japt janeiro 2011
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Primeira edição da Revista Jane Austen PortugalTRANSCRIPT
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Revista Jane Austen Portugal
UM MÊS, UM LIVRO
Com Persuasão
JANEIRO DE 2011
Nº 1
janeaustenpt.blogs.sapo.pt
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Índice
1. A História dos Romances (Persuasão) 3
2. Uma Leve Impressão sobre Persuasão 4
3. Dois Filmes, a Mesma História
a. Persuasão 1995 7
b. Persuasão 2007 9
c. Remar Contra a Maré 12
4. Anne Elliot 13
5. Capitão Wentworth 15
6. Lady Russel, Uma Vilã Disfarçada? 17
7. Sir Walter Elliot 22
8. Elizabeth Elliot 24
9. Mr. Elliot 26
10. Mrs. Croft 27
11. Mrs. Clay – Oportunista Inocente? 28
12. Cap. Harville e Cap. Benwick 29
13. O Casal Perfeito – Almirante e Mrs. Croft 31
3 A História dos Romances Por Clara Ferreira
Persuasão foi o último romance
acabado por Jane Austen. Contudo,
Austen começou a escrevê-lo pouco
depois de acabar Emma, algures entre
Agosto de 1815, terminando-o em
Agosto de 1816 (cerca de um ano
antes da sua morte).
Inicialmente, Persuasão, intitulava-se
“The Elliots”, mas acredita-se que,
mesmo em vida, não tenha sido um
título que agradasse a Jane Austen, era
apenas a expressão que utilizava
quando se referia àquela obra. Foi
Henry Austen quem escolheu o actual
título Persuasão.
Austen terminou o primeiro rascunho
em Julho de 1816. Depois de Emma,
Jane Austen não publicou mais
nenhuma obra em vida por problemas
financeiros da família e por isso The
Elliots e Susan (mais tarde A Abadia de
Northanger) acabaram por só ser
publicados postumamente.
Os sítomas da sua doença surgiram por
altura em que escrevia The Elliots, daí
que se especule que Persuasão não seja
um romance completo, foi escrito com
pressa e foi-nos deixado incompleto,
no sentido em que Jane o poderia ter
revisto e adicionado mais partes. Jane
Austen não estava satisfeita com o final
de The Elliots e re-escreveu os dois
últimos capítulos, terminando-os a 6
de Agosto de 1816.
Persuasão acabou por só ser publicado
em Dezembro de 1817, embora date
de 1818, juntamente com A Abadia
de Northanger - as duas obras de Jane
Austen publicadas postumamente e as
primeiras onde se atribuiu a Jane
Austen a autoria, graças à Introdução
que Henry Austen faz para estas duas
obras publicadas em conjunto.
4 Uma Leve Impressão sobre
Persuasão Por Paula Freire
Persusão é o último dos romances
escritos por Jane Austen. Foi
terminado pouco tempo antes da sua
morte, não tendo a autora a
oportunidade de o rever. Coincidência
ou não com o período que atravessava
na sua vida, Jane Austen confere à
heroína desta estória uma
personalidade mais madura, mais
consciente da vida e das pessoas e bem
assim das suas qualidades e fragilidades.
Este é, para mim, o romance que
melhor define a escrita desta autora
que tanto admiro. Trata-se de um
texto, em comparação com os
anteriores, escrito de uma forma mais
madura, com mais confiança, mais
serenidade e certeza quanto ao
desenrolar da estória e quanto à
modelação das personagens. A escrita
prende-nos logo no início pela forma
como discorre sobre a personagem de
Sir Walter Elliot.
Embora a frase mais famosa de Jane
Austen faça parte de “Orgulho e
Preconceito” – curiosamente a sua
obra mais famosa também -, a
verdade é que “Persuasão” está repleto
de frases bem escritas, bem
estruturadas e cheias de significado
quanto ao seu objecto. Mais uma vez,
Jane Austen caracteriza de forma
sublime, inteligente e subtil as fraquezas
da sociedade de então.
A heroína desta estória é Anne Elliot,
uma jovem que vive com o seu pai, Sir
Walter Elliot, na propriedade de
Kellynch-hall, no Somerstshire. O
5
cavalheiro tinha como (grande)
distracção o Baronetage, um livro que
mais não era do que o registo da sua
árvore genealógica. Apenas via virtude
na beleza e noutras futilidades de
então. Como bem escreve a nossa
autora “a vaidade era o princípio e o
fim da personalidade de Sir Walter
Elliot; vaidade pessoal e de situação".
Anne era, para seu pai, uma
jovem que não merecia grande
consideração porquanto a sua beleza
não era de grande evidência. Segundo
ele, Anne há muito que perdera a
vivacidade da juventude. Já Elizabeth, a
filha mais velha, era a sua favorita
porque tinha herdado tudo de sua mãe,
incluindo a beleza, pelo que era a quem
Sir Walter Elliot dedicava toda a sua
atenção e respeito. Quanto a Mary, um
casamento menos relevante quanto a
fortuna e situação tinha-a colocado
num lugar de menor importância para
seu pai.
