joão calvino - 2 corintios

Upload: ariosto-nogueira

Post on 03-Jun-2018

274 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    1/55

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    2/55

    Editora Fiel

    SRIE COMENTRIOS BBLICOS

    JOO CALVINOTraduo: Valter Graciano Martins

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    3/55

    Editora Fiel

    Av. Cidade Jardim, 3978Bosque dos Eucaliptos

    So Jos dos Campos-SPPABX.: (12) 3936-2529

    www.editorafiel.com.br

    2 Corntios - Srie Comentrios BblicosJoo CalvinoTtulo do Original: Calvins Commentaries:The Second Epistle of Paul the Apostle to the

    Corinthians and the Epistles to Timothy, Titus andPhilemonEdio baseada na traduo inglesa de T. A. Smail,publicada por Wm. B. Eerdmans Publishing Com-pany, Grand Rapids, MI, USA, 1964, e confrontadacom a traduo de John Pringle, Baker Book Hou-se, Grand Rapids, MI, USA, 1998.

    Copyright 2008 Editora FielPrimeira Edio em Portugus

    Todos os direitos em lngua portuguesareservados por Editora Fiel da MissoEvanglica Literria

    PROIBIDAAREPRODUODESTELIVROPORQUAISQUERMEIOS,SEMAPERMISSOESCRITADOSEDITORES,SALVOEMBREVESCITAES, COMINDICAODAFONTE.

    A verso bblica utilizada nesta obra umavariao da traduo feita por Joo Calvino

    Editor: James Richard Denham Jr.Coordenao Editorial: Tiago SantosEditor da Srie Joo Calvino: Franklin Ferreira

    Traduo: Valter Graciano MartinsReviso: Wellington Ferreira e Franklin FerreiraCapa: Edvnio SilvaDiagramao: Wirley Correa e Edvnio SilvaDireo de arte: Rick DenhamISBN: 978-85-99145-50-0

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    4/55

    Sumrio

    Prefcio edio em portugus ................................................11

    Dedicatria....... ............................................................................15

    O Argumento .............................................................................17

    Captulo 1 Versculos 1 a 5 ..................................................25

    Versculos 6 a 11 ................................................31

    Versculos 12 a 14 ..............................................40

    Versculos 15 a 20 ..............................................46

    Versculos 21 e 22 ..............................................54

    Versculos 23 e 24 ..............................................56

    Captulo 2 Versculos 1 e 2 ..................................................61

    Versculos 3 a 5 ..................................................62

    Versculos 6 a 11 ................................................65

    Versculos 12 e 13 ..............................................69

    Versculos 14 a 17 ..............................................70

    Captulo 3 Versculos 1 a 3 ..................................................81 Versculos 4 a 11 ................................................85

    Versculos 12 a 14 ..............................................95

    Versculos 15 a 18 ..............................................96

    Captulo 4 Versculos 1 a 6 ................................................105

    Versculos 7 a 12 ..............................................118 Versculo 13 ......................................................123

    Versculos 14 a 18 ............................................124

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    5/55

    Captulo 5 Versculos 1 a 8 .................................................133

    Versculos 9 a 12 ...............................................142

    Versculos 13 a 17 .............................................147

    Versculos 18 a 21 .............................................152

    Captulo 6 Versculos 1 a 10 ...............................................163

    Versculos 11 a 18 .............................................173

    Captulo 7 Versculo 1 .........................................................183 Versculos 2 a 5 .................................................185

    Versculos 6 e 7 .................................................186

    Versculos 8 e 9 .................................................191

    Versculos 10 a 11 .............................................192

    Versculos 11b a 16...........................................199

    Captulo 8 Versculos 1 a 7 .................................................205 Versculos 8 a 12 ...............................................211

    Versculos 13 a 16 .............................................215

    Versculo 17 .......................................................216

    Versculos 18 a 24 .............................................221

    Captulo 9 Versculos 1 a 5 .................................................227

    Versculos 6 a 9 .................................................231

    Versculos 10 a 15 .............................................235

    Captulo 10 Versculos 1 a 6 .................................................241

    Versculos 7 e 8 .................................................250

    Versculos 9 a 11 ...............................................251

    Versculos 12 a 14 .............................................255 Versculos 15 a 18 .............................................256

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    6/55

    Captulo 11 Versculos 1 a 6 .................................................263

    Versculos 7 a 12 ...............................................271

    Versculos 13 a 15 .............................................275

    Versculos 16 a 21 .............................................277

    Versculos 22 a 24 .............................................281

    Versculos 24 a 29 .............................................282

    Versculos 30 a 33 .............................................288

    Captulo 12 Versculos 1 a 5 .................................................291 Versculos 6 a 8 .................................................297

    Versculos 9 e 10 ...............................................298

    Versculos 11 a 15 .............................................306

    Versculos 16 a 21 .............................................312

    Captulo 13 Versculos 1 a 4 .................................................317

    Versculos 5 a 9 .................................................322 Versculos 10 e 11 .............................................327

    Versculos 12 a 14 .............................................328

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    7/55

    Prefcio Edio em Portugus

    Joo Calvino est um nvel acima de qualquer comparao, noque diz respeito interpretao da Escritura. Os seus comentrios pre-cisam ser muito mais valorizados do que quaisquer dos escritos querecebemos dos pais da igreja. Esse endosso entusiasmado de Calvinoe de seus dons como comentarista e intrprete bblico foi emitido poraquele que considerado o seu grande antagonista: Jacobus Arminius!Charles Haddon Spurgeon, registra isso e classifica o comentarista Cal-

    vino como prncipe entre os homens e apresenta, ainda, a citaofavorvel de um padre catlico romano (Simon): Calvino possui umgnio sublime.

    O que levaria Arminius, que divergiu com tanta intensidade dacompreenso calvinista da soberania de Deus e da extenso da escra-vido ao pecado na qual se encontra a humanidade, ou mesmo umcatlico romano, com sua discordncia do modo de salvao defendi-

    do pela reforma, pronunciar tais elogios sobre Joo Calvino?Certamente eles se renderam preciso, devoo e seriedade

    com as quais Calvino abordava a Palavra Sagrada, em seus escritos.Spurgeon destaca a sinceridade de Calvino e a tnica que o classifica

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    8/55

    12 Comentrio de 2 Corntios

    como um exegeta, em paralelo a todas s suas demais qualificaes.Ele disse: A sua inteno honesta foi a de traduzir o texto original,

    do hebraico e do grego, com a maior preciso possvel, partindodesse ponto para expor o significado contido nas palavras gregas ehebraicas: ele se empenhou, na realidade, em declarar no a sua pr-pria mente acima das palavras do Esprito, mas a mente do Espritoabrigada naquelas palavras. por isso que Richard Baxter deu essetestemunho: No conheo outro homem, desde os dias dos apsto-los, que eu valorize e honre mais do que Joo Calvino. Eu me aproximoe tenho grande estima de seu juzo sobre todas as questes e sobreseus detalhes.

    nessa linha e atribuindo esse valor, que devemos receber e apre-ciar este Comentrio sobre a Segunda Carta de Paulo aos Corntios.Romanos foi o primeiro comentrio escrito, em 1540, seguindo-se asdemais cartas de Paulo. Este livro foi, portanto, o terceiro que ele es-

    creveu, na seqncia, concludo em agosto de 1546 (1 Corntios foiconcludo em janeiro de 1546; os comentrios s demais epstolas dePaulo foram concludos em 1548). Seu ltimo comentrio foi publica-do em 1563, todos escritos, originalmente, em latim. Ficaram faltando,dos livros bblicos: Juzes, Rute, 1 e 2Samuel, 1 e 2Reis, 1 e 2Crnicas,Esdras, Neemias, Ester, J, Provrbios, Eclesiastes, Cntico dos Cnti-cos, 2 e 3Joo e Apocalipse. Calvino faleceu escrevendo o comentrio

    de Ezequiel.Seguindo o seu costume, Calvino inicia este comentrio com

    uma dedicatria, desta feita a Melchior Wolmar Rufus, um alemomuito famoso, professor de Direito Civil, alvo de sua profunda grati-do. Teodoro Beza escreveu o seguinte sobre Melchior Wolmar, emsua Vida de Joo Calvino: A sua erudio, piedade e outras virtu-des; em conjunto com suas habilidades admirveis como professor

    de jovens, no podem ser suficientemente destacadas. Em funo deuma sugesto sua e por sua atuao, Calvino aprendeu a lngua gre-ga. Assim, em meio aos seus estudos de advocacia, Calvino, aos22 anos de idade, aprendeu a dominar uma das lnguas originais da

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    9/55

    Prefcio Edio em Portugus 13

    Bblia, formando o alicerce de sua vida eclesistica, como exegeta,hermeneuta e telogo.

    Joo Calvino , reconhecidamente, um exegeta, um hermeneutae um mestre em poimnica, mas ele , antes de tudo, um telogo sis-temtico. Certamente mais famoso por seu tratado de teologia AsInstitutas da Religio Crist onde ele demonstra o apreo que tem paraa fonte de sua sistematizao teolgica, a Bblia, com esses diversoscomentrios que escreveu ao longo de sua curta vida. Os Comentriosso importantssimos, pois derrubam a caricatura de que Calvino foium racionalista cujas ilaes contrariam no somente o bom senso,mas o prprio ensino da Palavra de Deus. No pode ser aceita, por-tanto, a viso propagada por oponentes de Calvino, de que ele deixaa viso orgnica do Reino para trs e embarca em um delrio racional,que o leva a concluses sobre a soberania de Deus no encontradasnas Escrituras. Ora, exatamente na Palavra de Deus, estudando texto

    a texto, onde Calvino encontrar a base para reafirmar e extrair todasas suas convices e ensinamentos. No deve nos surpreender queCalvino, o telogo sistemtico, comeasse comentando Romanos (queele considerava a chave para a interpretao correta das Escrituras)e as cartas de Paulo aos Corntios. Estes livros so sistemticos naapresentao de doutrinas fundamentais da f crist, interpretando eaplicando os ensinamentos dos Evangelhos; explicando os fundamen-

    tos do Antigo Testamento; firmando os passos da igreja de Cristo naNova Aliana.

    interessante, tambm, que mesmo quando Calvino se envolveem um mergulho profundo nos livros da Bblia, trecho por trecho, paradesvendar o seu significado e na busca das lies supremas registra-das por Deus, ele no perde a viso sistemtica das doutrinas. Assim,em seus comentrios (e tambm dessa forma nesse comentrio de

    2 Corntios) ele no se contenta apenas em dar um resumo do livroque passar a examinar, mas tambm apresenta o argumento quenorteou o autor na escrita do livro: o desenvolvimento sistemtico doraciocnio do autor, e a lgica argumentativa dos pontos que necessi-

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    10/55

    14 Comentrio de 2 Corntios

    tavam ser estabelecidos pela carta.Nesta carta de Paulo, possivelmente a terceira que escrevia aos

    Corntios (1Co 5.9 faz referncia a uma primeira, anterior a 1Corntios,possivelmente no inspirada, no sentido cannico), temos a conti-nuidade de instruo a uma igreja marcada por graves problemas deconduta, eivada de incompreenses doutrinrias, que havia motivadoduras repreenses da parte do apstolo. As notcias mais recentes, en-tretanto, so encorajadoras (7.5-7), e nesse clima que Paulo, em meios suas instrues prticas, abre o seu corao, defende sua autorida-de apostlica e prepara aqueles irmos para uma futura visita.

