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Cadernos de Educação de InfânciaJan./Mar. 2002
Investigação
INVESTIGAÇÃO
PROFISSÃO, PROFISSIONALIDADE E PROFISSIONALIZAÇÃO DOS EDUCADORES DE INFÂNCIA
Maria Goreti Torres *, Catarina Mouta **, Ana Luísa Meneses **
Introdução
Constituindo a Educação de Infância uma realidade relativamente recente no sistema
educativo, parece oportuno e adequado reflectir sobre a profissão que lhe está
associada – o educador de infância.
O presente artigo constrói-se em torno de alguns conceitos de referência – a profissão,
a profissionalização e a profissionalidade do educador de infância, tendo em vista um
melhor entendimento da realidade profissional deste agente educativo em Portugal.
A revisão de literatura, relativa a esta temática, torna possível vislumbrar uma
pluralidade de abordagens que se inscrevem em paradigmas de inspiração positivista,
fenomenológica e sociológica e que vão desde abordagens estruturais e funcionalistas
a abordagens construtivistas e interaccionistas, visando quer interesses de matéria
técnica, quer interesses de matéria prática e emancipatória. Pretende-se, neste texto,
elaborar um enquadramento geral da literatura relativamente à temática enunciada,
tendo como critério orientador a afinidade dos trabalhos de investigação em relação ao
mesmo alvo.
A primeira parte deste trabalho incide, essencialmente, sobre a profissão propriamente
dita. Há aqui que fazer referência ao processo de profissionalização da ocupação e
aos elementos que mais consensualmente são abrangidos pelo conceito de profissão,
tornando possível a sua caracterização. Estes elementos organizam-se em torno de
noções como profissionalismo, deontologia, associativismo, autonomia (ou suas
limitações), funções e direitos e deveres consignados aos educadores de infância.
Numa segunda parte, tenta-se uma articulação dos quadros conceptual e pragmático,
através da exploração do conceito de profissionalidade.
I - Educadores, profissão e profissionalização * Mestranda em Sociologia da Infância (Universidade do Minho, Braga). ** Educadoras especializadas em Educação de Infância e Básica Inicial, variante de Expressões Artísticas Integradas, pela Universidade do Minho, Braga.
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Levar a cabo uma reflexão acerca do que é, actualmente, a profissão de educador de
infância implica, necessariamente, a perscrutação e a clarificação dos sentidos a que o
lexema profissão alude.
O conceito de profissão é decorrente, mormente, de uma construção social, sendo, por
consequência, susceptível de sofrer alterações de acordo com as condições sociais
em que é utilizado. O facto de variar em função do tempo e do contexto em que ocorre
faz com que esta noção se torne, de certo modo, híbrida e de difícil aproximação. Com
efeito, o vocábulo profissão dá ensejo a uma pluralidade de significações, implicando,
em virtude disso, a inexistência de uma definição fixa ou universal1 (Popkewitz, 1991).
A profissão não deve ser considerada como um somatório de características
distintivas, mas como um processo de emergência e diferenciação social de
determinado grupo ocupacional, que faz variar o estatuto e o reconhecimento das
profissões ao longo dos tempos. Sociologicamente, profissão pode ser entendida
como «(...) o desempenho de uma actividade humana, apoiada num saber e em
valores próprios, possuidora de atributos específicos e como tal reconhecida pelo todo
social e confirmada pelo Estado» (Sarmento, 1994:38).
O rótulo profissão é, normalmente, utilizado para identificar um grupo especializado,
altamente formado, competente e digno de confiança pública. Todavia,
frequentemente, a profissão faz dos seus serviços uma forma de obtenção de
prestígio, de poder e de estatuto económico, ou seja, desenvolve uma autoridade
cultural e social (Popkewitz, 1991).
A problemática das profissões foi, desde sempre, objecto de análise da sociologia,
com Carr Saunders, Illich e Parsons, entre outros. A partir dos anos 70, as correntes
construtivistas e interaccionistas-simbólicas dominaram a sociologia das profissões.
