jeruza da rosa da rocha
TRANSCRIPT
O PROTAGONISMO DA INFÂNCIA CAMPESINA: a fotografia em
diálogo com as narrativas infantis
JERUZA DA ROSA DA ROCHA
Resumo
Temática sistematizada a partir de dados do Programa de Extensão do Núcleo Educamemória. Contou
com a colaboração e (co) produção de quatorze crianças do 4º ano e educadoras da escola Carlos
Soares da Silveira. O objetivo foi compreender como as crianças percebiam espaços que constituem o
contexto campesino de cultura pomerana por meio da fotografia e narrativas infantis. Nesta direção
foram realizadas fotografias pelas crianças, que sinalizaram os espaços de sociabilidade, lazer,
brincadeira e vida do campo. Processo de Roda de diálogo com as crianças e a projeção das imagens,
culminando em reflexões e diálogo coletivo e potente entre as crianças em relação à cultura pomerana
e espaços que constituem a vida do campo. Tematização das narrativas das crianças em relação às
imagens fotográficas. Com esse conjunto de registros escritos e fotográficos realizamos outro
momento de diálogo junto à comunidade local a partir da exposição dos banners. Esta metodologia
aliada às narrativas infantis proporcionou o protagonismo das crianças no contexto investigativo e o
empoderamento das crianças como atores sociais que (re) produzem cultura e reinterpretam de forma
inventiva o contexto em que vivenciam.
Palavras-chave: Narrativas Infantis. Crianças. Fotografias.
1- Introdução
Este estudo é um recorte do plano de ação desenvolvido no PROGRAMA DE
EXTENSÃO: EDUCAÇÃO E MEMÓRIA: Diálogos com a Diversidade Camponesa
vinculado ao Educamemória/IE/FURG no ano de 2014. Contou com a colaboração e (co)
produção de quatorze crianças do 4º ano e da educadora da escola Carlos Soares da Silveira-
Nova Gonçalves/Canguçu/RS. O objetivo foi compreender como as crianças percebiam os
espaços que constituem o contexto em que vivenciam por meio da fotografia e da Roda de
Diálogos. Nesta direção foram realizadas fotografias pelas crianças do entorno da
Comunidade, visto que as imagens fotográficas sinalizaram a reinterpretação pelas crianças
do contexto da vida do campo, do mundo do trabalho, dos espaços de brincadeiras e da
cultura pomerana a qual pertencem. Com isso as fotografias foram subsídios fecundos para
realizarmos Rodas de diálogos, as quais proporcionaram narrativas e reflexões relevantes para
Universidade Federal de Pelotas-UFPEL. Mestre em Educação. Apoio CAPES.
2
pensarmos a fotografia como ferramenta potencializadora no campo de estudos das infâncias.
Sinalizando as crianças como atores sociais que (re) produzem cultura e reinterpretam de
forma inventiva o contexto em que vivenciam.
Nesta direção este artigo organiza-se primeiramente por anúncios e discussões
teóricas no campo de estudos da Sociologia da Infância, o qual problematiza as crianças como
protagonistas do processo investigativo e produtores de culturas. Na seção seguinte apresento
o embasamento metodológico que embasa o estudo, bem como algumas produções
fotográficas das crianças. Por fim elenco algumas considerações que versam sobre a
potencialidade da produção fotográfica pelas crianças e de suas narrativas, como artefato
enriquecedor e propositivo na pesquisa com crianças, capaz de traduzir e apresentar as
culturas infantis presentes na comunidade de Nova Gonçalves.