    Calvino penetra no esprito dessa carta Igreja de Corinto. Ex-plicando palavra a palavra, ou frase a frase, conforme a necessidade recorrendo ao seu extenso conhecimento da lngua grega e fazendocomparaes elucidativas ele nos auxilia o entendimento. Atravsdo comentarista, passamos a entender Paulo melhor, no somente os

    seus sentimentos, mas as doutrinas cabais que procura passar aosseus leitores, como a abnegao do eu, ensinada em 1.3-11. Em Cal-vino, neste Comentrio, encontraremos exposies magistrais, como,por exemplo, o ensino da pureza da Igreja, registrado em 6.14-7.1, ondeele nos d o contexto completo da situao de envolvimento com des-crentes, vivida por alguns membros daquela igreja. Nesse trecho elemostra que Paulo trata de questes que transcendem a comum aplica-

    o ao matrimnio (jugo desigual), referindo-se perda de foco dopovo de Deus e promiscuidade relacional deste com o mundo.

    Que Deus produza fruto de santidade e luz em sua vida, pela leitu-ra e uso desse Comentrio, o nosso desejo e a nossa orao.

    F. Solano Portela

    Presbtero da Igreja Presbiteriana de Santo AmaroSo Paulo, outubro de 2008

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    11/55

    Dedicatria

    Epstola Dedicatria do Autor

    A Melchior Volmar Rufus,

    homem mui eminente eadvogado de Joo Calvino,

    sade.

    Se me acusasses no s de negligncia, mas tambm de incivili-dade, por no haver-te escrito por tanto tempo, confesso que seriadifcil justificar-me. Pois, se ousasse alegar que estamos separadosum do outro pela distncia e que nos ltimos cinco anos no encon-trei ningum que fosse em tua direo, isso deveras seria procedente,porm reconheo que seriam escusas esfarrapadas. E assim pareceu-me que o melhor a fazer seria oferecer-te alguma compensao a fim

    de reparar minha anterior negligncia e eximir-me de toda culpa. A ti,pois, ofereo este meu comentrio Segunda Epstola aos Corntios,em cuja preparao no poupei nenhum esforo.1Estou plenamenteseguro de que tu sers suficientemente magnnimo em aceit-lo comojusta compensao e tenho, alm de outras razes mais importantes,o prazer de dedic-lo a ti.

    Antes de tudo, lembro-me de quo fielmente2cultivaste e robus-

    teceste a amizade que existe entre ns, a qual teve seus primeiros

    1 Compos et dress par moy, auec le plus grand soin et dexterite quil ma este possible. Composta e preparada por mim com o mximo cuidado e habilidade que me so possveis.

    2 De quelle affection. Com que afeio.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    12/55

    16 Comentrio de 2 Corntios

    passos j faz muito tempo; de quo generoso tens sido em pr-te,bem como teus servios, minha disposio, sempre que achavas

    uma chance de dar provas de tua amizade; e de quo assiduamenteofereceste tua assistncia3 para promover meu progresso, emborameu chamamento, naquele tempo, me impedisse de aceit-lo. A prin-cipal razo, porm, est em minha lembrana de como, primeiravez que meu pai enviou-me a estudar as leis cvicas, foi por tua ins-tigao e sob tua instruo que tambm encetei o estudo do grego,do qual tu eras o mais eminente dos mestres. No foi por tua culpano haver eu alcanado maior progresso. Em tua bondade estariaspronto a ajudar-me, at que meu curso se completasse, no houveraa morte de meu pai reclamado meu regresso, quando apenas o inicia-va. No obstante, minha dvida para contigo, neste sentido, deverasgrande, pois me propiciaste uma boa base nos rudimentos da lngua,o que mais tarde me foi de grande valia. Assim, no poderia descan-

    sar satisfeito sem deixar para a posteridade algo extrado de minhagratido para contigo e, ao mesmo tempo, mostrar-te que teu esforoem meu favor no ficou sem produzir algum fruto.4Adeus.

    Genebra, 1 de agosto de 1546.

    3 Votre credit. Vossa influncia.4 De vostre labeur ancien, duquel ie sens encore auiourdhuy le proufit. De teu antigo labor,

    do qual nestes dias sinto ainda o progresso.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    13/55

    O Argumento

    At onde podemos julgar da conexo existente entre as duas epsto-las [1 e 2 Corntios], podemos inferir que aprimeiraEpstola surtiu efeitopositivo entre os corntios,1 ainda que no como o esperado; e, almdisso, que alguns mpios continuavam irredutveis em reconhecer a au-toridade de Paulo e persistiam em sua obstinao. O fato de Paulo aindainsistir tanto sobre sua prpria bona fides e a autoridade de seu ofcio um sinal de que a confiana dos corntios nele no estava ainda de todorestabelecida. Ele mesmo se queixa expressamente de alguns que tinhamtratado sua primeira epstola com escrnio, em vez de aceitarem o aux-lio nela contido. Assim que Paulo compreendeu que esta era a situaoprevalecente na igreja de Corinto, e que ele mesmo seria impedido, poroutras ocupaes, de visit-los to logo como inicialmente pretendera,escreveu esta epstola enquanto estava na Macednia. Agora entendemosque seu propsitoem escrever foi o de completar aquilo que j iniciara,a fim de que, assim que chegasse a Corinto, pudesse encontrar tudo em

    perfeita ordem ali.

    Ele inicia, segundo seu costume, com aes de graas, louvando a

    1 Nauoit point este du tout inutile et sans fruit. No foi totalmente intil e infrutfero.

    Segunda Epstola de Paulo aos Corntios

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    14/55

    18 Comentrio de 2 Corntios

    Deus pelos maravilhosos livramentos de perigos to imensos. Ele est de-terminado a informar aos corntios como foi que todas as suas aflies

    e dificuldades contriburam, de fato, para o benefcio e bem-estar deles,embora os mpios as tenham usado como pretexto para minar sua auto-ridade; todavia, promete sua solidariedade2para com eles, a fim de serrestabelecido ao seu favor.

    Em seguida, ele pede desculpas por seu atraso em visit-los, masassegura-lhes que no mudou seus planos por no consider-los impor-tantes ou por razes frvolas, nem pretendia engan-los no tocante s

    suas intenes,3pois eles encontraro em suas promessas a mesma con-sistncia que j haviam encontrado em sua doutrina. Aqui ele salienta, deforma breve, quo certa e slida a verdade que lhes tem anunciado, cujofundamento Cristo, atravs de quem todas as promessas de Deus estoconfirmadas e ratificadas o mais sublime enaltecimento do evangelho.

    Ento lhes relata que a razo por que ainda no os visitara era que,nas circunstncias em que se encontrava, ele no tinha como estar entre

    eles num esprito de calma e alegria; e assim recrimina aqueles que usa-ram sua mudana de plano como desculpa para denegrir seu bom nome.Ele lanou sobre os prprios corntios a responsabilidade de seu atra-so, porque, naquele tempo, eles no estavam preparados para receb-lo.Ao mesmo tempo, ele mostra com que pacincia paternal os tratara, aomanter-se afastado de sua cidade, uma vez que, caso tivesse ido naquelapoca, poderia ter sido forado a trat-los com severidade.

    Ademais, para que ningum objetasse, dizendo que na primeiraepstola ele no fora comedido, e sim veemente em sua reprovao aoscorntios, ele explica que tal severidade lhe fora imposta por outros, con-tra a sua prpria vontade. Ele lhes revela que por trs desta aparenteaspereza esconde-se um esprito afvel, pedindo-lhes que restaurassem comunho o homem incestuoso, contra quem fora to duro em sua pri-meira carta, mas que desde ento dera ele algum indcio de ter abrandado

    2 Afin que cela luy serue dvn gage et nouueau lien pour entrer en leur bonne grace. Queisso sirva de garantia e novo lao para estabelec-los em suas boas graas.

    3 Quil na point pretendu de les tromper, leur donnant entendre dvn, et pensant dautre. Que no tinha a inteno de engan-los, levando-os a entender uma coisa, enquanto estavapensando em outra.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    15/55

    O Argumento 19

    seu corao. Ele fornece mais prova de seu amor por eles, afirmando queno tivera descanso de esprito [2Co 2.13], enquanto no ouviu de Tito

    como estavam as coisas entre eles, j que tal ansiedade s podia ser frutodo amor.

    Depois de mencionar sua viagem Macednia, contudo, ele passa adiscutir a glria de seu ministrio pessoal. Ele lembra quo meticulososforam alguns falsos apstolos, ao difamar seu ministrio, e quo facilmen-te lograram vitria sobre ele, ao cantarem seus prprios louvores. E, como fim de mostrar que no se lhes assemelhava e, ao mesmo tempo, refutar

    seu tolo orgulho, ele declara que sua reputao repousa nos fatos4 e queela no depende do louvor dos homens. Na mesma passagem, ele enalte-ce em termos magnificentes a eficcia de sua pregao e pe em relevo adignidade de seu apostolado, ao comparar o evangelho com a lei. Antesde tudo, porm, ele traz lume o fato de que no est reivindicando nada,como se tudo fora realizado por ele mesmo, mas reconhece que tudo vemde Deus.

    Outra vez, lembra com que fidelidade e integridade desincumbira oofcio que lhe fora confiado e, assim fazendo, reprova aqueles que fizeramacusaes maliciosas contra ele; e, inspirado por sua santa confiana, vaialm, declarando que aqueles que no discerniam a glria de seu evange-lho foram cegados pelo diabo. Percebendo que a humildade de sua pessoa,como algum julgado com desprezo5 pelos homens, grandemente di-minuda do devido respeito para com seu apostolado, ele aproveita esta

    oportunidade no s para remover a causa da ofensa, mas tambm paraconvert-la em vantagem, mostrando que a excelncia da graa de Deusresplandece com seu mais intenso fulgor, porque este precioso tesouro oferecido em vasos de barro [2Co 4.7]. E assim transforma em seu louvor ashumilhantes alegaes que seus inimigos tinham por hbito assacar con-tra ele, porque, embora estivesse premido por to numerosas tribulaes, semelhana da palmeira,6 quanto mais atingido por elas, mais ele emerge

    4 De lauancement de luure. Desde o avano da obra.5 Comme de faict il estoit contemptible au monde. Como, de fato, era desprezvel aos olhos

    do mundo.6 A palmeira uma das mais belas rvores no reino vegetal; ereta, alta, verde e de linda rama-

    gem. Cresce junto ao ribeiro ou a uma lagoa.Resistindo todas as intempries que tentam derrub-la

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    16/55

    20 Comentrio de 2 Corntios

    vitorioso acima de todas elas. Ele discute este assunto no meio do quartocaptulo. No obstante, uma vez que a verdadeira glria do cristo est

    alm deste mundo, Paulo nos lembra que, mediante o desprezo do mundopresente e a mortificao do homem exterior, precisamos converter todaa inclinao de nossas mentes em meditao na bendita imortalidade.