Os teóricos funcionalistas partem de um tipo ideal de profissão – liberal – e fundam a
distinção entre duas acepções: ocupação e profissão. Nesta perspectiva, os diferentes
grupos ocupacionais são, ou não, profissionais, em função da proximidade em relação
a um conjunto de características próprias das “verdadeiras” profissões (Nóvoa, 1992 e 1 Existem, por exemplo, diferenças notórias entre as tradições anglo-americanas e europeias relativamente à significação do termo profissão. Em diversos países europeus não existia, até há relativamente pouco tempo, um termo equivalente à palavra anglo-saxónica profissão: «Este termo foi trazido para a língua de muitos países de modo a descrever as formações sociais do trabalho no contexto da classe média, a importância cada vez maior da especialização no processo de produção/reprodução e, especificamente no ensino, o esforço no sentido de um prestígio profissional crescente. O conceito anglo-americano de profissão não é um termo neutro que possa ser facilmente incorporado noutros vocabulários nacionais, pois impõe uma “lente” interpretativa sobre o modo como as profissões funcionam. O debate americano sobre a profissão docente, por exemplo, identifica um tipo ideal de ocupação altruísta que está separada das funções do Estado. A autonomia dos profissionais, o conhecimento técnico, o controlo da profissão sobre remunerações usufruídas e ainda uma nobre ética do trabalho são características que servem para definir uma profissão. Contudo, este tipo ideal tem uma frágil base de sustentação, na medida em que ignora as lutas políticas, os confrontos e os compromissos que estão envolvidos na formação das profissões» (Nóvoa,
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Sarmento, 1994), respectivamente:
i) um saber especializado, expresso através de um vocabulário técnico, adquirido
no decorrer de uma longa formação escolar;
ii) controlo de admissão à profissão;
iii) existência de um código deontológico profissional;
iv) autonomia profissional;
v) associações profissionais, distintas dos sindicatos;
vi) condições de trabalho adequadas;
vii) orientação para o cliente e o ideal de serviço.
A aplicação destas características à profissão docente possibilitou que a
considerassem (tal como ao grupo dos enfermeiros e de outros trabalhadores sociais)
como uma semiprofissão, uma vez que, comparativamente às profissões liberais, a
autonomia se vislumbrava mais reduzida, o direito a uma comunicação privilegiada
menos estabelecido e um status menos consignado (Etzioni, 1969). No entanto, na
realidade, esta classificação das profissões acabava por definir muito mais uma
hierarquia social do que profissional. Também investigadores como Marc Maurice e
William Goode (cit. Nóvoa, 1987) concluíram que era inútil estudar um grupo
profissional através da observação de um tipo ideal de profissão, sem colocar em
causa os seus fundamentos e atributos sociais.
Actualmente, denota-se um esforço crescente do Estado no controlo e burocratização
dos docentes, das escolas e da educação. Com base neste pressuposto, alguns
autores questionam-se quanto à validade do conceito de profissão atribuído ao grupo
ocupacional dos professores / educadores. Encontra-se, como agravante desta
situação, a componente maioritariamente feminina da profissão. O Estado e os
docentes rivalizam-se pelo controlo do acto educativo, e esta tensão vai no sentido da
proletarização dos professores / educadores. Esta proletarização imprime um efeito
desqualificador ao trabalho docente, ao fazer integrar curricula de base condutista,
originando uma separação entre as fases de concepção e execução – a elaboração
dos curricula e dos programas fica a cargo de especialistas científicos, sob o controlo
estatal. O professor / educador concretiza pedagogicamente as orientações
concebidas, o que enfatiza a tecnicização do seu trabalho, uma consequente perda de
autonomia no processo de ensino e, outrossim, uma degradação do seu estatuto
(Sarmento, 1994 e Nóvoa, 1992). Daqui se infere que na profissão docente influem,
1992:38,39).
