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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA

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A ANTROPOLOGIA COMO PANO DE FUNDO PARA A CRIAÇÃO DE DEUS E

DAS RELIGIÕES EM LUDWIG FEUERBACH

Antunes Ferreira da Silva1

Jéssica de Sousa Lira2 RESUMO

Analisar o ateísmo proposto por Feuerbach apresentando-o como antropologia é um dos principais objetivos da presente pesquisa. Tendo em vista que o referido filósofo está preocupado não com a negação de Deus, mas com a autoafirmação do homem, pode-se afirmar que essa forma de ateísmo é, em suas bases, antropologia. Para o estudo do tema foi desenvolvida uma revisão bibliográfica e utilizado o método dedutivo, de modo que a apresentação das teorias está fundamenta em obras do filósofo e de alguns comentadores. Feuerbach afirma que o homem cria Deus e não o contrário, que teologia é antropologia e que a essência divina é mesma que a essência humana. A partir desses três pontos já se faz possível defender que a antropologia é norteadora das teses do referido filósofo. Feuerbach explica que o homem cria Deus pela necessidade de um padrão no qual possa se pautar para atingir a perfeição, no entanto, essa realidade aliena o homem, haja visto que o homem não pode ser perfeito para um ser além físico. Para o filósofo, o homem só pode ser perfeito para si, para seu gênero. Assim, ele propõe que se dê um processo de desalienação. Para que isso ocorra, uma nova religião entra em cena, a religião antropológica, que permite ao homem religar-se a si e pautar seu comportamento no próprio gênero. Esse é o apogeu no ateísmo antropológico identificado nas obras do autor; uma religião que tome o homem por Deus e o faça buscar sua essência, ou seja, que mostre as coisas por meio delas mesmas e não através de algo alheio a realidade material do indivíduo. Para Feuerbach o homem só pode ser objeto do próprio homem e a busca pela essência humana o faz consciente e o desaliena. Diante disso conclui-se que o ateísmo defendido por Feuerbach e grande parte de sua filosofia estão voltados para campo antropológico, ou ainda, que a antropologia é o escopo fundamental do pensamento do filósofo. Palavras-chave: Antropologia. Homem. Essência. Deus.

ABSTRACT

Analyze the atheism proposed by Feuerbach presenting it as anthropology is one of the main objectives of this research. Considering that the said philosopher is concerned not with the denial of God, but with the self-affirmation of man, it can be stated that this form of atheism is, in his bases, anthropology. To the theme of the study was developed a bibliographic review and used the deductive method, so that the presentation of the theories are founded on the works of the philosopher and some commentators. Feuerbach affirms that man creates God and not the opposite, that theology is anthropology and that the divine essence is same as the human

1 Mestre em Filosofia (UFPB). Professor de Filosofia da Universidade Federal de Campina Grande

(UFCG). 2 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões (UFPB). Graduada em

Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras (FAFIC).

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essence. From these three points is already be possible to defend that anthropology is guiding the referred philosopher of that thesis. Feuerbach explains that the man criates God in the need for a pattern in which can be guided to achieve perfection, however, this reality alienates the man, given the fact that man can not be perfect for a being beyond physical. For the philosopher, the man can only be perfect for himself, for his gender. So, he proposes to take a disalienation process. For this to happen, a new religion arrives on the scene, the anthropological religion, which allows man to reconnect themselves and guide their behavior in the genre itself. This is the apogee in the anthropological atheism identified in the works of the author; a religion that takes the man by God and do and make then search for own essence, in other words, that shows things by means of themselves and not by something alien to the individual's material reality. For Feuerbach man can only be the object of man himself and the pursuit of human makes him conscious and disalienated. Therefore, it is concluded that atheism defended by Feuerbach and much part of his philosophy, are directed to the anthropological field, or even, that the anthropology is the essential scope of the philosopher's thought. Keywords: Anthropology. Man. Essence. God.