    Ademais, j perto do incio do quintocaptulo, ele se gloria nisto: oobjeto de seu desejo no era nenhum outro, seno o de ter seus servi-os aprovados pelo Senhor e nutrir a esperana de que teria os corntioscomo testemunhas de sua sinceridade. Visto, porm, que corria o risco

    de ser suspeito de orgulho ou vaidade, ele repete, novamente, que foi ainsolncia de seus perseguidores que o impeliu a dizer tudo isso, e quenada fez por interesse pessoal, em defesa de sua prpria reputao, masunicamente para o bem dos corntios, uma vez que, para a vantagem de-les, deviam saber a verdade sobre este assunto; e lhes diz que sua nicapreocupao era o bem-estar deles. Para confirmar isto, ele acrescenta adeclarao universal de que os servos de Cristo devem ter por seu alvo

    tirar os olhos de si mesmos e viver para a honra do seu Senhor; e final-mente conclui que nada, seno a novidade de vida, tem algum real valor,de modo que ningum merece qualquer estima, seno aquele que a simesmo se nega. Deste fato ele passa a apresentar a suma da mensagemevanglica: que pela magnitude e excelncia dela pudesse ele despertaros ministros e o povo a uma solicitude piedosa. Ele faz isto no incio dosexto captulo.

    Aqui, uma vez mais, depois de notar quo fielmente desincumbiraseu ofcio, censura amavelmente os corntios por no terem tirado plenoproveito do trabalho dele. A esta censura ele anexa imediatamente umaexortao: que fugissem da idolatria do que transparece que os corntiosno haviam ainda chegado ao ponto que ele tanto desejava. Da, no semboa razo, ele lamenta que eles mesmos eram culpados, uma vez que noprestaram ateno a uma doutrina to clara. Mas, para evitar desnimo e

    ou encurv-la, sobe direto rumo ao cu. Talvez por essa razo, ela sempre foi considerada pelosantigos como uma peculiaridade sagrada e, por isso, mui amide, usada para adornar os tem-plos. o smbolo escolhido para a constncia, frutificao, pacincia e vitria. Quanto mais oprimida, mais ela floresce e se torna mais alta, mais forte e mais resistente. Paxtons Illustra-tions (Edinburgo, 1842), vol. II, p. 51.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    17/55

    O Argumento 21

    alienao de suas mentes to tenras, pelo efeito de uma censura to cor-tante, lhes assegura novamente sua disposio positiva para com eles e

    resume seu pedido de desculpas por sua severidade, o qual ele interrom-pera de maneira to abrupta; e segue rumo a uma concluso, porm agorade maneira distinta. Pois, assumindo maior confiana, ele reconhece queno ficara pesaroso de os haver entristecido, visto que o fizera para oprprio bem deles.7Congratulando-se com eles pelo feliz resultado de suacensura, ele lhes mostra quo cordialmente deseja os melhores interessesdeles. Ele trata dessas coisas no final do stimo captulo.

    Do incio do oitavocaptulo, at o final do nono, ele os estimula alegria de dar ofertas, tema que j fizera meno no ltimo captulo da Pri-meira Epstola. verdade que ele os elogia por haverem comeado bem,mas, para que o ardor de seu zelo no arrefecesse no processo do tempo,como sucede com freqncia, ele lhes encoraja com uma variedade de ar-gumentos por que devem perseverar na mesma trajetria na qual haviaminiciado.

    No dcimocaptulo, ele comea defendendo a si e a seu ofcio dasacusaes com que os mpios o assaltavam. E, em primeiro lugar, ele mos-tra que est admiravelmente equipado com a armadura requerida para amanuteno da guerra de Cristo.8Ademais, ele declara que a autoridadeque exercera na Primeira Epstola estava fundada na certeza de uma boaconscincia e, ento, lhes mostra que no tinha menos poder em suasaes, quando presente, do que autoridade em suas palavras, quando

    ausente. Finalmente, ao instituir uma comparao entre ele e eles, lhesmostra quo ftil sua vanglria.9

    No dcimo primeiro captulo, ele convoca os corntios a renunciaraquelas inclinaes depravadas, pelas quais se deixaram corromper,mostrando-lhes que nada mais perigoso do que deixar-se afastar da sim-

    7 Pour ce que ce quil en auoit fait, estoit tourn leur grand proufit. Porque o que fizeram

    veio a reverter em seu grande benefcio.8 Pour bataillier sous lenseigne de Jesus Christ. Por lutar sob as bandeiras de Jesus Cristo.9 Finalement, faisant comparaison de sa personne auec telles gens, il monstre que cest folie

    eux de sesleuer et vanter ainsi, sans auoir dequoy. Finalmente, ao traar uma comparaoentre si e tais pessoas, ele mostra que tolice delas exaltarem-se e jactarem-se, como o faziam,no tendo qualquer base para agirem assim.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    18/55

    22 Comentrio de 2 Corntios

    plicidade do evangelho. A falta de estima para com ele e a prefernciapor outros indivduos, que alguns demonstravam, no se deviam a alguma

    falta existente nele, e sim arrogncia deles ou por no ser-lhes atraente.Os outros no lhes trouxeram nada melhor ou mais excelente, enquantoele era desprezvel a seus olhos, porque no lhes apresentava nenhumavantagem de elegncia e de linguagem10ou porque, por um ato de sujeiovoluntria, demonstrara indulgncia para com as fraquezas deles e noreclamara o que lhe era devido. A maneira irnica11com que fala suben-tende uma censura indireta ingratido deles; pois, era justo que eles o

    subestimassem, s porque se adaptara a eles? Entretanto, torna-se bvioque a razo por que no aceitara a remunerao que lhe era devida da par-te dos corntios12no era que os amava menos do que s outras igrejas,mas que os falsos apstolos estavam usando a questo da remuneraocomo um meio de desacredit-lo; e no queria dar-lhes qualquer vanta-gem sobre ele.

    Tendo reprovado o juzo irracional e maligno dos corntios, ele se

    exalta num refro de piedosa glorificao, lembrando-lhes o quanto eletem ainda de se gloriar, caso estivesse to inclinado a isso. Mas, antes es-clarece que por causa deles que ora comete a loucura13de cantar assimseus prprios louvores. Finalmente, refreando-se, por assim dizer, no meiode seu curso, confessa que seu principal motivo para gloriar-se a prpriahumildade que os orgulhosos desprezam, porque o Senhor lhe ordenouno gloriar-se em coisa alguma, seno em suas prprias fraquezas.

    No final do dcimo segundo captulo, ele os censura novamente porfor-lo a fazer o papel de tolo, enquanto eles mesmos se entregavam,como escravos, aos lderes ambiciosos14pelos quais eram alienados deCristo. Ademais, ele investe com forte repreenso contra os que persis-

    10 Par vne eloquence de paroles ornees et magnifiques. Por meio de uma eloqncia depalavras elegantes e magnificentes.

    11 Qui est vne faon de parler par ironie (cest dire par maniere de mocquerie). Que um

    exemplo de ironia, ou seja, guisa de motejo.12 Quenuers, les autres Eglises. Do que as outras igrejas.13 Que pour lamour deux il est contraint de faire du sot. Que por amor a eles que o tolo

    se v constrangido a agir.14 Ils se laissoyent manier et gouuerner un tas dambitieux. Deixaram-se dirigir e gover-

    nar por um bando de ambiciosos.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    19/55

    O Argumento 23

    tiam obstinadamente em seu audacioso ataque contra ele, acrescentandos suas faltas anteriores esta impudncia de sua oposio.15

    No dcimo terceiro captulo, ele inflige severa ameaa a tais indivdu-os, convida todos os homens, em geral, a reconhecerem seu apostolado,realando que lhes ser vantajoso que faam isso, visto ser arriscadomenosprezarem um homem que sabem por experincia prpria ser o in-contestvel e fiel embaixador do Senhor.

    15 Ne se contentans point de leurs fautes passees, sinon quils poursuyuissent de luy resisterimpudemment. No contentes com suas faltas anteriores, sem persistir em opor-se-lhe impu-dentemente.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    20/55

    Captulo 1

    1. Paulus Apostolus Iesu Christi per volun-tatem Dei, et Timotheus frater, Ecclesi Deiqu est Corinthi, cum sanctis omnibus quisunt in tota Achaia:

    2. Gratia vobis et pax a Deo Patre nostro, etDomino Iesu Christo.

    3. Benedictus Deus, et Pater Domini nostriIesu Christi, Pater misericordiarum, et Deus

    omnis consolationis,4. Qui consolatur nos in omni tribulationenostra, ut possimus consolari eos qui in omnitribulatione sunt, per consolationem qua con-solatur nos Deus.

    5. Quia sicuti abundant passiones Christi innos: ita per Christum abundat etiam consola-tio nostra.

    1. Paulo, apstolo.Suas razes para designar-se apstolo de Cristoe esclarecer que obtivera essa honrapela vontade de Deus podem serencontradas na epstola anterior, onde foi realado que as nicas pes-soas que tm o direito de ser ouvidas so aquelas que Deus enviou efalam a palavra de sua boca. Assim, para assegurar autoridade a algum,duas coisas so necessrias: a vocao e o desempenho fiel do ofcio

    por aquele que foi chamado. Paulo reivindica para si ambas as coisas. verdade que os falsos apstolos faziam o mesmo; visto, porm, quereivindicavam um ttulo ao qual no tm nenhum direito, eles nada con-seguem entre os filhos de Deus, os quais podem, com a maior facilidade,

    1. Paulo, apstolo de Jesus Cristo pela von-tade de Deus, e Timteo, nosso irmo, igrejade Deus que est em Corinto, com todos ossantos que se acham em toda a Acaia:

    2. Graa a vs e paz de Deus, nosso Pai, e doSenhor Jesus Cristo.

    3. Bendito seja o Deus e Pai de nosso Se-nhor Jesus Cristo, o Pai de misericrdias e o

    Deus de todo conforto,4. que nos conforta em toda a nossa afli-o, para que sejamos capazes de confortaraqueles que tm alguma aflio, atravs doconforto com que ns mesmos somos confor-tados por Deus.

    5. Porque, assim como os sofrimentos deCristo transbordam em ns, tambm o nossoconforto transborda atravs de Cristo.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    21/55

    26 Comentrio de 2 Corntios

    convenc-los de impertinncia. Da, o mero ttulo no suficiente, seno traz consigo a realidade; de modo que aquele que alega ser apstolo

    deve tambm provar sua pretenso por meio de sua obra. igreja de Deus. preciso que tenham sempre em vista o fato de

    que Paulo sempre reconhece a existncia da Igreja mesmo onde haviatantos males em seu seio. Uma Igreja1que tem em si as marcas genu-nas da religio pode ser reconhecida a despeito das falhas de seusmembros individuais. Mas, o que ele quis dizer com a expresso comtodos os santos? Estes santos no estavam associados igreja? Minharesposta que esta frase se refere aos crentes que viviam dispersosaqui e ali, nos diversos distritos da provncia. bem provvel quenaqueles tempos conturbados, quando os inimigos de Cristo viviamenfurecendo a todos ao redor, muitos crentes se achassem espalhadospor lugares onde no podiam manter convenientemente as assem-blias sacras.

    3. Bendito seja Deus. Ele comea (como j observamos) com estanota de ao de graas, em parte com o propsito de enaltecer a bon-dade de Deus; em parte, para estimular os corntios, por meio de seuexemplo, a suportarem perseguies de maneira resoluta; e, em parte,para magnificar-se num refro de piedosa glorificao, em oposios calnias malignas dos falsos apstolos. Pois tal a depravao domundo, que trata com escrnio os mrtires,2a quem deveriam ter em

    admirao, e tudo fazem para encontrar motivo de censura nos es-plndidos trofus dos piedosos.3Bendito seja Deus, diz ele. Por qualrazo? Que nos conforta.4O pronome relativo que tem aqui um sentido

    1 Um genuno filho de Deus pode cair em tristezas, segundo vemos em Pedro e Davi. A des-peito de tudo isso, ele no excludo do pacto da graa; ele no perde sua filiao, mesmo anteessas tristes transgresses; porm Deus seria mais severo com toda uma igreja do que com umapessoa? Burgesse, sobre 2 Corntios 1, p. 76 (Londres, 1661).

