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Mirella Domenich Mirella Domenich Janaina Rocha Janaina Rocha Patrícia Casseano Patrícia Casseano

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Mirella DomenichMirella DomenichJanaina RochaJanaina Rocha Patrícia CasseanoPatrícia Casseano

hip hop é um fenômeno sócio-

cultural dos mais importantes surgi-

dos nas últimas décadas. Ora classificado

como um movimento social, ora como uma

cultura de rua, o fato é que o hip hop hoje

mobiliza milhares de jovens das periferias das

grandes cidades brasileiras. Suas formas de

expressão – a batida do rap, os movimentos

do break e as cores fortes do grafite – são

apenas os signos visíveis de uma enorme dis-

cussão que fervilha entre esses filhos das vá-

rias e imensas desigualdades da sociedade bra-

sileira a respeito de identidade racial, de pos-

sibilidade de inserção social, de alternativas à

violência e à marginalidade. Em menos pala-

vras, o hip hop é a resposta política e cultural

da juventude excluída.

As três autoras deste livro partiram da sus-

peita de que aí havia alguma coisa muito im-

portante a ser entendida, examinada, reporta-

da. Hip Hop – A periferia grita captura o fenô-

meno na cidade de São Paulo na transição dos

anos 90 para o novo milênio. Estudantes de

jornalismo quando o trabalho começou, o livro

traz a marca de quem fez bem sua lição de casa,

pela seriedade e rigor com que procuraram tra-

tar todos os aspectos do fenômeno. Entretanto,

o trabalho amadureceu para além da obrigação

escolar e tornou-se livro por conta de uma

inventividade nas formas de fazer as várias re-

portagens e um frescor na maneira de contá-las

que, vá lá, se não é privilégio dos muito jovens,

digamos que eles os tenham mais acessíveis.

Curioso que num país como o Brasil, que

não cessa de inventar culturas jovens, com

graus variados de relação com o mercado, em

vários segmentos sociais e nas diversas regiões,

exista tão pouca produção jornalística, crítica

ou reflexiva a respeito. Janaina, Mirella e Pa-

trícia começaram suas carreiras como jorna-

listas dando uma bela contribuição – e espe-

ro que não parem.

Bia Abramo

O termo hip hop significa,numa tradução literal, movimentar

os quadris e saltar (to hip e to hop,

em inglês), e surgiu no final dosanos 60 em Nova York. Com o

tempo, o hip hop passou a designar um

conjunto de manifestações culturais:um estilo musical, o rap; uma maneira de

apresentar essa música em shows e

bailes que envolve um DJ (disc-jóquei)e um MC (mestre-de-cerimônias);

uma dança, o break; e uma forma

de expressão plástica, o grafite.Hoje, no Brasil, o hip hop é uma

manifestação cultural das periferias

das grandes cidades, que envolvedistintas representações artísticas de

cunho contestatório, ligadas pela idéia

da autovalorização da juventude deascendência negra, por meio da recusa

consciente de certos estigmas (violência,

marginalidade) associados à essajuventude, e que pretende agir sobre

essa realidade e transformá-la.

Em Hip Hop – A periferia grita, as autorasdão voz aos manos e às minas e mostram que,

mais que um modismo ou que um estilo de música,

o hip hop, com um alcance global e já massivo, é uma nação que busca congregar

excluídos do mundo inteiro.

eza a cartilha que hip hop é coisa de

preto, pobre, macho, politizado, social-

mente consciente, independente, raivoso. Mas

nem tudo é verdade nesse mundo. Conforme

lembra Nelson Triunfo, pioneiro do rap e do break,

a cultura hip hop foi importada dos Estados Uni-

dos, inicialmente, por gente que tinha a grana

necessária para ir até lá e aprender a dançar. De-

pois é que se alastrou pela periferia. Ou seja: rap já

foi coisa só de bacana. Também não é coisa só

de macho – que o digam as meninas do Lady

Rap, a garota chamada De Menor ou o grupo

Apologia das Pretas Periféricas. Elas sabem que

é um meio mais machista do que macho. Uma

infinidade de mitos e clichês cerca o gênero.

Que também não é coisa independente (já foi).

Basta ver que MV Bill, um dos mais raivosos

rappers da atualidade, foi um dos apresentadores

daquele arremedo de Grammy chamado Video

Music Brasil, em 1999. E lembrar que os Raci-

onais venderam mais de 1 milhão insuflados

pela força da indústria.

Mas não foi só para pôr um pingo nos is da

cultura hip hop que Janaina, Mirella e Patrícia

saíram a campo, vasculhando dos presídios de

São Paulo à Ceilândia (DF), da Praça Roosevelt

ao metrô São Bento. Elas também amam o rap

de Thaíde e DJ Hum. Reconhecem a legitimi-

dade da linguagem do rap e seu discurso eficien-

te, seu poder de fogo na luta de garotos e garotas

marginalizados. A diferença é que, além de gos-

tar da coisa, elas também são curiosas: querem

saber como, por que, quem, onde, pra quê.

Essas meninas mostram aqui, em Hip Hop –

A periferia grita, que não basta ter método e aces-

so à informação para fazer um bom levantamen-

to historiográfico de uma coisa que ainda está no

seu auge. É preciso ter vontade e capacidade de

discernimento também. Duvida? Então mos-

tre-me um b.boy que tenha iluminado assim

com tanta clareza o seu próprio caminho! Yo!

Jotabê Medeiros

Roc

ha/D

omen

ich/

Cas

sean

oR O

Mirella DomenichMirella DomenichJanaina RochaJanaina Rocha Patrícia CasseanoPatrícia Casseano

hip hop é um fenômeno sócio-

cultural dos mais importantes surgi-

dos nas últimas décadas. Ora classificado

como um movimento social, ora como uma

cultura de rua, o fato é que o hip hop hoje

mobiliza milhares de jovens das periferias das

grandes cidades brasileiras. Suas formas de

expressão – a batida do rap, os movimentos

do break e as cores fortes do grafite – são

apenas os signos visíveis de uma enorme dis-

cussão que fervilha entre esses filhos das vá-

rias e imensas desigualdades da sociedade bra-

sileira a respeito de identidade racial, de pos-

sibilidade de inserção social, de alternativas à

violência e à marginalidade. Em menos pala-

vras, o hip hop é a resposta política e cultural

da juventude excluída.

As três autoras deste livro partiram da sus-

peita de que aí havia alguma coisa muito im-

portante a ser entendida, examinada, reporta-

da. Hip Hop – A periferia grita captura o fenô-

meno na cidade de São Paulo na transição dos

anos 90 para o novo milênio. Estudantes de

jornalismo quando o trabalho começou, o livro

traz a marca de quem fez bem sua lição de casa,

pela seriedade e rigor com que procuraram tra-

tar todos os aspectos do fenômeno. Entretanto,

o trabalho amadureceu para além da obrigação

escolar e tornou-se livro por conta de uma

inventividade nas formas de fazer as várias re-

portagens e um frescor na maneira de contá-las

que, vá lá, se não é privilégio dos muito jovens,

digamos que eles os tenham mais acessíveis.

Curioso que num país como o Brasil, que

não cessa de inventar culturas jovens, com

graus variados de relação com o mercado, em

vários segmentos sociais e nas diversas regiões,

exista tão pouca produção jornalística, crítica

ou reflexiva a respeito. Janaina, Mirella e Pa-

trícia começaram suas carreiras como jorna-

listas dando uma bela contribuição – e espe-

ro que não parem.

Bia Abramo

O termo hip hop significa,numa tradução literal, movimentar

os quadris e saltar (to hip e to hop,

em inglês), e surgiu no final dosanos 60 em Nova York. Com o

tempo, o hip hop passou a designar um

conjunto de manifestações culturais:um estilo musical, o rap; uma maneira de

apresentar essa música em shows e

bailes que envolve um DJ (disc-jóquei)e um MC (mestre-de-cerimônias);

uma dança, o break; e uma forma

de expressão plástica, o grafite.Hoje, no Brasil, o hip hop é uma

manifestação cultural das periferias

das grandes cidades, que envolvedistintas representações artísticas de

cunho contestatório, ligadas pela idéia

da autovalorização da juventude deascendência negra, por meio da recusa

consciente de certos estigmas (violência,

marginalidade) associados à essajuventude, e que pretende agir sobre

essa realidade e transformá-la.

Em Hip Hop – A periferia grita, as autorasdão voz aos manos e às minas e mostram que,

mais que um modismo ou que um estilo de música,

o hip hop, com um alcance global e já massivo, é uma nação que busca congregar

excluídos do mundo inteiro.

eza a cartilha que hip hop é coisa de

preto, pobre, macho, politizado, social-

mente consciente, independente, raivoso. Mas

nem tudo é verdade nesse mundo. Conforme

lembra Nelson Triunfo, pioneiro do rap e do break,

a cultura hip hop foi importada dos Estados Uni-

dos, inicialmente, por gente que tinha a grana

necessária para ir até lá e aprender a dançar. De-

pois é que se alastrou pela periferia. Ou seja: rap já

foi coisa só de bacana. Também não é coisa só

de macho – que o digam as meninas do Lady

Rap, a garota chamada De Menor ou o grupo

Apologia das Pretas Periféricas. Elas sabem que

é um meio mais machista do que macho. Uma

infinidade de mitos e clichês cerca o gênero.

Que também não é coisa independente (já foi).

Basta ver que MV Bill, um dos mais raivosos

rappers da atualidade, foi um dos apresentadores

daquele arremedo de Grammy chamado Video

Music Brasil, em 1999. E lembrar que os Raci-

onais venderam mais de 1 milhão insuflados

pela força da indústria.

Mas não foi só para pôr um pingo nos is da

cultura hip hop que Janaina, Mirella e Patrícia

saíram a campo, vasculhando dos presídios de

São Paulo à Ceilândia (DF), da Praça Roosevelt

ao metrô São Bento. Elas também amam o rap

de Thaíde e DJ Hum. Reconhecem a legitimi-

dade da linguagem do rap e seu discurso eficien-

te, seu poder de fogo na luta de garotos e garotas

marginalizados. A diferença é que, além de gos-

tar da coisa, elas também são curiosas: querem

saber como, por que, quem, onde, pra quê.

Essas meninas mostram aqui, em Hip Hop –

A periferia grita, que não basta ter método e aces-

so à informação para fazer um bom levantamen-

to historiográfico de uma coisa que ainda está no

seu auge. É preciso ter vontade e capacidade de

discernimento também. Duvida? Então mos-

tre-me um b.boy que tenha iluminado assim

com tanta clareza o seu próprio caminho! Yo!

Jotabê Medeiros

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Mirella DomenichMirella DomenichJanaina RochaJanaina Rocha Patrícia CasseanoPatrícia Casseano

hip hop é um fenômeno sócio-

cultural dos mais importantes surgi-

dos nas últimas décadas. Ora classificado

como um movimento social, ora como uma

cultura de rua, o fato é que o hip hop hoje

mobiliza milhares de jovens das periferias das

grandes cidades brasileiras. Suas formas de

expressão – a batida do rap, os movimentos

do break e as cores fortes do grafite – são

apenas os signos visíveis de uma enorme dis-

cussão que fervilha entre esses filhos das vá-

rias e imensas desigualdades da sociedade bra-

sileira a respeito de identidade racial, de pos-

sibilidade de inserção social, de alternativas à

violência e à marginalidade. Em menos pala-

vras, o hip hop é a resposta política e cultural

da juventude excluída.

As três autoras deste livro partiram da sus-

peita de que aí havia alguma coisa muito im-

portante a ser entendida, examinada, reporta-

da. Hip Hop – A periferia grita captura o fenô-

meno na cidade de São Paulo na transição dos

anos 90 para o novo milênio. Estudantes de

jornalismo quando o trabalho começou, o livro

traz a marca de quem fez bem sua lição de casa,

pela seriedade e rigor com que procuraram tra-

tar todos os aspectos do fenômeno. Entretanto,

o trabalho amadureceu para além da obrigação

escolar e tornou-se livro por conta de uma

inventividade nas formas de fazer as várias re-

portagens e um frescor na maneira de contá-las

que, vá lá, se não é privilégio dos muito jovens,

digamos que eles os tenham mais acessíveis.

Curioso que num país como o Brasil, que

não cessa de inventar culturas jovens, com

graus variados de relação com o mercado, em

vários segmentos sociais e nas diversas regiões,

exista tão pouca produção jornalística, crítica

ou reflexiva a respeito. Janaina, Mirella e Pa-

trícia começaram suas carreiras como jorna-

listas dando uma bela contribuição – e espe-

ro que não parem.

Bia Abramo

O termo hip hop significa,numa tradução literal, movimentar

os quadris e saltar (to hip e to hop,

em inglês), e surgiu no final dosanos 60 em Nova York. Com o

tempo, o hip hop passou a designar um

conjunto de manifestações culturais:um estilo musical, o rap; uma maneira de

apresentar essa música em shows e

bailes que envolve um DJ (disc-jóquei)e um MC (mestre-de-cerimônias);

uma dança, o break; e uma forma

de expressão plástica, o grafite.Hoje, no Brasil, o hip hop é uma

manifestação cultural das periferias

das grandes cidades, que envolvedistintas representações artísticas de

cunho contestatório, ligadas pela idéia

da autovalorização da juventude deascendência negra, por meio da recusa

consciente de certos estigmas (violência,

marginalidade) associados à essajuventude, e que pretende agir sobre

essa realidade e transformá-la.

Em Hip Hop – A periferia grita, as autorasdão voz aos manos e às minas e mostram que,

mais que um modismo ou que um estilo de música,

o hip hop, com um alcance global e já massivo, é uma nação que busca congregar

excluídos do mundo inteiro.

eza a cartilha que hip hop é coisa de

preto, pobre, macho, politizado, social-

mente consciente, independente, raivoso. Mas

nem tudo é verdade nesse mundo. Conforme

lembra Nelson Triunfo, pioneiro do rap e do break,

a cultura hip hop foi importada dos Estados Uni-

dos, inicialmente, por gente que tinha a grana

necessária para ir até lá e aprender a dançar. De-

pois é que se alastrou pela periferia. Ou seja: rap já

foi coisa só de bacana. Também não é coisa só

de macho – que o digam as meninas do Lady

Rap, a garota chamada De Menor ou o grupo

Apologia das Pretas Periféricas. Elas sabem que

é um meio mais machista do que macho. Uma

infinidade de mitos e clichês cerca o gênero.

Que também não é coisa independente (já foi).

Basta ver que MV Bill, um dos mais raivosos

rappers da atualidade, foi um dos apresentadores

daquele arremedo de Grammy chamado Video

Music Brasil, em 1999. E lembrar que os Raci-

onais venderam mais de 1 milhão insuflados

pela força da indústria.

Mas não foi só para pôr um pingo nos is da

cultura hip hop que Janaina, Mirella e Patrícia

saíram a campo, vasculhando dos presídios de

São Paulo à Ceilândia (DF), da Praça Roosevelt

ao metrô São Bento. Elas também amam o rap

de Thaíde e DJ Hum. Reconhecem a legitimi-

dade da linguagem do rap e seu discurso eficien-

te, seu poder de fogo na luta de garotos e garotas

marginalizados. A diferença é que, além de gos-

tar da coisa, elas também são curiosas: querem

saber como, por que, quem, onde, pra quê.

Essas meninas mostram aqui, em Hip Hop –

A periferia grita, que não basta ter método e aces-

so à informação para fazer um bom levantamen-

to historiográfico de uma coisa que ainda está no

seu auge. É preciso ter vontade e capacidade de

discernimento também. Duvida? Então mos-

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com tanta clareza o seu próprio caminho! Yo!

Jotabê Medeiros

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hip hop é um fenômeno sócio-

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como um movimento social, ora como uma

cultura de rua, o fato é que o hip hop hoje

mobiliza milhares de jovens das periferias das

grandes cidades brasileiras. Suas formas de

expressão – a batida do rap, os movimentos

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apenas os signos visíveis de uma enorme dis-

cussão que fervilha entre esses filhos das vá-

rias e imensas desigualdades da sociedade bra-

sileira a respeito de identidade racial, de pos-

sibilidade de inserção social, de alternativas à

violência e à marginalidade. Em menos pala-

vras, o hip hop é a resposta política e cultural

da juventude excluída.

As três autoras deste livro partiram da sus-

peita de que aí havia alguma coisa muito im-

portante a ser entendida, examinada, reporta-

da. Hip Hop – A periferia grita captura o fenô-

meno na cidade de São Paulo na transição dos

anos 90 para o novo milênio. Estudantes de

jornalismo quando o trabalho começou, o livro

traz a marca de quem fez bem sua lição de casa,

pela seriedade e rigor com que procuraram tra-

tar todos os aspectos do fenômeno. Entretanto,

o trabalho amadureceu para além da obrigação

escolar e tornou-se livro por conta de uma

inventividade nas formas de fazer as várias re-

portagens e um frescor na maneira de contá-las

que, vá lá, se não é privilégio dos muito jovens,

digamos que eles os tenham mais acessíveis.

Curioso que num país como o Brasil, que

não cessa de inventar culturas jovens, com

graus variados de relação com o mercado, em

vários segmentos sociais e nas diversas regiões,

exista tão pouca produção jornalística, crítica

ou reflexiva a respeito. Janaina, Mirella e Pa-

trícia começaram suas carreiras como jorna-

listas dando uma bela contribuição – e espe-

ro que não parem.

Bia Abramo

O termo hip hop significa,numa tradução literal, movimentar

os quadris e saltar (to hip e to hop,

em inglês), e surgiu no final dosanos 60 em Nova York. Com o

tempo, o hip hop passou a designar um

conjunto de manifestações culturais:um estilo musical, o rap; uma maneira de

apresentar essa música em shows e

bailes que envolve um DJ (disc-jóquei)e um MC (mestre-de-cerimônias);

uma dança, o break; e uma forma

de expressão plástica, o grafite.Hoje, no Brasil, o hip hop é uma

manifestação cultural das periferias

das grandes cidades, que envolvedistintas representações artísticas de

cunho contestatório, ligadas pela idéia

da autovalorização da juventude deascendência negra, por meio da recusa

consciente de certos estigmas (violência,

marginalidade) associados à essajuventude, e que pretende agir sobre

essa realidade e transformá-la.

Em Hip Hop – A periferia grita, as autorasdão voz aos manos e às minas e mostram que,

mais que um modismo ou que um estilo de música,

o hip hop, com um alcance global e já massivo, é uma nação que busca congregar

excluídos do mundo inteiro.

eza a cartilha que hip hop é coisa de

preto, pobre, macho, politizado, social-

mente consciente, independente, raivoso. Mas

nem tudo é verdade nesse mundo. Conforme

lembra Nelson Triunfo, pioneiro do rap e do break,

a cultura hip hop foi importada dos Estados Uni-

dos, inicialmente, por gente que tinha a grana

necessária para ir até lá e aprender a dançar. De-

pois é que se alastrou pela periferia. Ou seja: rap já

foi coisa só de bacana. Também não é coisa só

de macho – que o digam as meninas do Lady

Rap, a garota chamada De Menor ou o grupo

Apologia das Pretas Periféricas. Elas sabem que

é um meio mais machista do que macho. Uma

infinidade de mitos e clichês cerca o gênero.

Que também não é coisa independente (já foi).

Basta ver que MV Bill, um dos mais raivosos

rappers da atualidade, foi um dos apresentadores

daquele arremedo de Grammy chamado Video

Music Brasil, em 1999. E lembrar que os Raci-

onais venderam mais de 1 milhão insuflados

pela força da indústria.

Mas não foi só para pôr um pingo nos is da

cultura hip hop que Janaina, Mirella e Patrícia

saíram a campo, vasculhando dos presídios de

São Paulo à Ceilândia (DF), da Praça Roosevelt

ao metrô São Bento. Elas também amam o rap

de Thaíde e DJ Hum. Reconhecem a legitimi-

dade da linguagem do rap e seu discurso eficien-

te, seu poder de fogo na luta de garotos e garotas

marginalizados. A diferença é que, além de gos-

tar da coisa, elas também são curiosas: querem

saber como, por que, quem, onde, pra quê.

Essas meninas mostram aqui, em Hip Hop –

A periferia grita, que não basta ter método e aces-

so à informação para fazer um bom levantamen-

to historiográfico de uma coisa que ainda está no

seu auge. É preciso ter vontade e capacidade de

discernimento também. Duvida? Então mos-

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com tanta clareza o seu próprio caminho! Yo!

Jotabê Medeiros

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Janaina Rocha Mirella Domenich Patrícia Casseano

A VOZ DA FAVELA ................... 87

O QUINTO ELEMENTO.......... 55

A MÃOQUE APERTAO SPRAY ........ 95

O GANGSTA BRASILEIRO..... 65

PRODUTOMARGINAL ...... 31

UMA GAROTA CHAMADA

DE MENOR .................. 21

Foto

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Prefácio – Oswaldo Faustino ....... 11

Ponto de partida ........................... 15

Ponto final ................................... 141

Fontes ........................................ 151

Sobre as autoras ........................ 157

Créditos de fotos e ilustrações .... 158

Sumário

ECOS DOPASSADO & DEBATESDO FUTURO 125

FILHOS DA FÚRIA ....... 71

A TURMA QUE BATIALATINHA ......................... 45

Acervo Nino Brown

O INIMIGO MORAEM CASA ......................... 81

OS MANOS TÊMA PALAVRA ................... 141

ELES SÓ QUEREM SERFELIZES ........................ 109

OS QUILOMBOLASURBANOS ................................ 117

Ale

x Sa

lim

Hip hop – A periferia grita 6

Agradecimentos

Aliança Negra, Bia Abramo, Daniel Braga,Daniel Rocha, DJ TyDoZ, Editora FundaçãoPerseu Abramo, Faculdade de ComunicaçãoSocial Cásper Líbero, Gog, Helena Abramo, IgorFuser, Jeca, Jigaboo, Joel (Conscientes doSistema), Jotabê Medeiros, Leandro Martinelli,Leonardo Fuhrmann, DJ Marcão (Baseados nasRuas), Marcos Faerman (in memoriam), NelsonTriunfo, Nino Brown, Oswaldo Faustino,Patrícia Villalba, Paula Guedes, Ricardo Lobo,Rooney Yo-Yo, Sueli Chan, Thaíde & DJ Hum,Thalita Domenich, Tota, X.

Patrícia agradece a sua mãe por tudo.

Dedicamos este livro a nossos pais e irmãos.

Agradecimentos7

Hip hop – A periferia grita 8

Das ruas ao coração!Oswaldo Faustino*

ensurdecedor o brado que emana da goelado inferno – logo ali, em torno da grande ci-dade. Vem em ondas concêntricas e vai to-

mando as zonas centrais, as circunvizinhanças dosricos condomínios, as universidades – um bradoque fede, que arde, que sangra, que dói –, carre-gado de miséria, de fome, de desemprego, dedesabrigo, de violência, de crueldade, de álcool,de drogas, de estampidos e de carências (de opor-tunidades, de educação, de saúde, de respeito, dedireitos, de futuro).

Brado-radiografia de personagens que sobrevi-vem no campo minado em que, mesmo antes de nas-cer, se é condenado à morte sumária. Um brado quesempre esteve lá, mas a sociedade jamais poupouesforços para torná-lo inaudível, imperceptível, im-potente. Brado mudo, num país que tem o orgulhode se fazer de surdo.

Mas o tempo se incumbiu de amplificar essesom, que ecoa da periferia. Ele ganhou força des-

É

Prefácio9

Hip hop – A periferia grita 10

comunal e rompeu a blindagem dos ouvidos e doscorações do Brasil. Meninos e meninas, munidosda inconformidade própria da juventude, foramtomando consciência do mundo em que vivem eda própria força e capacidade de modificá-lo, seassim o quiserem.

Em meio a tantas armas de que esses jovens po-dem lançar mão, escolheram a mais eficaz: a cultu-ra. A cultura hip hop – afinal, a cultura não é pro-priedade da academia, do governo, da burguesia –pertence àquele que é capaz de produzi-la. Entãose constata um fenômeno sociocultural em que,rejeitando a sedução do “ouro de tolo” oferecidopelo monopólio da indústria fonográfica fabrican-te de modismos comportamentais, muitos dessesjovens organizam-se em posses, Brasil afora, reali-zando estudos e eventos, produzindo arte, interfe-rindo na linguagem e na metodologia educacional,reivindicando políticas públicas e propondo resis-tência, independência, autenticidade, atitude.

Isso porque o hip hop não foi inventado pelamídia. Nasceu naturalmente, nas ruas, forjado emsangue, suor e lágrimas. Qualquer garoto ou ga-rota que se proponha a trilhar seus caminhos co-nhece muito bem sua história e a de seus perso-nagens-referência. Dos bairros periféricos norte-americanos às favelas brasileiras, foi ganhandoforma e conteúdo, com o ritmo e as sonoridadesque emanam das pick-ups dos DJs e das letras con-tundentes dos MCs, a quebradiça e envolventedança de b.boys e b.girls e os loquazes traços mul-ticoloridos dos grafiteiros.

Como a maioria das manifestações artísticasque nascem da sofrida alma humana, tem auxilia-do um número significativo de adolescentes e jo-vens adultos a encontrar uma identidade e a ele-var sua auto-estima. A vergonha da vida discrimi-nada da favela dá lugar à altivez própria dos quese descobrem capazes de fazer arte, de mudar aprópria vida e as daqueles a quem amam. E detransformar a falta de uma perspectiva existen-

cial na saudável e transformadora consciência dacidadania. Talvez seja a isso que se possa chamar“ideologia do hip hop”.

Na prática, muitos discursos se contradizem.Principalmente no que se refere às drogas e à vio-lência. Aqueles que militam nesse movimento ju-ram, de pés juntos, que, por meio do hip hop, é pos-sível vencer a força da cocaína, do crack e de ou-tras drogas. Não raro, porém, um ou outro é fla-grado no uso e até no comércio de entorpecentes.E, apesar de denunciarem a violência policial, nãosão poucas as letras de rap que exaltam a vingan-ça, a força das armas, o machismo e heroificam tra-ficantes, delinqüentes e outros personagens que,muitas vezes, usam a força para se impor sobre ascomunidades, como os ditadores e os policiais quenas mesmas letras são denunciados.

Mas por que não poderia haver essa contradi-ção? Que razão teriam esses poetas, manipula-dores de pick-ups, artistas do spray e dançarinos,muitos dos quais com pouquíssima ou nenhumaformação educacional formal ou com confusascrenças, para serem absolutamente coerentes,quando a incoerência é a característica principalda própria humanidade?

Não sei se foi o caráter revolucionário, esté-tico, controverso, ou que outro fator levou estasjovens universitárias brancas, de classe média,a se interessarem pelo hip hop e seu mundopara produzir numa das mais importantes es-colas de comunicação do país seu trabalho degraduação, que serviu como base para a elabo-ração deste livro. Conheço bem as dificuldadesque elas encontraram para ter acesso à maioriadas informações aqui contidas. A paranóia é umadas marcas que norteiam a vida dos que vivemno fio da navalha.

Sei também que, apesar de tudo, elas não semantiveram na superficialidade. Não se conten-taram com depoimentos por e-mail, bate-papostelefônicos, ou com a leitura de trabalhos acadê-

O hip hopnão foi

inventado pelamídia. Nasceunaturalmente,nas ruas,forjado em

sangue, suore lágrimas.

Prefácio11

Hip hop – A periferia grita 12

micos já produzidos. Não se limitaram a visitaros ícones do movimento, mas, ao contrário, fo-ram conhecer a fundo o campo minado onde é con-cebido esse produto artístico-cultural e onde eleé consumido.

Este é um livro jornalístico diferente de tudo oque já foi produzido sobre o tema no país. Não sepropõe a esgotar o assunto, mas dá um passo além,nos levando a conviver com personagens que pro-duzem, consomem e vivem as crônicas cotidianasda periferia. Não traz longas teorizações acadê-micas nem generaliza particularidades.

Poderia ser melhor? E por que não? Críticos,certamente, vão apontar o que classificam de “fa-lhas, imprecisões, inverdades”. E não é para me-nos. No hip hop, como em toda cultura popular,em que a oralidade é muito maior que qualquerdocumentação, vale o dito: “Quem conta um contoaumenta um ponto”. Aliadas à história, há milha-res de lendas, e, não poucas vezes, torna-se im-possível apartar uma das outras.

É um grito, sim. Um grito ensurdecedor, des-ses que não ferem o tímpano, mas a alma. Quem olê, com certeza muda definitivamente seu olharsobre a periferia e os jovens que nela sobrevivem.Não propõe um olhar complacente, mas, pelo me-nos, um que seja destituído de preconceito. Já éum bom começo!

Oswaldo Faustino é jornalista, escritor e pesquisador. Foi um dosprimeiros profissionais de comunicação a abrir espaço para omovimento hip hop. Deu oficinas culturais de criatividade erima para MCs e grafiteiros em Diadema, Santo André e naFebem (unidade Tatuapé), em São Paulo. Dirigiu Se liga mano,um espetáculo teatral na linguagem do hip hop.

Ponto de partida

melhor reportagem de nossas vidas. Foi comessa intenção que saímos em busca de histó-rias singulares, fatos inusitados, arquivos de

jornais e revistas relacionados ao hip hop. Tudo co-meçou em fevereiro de 1999, quando escolhemos es-crever um livro-reportagem como trabalho de con-clusão do curso de jornalismo da Faculdade de Co-municação Social Cásper Líbero, em São Paulo. Aque-la era nossa oportunidade de exercitar o que havía-mos aprendido na faculdade, no trabalho e na vidade maneira independente.

Com essa idéia em mente, saímos a campo. Noinício, o hip hop não era um tema conhecido pornós. Esse fato, ao contrário de prejudicar nossaapuração, foi fundamental para que pudéssemosmergulhar nas histórias. E à medida que fomosconhecendo, principalmente, o comportamentodas pessoas envolvidas no movimento passamosa ter uma visão mais global de tudo o que encon-trávamos. Aprendemos com elas.

A

Ponto de partida13

Hip hop – A periferia grita 14

Os primeiros sete meses de trabalho foram gas-tos com pesquisa e muita apuração. Nesse perío-do, viajamos para Belo Horizonte e Brasília, ondevisitamos algumas cidades-satélites. RastreamosSão Paulo, tanto a capital como as cidades doABCD, além de Santana do Parnaíba e Barueri.As viagens aconteceram, em sua maioria, duran-te os finais de semana, porque trabalhávamos eestudávamos. As madrugadas dos outros cincodias da semana eram preenchidas com shows derap. Conhecemos muitos manos de diferentes lu-gares, com diferentes visões sobre o hip hop e, con-seqüentemente, com diferentes atitudes.

Entrevistamos também os principais teóricosdo movimento, que ainda são poucos. A primeiratese sobre hip hop no Brasil, Movimento negrojuvenil: um estudo de caso sobre jovens rappersde São Bernardo do Campo, foi escrita pela edu-cadora Elaine Nunes de Andrade, em 1996. Dife-rentemente dos Estados Unidos, onde o movimen-to nasceu, o hip hop brasileiro somente desper-tou o interesse dos estudiosos recentemente. Ostrabalhos acadêmicos Rap na cidade de São Pau-lo: música, etnicidade e experiência urbana, dodoutor em ciências sociais José Carlos Gomes Sil-va, Atitude, arte, cultura e autoconhecimento: orap como a voz da periferia, do antropólogo Mar-co Aurélio Paz Tella, e O livro vermelho do hiphop, do jornalista Spensy Pimentel, foram impor-tantes fontes de pesquisa. Em 2000, foi publicadoo livro Rap e educação, rap é educação, organiza-do por Elaine Nunes de Andrade, uma compila-ção de artigos de teóricos do movimento que tevegrande importância para nós durante o segundoano de apuração do trabalho.

