarem imunizados (falha vacinal?). Para chegar aum encerramento dos casos (em geral, mas especialmente dos que tinhamvacina) foi necessário estabelecer um conjunto de critérios (ter frequentadolocais com circulação viral conhecida, RT-PCR em tempo real sem detecção devírus vacinal em nenhuma amostra, quadro clínico compatível, resultados deimuno-histoquímica).

DESAFIOS PARA A VIGILÂNCIA

Foram reportados 1495 casos neste período: 583 foram confirmados, 89,4% dosquais foram autóctones. Houve predomínio do sexo masculino (81,6%), a idadevariou de 1 a 90 anos, com mediana de 43 anos. Dos 521 casos confirmadosautóctones, 193 tiveram evolução fatal, resultando em uma letalidade de 37,0%.Nos 472 casos em que este dado estava disponível, os níveis de AST/TGOvariaram de 5,94 a > 14.000 UI/ml, com mediana de 2394 UI/ml. A bilirrubinatotal variou 0,01 a 16,36 UI/ml, com mediana de 2,33 UI/ml. Ficou bastanteevidente durante a análise dos casos que a TGO era aproximadamente 2,5vezes maior do que a TGP no início do quadro. A biologia molecular (PCR)conseguiu detectar material genético do vírus desde o dia do início dos sintomas(IS) até 48 dias após, sendo o exame confirmatório em 84,6% dos casos. Com ainternação de pacientes mais graves em hospitais com mais recursos foi possívelobservar a resposta e a evolução da doença com o emprego de recursos maisavançados de terapia intensiva, evidenciando a necessidade de encaminharprecocemente os pacientes com sinais de gravidade para centros de referência.

CARACTERIZAÇÃO DOS PACIENTES1

REFERÊNCIAS1- Banco de dados da Divisão de Zoonoses do CVE – dados não publicados, avaliação em 15/05/2018.2- Saad, LDC, Barata, RB. Epidemiol. Serv. Saude, Brasilia, 25(3):531-540, jul-set 2016.3- BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO FEBRE AMARELA – 28/05/2018. Acesso no site: www.cve.saude.sp.gov.br

CARACTERÍSTICAS EPIDEMIOLÓGICAS DA FEBRE AMARELA HUMANA NO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017-2018

Divisão de Zoonoses do Centro de Vigilância Epidemiológica “Professor Alexandre Vranja”

Telefone: (011)3066-8296Email: [email protected]

Jan-nov 2017 Dez-2017 Jan-2018

Fev-2018 Mar-2018 Abr-2018

Mai-2018

Jan 2017-Mai 2018

CASOS DE FEBRE AMARELA (AUTÓCTONES + IMPORTADOS) NO ESP PORSEMANA EPIDEMIOLÓGICA (2017-2018)3

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE COORDENADORIA DE CONTROLE DE DOENÇAS

CENTRO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA PROF. ALEXANDRE VRANJAC DIVISÃO DE ZOONOSES E CENTRAL/CIEVS

BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO FEBRE AMARELA

Pág

ina5

Foram confirmados 55 casos importados, todos com local provável de infecção em

Minas Gerais; a partir da SE 1/2018, também foram confirmados um caso com residência

em Poço Fundo (MG) e outro em Gaspar (SC), ambos com LPI em Mairiporã (SP); um caso

com residência no Rio de Janeiro e LPI em Atibaia e outro com residência em Curitiba (PR)

e LPI em Itariri (Gráfico 2).

Gráfico 2. Distribuição dos casos e óbitos de Febre Amarela (autóctone e importado) segundo Semana Epidemiológica. Estado de São Paulo, 2017-2018.

Fonte: Sinan; CVE/CCD/SES-SP Atualizado em 28/05/2018

Em relação à ocorrência de Febre Amarela em Primatas Não Humanos (PNH), a

partir de Julho de 2016, tivemos notificações em 315 municípios e, desses, 81 confirmaram

a circulação do vírus (Figura 2).

O surto de FAS ocorrido no ESP neste período, pela rápida expansão do vírus,grande e crescente número de município até então indenes com transmissão, dosignificativo número de suspeitos (e óbitos) a serem investigados, impôs grandesdesafios ao sistema de VE no sentido de contribuir com informações qualificadas eoportunas para adoção de medidas de prevenção (incluindo vacinação), controle(ações de controle vetorial), comunicação de risco e educação em saúde, além daadequação da regulação de vagas para assistência hospitalar.

O presente trabalho resultou da análise do banco dedados da Divisão de Zoonoses (CVE), criadoespecificamente para o acompanhamento dos casoshumanos de FA a partir de janeiro de 2017, constituídopor uma planilha com os dados necessários para oacompanhamento e encerramento dos casos e uma pastaindividual para cada suspeito, com todas as informaçõesrecebidas das diversas fontes públicas e privadas quecolaboraram na notificação e investigação dos casos.