    2 Des martyres et afflictions des fideles. Os martrios e as aflies dos crentes.

    3 Cherche matiere de mespris et diffamation aux enseignes magnifiques de victoire, lesquellesDieu dresse ses enfans. Busca assunto de menosprezo e difamao nesses esplndidos em-blemas de vitria, os quais Deus fornece a seus filhos.

    4 Que consolador( ) que nunca cessa de consolar, que nunca retira suas con-solaes. Est em sua natureza ser sempre consolador como o diabo chamado ,porque ele est sempre tentando Burgesse, sobre 2 Corntios, p. 157.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    22/55

    Captulo 1 27

    causal5e equivale a porqu. Paulo suportou suas aflies com nimoe alegria e atribui a Deus essa sua intrepidez, porque era devido ao

    suporte oriundo da consolao divina que ele no desfalecia.Paulo O denomina de o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e no sem

    boa razo, quando se refere s bnos, pois, onde Cristo no est, alitambm no existe nenhuma bno. Em contrapartida, onde Cristointervm, por cujo nome chamada toda a famlia, no cu e na terra[Ef 3.15], ali se acham presentes todas as misericrdias e consolaesde Deus e, mais ainda, est presente seu amor paterno, a fonte de ondeemanam todas as demais bnos.

    4. Para que sejamos capazes de confortar. No h dvida de que,assim como um pouco antes ele defendera suas aflies das humilha-es e calnias com que fora cumulado, assim agora ele instrui oscorntios, dizendo que a vitria que conquistara atravs do confortodivino foi em favor deles mesmos e para que delas tirassem proveito,

    a fim de que fossem encorajados e partilhassem de sua pacincia, emvez de, arrogantemente, desprezarem seus conflitos. Entretanto, comoo apstolo no vivia para si mesmo, e sim para a igreja, assim ele con-siderava que todas as bnos que lhe foram concedidas por Deusno visavam a si prprio,6 e sim que ele tivesse mais possibilidadede auxiliar outrem. Porque, quando o Senhor nos abenoa, tambmnos convida a seguir seu exemplo e sermos generosos para com nosso

    prximo. Portanto, as riquezas do Esprito no devem ser guardadassomente para ns, mas cada um comunicar aos demais o que recebeu. verdade que isto deve ser considerado como uma aplicao especialaos ministros da Palavra,7mas tambm tem uma aplicao geral a to-

    5 Ce mot, Qui, est mis pour Car, ou, Pource que. Esta palavra, Quem, usada em lugar dePoisouPorqu.

    6 Pour son proufit particulier. Para sua vantagem pessoal.

    7 No basta que os ministros do evangelho tenham se devotado a muitos livros, para seremcapazes de decidir questes polmicas sobre teologia, convencer os que contradizem a serem dou-tores anglicos, astutos ou profundos; e serem mallei hereticorum os martelos de hereges. A no serque tambm tenham as obras experimentais do Esprito de Deus em suas prprias almas, no serocapazes de aplic-las aos coraes de outrem. Paulo no teria sido capaz de confortar a outrem, se oSenhor no o familiarizasse com as consolaes celestiais. Burgesse, sobre 2 Corntios 1, p. 178.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    23/55

    28 Comentrio de 2 Corntios

    dos os homens, cada um em sua prpria medida. Portanto, aqui Pauloreconhece que tem sido sustentado pela consolao divina, para queele mesmo fosse capaz de consolar outros.

    5. Porque, assim como os sofrimentos de Cristo transbordam.Esta afirmao pode ser tomada em sentido ativo ou passivo. Se fortomada em sentido ativo, o significado ser: De um lado, sou atormen-tado com vrias aflies; do outro, tenho a oportunidade de confortaroutrem. No obstante, me inclino mais a tom-lo no sentido passi-vo no sentido de que Deus multiplicava suas consolaes segundoa medida de suas tribulaes. Davi tambm reconheceu que foi issomesmo que lhe sucedera: Na multido de minhas ansiedades, tuasconsolaes deleitaram minha alma [Sl 94.19]. Mas este ensino maisclaro nas prprias palavras de Paulo, porquanto ele chama as afliesdo piedoso de os sofrimentos de Cristo, justamente como diz em ou-tra passagem que ele preenche em seu prprio corpo o que faltava

    nos sofrimentos de Cristo [Cl 1.24]. verdade que tanto os bons quantos os maus participam das mi-srias e dificuldades desta vida; porm, para os mpios, os sofrimentosso sinais da maldio divina, porquanto resultam do pecado; sua nicamensagem a ira de Deus e nossa comum participao na condenaode Ado; e seu nico resultado o abatimento da alma. No entanto,por meio de seus sofrimentos os crentes esto sendo conformados a

    Cristo e produzem em seus corpos o morrer de Cristo, para que a vidadele um dia se manifeste neles [2Co 4.10]. Estou falando das afliesque eles suportam em virtude do testemunho de Cristo [Ap 1.9], por-que, ainda que as disciplinas que o Senhor lhes impe, em virtude deseus pecados, lhes sejam benficas, eles no podem, com justia, dizerque participam dos sofrimentos de Cristo, a menos que sofram por suacausa, como lemos em 1 Pedro 4.13. Portanto, o que Paulo quer dizer

    que Deus est sempre presente com ele em suas tribulaes e que, emsuas fraquezas, sustentado pelas consolaes de Cristo, de modo aser impedido de se ver esmagado pelas calamidades.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    24/55

    Captulo 1 29

    6. Sive autem affligimur pro vestra conso-latione et salute,8 qu efficitur in tolerantia

    ipsarum passionum, quas et nos patimur: siveconsolationem accipimus pro vestra consola-tione et salute:

    7. Spes nostra firma est de vobis,9scientes,quod quemadmodum socii estis passionem,ita et consolationis.

    8. Nolo enim vos nescire, fratres, de tribula-tione nostra, qu accidit nobis in Asia: nempequod praeter modum gravati fuerimus supravires, ita ut de vita quoque anxii essemus.

    9. Quin etiam10 ipsi in nobis ipsis senten-tiam mortis acceperamus: ne confideremusin nobis, sed in Deo, qui ad vitam suscitatmortuos:

    10. Qui ex tanta morte eripuit nos, et eripit,in quo spem fixam habemus, quod etiam pos-thc eripiet;

    11. Simul adiuvantibus et vobis per depre-cationem pro nobis: ut donum, ex multispersonis erga nos colatum, gratiarum actioneper multos11celebretur pro nobis.

    6. Se formos afligidos. O termo efoi inserido antes da frase nossaesperana em relao a vs est firme, e isso levou Erasmo a crer que

    devemos supor a existncia do vocbulo antes de para vossa con-solao e salvao, ficando assim a redao: E, se somos afligidos para vossa consolao. Entretanto, parece-me mais provvel que esteconectivo e significa, aqui, assim tambm ou em ambos os casos.Paulo j havia dito que recebeu conforto para que pudesse comunic-lo

    8 Pour vostre consolation et salut, ou, Cest pour vostre. Para vossa consolao e salvao,ou, para vossa, etc.

    9 Nostre esperance est ferme de vous, ou, Et lesperance que nous auons de vous est ferme,scachans. Nossa esperana est firme acerca de vs, ou, E a esperana que temos acerca devs est firme, sabendo.

    10 Mesme, ou, Mais. Ainda mais, ou, Porm.11 Pour lesgard de plusieurs personnes, ou, Par le moyen de plusieurs personnes. Por

    causa de muitas pessoas, ou, Por meio de muitas pessoas.

    6. Se formos afligidos, para vossa conso-lao e salvao, a qual eficaz na tolerncia

    dos mesmos sofrimentos que tambm sofre-mos; ou, se formos confortados, para vossaconsolao e salvao.

    7. E nossa esperana em relao a vs estfirme, sabendo que, como sois participantesdos sofrimentos, assim tambm o sereis daconsolao.

    8. Porque no queremos, irmos, que sejaisignorantes no tocante nossa aflio que nossobreveio na sia, a qual nos prostrou exces-sivamente, alm de nossas foras, a ponto dedesesperarmos da prpria vida.

    9. Mas tivemos em ns a sentena de morte,para que no confiemos em ns mesmos, e simem Deus que ressuscita os mortos,

    10. O qual nos livrou, e nos livra, de togrande morte, em quem confiamos que aindanos livrar;

    11. Ajudando-nos tambm vs, com oraespor ns, para que, pelo dom que nos foi outor-gado por meio de muitas pessoas, sejam dadasgraas por muitos em nosso favor.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    25/55

    30 Comentrio de 2 Corntios

    a outrem. Agora vai alm e diz que tem a firme esperana de que elesparticiparo desse conforto. Alm do mais, alguns dos mais antigos c-

    dices gregos acrescentam logo aps a primeira clusula esta sentena:E nossa esperana em relao a vs est firme,12removendo, assim, aambigidade. Porque, quando esta vem no meio, temos de tom-la comas clusulas antecedente e procedente. De qualquer modo, se algumprefere ter uma orao completa com o acrscimo de um verbo em am-bas as clusulas, no haver nenhum prejuzo, nem grande diferena designificado. Pois, se voc a tomar como uma afirmao contnua, aindater que explicar as duas partes dela como significando que o apstoloest aflito e ser reanimado com o conforto que ser para o bem dos co-rntios; e, por isso, sua esperana13 que eles finalmente participaro domesmo conforto que lhes est guardado. Quanto a mim, tenho seguidoa redao que acredito adequar-se melhor.

    Deve-se observar, porm, que a palavra afligido refere-se no

    apenas angstia externa, mas tambm misria interior do cora-o, pois ela deve corresponder em significado ao termo confortado(), ao qual se ope. Assim, o significado que o coraohumano oprimido pela ansiedade, em virtude da misria14que sente.No grego, a palavra que traduzimos por conforto , quetambm significa exortao. Paulo, porm, a usa aqui significando otipo de conforto por meio do qual o corao de algum aliviado de

    sua dor e elevado acima dela. Por exemplo, Paulo mesmo teria des-moronado sob um terrvel fardo de aflies, caso Deus no o tivessereanimado e levantado pela instrumentalidade de seu conforto. Des-ta forma, os corntios recebem fora e coragem dos sofrimentos15dePaulo e extraem conforto de seu exemplo. Sumariando: Paulo per-

    12 O Dr. Bloomfield, que d a esta redao da passagem sua preferncia decidida, diz a respeito

    dela: A evidncia em seu favor excessivamente forte, enquanto a evidncia em favor da redaocomum excessivamente fraca.13 Quil ha certain espoir. Para que ele tenha uma esperana segura.14 , diz o Dr. Bloomfield, em suas Notas sobre Mateus 24.9, significa propriamente com-

    presso e, figuradamente, constrangimento, opresso, aflio e perseguio.15 Voyans les passions du sainct Apostre. Contemplando os sofrimentos do santo apstolo.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    26/55

    Captulo 1 31

    cebeu que alguns dentre os corntios estavam usando suas afliescomo pretexto a fim de trat-lo com desprezo e se pe a corrigir seu

    erro,16demonstrando-lhes, primeiramente, que deveriam pensar nelede forma mais digna, porquanto seus sofrimentos se lhes tornaramnuma grande vantagem; e, em segundo lugar, ele os associa consigo,de modo que considerem suas aflies como se fossem deles mesmos. como se dissesse: Se sofro aflies, ou se experimento consolao, tudo em vosso benefcio, e minha firme esperana que continueis adesfrutar desta vantagem.17

    Pois as aflies de Paulo, bem como suas consolaes eram detal natureza, que teriam contribudo para a edificao dos corntios,no tivessem eles se privado, por iniciativa prpria, da vantagem re-sultante dela. Paulo, porm, declara que depositava nos corntios umaconfiana to grande, que estava plenamente certo, em sua esperana,de que no sofreu por eles, nem foi confortado em vo. Os falsos aps-

    tolos envidaram todo esforo para reverter o que sucedera a Paulo emdetrimento dele. Se tivessem tido xito, teriam transformado em nuli-dade as aflies de Paulo em favor deles, nem teriam tirado vantagemdaqueles confortos com os quais o Senhor os aliviara. Em face de taisartifcios, Paulo reafirma sua confiana nos corntios.