Ainda em 1999, escrevemos a primeira versãode Hip hop – A periferia grita, em dois meses demuito estresse, colaboração e cumplicidade, sob aorientação do jornalista Igor Fuser. Nossos pais,amigos e irmãos nos ajudaram na diagramação dolivro, emprestaram CDs, recortes de jornais e,

Sempre que apareceruma palavra sublinhada,veja o seu significadono capítulo “Os manostêm a palavra”, napágina 141.

acima de tudo, tiveram muita compreensão. Emnovembro daquele ano apresentamos o livro paraa banca examinadora da faculdade. Um mês de-pois, recebemos o Grande Prêmio Volkswagen deJornalismo como o melhor trabalho de conclusãode curso da faculdade.

O prêmio foi um grande incentivo para procu-rarmos uma editora que acreditasse na publica-ção do livro. Ao mesmo tempo, continuamos a in-vestigar o hip hop. Fomos para o Rio de Janeiro,Recife e Fortaleza. A cada novidade modificáva-mos nosso texto original, uma vez que o hip hopmuda a cada dia. Esse período foi importante tam-bém para amadurecermos alguns pontos referen-tes à cultura. Em outubro de 2000, recebemos umaresposta positiva da Editora Fundação PerseuAbramo. A partir daquele momento, a jornalistaBia Abramo passou a nos orientar. Aprimoramoso texto, revimos alguns pontos e acrescentamosinformações. O trabalho está aqui. Esperamos quevocê goste do resultado. Tenha certeza de que elefoi escrito com o entusiasmo que motiva jovensjornalistas a acreditarem que se pode fazer jorna-lismo com paixão.

As autorasAs autorasAs autorasAs autorasAs autoras

Ponto de partida15

Hip hop – A periferia grita 16

Hip hop

definição conceitual do hip hop ainda é pro-blemática. Rappers, b.boys, grafiteiros, DJse estudiosos acadêmicos do tema sabem

dizer o que faz ou não parte do hip hop e avaliarsua importância para a juventude excluída, masresta uma questão: o hip hop é um movimento so-cial ou uma cultura de rua? A indefinição abre es-paço para o uso aleatório de ambas as aplicações.

O termo hip hop, que significa, numa traduçãoliteral, movimentar os quadris (to hip, em inglês)e saltar (to hop), foi criado pelo DJ Afrika Bam-baataa, em 1968, para nomear os encontros dosdançarinos de break, DJs (disc-jóqueis) e MCs(mestres-de-cerimônias) nas festas de rua no bair-ro do Bronx, em Nova York. Bambaataa percebeuque a dança seria uma forma eficiente e pacíficade expressar os sentimentos de revolta e de ex-clusão, uma maneira de diminuir as brigas degangues do gueto e, conseqüentemente, o climade violência. Já em sua origem, portanto, a mani-

A

Hip hop17

Hip hop – A periferia grita 18

festação cultural tinha um caráter político e o ob-jetivo de promover a conscientização coletiva. Ouso dessa expressão ganhou o mundo, novas di-mensões, e hoje, no Brasil, designa basicamenteuma manifestação cultural das periferias das gran-des cidades, que envolve distintas representaçõesartísticas de cunho contestatório.

Em sua tese, Movimento negro juvenil: um es-tudo de caso sobre jovens rappers de São Bernardodo Campo (1996), a educadora Elaine Nunes deAndrade define o hip hop como um movimentosocial que engloba certa forma de organização po-lítica, cultural e social do jovem negro. ElaineAndrade disserta, em cerca de cem páginas, so-bre o porquê de escolher a palavra “movimento”como a definição conceitual mais apropriada paraentender o hip hop. Segundo a autora, é o concei-to que permite uma análise mais abrangente desua ação social. A maioria dos teóricos que estu-dam o assunto adota a mesma definição.

Esse movimento social seria conduzido poruma ideologia (ou pelo menos por certosparâmetros ideológicos) de autovalorização dajuventude de ascendência negra, por meio darecusa consciente de certos estigmas (violência,marginalidade) associados a essa juventude,imersa em uma situação de exclusão econômi-ca, educacional e racial. Sua principal arma se-ria a disseminação da “palavra”: por intermé-

Os quatro elementosdo hip hop: grafite,break, MC e DJ.

dio de atividades culturais e artís-ticas, os jovens seriam levados arefletir sobre sua realidade e a ten-tar transformá-la.

Se a atuação de muitos dos gru-pos envolvidos com as várias ati-vidades que constituem o universohip hop de fato tem as característi-cas de organização defendidas por Elaine deAndrade e comungam com a cartilha antidrogase antiviolência, é preciso não esquecer que, ori-ginalmente, o hip hop é um conjunto de mani-festações culturais: um estilo musical, o rap;uma maneira de apresentar essa música emshows e bailes que envolve um DJ e um MC; umadança, o break; e uma forma de expressão plás-tica, o grafite. Também cabe, portanto, a carac-terização do hip hop como uma cultura de rua,que é o conceito mais utilizado pelos seus pró-prios integrantes. Embora os hip hoppers tam-bém aceitem a idéia de movimento social, quan-do solicitados a responder “o que é o hip hop”, aprimeira definição que surge é “uma cultura derua formada por quatro elementos artísticos: obreak, o rap, o grafite e o DJ e o MC”.

Em nosso trabalho, não fizemos opção poruma ou outra definição do hip hop nem nos dei-xamos levar pelos discursos oficiais sobre o quese denomina ideologia do hip hop. Constatamosque, se a idéia de movimento social é pertinen-te para descrever atividades de equipes comoos Jabaquara Breakers (descritas no capítulo“Eles só querem ser felizes”), ela não se aplica,por exemplo, a muitos grupos de rap, gênero mu-sical que disputa um naco do mercadofonográfico tanto quanto qualquer outro estilo.Em nossa reportagem, quando fomos a campoconhecer os manos que ouvem rap e circulamentre paredes grafitadas, também descobrimoso quanto é conflitante para um jovem de perife-ria abraçar o discurso “consciente”, pacifista,

Hip hop19

Roberto Parizotti

Hip hop – A periferia grita 20

antidrogas do hip hop e viver em situações con-cretas de extrema violência policial, de convi-vência com traficantes e de puro e simples de-sespero existencial, como tentamos expor nabreve história de um final de semana típico (nocapítulo “Uma garota chamada De Menor”) ouna trajetória de Pulguinha (no capítulo “Produ-to marginal”).

Por mais diverso e por vezes incoerente queseja o hip hop, procuramos dar voz em nosso tra-balho a todos os aspectos desse universo e deixara questão de o hip hop ser um movimento socialou uma cultura de rua para ser respondida pelosestudiosos mais adiante. Por enquanto, queremosmostrar que mais que um modismo, que um jeitoesquisito de se vestir e de falar, mais que apenasum estilo de música, o hip hop, com um alcanceglobal e já massivo, é uma nação que congrega ex-cluídos do mundo inteiro.

Uma garotachamada De Menor

ábado à noite. De Menor, 23 anos, recebe osamigos no barraco onde mora, na Vila Indus-trial, zona leste de São Paulo. Rômulo, seu

filho de 1 ano e meio, está passando o fim de sema-na com o pai em Guarulhos, região da Grande SãoPaulo, e a filha Jéssica, 3, mora com a avó no barra-co ao lado. Sem ter de se preocupar com os filhos,De Menor prepara-se para a balada, que já haviacomeçado na sexta-feira. Ela e mais três amigasainda sentem os efeitos do chá de lírio que toma-ram na véspera. Bia, 14 anos e aparência de 21,tinha cutucado insistentemente seu olho naquelamanhã, tentando retirar uma suposta lente de con-tato: quando se olhava no espelho, achava que al-guém havia colocado uma lente azul sobre sua íris.Seu olho é preto como uma jabuticaba, mas ela es-tava alucinada e um pouco tonta. A amiga Tutty,também de 14 anos, fala com voz pastosa. E Vívian,17, está deitada num colchão estendido no chão,rindo sem parar. A única que mantém alguma so-

S

Uma garota chamada De Menor21

Hip hop – A periferia grita 22

briedade é De Menor, ídolo desse grupo de meni-nas que se autodenominam “detentas”, porque sesentem presas.

O barraco onde De Menor vive é o ponto deencontro das garotas. Escondida numa rua esbu-racada, sua casa se situa no final de um corredor

comprido e estreito, onde De Menor es-tende as roupas para secar. O barracode madeira, de 15 m2, foi construído pelopai de De Menor. O chão se mexe con-forme as pessoas andam e a escuridãolá de dentro dá a impressão de se estarnum porão. Não há janelas, apenas umalâmpada, que é acesa à noite. Tambémnão há separação entre sala e cozinha.Uma poltrona, macia de tão velha, ficaencostada em uma das paredes do bar-raco, sob um armário de cozinha com re-vestimento de fórmica marrom usadopor De Menor como guarda-roupa. Dolado do sofá há uma cortina plástica quesepara a sala do banheiro. A pia da cozi-nha fica perto de outra parede e acomo-da algumas louças sujas e uma mamadei-ra que serve para alimentar Malzebier,um gatinho preto de dois meses. Em fren-te a essa pia está a geladeira, quase va-zia, que é toda grafitada, assim como asparedes do barraco. Um buraco na pare-de de madeira dá acesso ao quarto ondeDe Menor normalmente dorme com Rô-mulo e a amiga Tutty.

Tutty e Bia são as companhias mais freqüentesde De Menor. A primeira fez um aborto recente-mente e mora fora de casa desde os 13 anos. Estána 5a série e só vai à escola porque De Menor tam-bém o faz. Depois do aborto, Tutty passou a andarequipada com camisinha e anticoncepcional. Biasó teve um namorado até agora: Luciano, um ra-paz que foi assassinado aos 22 anos. Era ladrão debanco e estava envolvido com drogas. Depois da

morte do namorado, Bia se revoltou. Antes erauma menina caseira, que voltava para casa até asoito da noite, como o pai pedia. Hoje ela é a únicadas três filhas do casal que dança break, anda deskate, conhece todos os grafiteiros da região e ado-ra o estilo de rap conhecido como bate-cabeça. Ca-belos negros encaracolados, pele morena, maca-cão largo com um sutiã preto visível são marcasregistradas de Bia, que sempre se veste desse jei-to e só troca de roupa quando De Menor empres-ta uma bermuda folgada. Bia mora com os pais eos irmãos. O pai conserta venezianas e a mãe édona-de-casa. Bia sempre acorda por volta dasdez horas da manhã e nem pensa em cuidar dosirmãos. Fica eufórica quando o relógio marca13h30min. É o horário em que vai para o barracode De Menor, onde encontra as amigas, com quemfica até chegar o horário de ir para a escola, emque cursa a 7a série.

De Menor é como uma mãe para as meninas.Está sendo processada pelos pais de Bia por terabrigado a garota quando ela fugiu de casa, emsetembro de 1998, depois da morte do namorado.De Menor também acolhe Tutty, que saiu de casahá quase um ano. Todas as “detentas” ajudam DeMenor a manter o barraco. Cada uma dá umaquantia de dinheiro para comprar sabão, frutas,

Na página ao lado, DeMenor pronta para abalada. Acima, detalhedo barraco de DeMenor, mostrando ageladeira grafitada.

Uma garota chamada De Menor23

Hip hop – A periferia grita 24

comida, além de colaborarem com a limpeza dolugar. A lista de tarefas fica presa na geladeira.Elas também cuidam dos gatos Malzebier eParreirinha, chamados assim por Bia, que esco-lheu esses nomes em referência a marcas de bebi-das. As “detentas” estão sempre juntas. Elas serevezam para cuidar de Rômulo, filho de De Me-nor, nas noites em que vão para a balada. Se o ga-roto não está passando o final de semana com opai, como naquele sábado, uma das “detentas” ficacom ele enquanto as outras saem para aproveitara noite.

É maio de 1999. Naquela noite, a animação dasgarotas não era só resultado do chá de lírio, mastambém da expectativa de encontrar homens nafesta em que iriam. Dois amigos já estão no barra-co de De Menor. São Waltão, 23 anos, assaltante,e Tandy, 21, traficante de drogas. Enquanto Biaarruma os cabelos das meninas com penteadosespeciais para a festa, os rapazes e Vívian, quetem o cabelo curto estilo “joãozinho”, ouvem o sombate-cabeça do grupo de rap RPW. Tandy desper-ta a atenção das meninas. Mulato com os cabelostingidos de loiro, traja calças largas e um agasa-lho do time de basquete norte-americano ChicagoBulls bem folgado, vestuário típico dos filiados aohip hop. Waltão faz um estilo mais convencional.Está de calça jeans preta e camiseta branca parafora da calça. Não é muito fã de rap, prefere pago-de, mas acompanha as meninas há um ano e meioporque fez amizade com De Menor.

Depois de se arrumarem, com camisinhas nobolso, saem para a festa, que ocorreria em umarua na Vila Sinhá, do outro lado da avenida AnhaiaMelo, a uns seis quilômetros do barraco. A cami-nhada é feita em terreno íngreme, por ruas escu-ras onde há botecos abertos e casas pobres. DeMenor é uma das mais animadas. Ela quer encon-trar o namorado Gordo, um garoto de 18 anos queem nada lembra o apelido. É magro e só um poucomais alto do que De Menor, apelidada assim por-

As amigasajudam DeMenor a

comprarsabão, frutase comida,

além decolaboraremcom a limpeza

do barraco.

que tem 1,50m de altura e o corpo miúdo. Quandoo grupo está quase chegando ao local da festa, DeMenor vê Gordo semidesmaiado, apoiado no om-bro de uma outra garota desconhecida. De Menorfica irada. A garota – talvez uma outra amante deGordo – não hesita e larga o rapaz na calçada.Gordo fica jogado no chão, encostado no portãoda casa de Alex, um dos mais conhecidos usuáriosde cocaína da região e amigo do pessoal. Gordovomita enquanto o cachorro Beethoven, um poodlebranco, lambe sua cabeça por detrás do portão.Duas crianças assustadas observam o garoto, querevira os olhos e parece não saber o que está acon-tecendo ao seu redor. De Menor chacoalha o na-morado, inconformada em vê-lo naquela situação.“Esse não é o Gordo que eu conheci”, diz, batendocom as mãos nas pernas. Furiosa, De Menor man-da a menina que acompanhava Gordo levá-lo delá e segue com os amigos para a festa.

Durante o trajeto, encontram vários jovens co-nhecidos das baladas. Nos botecos da região, al-guns moradores do bairro dançam forró. As mu-lheres usam minissaias e os homens, jeans. Be-bem cerveja. São bem diferentes da turma de DeMenor. Na rua da festa o som do rap se confundecom o do forró que toca em um bar localizado acerca de 200 metros do agito hip hop. Bia atébrinca: “Não sei se vou dançar forró ou rap”. Mas,ao ouvir a música que toca alto no meio da rua,não demonstra dúvidas, opta pelo hip hop. Logose aproxima de um barril grande para pegar umabebida gelada. Em copinhos plásticos, ela serveaos amigos álcool Zulu – o mesmo utilizado pelasdonas-de-casa nos fogareiros e na limpeza –, comalgumas gotas de limão. “Para ficarmos mais lou-cos, só bebendo gasolina”, ressalta. Essa “bebi-da”, que faltou naquele dia, é muito comum nasfestas da Vila Sinhá.

A rua Nove do Sinhá, como é conhecida, aospoucos é tomada por skatistas, que, durante o dia,praticam o esporte pelo qual são apaixonados.

A festa foibancadacom uma

vaquinhade 50 reais –o suficiente

para comprar62 litros de

bebida. Nãohá comida.

Uma garota chamada De Menor25

Hip hop – A periferia grita 26

Aquele foi o local escolhido pelo grafiteiro Adilson,um dos organizadores do som. As fábricas ocupamgrande parte da rua. Há uma ou outra casa. O donode uma dessas residências é quem cede a eletrici-dade para eles ligarem os dois aparelhos de som.Durante a balada, uma mulher de meia-idade pas-sa por um aglomerado de quase 200 rappers parair à casa de sua irmã. Ela não gosta desse tipo demúsica, mas prefere deixar os jovens se diverti-rem a reclamar. “Respeito a garotada porque meufilho é skatista e a maioria dos meninos daqui gos-ta disso”, diz ela, com pressa. Para chegar ao seudestino, a mulher contorna uma grande roda dejovens que dançam o bate-cabeça, o estilo de rapmais ouvido pelos skatistas. Ao contrário do queo nome sugere, os dançarinos não trocam cabe-çadas entre si, embora, muitas vezes, o estranhobailado resulte em violência. Enquanto os rappersdançam abraçados e saltando, os skatistas do hiphop liberam suas energias dando socos no ar. Àsvezes, esses socos atingem o rosto de alguém, pro-vocando brigas.

Ainda inconformada com a embriaguez do na-morado, De Menor bebe para esquecer a cena quetinha visto havia pouco. Ela não dança com asoutras garotas porque ainda está se recuperan-do de uma cirurgia sofrida um ano antes, quandotentou se matar com um tiro no estômago. DeMenor tem uma cicatriz que se estende desde oumbigo até os seios. Como o bate-cabeça poderesultar em algum machucado, ela prefere nãoentrar nas rodinhas, formadas quase sempre sópor homens. São raras as mulheres que se arris-cam a entrar. Bia e Vívian estão entre essas ex-ceções. Ficam um pouco afastadas da aglomera-ção, mas não temem os socos dos rappers e to-mam muito cuidado para proteger as partes maissensíveis. Waltão, mais ligado ao pagode, não seconforma com o que vê. O repertório varia dobate-cabeça do RPW ao som dos grupos Condi-ção Humana e Racionais MC’s, além de um pou-

De Menorvoltou a

freqüentarreuniões

evangélicas:“Preciso mevoltar maispara a fé”.

Garotos disputam asparedes de umafábrica para grafitardurante a festa.

co de Planet Hemp – banda conhecida por seudiscurso em favor da descriminalização da maco-nha. Três brigas eclodem, mas logo são apartadas.Um Gol cinza-escuro, com dois ocu-pantes, também ameaça a diversãodos jovens. Passa duas vezes emalta velocidade pelo meio da rua,quase atropelando os hip hoppersque dançam em rodinha.

Antes da meia-noite, a bebidaacaba. O grafiteiro Adilson não pre-via que sua festa, divulgada por meiode alguns cartazes espalhados pelobairro e do boca-a-boca, teria tantosucesso. Ele e mais três amigos ban-caram a festa com uma vaquinha de50 reais – o suficiente para comprar62 litros de bebida, entre álcool Zulue vinho Sangue-de-Boi. Não há co-mida. Os organizadores chegaramao local às dez da noite com os toca-CDs, um barril para gelar a bebidae uma tábua de madeira apoiada emdois cavaletes, onde foram instala-dos os aparelhos de som. Eles jáhaviam pedido, previamente, per-missão aos moradores da rua e aosdonos das fábricas para grafitar alguns muros e uti-lizar aquele espaço.

De Menor está completamente atordoada, de-pois de ter bebido cinco copos de vinho, dois deálcool e ter tragado um mesclado – cigarro de ma-conha misturada com um pouco de cocaína. En-costa-se no muro de uma das fábricas e senta nochão. Bia, Tutty e Vívian, que estão um pouco maissóbrias, correm para ver o que está acontecendocom a amiga. De Menor chora e as únicas pala-vras que consegue dizer são “que droga, que dro-ga, que droga”, socando a cabeça com as duas mãos.Sem condições de continuar curtindo o som, asmeninas resolvem ir embora. A caminhada é lon-

Uma garota chamada De Menor27

Hip hop – A periferia grita 28

ga e, por isso, Waltão arrasta De Menor no iníciodo percurso, o que depois é feito por Tandy. Paradeixá-la mais confortável, as outras três garotasresolvem levar De Menor estendida em seus bra-ços. Tutty segura a cabeça de De Menor, Vívian, otronco, e Bia, as pernas.

De Menor só se acalma quando Tandy passa alhe dar mais atenção. Aproveita o momento paradesabafar. “Eu sentia firmeza no Gordo e ele meapronta uma dessas”, lamuria-se. Ao chegar no bar-raco, De Menor se encolhe no sofá. Bate as mãosna cabeça e chacoalha as pernas como uma criançabirrenta. Depois daquela noite, De Menor nuncamais procurou Gordo.

Noites como essa são comuns entre alguns ma-nos, como também é corriqueiro o fato de as fes-tas terminarem em bebedeira. Enquanto o desejode uma vida mais regrada e não à margem dasociedade povoa a mente dessa juventude, a situa-ção real de descaso, pobreza e abandono leva es-ses jovens a práticas autodestrutivas, como beberálcool puro e gasolina. Muitos deles não têm op-ções nem perspectivas para mudar de vida, con-vivem com problemas familiares e encontram nabebida e no uso de drogas uma válvula de escapepara sua realidade.

Um mês e meio depois da noite em que DeMenor rompeu com Gordo, acontece outra festana rua Nove do Sinhá, num sábado à noite, pa-trocinada pelo skatista Gambet, um dos melho-res da região. É um pouco mais violenta do que aanterior e o confronto com a polícia acaba sendoinevitável. Antes mesmo do término da festa, umagarota de 17 anos está jogada no chão, ao lado deum ponto de ônibus. Naquele momento, um car-ro da polícia passa e vê algumas pessoas rodean-do a menina. Seu amigo Michael, de 19 anos, estádesesperado e pede ajuda aos policiais, que des-cem do carro com as armas em punho. “Vocêsestavam naquela festa desses tal (sic) de hip hop,né?”, pergunta um dos policiais. Todos dizem que

estão esperando um ônibus e que não têm nada aver com a festa. Isso demonstra o medo e a des-confiança que os moradores da periferia sentemdiante dos homens da polícia que, teoricamente,zelam pela segurança do local.

Os policiais levam a menina, acompanhada doamigo, para o hospital. A garota não pára de cho-rar e chega até a abrir a porta do carro fingindoque vai se atirar. O policial que está no banco dopassageiro fica nervoso com a encenação e amea-ça: “Se você não quiser ir para lugar nenhum, agente fica aqui no carro rodando. Podem se pre-parar para levar tiro”. Ele tem 32 anos – e dez depolícia. “Na minha época, não tinha nada dessenegócio de hip hop. Nós gostávamos mesmo deheavy metal. Eu passava os finais de semana coma mochila nas costas e ia acampar com a mulhera-da”, conta ele. “Não tinha nada disso de bate-ca-beça porque esse negócio de ficar batendo aí coma cabeça não dá certo”, afirma.

**

Depois daquela noite de maio, De Menor vol-tou a freqüentar as reuniões evangélicas promo-vidas na casa de sua mãe. “Preciso dar um jeitoem minha vida”, justifica ela, que tinha abando-nado a religião havia um ano e meio. Brigou atécom Bia, que começou a praticar pequenos furtos.De Menor e Tutty não concordam com a atitudeda menina. “Se ela quiser roubar, que vá sozinha.Eu já fui para a Febem (Fundação Estadual doBem-Estar do Menor) e não estou a fim de serpresa de novo”, diz De Menor.

Ela agora veste saias longas e deixa os cabelossoltos na altura da cintura. Mantém uma posturacontraditória: diz que não renunciou ao hip hop.“Continuo ouvindo rap e vou à balada, mas voltomais cedo e não estou bebendo tanto”, afirma. “Ohip hop é um estilo de vida.”

Quatorzepessoas foram

assassinadaspor dia nomunicípio deSão Paulo

no primeirosemestre

de 1999.

Uma garota chamada De Menor29

Hip hop – A periferia grita 30

e Menor e sua turma de “detentas” estãoentre os mais de “50 mil manos” – núme-ro que marcou história na música “Capí-

tulo 4, versículo 3”, do disco Sobrevivendo no in-ferno, dos Racionais MC’s – que vivem embaladospelas letras de rap. Eles acompanham apresenta-ções de seus ídolos em espaços públicos, como asfestas realizadas em ruas e favelas, e em casas deshows e bares da periferia. Para quem reside naperiferia de São Paulo, o rap transforma o sim-ples ato de escutar a rima em um disco ou em umshow num gesto de discordância social, afirmaMarco Aurélio Paz Tella. O antropólogo, autorda tese Atitude, arte, cultura e autoconhecimen-to: o rap como a voz da periferia, em que investi-ga letras de raps como as de Thaíde & DJ Hum,dos Racionais MC’s e do DMN, defende que o rapé um instrumento de contestação da realidadesocial. “Por meio das letras, o rap é capaz de pro-duzir uma leitura crítica da sociedade. Por meio

Produto marginal

D

Produto marginal31

Hip hop – A periferia grita 32

da denúncia dos problemas étnicos e sociais e daapropriação seletiva do passado da populaçãonegra, ele proporciona uma gama de referenciaispara a juventude negra. Tais referências questio-nam o imaginário social de nossa sociedade”,analisa ele em sua tese.

O I Festival Internacional de Rap, realizado noestacionamento do Parque Anhembi, zona norteda capital paulista, em março de 1999, serve paraexemplificar a tese defendida por Tella. Numanoite de sábado, o evento reuniu mais de 15 milpessoas – a maioria negra e do sexo masculino,segundo dados da Polícia Militar –, que assisti-ram às 15 horas de show como se fosse um culto.Eram fiéis fervorosos que, a cada gesto do seuprincipal guia, o MC Mano Brown, cantavam arima pesada, cruel e longa do rap dos RacionaisMC’s. Eles só subiram ao palco por volta das trêshoras da madrugada e a maior parte do públicoestava no Anhembi desde as sete horas da noiteesperando a apresentação do grupo. Durante esseperíodo, três tretas ocorreram, mas logo foramapartadas. Todo o festival foi organizado sem pa-trocínio. Entre uma e outra mensagem de paz in-tercaladas às músicas, Brown demonstrava o or-gulho de cantar em um show independente.

Thaíde e DJ Humestão entre osprecursores do rapno Brasil. “O rap temo poder de reunir amassa, educando einformando”, dizThaíde. No detalhe,Thaíde em foto dosanos 80.

Div

ulga

ção

Acervo Nino Brown

Mano Brown, dosRacionais MC’s, é umdos mais respeitadosrappers brasileiros:“Pertenço à realidadeda periferia”.

O rap é a arte do hip hop que tem o maior po-der de sedução sobre o jovem da periferia. Nãohá reunião de posse, disputa entre dançarinosde break, concurso de discotecagem ou evento degrafitagem que consigam reunir um público tãonumeroso. De sexta a domingo, bailes de rap ocor-rem em quase todos os bairros da periferia pau-listana, além de nas cidades próximas da capitalcomo Barueri, Campinas, Suzano, Carapicuíba eoutros municípios do interior de São Paulo. Ape-sar dessa adesão maciça ao hip hop, o evento noAnhembi foi a descoberta de um “mundo oculto”,segundo DJ Hum. Ele é um dos precursores dorap no Brasil, integrante da dupla Thaíde & DJHum: “Tive de esperar 15 anos para ver uma dasmaiores manifestações de rap organizadas no Bra-sil”. O evento comprovou o quanto o hip hop, re-presentado ali pelo rap, é resistente. “Ele tem opoder de reunir a massa, mas educando, informan-do. É coisa séria, e não uma moda, como o pagodee a axé music”, acredita.

Assim como outros que divulgam a cultura hiphop, DJ Hum e Thaíde começaram a carreira noinício dos anos 80, criando sua poesia inspiradanas ruas para os seus irmãos, sobrinhos e filhos.Estes, por sua vez, difundiam essa nova informa-

Produto marginal33

Hip hop – A periferia grita 34

Com músicas que jáviraram “clássicos” dorap brasileiro, como“Diário de um detento”e “Capítulo 4, versículo3”, o CD Sobrevivendono inferno, dosRacionais MC’s,vendeu mais de1 milhão de cópias.

ção sobre a cultura de rua para os amigos nos bai-les de rap. E para o jovem negro, como analisa aeducadora Elaine de Andrade em seu artigo “Hiphop: movimento negro juvenil”, no livro Rap e

educação, rap é educação, “o baile éum espaço fundamental de afirmaçãode sua identidade, além de ser umespaço de sociabilidade juvenil”. “Nobaile, o jovem negro está acompanha-do dos seus iguais de etnia, não ape-nas os iguais de idade, que vivenciamas mesmas dificuldades”. SegundoMarco Aurélio Paz Tella, esse proces-so de conscientização que ocorria nosbailes foi desencadeado por influên-cia dos negros norte-americanos, quetransformavam o “espaço de diversãoem espaço de afirmação da negritude,contra o processo de discriminaçãoétnico-social”.

Ainda que o rap tenha hoje grande alcance naperiferia, ele realmente se destacou como um gê-nero musical popular depois do lançamento inde-pendente do CD dos Racionais MC’s, Sobreviven-do no inferno, em 1997. O disco, produzido peloselo desse grupo, Cosa Nostra, vendeu mais de1 milhão de cópias, segundo Mano Brown. “Os Ra-cionais conseguiram estourar não porque uma gra-vadora acreditou no nosso trabalho. Tivemos delançá-lo por um selo independente. Esse foi o ca-minho. Somente nós apostávamos no nosso traba-lho”, explica. O rapper X, do Distrito Federal, cre-dita o estouro do rap ao reconhecimento dos Ra-cionais MC’s. “Foi preciso um grupo sério vender1 milhão de CDs para que as pessoas ficassem li-gadas na força do hip hop”, diz X. “Depois do fe-nômeno Racionais, ninguém segura mais o rap.Manteve-se o animal recluso e, quando soltam, eleestá sedento.” X foi líder do extinto grupo Câm-bio Negro, que em 1999 ganhou o prêmio de me-lhor videoclipe de rap nacional dado pela MTV

Divulgação

com a música “Esse é o meu país”. O grupo teve CDlançado pela gravadora Trama, uma das que maisinvestiram no segmento, e que, em 2000, tambémproduziu o CD da dupla Thaíde & DJ Hum, Assimcaminha a humanidade, distribuiu o CD Seja comofor, do rapper Xis, de São Paulo, e colocou no mer-cado o primeiro disco do grupo gaúcho Da Guedes,Cinco elementos.

O lançamento do CD Sobrevivendo no infernotambém marcou uma nova etapa do rap paulistano.“Um novo ciclo parece estar se abrindo com asgravações de diferentes grupos por selos indepen-dentes como Kaskata’s, MA Records e Zimbabwe,além do surgimento de selos individuais de artis-tas”, afirma o sociólogo José Carlos Gomes Silvaem sua tese Rap na cidade de São Paulo: música,etnicidade e experiência urbana. Gog, líder dogrupo de nome homônimo, vê o resultado das ven-das recordistas dos Racionais como “o termôme-tro para o mercado”, especialmente para as gran-des empresas do ramo fonográfico. “Nas FMs deSão Paulo, como a Transamérica e a Jovem Pan,os ouvintes ligavam pedindo ‘O homem na estra-da’ [dos Racionais], e não as músicas de Gabriel oPensador”, afirma Gog. “Com esse CD dos Racio-nais MC’s, o verdadeiro rap foi descoberto.” A mú-sica citada por Gog já rendeu até prisão para osintegrantes dos Racionais. Em novembro de 1994,os rappers foram detidos pela Polícia Militar deSão Paulo quando subiram ao palco durante o fes-tival Rap no Vale, realizado no Vale do Anhan-gabaú, no centro de São Paulo, para cantar “Ohomem na estrada”. O motivo alegado para a pri-são foi incitação à violência e desacato à autori-dade. “Eu nunca cantei o crime. Eu canto a reali-dade. Pertenço à realidade da periferia”, justificaMano Brown.