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sobretudo, dois mecanismos opostos, definidos por Mark Ginsburg da seguinte forma:
«A profissionalização é um processo através do qual os
trabalhadores melhoram o seu estatuto, elevam os seus
rendimentos e aumentam o seu poder/autonomia. Ao invés, a
proletarização provoca uma degradação do estatuto, dos
rendimentos e do poder/autonomia; é útil sublinhar quatro
elementos deste último processo: a separação entre a concepção
e a execução, a estandardização das tarefas, a redução dos
custos necessários à aquisição da força de trabalho e a
intensificação das exigências em relação à actividade laboral»
(cit. Nóvoa, 1992:23).
A profissionalização constitui-se, deste modo, como um verdadeiro instrumento de
defesa contra o normativismo do Estado, funciona como um travão pelejador
relativamente ao seu poder, nomeadamente através da criação de competências e de
uma auto-imagem profissional no grupo docente.
Em Portugal, a investigação tem identificado um processo crescente de
profissionalização dos docentes, o qual só é compreensível com o entendimento dos
antagonismos originados na acção social e na construção histórica. Isto implica um
esclarecimento das interacções que existem entre os docentes, docentes / outros
profissionais e docentes / Estado (Sarmento, 1994).
Na perspectiva de António Nóvoa (1992), a profissão docente constitui uma profissão
do tipo funcionário ou burocrático, edificada historicamente pela integração de duas
dimensões:
a) A construção de um corpo de conhecimentos e técnicas próprias e específicas da
profissão docente, o qual é permanentemente reelaborado – corpo de saberes2.
b) A organização de um conjunto de normas e valores que devem pautar a actividade
profissional docente3.
A construção da profissão docente percorre, igualmente, quatro etapas constitutivas
(as quais não devem, porém, ser lidas numa perspectiva sequencial rígida) (Idem):
!Exercício a tempo inteiro da actividade docente;
!Estabelecimento de um suporte legal para o exercício da actividade docente
que funciona como instrumento de controlo e de defesa profissionais;
!Criação de instituições específicas para a formação de professores/educadores; 2 Sublinhados nossos.
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!Constituição de Associações Profissionais.
Recentemente, foi salientada uma nova etapa, respeitante ao processo de
desfuncionalização e exigência crescente de autonomia face ao Estado (Nóvoa, cit.
Sarmento, 1994).
Todos os estudos apontam para a existência, em Portugal, de uma relação conflitual
constante entre as políticas governamentais e a afirmação de autonomia por parte do
grupo docente. Esta divergência expressa-se na forma de compromissos, de
negociações, de ocupação de zonas incertas e até mesmo de desentendimentos
abertos. Esta tensão traduz a dinâmica de um processo de profissionalização que
constitui o estatuto do grupo ocupacional docente actual (Idem).
É possível, em síntese, e perante o quadro traçado, afirmar que os educadores
constituem um grupo ocupacional em plena profissionalização.
Para uma melhor caracterização da profissão de educador de infância, perscrutam-se,
ainda, alguns elementos que mais consensualmente são abrangidos pelo conceito de
profissão em causa, designadamente, 1) o associativismo, 2) os direitos e os deveres
consignados aos educadores e 3) a deontologia.
1) As Associações Profissionais
A indefinição do estatuto e o relativo isolamento social em que os educadores vivem
reforça um sentimento de solidariedade entre estes membros do grupo docente e, num
certo sentido, faz emergir uma identidade profissional.
As associações de educadores desempenham um papel preponderante na promoção
de uma referência identitária, através da consolidação de um saber próprio destes
profissionais e da elaboração de normas de conduta profissional. Com efeito, uma
associação de educadores constitui um mecanismo institucionalizado que visa,
mormente, a defesa dos direitos profissionais destes agentes educativos, a definição
dos seus deveres, a promoção do seu estatuto, a salvaguarda de uma maior
autonomia e, ainda, a projecção social da profissão.