    As aflies de Paulo eram uma fonte de conforto para os crentes,porque podiam ser fortalecidos, vendo-o sofrer voluntariamente e su-

    portar bravamente tantas necessidades por amor do evangelho. Pois,conquanto podemos concordar prontamente que devemos suportaraflio por amor do evangelho, a conscientizao de nossas prpriasfraquezas nos faz tremer, e conclumos que seremos incapazes de fazero que devemos.18Quando assim suceder, lembremo-nos do exemplodos santos; isso nos ajuda a nos sentirmos mais encorajados. Ade-mais, a consolao pessoal de Paulo flua para a Igreja toda, porque

    16 Afin doster aux Corinthiens ceste manuaise fantasie. Com vistas a poupar os corntiosdessa perversa fantasia.

    17 Iusques en la fin. At o fim.18 Et ne pensons point estre assez forts. E no pensar que somos suficientemente fortes.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    27/55

    32 Comentrio de 2 Corntios

    dela os crentes descobriam19que o Deus que sustentava o apstolo eo renovava no tempo de suas necessidades jamais falharia em relao

    a eles tambm. Desta forma, sua salvao era favorecida tanto por seusofrimento como por seu conforto. o que ele traz lume, quase en-tre parntesis, ao dizer que eficaz na tolerncia, etc. Ele acrescentaesta clusula para impedi-los de conclurem que os sofrimentos queele suportava, sozinho, no tinham, absolutamente, nada a ver comeles. Erasmo toma o particpio no sentido ativo,20pormo significado passivo melhor,21uma vez que a nica inteno de Pau-lo, aqui, explicar como tudo que lhe sucedia visava salvao deles.Ele diz que, embora fosse o nico a sofrer, seus sofrimentos eram teispara a salvao deles, no porque eram expiaes ou sacrifcios pelospecados deles, mas porque os fortaleciam e os edificavam. Conse-qentemente, ele associa conforto e salvao para mostrar como asalvao deles devia ser consumada.

    7. Sabendo que, como sois participantes dos sofrimentos. pro-vvel que alguns dos corntios tenham, temporariamente, se afastadode Paulo em razo das calnias dos falsos apstolos, de modo quesua reputao fora rebaixada aos olhos deles pela maneira como eleestava sendo humilhantemente tratado diante do mundo. Apesar detudo isso, Paulo ainda os associa consigo tanto na comunho de suasaflies como na esperana de suas consolaes.22Desta forma, sem

    19 Les fideles recueilloyent de l, et sasseuroyent. Os crentes inferiram desse fato e seasseguraram.

    20 Traduisant, Qui uure ou besongne. Traduzindo-o: as quais obras ou labores.21 O Dr. Bloomfield, em suas Notas sobre 1 Tessalonicenses 2.13, explica no sentido

    de feito eficaz ou se mostra em seus efeitos e acrescenta: Achei este ponto de vista endossa-do pela opinio de Scott, o qual mantm que nunca usado no Novo Testamento comouma forma da voz mdiacom um sentido ativo, mas sempre (especialmente nos escritos de Paulo)como vozpassiva. Alis, Bp. Bull, Exam., p. 9, vai ainda mais longe e assevera que dificilmenteela ainda usada assim, mesmo nos escritores clssicos (creio que ele poderia ter dito nunca), e

    sempre num sentido passivo.22 Os corntios... eram ,participantes de ou em comunho com ele, em suas aflies.Quem mais humilde e servil () do que Paulo em sua expresso? Crisstomodiz os que no tinham, em mnima medida, compartilhado com ele nos sofrimentos, mas os fezparticipantes com ele. Eles so, como Salmeron o expressou, co-participantes com Paulo nos lucrose nas perdas. Eles se aventuraram (por assim dizer) juntos no mesmo barco Burgesse.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    28/55

    Captulo 1 33

    exp-los a uma censura pblica, ele corrige suas opinies pervertidase maliciosas a seu respeito.

    8. Porque no queremos, irmos, que sejais ignorantes. Ele fazmeno da gravidade e dificuldade de seus conflitos, para que a gl-ria da vitria com isso viesse a lume mais sobejamente. Desde queenviara a ltima epstola, ele ficou sempre exposto a grandes perigose suportou violentos ataques. bem provvel que aqui sua refernciaseja aos eventos descritos por Lucas, em Atos 19.23, embora a agudezada crise no seja enfatizada nesta passagem de forma to clara. Lucas,contudo, afirma que toda a cidade ficou em polvorosa, e no difcildeduzir o resto, pois sabemos como o costumeiro resultado de umasublevao popular, uma vez eclodida. Ele diz que fora oprimido poresta perseguio, excessivamente, alm de nossas foras, de tal modoque j no podia levar a carga. Esta metfora tomada de uma pessoaque sucumbe sob a presso de um fardo pesado ou de navios que

    afundam em razo de sua sobrecarga no que Paulo mesmo tenha re-almente desfalecido, mas sentia que suas foras teriam exaurido, casoo Senhor no o tivera suprido com novas foras.23

    A ponto de desesperarmos da prpria vida. Ou seja, de modoque cheguei a pensar que minha vida j estivesse perdida ou, pelomenos, que pouca esperana me restava. Senti como se tivesse sidotrancado em uma priso, sem a mnima possibilidade de escape.

    23 Pressionado acima da medida ( ). As palavras e so aplicadas, s vezes, ao ato de suportar uma carga[Mt 20.12; Gl 6.2], quer seja uma carga tem-poral ou espiritual. Neste lugar, a idia parece ser tomada dos carregadores que tm uma cargaimposta sobre eles, a qual maior do que suas prprias foras; ou, como diz Crisstomo, dosnavios que so supercarregados e assim correm o risco de naufrgio. E, como se no houvessenfase suficiente na palavrapresso, ele acrescenta outra para intensific-la aci-ma da medida... acima da fora ( ). Crisstomo observa que esta difere da outra. Poisuma carga pode exceder em peso, mas para alguns homens de muita resistncia pode no excedersua fora. QuandoSanso[Jz 16.3] carregou os portes da cidade de Gaza com os batentes e tudo

    mais, sobre seus ombros, ali estava uma carga alm da medida; nenhum homem comum poderiafazer isso; mas paraSansono estava acima de sua fora. Assim ocorreu com Paulo, que pode serchamadoSanso espiritual, porque aquela fora e poder celestiais com os quais Deus o investiracapacitaram-no a enfrentar os assaltos das provaes que pesavam no simplesmente de formahiperblica, mas tambm acima de suas foras. Paulo no tinha mais poder para manter-se debaixodaquelas provaes Burgesse, sobre 2 Corntios 1, pp. 269, 270, 278.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    29/55

    34 Comentrio de 2 Corntios

    Porventura, esse corajoso soldado de Cristo, to bravo atleta, seria re-almente deixado sem foras, sem a menor esperana, seno a morte?24

    Pois ele mencionou o fato como sendo a razo do que j nos informou:que desesperou da prpria vida. J enfatizei que, ao avaliar seus re-cursos, Paulo no est levando em conta o auxlio divino, e sim estnos dizendo que avaliava suas prprias condies, e no h dvidade que toda a fora humana vacila ante o temor da morte. Ademais,mesmo os santos precisam sentir-se ameaados por um total colapsodas foras humanas, a fim de aprenderem, de suas prprias fraquezas,a depender inteira e unicamente de Deus. Isto o que Paulo insisteem dizer. Prefiro tomar a palavra , que ele usa aqui, comosignificando simplesmenteansiedade em alerta, e no seguir Erasmo,que a traduz como desespero. Paulo quer dizer apenas que estava su-cumbindo em meio s maiores dificuldades, de tal forma que no haviacomo impedir sua vida de perecer.25

    9. Mas tivemos em ns a sentena de morte ou diramos: Creioque minha morte est estabelecida e determinada. Ele fala de si comoalgum condenado morte, que no tem nada diante de seus olhos,seno a hora de sua execuo. Mas ele prossegue dizendo que estasentena26de morte foi auto-imposta, significando que somente em suaprpria viso sua morte era iminente, visto que no recebera nenhu-

    24 Vn champion si preux et magnanime, perdoit-il courage attendant la mort? Um campeoto valente e magnnimo desfalece o corao, nada visualizando seno a morte?

    25 significa, propriamente, estar completamente parado, no sabendo comoproceder. Em Salmos 88.8, em que Davi afirma: Estou encerrado e no posso sair, as palavrashebraicas (velo etse) so traduzidas, na Septuaginta, por e nopude sair. digno de nota que, na verso mtrica, a idia expressa por Calvino, como implcita noverbo , plenamente salientada no encontro evaso para mim.