INTRODUÇÃO

Em muitos cenários de discussão da filosofia de Feuerbach (1804-1872),

são expostos argumentos e interpretações capazes de demonstrá-lo como sendo

um filósofo ateu. É certo que essas afirmações são pertinentes e adequadas. No

entanto, não se trata de reduzir a isso o pensamento desse pensador. Por trás do

ateísmo feuerbachiano, ou arraigado a ele, está sua proposta de uma antropologia.

Afirmar a existência de uma antropologia nas obras de Feuerbach, que tanto

tratam sobre críticas à religião, é possível, particularmente, quando a teologia, de

acordo com seu pensamento, é exposta como antropologia. Essa afirmação faz

referência a uma das ideias principais difundas pelo filósofo: a ideia de que o

homem deve se pôr no centro dos próprios questionamentos e que deve tornar-se

Deus para si mesmo, ou seja, objeto de si.

Um segundo motivo que justifica a existência de uma antropologia no

pensamento feuerbachiano é a pergunta pela essência humana. Feuerbach postula

que a essência humana consiste no ato do homem tornar-se objeto de si, como

forma de se chegar à sua essência. Outra razão pertinente que pode levar à

percepção de uma antropologia feuerbachiana é a opinião do próprio Feuerbach a

respeito de Deus, pois ele afirma a não criação do homem por parte de Deus, mas,

sim, o contrário.

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Perguntar por Deus é, de modo estrito, o mesmo que perguntar pelo homem

e por sua essência. No entanto, para que se chegue a essa conclusão, é

necessário passar por todo um processo que pode ser chamado de desalienação.

O que se pretende aqui afirmar é que o homem, em um primeiro momento, aliena-

se a uma realidade dogmática na qual se afirma que Deus criou o homem sua

imagem e semelhança e que por conta disso são encontradas no homem

características divinas. Nesse cenário de crenças dogmáticas, o homem se

encontra num estágio de consciência adormecida e atribui a Deus muitos dos

fenômenos presentes em sua vida. Essa realidade além de alienar o homem, o

afasta de sua essência. A busca pela essência humana em Deus (enquanto ser

divino e metafísico) não é admissível, segundo Feuerbach, uma vez que essa

essência está no próprio homem enquanto gênero. Uma coisa só faz sentindo se

for interpretada a partir dela mesma.

Partindo desses princípios é que se há de expor no texto algumas premissas

que fundamentem a afirmação de uma antropologia ou ateísmo antropológico nas

obras de Feuerbach. Para tanto, utilizaremos os conceitos de consciência,

essência e hipostatização.

O HOMEM CRIA DEUS E FAZ-SE OBJETO DE SI

Feuerbach elabora sua crítica à religião levantando questionamentos acerca

de Deus; pondo em dúvida sua divindade e transcendência; afirmando que tanto

Deus quanto a religião são criações humanas e, por esse motivo, suas

características e sua essência são reflexo das características e essência humanas.

Note-se que há uma inversão, se comparados o pensamento deste filósofo e a

proposta do cristianismo. Nesse estágio de consciência, o homem percebe que os

predicados que se atribuem a Deus são, na verdade, predicados humanos.

Consoante afirma: “[...] a religião é a reflexão, a projeção da essência humana

sobre si mesma” (FEUERBACH, 2012, p. 88). Assim, é possível afirmar que Deus é

reflexo daquilo que o homem é em sua essência. Entretanto, a autoafirmação do

homem não implica a negação de Deus. Ressalta-se que a pretensão, aqui, é

apenas certificar-se de que Deus e religião são criações humanas. Como diz

Aleixo:

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[...] da mesma maneira, longe de negar Deus, apenas o reconduz àquilo que considera ser a sua verdadeira personalidade, o homem. O homem é o criador de todos os Deuses ou, dito por outras palavras, o sujeito de qualquer religião só pode ser humano. Foi este pressentimento que levou a teologia a inventar um Deus homem – Cristo (ALEIXO, 2009, p. 7).