Desde 1991, a profissionalização do rap acon-tece no circuito alternativo por meio dos selos egravadoras independentes. Entre 1991 e 1994,mais de dez coletâneas foram gravadas, reunindo

“Acredito queo rap é o

melhor estiloverbal paratratar de

temas sociaise raciais.”

(General D, rappermoçambicano)

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Hip hop – A periferia grita 36

A popularização dorap, ainda que relativa,incentivou a formaçãode grupos como DeMenos Crime eConsciência Humana.Na foto, componentesdos dois grupos.

parte significativa dos grupos que apareceramnos principais focos de concentração de rappersna década de 1980, a Praça Roosevelt e o ProjetoRappers Geledés. Mesmo estruturado, o merca-do fonográfico rapper teve um período crítico de-pois de 1994. O principal meio impresso de divul-gação do hip hop nacional, a revista Pode Crê!, foiextinto naquele ano. A produção voltou a crescercom o disco Sobrevivendo no inferno, mas o queficou conhecido como “o fenômeno Racionais”, porconta da vendagem inesperada do CD do grupo,demorou para transpor a barreira do gueto. Asmúsicas do disco só chegaram aos meios radiofô-nicos comerciais seis meses depois do lançamen-to do CD. Durante esse período, o álbum foi di-vulgado pelas rádios comunitárias.

Os Racionais seguem a linha do “rap conscien-te”, que sofreu influência de grupos norte-ame-ricanos como Public Enemy, criado no fim da dé-cada de 1980. O surgimento dessa segunda gera-ção de rappers nos Estados Unidos – a primeirafoi comandada pelo DJ Afrika Bambaataa – afir-mou o hip hop como movimento social. Eles tra-ziam na sua poesia referências baseadas nas ati-tudes de líderes negros como Martin Luther Kinge Malcolm X. Essa nova referência musical ali-

mentou a geração dos Racionais MC’s, que, depoisde participarem de coletâneas de selos indepen-dentes, firmaram-se no mercado fonográfico comálbuns-solo. “Verificamos que os grupos de rapse empenharam no sentido de interpretar os sím-bolos de origem afro que seriam fundamentaispara a mudança de atitude. Apesar de inseridosno contexto externo, os símbolos da luta contra adiscriminação racial foram interpretados comoparte de uma história que unifica os afro-bra-sileiros”, afirma o sociólogo José Carlos GomesSilva em sua tese.

A popularidade (ainda que relativa) do rapincentivou a criação de novos grupos, com dis-cursos muitas vezes até divergentes. De autoriado grupo De Menos Crime, do bairro de SãoMatheus, zona leste de São Paulo, a música “Fogona bomba” rendeu algumas discussões. Ela nar-ra o dia-a-dia de um usuário de maconha. “A le-tra não é a favor nem contra a erva”, argumentao integrante do grupo, Mago Abelha. “A gentemostra que, nas quebradas, onde se encontra obagulho [maconha], há também a química pesa-da [cocaína e pedra de crack], que é perigosa. Apolícia também é outro risco. Ela pode sair dan-do tiro e sobra pra todo mundo”, completa. O hit,que faz parte do disco São Matheus pra vida, pro-duzido pelo selo independente Kaskata’s, levouà venda de 100 mil cópias desse CD. O De MenosCrime concorreu na categoria de melhor clipe derap na MTV, em 1999, com “Fogo na bomba”, masnão foi premiado. “O positivo é que não deu ‘Fogona bomba’”, ironiza Gog, que não concorda com amensagem do De Menos Crime. Em resposta aosataques, o grupo compôs “Só quem é louco”, pre-sente no disco Rap das quebradas, lançado em2000. A música diz: “Nasci na favela e sei o queme prejudica/ Fumar crack, cheirar cocaína, to-mar cachaça no boteco da vila/ Prefiro ficar nabrisa/ Só quem é louco se identifica/ Acende o dobom/ Fumaça proibida”.

“Acho ótimo osRacionais

teremconseguidoimpor umaabertura no

mercado. Sãoindependentese vendemmilhõesde cópias.”

(Djavan, compositor)

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Hip hop – A periferia grita 38

Gog, à frente de seugrupo, de mesmonome: defesa dorap vinculado àquestão social.

O ponto de vista do rapper Gog, do DistritoFederal, é um dos mais respeitados pelos hiphoppers. A escrita elaborada, com português cor-reto e sem excesso de gírias, rendeu-lhe uma pre-miação no concurso HIP HOP 2000 – Os Melhoresdo Rap, na categoria de melhor letrista. Líder efundador do grupo que tem como título as iniciaisdo seu nome, Genivaldo Oliveira Gonçalvez ques-tiona o papel do rap. “Temos um compromisso nãosomente com a música, mas também com a questãosocial, inclusive a de não incentivar em público ouso de qualquer droga, seja ela a pinga ou a maco-nha. Uma vez em cima do palco, você é um líder epode influenciar muita gente”, acredita ele. Os in-tegrantes do grupo Academia Brasileira de Rimas(ABR) demonstram a mesma preocupação. O nomedo grupo, criado em maio de 1999, foi dado peloMC Paulo Nápoli em alusão à Academia Brasileirade Letras. “Não temos a intenção de ser os melho-res, mas queremos ser diferentes e apresentar pro-postas para o rap nacional”, afirma Thaíde, que,além de cantar com DJ Hum, integra a ABR. Thaídediz que aceitou o convite para participar da ABRpor acreditar que esse grupo veio em prol da evolu-ção do rap dentro do hip hop. “A Academia traz evo-lução, rima e novas idéias”, acredita.

As discussões em torno do rap vão além da com-posição das letras. Muitos grupos continuam acre-

ditando que a expansão da música hip hop deveocorrer à margem da indústria fonográfica, comlançamentos feitos por selos independentes. Mil-ton Sales, sócio da empresa Racionais MC’s e pro-prietário junto com o grupo do selo Cosa Nostra,mostra que a idéia de produzir música de forma in-dependente também tem um viés político: “A indús-tria do disco não atende o direito de quem produz,não tem controle da venda, não tem controle de ca-tálogo. Quando se é independente, o resultado é, defato, uma ação mais direta na sua comunidade, nageração de emprego, no dinheiro que está sendo le-vado para a periferia. Então a música liberta a for-ma de negociação, de industrialização, proliferampequenas empresas e cada grupo se torna uma pe-quena empresa. O dinheiro vai ser socializado deuma forma melhor do que se ficar na mão de quatroou cinco grandes gravadoras. A independência im-plica controle da obra e a garantia de não ser rouba-do”. Sales, entretanto, ressalva que esta concepçãode independência como autonomia irrestrita do ar-tista e controle transparente sobre a produção nãoé intrínseca a todos os selos alternativos. “Quandose trabalha com a mesma lei que as [gravadoras]tradicionais, não adianta nada [ser independente].Pra você ser explorado pela Zâmbia é melhor serexplorado pela Sony. A única diferença é estar numselo black, mas a forma como exploram o produto éa mesma. Quando o artista se torna empresa, elepassa a ganhar alguns reais com o disco, em vez decentavos. A gravadora independente que paga eedita do mesmo jeito que a grande não é alternati-va. O avanço no mercado do rap só ocorre quandose está num sistema cooperativado.”

Esse pensamento levou o De Menos Crimea criar o selo DRR, junto com o grupo ConsciênciaHumana – que se destacou no mercado em 1995com a música “Tá na hora”, que critica a atuaçãodo então capitão da reserva da Polícia Militar deSão Paulo, Conte Lopes, deputado estadual peloPartido Progressista Brasileiro (PPB), que tem

“Uma vez emcima do palco,você é um

líder e podeinfluenciarmuita gente.”

(Gog)

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Hip hop – A periferia grita 40

fama de ter sido um policial “justiceiro” quandoatuava nas Rondas Ostensivas Tobias Aguiar(ROTA). A música estourou nas rádios de São Pau-lo. Na ocasião, segundo o integrante W-gee, o gruposofreu perseguições de policiais e ameaças demorte por causa da letra. Com o selo DRR, o Cons-ciência Humana produziu seu próprio CD e o dosgrupos U.Negro, Homens Crânios e RZO.

O caminho alternativo do rap foi defendido pe-los Racionais e por vários veteranos, mas hoje algu-mas novas questões se impõem. O próximo disco dosRacionais, por exemplo, terá distribuição da multi-nacional Sony Music. “Conforme o crescimento do hiphop, a gente tem de se juntar, conquistar novas par-cerias e conseguir ter várias coisas para os manos”,afirma o MC Ice Blue, integrante dos Racionais. Se-gundo Ice Blue, é inviável administrar a vendagemde 1 milhão de cópias. Ele garante que o grupo teveprejuízo. “A gente vai continuar falando da nossa rea-lidade. Os Racionais estão mais maduros, mas os te-mas não mudaram. A questão é que podemos domi-nar muito mais coisas hoje e mostrar que estamosmais organizados.” Para ele, a realização do FestivalMillenium Rap, em janeiro de 2001, no Anhembi, queatraiu mais de 40 mil pessoas, provou novamente queo rap está em plena expansão.

A postura do grupo Pavilhão 9, de São Paulo,em relação ao mercado fonográfico parece ser maisrealista. “A partir do momento em que você faz umCD, você está sendo comercial. Ter preconceito comas pessoas para as quais você vai tocar e com o lu-gar onde vai tocar é bobagem”, analisa o MC Ro$$i,integrante da banda. “O legal no Pavilhão é quenem todo mundo veio da periferia, mas todos dogrupo têm preocupação com a mensagem. O hiphop está muito além do lugar de onde o cara vem,pois tem muito cara da periferia que bota banca demau, só fala de coisa ruim e não aponta solução”,acredita Ro$$i. A grande evolução do rap, confor-me DJ Hum, está justamente em fazer com que oplayboy reflita e a periferia se valorize.

“A grandeevolução dorap está em

fazer com queo playboyreflita e a

periferia sevalorize.”

(DJ Hum)

O Pavilhão 9 é precursor no Brasil da junçãodo rap com o rock, que inclui, além da instru-mentação do DJ, baixo, bateria e guitarra. A mes-cla de gêneros o afasta de outros grupos, assimcomo o fato de ter participado da terceira ediçãodo Rock in Rio – foi o único conjunto de rap nacio-nal a se apresentar ali –, no mesmo período emque aconteceu o Millenium Rap. Ice Blue é radi-cal sobre o assunto: “No nosso festival [MilleniumRap], eles [Pavilhão 9] não tocam, pois não apro-vo a mistura que fazem de rap com rock. Para mim,rap tem de ser feito com DJ e MC. Nada de gui-tarra e outros instrumentos”.

Segundo Brown, a expansão do mercado fono-gráfico do rap está causando a proliferação de gru-pos com as mesmas bases instrumentais, temas eformato das composições dos Racionais. “Depoisdas vendas, parece que a mídia estipulou que afórmula para vender rap é o nosso estilo. Só seique nós não copiamos ninguém”, afirma ManoBrown. “Infelizmente, acho que os Racionais fize-ram até mal para a evolução do rap nacional. Sósurge grupo querendo ser mais radical que os ca-ras, querendo ser eles, querendo ser mais pretos,200% preto, querendo ser mais mal-encarados queeles. Cadê a autenticidade das histórias, das rimas,das poesias?”, questiona Marcelo D2, integrante dogrupo Planet Hemp. Em 1998, D2 lançou o CD-soloEu tiro é onda. O disco foi considerado pela críticamusical um dos melhores do rap nacional daqueleano. Nele D2 sampleia obras-primas do cancionei-ro brasileiro, como o “Canto de Ossanha”, de BadenPowell e Vinícius de Moraes.

A preocupação com a criatividade musical dorap aflige também Thaíde e DJ Hum. Eles defen-dem que o rap precisa dar um salto musical paraque não se resuma ao estilo dos Racionais. “É ahora certa de se usar a nossa cultura pra se fazera nossa música. Tudo que vier com consistência eatitude, não fugindo da verdade da cultura hiphop, vai revolucionar”, profetiza Thaíde.

“O rapnacional,com sua

sinceridade,passa

informaçãopara a

comunidade. AMPB fezisso no

passado.”(Gabriel o

Pensador, rapper)

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Hip hop – A periferia grita 42

Ser um rapper. Ter um gru-po famoso. Tocar nas rá-

dios. Gravar um clipe. Ser as-sediado pelo público. Em con-junto, tais situações fazemparte do sonho de muitos jo-vens da periferia envolvidoscom a cultura hip hop. Nummundo de exclusão e com pou-cas chances de ascensão so-cial, essas parecem ser as úni-cas alternativas para uma vidamelhor. E possível de ser con-cretizada, já que “muitas vezesa distância entre o rapper e seupúblico é apenas um caixote”,como aponta Oswaldo Fausti-no, um dos primeiros jornalis-tas a abrir espaço para o movi-mento hip hop nos meios decomunicação.

Subir no tal caixote foi umatarefa difícil. E manter-se emcima dele tem sido ainda maisárduo para Pulguinha, um ra-paz esguio que, devido a seuporte físico, recebeu ainda nainfância o apelido que hoje oidentifica mais do que seu pró-prio nome, Adilson. Desde os12 anos de idade, ele viajasozinho por todo o Brasil se-guindo os shows dos Racio-nais MC’s. Em 1997, com o lan-çamento do disco Sobreviven-do no inferno, teve o sonhorealizado: tornou-se o “Mági-co de Oz”, pelo menos duran-te o tempo da música que levaesse nome e na qual Pulgui-nha participa como MC.

Para realizar a façanha, ogaroto, que tem hoje 22 anos,

batalhou muito. O líder dosRacionais, Mano Brown, temmuitos fãs e não é fácil chegaraté ele. Em uma apresentaçãodo grupo, surgiu a primei-ra chance de contato entrePulguinha e o rapper. O garo-to conseguiu falar com EdyRock, letrista do grupo. “Mano...Sempre curti vocês. Me dá umautógrafo”, disse Pulguinhacom os olhos fixos nos artis-tas. Numa segunda oportuni-dade, Pulguinha encontroumais uma vez Edy Rock. “Tálembrado de mim? Eu tava na-quele show que...”. O rapperlembrou e Pulguinha ganhoucomo prêmio a chance de co-nhecer o camarim do grupo,uma perua Kombi que os le-vava para as apresentaçõesno começo de carreira, no fimdos anos 80.

Nessa época, os Racio-nais estavam produzindo amúsica “Mágico de Oz” e pre-cisavam de um menino parafazer a abertura. Os rappers fi-zeram a proposta para Pul-guinha, que aceitou. Teve aoportunidade de falar dos pro-blemas da periferia para maisde 1 milhão de pessoas quecompraram o disco: “Comeceia usar drogas para esquecerdos problemas. Fugi de casa.Meu pai chegava bêbado e mebatia muito. Eu queria sair des-sa vida. Meu sonho? É estu-dar, ter uma casa, uma família.Se eu fosse um mágico, nãoexistiria droga, nem fome e

O MUNDO DO “MÁGICO DE OZ”

Pulguinha: participaçãoem “O Mágico de OZ”,ao lado dosRacionais MC’s.

nem polícia”. Essa é apenas aintrodução da música, mas to-dos os versos que a compõemdescrevem a vida de Pul-guinha, um garoto que, quan-do saía da escola, não podiabrincar com os amigos depega-pega ou de girar o pião.Também não jogava futebol. Iapara as portas das casas vizi-nhas pedir comida porque sa-bia que em sua casa não teriaalmoço, nem para ele nempara os outros três irmãos. Omenino também pedia dinhei-ro ou vendia doces nos faróisdas principais avenidas dobairro onde mora, em SãoCaetano do Sul, região doABC paulista. Foi expulso decasa várias vezes pela mãe,que, segundo Pulguinha,achava que ele estava arreca-dando pouco dinheiro. Desdeos 6 anos de idade ele já dor-mia nas ruas, em casas deamigos ou até nos fundos dopequeno barraco onde a famí-lia mora. O pai sempre o acu-sou de usar drogas. Pulguinhaafirma que pelo menos até os12 anos não provou nenhumasubstância dessa natureza.Desde então, sempre que ficanervoso acalma-se fumandocigarros de maconha. Seu ou-tro calmante é escutar rap.Ouve sempre Racionais MC’s.

Enquanto sua família o re-jeitava, Edy Rock e o ex-pro-dutor do grupo, Milton Sales,chamaram o garoto para mo-rar na rádio comunitária que

tinham em Guarulhos, naGrande São Paulo. Durante umano teve contato com outrosgrupos de rap e com a culturahip hop, além de receberuma cesta básica de ali-mentos e ter as contas deágua e luz de sua casapagas pelo grupo. Mas apolícia o acordou do so-nho. A rádio foi denuncia-da como pirata por outrasemissoras oficiais da re-gião e a polícia invadiu edestruiu tudo. Ele voltoupara casa sem dinheiro esem roupas. Os Racionaisprecisavam recomeçar enão tinham como ajudá-lomais, diz. Os contatos comEdy Rock ainda continuam.“Você perdeu tempo e nãoestudou quando morou narádio. Se não melhorar, nãovai mais andar com a gente”,fala Edy Rock, sempre queencontra com o rapaz. Hoje,Pulguinha continua com suasandanças, faz correrias parasobreviver em pontos deplayboys como o centro da ci-dade de São Paulo e osshoppings de São Caetano.Fuma maconha para esquecerdos problemas e tem um gru-po de rap, o Linguagem deRua Rappers. “Não preciso serfamoso como o Mano Brown,mas quero ser admirado epassar a mensagem do que jávivi e passei para outros garo-tos, para que eles não erremcomo eu”, justifica.

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A turma quebatia latinha

fenômeno do rap no final dos anos 90, en-tretanto, deixa uma falsa impressão. Aocontrário do que muitas pessoas podem

pensar, o hip hop não chegou ao Brasil por meioda música, mas pela break dance. O b.boy NelsonTriunfo, 45 anos, foi um dos responsáveis por di-fundir o break no país. O cabelo estilo black powere o andar robótico são marcas de Nelsão, como éconhecido. No início da década de 1980, quandoveio viver na capital paulista, o comportamentode Nelsão causava estranhamento pelas ruas docentro da cidade. Muitas pessoas não entendiamo motivo pelo qual um homem alto e esguio cami-nhava com passos duros que, ao mesmo tempo queeram pesados e marcados, levavam com eles a agi-lidade e a leveza da música.

Desde a infância, no município de Triunfo, emPernambuco, Nelsão conta que já praticava o break“sem saber”. “Eu dançava soul, e como o hip hoptem sua origem no próprio soul, dançar break foi

O

A turma que batia latinha45

46Hip hop – A periferia grita

apenas um passo para mim”, diz ele. “Percebia quealgumas batidas nas músicas estavam mudando eque os clipes que chegavam ao Brasil traziam no-vos passos. Eu já dançava como robô, mas não sa-bia que isso era parte do break. Depois que desco-bri, foi só me aperfeiçoar”, completa Nelsão. Eleinventava passos, girava e se contorcia todo, comoalguns anos mais tarde, no começo dos anos 80,quando levou às ruas do Brasil – mais precisamen-te para São Paulo – o break.

Naquela época, Nelsão começou a freqüentar adiscoteca Fantasy, no bairro de Moema, zona sul dacapital paulista, onde se apresentava com seu gru-po de soul Funk & Cia. Segundo ele, a Fantasy foio primeiro lugar no país a promover eventos paraque as pessoas pudessem dançar break. “Foi mui-to estranho o que aconteceu com o break no Bra-sil: os ricos eram as únicas pessoas que conseguiamviajar para os Estados Unidos e lá descobriramessa nova dança”, lembra Nelsão. Depois de qua-se um ano freqüentando a Fantasy e com maisconhecimento sobre o break e o hip hop, que naépoca se confundiam no Brasil, Nelsão levou adança para seu local de origem: a rua. “Pensei

Nelson Triunfo foi umdos precursores dobreak no Brasil: “Overdadeiro lugar dobreak é nas ruas”. Nodetalhe, o b.boy emfoto dos anos 80.

Div

ulga

ção

Acervo Nino Brown

No alto, Nelson Triunfoe um companheirobreaker executam ospassos robóticos dadança. Acima, GersonKing Combo, que,já nos anos 70,estimulava avalorização do negronos bailes blacks.

como era importante levar tudo aquilo queacontecia na Fantasy para o seu verdadei-ro lugar, as ruas, como no Bronx, em NovaYork”, explica Nelsão.

Como os outros jovens que dançaramos primeiros passos de break no Centrode São Paulo, ele apenas dançava para sedivertir, mas não tinha a percepção do hiphop como movimento social. SegundoElaine de Andrade, os primeiros breakers,que surgiram nas ruas do Bronx, bairro depopulação majoritariamente negra e hispâ-nica em Nova York, no final da década de1960, faziam uma espécie de protesto con-tra a Guerra do Vietnã por meio de passosda dança que simulavam os movimentos dos feridosde guerra. “Cada movimento do break possui comobase o reflexo do corpo debilitado dos soldados nor-te-americanos ou demonstra a lembrança de umobjeto utilizado no confronto com os vietnamitas,como o próprio giro de cabeça” (ANDRADE, 1996).Nesse movimento, o dançarino fica com a cabeçano chão e, com as pernas para cima, procura girartodo o corpo. O movimento das pernas no giro decabeça também alude às hélices dos helicópteros,largamente utilizados na Guerra do Vietnã.

No Brasil, antes do surgimento do break e dohip hop, quem antecipou a idéia da valorização dos

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48Hip hop – A periferia grita

afrodescendentes nos bailes blacks dos anos 70,como propõe hoje o hip hop, foi o cantor e dançari-no Gerson King Combo. No início da década de1980, enquanto no Rio de Janeiro Combo e seuscompanheiros embalavam a juventude com soul efunk, em São Paulo o break começava a ganhar es-paço. Tanto para paulistas como para cariocas osobjetivos eram os mesmos: a diversão e a busca daauto-estima. Os integrantes da old school, comoNelsão e seus contemporâneos são conhecidos, ain-da não tinham consciência de que o hip hop propu-nha a “troca da violência pela paz”, segundo Nelsão.“O hip hop era só break para nós. Era uma dançarobótica e o rap nem era conhecido com esse nome.Nós o chamávamos de toast (estilo jamaicano pre-cursor do rap)”, afirma o b.boy Moisés, de 34 anos,presidente da equipe paulista de break JabaquaraBreakers. A valorização do negro, entretanto, eraevidente. Em qualquer roda de break podia-se en-contrar jovens bem vestidos e com os cabelos semalisar, uma das marcas do orgulho negro.

O break começou a ser praticado na Praça Ra-mos, em frente ao Teatro Municipal, no Centro deSão Paulo. O som saía de um box ou de pick-ups,ou por meio do beat box. Os primeiros breakersbrasileiros também dançavam ao som improvisa-do de uma ou de várias latas, dando origem à ex-

Nas rodas de breakdos anos 80, doisobjetivos: diversão ebusca de auto-estima.

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pressão “bater a latinha”. Vários jovens que pas-savam pelo Centro da cidade identificavam-se e,pouco a pouco, equipes de break surgiam. Elaseram formadas em sua maioria por office-boys echamadas erroneamente de gangues – em alusãoàs gangues norte-americanas, apesar de não pra-ticarem a violência como nos Estados Unidos.

Os breakers, no entanto, ficaram pouco tempolá porque o calçamento da praça não era adequa-do para os passos da dança. Eles se mudaram paraa rua 24 de Maio, esquina com a Dom José de Bar-ros, também na região central de São Paulo. “Na24 de Maio havia duas pedras de mármore queeram lisas e grandes, ideais para dançar. Ali foivirando o point da Funk & Cia. e de alguns outrosconvidados”, conta Nelsão. “A 24 era o lugar idealpara quem curtia break. Lá encontrávamos tudoo que era necessário para dançar. Além do chãoapropriado, havia várias lojas onde podíamos com-prar luvas e lantejoulas, muito usadas na época”,lembra Moisés. Mais tarde, as galerias da rua 24de Maio passaram a ser conhecidas como pontode encontro dos b.boys.

A informação era escassa para os adeptos dobreak e muito menor para aqueles que não enten-diam aquela dança. Os breakers eram persegui-dos pelos policiais, que, incentivados por comer-ciantes das lojas do Centro da cidade, procura-vam inibir suas apresentações. Os policiais ale-gavam que a aglomeração formada em torno dosbreakers facilitava o aumento do número de fur-tos. Os breakers também foram discriminados emalguns bailes blacks, em que era proibido dançarbreak. Naquele tempo, a maioria da juventude ne-gra paulistana ainda preferia o funk, que, mais doque um estilo musical, era um estilo de vida, deauto-afirmação do negro.

Os obstáculos foram diminuindo à medida quechegavam ao Brasil videoclipes de Michael Jackson,como Thriller, Billie Jean e Beat It, e filmes comoFlashdance. O break virou moda e passou a atingir

Os primeirosbreakers

brasileirosdançavam

ao somimprovisado devárias latas,dando origemà expressão“bater alatinha”.

A turma que batia latinha49

50Hip hop – A periferia grita

um público maior. A dança passou a fazer parte deaulas de academias de ginástica da classe média,fez a música utilizada para dançar break emergircomo sucesso no mercado fonográfico, nas rádios e

em programas de televisão.Chegou a ser apresentadaem frente a uma loja doShopping Center Iguatemi,no bairro do Itaim, regiãonobre de São Paulo. Segun-do o sociólogo José CarlosGomes da Silva (1998), “den-tro do contexto da break dan-ce nacional, a experiência daFunk & Cia. foi fundamen-tal para a formação das pri-meiras equipes e da difusãodo movimento hip hop”.

Nelsão, porém, adverteque, quando a moda do break

passou, depois de 1985, só ficaram no movimentoaqueles que eram mesmo interessados: “A mídiaachou que a febre tinha acabado, mas nós insisti-mos”. Quando o irmão de Nelsão, o b.boy Luisinho,e outros integrantes da Funk & Cia. começaram adançar break na estação São Bento do metrô, elesmal sabiam que o local iria se transformar no san-tuário do hip hop no Brasil, a partir de meados dadécada de 1980.

O b.boy Marcelinho, 33 anos, presidente da equi-pe de breakers Back Spin Crew, lembra que váriasequipes de break se formaram naquela época por-que queriam disputar entre si. Aos poucos, apare-ceram as equipes Nação Zulu, Street Warriors,Crazy Crew e Back Spin. Em outras cidades, comoBrasília, surgiram equipes como a Eletric Bugalooe a Eletro Rock. Elas eram identificadas pelas co-res dos uniformes. “Éramos adversários porque ohip hop é disputa o tempo todo. Mas nos uníamosquando os ‘urubus’ [seguranças do metrô] vinhamtirar a gente da estação. Nós sempre voltávamos

B.boy Marcelinho,presidente da equipede breakers Back SpinCrew, da qual jáparticiparam Thaídee DJ Hum.

para lutar por nosso espaço”, afirma Marcelinho.Ele também explica a formação das equipes debreak como um consenso entre os dançarinos daSão Bento. “Chegou um momento em que percebe-mos que, se ficássemos só com a disputa na esta-ção, não iríamos mostrar a nossa cultura para SãoPaulo nem para o Brasil. Daí nos organi-zamos melhor e entendemos que era pos-sível profissionalizar o hip hop, com a for-mação das equipes.” Muitos office-boysque freqüentavam a estação no horário doalmoço se tornaram profissionais da dan-ça. Os primeiros traços de grafite tam-bém começaram a ser vistos espalhadospelas ruas, como os do artista plásticoAlex Vallauri.

Nesse período de organização dasequipes de break e do surgimento dografite, entre 1983 e 1988, o rap conquis-tava sutilmente a juventude negra nosbailes blacks. Como os jovens não en-tendiam o inglês cantado nas músicas, detendo-se apenas no ritmo, eles batizaram o rap de “taga-rela”. “A denominação tagarela foi a expressãousada para designar rapper e também foi aceitapelos diversos grupos de break. Como o elo de li-gação entre a juventude negra sempre foi o baile,era através dele, e a seguir, por meio da impren-sa, que as informações sobre o movimento eramtransmitidas aos jovens breakers”, explica a edu-cadora Elaine de Andrade (1996). Foi nas equipesde break que surgiram os primeiros rappers, comoThaíde e DJ Hum, ex-integrantes da Back Spin.Eles fizeram parte da primeira coletânea de raplançada no país a obter repercussão nacional, Hiphop cultura de rua, em 1988, que vendeu mais de25 mil cópias. O primeiro disco de rap, A ousadiado rap, gravado pela Kaskata’s, quase não fez su-cesso. Ele havia sido lançado um ano antes, se-guido pelos discos O som das ruas, Situation rape Consciência black.

A turma que batia latinha51

Divulgação

52Hip hop – A periferia grita

Como alguns rappers não dançavam break e que-riam conquistar um espaço próprio para desenvol-ver sua música, a geografia do movimento foi semodificando. Os adeptos do rap deixaram a esta-ção São Bento e deslocaram-se para o Clube do Rap,espaço aberto pela Chic Show – equipe de bailepioneira na organização dos bailes blacks. Outrosrappers se instalaram na Praça Roosevelt, no Cen-tro de São Paulo, em um local que foi liberado pelosCorreios. A energia para os aparelhos de som erafornecida por uma galeria de arte. Segundo o soció-logo Silva (1998), “a ruptura entre a São Bento e aRoosevelt foi um momento importante para a histó-ria do movimento porque, desde então, um segmen-to mais identificado com o rap decidiu-se por umespaço diferenciado”. Destacavam-se na época gru-pos como Stylo Selvagem, Bad Boy, DMN, Persona-lidade Negra, MT Bronx, Doctor MC’s e MRN.

Com o passar dos anos, os breakers foram ad-quirindo conhecimento sobre a cultura hip hop eseus ideais. Os outros elementos (grafite, mestre-de-cerimônias e disc-jóquei) juntaram-se à dançae a consciência de movimento social juvenil foiamadurecendo. Surgiu o Movimento Hip HopOrganizado, conhecido como MH2O-SP, um mar-co divisor entre a old school e a new school.

O MH2O-SP foi criado por iniciativa do produ-tor musical Milton Sales com o objetivo de orga-nizar os grupos de rap nascidos das equipes debreak. “O que me motivou a criar o MH2O foi apossibilidade de fazer uma revolução cultural nopaís. A idéia principal foi fazer do MH2O um mo-vimento político através da música”, diz Sales, queé sócio com o grupo Racionais MC’s da empresaRacionais MC’s. “A música é uma arma, está emtodos os lugares. Se ela tem esse poder de moveresse sistema, ela tem também o poder de elucidar.Eu trouxe essa proposta política para o rap.”

O lançamento oficial do MH2O-SP aconteceu nodia 25 de janeiro de 1988 num show no Parque doIbirapuera, antiga sede da prefeitura, em comemo-

“A música éuma arma.

Se elatem esse

poder demover o

sistema, temtambém opoder de

elucidar.”(Milton Sales)

A turma que batia latinha53

ração ao aniversário da cidade de São Paulo. Naocasião, os rappers levaram lençóis pintados comobandeiras para consagrar o movimento daquelesque resistem e se organizam. Depois do lançamen-to do MH2O-SP, rappers, grafiteiros, breakers e mi-litantes do hip hop começaram a promover even-tos em praças públicas, como no Parque da Aclima-ção e no Parque do Carmo. O MH2O-SP tambémcontribuiu para o início da formação das posses,característica marcante da nova escola, ou seja, ageração que aderiu ao movimento hip hop quandoele já tinha um pano de fundo social. Nas posses,os manos discutem questões sociais e políticas, pro-movem cursos, como o de disc-jóquei (DJ), e dãoorientação sexual.