Jane Austen
descreve, através de Lady Russell (uma
amiga íntima da família pela parte da
Mrs Elliot), a encantadora Anne Elliot
da seguinte forma: “(…) Anne,
possuidora de uma elegância de
espírito e de uma doçura de carácter
6
que deveriam tê-la colocado num
elevado lugar na consideração de
qualquer pessoa dotada de verdadeira
compreensão, não era ninguém, nem
para o pai nem para a irmã: a sua voz
não tinha qualquer peso; a sua
conveniência residia em transigir, ceder
sempre – era apenas Anne. É verdade
que, para Lady Russell, ela era
realmente uma muito querida e
altamente apreciada afilhada, a sua
preferida e amiga. Lady Russell amava-
as a todas, mas só em Anne conseguia
imaginar que a mãe poderia voltar a
viver."
Anne viveu um grande amor oito anos
antes da localização temporal da
estória, a que pôs fim por respeito à
família. O capitão Wentworth era (e é)
o eleito do seu afecto. Ao longo da
estória Anne irá deparar-se com o seu
desprezo e até com o seu desdém.
Será perante estas situações, e outras
que surgirão, que Anne mostrará a
grandeza e a elegância do seu carácter
Um outro aspecto que gostei em
“Persuasão” foi, como diz uma das
personagens do filme “O clube de
leitura de Jane Austen”, a força e o
impacto que Jane Austen imprime a
uma carta bem escrita.
Estas são algumas das características
que admiro na escrita de Jane Austen.
7 Dois Filmes, A Mesma História
Persuasão 1995 Por Vera Santos
Esta não é a primeira adaptação
daquele que é o último livro de Jane
Austen, antes desta houve duas: uma
em 1960 e outra em 1971.
Mas esta é com certeza a adaptação
que mais pessoas têm na memória. Foi
exibido pela BBC e posteriormente foi
estreado nos cinemas um pouco por
todo o mundo.
Fiel à obra de Jane Austen esta é uma
adaptação que não desilude mesmo
aqueles mais puristas que não suportam
qualquer alteração em relação ao livro.
Todos sabemos o quanto isso é difícil,
já que a linguagem do cinema e dos
livros é diferente e por isso a
adaptação é sempre complicada.
Quantas vezes não vemos um filme e
depois ao
ler
um
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livro acabamos desiludidos? Ou vice-
versa? Isso não acontece aqui.
Tal como no livro depressa
percebemos como Anne é querida pela
família Musgrove e desprezada pela
sua, a vaidade do Sir Walter, a
influência que Lady Russell tem sobre a
família, especialmente sobre Anne,
entre outras coisas igualmente
importantes.
Quanto às actuações dos actores acho-
os a todos perfeitos, tanto os
protagonistas: Amanda Root e Ciaran
Hinds como todos os secundários. É
formidável a forma como o rosto de
Anne muda, parecendo pálida e triste
no início e mais luminoso e bonito no
fim. Talvez aqui a maquilhagem tenha
ajudado um pouco, mas mesmo assim
Amanda Root consegue exprimir a
doçura de carácter de Anne e a sua
aflição quando reencontra o Capitão
Wentworth. O mesmo digo de Ciáran
Hinds que consegue ser frio no início
e muito doce a partir do encontro na
pastelaria em Bath. Ainda sobre o
elenco acrescento que a Mary
Musgrove é interpretada por Sophie
Thompson, irmã de Emma Thompson.
9 Persuasão 2007 Por Clara Ferreira
Não há Darcys nem Lizzies que
consigam o que esta Anne Elliot e este
Fredrick Wentworth conseguem -
envolver os espectadores no romance
mais profundo e mais verdadeiro de
Jane Austen.
Confesso que Persuasão tem um lugar
muito especial no meu coração e esta
adaptação em especial. Embora por
vezes se afaste da obra, é quase
criminoso, se não fosse terrivelmente
poético, a distorção da cena da carta
de Wentworth a Anne a revelar-lhe os
seus sentimentos. Acredito
verdadeiramente que a carta de amor
de Wentworth é a melhor de toda a
literatura, precisamente porque é uma
carta escrita por uma escritora mulher
que a coloca nas mãos de uma
personagem masculina.
“Não consigo mais permanecer
em silêncio. Tenho de falar
contigo pelos meios de que
agora disponho. Trespassaste a
minha alma. Sou metade
agonia, metade esperança. Não
me digas que é demasiado tarde
e que sentimentos tão preciosos
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desapareceram para sempre.
Ofereço-me novamente à tua
pessoa com um coração ainda
mais teu do que quando quase o
partiste há oito anos e meio.
Não digas que um homem
esquece mais depressa do que
uma mulher, que o seu amor
morre mais cedo. Eu somente te
amei a ti. Posso ter sido injusto,
fraco e ressentido, fui, mas
nunca inconstante. Somente a
tua pessoa me trouxe a Bath.
Por ti apenas, eu penso e ajo.
Não viste isso? Falhaste a
entender os meus desejos? Não
teria esperado nem estes dez
dias se pudesse ler os teus
sentimentos, como penso que
penetraste nos meus. Mal
consigo escrever. A cada
instante oiço algo que me
oprime. Baixas a voz mas eu sei
distinguir os tons dessa voz
mesmo quando ela se perde
para os outros. Demasiado
bondosa, excelente criatura! Tu
fazes-nos justiça, de facto.
Acreditas no verdadeiro afecto e
constância entre os homens.
Acredita nisto, mais fervoroso e
constante, F.W.