Em outras palavras, o homem só se afirma enquanto homem, em sua

essência, quando é objeto de si mesmo. Desse modo, buscar em Deus a forma

mais sublime e perfeita das características humanas é em vão, porque tomar

conhecimento da essência de algo extratemporal, metafísico e ilimitado não é

provável para o gênero humano que é temporal, material e limitado. Para conhecer

a essência de Deus ou do homem é necessário, primeiro, que deles se tome

consciência e a “[...] consciência no sentido rigoroso existe somente quando, para

um ser, é objeto o seu gênero” (FEUERBACH, 2012, p. 35).

É razoável afirmar, em linhas gerais, a respeito da consciência, que relações

estabelecidas com elementos metafísicos são de cunho racional, esse raciocínio,

somente é possível, quando se interpreta a consciência enquanto ato puro de

pensar algo, de exercer a racionalidade caracteristicamente humana. No entanto, a

consciência aqui ressaltada, ou seja, em sentido estrito, faz referência não ao ato

deliberado de pensar, mas o ato de pensar a si mesmo, de tornar-se objeto do

próprio pensamento. Tendo em vista que a característica da racionalidade é uma

particularidade humana, apenas o ser humano pode tomar consciência de si, uma

vez que apenas ele é capaz de fazer-se objeto próprio de seu pensamento. Assim,

diz-se que a faculdade da consciência confere predicado peculiar ao gênero

humano e que esse é hábil ao conhecimento de sua essência, pois é capaz de

tomar consciência de si.

Para que se estipulem as relações referentes à razão e à essência, fazem-

se necessárias as participações efetivas de sujeito e objeto. O sujeito é entendido

como o agente ativo, participante direto do processo de busca pela essência, e o

objeto como produto final dessa busca, ou seja, a própria essência humana. Pode-

se, então, dizer que Deus não é o sujeito, mas que o sujeito é o próprio homem

que, ao fazer de Deus seu objeto, imprime-lhe predicados humanos, cria-o à sua

imagem e semelhança, produz uma essência divina a partir de qualidades

humanas e, ao buscar a essência desse Deus, acaba por se deparar com a própria

essência. “Se, pois, Deus tal como é, necessária e essencialmente – é um objecto

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do homem, então na essência desse objecto exprime-se apenas a própria essência

do homem” (FEUERBACH, 2008, p. 10). Portanto, sujeito, objeto, ser, essência,

homem e Deus sintetizam-se no homem e em sua atividade racional.

[...] assim como em geral as determinações metafísicas ou ontoteológicas só têm verdade e realidade quando se reconduzem às determinações psicológicas ou, antes, antropológicas, assim também a necessidade do Ser divino na antiga metafísica ou ontoteologia só tem sentido e intelecto, verdade e realidade, na determinação psicológica ou antropológica (FEUERBACH, 2008, p. 8).

Somente por meio do homem, ser dotado de razão, é que a existência de

Deus pode ser efetivada e a religião criada. O homem cria uma divindade moral

(Deus metafísico) e uma física (Deus da religião, ou que se efetiva através dela), e

se aliena a essa realidade, sem se dar conta de que ele mesmo é criador e não

criatura, quando ainda se encontra num estágio de consciência adormecida e razão

condicionada. Ao relacionar-se com Deus e fazer-se instrumento da religião, o

homem abdica de grande parte dos anseios que lhe são inerentes, nisso consiste a

sua verdadeira limitação, fazendo com que a religião castre muitas das ações

humanas, o que pode representar retrocesso para seu gênero.

Para que o homem possa elevar a si, favorecendo o desenvolvimento de sua

consciência, ele carece do rompimento com a religião, devendo desprezar as suas

regras morais escravizantes ditadas. Esses são critérios primordiais para que o

homem possa pensar e agir por si e tomar o próprio gênero por parâmetro

comportamental. Assim, ele passa de um estágio de consciência adormecida para

a consciência de sua essência, como se pode perceber nas palavras do filósofo:

[...] minha intenção era mostrar que os poderes diante dos quais o homem se curva e os quais teme na religião, diante dos quais ele não se intimida nem mesmo de praticar sangrentos sacrifícios humanos a fim de aplacá-los são apenas criações de sua própria afetividade servil e medrosa, assim como de sua razão ignorante e inculta (FEUERBACH, 2009, p. 35-36).