A primeira posse brasileira, o Sindicato Negro,foi um marco simbólico. Sua sede era na PraçaRoosevelt, a céu aberto. Ela teve início quando osintegrantes do movimento resolveram se organi-zar politicamente. O b.boy Marcelo Buraco, 21anos, da Associação Cultural Negroatividades,lembra que os manos se reuniam na praça paradiscutir e apontar alternativas para a condiçãosocial do negro, historicamente marginalizadopela sociedade. “O Sindicato Negro só não deu cer-to porque era muita gente (mais de 200 pessoas)para falar ao mesmo tempo. Era uma posse muitogrande”, conta Buraco. Segundo Silva (1998), “abreve experiência do Sindicato Negro foi marcadapor cisões internas, mas as maiores dificuldadesforam enfrentadas no plano externo, em relação àpolícia. O policiamento desconhecia a proposta doSindicato Negro e começou a associar os integran-tes ao surgimento de uma nova gangue”.

Com a repressão policial e a confusão generali-zada criada dentro do Sindicato Negro, o espaçoda Praça Roosevelt começou a perder o sentidooriginal para a maioria dos rappers a partir do fi-nal de 1990. As posses nas regiões periféricas dacidade, como a Aliança Negra, na CidadeTiradentes, zona leste de São Paulo, foram se con-

54Hip hop – A periferia grita

solidando e oferecendo novas alternativaspara os integrantes do movimento. Em1992, o Departamento de Cultura da Pre-feitura de São Bernardo do Campo, no ABCpaulista, criou o projeto Movimento de Rua,que, em cinco festas, reuniu mais de 60 gru-pos de rappers. Desse projeto saiu um dosprimeiros livros sobre hip hop no país,ABC RAP, uma coletânea de letras de rapde 148 páginas, fundamental para a for-mação da posse Haussa, de São Bernardodo Campo, na Grande São Paulo.

A adesão em massa de jovens ao mo-vimento fez com que o rap crescesse nomercado fonográfico. Além disso, umnovo espaço foi criado em 1991 – o Pro-jeto Rappers Geledés, vinculado à or-ganização não-governamental (ONG)

Instituto da Mulher Negra Geledés. A ação dosrappers tornou-se, então, mais descentralizada, eas temáticas condizentes com as características dolocal onde cada posse atua. Surgiram também in-centivos governamentais para o desenvolvimentodo hip hop como instrumento de socialização dojovem da periferia. Em Mauá, na Grande São Pau-lo, o Quilombo do Hip Hop, por exemplo, ofereceaulas sobre os elementos artísticos do hip hop. Oespaço para que as oficinas aconteçam foi cedidopela Secretaria de Cultura e Esportes da cidade. ACasa do Hip Hop, em Diadema, no ABC paulista,inaugurada em julho de 1999, é um dos centros cul-turais da prefeitura dedicado aos jovens. Lá acon-tecem oficinas de break, grafite, DJ e MC minis-tradas por precursores da cultura, como Nelsão eThaíde, que são funcionários registrados do cen-tro cultural, ou por outras pessoas que se desta-cam nessas áreas, como o grafiteiro Tota, de SantoAndré. O local abriga também o Museu do Hip Hop,administrado pelo auxiliar de obras Nino Brown,conhecido como “o antropólogo do hip hop” por pos-suir o maior acervo particular sobre o movimento.

O quinto elemento

ua 45, Cidade Tiradentes, zona leste, SãoPaulo. A polícia vive rondando a área atrásde traficantes. Inútil. Os grandes nomes

do tráfico nem passam por ali. Quem sofre os in-fortúnios são os moradores. O desempregadoFranilson de Jesus Batista, 28 anos, é um deles.Numa noite de sexta-feira, quando voltava do Ins-tituto da Mulher Negra Geledés, por volta das 21horas, passou na casa de sua mãe para pegar afilha recém-nascida. A noite estava fria e Franilsonenrolou o bebê num cobertor. Despediu-se de suamãe e desceu a rua para ir para casa. No local ha-via uma blitz e o policial, assim que viu o rapaz,apontou a arma em direção à cabeça de sua filha.Franilson não se conteve. “Aponta essa merda paraa minha cabeça. Quem está aqui é apenas umacriança.” Antes que a briga fosse armada, veio umtenente, negro como Franilson, e pediu para o po-licial parar. “Libera o rapaz. Você não está vendoque não tem nada aí?”

R

O quinto elemento55

56Hip hop – A periferia grita

Do outro lado do bairro, mais um negro temoutra história para contar. Seu nome é CláudioJosé de Assunção, 25 anos, morador da CidadeTiradentes há 16. Em outra noite, depois de che-gar do serviço, foi para a quadra do Clube de Es-porte e Lazer Cidade Tiradentes jogar basquetecom seu amigo Orlando. De repente, passou umamoto com dois homens e, atrás, uma perua. Elespararam e Cláudio ouviu um barulho de tiro.Quando olhou para trás, Orlando estava estiradomorto no chão. “Foi bala perdida.”

Morando em partes diferentes da CidadeTiradentes, Franilson e Cláudio tinham em comuma vontade de fazer um trabalho em prol do bairroe buscar uma maior qualidade de vida para seusmoradores. Queriam amenizar os principais pro-blemas da região, como a discriminação social e oracismo. O surgimento da posse Aliança Negra foio começo para a realização desse objetivo.

As posses são “associações locais de grupos dejovens rappers que têm como objetivo reelaborara realidade conflitiva das ruas nos termos da cul-tura e do lazer”, na definição do sociólogo JoséCarlos Gomes da Silva (1998). Em geral, reúnemgrupos de rap, breakers e grafiteiros que visam oaperfeiçoamento artístico dos elementos do hiphop e a divulgação dessa cultura de rua. De acor-

Cláudio (à esquerda)e Franilson, osresponsáveis pelaformação da posseAliança Negra.

do com Silva, por meio da organização de festas eatividades artísticas, esses jovens procuram nãose entregar aos efeitos nocivos da violência, dodesemprego e das drogas. Além da dimensão cul-tural, a ação política é um aspecto característicoda organização de uma posse. Festas e shows sãopromovidos em apoio às campanhas para arreca-dação de alimentos e agasalhos, prevenção da Aidse combate à violência e às drogas.

As primeiras posses surgiram na periferia, noinício dos anos 90, depois da extinção do Sindi-cato Negro, que reunia seus adeptos na PraçaRoosevelt. Hoje há várias espalhadas pelo Brasil.O grande número de adeptos do Sindicato Negroe as discussões internas ajudaram na formação daAliança Negra. “No Sindicato, um tirava sarro dooutro porque não tinha uma calça legal. Nós tí-nhamos porque a gente trampava, mas observá-vamos que outros com menos condições financei-ras sofriam. Se fôssemos levar o pessoal da Cida-de Tiradentes para lá, eles iam tirar barato. O me-lhor era mesmo se afastar”, conta Franilson.

Ele e Cláudio são os líderes da Aliança Negra.Antes de sua fundação, ambos já participavam domovimento hip hop, Franilson com a gangue (equi-pe) Conexão Break e Cláudio com o grupo CódigoMC’s. Eles se conheceram durante um concurso derap, no Clube de Esporte e Lazer Cidade Tira-dentes, organizado pelo selo independente CashBox. O evento reuniu mais de 30 grupos da regiãocom o objetivo de selecionar os oito melhores e pro-duzir uma coletânea. O grupo de Franilson foi se-lecionado e o de Cláudio, com apenas quatro me-ses de formação, ficou em nono lugar. Durante asdisputas, Franilson e Cláudio se conheceram e de-cidiram, com outros jovens, fazer um trabalhomais sério voltado para a comunidade. O primeiroencontro com esse objetivo aconteceu na EscolaMunicipal Dr. José Augusto César Salgado, com apermissão da diretora. Outras reuniões acontece-ram no mesmo local e delas surgiu a posse Atitude

As possesreúnem grupos

de rap,breakers e

grafiteiros quevisam o

aperfeiçoa-mento do hip

hop e a suadivulgação.

O quinto elemento57

58Hip hop – A periferia grita

Acima, integrantes daposse Aliança Negra,que organiza projetosna comunidade daCidade Tiradentes.No detalhe, capada coletânea de rap“Aliança Negra”.

Negra, que depois passou a se chamarAliança Negra.

O movimento foi crescendo e a co-letânea feita pelo selo Cash Box, quea princípio se chamaria Som nos pra-tos, recebeu o nome Aliança Negra.No entanto faltou organização paraque todos os integrantes continuas-sem ligados ao trabalho da posse.Com o fim da gestão da prefeitaLuíza Erundina, em 1992, a situa-

ção se complicou. A direção da escola não permi-tiu mais os encontros do grupo e os integrantesda posse começaram a se afastar.

Os principais engajados na posse se reencontra-ram em 1998 e a vontade de continuar os trabalhosinterrompidos ressurgiu. As reuniões da posse vol-taram a ser feitas no quarto em cima da garagemda casa de Cláudio e também durante alguns even-tos na escola, depois de nova troca da direção. Hoje,apesar de ter menos integrantes, a posse faz umtrabalho mais organizado. O primeiro projeto, acampanha “jovem no farol”, foi realizado em maiode 1998. Teve como objetivo chamar a atenção eesclarecer jovens e interessados sobre a questãodas doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)como a Aids. Foi planejado com base em uma pes-

Divulgação

quisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), em 1997, que apontou a Cida-de Tiradentes como líder em número de soroposi-tivos na capital paulista, além de possuir um altoíndice de gravidez precoce. Durante a campanha,os integrantes da posse paravam as pessoas no fa-rol da principal rua que dá acesso ao bairro parafalar sobre o assunto e dar um vale-camisinha. Comele, cada pessoa podia retirar suas camisinhas emuma das escolas que colaboraram com o evento eainda assistir às palestras sobre o tema. No total,foram distribuídas mais de dez mil camisinhas. Asatividades da Aliança Negra não pararam por aí.Em comemoração aos seus nove anos de existên-cia, completados em julho de 1999, realizaram umacampanha para arrecadar alimentos e agasalhos.

A Aliança Negra desenvolve ainda oficinas dedisc-jóquei, de mestre-de-cerimônias, de break ede grafite. Em 2000, foi reconhecida como organi-zação não-governamental (ONG). A posse tem ou-tros projetos, mas enfrenta vários obstáculos. Ape-sar dos mais de 300 mil habitantes, a CidadeTiradentes não consegue eleger sequer um verea-dor. Sem representação política, é mais difícilnegociar qualquer benefício para a comunidade.A falta de estrutura também dificulta a atividadeda posse, que não tem sede própria. “Queremosque a essência do hip hop seja praticada. O hiphop não é de esquerda nem de direita. É, antes detudo, cultura e ação. É isso que faz com que a gen-te continue”, explica Franilson.

Ao lado da Aliança Negra, a posse Conceitosde Rua foi outra pioneira. A atuação dessas duasposses, segundo Silva, foi fundamental para que omovimento hip hop se fixasse nas periferias deSão Paulo. Atualmente encontramos na cidadeposses que continuam a desenvolver ações relacio-nadas ao movimento hip hop, como festas de rua,protestos políticos e eventos artísticos. Em tornodessas festas reúnem-se os grupos de rap locais econvidados com o objetivo de se apropriar das ruas

“O hip hopnão é de

esquerda nemde direita.

É culturae ação.”(Franilson)

O quinto elemento59

60Hip hop – A periferia grita

com atividades voltadas para a cultura, o lazer eas ações antiviolência.

Com sede no Capão Redondo, zona sul de SãoPaulo, a Conceitos de Rua surgiu da iniciativa dejovens do bairro que queriam encontrar soluçõespara os problemas locais, além de trabalhar aautovalorização do negro. Os integrantes da Con-ceitos de Rua se reúnem desde 1989; a fundação daposse, entretanto, ocorreu somente no dia 13 dejunho de 1991, durante um evento no bairro. Erammais de 150 pessoas, entre elas integrantes dosgrupos DMN e Racionais MC’s, que participaramdo início de sua formação. Os encontros ocorriamna Escola Municipal de Primeiro Grau Levy de Aze-vedo Sodré. A rádio comunitária Trans Black atua-va em conjunto com a posse, recebendo os princi-pais grupos de rap da capital e divulgando o traba-lho dos grupos recém-formados. “A história da Con-ceitos de Rua é semelhante à da Aliança Negra.Reflete as dificuldades de organização do hip hop,conseqüentes, em vários momentos, da conjunturaeconômica. Muitas pessoas se desligaram da posselogo depois de entrarem para ela, pois achavam quena Conceitos de Rua teriam emprego. Os integran-tes faziam trabalhos nas escolas, palestras e even-tos, mas não recebiam. Faziam tudo de coração”,explica Kall, líder da posse Conceitos de Rua.“Como as pessoas precisavam de dinheiro, foramem busca de outras alternativas de vida. Muitosaté foram para o crime.”

Hoje a posse conta com 15 integrantes, que for-mam três bandas: Face Original, com dez anos decarreira, Z’África Brasil, com sete anos, e Conclu-são, com dez. “Somos o lado B da história. Não con-cordamos com tudo o que está aí”, afirma Kall. Paraele, a velha escola do hip hop buscava se informar,lia Malcolm X e livros de história. “Vários, naquelaépoca, até 1995, deixaram de desandar [entrar parao crime], mas hoje não se faz hip hop, só se faz rape esquecem dos outros elementos”, explica. Kall vaialém: “O hip hop acabou. Hoje só tem ritmo e crô-

Posse Conceitos deRua: shows para acomunidade e campa-nhas beneficentes. Aolado da Aliança Negra,a atuação dessaposse foi fundamentalna fixação domovimento hip hopnas periferias deSão Paulo.

nicas sociais. Dentro da nova escola, o cara esperaum outro morrer para fazer um rap, não se inte-ressa em estudar ritmos e fazer poesia”.

Na posse, os 15 integrantes estão desemprega-dos. “Os anos se passaram e nada mudou. Estamossem emprego, mas estamos tentando entrar parao círculo [o mercado fonográfico] que muitos ten-tam fechar. Porém, para sobreviver, não vamos‘cagüetar’ [dedar] a periferia, como fazem os ou-tros manos em suas letras de rap”, afirma Kall. “Éinevitável falar da violência. Mas é preciso terhiphoptude. Manifestar. Não esquecer a históriado povo, ser o que é. Falar da realidade, e não dadesgraça do outro. É preciso mostrar para as pes-soas que elas podem ter alternativas de vida quenão sejam o crime”, explica. Com seus amigos daposse, Kall faz do hip hop um meio de recuperar ede capacitar jovens da região. Porém, não tem ailusão de que na periferia, expostos a várias situa-ções violentas, os jovens não usem drogas ou par-tam para o crime. “O hip hop prega a paz. É a arteque imita a vida, mas nunca disse não às drogas.Toda química é droga. E as piores drogas são a TVGlobo, a falta de cultura e de lazer. O objetivo maiordo hip hop é o resgate da auto-estima e da culturanegra para combater a violência.”

A posse está retomando seu trabalho. Os rappersda Conceitos de Rua criaram oficinas de grafite ede música. Eles ensinam a arte hip hopper aosjovens, em escolas ou onde tiverem oportunida-

O quinto elemento61

Ale

x Sa

lim

62Hip hop – A periferia grita

de. “Tentamos levar a auto-estima, mas se a pes-soa vai seguir é escolha dela. Só o fato de, numaescola, durante uma apresentação, ver um garotoperguntar que nome tem o violão grande e o queestamos fazendo já é um retorno. O próximo pas-so é dizer que ele tem que estudar para tocar”,explica um dos membros do Face Original, Gallo.“Quando o cara põe a mão no disco e faz um som,prende a atenção de quem está por perto”, afirmaCabelo, do Z’África. É dessa maneira que os inte-grantes da posse tornam-se referência para os jo-vens do Capão Redondo.

A Conceitos de Rua é uma das fundadoras doProjeto Rappers Geledés. Já foi tema de documen-tários, como Ritmo, raça e poesia, realizado peloCentro Ecumênico de Documentação e Informação(CEDI); Strandat, do Instituto Goethe e da TV Edu-cativa Alemã; e Caminhos & parcerias, da TV Cul-tura de São Paulo. Está presente em atividadesem outras escolas e em centros educacionais, mes-mo aqueles do outro lado da cidade, como a Insti-tuição Gol de Letra, montada pelos jogadores defutebol Raí e Leonardo, localizada no bairro deVila Sabrina, no extremo norte da capital paulista.“A gente quer abrir o horizonte dessa garotada”,explica Kall.

Entre oficinas e palestras, os membros da pos-se também realizam shows para a comunidade efazem campanhas beneficentes. Em 1992, porexemplo, realizaram uma campanha do agasalhoem conjunto com a posse RDRN, no Ginásio deEsportes Jorge Bruder, em Santo Amaro, na zonasul da capital paulista. Também participaram doprojeto Rap...ensando a Educação, em que discu-tiram direito e cidadania, violência, gravidez pre-coce, Aids e política. Desde 1995 os grupos inte-grantes da posse recebem o apoio da Casa 10, en-tidade financiada pela Fundação Abrinq pelos Di-reitos das Crianças. Desde então desenvolvem oprograma Casa 10. Todos os sábados, uma turmade cerca de 75 garotos que estão em liberdade as-

“É preciso terhiphoptude.Manifestar.

Nãoesquecera história dopovo, ser o

que é.”(Kall)

sistida – uma das medidas socioeducativas pre-vistas no Estatuto da Criança e do Adolescente –freqüenta as oficinas dadas pela posse. O profes-sor é o DJ Meio Kilo, do Z’África Brasil. “Tenta-mos profissionalizar os jovens através dos elemen-tos do hip hop”, afirma Kall.

Da parceria com a Casa 10 surgiu a oportuni-dade de fazer um projeto com rappers italianospara mostrar o trabalho desenvolvido no Brasil.Todos os membros da posse se uniram, juntaramdinheiro, financiaram as passagens e proporcio-naram a ida para a Itália de três integrantes doZ’África Brasil, em junho de 1999. O grupo deupalestras em escolas, fez shows e tocou em igre-jas. Gravou a coletânea Intercâmbio cultural hiphop Brasil/Itália posse Conceitos de Rua, que ain-da não está à venda no Brasil, mas o dinheiro re-cebido com sua comercialização já tem destino:será revertido para trabalhos que a posse tem coma Casa 10. “Nosso sonho é montar uma sede, umaempresa que desenvolva trabalhos sociais. Os pri-meiros passos já foram dados”, afirma Kall.

“O objetivomaior do hip

hop é oresgate da

auto-estimae da cultura

negra paracombater aviolência.”

(Kall)

O quinto elemento63

64Hip hop – A periferia grita

O gangsta brasileiro

“Vai, vai, mata ele cara, tem que ser ago-ra, pega logo essa arma, cara, vê se nãodemora, pra defender minha área, meutrono, minha esquina [...] De uma pon-ta a outra, de Norte a Sul, que jogue oscorpos dos rivais entre os urubus [...] Omeu produto é a nossa fonte de alimen-tação, sobrevivência aos fiéis de sua áreairmão, não vendo crack, é mortal, dissoestou ciente, pois eu nunca gostei de per-der os meus clientes, dane-se quem acharque estou errado, a minha parte eu faço,derrubo uns, mas dou vida a outros.”

trecho reproduzido acima é parte da mú-sica “A minha parte eu faço”, do grupo Ci-rurgia Moral, do Distrito Federal (DF). Por

letras como esta, o rap do Distrito Federal é clas-sificado por artistas e pensadores da cultura hiphop como gangsta rap. O estilo tem a batida mais

OO gangsta brasileiro65

66Hip hop – A periferia grita

pesada e as letras falam de crimes relacionados adrogas, brigas entre gangues e violência policial.Ele foi predominante na década de 1990 nos Esta-dos Unidos, onde rappers como Tupac Shakur e TheNotorius B.I.G. difundiram um gangsta mais radi-cal do que o praticado no Brasil.

Em 1997, os dois rappers norte-americanos fo-ram assassinados. A geração deles, além de can-tar a realidade de um ponto de vista machista,era ligada a gangues envolvidas com o tráfico de

armas e de drogas, além de lavagem de dinheiro.O trecho de “A minha parte eu faço” também temsemelhança com a música “Da Game”, um dos su-cessos de Snoop Doggy Dogg, rapper californianogangsta. O refrão de “Da Game” diz: “Kill, kill,kill/ Murder, murder, murder” (Matar, matar,matar/ Assassinar, assassinar, assassinar). De-pois da morte dos ídolos do gangsta rap, Doggabrandou o discurso, temendo por sua vida. Hojefala para os fãs pararem de usar armas.

A equipe DF ZuluBreakers é umadas principaisrepresentantes dogangsta rap no Brasil.

No Distrito Federal, alguns grupos de rap dagravadora independente Discovery, criada em1994, difundiram a forma agressiva de se expres-sar no hip hop. “Se ser gangsta é falar a verda-de sem meias palavras, usando muito palavrão,então eu sou um gangsta”, afirma Rei, MC dogrupo Cirurgia Moral. O ex-apresentador doprograma Cultura Hip Hop da Rádio Culturado Distrito Federal e DJ da equipe DF ZuluBreakers, TDZ, entretanto, afirma que o rap deBrasília é diferente do gangsta norte-america-no: “Os xingamentos e as agressões às mulhe-res ditas vulgares (termo comum no rap dosnorte-americanos) não estão nas letras nacio-nais. O gangsta daqui fala muito sobre o tráficode drogas e os assassinatos de inimigos”.

A opção pelo gangsta no Distrito Federal deve-se também à ruptura da primeira formação doextinto grupo Câmbio Negro, que era compostapelo MC e compositor X e pelo DJ Jamaika. Osdois faziam parte da equipe DF Zulu Breakers,originada na cidade-satélite de Ceilândia. Com aseparação da dupla, em 1991, X ficou com o nomedo grupo e Jamaika com a “batida”. A DF ZuluBreakers teve mais de 50 componentes, mas, como rompimento entre dois de seus principais inte-grantes, ela acabou se dividindo: uma parte sealiou às idéias de X e outra às de Jamaika, quehoje segue carreira-solo. “O pessoal do DF prefe-re a batida mais pesada, que está na música do DJJamaika e de seus seguidores”, afirma TDZ.

A violência do discurso do rap do Distrito Fe-deral não está somente nas letras das músicas.Em 1998, o secretário de Segurança Pública deBrasília, Paulo Castelo Branco, chegou a proibira realização dos bailes de rap no Distrito Fede-ral. O motivo foi o assassinato de um rapaz du-rante uma festa. “A morte daquele cara durante oshow não foi a única que aconteceu. Uma parte damalandragem do DF, em sua grande maioria jo-vens com no máximo 20 anos e já iniciados no

O gangstarap tem a

batida maispesada e as

letras falamde crimes,

drogas, brigasentre gangues

e violênciapolicial.

O gangsta brasileiro67

68Hip hop – A periferia grita

mundo do crime, freqüenta os bailes. Conseqüen-temente, o encontro de facções rivais gera brigas”,acredita TDZ. Muitos bailes de rap migraram parao entorno do Distrito Federal, região constituídapor mais de 42 municípios localizados nos esta-dos de Goiás e de Minas Gerais. O líder da DFZulu Breakers, o b.boy e grafiteiro Sowto, afirmaque o “pseudo gangsta rap de Brasília” está per-dendo força, porque os bailes estão afastando aspessoas por sempre terminarem em briga. Segun-do ele, por esse motivo as letras dos rappersbrasilienses estão deixando de incitar à violênciacomo fazem os adeptos do gangsta.

Mais do que apenas uma adesão estética etemática, o gangsta do Distrito Federal refletecertas condições sociais e históricas. Em 1997, umapesquisa da Organização das Nações Unidas paraa Educação, Ciência e Cultura (Unesco) apontouque a violência aumentou mais de 700% no Dis-trito Federal no período de 16 anos. A pesquisafoi realizada com pessoas na faixa etária entre 14e 20 anos, pouco depois do assassinato do índioGaldino dos Santos, que teve o corpo incendiadopor um grupo de adolescentes. A análise dos da-dos da pesquisa sugere que há no Distrito Fede-ral um apartheid social. Segundo o levantamen-to, a maioria dos jovens do Plano Piloto não semistura com os das cidades-satélites. O DistritoFederal, encravado no estado de Goiás, foi incluí-do no mapa em 1960, quando Brasília foi cons-truída, e planejado essencialmente para abrigara sede político-administrativa do país. As limita-das e caras áreas residenciais de Brasília, basica-mente destinadas a altos e médios funcionáriosdo governo, comerciantes e profissionais liberais,não absorveram os cerca de 30 mil operários queforam trabalhar na construção da cidade, e muitomenos o grande fluxo migratório posterior. Pre-vistas desde o início justamente para servir demoradia para os trabalhadores menos qualifica-dos, as cidades-satélites hoje abrigam uma popu-

Para os jovensda periferiado Distrito

Federal, o rapé uma opçãode lazer e um

canal deexpressãoda revolta porse sentiremexcluídos.

lação composta por várias classes sociais. No en-tanto, o projeto não suportou a chegada demigrantes de todo Brasil, que foram desordena-damente criando novas cidades-satélites. Segun-do o relatório Gangues, galeras, chegados erappers – juventude, violência e cidadania nas ci-dades da periferia de Brasília, pesquisa mais re-cente encomendada pela Unesco e divulgada emagosto de 1999 (Lima e Araújo, 1999), cerca de 47mil jovens residentes nessa área estão ou já esti-veram em alguma gangue. Os dados informam quehá dois tipos de gangue no Distrito Federal: a depichadores e delinqüentes – que praticam peque-nos roubos e consomem drogas – e a de trafican-tes e assaltantes. Segundo a pesquisa, a falta deperspectivas, o ambiente violento e o desejo deser importante e de obter proteção empurram osjovens para as gangues. O levantamento apontaainda que, para os jovens da periferia do DistritoFederal, o rap representa tanto uma opção de lazercomo um canal de expressão da revolta por se sen-tirem excluídos.

A marginalização de parte da população doDistrito Federal se intensificou em 1993, porcausa de uma medida administrativa tomadapelo governo da capital do país. Foi executadoum programa de desfavelização de Brasília, quechegou a erradicar 61 favelas que cercavam acapital. Isso resultou em um cinturão de pobre-za ao redor do Plano Piloto. Cidades-satélitescomo Ceilândia e Taguatinga, que estavam numprocesso de desenvolvimento urbano e social,foram inchadas por uma massa quase miserá-vel. Mais de 100 mil famílias foram transferidaspara assentamentos, que hoje correspondem àscidades-satélites de Santa Maria, Recanto dasEmas e Samambaia. A realidade dessas cidades-satélites se encaixa no cenário geral de desor-ganização das sociedades pós-industriais metro-politanas. Nesse contexto, como observa a his-toriadora norte-americana Tricia Rose em seu

“Fazer letrasmostrando

o que é amarginalidade

e apresentandosaídas é umacoisa boa.Glorificar aviolência é

inadmissível.”(Gog)

O gangsta brasileiro69

70Hip hop – A periferia grita

artigo “Um estilo que ninguém segura”, publi-cado no livro Abalando os anos 90, “o hip hop dávoz às tensões e às contradições no cenário pú-blico urbano”. Ela afirma que “jovens nascidosna desorganização das sociedades pós-indus-triais metropolitanas identificam-se com o uni-verso do break, do grafite e do rap, fazendo des-sa produção cultural não só mais uma mercado-ria comercializável, mas também uma forma dereivindicação de espaço sociocultural”.

Apesar do cenário de caos social e urbano, háhoje muitos grupos no Distrito Federal que nãoseguem a linha gangsta. Os principais líderes daoposição são os rappers X, do Câmbio Negro, eGog. Em suas letras, eles falam da violência, damiséria, da discriminação e da marginalidadesem manifestar uma atitude condescendente coma criminalidade. “Fazer letras mostrando o queé a marginalidade e apresentando saídas é umacoisa boa. Glorificar a violência é inadmissível”,afirma Gog. X e Gog, segundo o DJ TDZ, fazemum som mais parecido com o de Nova York, umainfluência marcante na música dos rappers deSão Paulo. “O DJ Jamaika seguiu a linha de LosAngeles, que é a do gangsta, e o X e o Gog nãoqueriam seguir esse som do Jamaika, não só pelaquestão do gosto musical, mas porque os dois fa-zem oposição à linha gangsta, dominante aqui”,comenta ele.

É sobretudo por meio do break e do grafite, en-tretanto, que a ideologia de paz da cultura hip hopestá ganhando visibilidade no Distrito Federal.Isso ocorre no projeto Se Liga Galera, patrocina-do pela iniciativa privada. O b.boy Sowto tematuado nessa tarefa há dois anos, dando aulas degrafite. O objetivo do projeto é formar monitoresnas comunidades das cidades-satélites, discutin-do o significado de cidadania e ensinando ativi-dades artísticas, com oficinas de ritmos, teatro,artesanato, break e grafite. O projeto já atendeumais de 300 adolescentes da Ceilândia.

Filhos da fúria

uatro horas da manhã de um domingo. Umafila enorme de pessoas, a maioria delas mu-lheres, forma-se na avenida Cruzeiro do

Sul, no bairro de Santana, zona norte de São Paulo.Elas querem entrar na Casa de Detenção de SãoPaulo, uma das unidades que formam o Complexodo Carandiru, o maior conjunto penitenciário dopaís. Todos estão sujeitos à revista feita pelos fun-cionários do presídio antes de atravessar o portãode entrada. As mulheres têm de abaixar as calças eagachar. A brutalidade de normas como estas, cons-tantes no cotidiano de uma vida encarcerada, ins-pira os detentos a compor rap.