Parto, incerto sobre a minha
sorte, mas voltarei aqui ou para
a tua festa. Uma palavra, um
olhar será suficiente para que eu
entre em casa do teu pai esta
noite ou jamais o faça.”
Tenho uma adoração secreta por Sir
Elliot, embora seja snob a todo e
qualquer custo, diverte-me imenso
dado o ridículo em que se deixa cair e
o actor desta versão é excelente.
Elizabeth é para mim um enigma, não
consigo compreender esta personagem,
mas em comparação com a versão de
1995 esta interpretação é muito
melhor, tal como a maioria das
restantes.
Considero que esta Mary Musgrove é
do melhor que há, para além de nos
proporcionar muito riso, passa para o
11
ecrã toda a frivolidade e necessidade de
atenção tão características desta irmã
mais nova.
Anne Elliot no corpo de Sally Hawkins
não podia estar melhor. A actriz
consegue dar-lhe a ternura e
maturidade devidas para além de
trespassar a tristeza que vive.
Quanto a Wentworth, enfim, Rupert
Penry-Jones será o eterno Wentworth,
venham as adaptações que vierem!
Como já referi aqui, adoro esta versão,
mas gostaria ainda mais, se é que é
possível, se a entrega da carta fosse tal
e qual como no livro, embora a corrida
de Anne seja deveras empolgante e o
beijo tremendamente demorado... aí
acho que exageraram. Mas o final é
lindíssimo, o regresso a Kellynch e o ar
de apaixonados, adorável mesmo!
Uma curiosidade, o actor que aqui
interpreta o papel de Mr. Musgrove é
Nicholas Farrel, o Edmund Bertram da
versão de Mansfield Park de 1983, só
hoje ao rever o filme é que me
apercebi que era ele, um pouco mais
velho, claro!
12 Remar Contra a Maré Por Cátia Pereira
Até hoje ainda só consegui assistir a
versão de 1995 e a de 2007 de
Persuasão. Apesar de saber que a
preferência geral vai para a versão de
1995, eu remo contra a maré: gosto
mais da versão de 2007.
Do meu ponto de vista, Sally Hawkins
consegue criar uma Anne Elliot
completa. Ela consegue transmitir a
resignação, a tristeza, a solidão da
personagem num só olhar. Para além
disso, ela personifica a doçura e a
suavidade de carácter de Anne. De
igual forma, Sir Walter Elliot e Miss
Elizabeth Elliot parecem-me ser melhor
retratados nesta versão, principalmente
no que diz respeito à frieza e ao
egocentrismo que os caracterizam.
Eu sei que neste filme de 2007
algumas cenas afastam-se da obra
literária em si mas, confesso, que esta
versão fala mais ao meu coração. O
desenho dos personagens, a fotografia,
o guarda-roupa e a banda sonora
criam na minha mente todo o cenário
e percurso da nossa heroína. Se
repararem, o filme tem uma tonalidade
sombria e cinzenta; aspecto que é
muito criticado sobre este filme. Mas
esta subtileza ressalta e reforça como
era a vida de Anne e de Frederick
separados: fria, cinzenta e triste. Um
detalhe acrescentado à história que a
enriquece são os momentos em que
Anne Elliot aparece a escrever numa
espécie de diário. Se, por um lado,
permite que se conheça os
pensamentos e sentimentos de Anne;
por outro lado, leva-nos a identificar
Anne Elliot como a própria Jane
Austen. Entenda-se que a minha
afirmação resulta da minha opinião e
interpretação pessoal.
13 Anne Elliot Por Cátia Pereira
Jane Austen apresenta-nos Anne
Elliot de duas formas no início do
livro: o que ela era quando
conheceu Frederick e o que ela
se tornou após o afastamento
entre ambos. Então, quando eles
se conheceram Anne era "uma
rapariga extremamente bonita,
dotada de delicadeza, modéstia,
bom gosto e sensibilidade".
Depois "o seu viço dissipara-se
cedo", causado essencialmente
pelo afastamento de Wentworth.
Fisicamente sabemos que Anne teria
"traços delicados e doces olhos
escuros" e que seria "magra e sem
viço".
Portanto, pela descrição feita no livro
fico sempre com a convicção de que
Anne Elliot seria bonita, mas de uma
maneira discreta. Ela não teria uma
beleza chamativa e exuberante. E, este
aspecto físico, quase que é
transportado para a sua própria
personalidade.
Imagino Anne Elliot possuidora de uma
beleza silenciosa.
"Anne , possuidora de uma
elegância de espírito e uma
doçura de carácter que
deveriam tê-la colocado num
elevado lugar na consideração
de qualquer pessoa dotada de
verdadeira compreensão, não
era ninguém, nem para o pai
nem para a irmã: a sua voz não
tinha qualquer peso; a sua voz
não tinha qualquer peso; a sua
conveniência residia em
transigir, ceder sempre - era
apenas Anne."