2 – Discussão teórica
O aporte teórico que embasa a discussão são os Estudos das Crianças e da Sociologia
da Infância, os quais problematizam as crianças como atores sociais do presente (re)
produtores de culturas e de transformação social do contexto em que vivenciam. O campo de
estudos da Sociologia da Infância compreende as crianças distanciando-se de uma concepção
de infância ingênua e incapaz, a qual necessita “formar-se” para o mundo social adulto
(CORSARO, 2011). Este campo de estudos sinaliza a relevância de construir ações inserindo
as crianças como co-autoras do processo, as quais são capazes de (re) construir, (re) produzir
e (re) interpretar significados e saberes do mundo que os cerca. Sinalizar a potencialidade das
crianças como agentes sociais, traz para a discussão a capacidade que possuem de recriação,
reinvenção e reinterpretação da cultura que os atravessa em seus grupos. Assumindo essa
perspectiva da criança como agente social e a infância como categoria social, prevê talvez a
descentralização da visão moderna, a qual entende a criança como “um sujeito unificado,
reificado e essencializado – no centro do mundo – que pode ser considerado e tratado à parte
dos relacionamentos e do contexto” (DAHLBERG, MOSS, PENCE, 2003, p. 63).
3
Trago os estudos de Sarmento para problematizar com o leitor, a necessidade de
estarmos atentos as crianças do presente. O autor diz que necessitamos compreender as
crianças “naquilo que são, no presente, a partir de seu próprio contexto e sua forma específica
de ser” (SARMENTO, 2013, p. 19). No campo de Estudos da Criança, sendo a Sociologia da
Infância “uma disciplina científica” a qual conduz a uma ruptura da visão fragmentada e
reducionista à criança, afirma-se assim a superação das dicotomias as quais reduzem as
infâncias a momentos de ingenuidade e de incompletude. Ao citar Qvortrup em seu texto
Sarmento argumenta que, na perspectiva desse autor “a infância deve ser analisada como se
fosse uma classe social, dado que é uma categoria permanente na sociedade” (2013, p.28).
Entendendo as crianças como classe social no que tange um grupo de agentes permanentes,
que produzem seus modos de ser e de estar no espaço da sociedade produzindo suas culturas e
interagindo com os demais grupos.
As culturas produzidas pelas crianças necessitam ser compreendidas como elemento
potencializador, pois anuncia a cultura de um determinado contexto, retrata as representações
da comunidade e o saber local que tangencia os modos de ser, de estar e de pensar de um
grupo social. Neste sentido pensar na produção das culturas das crianças é concebê-las
“afirmadas pela interação de pares e pelo processo de ‘socialização horizontal’, isto é, de
pertença aos coletivos infantis, com as suas linguagens, códigos, protocolos, lógicas e
artefatos” (DELGADO e MÜLLER, 2006, p. 19).
Os estudos de Corsaro (2011) também apontam para as culturas de pares1 as quais
remetem-se as culturas da infância. O autor anuncia que essas culturas são produzidas pelas
crianças, com seus pares, bem como nas interações com os adultos, ou seja, as crianças
reinterpretam a cultura dos adultos a partir de suas necessidades. Willam Corsaro (2011), em
suas pesquisas e estudo, apresenta as crianças como atores sociais ativos que produzem e são
produzidas pelo meio social em que se inserem, o qual é permeado por grupos de outras
crianças, adultos e famílias. A produção de cultura, segundo o autor, não se restringe à
1 Segundo Willam Corsaro o conceito de cultura de pares significa “um conjunto estável de atividades ou
rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus pares”
(CORSARO, 2009, p.32).
4
imitação ou à internalização de conhecimentos; é reinventada e transformada pelas crianças
coletivamente. Um dos conceitos que aponta elementos relevantes para compreender as
culturas das crianças é o conceito de “reprodução interpretativa” que, conforme Corsaro,
encara a integração das crianças em suas culturas como reprodutiva, em vez de
linear. De acordo com essa visão reprodutiva, as crianças não se limitam a imitar ou
internalizar o mundo em torno delas. Elas se esforçam para interpretar ou dar sentido
a sua cultura e a participarem dela. Na tentativa de atribuir sentido ao mundo adulto,
as crianças passam a produzir coletivamente seus próprios mundos e culturas de
pares ( 2011, p. 36).