“O Carandiru é a veia do hip hop, porque aquise faz música. É aqui que você vai me encontrar,junto da realidade”, afirma Mano Brown. Ele já foia voz da Casa de Detenção, quando cantou “Diáriode um detento”, no CD Sobrevivendo no inferno,música composta em parceria com Jocenir, um“tiozinho” que cumpria pena na Casa de Detenção:

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“Cada detento uma mãe, uma crença/ Cada crimeuma sentença/ Cada sentença um motivo, uma his-tória de lágrima, sangue, vidas e glórias/ Abando-no, miséria, ódio, sofrimento, desprezo, desilusão,ação do tempo/ Misture bem essa química, pronto:eis um novo detento”. Jocenir não ficou só nessa

Certo dia, num meio de semana, ummano me convidou para ir até o cam-

po de futebol do pavilhão Dois dizendo-me que o líder de um grupo de rap queriame ver. Me falou que o cara tinha curiosi-dade em conhecer meus versos, já famo-sos entre os detentos do Carandiru. O com-panheiro acrescentou que o cara que que-ria me ver era Mano Brown, líder do maiorgrupo de rap do país, o Racionais MC’s.Não tive nenhuma reação de contenta-mento ou euforia, até aquele momento nãotinha muita referência sobre o rap e o mun-do que o envolve, o hip hop. Sou de umageração anterior a essa realidade e cresciouvindo rock e música brasileira, além dis-so, para mim a periferia era uma coisa dis-tante: seus dramas, suas peculiaridades,sua miséria, sua violência, só percebi deverdade quando estava cumprindo pena,pois a grande maioria dos companheirosvem da periferia. Entretanto sabia da ad-miração e do respeito que os presos culti-vavam pelo rap, em especial os mais jo-vens. Sempre ouvia falar do som dosRacionais MC’s, e sabia da identificaçãodaquela gente sofrida e condenada comMano Brown. Eram da mesma realidade.Ainda são. Ele é uma espécie de referên-cia para muitos jovens trancafiados emcelas. Algum tempo depois fui entender oporquê. [...]Coloquei em suas mãos dois cadernos, umde prosa, outro de versos. ImediatamenteBrown começou a folhear tudo com muitaatenção, parecia procurar algo que já sa-bia estar ali [...]. Depois de alguns minutosele se dirigiu a mim e pediu permissão paradestacar algumas folhas do caderno de

versos. Consenti. Não sabia que naquelemomento escrevia o meu nome na históriado rap nacional, e com um pseudônimo,dado sem querer por Brown, que escreveumeu nome de maneira errada; fiquei sen-do Jocenir. Nos despedimos com a promes-sa de contato.Depois de algum tempo fui transferido paraa penitenciária de Avaré. O tempo correu.Um ano após o encontro com Mano Brown,recebi uma carta de Erick dizendo quemeus versos tinham se transformado emmúsica, um rap, e que era sucesso [...] ti-nham até gravado um videoclipe da músi-ca no Carandiru. Embora eu me sentissefeliz, estranhava o fato de ninguém dosRacionais MC’s ter me procurado. [...]Em setembro de 1998 fui surpreendido coma visita do procurador do grupo, que a pedi-do dos integrantes me localizara e queriasaber como eu estava. No dia seguinte aocontato com o procurador, Mano Brown veiome visitar. Conversamos muito. Falamos so-bre a música e sua repercussão, falamossobre a cadeia, sobre versos, etc.Quando ganhei liberdade em novembro de1998, fui, acompanhado de minha esposae filhos, assistir a um show dos RacionaisMC’s na quadra da Escola de Samba Ro-sas de Ouro. Vi e senti o delírio dos jovensque também assistiam ao show quando ogrupo anunciou a música “Diário de umdetento”. Em certo momento, Mano Brownpediu para que eu subisse no palco, fui apre-sentado ao público e homenageado, rece-bi muitos aplausos. Fiquei emocionado.

Diário de um detento: o livro, de Jocenir.(São Paulo, Labortexto, 2001, p. 99-102)

Um visitante chamado Mano Brown

A foto do encarte doCD Atire a primeirapedra quem nuncaerrou, do 509-E,mostra a cela ondevivem os doismembros do grupo,cujo número deuorigem ao nomeda dupla.

parceria com Brown e em 2001 publicouDiário de um detento: o livro.

Outro dos mais de 7.000 homens que es-tão presos no Carandiru é o rapper AfroX, que, em parceria com outro detento, MCDexter, montou em 1999 o grupo Linha deFrente, atual 509-E. Antes de serem detidos, elesjá cantavam rap. Dexter participava do grupo Tri-bunal Popular, apadrinhado pelos Racionais MC’s.Afro X era rapper dos Suburbanos. Depois quese uniram na penitenciária, lançaram o primei-ro CD da dupla, Provérbios 13, em 2000, pela gra-vadora Atração. O nome da dupla faz referênciaao número do xadrez que dividem no Pavilhão 7.A idéia foi de outro companheiro de cela, Fun-ção. A produção do álbum foi feita por ManoBrown, Edy Rock – ambos dos Racionais MC’s –,DJ Hum e MV Bill. Mesmo cumprindo pena porassalto a mão armada a um banco, Afro X e

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Dexter destacaram-se por ter um de seus dis-cos muito elogiado pelos veteranos do rap, re-cebendo até o prêmio Hutus – criado pelo pro-dutor do selo Zâmbia Fonográfica, Celso Athayde

– de revelação do ano.“A gente está juntodos caras certos.Além disso, a gentesempre fala da verda-de, doa a quem doer”,justifica Dexter.

Afro X e Dextertêm o privilégio dedividir uma cela per-sonalizada. É equipa-da com um aparelhode som com capacida-de para três CDs euma televisão de 14polegadas. Eles tam-bém guardam livrosde temas diversos,entre eles uma bio-grafia do líder muçul-

mano Malcolm X, revistas de música, pôsteres demulheres nuas, fotos da família e dos Racionais.Duas cortinas fazem a divisão dos ambientes dacela: separam o quarto da cozinha e esta do ba-nheiro. Na cozinha há um armário e um fogareirode uma boca. O banheiro tem um vaso sanitário eum chuveiro. A dupla pode, autorizada pelo juiz,sair da cadeia para fazer shows. Esse é um direi-to que também assiste a outros artistas do presí-dio, desde que acompanhados por um agente pe-nitenciário desarmado e seus produtores. Nemsempre a regra do desarmamento se cumpre: noFestival Millenium Rap, em janeiro de 2001, noParque Anhembi, em São Paulo, o 509-E chegounum camburão escoltado por policiais militaresque portavam escopetas. Segundo fontes não-ofi-ciais, essa conduta foi adotada devido à discussão

“Hoje estou livre (...)/Quinze anos mofando/Dentro de uma cela(...)/ Estou de volta nafavela/ Volto sossega-do/ Um simples José.”Trecho da música “Umsimples José”, deEscadinha, gravadaem seu CD Brazil 1 –Fazendo justiça comas próprias mãos,lançado em 1999.

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Escadinha, em foto doencarte de seu CD:“Não quero fazersamba para alegrar arapaziada, quero viverpela verdade, queroser convincente”.

que Afro X e Dexter tiveram com o deputado es-tadual Conte Lopes durante o programa Altas Ho-ras, exibido pela TV Globo.

Apesar do reconhecimento musical e da vanta-gem de uma moradiaequipada, a dupla deixaclaro, nas letras e na con-versa, que as conseqüên-cias de se viver no mun-do do crime são ruins.“No Carandiru é assim:você reza um pai-nossopara entrar e uma ave-maria para escapar”,afirma Afro X. “Viver noCarandiru não é fácil. Oideal é que se conheça al-guém, pois são 7.500 pre-sos que seguem regrasinternas. Não existe essenegócio de arrumar tretaà toa, quem morre aqui éporque deve. O cara podevir pra cá e fazer comonós, mas também pode sair um perito no crime”,afirma Dexter. Antes de serem presos e de fazersucesso com o rap, eles tentaram ser jogadores defutebol e sambistas, mas nada deu certo. “No dia-a-dia, a gente via os caras voltando com maleta dedinheiro e você não consegue ganhar nada nemestando empregado. Nessas horas é mais fácil fa-zer o mal do que o bem”, conta Afro X.

Para os autores do artigo “Os sons que vêm darua”, do livro Rap e educação, rap é educação,Amailton Magno Grillu Azevedo e SallomaSalomão Jovina da Silva, “é nos anos 90 que, pelanarrativa das letras de rap, os desajustados,favelados, ladrões, meninos de rua, detentos, ex-detentos, toda uma legião de deserdados da cida-de mais rica ao sul do Equador, deixaram de apa-recer apenas como vítima”. Segundo eles, tais per-

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76Hip hop – A periferia grita

sonagens passaram a mostrar que “têm humani-dade” nas letras e que podem ser protagonistasde suas histórias e memórias. Não foi à toa queum dos mais notórios presidiários do Brasil, fa-moso por suas fugas espetaculares, José Carlosdos Reis Encina, o ex-traficante Escadinha, queatualmente cumpre pena em regime semi-aberto,aderiu ao rap. “O muro é a fronteira do mundão/Tô livre em pensamentos e minha rima em ação”,diz a letra de “Barril de pólvora”, composta peloex-traficante e cantada pelos rappers do 509-E,no disco de Escadinha, Brazil 1 – Fazendo justiçacom as próprias mãos, lançado em 1999.

Condenado a 22 anos de prisão por assalto etráfico de drogas, Escadinha começou a comporrap na cadeia no final de 1997. Mandou cartas paraMano Brown depois de ouvir a música “Diário deum detento”. “Eu não sou formado na cultura hiphop, sou formado na rua, sou apenas um iniciante.Outro dia eu ouvi o MV Bill dizer que ele prega orap como se prega o evangelho, então eu me con-sidero uma pequena ovelha que muito vai apren-der com esse imenso rebanho. Talvez eu faça al-gum dia um disco com o Bezerra [da Silva], o Zeca[Pagodinho], o Almir Guineto. Só preto. Mas nãoquero fazer samba para alegrar a rapaziada, que-ro viver pela verdade, quero ser convincente”, dizEscadinha. Suas músicas foram interpretadaspelos Racionais MC’s, Marcelo D2, MV Bill, X, Xis,Dina Dee (do grupo feminino Visão de Rua), Cons-ciência Humana, Guerrilha Urbana, A-Mem eThaíde & DJ Hum. “Esses rappers me reacen-deram a idéia de solidariedade e, acima de tudo,a de continuar lutando pela coletividade, mesmoque a igualdade social seja uma utopia”, conta ele.“Nesse CD eu quis mostrar que mesmo atrás dasgrades os presos podem ser úteis. Apesar dos er-ros, somos humanos e merecemos uma nova chance.Existem centenas de presos com capacidade dedesenvolver muitas coisas importantes.” Nos 11anos de pena que cumpriu no Presídio de Segu-

“Chegou ahora manos,

dedo no gatilho[...]/ Custe oque custar,ninguém

vai meparar. Que

Deus meabençoe e meajude a voltar.”

(“Sem chances”,509-E)

Os Detentos do Rapforam pioneiros aolançarem um CD aindacumprindo pena naCasa de Detenção deSão Paulo.

rança Máxima Bangu 1, Escadinha garan-te que aprendeu a ter paciência, fé e a seconcentrar. “Temos acesso a todas as in-formações. Quem gosta de TV pode as-sistir. Pode-se ler jornais e livros, masnão posso negar que Jesus está por vir eo diabo já está aqui. Há dois mundos, odas pessoas livres e o meu. Os dois são selvagens,os dois são tiranos e cruéis. Quando eu sair domeu mundo vou me perder dentro do seu.” Quan-do terminar de cumprir sua sentença, Escadinhapretende se candidatar a deputado estadual. Elequer lutar pelo Morro do Juramento, no Rio deJaneiro, de onde comandou por vários anos o nar-cotráfico. Hoje tem uma visão diferente: “As dro-gas são uma das piores coisas a que a humanida-de teve acesso. Ela destrói, corrompe, mutila. Oproblema é que ela é tão desgraçada quanto a ca-chaça. São realidades que não há como frear, só seacabarmos com a corrupção, que é um mal muitomaior que qualquer outro. É o veículo para todosos males”. Ele continua: “De certa forma o narco-tráfico dá emprego, os envolvidos não são somen-te os profissionais da área, todos são dependen-tes de algum modo. Hoje eu não gostaria que omeu país crescesse dessa maneira”.

Embora o grupo 509-E e Escadinha tenham oaval da nata do hip hop brasileiro, eles não são osprimeiros criminosos a se aventurar nas rimas dorap. O grupo Detentos do Rap foi pioneiro ao lan-çar um CD cumprindo pena na Casa de Detenção.

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78Hip hop – A periferia grita

Formado hoje por Ronaldo Silva (MC Roni),Eduardo Fonseca (Do Rap) e Daniel Sancy, o gru-po já lançou dois discos pela gravadora Fieldzz:Apologia ao crime, em 1998, e O pesadelo conti-nua, em 1999. Todos compõem e são MCs. O DJ écontratado para os dias de apresentação. “Éramosviciados em drogas. Hoje somos chapados no hiphop”, diz Sancy. A história do grupo começou quan-do um amigo de Roni que “canta rap na rua” pe-diu uma letra a ele. Roni chamou Do Rap paracompor. Cantaram a música no pátio da peniten-ciária e Sancy disse que também compunha. Daíresolveram montar os Detentos do Rap. “OsDetentos foram uma referência, porque os carasfizeram sucesso rimando do xadrez. Então, se agente der um gás, também vamos conseguir”, afir-ma Dexter. Os integrantes dos Detentos do Rapnão gostam de falar dos delitos que os levaram àprisão e, até 1999, cumpriam pena no Pavilhão 4da Casa de Detenção – hoje desativada –, que emtese seria exclusivo para o departamento de saú-de, mas que, na realidade, abrigava presos que con-seguiam certos privilégios, como celas mais con-fortáveis, algumas até individuais.

O presídio do Carandiru, no entanto, não é oúnico celeiro musical do mundo carcerário. Ree-ducandos da unidade da Febem do Tatuapé, zonaleste de São Paulo, relatam a vivência no crimedentro e fora da instituição por meio do rap des-de 1999. O Projeto Realidade é uma parceria do

O Projeto Realidade,parceria do setor deprogramas especiaisda Febem com o grupode rap Jigaboo, iniciainternos com bomcomportamento nomundo do rap.

setor de programas especiais da Febem com o gru-po de rap Jigaboo. Cerca de 35 internos iniciaramesse trabalho, mas nem todos permanecem, porcausa das fugas e rebeliões. As idades dos partici-pantes, escolhidos pelo bom comportamento, va-riam de 12 a 21 anos. O projeto já rendeu a grava-ção da música “Realidade”, do CD As aparênciasenganam, do Jigaboo, lançado em setembro de 1999pela gravadora Virgin. Nela, os meninos dividem-se em MCs, coro e percussão. Os internos que es-tão no Projeto Realidade também fazem shows comos rappers. Além disso, os garotos que já cumpri-ram pena podem continuar no trabalho, ao con-trário de outras iniciativas que se encerram den-tro da Febem.

Para o veterano Thaíde, é importante mostrarpara os internos da Febem que hoje há outras ma-neiras de ganhar a vida. “Não é totalmente neces-sário ter de fazer um curso para ser profissional,sendo que muita gente não tem dinheiro para con-cluir. O cara que sai lá de dentro pode ser DJ, podeser um assistente de som, pode ser um MC, podefazer parte da comunidade e, acima de tudo, serútil”, afirma. “Não estou dizendo que todos lá den-tro vão ter um lugar no hip hop. O hip hop é quevai ter um lugar para aqueles que quiserem.”

“Televisãoexplora, láfora, ninguém

percebe/Rebelião deuibope, viroumanchete

[...]/ Somospresas

fáceis dasociedade.”

(“Realidade”, garotada Febem e figaboo

Jigaboo)

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80Hip hop – A periferia grita

O inimigomora em casa

PP: Apologia das Pretas Periféricas. Esseé o nome do grupo de rap formado pelasestudantes Luciene Silva de Oliveira, 20

anos, Tatiane Macedo da Silva, 19, e DéboraCristina Albino dos Santos Silva, 17. O grupo exis-te desde 1998 e, como tantos outros, ainda nãogravou CD. Mas essa não é a única batalha dasmeninas. Elas têm que enfrentar o machismo empelo menos duas frentes. Em casa, o problema é opai de uma delas, o “inimigo do grupo”, que é con-tra a participação da filha no mundo artístico. Tam-bém no universo do hip hop as meninas defron-tam-se com atitudes sexistas.

O APP luta pelas mesmas causas que a rappernorte-americana Lauryn Hill, a primeira mulhera fazer sucesso mundial com rap. Em 1996, com aregravação do hit de Roberta Flack, “Killing mesoftly”, do álbum campeão de vendas The Score,Lauryn marcou a entrada do hip hop à moda fe-minina no mercado fonográfico. Em seu último

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82Hip hop – A periferia grita

álbum, The Miseducation of Lauryn Hill, gravadoem 1998, ela fala de amor. Seus raps combatem omachismo notório do universo do hip hop, expressoem letras com ofensas às mulheres. No Brasil, ofenômeno do machismo se repete, o que pode serconstatado em músicas como “Mulheres vulgares”,dos Racionais MC’s, de 1992; “Garota sem vergo-nha-bitch”, do Doctor MCs, de 1992; e “Sexo frá-gil”, do Sistema Negro, de 1994.

Segundo o sociólogo José Carlos Gomes Silva,“o poder masculino no hip hop tem se expressa-do não apenas em termos quantitativos, mas fun-damentalmente através do discurso sexista”. Ahistoriadora e coordenadora executiva do Núcleode Educação e Formação Política do Geledés,Maria Aparecida da Silva, afirma em seu artigo“Projeto Rappers”, publicado no livro Rap e edu-cação, rap é educação, “que em defesa da supre-macia masculina no rap os garotos inventam umasuperproteção para as rappers”. De acordo coma autora, os rappers defendem a tese de que asgarotas não deveriam andar sozinhas à noite,nem mesmo carregar pesadas caixas de disco e,com isso, tentam afastá-las do rap. É muito maisfácil para uma menina ser breaker do que rapper.Para dançar, muitas vestem-se com roupas delycra, o que ressalta a forma física e, assim, sãoincentivadas pelos homens, independentementede suas performances.

O combate ao machismo é um tema freqüentenas letras dos grupos femininos. Na música “Nos-sos dias”, do disco Consciência black, de 1989, aMC Sharylaine questiona o poder masculino. “Dis-seram então que eu não podia cantar, que eu nãosabia fazer rima pra falar. Não ligue meu bem queisto é prosa e se tudo se renova, Sharylaine está atoda prova. A toda prova rap girl, rap girl”, diz aletra. Nela, a rapper expressa por meio da rima adesconsideração, por parte dos homens, à capaci-dade das b.girls de tornarem-se MCs. Em entre-vista ao Jornal da Tarde, em setembro de 1993

No mundodo hip hop, as

mulheres vêmconquistando

espaçosantes sóocupados

por homens.

O grupo de rapfeminino Visão de Ruaé o único, até omomento, a conseguiralgum destaquena imprensa.

(Fonseca, 1993), Sharylaine enfatizou olado machista do movimento. “A mulhernegra é discriminada duas vezes, por sermulher e por ser negra”, disse. A MCDanny Dieis aproveitou a mesma base damúsica “Mulheres vulgares”, dos Racio-nais MC’s, para responder à crítica do gru-po e compôs “Cara canalha”. A igualdadede direitos foi reafirmada pelas rappers do TheNight Girls, em “Mulheres lutadoras”, de 1994. Aresposta ao machismo também fica clara em“Codinome feminista”, música de Lady Rap parao disco Consciência black II, de 1993, que diz: “Nãoadmito que as mulheres sejam depreciadas por umhomem machista com a raça ameaçada. Mulheressem-vergonha, vacas são os adjetivos que elesacham legal. Esses nomes que agridem e ofendema sua moral. Quem precisa deles para sobreviver.Um homem desses não”.

Nos últimos anos tem crescido o número degrupos femininos, mas até agora nenhum deles setornou famoso. O único que conseguiu algum des-taque na imprensa foi o Visão de Rua, de Campi-nas, interior de São Paulo. Segundo Silva, “asmulheres ainda aparecem como backing vocal emgrupos mistos, distantes da condição de solistas”.Ele afirma ainda que “como disc-jóqueis (DJs), umaposição-chave no rap, a participação feminina é

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84Hip hop – A periferia grita

As garotas do grupoAPP (Apologia dasPretas Periféricas) jáfizeram mais de 40shows: para cantarsuas músicas têmque lutar contra omachismo no hip hop.

menos expressiva ainda”. Uma exceção é a DJQuetry, que tocou com Sharylaine. Hoje a rapperSharylaine está afastada do universo hip hop.Lady Rap, MC Chris e MC Regina, cujos nomestambém surgem como precursoras, dedicam-semais a apoiar os novos grupos e a organizar even-tos de hip hop. Elas continuam freqüentando aGaleria 24 de Maio, no Centro de São Paulo, e aONG Instituto Mulher Negra Geledés, sede doProjeto Rappers Geledés, onde é desenvolvido oprograma Femini Rappers. Esse programa visa es-timular as jovens negras à reflexão sobre gêneroe raça e à produção de atitudes críticas em rela-ção ao racismo e ao machismo. “Não há credibili-dade quando um integrante de um movimentolibertário como o rap faz parte da máquina opres-sora em vez de denunciá-la”, afirmou Chris ementrevista para o jornal O Estado de S. Paulo, emfevereiro de 1994 (Vallerio, 1994).

Nesse contexto dominado pelos homens, entre-tanto, as meninas do APP encontraram brechasno machismo e iniciaram sua trajetória apoiadaspor grupos amigos, como Atitude Letal, ApocalipseUrbano, Hall, Fator Ético. Fizeram mais de 40

shows, grande parte deles em Cidade Tiradentes,bairro onde moram. As letras do APP abordamquestões sociais, falam de amor e de Deus. As ba-ses das músicas vêm de discos sampleados poramigos, já que entre as garotas não há uma DJpara compô-las. Eles fazem isso como forma deincentivar as rappers. As três garotas se encon-tram com freqüência, mas para cada show vale oimproviso, porque quase nunca ensaiam – ou me-lhor, somente a cada três meses conseguem sereunir com esse fim. O problema é a falta de umlocal para ensaiar. O único disponível fica no bair-ro de Guaianases, também na zona leste de SãoPaulo, porém a mais de uma hora e meia de ôni-bus da Cidade Tiradentes. É a casa de um amigo,integrante do grupo A Tribo do Bate, que, gravaas fitas para as meninas divulgarem seus traba-lhos nas rádios comunitárias.

Segundo Luciene, do APP, muitas mulheres nãoingressam no mundo do rap com medo de não se-rem aceitas. “Muitas se consideram inferiores aoshomens”, diz. Para as mulheres que se atrevem aentrar no universo hip hop, a relação com o públi-co feminino também é conflituosa. “Rola um certociúme por parte das mulheres ao verem meninasda mesma faixa etária se tornarem o centro dasatenções.” A falta de solidariedade feminina é umaqueixa constante entre as garotas que se arriscamnesse mundo masculino. Andréa, integrante dogrupo Damas do Rap, em entrevista ao jornal Tri-buna da Imprensa em outubro de 1993, dá um de-poimento semelhante ao de Luciene: “Assim comoa maioria das garotas, começamos dançandocharm em bailes, e decidimos ir à luta, cantar rapsem medo do preconceito. Isso causa desconfortopara as outras” (Basthi, 1993). Luciene concordacom Andréa: “As mulheres, além de não se empe-nharem, dizem que grupo feminino não dá certo,que mulher só serve para ser backing vocal”.

Ela e as outras integrantes do grupo acredi-tam no sucesso do APP. “Fazemos tudo pensando

“Não hácredibilidade

quando umintegrante

de ummovimento

libertário comoo rap faz

parteda máquinaopressora em

vez dedenunciá-la.”

(Chris)

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no grupo. Se temos um dinheirinho é para com-prar alguma coisa para o APP”, conta Tatiane. Noentanto, é difícil juntar esse dinheiro. Tatiane tra-balha há oito anos na casa da tia, mas não temsalário fixo, recebe de 25 a 30 reais por semana.Luciene está desempregada e Débora trabalhacomo arrematadeira em uma fábrica de cuecas naCidade Tiradentes. Teria que finalizar mil cuecaspor dia para ganhar sete reais no final do expe-diente, mas tira menos que um salário mínimo pormês, porque o máximo que se consegue fazer emum dia são 400 cuecas. “Algumas coisas são difí-ceis, mas dá para superar”, explica Luciene, refe-rindo-se ao desemprego e aos problemas familia-res que enfrenta. O que importa para Luciene,hoje, não é mais a vida que leva com sua “quasefamília”, mas sim os seus sonhos de no futuro vero APP se tornar um grupo reconhecido e “ter umcantinho, nem que seja um pequeno apartamentona Cohab, na Cidade Tiradentes, mas que seja pró-prio para poder ter paz”.

Luciene, integrante doAPP: “Rola um certociúme por parte dasmulheres ao veremmeninas da mesmafaixa etária setornarem o centrodas atenções”.

A voz da favela

um sobrado de concreto, sem nenhumapintura interna nem revestimento acús-tico, localizado na favela Nossa Senhora

de Fátima, em Belo Horizonte, está a rádio co-munitária de maior audiência no país, a FavelaFM (104,5 MHz). Segundo dados não oficiais (oIbope inclui a rádio na categoria outras), a Fa-vela FM é a segunda rádio mais ouvida na zonasul de Belo Horizonte e a quarta na região me-tropolitana da cidade. Os internautas tambémpodem escutar os programas da rádio, quetem um site na rede mundial de computadores(www.radiofavelafm.com.br). No ar há 20 anos, ehá apenas dois legalizada, a Favela FM tem umahistória marcada por protesto, resistência e defe-sa da cidadania. As paredes são forradas porpôsteres e certificados, como os do Dia Mundialsem Drogas, da Organização das Nações Unidas(ONU), campanha na qual a Favela FM foi premia-da duas vezes pelo trabalho de prevenção ao uso

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de tóxicos que faz na comunidade. Um equipamentoitaliano de transmissão dá um toque de modernidadeao estúdio. A porta grafitada com o nome da rádiofica aberta o tempo todo – e a janela também. A vistade lá é orgulho de um de seus fundadores, o diretorda rádio, Misael Avelino dos Santos: dá para ver umamata fechada, que sobrevive no meio da favela e temo formato do mapa do Brasil. “Quem diz que osfavelados não sabem cuidar da natureza é porqueainda não olhou por essa janela”, afirma ele.

A história da Favela FM confunde-se com a dadivulgação do hip hop pelo país. Por muitos anosdesprezado pelos meios comerciais de comunica-ção, o hip hop encontrou nas rádios comunitáriasum microfone aberto. Devido à importância des-sas rádios, a Favela FM, por exemplo, é até citadaem uma das letras do grupo Racionais MC’s. Noinício de seu funcionamento, em 1981, a progra-mação somente ia ao ar à noite, com um transmis-sor ligado a uma bateria e um toca-discos a pilha.Santos conta que eles sofreram muito com a re-pressão da polícia porque, no início, a rádio nãoera legalizada. Eles começaram a conquistar aaudiência quando transmitiam sua programaçãono horário do programa A Voz do Brasil, entre 7 e8 horas da noite. “A voz do Brasil é o que a perife-ria tem pra dizer”, afirma Santos.

A história da rádioFavela FM se confundecom a da divulgaçãodo hip hop no Brasil.Na foto, a porta dasede da rádio.

Robson, apresentadordo programa Uai RapSoul, trabalha narádio desde os 6anos de idade.

Com um discurso marcado pela crítica políticae social, a Favela FM foi ganhando cada vez maisaudiência. Santos garante que o ecletismo é quefaz o sucesso da rádio. O programa Uai Rap Soulé um espaço reservado para o rap nacional. Qual-quer grupo interessado pode enviar um CD ouuma fita de demonstração – suas músicas certa-mente serão tocadas. O paraibano Casseano Pe-dra fez diferente: em vez de mandar uma fita, foilá conferir. Estava em Belo Horizonte para parti-cipar de um congresso da União Nacional dos Es-tudantes (UNE) e não perdeu a oportunidade devisitar a rádio. Chegou às 8 da noite, horário exa-to em que o programa de rap vai ao ar. Numa ruaestreita da favela, escura àquela hora da noite, ografite de uma parede alegrava o ambiente. Lá es-tava escrito: Rádio Favela FM.

Casseano estava deslumbrado e louco para can-tar seu rap. O menino Robson, de 14 anos, filho deNerimar Wanderley Teixeira, um dos fundadoresda rádio, comandava o Uai Rap Soul. Robson tra-balha na rádio desde os 6 anos de idade e hoje éapresentador e DJ. “Meu filho é cria do hip hop”,orgulha-se Teixeira. Com o olhar compenetrado ea feição séria, Robson escolhia o repertório e con-versava com os ouvintes, sempre interessados emsaber mais a respeito das atrações do programa.

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90Hip hop – A periferia grita

Quando a vez de Casseano Pedra chegou, ele nãoperdeu tempo em deixar seu recado. “Eu vou ten-tar mandar um som daqui porque a minha vidaestá difícil”, disse Casseano. “Mas quero mostrarpra todo mundo que na Paraíba também tem hiphop de raiz”, completou, antes de cantar: “A vidatá muito difícil/ O mundo tá piorando/ [...] Mas aculpa é de todos nós/ que votamos nuns safados”.

Assim como Casseano, vários outros rappersencontram espaço para se expressar e divulgarsua música nas rádios comunitárias. Para o an-tropólogo Tella, o papel desempenhado pelas rá-dios comunitárias é de extrema importância, prin-cipalmente se for levado em conta o fato de que osgrupos de rap montam seus próprios selos para aprodução de discos e somente essas rádios estãoabertas a reconhecer seu trabalho. Não se sabe aocerto quantas rádios comunitárias existem noBrasil. O Fórum Democracia na Comunicação es-tima que há cerca de 6.000 rádios comunitáriasou piratas no país, 2.000 delas somente na Gran-de São Paulo. A maioria dessas rádios, entretan-to, sobrevive na clandestinidade, o que não asimpede de prosseguir em seu trabalho de divul-gar os debates em torno de sua comunidade. E,quando a comunidade é de mais de “50 mil ma-

Manos do rap lotama Favela FM paradivulgar suamúsica e participardos debates.

nos”, o poder de comunicação dessas rádios é ain-da maior. Antes do lançamento do CD Sobreviven-do no inferno, em 1997, grande parte da mídia ofi-cial ainda não tinha se dado conta da dimensãodo hip hop, principalmente do rap, na periferiadas grandes cidades. Foi pega de surpresa pelofenômeno Racionais.

A distância entre a mídia e os rappers, entre-tanto, não é resultado de uma atitude unilateral.Por vários anos, muitos veículos de comunicaçãodiscriminaram o hip hop por associá-lo à violên-cia. Mesmo depois da metade dos anos 90, quandoa imprensa passou a destacar a atuação de rapperscomo “sociólogos da periferia”, muitos hip hopperspreferiram continuar à margem da mídia porconsiderá-la aliada do sistema que eles tanto com-batem. É o caso dos Racionais MC’s, que continuama evitar a mídia e a buscar seus próprios cami-nhos. Mano Brown alimenta uma velha aversão àimprensa. Nas raras entrevistas concedidas, mar-tela um discurso engessado. Em nenhum momen-to o líder dos Racionais MC’s dá abertura para serquestionado. E também é notícia por não quererdar entrevistas. Apesar de não divulgar, ManoBrown mantém um espaço para que os jovens doCapão Redondo, na zona sul da capital paulista,pratiquem os quatro elementos do hip hop e de-senvolvam outras atividades de lazer, como jogarfutebol. “Eu não preciso ficar falando para nin-guém as coisas que faço para o povo do bairro ondemoro. Os Racionais fazem muita coisa sim e nãoqueremos ficar divulgando. O que precisa é fazer,não é falar. Os Racionais não são como um grupode pagode que ganha muito dinheiro. Mas faze-mos tudo o que podemos fazer. Só não vou ficarprovando nada para ninguém porque não preci-so”, diz Mano Brown.

Mas essa não é a postura de todos. O veteranoNelson Triunfo, por exemplo, participou de diver-sos programas de televisão e fez a abertura danovela Partido alto, transmitida pela Rede Globo

“Microfoneaberto àpopulação/

programaçãoativa e

variada/ temaudiência

certa naquebrada.”

(“Revolução no ar”,grupo Kamykazy)

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92Hip hop – A periferia grita

de Televisão nos anos 80. “A imprensa é benéficapara o movimento desde que ela mostre a verda-deira cara do hip hop”, diz ele. O rapper MarceloBuraco, da Associação Cultural Negroatividades,concorda com Nelsão e por isso não quis partici-par do extinto programa H, da TV Bandeirantes,porque não aceitava a linha editorial do apresen-tador Luciano Huck. Sua conduta foi outra emrelação ao documentário O grito da periferia, di-rigido por Ricardo Lobo e transmitido pela TVCultura de São Paulo, do qual aceitou participar.“Os rappers têm uma relação bastante ambíguacom os veículos de comunicação e a indústriafonográfica. Sabem que necessitam deles tantopara divulgar os seus trabalhos como para conhe-cer o trabalho de outros manos”, afirma a sociólo-ga Maria Eduarda Araújo Guimarães no livro Rape educação, rap é educação.