Estes organismos podem, neste sentido, «(...) desempenhar um papel decisivo,
favorecendo a delimitação de uma territorialidade própria da profissão docente, no
3 Sublinhados nossos.
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quadro de uma co-responsabilização na área da formação e de uma intervenção activa
na regulação da acção profissional» (Nóvoa, 1990:7).
A formação de associações constitui, deste modo, um momento importante do
processo de profissionalização, na medida em que implica a existência de uma união
de profissionais em corpo solidário e a elaboração de uma mentalidade comum (Idem,
1991).
A Associação de Profissionais de Educação de Infância - A.P.E.I. – surgiu em 1980,
com uma assembleia geral de profissionais de educação de infância, reunindo cerca
de 200 educadores de infância. Esta Associação veio dar voz aos interesses e diminuir
o isolamento em que a maior parte destes agentes vivia.
A A.P.E.I. pode ter um efeito valioso na Educação de Infância, quer através do
favorecimento de uma aproximação dos educadores aos professores do ensino básico
e secundário, quer através da impedição da descaracterização deste grupo (através,
concretamente, do reforço de elementos específicos da cultura profissional). Este
organismo exerce, ainda, um papel positivo no que concerne à promoção da formação
contínua destes profissionais, indispensável do ponto de vista dos saberes e da
regulação da profissão (Ibidem, 1990).
Esta Associação possui um veículo fundamental para estabelecer o contacto entre os
educadores: os “Cadernos de Educação de Infância”, revista trimestral, que
proporciona um espaço de troca de experiências e de partilha de conhecimentos, o
diálogo entre agentes educativos, bases que se afiguram essenciais para a
consolidação de saberes e de normas emergentes da prática profissional. A
comunicação que se estabelece entre profissionais do mesmo grupo constitui um
factor decisivo de socialização profissional e de afirmação de valores próprios da
profissão.
2) Direitos e Deveres do Educador de Infância
O Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância, alterado pelo Decreto-Lei
1/98 de 2 de Janeiro, toma como base a profissionalização dos seus destinatários e o
profissionalismo da função.
O supracitado estatuto define claramente os DIREITOS e os DEVERES específicos
dos educadores de infância, os quais assumem particular relevância, dedicando o
referido Decreto-Lei um capítulo a esta temática.
Os educadores, além do conjunto de direitos e deveres de que são titulares e a que
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estão obrigados os funcionários públicos em geral (direito à remuneração, direito à
assistência médica e direito ao tempo de serviço prestado), têm, igualmente, um
conjunto de direitos e de deveres específicos da sua função, que decorrem,
simultaneamente (Carvalho e Oliveira, 1990):
i) da profissionalização manifestada pelo grau de formação inicial e pela necessidade
permanente de formação contínua e,
ii) da exigência de profissionalismo, no desenvolvimento de uma prática coerente com
a profissionalização de que todos os docentes são titulares.
A que se reportam os direitos e deveres específicos dos educadores? Reportam-se a
comportamentos individuais e institucionais, na perspectiva múltipla da interacção com
colegas, crianças, pais e comunidade em geral.
As regras específicas consideradas são aquelas que, pela sua prática reiterada, foram
interiorizadas e ainda aquelas que constituem padrões para os quais se orienta o
comportamento individual e institucional.
Em consequência, são consagrados os seguintes DIREITOS ao educador:
- Direito de participação no processo educativo (art.º 5);
- Direito à formação e informação para o exercício da função educativa
(art.º 6);
- Direito ao apoio técnico material e documental (art.º 7);
- Direito à segurança na actividade profissional (art.º 8);
- Direito à negociação colectiva (art.º 9).