Esse mecanismo de voltar-se para própria essência ou tomar consciência de

si enaltece o gênero humano, uma vez que faz com que o homem perceba que não

há necessidade de um ser metafísico que regule suas experiências, já que é capaz,

por si só, de reger o andamento de sua vida. O que interessa aqui é a negação dos

predicados de Deus em detrimento da afirmação dos predicados humanos, pois

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estes últimos satisfazem as necessidades do gênero, sem que seja necessária

intervenção divina.

RAZÃO, SENTIMENTO E VONTADE: A TRINDADE HUMANA OU ELEMENTOS

QUE CONSTITUEM A CONSCIÊNCIA

Para que o homem seja conhecedor de sua essência e possa voltar-se para

si como parâmetro comportamental, ele utiliza-se de três elementos que são a

própria composição dessa essência, a saber: a razão (entendimento), o sentimento

(coração ou amor) e a vontade (ato de desejar). Essas são características

específicas do gênero humano e lhe atribuem a possibilidade de viver em função

de si mesmo, tendo em vista que o homem contemplado por essas qualidades é

tido como completo; segundo o próprio Feuerbach (2012, p. 36) “um homem

completo possui a força do pensamento, a força da vontade, e a força do coração”.

O pensamento consiste no conhecimento iluminado pela razão, é o uso que

o homem dela faz quando já se encontra em seu estado de consciência. O

sentimento é o amor ou capacidade humana de amar, ou ainda, enfatizando o

homem como objeto de si, a inclinação do indivíduo de amar o seu gênero. A

vontade, “a energia do caráter” (FEUERBACH, 2012, p. 36), é a força que objetiva

as escolhas livres, é o querer humano. Como esses atributos são particularidades

humanas, eles constituem sua essência e fundamentam sua existência, pois o que

está em sua essência é o que regula o curso e o sentido de seu existir, logo “[...]

querer, pensar, amar, são os propósitos que movem o homem” (ALEIXO, 2009 p.

10).

Por meio dessa tríade, o homem mostra-se capaz de bastar-se do próprio

gênero, sem a necessidade de um Deus ou de seus predicados, pois já aí está a

perfeição da espécie humana, aí está o que a limita e ao mesmo tempo embeleza,

já que o homem que reconhece suas restrições como perfeição é o homem

consciente e conhecedor de sua essência. Assim, como afirma o filósofo, “[...]

razão, amor e vontade são perfeições, são os mais altos poderes, são a essência

absoluta do homem enquanto homem e a finalidade de sua existência. O homem

existe para conhecer, para amar e para querer” (FEUERBACH, 2012, p. 36).

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O homem esclarecido de que nessa tríade consiste a efetivação de seu

gênero, enquanto perfeito para si mesmo, é o mesmo que se liberta da realidade

alienante da religião.

No entanto, o próprio Feuerbach (2012, p. 36) levanta questionamentos

acerca da finalidade da razão, do sentimento e da vontade, afirmando que “[...]

conhecemos para conhecer, amamos para amar, queremos para querer, i.e., para

sermos livres”. Partindo dessa afirmação, apresenta-se um dos pontos mais

importantes da antropologia feuerbachiana trabalhados nesta pesquisa: o

entendimento de que uma coisa só pode ser fundamenta e objetivada a partir de si

mesma, uma vez que, “[...] verdadeiro, perfeito, divino é apenas o que existe em

função de si mesmo” (FEUERBACH, 2012, p. 36). Em outras palavras, se o ato de

conhecer é o fundamento do conhecimento, o ato de amar embasa o sentimento e

o ato de querer justifica a vontade, então, o homem só pode ser objeto de si

próprio.