O sociólogo José Carlos Gomes da Silva acre-dita que a inserção do hip hop, principalmentedo rap, na mídia é uma conquista. “O movimentohip hop teve que disputar um espaço, uma aber-tura na mídia e conquistá-lo. Pessoas que estãofora do contexto hip hop passaram a legitimar orap”, diz. Segundo ele, o prêmio que os Racio-nais ganharam da MTV com o videoclipe da mú-sica “Diário de um detento” é um reconhecimen-to da mídia. “Ninguém discute mais a qualidadedo trabalho do Brown, se é música ou não”, diz.Silva faz questão de ressaltar que, apesar de orap lidar com a tecnologia que está na mídia, eledá sentido específico para essa tecnologia e aadapta ao seu contexto: “O rap usa os mesmosmateriais com que a mídia trabalha para falar deoutro assunto e não daquilo que a mídia está di-vulgando”. Já para Maria Eduarda Guimarães, aexpansão do rap só foi possível devido à indús-tria cultural – pelos discos, videoclipes e a modados rappers –, que potencializou e ampliou asvozes vindas da periferia, como profetiza na mú-sica “Home invasion” o rapper norte-americano

“A voz doBrasil éo que a

periferia tempra dizer.”

(Misael dos Santos)

Ice-T, quando diz que os negros vão tomar os la-res dos brancos pelo rap.

No Brasil, algumas rádios oficiais vêm abrindoespaço para o hip hop. Na capital paulista, porexemplo, quatro delas têm programas dedicadosao hip hop: a 105 FM, a Transcontinental, a Im-prensa e a RCP 99,7. O programa de rap mais an-tigo, o Rap Brasil, surgiu no início dos anos 80, naMetropolitana FM. A black music também é tocadaem casas noturnas freqüentadas pela classe mé-dia paulistana que dedicam noites ao rap e ao funk.“Apropriado pela indústria cultural, o rap tam-bém se apropria dela para garantir espaço paraas denúncias e propiciar que outros grupos sociais,além dos próprios produtores, possam fazer par-te desse mundo rapper, ainda que, em alguns ca-sos, apenas como estilização ou moda”, diz MariaEduarda. Segundo ela, “seguindo o caminho daglobalização, nos moldes do que aconteceu com oreggae, que se universalizou não só como música,mas também como atitude de caráter político, orap criou um estilo de ser e de se vestir que iden-tifica seus adeptos em qualquer lugar do mundo”(Guimarães, 1999).

A televisão é uma das grandes responsáveispela divulgação do estilo de se vestir criado pelorap, no qual seus simpatizantes são imediatamen-te identificados pelos agasalhos, bermudas largas,tênis e camisetas com frases ou estampas de líde-res e músicos negros, além, é claro, da bombeta(boné). No Brasil, a TV foi o último meio de comu-nicação a se render ao fenômeno rap. A TV Gaze-ta, de São Paulo, com o programa Clipper, é umdos poucos canais de televisão que abrem espaçopara os manos. Alguns rappers também têm feitoaparições-relâmpago em programas de maior au-diência, como o Planeta Xuxa, da Rede Globo, emque grupos famosos como Sampa Crew já se apre-sentaram. A MTV, que tem a programação trans-mitida por antena UHF, produz o Yo!, apresenta-do por Thaíde. Na mídia impressa, o hip hop nacio-

O rap utilizaa tecnologia

que está namídia, maslhe dá umsentido

específicoe a adapta aoseu contexto.

A voz da favela93

94Hip hop – A periferia grita

nal ganha espaço em revistas segmentadas comoRaça, Rap Brasil, Som na Caixa e Revista SB, en-tre outras. No extinto jornal Notícias Populares,de São Paulo, DJ Hum assinava uma coluna. E naRevista da Hora, encartada no jornal Agora SãoPaulo, Thaíde faz uma colaboração semanal.

Os rappers também estão se aventurando pelainternet. São centenas de páginas pessoais que di-vulgam a história do hip hop, grupos e letras derap (veja lista na página 155). Uma de grande des-taque é a da revista virtual Hip Hop na Veia, edi-tada pelo rapper Tio Duda.

O hip hop também é tema de documentários.Um dos episódios da série Life, da BBC World,chamado The posse, foi filmado no Brasil. Em 2000,três outros documentários tiveram repercussão:O rap do pequeno príncipe contra as almas sebo-sas, de Marcelo Luna e Paulo Caldas, Vinte/dez,de Francisco Cesar Filho e Tata Amaral, e Uni-verso paralelo, de Maurício e Teresa Eça. Todosmostram o rap como meio de expressão da popu-lação que vive na periferia das grandes cidades.O rap do pequeno príncipe contra as almas sebo-sas ganhou o Prêmio GNT de Renovação de Lin-guagem no festival É Tudo Verdade, foi destaqueno 4o Festival de Cinema do Recife e vencedor doPrêmio de Público no 2o Festival Internacional deBrasília. “O filme está servindo como uma janelapara que as pessoas percebam as ruas e enten-dam a violência urbana”, afirma Luna. O cineastaHelvécio Ratton, diretor de A dança dos bonecos,O menino maluquinho e Amor & cia., está rodan-do um filme com o título provisório Uma rádio nafavela. Será uma ficção baseada na história da rá-dio Favela FM, que se passa em três tempos (20anos atrás, 15 anos atrás e no presente). Rattonpretende retratar a trajetória do movimento ne-gro no Brasil e a visão de entusiastas do rap, dobreak e do grafite.

A mão queaperta o spray

mente que concentrava criatividade tinhatambém de controlar a vontade de arrumarbrigas. Quando perdia o controle, Tinho, de

25 anos, entrava em pane. Ia em busca de “paradasfortes” (drogas) para descarregar a tensão. Forammomentos de muitas alucinações até conhecer, aos15 anos, o grafite e, por meio dele, poder liberarparte de sua adrenalina. Sair para grafitar era uma“sensação divina”, segundo Tinho. “De repente,chega a polícia ou as pessoas param para olhar”,diz. Ele conta que, quando conheceu o movimentohip hop, na época em que andava pelas ruas entreas estações São Bento e Luz do metrô, ponto deencontro dos adeptos da cultura hip hop, sentiu-seum “geraldão”. Ainda era dependente de tóxicosquando passou a fazer parte de um movimento quediz rejeitar essas substâncias.

Tinho começou a usar drogas aos 12 anos. Con-sumiu maconha, cocaína, crack, ácido, ecstasy,solvente, cola, lança-perfume, calmantes e estimu-

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96Hip hop – A periferia grita

lantes. Tinha pouca idade, mas achava que sabiatudo. O que mais queria era fazer parte da “turmada pesada”, não só por amizade, mas para dizer“eu sou fodido, brigo mesmo”. Ele nunca se drogousozinho. Com os amigos ia para as baladas, ondeusava drogas. Tinho e seus companheiros torna-ram-se punks e, como diversão, arrumavam tretacom skinheads. Alguns amigos dessa fase morre-ram, outros foram presos, outros casaram e mu-daram de vida. Tinho preferiu entrar para a tor-cida organizada do Palmeiras, a Mancha Verde,só para brigar. Freqüentou a torcida por poucotempo porque logo depois conheceu o grafite e neleencontrou uma forma de expressar suas angús-tias sem precisar brigar. Continuou usando drogas,vício que deixou há pouco mais de um ano, quandose tornou evangélico. “Foi Deus que me tirou des-se caminho”, afirma. Hoje Tinho dedica muitashoras do seu dia ao grafite. O estilo que mais pra-tica é o free style. No geral, seus desenhos nãosão fáceis de entender. “Nos meus grafites, pro-curo passar mensagens relacionadas à infância,como alerta às coisas que eu fazia. Muitas vezesdormi nas ruas do Centro, nos guetos. Minha ga-lera morava na Sé e à noite ia para a Cracolândia”,

O grafiteiro Tinho,que trocou a violênciapelo spray, procurachamar a atençãoda sociedade paraproblemas sociaiscom seu trabalho.

conta ele, referindo-se à região do Centro de SãoPaulo que recebeu essa designação por concentraro comércio e o consumo de crack na cidade. Os gra-fites de Tinho estão espalhados em muitos pontosda cidade de São Paulo.

Chamar a atenção da sociedade para problemassociais, como Tinho faz, sempre foi um dos objetivosdo grafite. Sua origem é imprecisa. Uma das ver-sões mais aceitas é a de que o grafite teria surgidono final dos anos 60, nos Estados Unidos, como umaforma de protesto contra as condições precárias dogueto. Segundo o antropólogo João Lindolfo, daPontifícia Universidade Católica de Sâo Paulo (PUC-SP), que estuda o movimento hip hop, o grafite sur-giu em Nova York quando garotos pobres que viviamem bairros suburbanos pintavam os seus nomes efaziam bonequinhos nos muros e prédios abandona-dos da metrópole. Desde então ele passou a ser pra-ticado em outras cidades norte-americanas de mé-dio e grande portes, como Chicago e São Francisco.Logo conquistou Londres, Paris, Viena, Sydney e SãoPaulo. No começo dos anos 70, segundo Lindolfo, tu-ristas europeus começaram a levar para suas cida-des a notícia de que em Nova York ocorria um fenô-meno nas estações de metrô. Os viajantes viam ga-

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Trabalho dografiteiro Jeca.

98Hip hop – A periferia grita

rotos com uma lata de spray pintando os trens deuma forma nova, com diferentes formatos de letrase desenhos, fazendo do trajeto do metrô um diver-tido plano móvel. Esta arte entusiasmou os euro-peus, principalmente o italiano Cláudio Bruni, quepercebeu no grafite uma forma de expressão cul-tural quando seu conterrâneo Lee Quinones lheapresentou uma coleção de fotos com desenhosnorte-americanos. Quinones acreditava estar dian-te de uma nova forma de arte urbana, que não de-veria ser associada à marginalidade, e passou alevar os desenhos para exposições em galerias apartir de 1978, transformando o grafite numa dasmaiores exibições de arte pública.

Alguns grafiteiros também associam a origemda arte com o surgimento do tag. Segundo a educa-

dora Elaine Nunes de Andrade, foi em mea-dos da década de 1960 que os jovens dosguetos norte-americanos começaram a pi-char as paredes com seus nomes. Depois daapropriação do tag pelas gangues dos guetos,ele passou a constituir um código para a de-marcação de território. Um dos veteranosna arte foi o grafiteiro de pseudônimoPhase2, que, na Nova York do início dos anos70, criou painéis coloridos com o objetivode transmitir mensagens positivas, falan-do de paz e amor. Por esse motivo, muitos oconsideram o inventor do grafite.

Com o passar dos anos, o grafite norte-americano ganhou novos estilos, deli-neando-se com letras quebradas e garra-fais para chamar a atenção. Houve umaforte influência latina graças a artistasvindos de Porto Rico, Colômbia, Bolíviae Costa Rica. O artista plástico JeanMichel Basquiat, que nasceu em NovaYork em 1960, filho de uma porto-rique-

nha e de um haitiano, levou a vitalidade dessa artede rua para o fechado circuito das artes plásticasnova-iorquinas. Seu trabalho ganhou status de

“arte” pela primeira vez em 1981, quando suas te-las grafitadas participaram da importante mostraNova York/Nova Onda. Basquiat expressou o quesentia sobre ser negro e ser um artista na cidademais cosmopolita do mundo, justamente na épocaem que seu estilo caribenho, intenso e sensual, ga-nhava reconhecimento pelos críticos e formadoresde opinião da cidade.

No Brasil, mais precisamente em São Paulo, oprimeiro nome de destaque no grafite foi o do ar-tista plástico Alex Vallauri. Ele divulgou a artedo spraycanart. Antes existia apenas o grafitestencilart. Vallauri era de classe média e tinhaacesso ao spray. O spray é a tinta própria para ografite, mas tem custo elevado para o poder aqui-sitivo da maioria dos artistas de rua. Um grafitepode ser feito com apenas duas latas, mas em umatela colorida chega-se a usar mais de dez latas.Ou seja, mais de 100 reais por desenho.

Uma bota preta de bico fino, própria para per-nas bem torneadas de uma mulher sensual, apa-receu pelos muros da cidade de São Paulo, no fi-nal da década de 1970. Com esses detalhes come-çava a nascer a personagem que viria marcar a

Grafites do BecoEscola da Rua, na VilaMadalena. Acima,piece da Flesh BeckCrew. Na páginaanterior, um dosportais de Ciro.

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Exemplo de produção,grafite feita por váriosartistas.

história do grafite nacional: a Rainha do FrangoAssado. Foi com esse desenho que Alex Vallaurifirmou seu repertório de ícones pop e kitsch. Nas-cido na Eritréia, ex-Etiópia, em 1949, Vallauri, fi-lho de pais judeus italianos, viveu na cidade deAsmara até os 15 anos. Com a família, mudou-seprimeiro para Buenos Aires, onde o pai teve umantiquário e ele os primeiros contatos com mode-los nus na Escola de Belas-Artes. Mas foi nas ruasdo cais do porto de Santos, no estado de São Pau-lo, onde a prostituição proliferava, que o artistaencontrou inspiração para a personagem que vi-rou sua marca registrada. Vallauri, por sua expres-são e importância, coabitou o universo de outrosartistas como Basquiat. Em janeiro de 1999, eleganhou uma exposição no Museu da Imagem e doSom de São Paulo (MIS), e em 2001 uma nova ex-posição com 28 recortes originais de Vallauri foimontada em São Paulo, no Espaço de Artes Unicid.É possível encontrar registros de imagens deVallauri lado a lado com os grafites de Basquiatem Nova York, onde os dois artistas viveram.Embora os grafites de Vallauri, na década de 1970,

1 e 2: Gustavo eOtávio (os Gêmeos);3: Speto; 4: Vitché.Eles são alguns dosprincipais grafiteirosde São Paulo.

não fossem de contesta-ção, eram imagens di-vertidas e irreverentesque incomodavam oBrasil da ditadura. Porisso, ele teve várias pas-sagens pela polícia, fatoque nunca o incomodou.“Correr risco é próprio dequem opta por realizar ‘artepara todos’”, explicou o críticoPaulo Klein, curador da mos-tra no MIS, em entrevista aoJornal do Brasil em janeiro de1999. Hoje os trabalhos deVallauri praticamente desapa-receram dos muros paulista-nos. “As figuras vão, mas o personagem fica por-que Vallauri criou gerações de artistas seguido-res, que inclusive colaboraram na criação da Casada Rainha do Frango Assado, montada na 18a

Bienal, quando o artista já estava bem debilitadopela Aids, doença que o levou à morte em 1987”,afirma Klein.

O estilo spraycanart, divulgado no Brasil porVallauri, só veio a ser reconhecido oficialmente e aganhar espaço na gestão da prefeita Luíza Erundina,entre 1989 e 1992. Segundo Tinho, integrante da oldschool, muitos eventos públicos da cidade passarama incluir apresentações de grafiteiros. Entre elesestavam os de maior destaque: Gêmeos, Vitché,Zelão, Binho, Speto e Ciro. Além disso, “a prefeitu-ra pagava pelo trabalho e fornecia o spray”, lembraTinho. Encontros promovidos pela prefeitura pre-miavam artistas e, por isso, grandes painéis deco-raram importantes avenidas como a Paulista, aAmaral Gurgel e o túnel Nove de Julho.

A expansão do grafite durante a gestão deErundina foi fundamental para a consolidação des-sa arte na cidade. A grande adesão aos trabalhosiniciais formou uma nova geração de talentos, como

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102Hip hop – A periferia grita

Cobal, Jeca e as crews Etnias e Lado B, entre ou-tros, todos eles representantes ativos da newschool. Dessa forma, o grafite brasileiro acabousendo conhecido e muitos artistas de outros paísesvieram para cá. O intercâmbio de informações in-fluenciou grafiteiros estrangeiros, que se espanta-ram ao ver desenhos feitos com tinta látex dando omesmo efeito que os desenhados com spray. “Foiuma perfeita revolução da arte feita por nós, brasi-leiros”, explica Tinho. Mas a troca de conhecimen-to não parou por aí. Se o Brasil recebeu grafiteirosde vários lugares do mundo e, com eles, seus esti-los e características, também modificou a arte emoutros países, como na Argentina, onde a práticado grafite começou em Buenos Aires com artistasbrasileiros em viagem àquele país.

Apesar de uma lei municipal aprovada em 1995,na gestão do prefeito Paulo Maluf, que proibia acomercialização de spray na cidade de São Paulopara menores de idade e exigia o cadastro de com-pradores, o grafite não deixou de ocupar os mu-ros da metrópole. Muito menos a pichação. Em1996, a prefeitura anunciou que puniria os pro-prietários de imóveis pichados. Nem a lei nem tais

Trabalho da crewLado B, um dos novostalentos surgidos coma expansão do grafitena gestão de LuízaErundina na prefeiturade São Paulo. Napágina ao lado, acima,detalhe de um trabalhodos Gêmeos.

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punições vingaram. Pichar, ato muitasvezes confundido com grafitar, é um cri-me previsto na Lei Ambiental, com pe-nas de multa e de detenção de trêsmeses a um ano. O grafite, se for feitoem local liberado pelo proprietário doimóvel, não é considerado crime e, emalgumas cidades, como Barueri, naGrande São Paulo, é utilizado para lim-par a sujeira visual das ruas. Lá acon-tece o Projeto Tá Limpo, que contra-ta ex-pichadores para grafitar pré-dios públicos em troca de ingressospara shows de rap e da participaçãoem oficinas dedicadas à arte.

Já em São Paulo as pichações es-palhadas pelas ruas da capital chegaram a umaquantidade tão expressiva que, em 1999, o Minis-tério Público criou um Comitê Anti-Pichação. Ocomitê tem o projeto de desenvolver oficinas cul-turais gratuitas, com cursos de história da arte ede pintura. O programa segue os moldes do de-senvolvido em Barueri, onde os locais que foramgrafitados não sofreram mais pichação. É uma es-pécie de código de ética entre os pichadores, querespeitam a arte desenvolvida pelos grafiteiros.Com a expectativa de que esse código seja cum-prido, a atual prefeita de São Paulo, Marta Suplicy,pretende embelezar a cidade com grafites. Um doscolaboradores nessa ação será o ex-pichador eartista plástico Oswaldo de Campos Júnior, oJuneca. Ele propôs à prefeita um projeto que daránoções de cidadania e arte à população carente,usando como ferramenta principal o grafite.

O grafiteiro Jecaensina sua arte aalunos do ProjetoParceiros do Futuro,da Secretaria daEducação do Estadode São Paulo. Nestapágina, imagem dotrabalho finalizado,na Vila Industrial.

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Acima, grafite de Afro eNigaz. Na outra página,obra de Binho.

Todas essas iniciativas, entretanto, parecemnão diminuir a distância que há entre o grafite eas mulheres. Essa arte é essencialmente mascu-lina. O número de mulheres que fazem grafiteno país é ainda pequeno, para não dizer inex-pressivo. Na verdade, muitos consideram o pró-prio movimento hip hop machista, e o mesmovale para o grafite. Porém, na opinião de Tinho,“tanto para os precursores dessa arte como paraos novos artistas, a exclusão ou as diferenças nãosão feitas pelos grafiteiros, na maioria homens,mas pelas próprias mulheres”. Para ele, são pou-cas as garotas que têm coragem de se iniciar nessemeio. “Em geral, elas já querem começar por cima,sem errar. Querem ser melhores do que os ho-mens”, acredita Tinho. Ele diz que conhece mui-tas garotas que praticam a arte de rua, váriasdelas namoradas de grafiteiros. “Talvez isso acon-teça porque a mulher, namorando um artista,passa a ter mais coragem de entrar para essemeio. A mina mais famosa no grafite é a Nina e,coincidência ou não, ela é namorada do Otáviodos Gêmeos.”

Nem o desenvolvimento nem o tempo muda-ram o comportamento dos grafiteiros. Para a novageração, a adrenalina continua a mesma. “Perdi

Nina é uma dasrepresentantes dografite feminino.

o sono. Eram quase duas da ma-nhã. Estava na nóia de grafitar acaçamba do caminhão que tinhavisto em um terreno com o portãomal fechado, perto de casa, noi-tes atrás. Abri a janela. O friocongelava os ossos. Tive que fa-zer a adrenalina dormir com ografiteiro”, conta Jeca, um ga-roto de 18 anos que integra ogrupo dos novos artistas brasilei-ros, a new school. Para um grafiteiro, é muitodifícil ficar quieto. A regra geral é: o artista divi-de a energia entre grafitar muros em locais dife-rentes, dar saltos ousados nas pistas de skate edançar o bate-cabeça.

Jeca não fuma, não bebe, não usa drogas e estátentando se tornar vegetariano, o que, na sua opi-nião, é o mais difícil. As mensagens que passa hoje,em seus mais de 90 grafites espalhados por SãoPaulo, são todas de cunho social. Ele também fazgrafites comerciais na porta de oficinas mecâni-cas e cabeleireiros. Segundo o jornalista ArthurHunold Lara, em sua tese Grafite – Arte urbanaem movimento, “o grafite significava uma alter-nativa para os jovens deixarem as páginas poli-

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ciais dos jornais e configurava-se como ummeio de expressão artística e cultural comgrandes possibilidades. […] Olhando aquantidade de portas de oficinas e lojasdesenhadas pelos grafiteiros na perife-ria, pode-se ter uma clara noção da for-ça do movimento e de sua penetraçãonesses bairros”. Trata-se de uma formade profissionalizar a arte de rua, ou me-

lhor, de “comercializá-la”, como explica Jeca. Tra-balhos à parte, a adrenalina está em cada murografitado entre os becos da cidade.

Dois exemplos degrafites comerciais,de autoria de Jeca.

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Eles sóquerem ser felizes

ão 18h30min do último sábado do mês demaio de 1999. A dona-de-casa SimoneDuarte, de 28 anos, está muito ansiosa. Ela

acaba de voltar da Escola Estadual PadreAnacleto, no município de Santana do Parnaíba,na Grande São Paulo, onde assistiu às três filhasdisputarem um racha. Durante a disputa, a maisnova, Tatiane, de 7 anos, não se intimida diantede mais de 50 estudantes. Não faz nem um mêsque a menina teve contato pela primeira vez como break e já se contorce toda ao ritmo das palmasque marcam o tempo da música. Cada vez queentra na roda formada no meio do pátio escolarpara mostrar seus passos a platéia vibra. En-quanto as pessoas batem palmas, Tatiane circulaa roda, saltitando, para depois dançar break dian-te da equipe adversária. Do toca-fitas portátil saio som que faz a galera delirar. No pátio da esco-la, pais, alunos e curiosos se confundem. Todosestão interessados em participar daquele even-

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Eles só querem ser felizes107

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Tatiane (de bermuda)acompanha a aulade break.

to que reúne tantas pessoas e arranca muitosgritos. No comando da diversão estão algunsb.boys da equipe Jabaquara Breakers, responsá-vel por difundir o hip hop naquele municípiopobre da Grande São Paulo.

As filhas de Simone chamam a atenção porquesão as mais novas do lugar. E, talvez, as mais dis-postas. Das 12 às 18 horas não pararam de dançarum minuto. Tatiane e suas irmãs Taís, de 10 anos,e Bianca, de 8, assistem à aula de break dadapelo presidente dos Jabaquara Breakers, o b.boyMoisés, e durante o intervalo ainda têm fôlegopara ensaiar. Os olhos azuis das três garotinhasbrilham diante de cada novo passo que aprendem.Simone não pode deixar de admirar. “No começonão gostei muito dessa história de hip hop, mas éporque eu não conhecia. Agora vejo como issoé importante para elas”, acrescenta Simone,chacoalhando ao som do rap. Ela é uma verdadei-ra entusiasta do hip hop: cedeu sua casa para a rea-lização da primeira reunião dos Colinas Breakers,equipe que acaba de ser fundada pelos estudan-tes, com o apoio dos Jabaquara Breakers, e leva onome do bairro onde a escola se localiza. Simoneacolhe os jovens como que para uma festa: prepa-ra dois bolos de cenoura, batata temperada, tortade frango e refrigerante. Depois que o racha ter-

mina, quase todos os integrantes dos ColinasBreakers – 22 meninas e 28 garotos – vão para acasa de Simone organizar a equipe. Naquela noi-te, uma garagem comprida e estreita de uma mo-desta casa de dois cômodos é o local mais requisi-tado de Santana do Parnaíba. Não param de che-gar pessoas de todos os cantos da cidade. Há gen-te de várias idades.

A presença de uma equipe de reportagemda TV Globo, que havia estado em Santana doParnaíba uma semana antes para relatar o traba-lho dos Jabaquara Breakers, suscitou nos adep-tos do hip hop esperanças de serem reconhecidose, é claro, famosos. Depois que o programa GloboRepórter sobre o hip hop foi transmitido, os Coli-nas Breakers passaram a ser vistos com respeitoe confiança pela população da cidade. “Nunca fuitão conhecida”, festeja Simone.

O b.boy Moisés, líder dos Jabaquara Breakers,é tratado como um rei. Enquanto os integrantesdos Colinas estão sentados no chão, Moisés ficanuma cadeira, em posição de destaque. Ele dá di-cas de como organizar a equipe e alerta os jovensquanto ao comportamento que devem ter. “Vocêsvão ficar famosos e vai ter um monte de menini-nha querendo dar em cima. Daí é que vocês nãovão poder se achar os gostosões. É nessas horasque vocês têm de tomar mais cuidado e dar o exem-

O b.boy Moisés, líderdos JabaquaraBreakers, ensinaos passos do breaka uma aluna.

110Hip hop – A periferia grita

plo para os outros”, alerta Moisés. “O comporta-mento de vocês vai ter de ser o mais exemplarpossível. Um b.boy nunca deve beber na frente dosoutros e, cigarro, nem pensar.” No final de suaapresentação, Moisés abre o debate. Os integran-tes dos Colinas Breakers podem tirar suas dúvi-das, a maioria delas referentes a como planejar aorganização da equipe. “Vocês são a continuaçãoda nova geração do hip hop. É impossível fazer oque vocês fazem se estiverem drogados ou bêba-dos. Lembrem-se sempre disso”, finaliza Moisés.Depois ele e os outros presentes dançam breakaté as 23 horas, horário de saída da última peruade lotação que leva Moisés e a b.girl Vanessa devolta a São Paulo.

Moisés e os demais integrantes dos JabaquaraBreakers são b.boys “autênticos”, segundo a defi-nição da educadora Elaine Nunes de Andrade. Elaafirma que “todos os jovens do movimento hip hopsão b.boys desde que se comportem de determi-nada maneira. Se um jovem não conhecer a histó-ria do hip hop, não participar de um grupo orga-nizado e se não fizer um rap inteligente, pode atéser um rapper para a sociedade abrangente, maspara a juventude hip hop jamais poderá ser consi-derado um verdadeiro b.boy” (Andrade, 1996).

Moisés é um modelo para os outros b.boys: nãofuma, não bebe, terminou o ensino médio e cum-pre seus compromissos. O conceito de b.boy de-fendido por Elaine é seguido à risca por ele. Se osintegrantes dos Jabaquaras Breakers são heróise modelos de comportamento para seus jovensseguidores, em outros ambientes o fato de essesgrupos organizados de b.boys serem constituídosem sua maioria por jovens negros, que se vestemde uma maneira própria e usam uma linguagemcifrada, pode causar reações de desconfiança emedo. No mesmo dia em que eram recebidos comtoda a deferência por Simone e os alunos da Esco-la Estadual Padre Anacleto, eles haviam passadopor uma situação muito comum quando um grupo

“Todo país quetiver hip hop

será bemmelhor tanto

para aperiferia

quanto paraas outrascamadas

sociais.”(Moisés)

Vanessa, dosJabaquara Breakers:b.girl autêntica euma das madrinhasdos b.boys dosColinas Breakers.

de b.boys anda pelas ruas. Trajados com calças demoletom muito folgadas no corpo, tênis de couroamarrado de forma que o cadarço fique bem visí-vel, camisetas largas e bombeta, os b.boys chamama atenção. Falam um vocabulário que só eles en-tendem e andam como se tivessem molas no cor-po. É uma mistura de saltitar, mas sem molejo,com movimentos robotizados, duros e bem mar-cados. Na estação Barra Funda do metrô, de ondepartiriam para a Lapa, e dali para Santana doParnaíba, os passageiros do trem e do metrô olha-vam meio desconfiados para os b.boys, como se elesrepresentassem uma ameaça a sua segurança. Osb.boys têm um comportamento diferente do da-quelas pessoas que circulam pelas estações. An-dam em grupo, vestidos de maneira semelhante,e movimentam os braços enquanto falam, apon-tando as mãos para a frente, como fazem os canto-res de rap durante os shows. Somente quando to-mam um lotação na estação de trem de Santana doParnaíba os integrantes dos Jabaquara Breakersnão causam tanta estranheza. O motorista da pe-rua já conhece os garotos, que fazem aquele mes-mo trajeto há quatro sábados seguidos.

A organização da equipe dos Colinas Breakersfoi precedida por uma série de palestras dadaspela equipe mais experiente dos Jabaquara, na ten-

Eles só querem ser felizes111

112Hip hop – A periferia grita

tativa de esclarecer dúvidas sobre sexo e apazi-guar a violência na escola. Utilizando um linguajarpróprio e de fácil compreensão para os estudan-tes, as b.girls Alessandra, Elaine e Vanessa fala-ram sobre a violência policial e a escolar, a expan-são das drogas, as crianças que vivem nas ruas esobre temas referentes à sexualidade. Muitas ve-zes, equipes como a dos Jabaquara Breakers con-seguem tocar em questões e atuar em áreas dedifícil acesso aos educadores convencionais. Ales-sandra viveu uma experiência desse tipo. Numaconversa sobre relacionamento entre pais e filhos,uma menina de 7 anos começou a chorar e saiu dasala. Alessandra foi conversar com a garota, que,sem conseguir desabafar, mostrou marcas no cor-po. As professoras já haviam notado que ela tinhaum comportamento diferente do dos outros alu-nos da escola, mas não conseguiam identificar acausa do problema. Sempre muito quieta e vesti-da com calça e blusa de mangas compridas, paraque os hematomas não aparecessem, a menina nãotinha companhia. Em uma festa que os JabaquaraBreakers promoveram na escola para apresentarseu trabalho e ter a aprovação dos pais, Alessandraconversou com a mãe da menina e descobriu queseu padrasto batia nas duas depois de beber. “Amãe dela não parava de agradecer o nosso traba-lho porque, depois que conversamos com a meni-na, ela começou a ter um comportamento diferen-te”, afirma Alessandra.

Depois que os Jabaquara Breakers começarama fazer seu trabalho, a escola não foi mais a mes-ma, garante a diretora Ivani Maria Braga. Segun-do ela, a evasão escolar e a violência diminuí-ram. Isso porque, para assistir às palestras dosJabaquara Breakers, os alunos têm de freqüentaras aulas e não podem levar advertências discipli-nares. “O que eles trouxeram para cá não é a solu-ção para todos os problemas da periferia, mas umaforma de amenizar essa situação”, afirma a dire-tora. O trabalho dos Jabaquara Breakers faz par-

“Dance emqualquer lugar/

mostre averdade sua/mas nuncase esqueçaque o break/

é umadança de

rua.”(Nelson Triunfo)

te de um projeto de cidadania que a escola im-plantou. Aos sábados, as portas do prédio são aber-tas para a comunidade, que tem acesso a uma qua-dra e muito espaço para se divertir. Ivani contaque, antes da atuação da equipe de breakers, aescola estava sendo depredada e muitas brigasaconteciam nesses sábados. A população da cida-de pediu até para que a escola fosse cercada porgrades. “Tivemos de cercá-la porque foi uma im-posição da prefeitura, mas acredito que a violên-cia piorou depois que tomamos essa atitude.”