Este conceito permite compreender as crianças como agentes potentes, criativos e
transformadores do contexto social em que estão inseridos. A “reprodução interpretativa” não
se dá de forma linear, mas em forma de “teia global”. A noção de “teia global”, conceito
também cunhado por Corsaro, contribui para as minhas reflexões, pois se configura como
“um modelo que inclui a reprodução interpretativa como uma espiral em que as crianças
produzem e participam de uma série de culturas de pares incorporadas” (CORSARO, 2011, p.
37).
A “teia global” compreende as crianças enquanto agentes sociais ativos, que
interagem e participam de diversos grupos culturais, os quais podem ser constituídos por
outras crianças, bem como por adultos. Esses dois grupos culturais, o dos adultos e o das
crianças, encontram-se interligados, compreendendo a participação ativa das crianças nessas
duas culturas (CORSARO, 2011, p. 40).
Aposto em um novo pensar em relação às infâncias. Partindo primeiramente da idéia
de que as infâncias estão presentes na humanidade e não uma única infância para todas as
crianças. Entendo que algumas rotinas culturais, como por exemplo, as brincadeiras,
perpassam as infâncias, mas estas também são atravessadas por diversos contextos sociais,
econômicos e culturais, os quais contribuem nas características e especificidades das infâncias
de um determinado país Ocidental comparado com um país Oriental, por exemplo.
Diante da pluralidade das infâncias presentes em diversos contextos aliado a
desmistificação de uma visão adultocêntrica da mesma, talvez possamos anunciar um olhar
diferenciado no âmbito dos estudos e da pesquisa com crianças. Nesta perspectiva saliento a
necessidade de repensarmos nossos estudos em relação às infâncias, bem como as pesquisas
5
que envolvem as crianças no que diz respeito à visibilidade das crianças, a escuta atenta ao
que dizem e fazem e das ações e contribuições sociais que acontecem entre os grupos de
crianças. Talvez, estaremos caminhando a um novo “paradigma da sociologia da infância”
(Prout e James, apud Dahlberg, Pence e Moss, 1990), o qual concentra diversas características
como potencializadoras, entre elas destaca-se que
a infância é uma construção social, elaborada para e pelas crianças, em um conjunto
ativamente negociado de relações sociais. Embora a infância seja um fato biológico,
a maneira como ela é entendida é determinada socialmente (DAHLBERG, MOSS,
PENCE, 2003, p. 71).
Há uma construção social da infância, a qual também é definida pelos símbolos, pela
estrutura social, pela política, pela cultura e pela economia entre outros elementos que (re)
produzimos. Dialogar com esse aporte teórico e compreender as infâncias com construção
anuncia o redirecionamento ao campo de estudos da área de conhecimento o que garante
visibilidade e o empoderamento das crianças e suas culturas.
3 - Caminhos Metodológicos: Rodas de Diálogo e Produção Fotográfica
O estudo amparou-se por uma inspiração no campo da etnografia e da pesquisa com
crianças, referenciada pela obra de Graue & Walsh (2003) que permitiu compreender que,
para além da rigorosidade na coleta de dados, a flexibilidade de revisar e aprofundar outros
caminhos teóricos e ferramentas metodológicas é necessário quando realizarmos ações com
crianças. É uma abordagem que “possibilita uma base de dados empírica, obtida por meio da
imersão do pesquisador nas formas de vida do grupo” (CORSARO, 2009, p. 83).
Neste trabalho faço uso da metodologia da História Oral, buscando traçar
aproximações com as narrativas da infância, portanto, buscando a partir de memórias infantis
compreender como as crianças percebem os espaços que constituem o contexto em que
vivenciam. Assim, a memória de tempos presentes apresenta-se como fonte de pesquisa,
enquanto, a História Oral subsidia metodologicamente as análises que traço, junto a utilização
de instrumentos de coleta de dados (Fotografia e Rodas de Diálogo) e, claro, tendo como base
6
teórico metodológico os referenciais dos Estudos das Crianças e da Sociologia da Infância
referenciados anteriormente. Conforme Alberti (2005),
a História Oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o
estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a
invenção do gravador à fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com
indivíduos que participaram de, ou testemunharam acontecimentos e conjunturas do
passado e do presente. (p. 155).