Essa trindade se apresenta ao homem como sua essência e, portanto, está

acima do ser individual, levando-se em conta que esses predicados são a essência

do gênero humano, que a religião dele suprime, pois retira do homem essas

características com a única finalidade de fazer com que ele acredite que há uma

necessidade de buscar tais predicados em um Deus. No entanto, o homem que

busca em si essas qualidades e torna-se consciente de que elas fazem parte de

sua essência, desprende-se da religião e suas imposições alienantes, percebendo

que é ele próprio dotado de todas as características que a religião o fez acreditar

que só existiam em Deus. Assim, o homem reconhece a si mesmo como Deus,

pois “[...] não há distinção entre os predicados da essência divina e da essência

humana” (HARTMANN, 2012, p. 68). Logo, ao reconhecer-se como Deus, percebe

que o seu objeto é sua essência, e que sua essência é a já citada trindade. Desse

modo, se dá conta de que seu real objeto é ele mesmo e não Deus, como pretende

a religião.

AFIRMAÇÃO DA ANTROPOLOGIA FEUERBACHIANA POR MEIO DE SEU

ATEÍSMO: TEOLOGIA É ANTROPOLOGIA

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Pautando-se no que foi exposto até então, afirma-se: Deus e a religião são

criações humanas. A imagem de um Deus perfeito se dá pelo fato de o homem

atribuir a ele características que lhe são próprias. Desse modo, a religião deturpa a

essência do homem, quando o faz crer que ela é apenas uma ínfima parte da

essência divina. A busca do homem por um ser absoluto nada mais é que a

procura por sua própria essência, que é auto-objetivação, autoafirmação e

autoconsciência.

Ao ato de atribuir a Deus qualidades pertencentes ao gênero humano, pode-

se dar o nome de hipostatização. Esse mecanismo de projetar um ser metafísico

com características exclusivamente humanas lança os fundamentos do ateísmo

proposto por Feuerbach. O filósofo não pauta seu ateísmo na negação de Deus,

mas na explicação de que um ser divino estabelece relação de dependência diante

do gênero humano. Em outras palavras, a existência de Deus depende do homem.

Tal ideia constitui um dos principais fundamentos para se afirmar que o

ateísmo feuerbachiano é, antes, antropologia que puro ateísmo, visto que o

embasamento de tal ateísmo consiste na afirmação do homem.

A teologia feuerbachiana se identifica com a antropologia, ou ainda, toda a

teologia é, na verdade, uma antropologia velada, na qual o homem esquece-se de

si, pois a religião, especificamente aquela que se pauta na teologia cristã, o aliena.

Quando essa religião dogmática deixa de oferecer respostas plausíveis, ou seja,

quando o homem toma consciência de sua condição de ser divino, ele funda uma

nova religião que se pauta na antropologia, esquecendo os dogmas teológicos e

elevando seu gênero a Deus. Ora, o que seria essa nova religião senão a própria

antropologia?

Assim, se funda a nova religião embasada em dois pilares: no ateísmo, à

medida que seu Deus não é um ser metafísico, mas material; e na antropologia,

tendo em vista que seu Deus é o próprio gênero humano. De acordo com essa

religião, “[...] como o homem pensar, assim é o seu Deus; o valor que tiver o

homem, este será o valor atribuído a Deus” (HARTMANN, 2012, p. 68). Tais

postulados resgatam o valor que o homem perdeu ao exteriorizar suas qualidades,

porque o faz perceber que ele mesmo é o centro do problema religioso.

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Partindo dessa exposição, chega-se ao artifício que melhor resume a

proposta desta pesquisa: o pensamento de Feuerbach é, acima de tudo,

antropologia, uma vez que, como ele mesmo afirma:

[...] esta minha doutrina é simplesmente: teologia é antropologia, ou seja, no objeto da religião a que chamamos théos em grego, Gott em alemão, expressa-se nada mais do que a essência do homem, ou: o deus do homem, portanto a história da religião ou, o que dá na mesma, de Deus [...] nada mais é do que a história do homem (FEUERBACH, 2009, p. 29-30, grifos do autor).

Portanto, mesmo quando o filósofo direciona suas pesquisas e escritos à

religião e a Deus, a questão que está por trás é a afirmação do homem por meio

dele mesmo e sua busca pela essência que lhe é perfeita e divina, já que “o sujeito

divino só pode ser humano” (ALEIXO, 2009, p. 14), especialmente porque uma

espécie não se limita a ela mesma, uma vez que só se reconhecem limitações

entre espécies diferentes. Sob essas condições, o homem é limitado apenas

quando cria uma realidade metafísica a qual atribui seus predicados, tornando-se

ilimitado e divino quando é parâmetro de comportamento moral para si mesmo.