No artigo décimo deste artigo encontram-se consignados os DEVERES profissionais
específicos dos educadores de infância, a saber:
- Contribuir para a formação e realização integral do aluno, promovendo o
desenvolvimento das suas capacidades, estimulando a sua autonomia e
criatividade, incentivando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e
democraticamente intervenientes na vida da comunidade;
- Colaborar com todos os intervenientes no processo educativo,
favorecendo a criação e o desenvolvimento de relações de respeito mútuo,
em especial entre docentes, alunos, encarregados de educação e pessoal
não docente;
- Participar na organização e assegurar a realização de actividades
educativas;
- Gerir o processo de ensino-aprendizagem, no âmbito dos programas
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definidos, procurando adoptar mecanismos de diferente acção pedagógica,
susceptíveis de responder às necessidades individuais dos alunos;
- Respeitar a natureza confidencial da informação relativa aos alunos e
respectivas famílias;
- Contribuir para a reflexão sobre o trabalho realizado individual e
colectivamente;
- Reconhecer e respeitar os demais membros da comunidade educativa,
valorizando os diferentes saberes e culturas e combatendo os processos de
exclusão e discriminação;
- Enriquecer e partilhar os recursos educativos, bem como utilizar novos
meios de ensino que lhe sejam propostos, numa perspectiva de abertura à
inovação e de reforço da qualidade da educação e ensino;
- Co-responsabilizar-se pela preservação e uso adequado das instalações
e equipamentos e propor medidas de melhoramento e renovação;
- Empenhar-se nas e concluir as acções de formação em que participar;
- Assegurar a realização, na educação pré-escolar e no ensino básico, de
actividades educativas de acompanhamento de alunos, destinadas a suprir a
ausência imprevista e de curta duração do respectivo docente;
- Cooperar com os restantes intervenientes no processo educativo na
detecção da existência de casos de crianças ou jovens com necessidades
educativas especiais;
- Actualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos, capacidades e
competências, numa perspectiva de desenvolvimento pessoal e profissional.
3) A Docência – uma ocupação ética
O educador lida com um dos aspectos mais delicados dos seres humanos – o
carácter. Este profissional tem como meta principal a realização plena dos
educandos4. O favorecimento do desenvolvimento holístico e harmonioso das
crianças implica a transmissão de um conjunto de normas e de valores que tenham em
conta a dimensão socializadora das mesmas. O educador deve, deste modo, facilitar a
promoção de hábitos, de costumes, de valores e de atitudes, por forma a que os
educandos fortaleçam o carácter e se tornem pessoas que orientem a sua vida para o
bem (Estrela, 1997).
4 Cf. Lei de Bases do Sistema Educativo.
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Pretende-se, igualmente, que as crianças sejam portadoras de uma estrutura ética5:
não obstante, a construção dessa estrutura, o modo de ser susceptível da realização
dos valores depende, em grande parte, do modo mais ou menos ético como o
profissional educador leve a cabo a sua incumbência (Cordero, 1986). De facto, existe
sempre subjacente à tarefa educativa e aos que nela se comprometem uma dimensão
ética, tanto mais que a educação não é individual mas social: cada novo indivíduo
“formado” vai integrar-se no tecido social que ajuda a construir e a renovar e da sua
formação ética dependerá, pois, a de toda a sociedade (Idem). A responsabilidade que
recai sobre o educador é, assim, difícil de contestar, enfatizando-se aqui, uma vez
mais, a dimensão ética da sua acção. Este agente educativo necessita, para realizar a
sua tarefa educativa, de estar imbuído de determinadas características que lhe
garantam a possibilidade de, respeitando os outros, “ensinar”, as quais são,
normalmente, referenciadas como “autoridade moral”: «(...) ser educador obriga a um
modo particular de ser e estar, obriga a uma autoridade moral» (Estrela, 1997:164).
O educador tem, assim, de consignar uma dimensão ética à sua acção, tem de pautar
a sua conduta por critérios deontológicos: «(...) a reflexão recente sobre a docência
como autêntica profissão, e não simplesmente como “missão” ou “assistência”, não
pode deixar de colocar a questão da sua ética profissional específica» (D’Orey da
Cunha, 1995:39).