O estar junto às crianças, às inquietações que tangenciaram nossas conversas, os
saberes que construíram os momentos de diálogos em relação à vida campesina, bem como os
espaços que legitimam como instância social, permitiu que o estudo se desenvolvesse e se
organizasse, anunciado através da voz e da vez das crianças, um olhar mais acurado em
relação às culturas infantis e os espaços de sociabilidade. Compreendo as narrativas das
crianças enquanto fontes históricas, enquanto fontes orais, uma vez que são produzidas a
partir de memórias de sujeitos, memórias que dão conta de descrever e contextualizar
histórias individuais e coletivas. A História Oral produz narrativas orais, que são narrativas de
memória. Essas, por sua vez, são narrativas de identidade na medida em que o entrevistado
não apenas mostra como ele vê a si mesmo e o mundo, mas também como ele é visto por
outro sujeito ou por uma coletividade. A memória é construída socialmente (Halbwachs,
1990), mas, contudo, também é ressignificada a partir das relações estabelecidas com o meio
social, afinal, as lembranças evocadas são aquelas que o narrador vivencia em seu meio
social, ou seja, nas relações com o seu grupo.
Com isso a fotografia neste estudo configura-se como elemento potencializador para
pensarmos os espaços ocupados pelas crianças e as estratégias que as crianças lançam mãos
em suas narrativas para contar suas relações com tais espaços. Esta ferramenta, ou melhor, o
uso dessas imagens fotográficas constitui-se por representações simbólicas interpretadas pelas
crianças em relação as brincadeiras, a produção de cultura entre os pares, na constituição e na
ressignificação das relações tecidas entre as crianças. Nesta perspectiva, concordo com o
autor quando sinaliza que as fotografias “registram atividades que se enraízam nas relações
sociais mais amplas, na totalidade social em que se articulam” (CIAVATTA, 2009, p. 45).
Cabe destacar que as imagens não falam por si só, neste caso a intenção de utilizá-las
em conjunto com os relatos das crianças, buscou construir um diálogo no campo de estudos
7
da Infância, e iniciar discussões e apontamentos no âmbito de sinalizações concretas com as
crianças. Salientando a relevância de construir em conjunto com as crianças direcionamentos
metodológicos que enderecem a co-autoria das crianças em ações de extensão e da pesquisas.
Com isso, aposto neste recorte do projeto para eleger a fotografia como ferramenta propulsora
de apontamentos e diálogos com o campo de estudos das Infâncias. Utilizar a fotografia como
uma ferramenta metodológica transcende a mera ilustração de um determinado contexto ou
acontecimento, mas a representação do real, das vivências e das experiências cotidianas das
crianças.
O foco é apresentar essas imagens fotográficas como um elemento potente no
contexto das ações de extensão e da pesquisa, tendo como co-autoria desse processo de
interpretação, os relatos das crianças. Esses relatos aliado as fotografias contam uma história,
trazem as memórias dos espaços e dos lugares que as crianças ocupam e transitam na
comunidade. Considero esta ferramenta um artefato relevante para contar um pouco das
histórias, da cultura pomerana e do saber local dessa comunidade e das infâncias presente.
Compartilho dos argumentos do autor quando diz que
a imagem fotográfica apresenta-se como um testemunho visual e como
representação que requer, pois, uma leitura específica. Como fonte de informação,
recordação e até emoção, a imagem fotográfica associa-se à memória e introduz uma
nova dimensão no conhecimento histórico. O desafio para o historiador que busca
utilizar a fotografia como objeto de estudo reside justamente na interpretação.
Enquanto receptor da imagem, ele não pode desconsiderar os mecanismos
implicados em sua recepção (BENCOSTTA, 2011, p.408).