“Com o hip hop, os manos acham pistas paraseguir, capacidade de se informar e desenvolvemtudo em forma de arte”, afirma o antropólogo JoãoLindolfo. As paredes da escola em Santana doParnaíba atestam essa afirmação. Um mês depoisque os Jabaquara Breakers começaram a desen-volver seu trabalho na região, o que se via estam-pado em cada muro da escola eram grafites colo-ridos em vez de pichações. “Aprendemos que nãovale a pena pichar porque fica feio, além de quealguém pode se enfezar e atirar na gente”, con-clui Paulo Afonso Cotas Barnabé, de 10 anos, alu-no da 5a série.

“As oficinasde hip hopapontamalternativas

para o futurode nossosjovens.”

(Ivani Maria Braga)

Eles só querem ser felizes113

114Hip hop – A periferia grita

Os quilombolasurbanos

ma roda de pessoas se forma em torno daIgreja Nossa Senhora dos Remédios, noCentro de São Paulo, próxima à estação

Santa Cecília do metrô. Quando o relógio marcazero hora do dia 13 de maio de 1999, mais de 250pessoas, a maioria negra, estão de mãos dadas,formando um círculo, como se estivessem abra-çando a igreja. Todas cantam em dialeto africanoiorubá. Esse é o último dos atos da Marcha pelaDemocracia Racial, realizada pela terceira vezna capital paulista. Entre os participantes estãomembros de entidades negras e da sociedade ci-vil. Rappers dos grupos DMN e Armagedon e in-tegrantes do Núcleo Face Ativa de Diadema e daposse Aliança Negra representam o movimentohip hop. “Os participantes do movimento hip hopdão uma grande contribuição para a juventude”,diz o padre Sérgio Bradanini, da capela SantoAntônio, pertencente à catedral da Sé. “Não é sóo discurso deles que chama a atenção, mas a for-

U

Os quilombolas urbanos115

116Hip hop – A periferia grita

Participantes da IgrejaNossa Senhora daBoa Morte depoisda Marcha pelaDemocracia Racial.

ma como é feito esse discurso, através da músi-ca, que atinge a todos com mais facilidade”, com-pleta. Assim como o padre, os demais organiza-dores da marcha consideram o movimento hiphop a mais jovem expressão da luta negra pelosdireitos civis.

As pessoas reunidas naquela noite queremchamar a atenção da sociedade para a condição

dos negros, que, em sua maioria, sãovítimas de preconceitos. A data é sim-bólica: segundo Conceição Santos, daPastoral Negra do Brasil, o ato foi fei-to em sua maior parte durante a noi-te do dia 12 de maio e não no dia 13 –data da assinatura da Lei Áurea, em1888 – porque, para o movimento ne-gro, não há o que comemorar nestedia. “A abolição formal da escravatu-ra não efetivou a verdadeira liberta-ção e constituiu-se em um passe li-vre para a marginalidade”, diz. Asmarcas da escravidão ainda perma-

necem na exclusão social e no preconceito: “Ondese encontram os benefícios da libertação?”, in-digna-se Conceição. “Condições de igualdade so-cial e plena democracia racial não existem”, afir-ma ela. Esse discurso confunde-se com os ideaisdo movimento hip hop. “Trazemos uma leituramoderna da luta da juventude negra contra o de-semprego e os 500 anos de exclusão do negro noBrasil”, diz Wilson Roberto Levi, membro doNúcleo Hip Hop de Diadema.

A luta à qual Levi se refere foi simbolizadanaquela noite por uma caminhada histórica peloCentro da cidade de São Paulo, passando peloslocais onde havia a maior concentração de ne-gros no século XVIII, como a região da catedralda Sé. O início da manifestação ocorre nas esca-darias da Igreja de Nossa Senhora da Boa Mor-te, local usado no passado como ponto de espe-ra dos negros que seriam mortos no chamado

pelourinho da liberdade, atual Igreja das Almasou dos Enforcados. Algumas mulheres, vestidasde baianas, lavam as escadarias em alusão àsnegras daquela época, que trabalhavam na cons-trução da igreja em troca da libertação de seusfilhos, irmãos e amigos.

Depois da lavagem das escadarias da Igreja daNossa Senhora da Boa Morte, o grupo de teatroNegro Sim apresenta em frente à igreja a peça Cas-tro Alves – um grito de liberdade. “É simples. Gritee lute por uma causa nobre. Aqui mesmo, nestepaís, um homem lutou pelo seu povo. Seu nome:Zumbi. E outro lutou pelo ideal de cidadão: Nel-son Mandela”, diz um dos atores. Embalados poressas palavras, os manifestantes se reúnem den-tro da igreja para a realização de um ato ecumê-nico. “O que vimos aqui foi um ápice religioso.Tudo isso para mostrar que se Deus é um só, porque os homens têm de ser diferentes?”, diz um dosrepresentantes da umbanda.

Segurando tochas e cantando, os manifestan-tes seguem a rota histórica. Passam ainda peloFórum João Mendes e pelo Pátio do Colégio, lu-gar onde São Paulo nasceu, até chegarem à Igre-ja Nossa Senhora dos Remédios para o abraço fi-

Os manifestantesquerem chamar aatenção da sociedadepara a condição dosnegros, em suamaioria vítimasde preconceito.

118Hip hop – A periferia grita

nal. “A importância dessa marcha é o resgate his-tórico e, além disso, das novas lutas que se suce-dem”, afirma o advogado Celso Fontana, mem-bro do Comitê Tilango para a Solidariedade deCandidaturas Negras. “Os jovens negros ligadosao movimento hip hop representam os quilombo-las modernos do ano 2000. Eles são os quilom-bolas urbanos da modernidade que lutam contraa falta de emprego e de escola”, analisa Fontana.Ele é um dos advogados mais requisitados pelosrappers processados por utilizarem como fundomusical bases sonoras de artistas famosos sempagar direitos autorais.

A educadora Elaine de Andrade faz uma aná-lise parecida com a do advogado. Ela considera omovimento hip hop o marco para a quinta fasedos movimentos negros brasileiros. SegundoElaine, a primeira fase foi marcada pelos quilom-bos e outras formas culturais de resistência à do-minação escravista, ainda durante a Colônia eparte do Império. A segunda teve como expoen-tes a imprensa negra e os grupos culturais doperíodo pós-abolição até 1930, quando se inicioua terceira fase, com a formação da Frente NegraBrasileira (FNB). A quarta fase começou com ofinal da FNB, em 1938, e a criação do MovimentoUnificado Contra a Discriminação Racial. Para aeducadora, o que difere o movimento hip hop dosmovimentos negros anteriores é a forma do dis-curso e o fato de ele ter nascido entre a popula-ção da periferia. Segundo ela, o rap facilita o en-tendimento da mensagem pelos adeptos do hiphop: “O discurso elitizado das entidades repre-sentativas do movimento negro não atinge a gran-de massa pobre dos negros” (Andrade, 1996). Deacordo com o sociólogo José Carlos Gomes da Sil-va (1998), os rappers utilizam um meio tecnoló-gico mais moderno e têm o poder de falar direta-mente para os jovens. “Os rappers falam de umjeito ágil e moderno de assuntos extremamentesérios”, diz Silva.

“Com aassinatura da

Lei Áurea, osnegros não

conseguiram aliberdade,

mas um passelivre para a

marginalidade.”(Conceição Santos)

A revista Pode Crê!,que circulou de 1991a 1994, foi o principalmeio impressode divulgação dohip hop nacional.

O surgimento de grupos como Public Enemy,no fim da década de 1980, marcou a transiçãodo hip hop como manifestação cultural para mo-vimento social nos Estados Unidos. Em 1990, osrappers do Public Enemy chegaram a afirmarque eram a “CNN negra”, por levarem informa-ção aos guetos. No mesmo ano, no Brasil, o mo-vimento negro e os rappers se unirampor meio da organização não-gover-namental Instituto da Mulher NegraGeledés. Um ano depois foi criado oProjeto Rappers Geledés. O projetotem como objetivo denunciar as desi-gualdades e conscientizar a popula-ção negra sobre as diferentes formasde exclusão social. Tem também afinalidade de estimular a atitudereivindicatória e a organização polí-tica dos jovens negros. O projeto contacom oficinas que visam desenvolverformas alternativas de capacitação profissionalque tenham um caráter preventivo para uma fai-xa etária da população que, pela sua condiçãosocial, se torna mais vulnerável a enveredar paraa marginalidade.

A revista Pode Crê!, editada entre 1991 e 1994,foi outra contribuição trazida pelo Projeto RappersGeledés. Segundo Silva, a revista tornou-se parteintegrante do movimento hip hop. No entanto, eleafirma que, “se conflitos entre a visão do movi-mento negro sobre a temática racial e a dos pró-prios rappers foram muitas vezes negociadas, nemsempre isso foi possível”. Para ele, o movimentohip hop continua a alcançar por meio da músicasegmentos da juventude negra em relação aosquais o movimento negro sempre teve dificulda-des: “As transformações produzidas pelo hip hopna auto-estima dos jovens da periferia têm sidopela estética ou estilo e por um tipo de discursoformalmente diferente da retórica política” (SIL-VA, 1998). De 1991 a 1993, o movimento hip hop

Os quilombolas urbanos119

Div

ulga

ção

120Hip hop – A periferia grita

também integrou outro projeto de caráter insti-tucional, o Rap...ensando a Educação, em parce-ria com a Secretaria Municipal de Educação deSão Paulo. Rappers dos Racionais MC’s e do DMNvisitavam escolas públicas e, com o apoio de gru-pos de rap das regiões onde as escolas estavamlocalizadas, promoviam debates sobre os proble-mas sociais dos jovens da periferia.

A socióloga Maria da Penha Guimarães, do Ins-tituto Negro Brasileiro, também acredita na efi-cácia do discurso hip hop. Penha, que participouda Marcha pela Democracia Racial, afirma que agrande conquista do movimento negro é a organi-zação e a liderança. Para ela, a manifestação foium exemplo de luta pela igualdade e pela atua-ção do negro na sociedade. “A participação de in-tegrantes do movimento hip hop na marcha foimuito positiva. Eles estão somando forças com osoutros movimentos negros e ganhando mais ba-gagem política”, afirma Penha.

O hip hop pode estar criando novos líderes po-líticos negros entre a juventude. Em maio de 2001,o rapper MV Bill fundou o Partido Popular Poderpara a Maioria (PPPOMAR), com apoio de artistascomo Ice Blue e Leci Brandão e de intelectuais como

Membros daAssociação CulturalNegroatividades,que concilia omovimento socialjovem com a parteartística do hip hop.

o geógrafo Milton Santos, falecido em junho de2001, e o escritor Paulo Lins.

A Associação Cultural Negroatividades, umaposse de Santo André, no ABC paulista, é umexemplo de envolvimento político. Para o rapperMarcelo Buraco, de 21 anos, a militância políti-co-social é um dos principais trunfos do hip hop.Buraco e os outros integrantes da Negroativi-dades são adeptos de uma “revolução social”.“Lutamos por um socialismo com a cara do Bra-sil, respeitando toda a sua pluralidade”, afirmaele. Buraco ressalta a importância de uma lutanão de raça, mas de classe. “Hoje é toda uma clas-se social, a do trabalhador, que está sendo mas-

MV BILL

Um sol que beira os 40 graus ergue-sesobre a praça da Cidade de Deus, um

conjunto habitacional grande o suficientepara ser um bairro independente de Jaca-repaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro.Os raios refletem na metralhadora preta queum jovem negro, magro, com pouco maisde 15 anos, segura firme. Ele vigia a entra-da da boca-de-fumo que funciona ali. Ou-tros adolescentes também estão alertas. Dolado de fora, crianças brincam na praça eentram e saem da boca-de-fumo. Na Cida-de de Deus, os dias são assim, e é de láque vem o rapper MV Bill, fundador e presi-dente de honra do primeiro partido políticonegro do Brasil. São imagens como essasque viram músicas e enchem de ritmo, poe-sia e violência as letras desse carioca, queresume em seu dístico MV o título de “Men-sageiro da Verdade”.

A Cidade de Deus é um dos marcoshistóricos da desigualdade social e racialno Rio de Janeiro. A favela foi criada paraabrigar os moradores despejados de ou-tras favelas na zona sul do Rio em funçãoda especulação imobiliária, que povoou osbairros residenciais cariocas com prédiosde alto padrão nos anos 70. Hoje, o cená-rio na Cidade de Deus é comandado pelo

tráfico de drogas. “Senti que precisava vi-rar essa situação”, afirma MV Bill.

O primeiro passo foi lançar o CD Trafi-cando informação, pela gravadora BMG.Esse disco é uma adaptação de Mandan-do fechado, que Bill produziu anteriormentepela gravadora independente Zâmbia, como acréscimo de quatro faixas. O nome fazalusão ao tempo em que Bill despertoupara o mundo do rap ao ouvir o som dediversos grupos norte-americanos e ver osvideoclipes na TV e optou por se desviardo crime e se engajar em outro tipo de guer-ra. “Não entendia a letra, mas com ovideoclipe fazia idéia do que diziam e sa-bia que podia fazer o mesmo para mos-trar a realidade em que vivemos”, contaBill, que passou a compor músicas e agravá-las em fitas cassetes. Ia para os bai-les negros do Rio, nos quais predomina-va o funk, e passava a sua fita escondidados seguranças das casas. “Eu, naquelaépoca, agia como um traficante, traficavapara passar informação.”

Em suas letras, MV Bill mostra que éum exemplo de quilombola urbano. Eleprega a paz e exibe a infelicidade da guer-ra do tráfico, das drogas, da violência poli-cial. A letra de “Traficando informação” (“Na

Os quilombolas urbanos121

122Hip hop – A periferia grita

minha casa, de madrugada, todo mundodeitado no chão com medo de bala perdi-da. Mente criativa pronta para o mal. Aquitem gente que morre até por um real [...] Setiver coragem vem aqui para ver”), porexemplo, é um retrato da favela que, sob ocontrole do Comando Vermelho Jovem, jáguerreou muitas vezes com outros morroscoordenados por outros líderes do tráfico.Porém, quando o rapper é questionado sea sua relação com o mundo do crime éapenas temática, ele hesita: “Não conside-ro criminoso o último traficante da escalado tráfico. Ele é apenas um instrumento parapassar a droga, não é um criminoso”.

Para Bill, não bastam os CDs e o reco-nhecimento do seu trabalho pela mídia, quelhe rendeu participações em especiais daMTV, no Free Jazz e no Rock in Rio. MV Billquer mais. Quer ser político, um “NelsonMandela”, como tem afirmado na impren-sa. Foi por isso que fundou o Partido Popu-lar Poder para a Maioria (PPPOMAR), queespera conseguir legalizar ainda em 2001.Bill e Celso Athayde, seu empresário e co-fundador do PPPOMAR, defendem partici-pação exclusiva de negros na nova agre-miação política. A exclusão do branco temexplicação para o rapper, que não quer ver

MV BILL (continuação)

sacrada”, diz. Ele é ligado ao Partido Comunistado Brasil (PCdoB), partido que organizou a ocu-pação das casas do bairro de Centreville, em San-to André, onde Buraco vive desde 1982, quandoo pai, que trabalhava como operário, juntou-se aoutros manifestantes para ocupar a área. Segun-do ele, a necessidade desses jovens filhos de ope-rários de se organizar é que deu origem àNegroatividades, sediada em uma casa empres-tada por uma simpatizante do movimento. “Coma Negroatividades conseguimos conciliar movi-mento social jovem com movimento artístico”,afirma Buraco.

Além de dançar e cantar, os jovens da Negroa-

“Nãoconsidero

criminosoo último

traficanteda escala dotráfico. Ele éapenas um

instrumento,não é um

criminoso.”(MV Bill)

seus direitos sendo defendidos a vida todapor brancos. E não considera essa atituderacista ou segregacionista. “Ver na televi-são um programa como Malhação, naRede Globo, com um elenco só de bran-cos, isso não é racismo? Ver a revista Ca-ras repleta de brancos ricos não é racis-mo?, mas ter uma revista como Raça, quefala dos negros, é racismo? Qualquer ati-tude negra será sempre racismo”, afirmouo rapper em entrevista ao Jornal da Tarde(Maria, 2001).

Dessa forma, Bill tem se tornado, maisdo que um líder, uma voz importante naperiferia, e sua ousadia tem sido alvo decríticas e de admiração. No videoclipe Sol-dado do morro, por exemplo, Bill mostrouuma criança com uma arma na mão e foiacusado de apologia ao crime. “Tudo aqui-lo foi para mostrar que, na favela, os jo-vens vivem como refugiados.” Bill acreditaque a omissão é um crime tão hediondoquanto o tráfico e por isso não deixa dúvi-das de que vai em frente com o seu parti-do, pois, como afirmou na entrevista aoJornal da Tarde, “o negro no Brasil, que émaioria, precisa deixar de ser exceção. Eisso só vai mudar quando ele tiver interes-ses defendidos por seus semelhantes”.

tividades têm acesso a livros de sociologia e so-bre a história do negro no Brasil. Os associados àposse discutem mensalmente questões raciais esociais. “Ensinamos aos jovens que temos de ca-nalizar nossa energia para o lado certo”, afirmaBuraco. “Se chega alguém aqui dizendo que queraventura, temos uma luta enorme para oferecer.Temos de lutar contra esse sistema, contra essaclasse que está nos oprimindo e colocando a dro-ga aqui para nos destruir”, diz ele. Buraco já foiexpulso de várias escolas por querer organizarmanifestações para democratizar o espaço esco-lar. Mas ele não desiste. “A única crença que te-nho é na luta coletiva.”

Os quilombolas urbanos123

“O hip hopnão é só um

movimento denegros. É a

manifestaçãode toda uma

classe socialmarginalizada.”

(Marcelo Buraco)

Ale

x Sa

lim

124Hip hop – A periferia grita

Ecos do passado & de-bates do futuro

Brasil teve a oportunidade de conhecer aovivo, em 1999, o criador do hip hop, o DJAfrika Bambaataa, quase 20 anos depois

que o break, o rap e o grafite começaram a apare-cer na paisagem cultural de São Paulo. As suasduas passagens pela cidade – em fevereiro paratocar na casa noturna Lov.e, na Vila Olímpia, nazona sul, e em agosto para participar do FestivalDuLôco: Cultura Hip Hop em Festa, que aconte-ceu no Sesc Belenzinho e no Sesc Itaquera, ambosna zona leste – sinalizam a importância da cultu-ra hip hop no mundo.

Durante o festival, Bambaataa disse compro-var a força do hip hop entre a juventude negra,seja brasileira ou norte-americana. “O Bronx [bair-ro de Nova York] é o lar do hip hop. Nós, que fize-mos a música sair dali, não gostaríamos que amúsica morresse ali. E isso não aconteceu. OsEstados Unidos influenciaram o resto do mundode uma maneira positiva e negativa. Hoje gosto

O

Ecos do passado & debates...125

126Hip hop – A periferia grita

DJ Afrika Bambaataa,o criador do hip hop.

muito mais do hip hop do Brasil do que do hiphop dos Estados Unidos, do mesmo jeito que gos-to mais do hip hop de Paris, da Alemanha, da Áfri-

ca do Sul ou da Ásia, porque sãoexpressões verdadeiras.” E apro-veitou para criticar o rap feito nosEstados Unidos, que, segundo ele,se afastou de suas origens rei-vindicativas e libertárias: “É re-petitivo, não combina ritmos,como faz o som brasileiro nas mú-sicas do Câmbio Negro, que usa orock e o soul”.

Em 1968, quando Bambaataacriou o termo hip hop, ele ensaia-va novos modos de fazer música –e novas formas de pensar a situa-ção dos negros na sociedade nor-te-americana. Os Estados Unidosviviam um período convulsionado:começavam a sofrer grandes der-rotas na Guerra do Vietnã e, nofront interno, os movimentos pa-cifistas contra a guerra e as lutaspelo cumprimento da Lei dos Di-reitos Civis se radicalizavam. Oassassinato de Martin LutherKing, naquele ano, provocou umaonda de conflitos inter-raciais em

mais de 130 cidades norte-americanas. O períodotambém foi marcado pela expansão dos PanterasNegras (Black Panthers), movimento criado em1966 com programa político baseado nas idéias dolíder comunista chinês Mao Tsé-Tung e que de-fendia o black power: poder para os negros de-cidirem os rumos de sua comunidade sem a in-fluência branca. Isso ficou conhecido como o fun-damento 4P: Poder Para o Povo Preto. Os Pante-ras abriram escritórios em todos os estados nor-te-americanos e estavam na linha de frente dosmovimentos pelos direitos civis, mas foram vio-

lentamente reprimidos pela polícia. Antes do iní-cio da década de 1970, a polícia havia fechado qua-se todos os escritórios dos Panteras e prendidovários de seus militantes.

A ação repressora, entretanto, chegou tardedemais. “A organização dos Black Panthers exer-cia forte influência entre os jovens negros, indi-cando-lhes a necessidade da organização grupal,da dedicação aos estudos e do conhecimento dasleis jurídicas”, diz Elaine de Andrade. Segundoela, boa parte dos valores defendidos pelos Pan-teras foram resgatados pelos membros do hiphop, principalmente no Brasil, para combater osabusos de poder exercido pela instituição poli-cial contra o negro.

Bambaataa convivia com outros jovens nas ruasdo Bronx, em Nova York, durante esse período dereivindicações e protestos. Ele propôs, então, queas gangues trocassem os conflitos reais pelo em-bate artístico, dando origem às emblemáticas ba-talhas de break. Em 1970, Bambaataa se associouao projeto Bronx River, uma divisão de umagangue de rua, a Black Spades, e começou a revo-lucionar a maneira de divulgar o estilo que vinhacriando: passou a organizar festas de rua (BlockParties) para a comunidade do Bronx.

Fanático por discos, ele ficou ainda mais inte-ressado em investir na criação do break-beat de-pois de ouvir o DJ Kool Herc tocar suas pick-upsem festas do Bronx, em 1972. Bambaataa percebeuque aquele instrumental criativo podia ser partede um novo estilo musical. Herc era imigrantejamaicano e de lá trouxe, além dos sound-systems,o modo de expressão verbal dos toasters da Jamaica– as saudações aos que chegavam à pista de dançaem ritmo entrecortado –, que seria o prenúncio daidéia do MC. Herc observava que as partes instru-mentais, os chamados breaks das músicas, agrada-vam aos freqüentadores das festas. Também des-cobriu que com dois toca-discos funcionando ao mes-mo tempo e dois discos de vinil iguais podia tocar

Em suasorigens, o hip

hop está ligadoao fundamento

4P: PoderPara o

Povo Preto.

Ecos do passado & debates...127

128Hip hop – A periferia grita

com a ajuda de um mixer o mesmo break sem pa-rar, regulando a sincronia sonora. Os garotos quedançavam nesses breaks ficaram conhecidos comobreakdancers ou b.boys. Outra grande contribui-ção de Herc à instrumentação musical da culturahip hop foi a técnica do scratch, que consiste emtocar os discos no sentido contrário ao do toca-dis-cos. O scratch é uma ranhura provocada pelo usoda agulha no vinil, em que o DJ faz o movimentoback to back (de vaivém) com as pontas dos dedos.Isso permite que ele selecione uma frase rítmicade efeito percussivo.

O DJ Grandmaster Flash, entretanto, foi quemaprimorou muitas técnicas da discotecagem doestilo hip hop, como a colagem, a sincronização ea mixagem de trechos de diferentes vinis. Alémdisso, criou a primeira bateria eletrônica do hiphop, que batizou de beat box. Grandmaster Flash,Kool Herc e Bambaataa faziam o papel de apre-sentadores ou de mestres-de-cerimônias nas fes-tas, entregando o microfone aos dançarinos paraque esses pudessem improvisar letras no ritmodo break. Nasciam, assim, os primeiros MCs. Alémdas técnicas de discotecagem, composição, vocaise dança, iam surgindo nas letras as temáticas e asidéias do hip hop: o estímulo à auto-estima da ju-ventude negra, a denúncia de sua exclusão cultu-ral e econômica do mundo branco, a necessidadede transformar sua própria realidade por meio daconscientização coletiva. Muitos participantesdas festas passaram a se reunir em torno dos ide-ais de paz propostos em 1973 por Bambaataa. Na-quele ano, ele fundou a organização pacifistaYouth Organizations (Organizações Jovens), queposteriormente recebeu o nome de Zulu Nation(Nação Zulu) e passou a ser a maior posse de hiphop do mundo, com integrantes espalhados porvários países.

Anos mais tarde, Bambaataa formou o grupode rap Soul Sonic Force. Com o conjunto, gravouseus principais clássicos, como “Planet Rock”, de

Hip hop:estímulo à

auto-estimada juventude

negra,denúncia

de suaexclusãocultural e

econômica,conscientização

coletiva.

1982, inventando o gênero electrofunk. O rap co-meçou, então, a ser divulgado como uma forma decantar, baseada no toast jamaicano, com letras ri-madas em cima de uma base musical. O electrofunkdeu origem a outros gêneros musicais, como o freestyle ou latin free style e o miami bass. “A primei-ra coisa que o mundo tem que entender é que foi omundo que deu o rap aos Estados Unidos, porqueos Estados Unidos são um caldeirão de misturasraciais”, diz Bambaataa.

O rap é um dos capítulos mais recentes de umahistória que se inicia no final do século XIX: a cons-tituição de uma identidade negra por meio damúsica. Segundo o antropólogo Marco Aurélio PazTella, a música teve papel preponderante comoforma de extravasar os sentimentos de revolta.“O grito (uma fala em via de se tornar um canto)foi a primeira forma musical encontrada pelosescravos para expressar suas emoções dentro docampo de trabalho. Por meio dele, o negro exte-riorizava seus sentimentos. Servia também comoforma de comunicação, inclusive nas ocasiões emque mensagens secretas tinham de ser trans-mitidas” (Tella, 1995).

Esse grito está presente numa das mais impor-tantes formas musicais afro-americanas, ospiritual. Criado no século XIX como uma formacoletiva e religiosa de expressão musical, deu ori-gem ao blues ao se secularizar e se individualizar,como mostra o historiador Eric Hobsbawm emHistória social do jazz. Blues e spirituals, por suavez, são a base do soul, o grande pai do rap. O soulresgatou o atributo de narrar histórias, de reve-lar emoções. Além disso, foi importante politica-mente durante os anos 60, nos Estados Unidos.Grandes estrelas do soul, como James Brown eMarvin Gaye, apoiavam abertamente o movimen-to dos direitos civis e adotavam atitudes e slogansdo black power.

No Brasil, a influência do soul também foi sen-tida, principalmente pelos rappers da velha esco-

O rap é umcapítulo

recente deuma históriaque se inicia

no séculoXIX: a

constituiçãode uma

identidadenegra

por meioda música.

Ecos do passado & debates...129

130Hip hop – A periferia grita

la do hip hop. Ela também es-tava na base da primeira ma-nifestação cultural visível dajuventude negra brasileira: omovimento Black Rio, nascidonos anos 70 em bairros do su-búrbio carioca como Catumbi,Realengo e Bangu. A principalinfluência artística e compor-tamental era James Brown,que em seus shows fazia deuma frase do ativista sul-afri-cano Steve Biko seu slogan:“Diga alto: sou negro e tenhoorgulho disso”.

O movimento Black Rio pro-moveu o resgate da identidadenegra brasileira nos anos 70, di-fundindo as idéias do blackpower nos bailes da época. O

grupo de nome homônimo ao movimento tambémcriou sons diferentes, adaptando batidas brasilei-ras ao funk e ao soul, e inspirou afro-brasileiros deoutros estados do país, principalmente de São Pau-lo. Nino Brown, “o antropólogo do hip hop”, donode um grande acervo sobre o tema no Brasil, foiuma dessas pessoas motivadas pela black music na-cional e pelos discursos dos líderes negros MartinLuther King e Malcolm X. Ele é o único brasileiromembro da Zulu Nation de Bambaataa. “Hoje o hiphop tenta fazer com que a periferia tenha auto-es-tima. Esse ensinamento foi deixado por Malcolm X,mesmo o hip hop tendo nascido muitos anos depois,com a Zulu Nation”, afirma Nino. “Eu também nãosabia quem era Malcolm X, não tínhamos informa-ção com a facilidade de agora. Mas os bailes nosinformavam.” Para Tella, o movimento black soulpaulistano, disseminado pelos bailes promovidosprincipalmente pela Chic Show durante os anos 70,tinha ligação com o Black Rio e influenciou toda aprimeira geração de rappers.

Nino Brown éconhecido como “oantropólogo do hiphop” por possuir umdos maiores acervossobre o tema no Brasil.

Divulgação

Outro nome de destaque da geração Black Rio éo do dançarino e compositor Gérson King Combo.Ele chegou a visitar os Estados Unidos, em 1969 eno ano seguinte, para “se doutorar no black”, comodiz. “Conheci James Brown, arranjei uma namora-da black e aprendi muito da sua cultura”, recordaCombo. “Eu perguntava o que era ser negro ameri-cano e ela me explicava que o negro americano ti-nha a sua razão para se revoltar, pois as pessoasnão podiam entrar em certos lugares, eram opri-midas, diferente do racismo daqui, que é menosdeclarado.” De volta ao Brasil, Combo começou adivulgar nos bailes blacks do Rio de Janeiro a im-portância da valorização da auto-estima do negro.“O nosso movimento black era, no meio da repres-são e da ditadura, um negro brasileiro, como eu,gritar que negro é lindo”, diz Combo.

Segundo ele, antes da existência dos bailesblacks, o negro se mostrava inferior, se apresenta-va mal vestido e se sentia humilhado. “Como hoje,o grito abafado do negro estava lá quieto e ele iapara um baile com aquela roupinha toda humilde ese restringia a um canto. Quando apareci, eu era ocara que sabia tudo de dança e aquele negrinho queficava no canto veio junto”, afirma ele. “O negrodeu um pulo, colocou um sapato de três andares edeixou o cabelo crescer, sem alisá-lo.” Segundo ele,essa cultura black representou um passo além, pois“o samba mantinha as pessoas marginalizadas”. “Osamba nunca perdeu sua majestade, mas ficava sóno morro. Em nenhuma festa que eu ia no asfaltotocava samba, diferente de hoje. Nós saímos daredoma e nos misturamos.”

Combo voltou à cena musical em 1999, incenti-vado pelos antigos fãs do soul brasileiro dos anos70. Autor dos hinos “Mandamentos black” e “Funkbrother soul”, é um dos artistas mais sampleadospelos DJs brasileiros. Bambaataa também colecio-na seus discos, lançados nos anos 70, hoje objetosraros. Em 2000, quando Combo participou da festaZoeira Hip Hop, que acontece todos os sábados na

“O hip hopfaz com que

o cara daperiferia tenhaauto-estima.

Essa é umaherança de

Malcolm X.”(Nino Brown)

Ecos do passado & debates...131

132Hip hop – A periferia grita

Lapa, no Centro do Rio de Janeiro, voltou a ocuparespaço nos cadernos de cultura. Em 2001 lançou oCD Mensageiro da paz. “O rap é bem mais inde-pendente e livre do que a velha escola black”, dizCombo. Segundo ele, o discurso não era tão radicalcomo o do hip hop. “A gente falava na música queera para evitar briga, para não chamar o outro defeio, porque a situação de violência era outra.”