Quantos sentimentos guardará o
coração de Anne Elliot? Quanta paixão
existe por detrás de seus gestos? É
quase um lugar comum considerá-la
lenta, sossegada, conformada e
"boazinha". Afasto-me totalmente
14
desta caracterização. Para mim, Anne
Elliot foi e sempre será uma mulher
com classe, com rectidão, com bom
senso e corajosa. O grande problema
na vida dela é que ninguém lhe
reconhece isto. O seu pai e irmã a
ignoram e a tratam quase como uma
criada, Mary (sua irmã) trata-a como
se ela tivesse a obrigação de a
consolar, Lady Russel (que apesar de a
amar sinceramente) trata-a como se
ela não tivesse qualquer tipo de
capacidade de discernimento e até
Wentworth acredita na sua falta de
firmeza de carácter. O cunhado e a
família dele, que até demonstram afecto
por ela, não lhe dedicam atenção.
Apenas usufruem do bem-estar que a
companhia dela proporciona. Anne é
profundamente incompreendida por
todos. A meu ver, para além de um
amor frustrado, é deste aspecto - da
incompreensão - que advém toda a
sua tristeza.
Deixem-me ser bastante franca, a
forma como ela é tratada pela família
mais próxima cria em mim um
sentimento de revolta.
Vemos ao longo da história o descanso
e a forma humilhante como ela é
tratada pela família e a tudo isto ela
nunca responde na mesma moeda.
Nunca lhe vemos uma palavra amarga.
Nunca lhe adivinhamos um gesto
brusco. Nunca lhe escapa sequer uma
queixa. Acompanhamos o seu
sofrimento de ter aberto mão do seu
grande amor e de vê-lo a cortejar
outra pessoa.
Eu não faço segredo de que amo este
livro - Persuasão - e de que me
identifico com Anne Elliot. Ler o seu
percurso é, muitas vezes para mim,
como olhar-me ao espelho. Identifico-
me com o que é dito e descrito; abraço
o que fica por dizer.
Para mim, era muito
importante falar sobre
Anne Elliot neste dia
em que completo 35
anos. Mas ainda
muito mais terei a
dizer.
15 Capitão Frederick Wentworth
Por Vera Santos
Os homens fardados atraem as
atenções do sexo oposto, é uma
atracção inexplicável, e no tempo de
Jane Austen, também era assim, basta
ver as atenções prestadas aos homens
fardados das estórias de Jane.
Dizia-me uma vez uma colega que um
homem estando fardado significa
emprego, logo dinheiro, logo a
possibilidade de casar. Mas eu não
concordo eu acho que a atracção quase
irresistível vem do facto de os homens
fardados virem sempre rodeados de
uma certa aura de heróis. Afinal
enfrentam perigo no seu trabalho, mas
ainda mais numa altura como a da
Jane que existiam as guerras
napoleónicas, o interesse e a excitação
por estes homens aumentava
consideravelmente.
Se Frederick Wentworth fosse apenas
mais um homem fardado num livro,
com certeza que não valeria a pena
escrever sobre ele. Mas ele é o herói
do
16
livro e ao contrário de outros não é o
anti-herói que assume um duplo papel
de herói e anti-herói, mas somente e
apenas o herói. Desde o momento em
que se fala dele, somos logo levados
a vê-
lo como alguém com bom carácter,
integro, sendo o seu único problema a
falta de dinheiro e de conhecimentos.
"... um jovem
extraordinariamente simpático,
dotado de grande inteligência,
denodo e talento.."
".... um jovem que não tinha
nada a recomendá-lo, além de
ele próprio..."
".... O Capitão Wentworth não
possuía fortuna...."
Contudo, Wentworth, apesar de todas
as suas qualidades não é isento de
defeitos, quando aparece em cena,
trata de uma forma bastante fria Anne,
mostra-se disponível para as irmãs
Musgrove, levando quem os rodeia a
supor
um
sentimento que não existe, afinal ele
nunca esqueceu Anne. Estas pequenas
faltas, não o tornam um monstro e
acabam por lhe dar uma humanidade
que poucos personagens de ficção
conseguem ter. Wentworth é apenas
um homem que amou e não esqueceu,
ficou ferido por ser rejeitado, isso fê-lo
criar ressentimentos, mas felizmente
percebeu tudo isso e acabou por
arriscar e conseguir ficar com a sua
amada.
O melhor de Wentworth, para uma
mulher que leia o livro é mesmo isto:
amou Anne e continuou a amá-la
durante oito anos, provando uma
constância que poucos homens reais
são capazes.
17 Lady Russel, Uma Vilã Disfarçada?
Por Clara Ferreira
Nutri sempre um carinho especial por
esta personagem e de certa forma,
também alguma reverência. Mas
parece-me inevitável que não surja a
questão: Até que ponto a influência de
Lady Russell sobre Anne quase destruiu
a sua felicidade?
É indiscutível que a recusa de Anne à
proposta de Wentworth oito anos antes
se deveu, fortemente, à opinião
negativa de Lady Russell. Mas creio que
ela não pode servir de bode expiatório
para as acções de Anne, e ela própria
admite isso.
"Não culpava Lady Russell, não
se culpava a si própria por ter
seguido os seus conselhos"
Também é certo que, por pouco, Lady
Russell não voltava a encaminhar Anne
para um futuro menos seguro com Mr.
William Elliot, apenas por uma questão
de vaidade. Serão todas estas acções e
interferências de Lady Russel
desculpáveis? Qual o papel dela na
história?