Os caminhos metodológicos que embasam este estudo concentraram esforços na co-
autoria com as crianças. Foram realizadas caminhadas ao redor da escola e da comunidade
local na intenção de reconhecer os espaços em que as crianças ocupam e transitam e de
registrar através da realização de fotografias. A proposta se deu pela indicação das crianças
dos locais a serem visitados e fotografados, em um total de 50 imagens aproximadamente. O
grupo de crianças foi dividido em outros 3 grupos menores os quais registraram os espaços de
brincadeiras, de diversão, do trabalho e da vida e lida no campo. Com os registros
fotográficos organizamos uma Roda de Diálogo para agrupar as fotografias em sessões
temáticas.
8
As crianças neste momento construíram um debate enriquecedor quanto suas
interpretações das imagens aliada ao contexto e a cultura da vida do campo que vivenciam.
Sinalizando as fotografias como artefato potente para pensarmos nas culturas infantis
pomeranas e suas ressignificações. Configurando a extensão da fotografia como
representações da cultura, da vida do campo, do trabalho e da sociabilização entre as crianças,
seus pares e os espaços que compõem a comunidade de Nova Gonçalves. Nesta direção,
apresento algumas imagens fotográficas realizadas pelas crianças e relatos que retratam e
apresentam o contexto de vivências e de experiências da vida do campo e de sociabilidade das
crianças2.
Imagem fotográfica 1 - Imagens geradas criança Rodas de diálogos
2 O estudo se ampara pelo consentimento livre e esclarecido assinado pelos responsáveis e pelas crianças que
participaram das ações de extensão e de pesquisa.
9
Imagem fotográfica 2 - Imagens geradas pelas crianças reconhecimento do contexto da comunidade
“ A ceifa corta soja e milho, mas essa é abandonada e dá pra brincar”
“ Eu já fiz um pique-nique improvisado nessas árvores, mas as vezes é combinado”3
Imagem fotográfica 3 - Imagem gerada pelas crianças – brincadeiras e lazer
“Aqui essa caçamba coloca areia nos buracos da estrada”
“Esse trator dá de botar reboque pra plantar, revirar a terra.
“ O campo do Aliança sempre tem sombra”
“ É um lugar de descanso e de diversão”
“ Quase todo o lugar no Aliança é de brincadeira, dá pra brincar, todos gostam de brincar
no campo do Aliança”
“No açude dá pra tomar banho, eu já fui bem no meio. Eu coloco dois litrão debaixo dos
braços amarrados e fico boiando. É fundo”4
3 Relatos das crianças no momento da Roda de Diálogos – registro em diário de campo.
4 Relatos das crianças no momento da Roda de Diálogos – registro em diário de campo.
10
Imagem fotográfica 4 – imagens geradas pelas crianças contexto da vida e lida do campo
“Eu adoro comer morango, nós já colhemos, agora só termina lá pra janeiro”
“ Se vende pra casamento, para os vizinhos. Agora com esse sol tá ruim pra plantar”
“É assim fica uma flor branca e depois dali nasce a fruta”
“ O fumo dá dinheiro, mas eu queria que meu pai só plantasse morango. Se nós tiver
muito dinheiro nós vamos baixar a quantidade de fumo e plantar só morango”5
4 – Algumas Considerações
Cabe destacar que o uso da fotografia como objeto de estudo aliado aos relatos das
crianças e os registros no diário de campo anunciaram a intenção de construirmos e
organizarmos estudos que dialoguem com as infâncias e o cotidiano ao qual pertencem.
Diante do exposto podemos afirmar a relevância dos espaços das infâncias, das brincadeiras, o
brincar embora seja considerado como uma atividade “natural” da criança, a “essência
infantil”, vista algumas vezes por algo espontâneo, ativo e desinteressado, configura-se como
característica da cultura e do momento histórico vivenciado. (BUJES, 2004, p. 207). Reitero a
potencialidade da fotografia como objeto de investigação que transcende o olhar estático de
uma determinada situação ou vivência, mas como um objeto que dialoga, discute e aponta
5 Relatos das crianças no momento da Roda de Diálogos – registro em diário de campo.
11
reflexões quando aliada a voz e a vez das crianças no desenvolvimento de ações
extensionistas e investigativas.