Hip hop e o mercadoEmbora as diversas formas de música negra te-

nham relações estreitas com os movimentos deidentidade e de orgulho racial, no Brasil e nosEstados Unidos, e, portanto, um papel sociopolí-tico importante, isso não significa que elas este-jam fora do mercado, da mídia e da indústria cul-

Gerson King Combovoltou à cena musicalem 1999 e é um dosartistas maissampleados pelosDJs brasileiros.

Div

ulga

ção

tural. Entretanto, uma parte significativa das pes-soas que criam e pensam a cultura (ou movimen-to) hip hop trata tais assuntos quase como tabu.Manos e teóricos parecem preferir ignorar que orap vende milhões de discos pelo menos desde oestouro de “Walk This Way”, do Run DMC, em1988; que em 2001 o rapper branco norte-ameri-cano Eminem foi o principal vencedor do ultra-conservador prêmio Grammy e que, não fosse opoder de divulgação dos meios de comunicação demassa, as mensagens, os símbolos e as formas ar-tísticas do hip hop não teriam circulado pelo mun-do e, por exemplo, chegado ao Brasil.

O rap, assim como outros ritmos afro-norte-ame-ricanos, tem um sentido de resistência cultural. NaHistória social do jazz, Eric Hobsbawm explica, porexemplo, que “a paixão ou adesão do povo ao jazznão acontecia apenas porque as pessoas gostavamdo som, mas por ser uma conquista cultural de umaminoria dentro da ortodoxia cultural e social dasquais elas tanto diferiam”. Hobsbawn não aplicaessa tese ao rap no seu livro (a primeira edição bra-sileira é de 1989, mas a obra foi escrita nos anos60, portanto 20 anos antes do nascimento do hiphop), porém essa análise encontra ecos em estu-dos como o do antropólogo Marco Aurélio Paz Tella.Em sua dissertação de mestrado, Tella afirma: “[orap] deve ser principalmente compreendido comoresultado da apropriação de um patrimônio musi-cal simbólico da cultura afro-americana que poste-riormente foi internacionalizado através dos veí-culos de comunicação”.

Outro exemplo de raciocínio semelhante, maispróximo ao dos manos, é o ponto de vista do pro-dutor musical Milton Sales, um dos sócios da em-presa Racionais MC’s (ele muitas vezes já foi con-fundido como o empresário do grupo pela proxi-midade com os rappers). “O rap não é proprieda-de dos americanos. Tanto a música dos EstadosUnidos quanto a do Brasil são a soma de váriascoisas do mundo. Você pode falar que ele é pan-

O movimentoBlack Riopromoveu oresgate daidentidade

negra brasileiranos anos 70,difundindo o

black powernos bailesda época.

Ecos do passado & debates...133

134Hip hop – A periferia grita

africano, porque ele é uma fusão, que vem doreggae, que nasceu com os caras tocando naJamaica e que ouviam rhythm’n’blues de Miami.O som começou a se fundir, veio o ska, o rocksteady,depois o reggae. O scratch, por exemplo, surgiuantes na Jamaica”, afirma ele. “O rap é importantepra gente e para o mundo porque não é de ninguém,é uma mistura com as batidas que vêm da África,que os americanos começaram, inspirados nosjamaicanos, mas não é americano. É do mundo.”

A linhagem do rap esboçada por Sales é perti-nente, mas ele se esquece de notar que essas circu-lações simbólicas entre África, Jamaica, EstadosUnidos e Brasil são possíveis justamente pela di-nâmica de produção e divulgação geradas por e paraa indústria cultural. Portanto, não serve como pres-suposto para excluir o rap da indústria cultural etratá-lo como “a música que vai romper com adiáspora africana”, como propõe no discurso a maio-ria dos rappers. O rap se relaciona com a indús-tria, mesmo que muitas vezes busque formas deprodução, divulgação e circulação alternativas, quenada mais são do que subsistemas da indústria cul-tural. É o caso de Sales, que acredita que o rap éum produto, com a ressalva de ser “um produto ge-rado por um sistema de cultura”. De outra cultura,talvez, mas ainda assim como produto, que obede-ce a estratégias de marketing particulares.

O sociólogo José Carlos Gomes Silva explicaque historicamente o rap surge contra a indús-tria cultural, sem notar que está utilizando essadenominação como sinônimo de meios de comu-nicação de massa. “Em nenhum momento, no con-texto em que ele surgiu, a mídia esteve aberta. Omovimento hip hop teve de disputar um espaço,uma abertura da mídia e conquistá-la. Na verda-de, é um processo de disputa com a própria mídia,não é nem de conquista”, argumenta. Para ele,tomando como base o contexto norte-americano,esse é um dado fundamental no rap. Porém, essamesma música (e o que está em torno dela) de-

“O rap não épropriedade

dos americanos.Você pode

falar que ele épan-africano.”

(Milton Sales)

monstra, hoje, que não é avessa à indústria cultu-ral ou à mídia.

Um dos maiores fenômenos da música pop de2000, por exemplo, foi o rapper branco Eminem.Ele foi descoberto por Dr. Dre, um dos papas dogangsta rap, o subgênero mais rentável dessamúsica, e fez fama cantando raps de letras violen-tas. Em uma delas, “Marshall Mathers”, ele con-fessa odiar a mãe; em outra, “Kim”, faz alusões aodesejo de assassinar a mulher. A crítica musicalse divide entre considerá-lo irreverente e rebel-de (ele chegou a arrancar elogios de veículos re-nomados como o semanário Times) ou picareta emisógino. Mas público e mídia reconhecem: seudisco, The Marshall Mathers, vendeu mais de 10milhões de cópias e Eminem levou o prêmio demelhor álbum de rap de 2001 na festa do Grammy,que tradicionalmente indica as apostas da pode-rosa indústria fonográfica norte-americana. Ape-sar de ser um caso isolado e não representativode todos os vários e distintos universos do rap,Eminem põe em questão algumas das contradi-ções que envolvem o gênero. Se num primeiro mo-mento o rap disse não, hoje mídia e indústria pre-cisam do rap – e o rap precisa delas.

O caso norte-americano, em que de fato o rap éum dos gêneros musicais de maior sucesso, é re-lativamente assimilado, pelo menos por um estu-dioso como Silva, que admite: “No contexto norte-americano, o rap foi incorporado pela sociedadenorte-americana e reinterpretado. Ali, a música,a produção cultural negra, foi incorporada, ape-sar de ser uma sociedade bastante segregada. Háhistoricamente, naquele país, um tipo de releiturada cultura negra. Foi assim que o hip hop ganhoua mídia norte-americana”. Já em relação ao Bra-sil, o discurso sobre as relações do rap com a mídiae a indústria cultural tende a ser mais militante.

Tome-se o caso dos Racionais MC’s, tal comorelatado por Milton Sales, o “quinto homem” dogrupo. Foi ele quem aproximou Mano Brown e Ice

O rap serelaciona

com aindústria,mesmo que

muitas vezesbusqueformas deprodução,

divulgação ecirculação

alternativas.

Ecos do passado & debates...135

136Hip hop – A periferia grita

Blue de KL Jay e Edy Rock para formar os Racio-nais. “Eu não vi mercado na São Bento. Eu vi apossibilidade de criar uma revolução cultural nopaís, de um movimento que se autogerisse, queproduzisse seus próprios discos e que se tornassepolítico por meio da música. A música está em to-dos os lugares. Se ela tem esse poder de moveresse sistema, ela tem também o poder de elucidar.Eu trouxe essa proposta política para o rap. Ele éum movimento musical que pode construir umpartido, interferir nas decisões do Estado, sem darum tiro, só mobilizando gente”, acredita. “Mas nóstemos que ser estrategistas, como movimento. Como Toninho Crespo, nós criamos a primeira oficinade hip hop no Brasil, por volta de 1986. Nasceuali o Moisés, dos Jabaquara Breakers. NelsonTriunfo também, e ele aprendeu que podia ganhardinheiro com o bagulho. Então foi se preparandoum exército de soldados que nunca mais parou decrescer no Brasil. E proliferou um negócio cha-mado oficina de hip hop, que tem escola, ensino.Isso é estratégia.”

Sales também considera a construção de umaimagem séria, quase sisuda, para os Racionaiscomo outra estratégia importante. “A imagem dosRacionais não é uma parada de imitar americano,é uma cara fechada, que reflete a cara de São Pau-lo. Aqui não é praia, não é festa o tempo todo e,por isso, a música também não é alegre, como omiami bass. Quando o cara vai propagar uma idéiapara milhares de pessoas, que serão militantes dohip hop, tem de ser assim. Quem fala demais dábom-dia a cavalo, quando se fala pouco, corre-semenos risco. Não se mostram os caminhos para opoder.” Milton explica que as situações em quetem de encarar a grande mídia são sempreconflituosas no grupo. “Isso interessa pra quem?A gente discute isso. O Brown perguntou: ‘Impor-tante pra quem?’ E chegamos à conclusão de quevalia a pena. A hora em que a sociedade te reco-nhece é legal, é história. E mudou toda a visão

Se numprimeiro

momento o rapdisse não,

hoje mídiae indústria

precisam dorap – e o rapprecisa delas.

dos formadores de opinião a partir disso. A genteavalia tudo isso nos Racionais.”

A discussão a que se refere Sales ocorreu naentrega do Video Music Brasil, a premiação daMTV Brasil para os melhores clipes, em 1998, ecriou uma curiosa situação de confronto entre orap e a MPB. A organização do evento escalouCarlinhos Brown para entregar o prêmio de me-lhor clipe na escolha da audiência, e os Racionaisnão gostaram. Segundo narrou a Folha de S. Pau-lo à época, “ocorreu um mal-estar entre o grupo eo mestre-de-cerimônias, Carlinhos Brown, que fi-cou vários minutos tentando entregar o Clipe deOuro aos rappers, que o ignoravam. Em seguida,Carlinhos Brown interrompeu o discurso de KLJay, oferecendo o prêmio para ‘todo o meu povoque veio da África e enriqueceu a Europa e a Amé-rica do Norte’” (Fortino e Decia, 1998). Num am-biente que os Racionais classificariam como “deplayboy”, a imagem combativa e séria dos rappersem contraste com a postura mais “carnavalizada”do artista baiano provocou um dos curtos-circui-tos mais notáveis da história da música pop bra-sileira dos últimos anos.

O debate sobre as táticas e estratégias maisadequadas de como se utilizar de instrumentos

A imagem séria dosRacionais MC’s temcomo objetivo retratar avida em São Paulo.“Aqui não é praia, nãoé festa o tempo todo e,por isso, a músicatambém não é alegre”.

Div

ulga

ção

138Hip hop – A periferia grita

oferecidos pela indústria cultural e, ao mesmotempo, manter uma autonomia temática e um dis-curso crítico prossegue e, provavelmente, tendea se acirrar daqui para a frente, com a crescentepopularidade do gênero. O ano de 2001 foi marca-do por um fato significativo: os Racionais MC’s, ogrupo brasileiro mais importante e, principalmen-te, um dos que mais se contrapunham às grandesempresas do mercado fonográfico, passaram a terseus CDs distribuídos por uma corporação da in-dústria global de entretenimento, a Sony Music.Os teóricos, entretanto, enxergam característicasintrinsecamente alternativas no rap e no hip hopque talvez sirvam de antídoto. “O rap, como ou-tros estilos musicais, utiliza-se de ferramentas daindústria cultural – como discos, videoclipes, rá-dios, programas de televisão – para se expandir.Mas há uma apropriação alternativa de tais veí-culos, como, por exemplo, o fato de muitos dosgrupos terem montado selos independentes paraa produção de seus próprios discos e de algunsoutros”, diz Tella (2000). Silva, que sustenta que orap foi, num primeiro momento, “contra a mídia”,ressalva: “Há uma relação ambígua entre essesdois segmentos, rap e mídia. Nem sempre a mídiaestá impondo e as pessoas sempre aceitando. Exis-tem negociações entre esses dois elementos. Opróprio rap foi feito a partir de produtos da mídia.O rap lida o tempo todo com a tecnologia que estána mídia, mas dá um sentido específico para essatecnologia e a adapta ao seu contexto, ele lhe dánovo significado. Os rappers fazem um esforço detrabalhar com o universo da tecnologia, mas aomesmo tempo eles estão incorporando a tradição,através da linguagem política, falando sobre osgrandes problemas enfrentados por essa popula-ção negra, usando ícones da luta política e musi-cal que, no Brasil, são a mesma coisa.”

“Há umarelação

ambíguaentre rape mídia.”

(Marco. A. P. Tella)

Ponto final

osso livro termina aqui, mas o hip hop con-tinua como uma cultura em transformaçãoou, segundo os teóricos, como “o quinto mo-

vimento social negro”. O hip hop não pára. Atéeste momento, ele refletiu o comportamento deuma geração, carregando consigo a força de umprotesto que, mesmo jovem em sua estrutura, trazo legado de seus antecessores. Assim aconteceucom Gerson King Combo nos anos 70, quando gri-tava em seus shows que tinha orgulho de ser ne-gro, repetindo a fala de James Brown. Atualmen-te, os artistas do hip hop continuam ressaltandoa importância de valorizar os afro-americanos. Osrappers, por exemplo, “trocam uma idéia” com opúblico enquanto “mandam a rima”. Hoje, artis-tas e seguidores dessa cultura têm sonhos. So-nham com justiça, com igualdade social, racial,cultural. Quando acordam, no entanto, continuama fazer parte de uma realidade que, num primei-ro momento, é suficiente para pôr fim a esses so-

N

Ponto final139

140Hip hop – A periferia grita

nhos. E, nesse contexto, adentram no mundo opos-to do crime, das drogas, da violência. Mesmo as-sim, os hip hoppers guerreiam – e muitos sobre-vivem. Têm “hiphoptude”. Amanhã, talvez, o dis-curso seja outro. A forma de expressão também.Por enquanto, ele é a cultura de rua, nascida naperiferia, mais rebelde, sinuosa e fascinante dosúltimos 20 anos.

Os manostêm a palavra

ara compreender o que os manos falam énecessário mais do que atenção. Eles utili-zam um vocabulário próprio, proveniente

de uma linguagem coloquial. Nas letras de rap ena fala dos hip hoppers encontramos um novo uni-verso de palavras, que foram recolhidas de bate-papos e de pesquisas em sites especializados notema. São neologismos, a maioria criada por eles,que misturam o português com o inglês. Essasgírias renovam-se a cada dia e, dependendo daregião, têm outros significados. A seguir, algu-mas dessas expressões:

3D – conhecido também como Virtual, é um tipode grafite que utiliza o jogo de luz e sombrapara dar definição à forma.

4P – Poder Para o Povo Preto. Antigo lema doblack power, retomado pelo grupo DMN.

à pampa – muito legal.atitude – palavra indispensável no vocabulário

P

Os manos têm a palavra141

142Hip hop – A periferia grita

hip hop. Eles geralmente dizem: “Para fazerparte do grupo não só é preciso ter consciên-cia, mas também atitude”. Termo que sinteti-za a linha de conduta que o grupo espera decada um.

back to back – performance dos DJs usando doisdiscos iguais, invertendo o sentido da rotaçãoa intervalos aleatórios.

baladas – festas.bass – tipo de batida rítmica mais pesada.bate-cabeça – estilo de rap mais ouvido pelos

skatistas. Tem uma batida forte e pesada.b.boy – “b” é abreviação de break e boy significa

garoto. O termo refere-se ao garoto que dan-ça break, um dos elementos artísticos da cul-tura hip hop. Feminino: b.girl.

beat – batida. Os grupos de rap cantam em cimade um fundo instrumental (base) de forte ape-lo rítmico.

beat box – batida improvisada feita com a boca peloDJ ou pelo rapper.

beck, baseado, bagulho – cigarro de maconha.bembolado – mistura de idéias.b.girl – feminino de b.boy.bitches – tratamento “politicamente incorreto”

(mas ainda corriqueiro) dado à mulher no meiohip hop. Vadia.

bite – escritor de grafite que copia o estilo de ou-tro, aquele que não tem idéias próprias.

bombeta – boné.box – radiogravador de grande porte usado nas

rodas de break.boy – garoto rico ou de classe média.break – dança de solo, praticada em rodas, como a

capoeira. Os movimentos são quebrados e asse-melham-se, basicamente, aos gestos de robôs.

breakers – dançarinos do break.cabeça – pessoa esclarecida, consciente, engajada.cama de gato – armadilha, cilada.cap – bico, válvulas de spray.chapado – da hora, muito legal.

chapô o coco – ficou doido.charm – estilo de rap mais melódico.chegado – amigo.chegar na humildade – quando o mano aproxima-se

de alguém (ou fala de algum assunto) pela pri-meira vez tendo atitude democrática, sem tra-tar ninguém com diferença.

colar – andar junto, tornar-se amigo leal.correria – ver fazer a correria.crew – ver gangue.crocodilagem – traição.dance – gênero de música eletrônica cujo ritmo

assemelha-se ao som de um bate-estacas.dar chapéu – enganar, enrolar.dar um tiro – cheirar cocaína.def – estilo de rap nova-iorquino, com batidas mais

lentas. Tocado principalmente em São Paulo.discos de base – discos especiais, contendo apenas

faixas com o instrumental dos raps. Como aprodução de uma base em estúdio é cara, amaior parte dos grupos de rap os utiliza, in-clusive em gravações.

DJ – abreviatura de disc-jóquei. No universo do rap,é aquele que faz os efeitos sonoros da música,como os scratches.

dois palito – ser rápido.drum machine – instrumento eletrônico que pro-

duz as batidas pesadas do miami bass.embaçado – demorado, perigoso, chato.farinha – cocaína.fazer a correria – realizar um projeto.fazer a rima – comunicar, passar a mensagem.firmeza – com certeza.fita dada – esquema de roubo.fita forte – roubo ou algum esquema perigoso, nem

sempre criminoso.free style – estilo de grafite que não segue regras,

técnicas e lugares. A espontaneidade é total,muitas vezes entrando em harmonia com oambiente. Quando se refere ao rap, significaimproviso nas rimas

Os manos têm a palavra143

144Hip hop – A periferia grita

funk melody – também conhecido como funk-brega.Rap romântico de grande sucesso na indús-tria fonográfica.

gaiola – cadeia, cela.galerias – as Grandes Galerias, no Centro de São

Paulo, onde fica a maior concentração de lo-jas que vendem discos de black music e rapnacional. Localizam-se na rua 24 de Maio.

gambé – policial.gangsta rap – gênero de rap norte-americano que

faz apologia do modo de vida dos gangstersdos guetos negros. Ridiculariza a polícia eglamouriza as atividades ilícitas e criminais.No Brasil há poucos grupos representantesdesse estilo.

gangue – para os leigos, denomina os grupos de jo-vens delinqüentes. No hip hop, é uma organiza-ção de breakers, que também pode ser chamadade equipe ou crew (termos mais recorrentes).

grafite – pintar ou desenhar (com spray ou tinta)muros, painéis, túneis etc., com logotipos oudesenhos relacionados com o movimento hiphop. Utiliza letras tortas ou engarrafadas quefazem com que, muitas vezes, apenas osgrafiteiros entendam o que está escrito.

groove – parte da música que se repete, determi-nando os ritmos.

guardado – preso.keise (case) – caixa de madeira, no formato de uma

maleta, na qual o DJ carrega discos.king – rei, o melhor dos grafiteiros.lagartixa – possui vários sentidos, mas em geral é

um termo pejorativo. Está associado àquele quenão tem consciência política. Jovem que adereao movimento hip hop apenas por modismo.

looping – repetição de um ciclo rítmico (groove)indefinidamente, geralmente via sampler, aolongo da música.

lóqui – otário, bobo.mano – aquele que é reconhecido como um igual

dentro do movimento hip hop.

Roberto Parizotti

MC – abreviatura de master of ceremony (mestre-de-cerimônias). Rappers que cantam e ani-mam os bailes.

miami bass – gênero de rap de ritmo acelerado, combatidas pesadas e versos curtos, originário deMiami (EUA). As letras falam do cotidiano deforma engraçada, picante. Executado princi-palmente no Rio de Janeiro, onde ficou conhe-cido como funk carioca.

mil grau – afirmação feita pelos manos quando acre-ditam, gostam, apóiam ou valorizam algumaatitude. Exemplo: Os Racionais é mil grau.

miliduca – nome dado ao toca-discos Technics MK2,muito utilizado em bailes.

mina – garota.mixer – aparelho que, além de unir os toca-discos,

ajusta a sincronicidade dos vinis; com elecriam-se efeitos musicais.

new school – nova escola do hip hop.nóia – viciado.old school – velha escola do hip hop.paga pau – delator, dedo-duro.paletó de madeira – caixão.papel – papel dobrado que contém cocaína; por

extensão, cocaína.pick-up – toca-discos. Os rappers referem-se ao uso

combinado dos dois pratos em uma pick-up,uma herança da disco-mobile jamaicana. Apossibilidade de o som ser reproduzido simul-taneamente pelas pick-ups conectadas possi-bilita a performance dos DJs.

pico – lugar, local.piece – pedaço, “trampo”, uma letra ou personagem,

bem pintado, com boa elaboração e contexto.Geralmente refere-se a um grafite feito emuma área pequena

piecebook – agenda ou caderno com esboços, dese-nhos e assinaturas.

posse – quando dois ou mais grupos de rap se reú-nem, formando uma turma ou associação, pararealizar ações sociais na sua comunidade.

Os manos têm a palavra145

146Hip hop – A periferia grita

produção – painel grande feito por um ou váriosgrafiteiros juntos, formando, na maioria dasvezes, um só contexto.

quebrada – lugar ou bairro/cidade do hip hopper.racha – disputa de dançarinos de break para deci-

dir quem é o melhor.radicais – rappers que atacam em suas letras o ra-

cismo, a polícia, o sistema, tudo com o que nãoconcordam, procurando, de acordo com suasconcepções, uma solução.

rap – abreviatura de rythm and poetry (ritmo epoesia). Estilo de música em que um DJ e umou mais rappers se apresentam cantando so-bre uma base instrumental a letra falada oudeclamada. Há vários tipos de rap: def, bass,miami, hip-house, ragamurf etc.

rappers – aqueles que cantam ou compõem o rap.rodou – foi preso, foi pego.sampler – instrumento eletrônico dotado de me-

mória para os sons selecionados amplamenteutilizado pelos rappers. Normalmente é aco-plado a um mixer, o que permite realizar co-lagens de sons pré-gravados durante a execu-ção de uma música pelo DJ ou inseri-las noprocesso de mixagem de uma música.

sampling (“samplear”) – apropriação de materiaispreviamente gravados, normalmente sem ob-servar direitos autorais prescritos em lei.

sangue-bom – amigo, colega.scratch – efeitos sonoros produzidos pelo atrito en-

tre a agulha do toca-discos e o próprio disco.seqüência – montagem feita pelo DJ com vários

sucessos do momento.silverpiece – grafite feito com tinta cromada.single – disco ou CD com apenas duas ou quatro

faixas; antigo compacto.smurf – dança dos rappers, com passos que lem-

bram o funk.som – nome dado pelos hip hoppers às festas, es-

pecialmente as que acontecem nas ruas.spraycanart – grafite feito à mão livre com tinta spray.

stencilart – grafite feito com moldes prontos.street dance – dança produzida pelos dança-

rinos de break. Muitas vezes nas festasestabelecem-se longas disputas entre osbreakers de diferentes turmas.

style – a atitude dos b.boys, que se reflete no jeitode vestir, falar e dançar. Para ser um b.boy épreciso “andar no style”.

sucker MC – MC que se apropria da idéia do outro.tag – assinatura dos grafiteiros feita com marcador

ou spray.throw-up (vômito) – grafitar em qualquer superfí-

cie algo rápido, pouco elaborado, com o usode duas ou três cores.

top to bottom (de cima a baixo) – quando um carrode metrô é pintado de cima a baixo.

toy – brinquedo, “bafo”, o cara que se mete a serescritor de grafite e não sabe o contexto dacultura hip hop.

trairagem – traição.treta – confusão, briga.truta – o termo inicialmente tinha apenas o senti-

do pejorativo e significava protegido, submis-so. Atualmente, “truta de verdade” tem tam-bém sentido positivo. Refere-se a lealdade,companheirismo e amizade.

vacilão – bobo, a quem os outros enganamfacilmente.

whole car (carro todo) – um lado do metrô todopintado.

wild style – estilo selvagem de grafite, le-tras complicadas, entrelaçadas, for-mas mais agressivas e ilegíveis.

yo! – grito de exaltação. Geralmente utili-zado para animar o público em showse festas.

zé povinho – aquele que promete e não faz. Pessoacom pouca atitude ou de atitude duvidosa.Aquele que joga contra os valores e pessoasdo movimento.

Os manos têm a palavra147

148Hip hop – A periferia grita

Entrevistas com:509-EAlessandra, dos Jabaquara Breakers.Cabelo, integrante da posse Conceitos de RuaCelso Fontana, advogado, membro do Comitê Tilango

para a Solidariedade de Candidaturas NegrasCláudio Assunção, líder da posse Aliança NegraColinas Breakers, equipe de breakConsciência HumanaConscientes do SistemaDe MenorDe Menos CrimeDébora Cristina Albino dos Santos Silva, da APPDetentos do RapDJ Afrika BambaataaDJ HumDJ Meio Kilo, integrante da posse Conceitos de RuaElaine Nunes de Souza, educadoraEscadinhaFaces do SubúrbioFranilson de Jesus Batista, líder da posse Alian-

ça NegraGallo, integrante da posse Conceitos de Rua

Fontes

Fontes149

150Hip hop – A periferia grita

Gerson King Combo, dançarino e compositorGogJeca, grafiteiro da new schoolJigabooJoão Lindolfo, antropólogoJosé Carlos Gomes da Silva, sociólogoKall, líder da posse Conceitos de RuaLuciene Silva de Oliveira, da APPMarcelinho, b.boy, presidente da equipe de

breakers Back Spin CrewMarcelo Buraco, da Associação Cultural Negro-

atividadesMarcelo D2Marco Aurélio Paz Tella, antropólogoMaria da Penha Guimarães, socióloga, do Institu-

to Negro BrasileiroMC e grafiteiro KabalaMC Marcão, grupo Baseados nas Ruas do DFMC Paulo Nápoli, um dos integrantes do grupo

Academia Brasileira de Rimas (ABR)MC Ro$$i, integrante da banda Pavilhão 9Milton Sales, produtor musicalMisael Avelino dos Santos, diretor da rádio Fave-

la FMMoisés, b.boy, líder dos Jabaquara BreakersMV BillNelson Triunfo, b.boyNino BrownNúcleo Hip Hop de DiademaPulguinha, personagem do clipe O Mágico de OzRacionais MC’sRaffa, produtor musical do Distrito FederalRei, MC do grupo Cirurgia MoralRobson, apresentador e DJ do programa Uai Rap

Soul, da rádio Favela FM.Rooney Yo-Yo, b.boy e organizador de eventos

de breakSérgio Bradanini, padre da capela Santo Antônio,

pertencente à Catedral da SéConceição Santos, da Pastoral Negra do BrasilSowto, b.boy e grafiteiro, líder da DF Zulu

BreakersSueli ChanTatiane Macedo da Silva, da APPTDZ, apresentador do programa Cultura Hip

Hop, da rádio Cultura do DF e DJ da equipeDF Zulu Breakers

Thaíde

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ZALUAR, Alba e ALVITO Marcos (orgs.). Um sé-culo de favela. Rio de Janeiro, Editora Fun-dação Getúlio Vargas, 1998.

Sobre as autoras

anaina Rocha, nascida em 1976, é repórter doCaderno 2 do jornal O Estado de S.Paulo des-de 1998. Também atua como freelance para a

revista E!, publicação mensal do Sesc São Paulo.Foi autora da pesquisa do documentário vinte/dez(2001), de Francisco Cesar Filho e Tata Amaral.

irella Domenich, nascida em 1978, é re-pórter freelance desde 1997. Já trabalhoupara o Jornal do Brasil, TV Gazeta e

Playboy. Estudou Direitos Humanos e Raça e Gê-nero no Espaço Cibernético na Universidade daCalifórnia, e jornalismo investigativo noInvestigative and Reporters Editors. É voluntá-ria da ONG San Francisco Women Against Rape.Em 2000, participou do Curso Abril de Jornalis-mo em Revistas.

atrícia Casseano, nascida em 1977, é analis-ta de comunicação empresarial da AESEletropaulo onde atua na área de responsa-

bilidade social e terceiro setor. Já foi colaborado-ra do jornal Folha de S. Paulo.

J

M

P157 Sobre as autoras157

158Hip hop – A periferia grita

Fundação Perseu Fundação Perseu Fundação Perseu Fundação Perseu Fundação Perseu AbramoAbramoAbramoAbramoAbramoInstituída pelo Diretório Nacional do Partido

dos Trabalhadores em maio de 1996.

DiretoriaDiretoriaDiretoriaDiretoriaDiretoriaLuiz Dulci – presidente

Zilah Abramo – vice-presidenteHamilton Pereira – diretor

Ricardo de Azevedo – diretor

Editora Fundação Perseu Editora Fundação Perseu Editora Fundação Perseu Editora Fundação Perseu Editora Fundação Perseu AbramoAbramoAbramoAbramoAbramo

Coordenação editorialCoordenação editorialCoordenação editorialCoordenação editorialCoordenação editorialFlamarion Maués

Assistente editorialAssistente editorialAssistente editorialAssistente editorialAssistente editorialCandice Quinelato Baptista

Edição de textoEdição de textoEdição de textoEdição de textoEdição de textoBia Abramo

RevisãoRevisãoRevisãoRevisãoRevisãoMaurício Balthazar Leal

Márcio Guimarães de Araújo

Projeto gráfico e editoração eletrônicaProjeto gráfico e editoração eletrônicaProjeto gráfico e editoração eletrônicaProjeto gráfico e editoração eletrônicaProjeto gráfico e editoração eletrônicaEnrique Pablo Grande

Hip Hop – A periferia gritaCopyright @ 2001 by Janaina Rocha, Mirella Domenich e

Patrícia Caetano

1a edição: setembro de 2001Tiragem: 4.000 exemplares

Todos os direitos reservados àEditora Fundação Perseu Abramo

Rua Francisco Cruz, 23404117-091 – São Paulo – SP – Brasil

Telefone: (11) 5571-4299Fax: (11) 5571-0910

Correio eletrônico: [email protected] internet: http://www.fpabramo.org.br

ISBN 85-86469-44-0

Hip hop – A periferia grita foifotolitado e impresso na cidade de

São Paulo em setembro de 2001 pelaGrapbox-Caran. para a EditoraFundação Perseu Abramo. Com

tiragem foi de 4.000 exemplares. Otexto foi composto em Century no

corpo 12/15,2. A capa foi impressa empapel Cartão Supremo 250g; o miolo

foi impresso em off-set 90g.

Créditos de fotos e ilustrações

Todas as fotos que não estão creditadaspertencem ao acervo das autoras. Agradecemosa Alex Salim, Jean Carlos dos Reis Souza (Jeca),Nino Brown e Roberto Parizotti pela cessão das

demais imagens utilizadas.

As ilustrações da capa, contracapa e daspáginas 1, 2, 3 e 160 foram feitas por Jean

Carlos dos Reis Souza (Jeca). As vinhetas dasaberturas dos capítulos são de autoria de

Deraldo, Ivan e Zênite.