A deontologia deve constituir uma expressão de autonomia profissional. Deste modo, a
regulação ética do desempenho profissional surge a par da formação profissional
interiorizada no decorrer de uma longa escolarização, da profissionalização dos
docentes e da existência de associações, como um dos elementos constitutivos do
profissionalismo:
«A elaboração e outorga de um código de ética é um elemento
constitutivo da identidade profissional de um grupo. Sem uma
ética não há uma comunidade. A partilha, por todos os
professores, de ideias sobre o que é, para que serve e como
deve ser exercida a docência é um elemento de enorme
importância para a criação e fortalecimento do sentimento de
pertença a um mesmo corpo e para a coesão entre todos os seus
membros» (Estrela, 1997:165).
5 Embora seja corrente tomar os termos ética e moral como sinónimos e utilizá-los de forma indiferenciada, no âmbito filosófico estabelece-se e justifica-se a distinção pelas diferentes áreas semânticas que os dois conceitos envolvem. De acordo com
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As vantagens fundamentais de um código deontológico advêm da incrementação de
uma identidade profissional, a qual se espelha na imagem endógena e exógena da
profissão e na afirmação da autonomia em relação à heteronomia dos regulamentos
governamentais.
Os códigos deontológicos têm, igualmente, a função de garantir a qualidade dos
serviços que se prestam e asseverar que os profissionais são dignos de confiança por
parte dos seus concidadãos, uma vez que actuam com o rigor e a seriedade a que o
código de ética lhes adverte (Idem).
Em Portugal, o exercício da actividade docente não se pauta por referência a uma
deontologia determinada num código escrito. Não obstante, há implícita ao
desempenho profissional de cada educador uma ética, ou seja, um entendimento ou
pressentimento da forma como convém que se desempenhe a profissão (Ibidem).
Paradoxalmente, não se compreende como é que em Portugal «(...) se é certo que a
profissão docente sempre foi considerada como actividade eminentemente moral, no
entanto, não existe tradição de sistematizar a deontologia de tal actividade, nem muito
menos é costume de a cristalizar em códigos» (D’Orey da Cunha, 1995: 42).
Seria, em virtude disto, interessante que se debatessem propostas diversas de
códigos deontológicos para os docentes, dando origem a um código que os
educadores / professores sentissem como seu e que os auxiliasse a consciencializar
acerca dos aspectos éticos da sua profissão, pela reflexão colectiva que esse debate
faria suscitar.
II – Consciência e Acção sobre a Prática – Profissionalidade
O educador constitui uma peça fundamental na acção educativa. É grande a sua
responsabilidade educacional. A prática educativa exige dele determinadas actuações
como condição para a melhoria da qualidade da educação, e daí a necessidade de se
compreender as ligações entre o educador e a prática.
A profissionalidade remete para o tipo de desempenho e saberes específicos da
profissão docente: o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes
e valores que corporizam a especificidade de ser educador (Nóvoa, 1992).
O conceito de profissionalidade diz, assim, respeito
«(...) ao conjunto de valores e saberes e os respectivos princípios
e modos operativos que integram o conjunto dos elementos Billingdon (1988) a ética significa a teoria do certo e do errado na conduta e reporta-se aos valores a que ela presidem. Por seu
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participantes na definição dos critérios de competência dos
professores, os quais são historicamente construídos, dinâmicos,
sujeitos a debates de natureza política e ideológica e envolvidos
em determinações que não são totalmente endógenas ao grupo
profissional, mas dependem do estado, dos sistemas periciais,
das instâncias de formação de professores» (Sarmento,
1994:80).
Deste modo, o conhecimento da prática pedagógica e a capacidade de a modificar
implicam o entendimento das inter-relações existentes entre três domínios distintos. O
primeiro diz respeito ao contexto pedagógico constituído pela actividade diária da
classe, o que comummente se designa por prática. Aqui têm lugar as funções mais
imediatas dos educadores. O segundo relaciona-se com o contexto profissional destes
agentes educativos, que elaboram como grupo o modelo de comportamento
profissional (ideologias, conhecimentos, crenças, rotinas, etc.). Por último, surge o
contexto sociocultural, o qual proporciona valores e conteúdos considerados
relevantes (Nóvoa, 1991).