Conversar e interagir com o grupo, ouvi-las sobre o que pensam e o que fazem e suas
ações nesses espaços, permitiu compreendê-las como colaboradores e co-autores do processo,
de maneira que contribuíram em todas as instâncias das ações desde a organização, o
desenvolvimento até os processos de finalização. Conduzir ações de forma colaborativa com
as crianças, perceber os espaços que transitam e ocupam na comunidade retratou através dos
dados, a presença das crianças como atores sociais que agem recriam e transformam o meio
social em que estão inseridos. As interpretações que tecem em relação a cultura pomerana, a
vida do campo, os desafios de sobreviver da terra e as proposições que tecem sobre as
possibilidades de organização econômica da comunidade, reitera a potencialidade da
interpretação das crianças em relação ao meio em que estão inseridas. Com isso retomo o
conceito de “reprodução interpretativa” (CORSARO, 2011), para pensarmos na Sociologia da
Infância como um arcabouço teórico potente e capaz de almejar apontamentos significativos
no campo de estudos das infâncias. Aliado a este aporte teórico, a produção fotográfica pelas
crianças anunciou este artefato como um elemento enriquecedor e propositivo quanto as pistas
sinalizadas pelas crianças, as quais traduzem e apresentam as culturas infantis presentes na
comunidade de Nova Gonçalves por meio das imagens fotográficas e de suas narrativas
interpretativas.
Referências
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes
históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
BENCOSTTA, Marcus Levy. Memória e Cultura Escolar: a imagem fotográfica no estudo da
escola primária de Curitiba. História (São Paulo) v.30, n.1, p. 397-411, jan/jun 2011.
BUJES, M. I. Criança e brinquedo: feitos um para o outro? In.: Estudos Culturais em
educação:mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, leiteratura, cinema / Org. Marisa Vorraber
Costa; Alfredo Veiga Neto.2ª Ed. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
CIAVATTA, Maria. A cultura material escolar em trabalho e educação. a memória
fotográfica de sua transformação. Educ. e Filos. Uberlândia, v. 23, n. 46, p. 37-72, jul./dez.
2009.
CORSARO, W. A. Métodos etnográficos no estudo da cultura de pares e das transições
iniciais na vida das crianças. In: MÜLLER, F., CARVALHO, A. M. A. (Orgs.). Teoria e
Prática na pesquisa com crianças: diálogos com William Corsaro. São Paulo: Cortez, 2009.
12
__________Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.
DAHLBERG, G. . ; MOSS, P. E PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância:
perspectivas pós-modernas / Gunilla Dahlberg, Peter Moss e Alan Pence; tradução Magda
França Lopes – Porto Alegre: Artmed, 2003.
DELGADO, A. C. & MULLER, F. Tempos e espaços das infâncias. Revista Currículo sem
Fronteiras, v.6, n.1, pp.5-14, jan/jun 2006.
GRAUE, M. E; WALSH, D. J. Investigação Interpretativa com crianças: teorias, métodos
e ética. Lisboa: Fundação Calouste Guibenkian, 2003.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos
Tribunais, 1990.
SARMENTO, M. J. A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E A SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA: desafios conceituais e praxeológicos. In.: TEODORA, R.
GARANHANI, M. C. (Orgs.) A sociologia da infância e a formação de professores.
Curitiba: Champagnat, 2013.
___________. As Culturas da Infância nas Encruzilhadas da 2ª. Modernidade. In:
SARMENTO, M. J.; CERISARA, A. B. Crianças e Miúdos: Perspectivas Sociopedagógicas
da Infância e Educação. Porto, Portugal: Asa Editores, 2004.