Antes de mais, comecemos por saber
quem ela é. Lady Russell é uma viúva
de longa data, velha amiga de Lady
Elliot, com fortuna e que sempre se
julgou que pudesse vir a ser a próxima
Lady Elliot - embora, na minha sincera
opinião, considere isso praticamente
impraticável. Depois da morte de Lady
Elliot ocupou um espaço "maternal" na
vida de
Anne e
também das
outras
18
meninas Elliot, mas Anne é sem dúvida
a sua predilecta. Sempre a encarei
como detentora de grande
generosidade e amizade. Tem
qualidades que não devem ser
menosprezadas e tem falhas, sim,
algumas. Mas é precisamente isso que
a torna tão real.
"Ela tinha, porém, uma amiga
muito íntima, uma mulher
sensata e digna que ela tinha
convencido, com a sua grande
amizade, a vir vever perto dela,
na aldeia de Kellynch; e Lady
Elliot confiava sobretudo na sua
generosidade e nos seus bons
conselhos para ajudar a manter
os bons princípios e
ensinamentos que ela
transmitira empenhadamente às
filhas"
"Esta amiga e Sir Walter não
casaram, ao contrário do que as
suas relações poderiam levar a
supor (...). O facto de Lady
Russell, uma mulher com
maturidade de idade e de
carácter e com uma situação
económica extremamente boa,
não pensar num segundo
casamento, não necessita de
qualquer justificação perante o
público, o qual tende a ficar,
absurdamente, mais descontente
19
quando uma mulher volta a
casar-se do que quando ela não
se casa"
"Lady Russell gostava delas
todas, mas era apenas em Anne
que ela imaginava que a mãe
pudesse reviver".
Sendo uma Senhora da Alta Classe
compreende-se até certo ponto, alguns
dos seus preconceitos - a propósito da
união de Anne com Frederick; a
importância dada às Darymple; o
desejo da união de Anne com Mr. Elliot
para a ver ocupar o lugar da mãe. E tal
como Jane Austen refere, são
preconceitos capazes de a cegar
perante os defeitos de quem os possui
- como ela
faz com Mr.
Elliot. Se, por
um lado,
parece ser
uma má
avaliadora de
carácteres,
por outro,
sabe dar valor
e reconhecer
as qualidades
das pessoas, o caso de Anne. Lady
Russell é a única personagem do
círculo familiar que tem o devido
respeito por Anne e reconhece o seu
valor e a sua integridade, e quase todas
as vezes parece ser a única que se
preocupa com o bem-estar de Anne.
"Era uma mulher bondosa,
caridosa, amável, capaz de
amizade fortes, com uma
conduta extremamente correcta,
severa nas suas noções de
decoro e com maneiras que
eram consideradas o padrão da
boa educação. Ela possuía uma
mente cultivada e era, de um
modo geral, racional e coerente
- tinha porém, preconceitos no
que dizia respeito à linhagem:
atribuía grande
valor à posição
social e à
importância, o
que a tornava
um pouco
cega em
relação aos
defeitos dos
que as
possuíam. "
20
Lady Russell é então
uma amiga, uma
confidente (até certo
ponto), um ombro
amigo uma influência e
referência para Anne. Daí a
importância que Anne atribui à sua
opinião, porque temos de reconhecer
que Lady Russell é uma pessoa de
carácter íntegro e razoável embora
tenha uma boa dose de orgulho que a
tende a cegar. Mas não é uma
influência maldosa, porque o que ela
procura é o melhor para Anne. E da
sua maneira é isso que a leva a ser tão
dura em relação à união de Anne com
Wentworth oito anos antes, para ela,
tudo aquilo era uma grande
imprudência. Eu sou de acreditar que
na altura, ela não tinha
consciência do verdadeiro
amor entre ambos e achava
aquilo uma paixoneta
passageira. Podemos
pensar, talvez se ele fosse
Duque, filho de um Sir, isso
não fosse relevante e ela
consideraria que a
"paixoneta" era
um bom partido.
Todavia, temos
de admitir que,
mesmo sem
grandes
preconceitos
à mistura, a
união era
totalmente
imprudente. Wentworth estava numa
posição arriscada, estávamos no tempo
das Guerras Napoleónicas e talvez, isto
sou eu a supor, tanto ele como Anne
tivessem de provar algo mais um ao
outro, tivessem de garantir o seu amor
pela constância no tempo.
"Sir Walter (...) achava que era
uma união muito degradante; e
Lady Russell, embora com um
orgulho mais comedido e
21
desculpável, considerava-a
extremamente infeliz"
"Lady Russell via a situação de
um modo diferente. O
temperamento optimista dele e
a sua ousadia de espírito
funcionavam de um modo muito
diferente nela. Ela via-os como
uma intensificação do mal. Só
tornavam o carácter dele ainda
mais perigoso. Ele era brilhante,
obstinado. Lady Russell gostava
pouco de ditos espirituosos, e
para ela, tudo o que se
aproximasse da imprudência era
um horror. Ela censurava a
união sob todos os pontos de
vista"
Confundir Lady Russell como uma vilã
é um erro. Podemos gostar mais ou
menos dela, mas é indiscutível, ela é o
grande suporte de Anne e das poucas
que, ao longo da história, sabe parar e
perguntar, "como estás Anne". Se não
lhe quisermos chamar mãe substituta,
temos ao menos de lhe dar o devido
valor e de admitir que ela é uma
Senhora com "S" grande, que funciona
como um símbolo de forte
independência da mulher e que é das
personagens mais reais e corpóreas
alguma vez criadas por Jane Austen.