    26 A palavra grega , usada somente aqui, em todo o Novo Testamento... A traduomais genuna sentena, pois assim que Hesychiusexplica a palavra , aquemFavorinussegue literalmente tanto neste como em muitos outros particulares. A palavra,

    pois, significa uma sentena emitida contra quem deve morrer. Paulo a havia recebido, mas dequem? No de Deus, pois Este o livrou; nem do magistrado; no lemos que houvesse tal decretocontra ele. Portanto, ele provinha unicamente de seus temores pessoais, de seus prprios pensa-mentos, que o levaram a dizer: ele a recebera em si mesmo. Os pensamentos de Deus eram outrosdiferentes dos pensamentos de Paulo. Este concluiu absolutamente que morreria, mas Deus tinhaproposto o contrrio Burgesse.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    30/55

    Captulo 1 35

    ma revelao de Deus. Esta maneira de falar vai alm da [ansiedade] do versculo anterior. Ali, ele apenas disse que no estavacerto se viveria; aqui, ele diz que est certo de morrer. No entanto, aidia principal a ser notada, aqui, sua explicao da razo por que forareduzido a essa situao para que no confiemos em ns mesmos. Noconcordo com o ponto de vista de Crisstomo, de que Paulo no neces-sitava realmente de uma lio de humildade de tal natureza e que seapresenta a outros como padro meramente na aparncia.27Pois ele era

    um homem que, em outro sentido, estava sujeito aos mesmos sentimen-tos humanos que qualquer outro homem, no s em relao a coisastais como calor e frio, mas em experincias tais como confiana malorientada, precipitao e coisas afins. No sei se ele se sentia inclinadoa esses vcios, porm sei que podia ser tentado por eles, e a experinciaque ele descreve aqui era a cura que Deus providenciara no tempo, paraque esses vcios no penetrassem em sua mente.28

    Conseqentemente, duas coisas devem ser notadas aqui. Em pri-meiro lugar, a confiana carnal com que somos ensoberbecidos toobstinada, que a nica forma de destru-la cairmos em extremo de-sespero.29Pois a carne orgulhosa, no se rende voluntariamente enunca cessa de ser insolente, at que seja fortemente constrangida.Tampouco somos levados a uma verdadeira submisso, enquanto nosomos humilhados pela esmagadora mo de Deus [1Pe 5.6]. Em se-

    gundo lugar, devemos notar que os resduos desta doena chamadaorgulhopersistem mesmo nos santos, de modo que eles mui amideprecisam sentir-se reduzidos a extremos, a fim de despirem-se de todaautoconfiana e aprenderem humildade. As razes deste mal so toprofundas no corao humano, que ainda o mais perfeito dentre ns

    27 Il se propose aux autres comme pour exemple, non pas quil en fust ainsi quant luy.

    Ele se apresentou, por assim dizer, maneira de exemplo no que fora assim no tocante a elemesmo.28 De peur quils ne saisissent plenement son esprit et son cur; Para que no tomassem

    posse completa de sua mente e seu corao.29 Sinon que nous tombions en telle extremite que nous ne voyons aucune esperance en

    nous. Exceto por cairmos em tal extremo, que j no vemos em ns nenhuma esperana.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    31/55

    36 Comentrio de 2 Corntios

    jamais se livra inteiramente delas, at que Deus o confronte com amorte. E disso podemos inferir o quanto nossa autoconfiana desa-

    grada a Deus, quando, com o propsito de corrigi-la, necessrio quesejamos condenados morte.

    E sim em Deus que ressuscita os mortos. Antes de tudo temos demorrer,30a fim de que, renunciando a nossa autoconfiana, e cnsciosde nossa fraqueza pessoal, no reivindiquemos nenhuma honra parans mesmos, como se fssemos auto-suficientes. No entanto, isso nobasta, a menos que demos um passo alm. Devemos comear perdendoa esperana em ns mesmos, mas visando depositar nossa esperanaem Deus. Temos de nos rebaixar aos nossos prprios olhos, para quesejamos enaltecidos por seu poder. Assim, Paulo, to logo o orgulhocarnal se transformou em nada, estabelece em seu lugar a confiana querepousa em Deus.No em ns mesmos, observa ele, mas em Deus.

    Ao abordar a questo do poder de Deus que ressuscita os mor-

    tos, Paulo tem em vista a emergncia de seu argumento, da mesmaforma como em Romanos 4.17, onde trata de Abrao. Porque, crer noDeus que chama existncia as coisas que no so como se fosseme esperar no Deus que ressuscita os mortos um convite a meditarno poder do Deus que gera seus eleitos do nada e vivifica os que jmorreram. Portanto, Paulo est dizendo que a morte foi posta diantede seus olhos com o fim de conduzi-lo a um maior reconhecimento do

    poder de Deus, por meio do qual ele foi ressuscitado dentre os mortos.O primeiro passo, sem dvida, seria reconhecer Deus como o autorda vida pela fora que Ele nos d, porm nossa obtusidade tal, quea luz de vida ofusca amide nossos olhos, de tal modo que temos deencarar a morte, antes de sermos conduzidos a Deus.31

    10. O qual nos livrou... de to grande morte. Aqui Paulo d suadeclarao geral uma aplicao pessoal; e, ao louvar a graa de Deus,

    30 Comme il nous est necessaire premierement de venir comme mourir; Como primeira-mente necessitamos, por assim dizer, vir a morrer.

    31 Il nous est ncessaire pour estre amenez Dieu, destre reduits telle extremite que nousvoyons la mort present deuant nos yeux. necessrio, a fim de que sejamos reconduzidos a Deus,que sejamos levados a tal extremo, que vejamos a morte bem presente diante de nossos olhos.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    32/55

    Captulo 1 37

    declara que no se viu frustrado em sua expectativa, porquanto foi sal-vo da morte e de uma maneira notabilssima. Este uso de hiprbole

    no incomum na Escritura. Freqentemente, ocorre tanto nos Pro-vrbios quanto nos Salmos, e a linguagem cotidiana faz bom uso dela.Cada um deve aplicar a seu prprio caso o que Paulo diz aqui.

    Em quem confiamos que ainda nos livrar.Ele se assegura deque a bondade de Deus, que to amide experimentara no passado,continuar no futuro; nem sem boa razo, pois o Senhor, ao cum-prir em parte o que prometera, nos convida a esperar com otimismo oque ainda resta. Mais ainda, em proporo ao nmero de favores querecebemos dEle, por tantas garantias, ou penhores, por assim dizer,ele confirma suas promessas.32Ainda que Paulo no tivesse dvidasquanto disposio de Deus em se fazer presente com ele, exorta oscorntios a orarem por sua segurana, e sua esperana de que o ajuda-ro atravs de suas oraes realmente corresponde a essa exortao.

    O que ele quer dizer que faro isso no s como o cumprimento deum dever, mas tambm com real proveito para ele.33Vossas oraes tambm me ajudaro,34diz ele. Porque, uma vez

    que Deus nos ordena que oremos uns pelos outros, sua vontade queno faremos isso em vo. Ao lermos que nossas oraes so agrad-veis a Deus e proveitosas a ns mesmos, isso deve encorajar-nos muitoa buscarmos a intercesso de nossos irmos,35quando nos vemos em

    32 Granville Penn l a passagem assim: Quem nos libertou de to grande morte e nos liberta-r,em quem esperamos que nos liberte (manuscritos Vaticano e Ephrem). Ele observa: leia-se, e no , como no Textus Receptus. A segunda redao parece ter sido substituda,porque ocorre outra vez na sentena seguinte; mas o apstolo reitera a palavra, para quepossa qualific-la por (esperamos).

    33 Mais aussi auec bonne issue, dautant quils seront exaucez; Mas tambm com bomsucesso, visto que eles sero ouvidos.

    34 Laide, dit il, que vous me feriez par vos prieres, ne sera point sans fruit. O auxlio, dizele, que me propiciareis por vossas oraes no ser sem proveito.

    35 Ajudando-nos tambm vs, com oraes por ns ( ). A partcula enftica (tambm vs), implicando que nem a promessa de Deus, nemseu poder granjeariam esta misericrdia sozinha, sem a orao deles. Alm da bondade de Deus,da parte dEle, devia haver orao da parte dos corntios. No original, a palavra traduzida porajudando enftica, sendo duplamente composta. denota o servio e o ministriodos que esto abaixo dens; e assim implica que a igreja deve, como um dbito para com os guias

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    33/55

    38 Comentrio de 2 Corntios

    aperturas, bem como a lhes prestarmos, reciprocamente, o mesmoauxlio.36No por falta de f que o apstolo se v impelido a pedir

    a assistncia de seus irmos, mas, ainda que estava plenamente certode que Deus cuidaria de sua segurana, mesmo que ficasse privado detodo apoio humano, ele reconhecia que a vontade de Deus era que fosseassistido pelas oraes da igreja. Ele ainda levou em conta a promessade que o apoio deles no seria vo; e, uma vez que no desejava negli-genciar nenhuma fonte de ajuda que Deus, porventura, quisesse que elerecebesse, desejava que seus irmos orassem por sua preservao.

    A suma da matria esta: sigamos a Palavra de Deus, obedecendoa seus mandamentos e aderindo s suas promessas. Isto no feitopor aqueles que recorrem assistncia dos mortos,37porquanto taispessoas no se sentem satisfeitas com os meios de graa que Deusdesignou, porm introduzem algo novo que no conta com o apoio daEscritura. Portanto, o que aqui lemos acerca de orar uns pelos outros

    no inclui os mortos, seno que se restringe explicitamente aos vivos.Conseqentemente, pueril a tentativa de algum de encontrar nestapassagem apoio para suas prticas supersticiosas.38

    11. Pelo dom que nos foi outorgado por meio de muitas pessoas.H aqui algumas dificuldades nas palavras de Paulo e nas interpretaesque se diversificam delas. No me deterei a refutar outras tradues,pois, se podemos concordar com o verdadeiro significado, que neces-

    sidade haveria para isso? Paulo j dissera que as oraes dos corntioslhe seriam assistenciais. Ele agora acrescenta uma segunda vantagem

    espirituais, orar com ardor por eles. Ento, a palavra acrescida da preposio , que denotano s as oraes eficazes deles, mas sua disposio e concordncia nas oraes, e isso, em suasassemblias pblicas e solenes. Uma vez mais, a palavra significa trabalhar, labutar, denotandoqual a natureza da orao na qual a alma labuta fervorosa, saturada de agonias; isso mostraque as oraes costumeiramente formais da maioria das pessoas no so dignas do nome: nelasno h luta, nem fervor da alma. Eles labutavam em orao. No labutavam usando amigos a

    solicitarem que o magistrado favorecesse a Paulo, pois deles nada podiam esperar; no entanto,depositaram seus pedidos diante de Deus Burgesse.36 Que Dieu auroit soin de son salut et proufit. Que Deus cuidaria de sua segurana e vantagem.37 Qui out leurs recours aux prieres des saincts trespassez. Quem, porventura, recorre s

    oraes dos santos falecidos.38 Pour desguiser et farder leur superstition. Disfarar e camuflar sua superstio.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    34/55

    Captulo 1 39

    que vir das oraes deles para maior manifestao da glria de Deus.Pois, se a bno que Deus me concede, diz ele, obtida em resposta

    a muitas oraes, muitos glorificaro a Deus por isso. Ou, podemos ex-pressar de outra forma: Muitos daro graas a Deus por minha causa,porque, ao ajudar-me, Ele ter respondido s oraes no de apenasuma pessoa, mas de muitas. Uma vez que nosso dever no permitirque nenhum dos favores de Deus flua sem orao, somos obrigados,especialmente, a agradecer-Lhe suas misericrdias, quando Ele res-ponder favoravelmente nossas oraes, segundo a ordem que temosno Salmo 50.15. E isto se aplica no somente quando esto envolvidosnossos prprios interesses particulares, mas se aplica tambm s ques-tes relativas ao bem-estar geral da igreja ou de qualquer um de nossosirmos. Desta forma, quando oramos uns pelos outros e recebemos oque pedimos, a glria de Deus se manifesta muito mais claramente, etodos reconhecemos, com gratido, a bondade de Deus tanto para com

    os indivduos quanto para com todo o corpo da igreja.No h nada forado nesta interpretao. verdade que, no grego,o artigo est inserido entrepor muitas pessoase o dom a mim concedido;e pode-se pensar em separar as duas frases.39Mas na verdade no sepode fazer isso, como se d comumente entre frases to estreitamenteconectadas. Aqui, o artigo est aplicado em lugar de uma partculaadversativa,40pois, ainda que o dom tivesse sua fonte em muitas pes-

    soas, ele foi concedido somente a Paulo. Tomar comoneutro,41como o fazem alguns, no se encaixa no contexto.