O ateísmo e humanismo postulados por Feuerbach consistem nesse

retornar do homem a si mesmo, passando esse a desejar, de acordo com sua

própria vontade, a amar a partir de seus próprios padrões e pensar por meio da

própria racionalidade, livre de condicionamentos. Ao ser para si o próprio objeto de

estudos, o homem, sob a perspectiva feuerbachiana, educa sua espécie para que

ela o baste, para que acredite nos próprios predicados e não recorra à realidades

exteriores a ele. Hartman, sobre tal temática, escreve:

Feuerbach tem a intenção de desmascarar e desmistificar Deus e os deuses, apoiando o homem para que encontre em si mesmo a fonte de sua atuação e não fora ou acima de si. É pelo progresso da ciência e da educação que se alcançará tal objetivo; progresso de superação da dependência, do temor, do desamparo e da ignorância, ou seja, a partir do ateísmo, ou, melhor dizendo, do antropoteísmo (HARTMANN, 2012, p. 72).

A antropologia é, pois, responsável pelo esclarecimento das coisas que

estejam relacionadas ao homem e, tomando-se por pressuposto o pensamento

desse filósofo, postular que, conforme Hartmann (2012, p. 74), “sua antropologia é

a única chave para explicar tudo”. Assim, a ideia de fazer da antropologia

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parâmetro norteador da vida humana é ainda mais veemente. E, em se tratando da

religião, essa função da antropologia ganha acuidade ainda maior, tendo em vista

que a antropologia torna-se religião e o homem protagonista integral de sua própria

vida e ações.

De acordo com essa nova realidade imposta pela religião que se pauta no

antropoteísmo, a ordem do mito da criação se ajusta, tendo em vista que afirmação

de Deus como criador do homem inverte a ordem adequada das coisas, ou ainda,

“[...] a filosofía da identidade absoluta inverteu completamente o ponto de vista da

verdade” (FEUERBACH, 2008, p. 72), pois, ao concreto não deve ser atribuído

caráter abstrato, mas o abstrato precisa ser pensado concretamente. Não se deve

pensar que Deus cria o homem, mas que o homem cria Deus.

Para que o gênero humano conquiste o espaço que lhe cabe no mundo,

tornando-se ser divino para si mesmo e podendo viver sem repressões advindas de

regras impostas por um pseudo Deus, cabe a cada homem, em sua

individualidade, reconhecer seu gênero como Deus para si, enaltecer sua essência

tornando-a objeto do próprio pensamento e, consequentemente, fazendo de si

também esse objeto. Para que seja possível a efetivação da antropologia proposta

por Feuerbach, o homem passa por todo um processo:

[...] num primeiro momento, o homem seria como que tomado de vertigem face ao abismo da incomensurabilidade da sua própria essência. Num segundo momento, através de um mecanismo psicológico vagamente freudiano, o homem negaria a sua essência e projectála-ia num sujeito autónomo e independente a que viria a chamar Deus, ou seja, à negação dos predicados próprios suceder-se-ia a transferência desses predicados para uma personalidade fictícia. Este processo exigiria que o homem se empobrecesse e diminuisse, para assim enriquecer esse ser simplesmente imaginado. O homem tornar-se-ia então objecto da sua própria subjectividade alienada. Mas, no fundo, este Deus inventado não seria mais que a sublimação da própria essência: a auto-negação seria na realidade auto-afirmação (ALEIXO, 2009, p. 32).

O homem, enquanto centro dos referenciais religiosos, passa por estágios

de consciência adormecida, acreditando haver um ser metafísico e adorando-o por

considerar tal ato de adoração necessário. Posteriormente, retorna à sua

consciência e mantêm-se, ainda assim, no núcleo desses referenciais, uma vez

que é o criador e não criatura. Esse é o homem do qual Feuerbach trata; por meio

dele, é possível afirmar uma antropologia presente em sua filosofia, conforme

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alegava: “[...] verdadeiro, perfeito, divino é apenas o que existe em função de si

mesmo” (FEUERBACH, 2012, p. 36).