22 Sir Walter Elliot Por Cátia Pereira
"A vaidade era o princípio e o
fim da personalidade de Sir
Walter Elliot: vaidade pessoal e
de situação."
Ele é possuidor de um título,
propriedades, bens, educação, classe e
beleza. Sir Walter Elliot tem a
convicção de que o mundo existe e
respira unicamente por causa da sua
existência. O nome Elliot seria sempre
um nome a ser reverenciado. Nada
poderá ser mais importante do que
satisfazer o seu bem-estar e as suas
exigências. Menos do que isso seria
demasiadamente, nas suas próprias
palavras, "degradante". O seu
quotidiano resumia-se à satisfação
das suas próprias conveniências e a
constatação da extensão da sua
imagem.
" Sir Walter Elliot, de Kellynch-
Hall, no Sommersetshire, era
um homem que, para se distrair,
nunca pegava noutro livro que
não fosse o Baronetage: nele
encontrava ocupação para
uma hora de lazer e consolo"
Se o único defeito de Sir
Walter Elliot fosse a vaidade
talvez eu não o
recriminasse tanto.
Nos livros de Jane Auten
podemos encontrar uma
variedade de tipos de figuras paternais.
Todos eles com maneiras específicas de
ser e com diferentes formas de ser
relacionar com os seus filhos e filhas.
Em Persuasão, a meu ver, encontro o
tipo paternal execrável. Sei que, dito
assim, esta minha afirmação pode soar
23
exagerada. Mas explicarei as minhas
razões.
Toda a pompa, circunstância e
reverência das quais Sir Elliot se julga
merecedor; toda a vaidade e presunção
de seus gestos, palavras e atitudes
seriam desculpáveis se ele se mostrasse
ser efectivamente um pai carinhoso,
presente e cuidadoso das suas três
filhas. A única filha a quem ele dedica
real afeição é Miss Elizabeth Elliot.
Permitam-me dizer: tenho certeza de
que isto acontece apenas porque ela é
a versão feminina dele. Herdou-lhe a
beleza, a vaidade e a presunção. O que
constitui uma prova mais do que
palpável da dimensão do seu
egocentrismo.
"como era muito bonita, e
muito semelhante a ele, a sua
influência fora sempre grande e
tinham-se dado os dois muito
bem juntos. O valor das suas
duas outras filhas era muito
inferior"
Somente à Miss Elliot ele dedicava as
suas conversas, "preocupações",
passeios e decisões. Vemos, ao longo
do livro, o desprezo com o qual ele
olha para Mary - por se ter casado
com alguém que ele julga inferior aos
Elliot - e a total indiferença
relativamente à Anne. Ela
simplesmente não existe. Excepto,
talvez, quando é necessário que alguém
cumpra alguma tarefa desagradável.
Mesmo na situação da possível união
entre Anne e Frederick, Sir Walter nem
sequer se dá ao trabalho de manifestar
discordância.
"Sir Walter, quando foi
solicitado nesse sentido, sem
recusar, de facto, o seu
consentimento, ou dizer que tal
coisa jamais poderia acontecer,
reagiu com todo o negativismo
do grande espanto, da grande
frieza, do grande silêncio e de
uma resolução manifesta de não
fazer nada pela filha"
A impressão que eu tenho sempre que
leio "Persuasão" é a de que Sir Walter
Elliot é um pai indiferente, frio e
distante. Por vezes, sobressai mais o
lado frio. Outras vezes, sobressai a
indiferença. Mas o que me perturba
mais é a sua indiferença. Não há nada
pior que a indiferença. Tudo isto, estou
convicta está na raiz dos defeitos e
frustrações das filhas.
Sei que as filhas, cada uma da sua
maneira, amavam o pai. É o que Jane
transmite-nos. Mas eu, enquanto
leitora, devo manifestar a minha
repulsa por Sir Walter. Nunca lhe
perdoarei a indiferença.
24 Elizabeth Elliot Por Cátia Pereira
É a filha mais velha de Sir Walter Elliot
e de Lady Elliot. Herdou do pai a
beleza e a personalidade. Elizabeth é,
sem dúvida, uma cópia do seu pai na
vaidade, no orgulho, na presunção, na
frivolidade, na superficialidade e na
indiferença por todos os que não
estivessem ao nível dos Elliot.
Partilhava interesse pelas conversas,
assuntos e preocupações de Sir
Walter Elliot. Pelo lado da mãe
herdou - por ser a filha mais velha -
a posição social e os direitos. Desde
cedo assumiu o seu papel de senhora
da casa e a sua palavra tornou-se
autoridade dentro de Kellynch-hall.
Era, por isso, autoritária.
Nota-se que o seu relacionamento com
as irmãs revela, mais uma vez, a
semelhança com o pai: distanciamento,
frieza e indiferença.
Havia, contudo, uma
preocupação que era
exclusivamente sua: ser
ainda solteira. Guardava
para si esta preocupação
de ver a idade a avançar
e
não ter pretendentes à sua altura em
vista. Talvez a sua própria vaidade não
lhe permitiria partilhar esta
25
preocupação nem com o seu pai nem
com ninguém.