Sendo o ensino, por excelência, uma prática social concretizada na interacção entre
educadores e alunos, que espelham a cultura e os contextos sociais em que vivem,
facilmente se depreende e justifica que o status do grupo ocupacional dos educadores
varie consoante as sociedades e os contextos.
Segundo Hoyle (1986), existem, pelo menos, seis factores determinantes do prestígio
da profissão docente, os quais integram:
- A recrutamento social do grupo, oriundo, sobretudo, das classes média e
baixa;
- O grande número de profissionais, que acaba por empecer a melhoria de
salários;
- A predominância de profissionais do sexo feminino, grupo socialmente
discriminado;
- A qualificação académica de acesso, de nível médio, para os docentes
do ensino pré-escolar e básico;
- O status dos clientes;
- A relação com os clientes não voluntária, mas baseada na
obrigatoriedade do ensino.
turno, a moral relaciona-se com a prática, ou seja, com os comportamentos efectivos das pessoas em articulação com os valores.
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A análise das condições psicológicas e culturais dos professores torna possível, desta
forma, um melhor entendimento do conceito de profissionalidade.
Considerações finais: Em certas profissões, a consciência da ambiguidade, da complexidade e da
instabilidade inerentes originou um pluralismo profissional. A análise efectuada
permitiu vislumbrar que a profissão de educador de infância constitui uma dessas
profissões. De todo o grupo docente, os educadores são aqueles a quem a sociedade
reconhece menos poder, cujas vozes têm sido menos ouvidas. Daí a necessidade da
criação de redes de comunicação interprofissional, que tornem possível conceder “vez
e voz aos educadores”. O desenvolvimento de grupos de referência, de canais,
através dos quais estes agentes educativos possam partilhar experiências,
conhecimentos, dúvidas e inquietações impõe-se, neste quadro, como essencial. O
diálogo pode, com efeito, desempenhar um papel valioso, quer na afirmação social dos
educadores, quer na estimulação da emergência de uma cultura profissional no seio
destes agentes.
Jennifer Nias (1985) enfatiza, num estudo acerca de grupos de referência entre
professores do ensino básico, a relevância da “conversa” entre os docentes:
«Throughout this study talk emerges as the critical element
enabling the formation of individual values and related reference
groups. First, it was through discussion during their early
experiences of teaching that individuals hammered out their aims
and priorities (…) The phenomenological view, that it is through
talk that participants create and make sense of a shared social
order, offers a mean of understanding this need for talk (Nias,
1985:115)6.
A comunicação entre profissionais surge, assim, como o elemento que viabiliza e dá
sentido a uma ordem social partilhada. A criação de fluxos dialógicos entre
profissionais incentiva a “produção de sentidos” acerca de vivências, práticas e
experiências de vida. De facto, esta forma participada de comunicação parece
constituir o elemento crítico que corporiza a formação dos valores individuais e dos 6 As citações são sempre feitas na língua da edição consultada.
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Cadernos de Educação de InfânciaJan./Mar. 2002
Investigação
grupos de referência relacionados.
As tentativas governamentais para controlar o grupo docente acabam por provocar
uma visão normalizada do educador que implementa passivamente aquilo que os
burocratas do Estado decidem sobre a Educação, o curriculum, a avaliação e etc.
(Vasconcelos, 1997). A Associação de Profissionais de Educação de Infância surge,
aqui, como um marco decisivo na crescente afirmação de uma identidade profissional
que se tem vindo a desenvolver, uma vez que, ao tornar possível a voz destes agentes
educativos, permite demonstrar que o educador é mais um agente de ensino do que
um instrumento para a aplicação das noções da educação.
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Sublinhados nossos.
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