CONCLUSÃO

O problema antropológico abordado nesta pesquisa, elaborada a partir de

Ludwig Feuerbach, apresenta acuidade fulgente, principalmente se forem

consideradas as influências provocadas por seu pensamento, através de suas

pesquisas acerca do homem, e de suas ideias inovadoras que tratam de conteúdos

antropológicos. O filósofo tece uma crítica à religião, redirecionando a função

antropológica para além da fé.

Consoante esse pensamento, Feuerbach se afirma como um expressivo

filósofo no que se refere à dissertação acerca da antropologia e da filosofia, com a

proposta de que o homem deve ocupar o papel que lhe cabe e dele fazer uso

pleno. Assim, por trazer uma visão diferenciada do campo antropológico em sua

filosofia materialista, Feuerbach torna-se um referencial de significativa acuidade

no estudo sobre o homem. Portanto, o filósofo/antropólogo traz, em sua obra, uma

discussão relevante ao unir filosofia e antropologia.

A proposta de Feuerbach é apontar o homem como senhor de si, a partir do

reconhecimento de si como ser perfeito. Deste modo, o tema estudado desponta

como relevante contribuição para a compreensão do homem em sua essência.

A partir do pensamento de Feuerbach, afirma-se que o homem basta-se com

as características peculiares do gênero e com elas sente-se satisfeito, pois

reconhece a si como próprio parâmetro comportamental; não há necessidade de

um absoluto que mascare a consciência humana e que se faça impossível de

cognição por estar situado em outro plano, pois o homem pode ter consciência de

si, por estar em um plano finito, mas não pode ter consciência do absoluto, pois

esse fazer parte de um plano desprovido de temporalidade.

Diante do exposto, conclui-se que há forte presença da antropologia nas

obras feuerbachianas, tendo em vista que o homem é o objeto direto das pesquisas

e centraliza todas as discussões. A religião constitui, desse modo, mais uma

antropologia do que uma teologia. É sugerida por Feuerbach, inclusive, a

construção de uma nova religião que se paute na antropologia, uma religião, por

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IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUDWIG FEUERBACH TEMA: ANTROPOLOGIA E ÉTICA

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19 A 23 DE MAIO DE 2015

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assim dizer, ateia. Ateia no sentido de não haver Deus metafísico a ser adorado,

pois nessa religião a essência do gênero humano é objeto do próprio homem, o

que, consequentemente, o afirma como Deus.

Embora a pesquisa não objetive esgotar a discussão a respeito do referido

tema e que estas considerações finais não pretendam conferir caráter categórico à

interpretação atribuída ao pensamento do filósofo em questão, o que se almeja

afirmar, a partir do que foi desenvolvido, é que o homem que toma consciência de

si e faz-se objeto para si mesmo é capaz de desempenhar todas as suas atividades

pautando seu comportamento no próprio gênero. Para tanto, sua essência é seu

objeto e a antropologia toma o lugar da teologia. Com esse mecanismo, o gênero

humano é beneficiado, tendo em vista que não mais se sentirá limitado, pois, para

seu próprio gênero, o homem é ilimitado. Além disso, ao aderir às propostas de

Feuerbach, o homem readquire sua autonomia e passa a pensar, agir e viver por

meio de seus próprios moldes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEIXO, Alice. Ludwig Feuerbach: um manifesto antropológico. Covilhã: LusoSofia, 2009. (Artigos lusosofia). FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Tradução José da Silva Brandão. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. ______. Preleções sobre a essência da religião. Tradução José da Silva Brandão. Petrópolis: Vozes, 2009. ______. Princípios da filosofia do futuro. Tradução Artur Morão. Covilhã: LusoSofia, 2008. (Textos clássicos de filosofia). HARTMANN, Paulo Airton. Feuerbach e o ateísmo antropológico. 2012. 84 f. Dissertação (Mestrado em filosofia) – Faculdade de Ciências Humanas, Pontifìcia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.