"tinha a consciência de contar
vinte e nove anos a causar-lhe
alguns pesares e algumas
apreensões. Estava plenamente
convencida de que ainda era tão
bonita como sempre fora, mas
sentia aproximarem-se os anos
perigosos (...)"
Pergunto-me, muitas vezes, se no
passado não terá Elizabeth tido ciúmes
da irmã, por esta ter tido as atenções
de Frederick Wentworth. Bem sei que
para ela o mais importante é a posição
social e o peso que isto tem em
honrarias e privilégios. Mas imagino
que uma mulher vaidosa e presunçosa
como ela é, deverá ter tido algum
ciúme de ver um jovem bonito como
Frederick preferir Anne, que para todos
"é apenas Anne".
26 Mr. Elliot Por Vera Santos
Diz o povo: Nem tudo o que reluz é
ouro e esta frase só por si já resumia
bem a personalidade de Mr. Elliott.
O primo da família Elliott que um dia
irá herdar a fortuna e o título de Sir
Walter, que surge como um parente
com o qual não existem relações uma
vez que Mr. Elliott casou com uma
mulher sem pedir autorização a Sir
Walter e isso ditou o fim das relações
entre ambos; este casamento foi feito
com vista a ser independente, já que a
mulher tinha uma vasta fortuna.
Pouco se sabe dele até que surge
novamente em Bath, agora viúvo, e
reata as suas relações com os Elliott,
depressa se torna numa pessoa
apreciada por Sir Walter e pelas
suas filhas Elizabeth e Anne.
Mas debaixo das maneiras afáveis, da
boa educação, da cordialidade,
esconde-se alguém que estando em
situação económica precária procura
agora uma forma de ter novamente
dinheiro; sendo ele herdeiro de Sir
Walter é preciso assegurar que este
não volte a casar e a ter um herdeiro
do sexo masculino que herdaria a
fortuna.
Assim, a aproximação à família Elliot é
apenas feita para garantir que os seus
interesses serão preservados. O Mr.
Elliott corteja ainda assiduamente Anne
e pretende casar com ela, numa
tentativa de melhor conseguir os seus
intentos.
Li algures que o Mr. Elliot personifica
aquelas que pessoas que debaixo da
cortesia, boas maneiras, boa
educação se esconde muitas
vezes alguém que não olha
a meios para atingir os
fins e só se interessa por
si mesmo. Não podia
concordar mais com
esta afirmação.
27 Mrs. Croft
Por Clara Ferreira
A par de Lady Russell, Mrs. Croft tem
um carácter muito sólido, e em certos
aspectos muito mais desenvolto e
infinitamente mais aberto que a própria
Lady Russell; é, como li algures (foram
muitos os artigos que passei por
revista), uma alternativa para Anne ao
modelo adulto feminino que lhe é
apresentado pela mão de Lady Russell
ou Mrs. Musgrove.
Mrs. Croft é uma personagem de
carácter forte, é uma mulher inteligente
e muito confiante, é isso que mostra a
propósito do argumento que apresenta
a Wentworth, aquando da sua discussão
a respeito das mulheres nos navios -
Capitão Wentworth tenta argumentar
de que as mulheres são criaturas
sensíveis como flores e que devem ser
poupadas da vida rude e dura do mar,
ela contrapõe dizendo que as mulheres
são seres racionais e que ninguém
espere que elas desejem permanecer
em águas calmas toda a vida.
“Pareceu-me uma mulher muito
bem-falante, gentil, perspicaz
(…)”
“Nem muito alta nem muito
gorda, tinha postura, rectidão e
vigor na sua forma, o que lhe
dava uma certa importância.
Tinha brilhantes olhos negros,
bons dentes, e no conjunto uma
face agradável; embora a sua
complexidade se apresentasse
bronzeada e um pouco
maltratada pelo tempo, como
consequência dos anos passados
ao lado do marido no mar.”
“As suas maneiras eram muito
abertas, fáceis e decididas, como
de alguém com total confiança
em si própria e sem dúvidas
sobre o que fazer, contudo, sem
qualquer rudeza e sempre de
bom humor”
28 Mrs. Clay – Oportunista Inocente?
Por Marina Nunes
Mrs. Clay tem a minha inimizade desde
a primeira vez que li Persuasão...
Oportunista, falsa, manipuladora... Um
autêntico lobo com pele de cordeiro.
"... uma filha de Mr. Shepherd,
que regressara, após um
casamento mal sucedido, a casa
de seu pai ... mulher nova e
inteligente, que compreendia a
arte de agradar... pelo menos,
em Kellynch-Hall."
Mrs. Clay não tem influência directa na
história de Wentworth e Anne mas a
sua relação com o pai e a irmã de
Anne e posteriormente com Mr Elliot
ajudam a tornar toda a trama de
Persuasão ainda mais interessante. A
sua astúcia em lisonjear Elizabeth e
o pai, para ser das suas relações
intimas, a sua candura, falsa mas
aparente, conquistaram pai e filha
e fez com que ela acreditasse que
poderia ser a futura Mrs Elliot.
Contudo, a sua astúcia e
inteligência desvanecem-se
quando aparece Mr. Elliot e
ela se apaixona. Os seus actos
deixam de ser "seus" para
passarem a ser comandados
por ele e pelas suas promessas.