    Pode-se perguntar por que Paulo diz de muitas pessoas, e no demuitos homens, e o que a palavrapessoasignifica aqui. Minha resposta

    39 Car suyure lordre du texte Grec il y auroit ainsi mot mot, Afin que de plusieurs person-nes, nous le don confer, par plusieurs soit recognu en action de graces pour nous. Porque,seguindo a ordem do texto grego, literalmente seria assim: A fim de que, de muitas pessoas, o dom

    conferido a ns seja, por muitos, reconhecido com ao de graas de nossa parte.40 Em lieu de quelque particle aduersative qu on appelle, comme Toutestois ou Neantmoins. Em lugar de alguma partcula adversativa, como chamada, como, por exemplo, A despeito deou No obstante.

    41 De rapporter ce motPar plusieurs, aux choses. Tomar esta frase,Por meio de muitos,como se referindo a coisas.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    35/55

    40 Comentrio de 2 Corntios

    que isso era como se Paulo estivesse dizendo: Com respeito a muitos,porque o favor foi concedido para que fosse dado a muitos. Portanto,

    j que Deus tinha muitos em mente. Paulo diz que muitaspessoasesta-vam envolvidas. Alguns cdices gregos trazem , em vossofavor, o que parece ficar mais distanciado do que Paulo quis dizer edo contexto das palavras, mas que pode ser esclarecido em plena har-monia, como que significando: Quando Deus tiver respondido vossasoraes em favor do meu e do vosso prprio bem-estar, muitos darograas em vosso favor.

    12. Nam gloriatio nostra hc est: testimo-nium conscienti nostr, quod in simplicitateet puritate42Dei, non in sapientia carnali, sedin gratia Dei versati sumus in mundo; abun-dantius autem erga vos.

    13. Non enim alia scribimus vobis quam qurecognoscitis vel etiam agnoscitis: spero au-

    tem, quod usque in finem agnoscetis:14. Quemadmodum et agnovistis nos ex par-te: siquidem gloriatio vestra sumus: sicuti etvos nostra in die Domini Iesu.

    12. Porque nossa glria esta. Ele explica por que seu bem-estarseria do interesse geral de todos porque ele se conduzira43 com

    santidade e sinceridadeentre todos eles. Ento, merecia a plena afeiodeles, e teria sido mesquinho no sentir ansiedade em favor de umministro do Senhor de sua envergadura, para que ele fosse preserva-do mais tempo para o benefcio da igreja. como se quisesse dizer:Tenho me conduzido de tal maneira diante de todos, que no me sur-

    42 Purete, ou, integrite. Pureza ou integridade.43 Temos nos conduzido (). O verbo composto de (de novo)

    e (voltar) um retorno contnuo ao ponto do qual sara uma circulao comeando,continuando e terminando tudo para a glria de Deus; comeando com as vises divinas e aindapermanecendo nelas; comeando no Esprito e terminando no Esprito; agindo em referncia a Deus,como fazem osplanetasem referncia ao sol, derivando dEle toda sua luz e movimento e revolven-do, incessante e regularmente, em torno dele. Paulo agia assim; os cristos primitivos agiam assim;e assim deve agir cada cristo que espera ver Deus em sua glria Dr. Adam Clarke.

    12. Porque nossa glria esta: o testemunhode nossa conscincia, de que com santidade esinceridade de Deus, no em sabedoria carnal,mas na graa de Deus, temos nos conduzidono mundo e mais amplamente para convosco.

    13. Porque nenhuma outra coisa vos es-crevemos, alm das que reconheceis e ainda

    aprovais, e espero que as aprovareis at o fim;14. Como tambm em parte nos compreen-destes que somos vossa glria, assim comoigualmente sereis a nossa no dia de nosso Se-nhor Jesus.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    36/55

    Captulo 1 41

    preende se todos os homens de bem me dediquem sua estima e seuamor. Por amor queles para quem estava escrevendo, Paulo usa esta

    oportunidade para fazer uma digresso para defender sua integridade.No entanto, uma vez que no era o bastante o ter a aprovao doshomens e que Paulo mesmo era a vtima dos juzos nocivos e malicio-sos que alguns dirigiam contra ele, arrebatados como estavam pelosafetos corruptos e cegos,44 ele apela ao testemunho de sua prpriaconscincia; e isso era como se ele estivesse citando Deus mesmo eapelando para a veracidade de sua alegao perante seu tribunal.

    No obstante, como pode este gloriar-se em sua prpria integri-dade e ainda ser consistente com o que ele mesmo diz em 2 Corntios10.17: Aquele, porm, que se gloria, glorie-se no Senhor? Ainda mais,quem to reto45que ousaria vangloriar-se diante de Deus? Primeira-mente, Paulo no est se pondo contra Deus, como se possusse algode si mesmo ou que algo se originasse dele mesmo. Em segundo lugar,

    ele no faz sua salvao depender da integridade que alega possuir,nem pe qualquer confiana nela. Finalmente, nos dons de Deus queele se gloria, de modo a glorificar a Deus como o nico autor a quem oscorntios deveriam atribuir tudo.46H trs condies sob as quais todapessoa piedosa pode gloriar-se corretamente em todas as bnos deDeus, enquanto os mpios no podem, de forma alguma, gloriar-se emDeus, seno falsa e perversamente. Em primeiro lugar, devemos re-

    conhecer que toda coisa que existe em ns foi recebida de Deus eque nada provm de ns mesmos. Em segundo lugar, devemos guardarfirme este fundamento: que a certeza de nossa salvao depende uni-camente da misericrdia de Deus; e, finalmente, devemos descansar47no nico autor de todas as coisas boas. Assim, poderemos gloriar-nos,

    44 Par les affections quils portoyent dautres pour des raisons friuoles, et quasi sans scaouirpourquoy. Pelos afetos que nutrimos para com outros sobre bases triviais e de uma maneira quenem mesmo sabemos por qu.

    45 Qui est celuy, tant pur et entier soit il? Onde est o homem que seja to puro e perfeito?46 Et rapporte toutes choses a sa bonte. E atribui tudo sua bondade.47 Arrestons nous et reposons du tout. Que permaneamos e repousemos totalmente.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    37/55

    42 Comentrio de 2 Corntios

    com gratido, em tudo que bom.48

    De que com sinceridade49de Deus. Esta expresso usada aqui

    no mesmo sentido de a glria de Deus, em Romanos 3.23, e de aglria de Deus e a dos homens, em Joo 12.43. Aqueles que amam aglria dos homens buscam a admirao deles e se enquadram bem nojulgamento deles. A glria de Deus o que algum tem aos olhos deDeus. Assim Paulo no est satisfeito em mostrar que sua sincerida-de tem sido notada pelos homens, mas acrescenta que ele tem sidosincero tambm diante de Deus. (que traduzi porpurezaou santidade) significa o mesmo que sinceridade, porque uma formaaberta e franca de comportamento que revela claramente o que estno corao do homem.50Ambos os termos so o oposto de falsidadeastutae maquinaes secretas.

    No em sabedoria carnal. Aqui, Paulo est antecipando acusa-es que poderiam ser suscitadas contra ele, pois admite prontamente

    e, deveras, declara publicamente, ou, seja, que ele carente de algu-mas qualidades desejveis, porm acresce que foi dotado com a graade Deus, a qual muito melhor. Concordo, diz ele, que sou caren-te de sabedoria carnal, porm tenho sido agraciado com o poder deDeus, e todo aquele que no se satisfaz com isto no tem o direitode lanar escrnio sobre meu apostolado. Mas, se a sabedoria carnalno possui nenhuma importncia, no careo de nada que merea real

    louvor. Por sabedoria carnal,ele quer dizer tudo aquilo que no estem Cristo e que poderia granjear-nos a reputao de sbios. Para umaexplicao mais completa, vejam-se o primeiro e segundo captulos da

    48 Bonne et saincte. Bom e santo.49 O manuscrito mais antigo traz (santidade), e no (simplicidade).50 A palavra usada aqui , traduzida por sinceridade, denota propriedade, clareza,

    tal como julgada ou discernida na luz solar (de , luz do sol, e ,julgar); e, da, pureza, inte-

    gridade. mais provvel que a frase aqui denote aquela sinceridade que Deus produz e aprova; e osentimento que a religio pura, a religio de Deus, produz sinceridade no corao. Seu propsitoe alvo so abertos e manifestos, como que vistos luz do sol. Os planos do mundo so obscuros,enganosos e trevosos, como que feitos noite Barnes. O mesmo termo usado por Paulo em 1 Co-rntios 5.8 e 2 Corntios 2.17. Comparando os vrios exemplos em que este termo empregado peloapstolo, temos ocasio de observar a admirvel harmonia entre suas exortaes e sua prtica.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    38/55

    Captulo 1 43

    Primeira Epstola. Portanto, temos de entender por graa de Deus, aqual ele contrasta com sabedoria carnal, tudo aquilo que se acha alm

    da natureza e da capacidade do homem e todos os dons do EspritoSanto que, por meio de sua presena, revelam francamente o poder deDeus nas fraquezas de nossa natureza carnal.

    Mais amplamente para convosco. No que ele fosse menos ntegroem outro lugar, e sim que permanecera mais tempo em Corinto a fim de,entre outras razes, dar-lhes uma prova mais plena e clara de sua boa f.Ele o expressa deliberadamente assim para mostrar que no havia ne-cessidade de testemunhas em virtude da distncia, porque eles mesmoseram as melhores testemunhas de tudo quanto dissera.

    13. Porque nenhuma outra coisa vos escrevemos. Aqui ele estcensurando indiretamente os falsos apstolos que se enalteciam con-tinuamente com imoderadas ostentaes, que pouca ou nenhumasubstncia tinham. E, ao mesmo tempo, ele ataca as calnias que lhe

    eram dirigidas, para que ningum, porventura, pensasse que ele rei-vindicava para si mais do que devia. Portanto, ele diz que, em suaspalavras, no se gloria de nada alm do que no pudesse provar porseus feitos; afirma tambm que os corntios so suas testemunhas deque isso assim.

    Entretanto, a ambigidade das palavras tem dado ocasio inter-pretao equivocada desta passagem. A, em grego, s vezes

    significa ler e, s vezes, identificar. significa, s vezes,descobrire, s vezes, tem a mesma significao do verbo latino agnoce-re reconhecer , por exemplo, num sentido legal de reconhecer umacriana,51 como Budaeus igualmente observou. Assim, mais forte que . Uma pessoa pode identificaralgo, ouseja, estar particularmente convencida de sua realidade em sua prpriamente e, mesmo assim, no o reconhecer, ou seja, apresentar expres-

    so pblica de que o aceita. Agora podemos examinar as palavras dePaulo. Alguns as traduzem: Nada escrevemos seno o que vs ledes

    51 Ce que disonsAuouer: comme on diraAuouer vn enfant; O que expressamos pelo verbopossuir, como quando falamos depossuir uma criana.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    39/55

    44 Comentrio de 2 Corntios

    e reconheceis. Esta traduo, porm, muito dbia e completamen-te inadaptvel. Ambrsio d a seguinte forma: Vs no s ledes, mas

    tambm reconheceis; porm, esta traduo das palavras obviamenteimpossvel. A interpretao que ofereo simples e natural, e a nicadificuldade em entend-la consiste na confuso provocada pelos dife-rentes significados das palavras. Resumindo, fao Paulo dizer que oscorntios j conhecem e sem dvida podem dar testemunho de tudoo que ele est dizendo. A primeira palavra recognocere, que significaestar convencido de uma coisa atravsda experincia; e a segunda ag-nocere, que significa darassentimento pblico verdade.52

    E espero que as aprovareis at o fim. Os corntios ainda no ti-nham recuperado completamente seu juzo so, de modo a estaremhabilitados a formar uma opinio equilibrada53 e justa das boas in-tenes de Paulo; no entanto, j tinham comeado a corrigir a idiaerrnea e preconcebida antes formada. Conseqentemente, o que

    Paulo est querendo dizer aqui que lhe nasceram esperanas al-vissareiras a respeito deles, para o futuro. Ele est dizendo: J meaprovastes em parte e espero que venhais a aprovar-me mais e mais noque tenho sido e como tenho agido entre vs.54Disso se torna mais f-cil entender o que ele quer dizer com (reconhecimento).55Esta passagem se refere ao tempo quando os corntios voltaro a seu

    52 A palavra significa propriamente conhecer acuradamente, distinguir. Provavel-mente seja usada, aqui, no sentido de conhecer acuradamente ou com certeza, de reconhecimentode sua familiaridade com ele. significa, aqui, que reconheceriam plenamente ousaberiam inteira e satisfatoriamente que os sentimentos expressados por Paulo eram tais, queconcordavam com sua maneira geral de vida Barnes. O Dr. Bloomfield, que aprova o ponto devista assumido por Calvino quanto ao significado do verbo , observa que a palavra empregada no mesmo sentido por Xenofonte (Anab., v. 8, 6), bem como em outras partes dosescritores clssicos.