RESULTADOS-CIRCULAÇÃO VIRAL1

A primeira evidência de circulação recente do vírus dafebre amarela no estado de São Paulo ocorreu em 2016,na região de São José do Rio Preto. Foram intensificadasa vigilância de epizootias e a vacinação contra febreamarela. Em seguida foram atingidas as regiões deRibeirão Preto e Araraquara (já no início de 2017), todasáreas já com recomendação de vacina contra febreamarela desde 2001 e 2008. Posteriormente, foiobservada a partir da região de Campinas, com aumentodo número e municípios com casos notificados etendência de expansão progressiva das áreas detransmissão no sentido norte-sul e de oeste para leste doestado, culminando com transmissão na regiãometropolitana de São Paulo e litoral paulista. Até maio de2018 já tinham sido envolvidos 71 municípios, a maioriafora da área com recomendação de vacina até 2017. Oscasos humanos ocorreram aproximadamente um mêsapós a detecção de epizootias em PNH na região e comum padrão de disseminação de FAS, com casosesparsos ou pequenos aglomerados, atingindoprincipalmente homens em idade produtiva. A exceção foio município de Mairiporã, onde o surto foi explosivo, com173 casos em torno de 12 semanas já com coberturavacinal maior do que 80%. O que talvez possa serexplicado pelo tipo de ocupação, mas que ainda precisade estudos.

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Leila Del Castillo Saad e Rita Barradas Barata

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016

Após a confirmação do diagnóstico etiológico, foram delimitados, a partir de um raio de 30 qui-lômetros de onde foram encontradas as carcaças dos primatas, 13 municípios prioritários para as ações de prevenção e controle da doença. Além da intensificação da vacinação, já que os municípios que registraram as epizootias estavam dentro da área de recomendação da vacina desde 2001 (após a reintrodução do vírus no estado), foram desenvol-vidas ações em três fases: (i) vacinação e busca de sintomáticos casa a casa, em áreas rurais e urbanas, (ii) ampliação da área de recomendação da vacina para 16 municípios, com inclusão de São José do Rio Preto, e (iii) avaliação da cobertura vacinal dos demais municípios do GVE.8-10 Essas ações, aparente-mente, foram capazes de evitar a ocorrência de casos humanos nesse período, mostrando a importância da vigilância de epizootias.

Em abril e maio de 2008, dois casos humanos autóctones da doença foram notificados na região de Ribeirão Preto. Residentes em Cravinhos e Luís Antônio, os dois casos eram do sexo masculino, tinham 39 anos de idade, não vacinados, e haviam se exposto a atividades de risco (pescaria). Os dois pacientes apresentaram a forma grave da doença, evoluindo a óbito 5 e 4 dias – respectivamente – após o início dos sintomas.9

O primeiro a apresentar sintomas foi o residente em Cravinhos, que teve como local provável de infecção

a Estação Ecológica de Jataí, no município de Luís Antônio: os sintomas apareceram em 22/04/2008 e o óbito ocorreu em 26/04/2008. Residente no município de São Carlos, o segundo caso iniciou os sintomas em 23/05/2008 e evoluiu a óbito em 26/05/2008. Este caso, como o primeiro, esteve na área rural de São Car-los, divisa com o município de Rincão, próximo ao rio Mogi-Guaçu e à Estação Ecológica de Jataí. O critério de confirmação da doença foi laboratorial, sendo os dois casos positivos para o exame imunohistoquímico realizado pelo IAL (Tabela 2).

A positividade das amostras laboratoriais confirmou a circulação do vírus e desencadeou uma investigação epidemiológica, em que foram coletadas amostras de humanos, macacos e vetores (Tabela 3).

Durante as investigações, um inquérito sorológico foi realizado com 128 amostras humanas, provenientes dos municípios de São Carlos, Rincão e Ribeirão Preto, (próximas aos locais prováveis de infecção), e mais 10 amostras de comunicantes dos pacientes. Três amostras foram positivas para pesquisa de anticorpos IgM do vírus da febre amarela, quatro macacos testados tiveram diagnóstico positivo e foi possível isolar o vírus de mos-quitos provenientes de Urupês. (Tabela 3 e Figura 1).8-10

Essa expansão da circulação viral resultou na ampliação das áreas com recomendação de vacinação para residentes e viajantes. Em 2008, o estado incluiu mais 62 municípios na área de

Figura 2 – Expansão das áreas de recomendação da vacina de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010

Área com recomendação de vacina 2001

Área com recomendação de vacina 2008

Área sem recomendação de vacina

Área com recomendação de vacina 2009

Quilômetros

0 100 200 300

N

Áreas com e semrecomendação de VFAno ESP até 20092