E o fim de Mrs. Clay é o esperado
numa obra destas:
" Os sentimentos de Ms Clay
tinham-se sobreposto aos seus
interesses e ela sacrificara, por
amor do jovem cavalheiro, a
possibilidade de continuar
durante mais tempo as suas
maquinações para apanhar Sir
Walter".
Pergunto-me: E se ela tivesse casado
com Sir Walter? O que teria
acontecido?
29 Capitão Harville e Capitão Benwick – Os
Amigos do Herói
Por Marina Nunes
Capitão Harville e Capitão Benwick
são os Amigos de Wentworth... são
aqueles com quem ele privou durante
as suas viagens e aos quais mantêm a
sua amizade. Ambos são importantes
no desenrolar da história dos nossos
heróis porque é por eles que
Wentworth vai a Lyme e leva com ele
os Musgrove e Anne. A relação, quer
de um quer de outro, com Anne já faz
antever o quanto iria ser harmoniosa a
vida de Anne com o Capitão
Wentworth.
O capitão Harville, parece-me, tinha
de Wentworth não apenas a amizade
sincera mas também o respeito de
homem mais velho. Mas, acima de
tudo, uma amizade sincera e fiel.
" Toda incorporada na minha amizade,
Sophia. (...) e traria qualquer coisa do
Harville do fim do mundo, se ele
quisesse."
É aliás esta amizade que o leva a Lyme
para ver o amigo que está doente por
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ter sido gravemente ferido. E Lyme é
muito importante nesta nossa história.
"O capitão Benwick fora, há
algum tempo, primeiro
tenente de Laconia, e o relato
que o Capitão Wentworth fizera
dele, ... os elogios calorosos que
lhe dedicara como excelente
jovem e oficial... seguidos de
uma pequena história da sua
vida particular que o tornara
absolutamente interessante aos
olhos de todas as senhoras.
Estivera noivo da irmã do
Capitão Harville e chorava
agora a sua perda. Tinham
esperado um ou dois anos pela
fortuna e promoção (...)"
Em relação a Benwick acho que
Wentworth vê na história dele uma
semelhança com a sua. Esperar pela
fortuna ou pela idade para ficar com
quem se ama poderia acabar mal como
no caso de Benwick, e aqui Wentworth
tinha uma razão sólida para "condenar"
Anne por não o ter aceitado 8 anos
antes. Benwick acaba por casar com
Louisa Musgrove e aqui "resolve" um
problema a Wentworth. Contudo,
também "desanima" Wentworth que
não compreende como é que ele
conseguiu esquecer a irmã de Harville
que descreve como "mulher superior",
tal como ele considera Anne.
Tenho grande simpatia por estas
personagens. São personagens de
"sentimentos": a amizade entre eles e
Wentworth, a tristeza pela perda da
irmã de Harville, o amor de Benwick e
a sua apatia pela perda, o seu "novo
amor" por Louisa, a tristeza de Harville
por a sua irmã ter sido esquecida. E
nunca poderei deixar de falar no facto
de que é com Harville que Anne fala
quando o Capitão escreve a linda
carta...
31 O Casal Perfeito- Almirante e Mrs. Croft Por Clara Ferreira
É difícil não nos rendermos a este
casal. Comungam de uma felicidade
imensa que transpira em cada frase que
Jane escreve sobre eles. São duas
almas feitas uma para a outra, o
carácter amigável e passivo do
Almirante Croft contrasta com a
confiança e abertura de Mrs. Croft.
Mas o que sobressai neste casal é a sua
descontracção perante tudo e todos. A
sua mente aberta varreu-lhes muitos
preconceitos, isto possivelmente graças
aos muitos anos fora da sempre atenta
sociedade inglesa e da quantidade de
realidades que enfrentaram e
conheceram nas suas viagens
marítimas.
Este casal tem de facto
bastante simbolismo.
Parecem servir de
prenúncio para
aquilo que virá a ser
o casamento de
Anne e
Wentworth. O
amor de ambos é
igualmente
constante e tem
sobrevivido a
muitas
tempestades,
é um casal
sem falsas
modéstias,
sempre
muito
divertido, sem preconceitos
– lembro-me agora da passagem do
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livro em que Anne sobe para a tipóia
com eles, e o Almirante e Mrs. Croft se
apertam no banco de dois lugares para
dar espaço a Anne e de como a
conversa deles durante esse percurso é
tão relaxada e despreocupada; ou da
conversa de Mrs. Croft no jantar
quando entra numa luta de argumentos
com o irmão a propósito das mulheres
nos navios.
São um claro símbolo de felicidade,
aliás, Persuasão está repleto de casais
felizes, cada um à sua maneira - Mr. e
Mrs. Musgrove, Captain Harville e Mrs.
Harville. E saliento que não é algo
comum às outras obras de Jane, que
casais tão felizes e completos
encontramos em O&P ou S&S ou
mesmo Parque de Mansfield? Em
Emma temos Mr. e Mrs. Weston, em
Abadia de Northanger, Mr. e Mrs.
Morland e Mr. e Mrs. Allen, sim, é
certo, mas um casal tão feliz, completo
e em pé de igualdade como com
Almirante e Mrs. Croft, acho que não
encontramos – neste casal, não há
uma mulher por detrás de um grande
homem; há antes uma grande mulher
ao lado de um grande homem.
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O tema da próxima edição é:
Orgulho e Preconceito