    53 Cest dire, pour en iuger droitement. Equivale a dizer: julg-la corretamente.54 Que vous cognoistrez de plus em plus comme iay convers entre vous, et comme ie my

    suis gouuern, et ainsi auourez ce que maintenant ien di. Que vs reconheceis mais e maiscomo tenho me conduzido entre vs e como tenho regulado a mim mesmo, e assim vs assentireisao que eu digo agora.

    55 Que cest quil a entendu par l dernier des deux mots desquels nous auons parler, lequelnous auons traduitAuouer; O que ele quis dizer pelas ltimas duas palavras das quais temosfalado, as quais traduzimos por reconhecimento.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    40/55

    Captulo 1 45

    bom senso outra vez. Inicialmente, tinham aprovado Paulo plenamen-te; posteriormente, seu juzo ficou toldado por nuvens escuras,56em

    virtude de alegaes dissimuladas; mas agora comearam parcialmen-te a readquirir o bom senso.

    14. Que somos vossa glria. J consideramos sucintamente comoos santos podem gloriar-se corretamente nas bnos divinas, ou seja,quando descansarem unicamente em Deus, no tendo qualquer ou-tro alvo. Assim, Paulo estava certo em gloriar-se no fato de que seuministrio conduzira os corntios obedincia a Cristo; assim comoera correto para os corntios o gloriarem-se no fato de terem sido ins-trudos to fiel e honrosamente por um apstolo de tal envergadura um privilgio no concedido a todos. Esta maneira de gloriar-se noshomens no , de todo, inconsistente com o gloriar-se somente emDeus. Assim, Paulo diz aos corntios que lhes muitssimo vantajosoreconhec-lo como genuno e sincero servo de Cristo, porque, se rom-

    perem com ele, perdero sua maior glria. Com estas palavras, ele osacusa de leviandade, porque deram demasiada ateno indisposioe desconfiana e, assim, se privaram voluntariamente de sua princi-pal glria.

    No dia de nosso Senhor. Tomo isso no sentido de o ltimo dia emque se por um fim a todas as glrias transitrias57do mundo. Pauloest querendo ensinar que a glria de que aqui fala no a vanglria

    passageira que tanto impressiona e fascina os homens, mas aquelaque permanente e eterna, porque ela ser inabalvel no dia de Cristo.Por isso, Paulo celebrar o triunfo devido s muitas vitrias que eleconquistou sob a bandeira de Cristo e guiar em solene procisso a to-dos quantos foram trazidos sob o glorioso jugo de Cristo, por meio deseu ministrio. E a igreja de Corinto triunfar, uma vez que foi fundadae instruda por um apstolo to admirvel.

    56 Obscurci et abbastardi en eux par les propos obliques des faux-Apostres et autres malins. Obscurecidos e corrompidos pelas injustas afirmaes dos falsos apstolos, bem como outrasde pessoas maliciosas.

    57 Vaines et caduques; Vazios e evanescentes.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    41/55

    46 Comentrio de 2 Corntios

    15. Et hac fiducia volui primum ad vos ve-nire, ut secundam58gratiam haberetis, et per

    vos transire in Macedoniam:16. Et rursum e Macedonia venire ad vos, eta vobis deduci in Iudam.

    17. Hoc igitur quum animo propositum ha-berem, nuncubi levitate usus sum? aut qucogito, secundum carnem cogito? ut sit apudme Etiam, etiam: et Non, non.

    18. Fidelis Deus, quod sermo noster apudvos non fuit Etiam et non.

    19. Dei enim Filius Iesus Christus in vobisper nos prdicatus, per me, et Silvanum, etTimotheum, non fuit Etiam et non: sed Etiamfui in ipso.

    20. Qucunque enim sunt Dei promissiones,in illo sunt Etiam: quare et per ipsum sit AmenDeo ad gloriam per nos.

    15. E nesta confiana. Aps lhes haver razo para esperarem queele viria, mudou subseqentemente sua inteno. O fato de que agoraela tinha que defender-se, por haver mudado de inteno, revela queisso foi feito com base em falsa acusao contra ele. Ao dizer que pla-nejara visit-los, em virtude de sua confiana neles, Paulo transfereindiretamente a responsabilidade para os corntios, j que foram eles

    que impediram a ida dele, ao priv-los de sua confiana, em face daingratido deles.Para que pudsseis ter um segundo benefcio. O primeiro be-

    nefcio foi que Paulo gastara um total de dezoito meses [At 18.11] emconquist-los para o Senhor; o segundo foi que, com sua ida, eles se-riam confirmados na f j recebida e seriam motivados a fazer maisprogresso nela, por intermdio de suas santas admoestaes. Os co-

    rntios se privaram deste [segundo benefcio], no permitindo que oapstolo fosse ter com eles. Em conseqncia, eles se viam punindo-sea si mesmos em razo de sua prpria falta, destituindo-se de qualquer

    58 Seconde, ou double. Segundo ou duplo.

    15. E nesta confiana eu me dispus a irprimeiro a vs, para que pudsseis ter um se-

    gundo benefcio;16. E por vosso intermdio passar Maced-nia, e outra vez da Macednia ir ter convosco, e porvs ser encaminhado em minha viagem Judia.

    17. Portanto, ao assim me dispor, revelei le-viandade? Ou aquilo que pretendo, o pretendosegundo a carne, de modo que em mim haja osim, sim e o no, no?

    18. Mas, como Deus fiel, nossa palavrapara convosco no sim e no.

    19. Pois o Filho de Deus, Jesus Cristo, quefoi por ns anunciado entre vs, sim, por mime Silvano e Timteo, no foi sim e no, masnele est o sim. Portanto, quaisquer que sejamas promessas de Deus, nele est o sim;

    20. Pelo que, tambm, atravs dele oAmm, para a glria de Deus, por nosso inter-mdio.

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    42/55

    Captulo 1 47

    razo para responsabilizar a Paulo. Se algum preferir Crisstomo e ler(benefcio) em vez de (alegria), no fao muita objeo a

    isso,59porm minha prpria explicao mais simples.17. Revelei leviandade?H duas razes primordiais por que os

    planos humanos no so realizados com xito, nem suas promessas secumprem fielmente. A primeira que os homens mudam seu modo depensar quase que de um momento para outro; e a segunda que elesso mui precipitados no desempenho de seus compromissos. Fazerplanos ou promessas, para logo depois voltar atrs, sinal de insta-bilidade. Paulo est dizendo que ele estava livre de tais fracassos. Dizele: No uma questo de leviandade o haver eu voltado atrs na pro-messa que fiz. Ele tambm alega estar livre de autoconfiana temerriae injustificada, pois esta a maneira como interpreto a expressopre-tendo segundo a carne. Porque este, como j disse, um hbito comumnos homens, ou, seja, tomar suas decises sobre o que faro, de forma

    precipitada e presunosa, como se no dependessem da providncia deDeus, nem estivessem sujeitos vontade dEle. A fim de punir sua pre-suno, Deus reduz seus planos a nada e, amide, os expe ao ridculo.

    A expresso segundo a carne pode ser entendida num sentidomais geral, de incluir suas maquinaes perversas, no direcionadasa quaisquer bons propsitos aqueles, por exemplo, direcionadospor ambio, ou por avareza, ou por outros motivos perversos.

    Contudo, em minha opinio, ele no estava preocupado com essascoisas, nesta passagem, mas to-somente com a leviandade que toevidente, em todo tempo, na forma como os homens fazem seus pla-nos. Portanto, pretender segundo a carne deixar de reconhecer ogoverno de Deus sobre ns e afast-lo de ns, substituindo-o por uma

    59 A maioria dos comentaristas modernos explicam como ddivaou benefcio; mas os co-

    mentaristas antigos, e mesmo alguns modernos, como Wolf e Schleus, preferem o termogratificaopara traduzir . Pareceria significar benefcioem geral, toda vantagem espiritual ou gratificaode sua sociedade, comunicada por sua presena Bloomfield. Um manuscrito traz . Kypke,que traduz por alegria, cita exemplos em apoio de seu significado de , ainda que reconhe-cesse ser inusitado, com base em Plutarco, Polbio e Eurpedes. A frase traduzida por um prazermaiorna verso de Tyndale (1534), bem como nas verses de Crammer (1539) e Genebra (1557).

  • 8/12/2019 Joo Calvino - 2 Corintios

    43/55

    48 Comentrio de 2 Corntios

    presuno temerria, que Deus pune com justia e expe ao ridcu-lo. Para eximir-se desta falta, Paulo coloca esta pergunta na boca de

    seus oponentes, pois bem provvel, como j me referi, que boatosmaliciosos estivessem circulando.

    De modo que em mim haja o sim, sim, e o no, no?H quem tomeesta declarao com o que vem antes, explicando-a da seguinte maneira:Como se estivesse em meu poder realizar sempre o que pretendo. As-sim, os homens decidem fazer tudo quanto vem sua mente e ordenamseus prprios caminhos, quando no podem governar nem mesmo sualngua, como disse Salomo [Pv 16.1]. Certamente, as palavras signifi-cam que uma inteno, uma vez ratificada, deve permanecer inabalvel,e o que foi uma vez rejeitado no deve ser feito. Assim, Tiago diz emsua epstola [5.12]: Que vosso sim seja sim, e vosso no seja no, parano cairdes em dissimulao. Essa interpretao se ajusta muito bemcom o que vem antes, pois querer que nossas decises tenham, sem ex-

    ceo, a fora de orculos60

    , sem dvida, pretender segundo a carne.Entretanto, no se ajusta com o que segue imediatamente Deus fiel,etc. , pois quando Paulo quer asseverar que no agia com leviandadeem sua pregao, ele usa a mesma forma de palavras; e seria absurdose, quase no mesmo versculo, ele considerasse uma falha que seu simfosse sim, e seu no fosse no e, ento, prosseguisse reivindicando-ocomo sendo sua maior virtude. Eu sei que tipo de resposta seria dada

    por aqueles que tm predileo por distines sutis, porm no tenhoinclinao por algo que no possui nenhuma solidez.

    No tenho ne